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A institucionalizao da gesto e do desempenho organizacional por meio do Prmio Nacional da Qualidade

Banca Examinadora Prof. Carlos Osmar Bertero (Orientador) Prof. Flvio de Carvalho Vasconcelos Prof. Joo Mrio Csillag Prof. Liliana Rolfsen Petrilli Segnini Prof. Martinho Isnard Ribeiro de Almeida

FUNDAO GETLIO VARGAS ESCOLA DE ADMINISTRAO DE EMPRESAS DE SO PAULO

Marcelo Marinho Aidar

A institucionalizao da gesto e do desempenho organizacional por meio do Prmio Nacional da Qualidade

Tese apresentada ao curso de Ps-Graduao da EAESP/FGV como requisito para obteno de ttulo de doutor em Administrao de Empresas. rea de Concentrao: Organizaes, Recursos Humanos e Planejamento.

Orientador: Prof. Carlos Osmar Bertero

SO PAULO 2003 -ii-

AIDAR, Marcelo Marinho. A institucionalizao da gesto e do desempenho organizacional por meio do Prmio Nacional da Qualidade. So Paulo: EAESP/FGV, 2003, 255 pginas. (Tese de Doutorado apresentada ao Curso de Ps-Graduao da EAESP/FGV, rea de Concentrao: Organizaes, Recursos Humanos e Planejamento). Resumo: Este trabalho apresenta uma anlise institucional da disseminao do Modelo do PNQ por diferentes regies, setores e tipos de organizaes, investigando o papel dos principais atores e agentes envolvidos no processo. A partir da compreenso dos conceitos de campo organizacional, modismo gerencial e isomorfismo, consagrados na abordagem do novo institucionalismo, explorado como o modelo vem agregando e disseminando prticas gerenciais consideradas inovadoras, que so, em nome da excelncia, avidamente absorvidas pelas organizaes em busca de sua legitimao. Discutimos ainda o modelo do PNQ como mapa cognitivo, que atua mais no sentido de construir retrospectivamente significado para as decises e aes da organizao do que para direcion-las. Palavras-chave: campo organizacional, isomorfismo, abordagem institucional, racionalidade limitada, construo de significados, mapas cognitivos, mapas causais.

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ndice GeralApresentao_________________________________________________________________1 1-Introduo__________________________________________________________________3 2 - O Movimento da Qualidade e a Consagrao dos Prmios de Excelncia __________10 2.1. Um pouco de histria da gesto da qualidade: a viso dos gurus __________________11 2.2. A Sopa de Letras da Qualidade: ISO, TQM e TQC _____________________________15 2.3. As perspectivas para a gesto da qualidade e os modelos dos prmios de excelncia _20 2.4. Em Busca da Excelncia: A origem do Prmio Nacional da Qualidade______________25 3- Anlise Institucional e o Novo Institucionalismo________________________________34 3.1. Institucionalizao como infuso de valores: os lderes como projetistas de cultura ___37 3.2. Institucionalizao como um processo de construo social da realidade ___________45 3.3. A Difuso de Modelos e Modismos Gerenciais ________________________________54 3.3.1. Compreendendo a Difuso e Rejeio das Inovaes Gerenciais ______________57 3.3.2. Os Processos de Criao, Seleo e Difuso dos Modismos Gerenciais ________61 3.4. Institucionalizao e isomorfismo: A configurao do campo organizacional _________66 3.4.1. Isomorfismo Coercitivo ________________________________________________70 3.4.2. Isomorfismo Mimtico_________________________________________________73 3.4.3. Isomorfismo Normativo________________________________________________77 3.4.4. Variveis e Consideraes Gerais sobre o Isomorfismo nas Organizaes ______80 3.5. Ampliando o Entendimento de Campo Organizacional __________________________82 4 - Em Busca da Excelncia: Desempenho, Racionalidade e Processo Decisrio ______89 4.1. Efetividade e Excelncia Organizacional _____________________________________89 4.2. Balanced Scorecard: a busca da viso total e integrada da organizao ___________103 4.3. Processo decisrio: o modelo racional ______________________________________111 4.3.1. Ciclo de Controle e Ciclo de Aprendizado ________________________________112 4.3.2. O Modelo Racional de Soluo de Problemas ____________________________116 4.4. Limitaes do Modelo Racional de Tomada de Deciso ________________________120 4.4.1. A Racionalidade Limitada _____________________________________________120 4.4.2. Quem decide e para quem se decide? __________________________________124 4.4.3. Ambigidade e aspectos cognitivos da deciso ___________________________127 4.5. A construo social do desempenho________________________________________132 4.5.1 Performance como varivel independente ________________________________133 4.5.2. Performance como construo de significados ____________________________135 4.5.3. Justificativas e auto-atribuio para o desempenho ________________________137 4.6. Resolvendo Inconsistncias: Sistemas frouxamente agrupados e Mapas Cognitivos _139 4.6.1. O impacto dos elementos institucionais nas organizaes ___________________142 4.6.2. A busca da legitimao pela adoo de elementos institucionalizados _________144 4.6.3. Lidando com as inconsistncias________________________________________146 4.6.4. Compreendendo os sistemas frouxamente agrupados ______________________147 4.6.5 Mapas Cognitivos e a construo dos sentidos na organizao _______________150

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5 - Estudo de Campo: Anlise do Modelo do PNQ e de seu Uso nas Organizaes ____155 5.1. Metodologia de Pesquisa_________________________________________________155 5.1.1. Anlise dos Critrios de Excelncia _____________________________________155 5.1.2. Anlise do Processo de avaliao das empresas __________________________156 5.1.3. Anlise do Perfil dos Examinadores Seniores e Relatores (ERSs)_____________157 5.1.4. Anlise da difuso Setorial e Regional do modelo__________________________158 5.1.5. Anlise das prticas das organizaes premiadas _________________________159 5.2. O Contedo: Anlise Estgio Atual e Evoluo dos Critrios de Excelncia_________160 5.2.1. Objetivos do Prmio Nacional da Qualidade ______________________________160 5.2.2. Os Critrios de Excelncia do Prmio Nacional da Qualidade ________________163 5.2.3. Anlise dos Critrios de Excelncia _____________________________________166 5.3. O Processo: A FPNQ, a Avaliao e o Papel dos Examinadores _________________175 5.3.1. A Estrutura Organizacional da FPNQ____________________________________175 5.3.2. O Processo de Premiao e o Papel dos Principais Atores __________________178 5.3.3. O Papel dos ESRs na Institucionalizao do Modelo _______________________180 5.4. Os Atores: Perfil dos Examinadores Seniores e Relatores (ESRs) ________________182 5.4.1 Formao, Profisso e Dedicao dos ESRs ______________________________182 3.4.2. Opinio dos ESRs___________________________________________________186 5.4.3. Examinadores do PNQ: Anlise da Formao de um Campo Profissional ______188 5.5. A Difuso: o crescimento do modelo em diferentes setores e regies _____________190 5.5.1. Definindo o Campo Organizacional em torno do modelo do PNQ _____________191 5.5.2 O Perfil das Candidatas ao Premio Nacional da Qualidade ___________________193 5.5.3. O Prmio da Qualidade RS ___________________________________________195 5.5.4. O Crescimento dos Prmios Setoriais, Regionais e Internos _________________205 5.6. O Exemplo: Anlise das Prticas de Gesto das Premiadas no PNQ______________210 6 - Concluso_______________________________________________________________221 Bibliografia_________________________________________________________________224

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ndice de Quadros Quadro 1.1 Focos de Anlise e Questes-Chave do Estudo ____________________________8 Quadro 2.1 As Quatro Principais Eras da Qualidade________________________________14 Quadro 2.2 Os 10 Princpios da GQT ____________________________________________19 Quadro 2.3 Empresas Premiadas no PNQ ________________________________________30 Quadro 3.1 O antigo e o novo institucionalismo ____________________________________36 Quadro 3.2 Estgios de institucionalizao e dimenses comparativas __________________52 Quadro 3.3 Perspectivas tericas da difuso e rejeio das tecnicas administrativas_______58 Quadro 3.4 Combinando os ambientes tcnico e institucional _________________________85 Quadro 4.1 Principais Indicadores de Desempenho do PNQ _________________________102 Quadro 4.2 Conceituao dos Sistemas Frouxamente Ligados _______________________148 Quadro 5.1 Critrios, Itens e pontuaes do PNQ _________________________________166 Quadro 5.2 Instituidores, Mantenedores e Benemritos da FPNQ, ____________________176 Quadro 5.3 Os papis do Examinador Snior, Relator e Instrutor no Processo. __________180 Quadro 5.4 Dedicao dos Examinadores no Processo de Avaliao __________________185 Quadro 5.5 Competncias necessrias para o Examinador Senior ____________________186 Quadro 5.6 Razes para a disperso da Pontuao entre os Examinadores _____________187 Quadro 5.7 Grau de Inovao das Premiadas na Perspectiva dos Examinadores_________187 Quadro 5.8 Principais Setores das Candidatas ao PNQ_____________________________193 Quadro 5.9 Principais Estados das Candidatas ao PNQ ____________________________195 Quadro 5.10 Modalidades de premiao do PQRS (PGQP, 2002)_____________________198 Quadro 5.11 Participaes das empresas diamante e ouro no Prmio da Qualidade RS ___200 Quadro 5.12 Comparao das Prticas do Compromisso da Alta Direo ______________212 Quadro 5.13 Comparao de Prticas de Avaliao da Habilidade de Liderana ________213 Quadro 5.14 Comparao de Prticas de Planejamento do Sistema de Medio _________214 Quadro 5.15 Comparao de Prticas de Gesto das Informaes ____________________215 Quadro 5.16 Comparao de Prticas de Estrutura e Sistemas de Trabalho_____________217 Quadro 5.17 Comparao de Prticas de Certificaes e Ferramentas da Qualidade _____218 ndice de Figuras Figura 1.1. As Dimenses da Institucionalizao da Gesto por meio do Modelo do PNQ____7 Figura 2.1 A estrutura dos 7 Ss da McKinsey ______________________________________26 Figura 3.1 Processos Inerentes institucionalizao ________________________________47 Figura 3.2 O Ciclo de Vida de uma Panacia ______________________________________55 Figura 3.3 Modelo Genrico de Definio de Modas Gerenciais _______________________63 Figura 4.2 As perspectivas do Balanced Scorecard ________________________________105 Figura 4.3 O Relacionamento entre as prticas e resultados do PNQ __________________108 Figura 4.4 Diagrama de Gesto para os itens de enfoque e aplicao__________________113 Figura 4.5 Etapas da Abordagem Racional da Tomada de Deciso ___________________117 Figura 4.6 O Ciclo de Aprendizagem Experimental ________________________________130 Figura 4.7 Diagrama de Relacionamento entre enfoque, resultados e aprendizado. _______132 Figura 5.1 Modelo de Excelncia do PNQ _______________________________________164 Figura 5.2 Desempenho como conseqncia de aes de melhoria contnua_____________173 Figura 5.3 Estrutura Organizacional da FPNQ. ___________________________________177 Figura 5.4 Estrutura Integrada e Dinmica dos Critrios de Avaliao do PGQP ________197 -vi-

ndice de GrficosGrfico 5.1 Formao dos Examinadores ________________________________________182 Grfico 5.2 Formao dos Examinadores que iniciaram no PNQ em 1992. _____________183 Grfico 5.3 Atuao Profissional dos Examinadores _______________________________184 Grfico 5.4 Dedicao Profissional com o Uso do Modelo do PNQ____________________184 Grfico 5.5 Antiguidade dos Examinadores do PNQ _______________________________185 Grfico 5.6 Organizaes que aderiram ao Sistema de Avaliao - Nveis 1 e 2 _________199 Grfico 5.7 Premiaes no PGQP______________________________________________200 Grfico 5.8 Reincidncia de Candidaturas ao PGQP_______________________________201 Grfico 5.9 Crescimento das Candidatas por Segmento da Economia _________________202 Grfico 5.10 Evoluo de Candidatas por Ramo de Atividade da Indstria______________202 Grfico 5.11 Evoluo de Candidatas por Ramo de Atividade dos Servios_____________203 Grfico 5.12 Evoluo de Candidatas por Ramo de Atividade da Administrao Pblica __203

AnexosAnexo I Evoluo dos Critrios de Excelncia de 1992 a 1996 _______________________236 Anexo II Evoluo dos Critrios de Excelncia de 1997 a 2002 ______________________244 Anexo III Questionrio Examinadores Srs e Relatores______________________________249 Anexo IV - Tabela de Respostas dos Examinadores Seniores e Relatores _______________253

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AGRADECIMENTOS

S consegui concluir essa solitria empreitada porque tive a satisfao de contar com o apoio de diversos amigos e colegas de trabalho. Em primeiro lugar gostaria de agradecer ao Prof. Carlos Osmar Bertero, a quem tive a felicidade de ter como orientador, pelas discusses atenciosas que foram me ajudando na formulao do problema e da concluso desta tese. O apoio amigo e incondicional de antigos e novos colegas tambm foi decisivo para a concluso deste trabalho. Agradeo ao Flvio e Isabela Vasconcelos, Mrio Aquino Alves, Fernando Motta, Thomaz Wood, Miguel Caldas e Chico Aranha pela ajuda nos momentos mais crticos. Agradeo Cia pela reviso final do trabalho. No poderia deixar de agradecer tambm a Ana Maria Rutta, Antnio Tadeu Pagliuso e Marta Letcia, respectivamente Superintendente, Gerente Tcnico e Coordenadora de Tecnologia da Gesto da Fundao para o Prmio Nacional da Qualidade pela dedicao em fornecer as informaes que foram fundamentais para o Estudo de Campo. Nessa mesma linha fao um agradecimento especial Flvia Pithan, coordenadora do PGQP pelas horas de trabalho para poder levantar as informaes de que eu necessitava. A convivncia e debate com colegas, examinadores e juiz do PNQ, com quem venho trabalhando nos ltimos anos, tambm foram de muita importncia para minhas reflexes na construo do problema. Agradeo ao Prof. Joo Mrio Csillag, ao Prof. Haino Burmester, ao Jos Agenor Silveira, ao Carlos Amadeu Schauff, ao Marco Antnio Nutini, ao Rene Leonel Filho, ao Richard Vasques, Odcio Branchini e demais Examinadores Seniores e Relatores que colaboraram com a pesquisa. O apoio afetivo de familiares e velhos amigos tambm trouxe muito conforto nesse empreendimento. Obrigado ao meu pai pelo apoio, dedicao e carinho na reviso da tese. Obrigado minha me pela fora moral e afeto. Obrigado Mrcia, Lcia, Zuca, Lipe e agregados pelo companheirismo. Obrigado ao Z Ricardo, Fernanda, Elliot,

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Serena, Kimy e Bozelli, por terem se tornado esses amigos com quem sei que posso sempre contar. Obrigado ao Guto pelo incentivo permanente. Finalmente, devo agradecer a S pelo companheirismo, carinho e pacincia com que tem me acompanhado em muitos fins-de-semana e feriados de trabalho forado. Agradeo ao CNPq e CAPES pelo apoio proporcionado.

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APRESENTAOA literatura sobre os prmios de excelncia abundante. Desde o incio da febre da qualidade surgiram diversas revistas nacionais e estrangeiras especializadas no assunto, publicando estudos sobre a interpretao e a aplicao dos Critrios de Excelncia do Prmio Nacional da Qualidade (PNQ) e de outros prmios e sobre sua adoo para a avaliao da gesto e diagnstico organizacional. Alm disso, quase que invariavelmente, esses estudos enaltecem as organizaes premiadas. Com a profissionalizao do campo da qualidade e da criao de cursos de extenso nessa rea, cresce o nmero de dissertaes que tem como foco os prmios de excelncia. Um levantamento realizado no Banco de Teses disponibilizado pela Capes (www.capes.gov.br) mostrou que as dissertaes de mestrado ou teses de doutorado que tratam do assunto PNQ, comea a crescer a partir de 1997. Entre 1994 e 1997 foram encontrados apenas trs trabalhos abordando o PNQ; j entre 1997 e 2001 esse nmero cresceu para dezoito. Embora o volume seja grande, a maioria deles aborda o tema de maneira instrumental, como meio ou ferramenta de diagnstico para analisar a gesto e melhoria de uma determinada organizao. Ao contrrio desses estudos, esta tese considera o prprio PNQ como objeto de estudo, enquanto que as organizaes, os examinadores e outros agentes so considerados como meios pelos quais o modelo se dissemina. Inicialmente minhas principais questes baseavam-se em pressupostos voltados para uma forte racionalidade instrumental que raramente consegue chegar a respostas definitivas sobre o impacto de um determinado modelo de gesto ou estrutura na performance organizacional. Dentro dessa perspectiva desejava investigar a relao entre a adeso das empresas brasileiras ao modelo do PNQ e os resultados alcanados por essas empresas. Um estudo que me inquietava na ocasio, desenvolvido pelo National Institute of Standardization and Tecnology (NIST), que a exemplo de diversos estudos promovidos por consultorias e organismos de certificao, buscou mostrar que empresas que conseguiam bom desempenho no Malcolm Baldrige National Quality Award (MBNQA) o prmio da qualidade norte americano - obtinham

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tambm uma valorizao de suas aes, superior a trs vezes o crescimento do valor das 500 maiores empresas da Standard & Poors. Com o amadurecimento da pesquisa notei que a dificuldade em se analisar os resultados obtidos no vinham to somente da falta de indicadores objetivos e confiveis para as organizaes brasileiras, mas do fato de que a analise acabaria por se tornar circular. Ou seja, como os Critrios de Excelncia dedicam um peso elevado para os resultados do negcio, com grande nfase nos resultados financeiros e de mercado, e como a maioria dos parmetros de sucesso ou excelncia organizacional incorpora direta ou indiretamente indicadores dessa natureza, poder-se-ia apenas concluir que a avaliao, com base nesses critrios, um bom mecanismo para aferir o desempenho organizacional. Alm disso, a prpria definio de sade e efetividade organizacional pode variar muito em funo de diversos aspectos contingenciais. Assim, em vez de examinar, a partir de uma racionalidade causal, os impactos do modelo do PNQ nos resultados organizacionais, considerei mais importante a compreenso do porqu e como o modelo do PNQ influencia tanto algumas organizaes e como ele se dissemina to velozmente entre diversos setores da atividade econmica. Encontrei na abordagem institucional, bem como em alguns estudos cognitivistas, explicaes para essas questes. Adotando as diferentes perspectivas do antigo e do novo institucionalismo, pode-se compreender como o modelo do PNQ se dissemina internamente e como ele exerce atrao interorganizacional, a partir da formao de campos de influncia ou campos organizacionais. O poder de seduo do modelo pode tambm ser muito bem compreendido quando o consideramos como mapas cognitivos ou modelos mentais que ajudam a nortear a gesto das organizaes, atuando em ambientes de grande incerteza e ambigidade.

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1-INTRODUO

Para ganhar legitimidade, os modelos de gesto freqentemente buscam sensibilizar os empresrios e executivos utilizando a lgica da eficincia, dos resultados,

especialmente faturamento e lucro. Muitas pesquisas procuram assim estabelecer uma relao causal entre um determinado modelo de gesto adotado e os resultados organizacionais obtidos. Entretanto, as relaes causais em muitos destes estudos, so muito simplistas para captar a realidade organizacional. Alm de complexo, o ambiente organizacional atual bastante dinmico e condicionado por diversas variveis, no nos permitindo fazer suposies simplistas de causa e efeito, entre uma prtica de gesto ou uma tomada de deciso e o resultado produzido. H sempre muitas variveis externas no controlveis que impactam fortemente o desempenho das organizaes, eventos que se sobrepem uns aos outros para produzir um resultado especfico, cadeias complexas de relacionamentos ou at simultaneidade ou sincronicidade entre um evento e sua possvel causa. Mais do que isso, para estudiosos da teoria cognitiva (ou teoria da dissonncia cognitiva) as decises tomadas so geralmente definidas retrospectivamente. Assim, muito comum, nas organizaes, que um resultado ou conseqncia de uma ao defina a prpria situao, e no o contrrio. Em outras palavras, o processo decisrio construdo muitas vezes a posteriori dos resultados e atua no sentido de ajudar a explic-lo. Se uma determinada explicao faz sentido, ento acredita-se que foi aquilo mesmo o que ocorreu (Weick, 1995). Uma questo de destaque em nosso estudo a prpria definio de efetividade ou sade organizacional. Muitos estudos tm demonstrado que os critrios de efetividade organizacional podero variar em funo de aspectos contingenciais, tais como o tipo de setor, a fase do ciclo de vida da organizao, o horizonte de tempo (curto ou longo) em que se considera as estratgias, entre outros fatores (Scott, 1998; Hannan e Freeman, 1977 e Yuchtmann e Seashore, 1971). Alm disso, o aumento da complexidade dos ambientes inter e intra-organizacional, em uma sociedade globalizada e cada vez mais interconectada, faz com que os critrios de mensurao de

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desempenho e de sade da organizao modifique-se constantemente, fazendo com que no apenas novas prticas de gesto, mas os prprios critrios de aferio do desempenho sejam constantemente alterados ou construdos, de acordo com a convenincia do momento e da parte interessada, a quem se deseja apresentar o resultado. O mecanismo pelo qual os certificados de qualidade tornam a gesto das empresas cada vez mais semelhantes parece bastante bvio, e obedece a um padro de isomorfismo coercitivo ou normativo (DiMaggio e Powell, 1983). Alguns estudos tm mostrado como os certificados de qualidade, de processos e do produto acabam gerando uma acomodao organizacional provocadas por esses mecanismos (Caldas e Vasconcelos, 2002). Embora muitas empresas adotem modelos de gesto e padronizao de processos normativos, h hoje entre os gestores um valor fundamental que rejeita as formas mais burocrticas de gerenciamento. H tambm um reconhecimento, mesmo entre as empresas que buscam atender a modelos de certificao de conformidade, de que este passo importante, mas no suficiente. Seria necessria tambm a implantao de modelos de gesto orientados, no apenas conformidade, mas diretamente aos resultados do negcio. Selznick (1971) defende que quanto mais precisa for a finalidade de uma organizao e quanto mais especializadas e tcnicas as suas operaes, menores as chances de foras sociais afetarem seu desenvolvimento. Seguindo esta linha de pensamento, pode-se dizer que atualmente a diversidade de organizaes e a prpria complexidade da gesto levam as empresas a buscarem formas e modelos aparentemente mais flexveis de gerenciamento. A lgica da eficincia produtiva substituda e travestida por um conjunto de resultados e metas organizacionais que extrapolam o alcance da produtividade e lucratividade das operaes. A empresa moderna multiplica suas finalidades iniciais devido s funes psicolgicas e sociais que desempenha. Quando isto ocorre, a organizao passa a ter um valor prprio. Para Selznick (1971), institucionalizar significa ento infundir um valor, alm das exigncias tcnicas da tarefa.

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Neste trabalho pretendemos mostrar a atuao do PNQ como um institucionalizador da gesto de diversas empresas e setores brasileiros. O mecanismo de

institucionalizao consagrado no PNQ, porm, se d de forma bem mais refinada do que ocorre no caso das certificaes, que atendem a parmetros exclusivamente normativos e, portanto, prescritivos. Ele ocorre por meio de infuso de valores conhecidos como os Fundamentos para a Excelncia e implantao de prticas, relacionadas a estes valores-chave, que impulsionam a organizao a alcanar resultados, com tendncias favorveis e acima do referencial comparativo selecionado. Diferente de alguns modelos de certificao, os Critrios de Excelncia procuram ser bastante genricos, e at certo ponto no prescritivos, para poder atender a uma grande diversidade de organizaes e possibilitar um grau de liberdade e criatividade entre as prticas de gesto apresentadas. O resultado final, porm, parece ser o estmulo ao isomorfismo, fazendo com que instituies de diferentes setores adotem prticas muito semelhantes, tal como nos modelos de conformidade normativa. Ainda mais do que isso, ao encorajar as empresas a associarem suas prticas aos resultados do negcio, os Critrios de Excelncia estimulam, s vezes de forma exagerada, uma viso de organizao, baseada nas premissas da racionalidade instrumental, que enxerga as decises como algo a ser otimizado e que os resultados como sendo, em grande parte, conseqncia das aes e polticas administrativas. Na medida em que o contexto organizacional se sofistica, aumenta a variedade de resultados considerados relevantes para a organizao aqueles que produzem impactos nas diversas partes interessadas, incluindo-se clientes, acionistas,

funcionrios e sociedade. As correlaes entre as prticas de gesto e estes resultados, ou mesmo entre as diversas categorias de resultados se tornam extremamente complexas para serem captadas por modelos matemticos tradicionais. Para alcanar a excelncia na gesto para o desempenho, os Critrios do PNQ estimulam a extrema racionalidade no processo decisrio organizacional. A pontuao mxima s poder ser alcanada quando esta complexidade de correlaes for compreendida, os resultados analisados e as decises otimizadas.

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Como, na prtica organizacional do dia-a-dia, as informaes no esto disponveis no momento da tomada de deciso, ou mesmo no so compreendidas por aqueles que as tomam (March, 1994), os resultados apresentados ficam descolados das prticas de gesto. Estas so, muitas vezes, justificadas a posteriori, com base nos resultados alcanados. Porm, ao adotar a estrutura do PNQ, cria-se a impresso de conforto e reduo de incertezas por uma suposta previsibilidade das aes gerenciais. Este estudo pretende evidenciar as principais presses isomrficas setoriais ou regionais que levam as empresas a adotar o Modelo de Excelncia do PNQ e, especialmente, as presses exercidas pelo campo de foras e respectivas partes interessadas (incluindo outras empresas do segmento, entidades de classe, clientes, governo, consultores e examinadores) que envolve a organizao nesse processo. Nossa hiptese central a de que a difuso do PNQ ocorre, em grande medida, por meio de processos isomrficos de tcnicas e mtodos administrativos, que vem recebendo a ateno de um nmero crescente de artigos na rea de gerenciamento de modismos administrativos (Abrahamson, 1991 e 1996; Gill e Whittle, 1993; Wood, 1997) e da teoria neo-institucional (Meyer e Rowan, 1991 e DiMaggio e Powell, 1991, Scott, 1987). Usando as noes e termos definidos pela teoria institucional, iremos testar como os processos de isomorfismo coercitivo, normativo e mimtico - conceituados por DiMaggio e Powel (1991), vem contribuindo para pressionar empresas na adoo do Prmio de Excelncia. Uma vez que esses processos so fortemente condicionados pelo campo

organizacional composto pelas diversas partes interessadas da organizao buscaremos caracterizar o isomorfismo ao redor do Prmio, a partir da anlise da concentrao de empresas que adotam o modelo dentro de um mesmo setor. Nossa anlise foi definida em torno de cinco dimenses que se complementam, como indica a Figura 1.1., a seguir.

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O Processo: Anlise da FPNQ e do Processo de Avaliao

Os Atores: Anlise do Perfil e Opinio dos Examinadores

O Modelo: Anlise dos Critrios do PNQ

Os Exemplos: Anlise do Isomorfismo entre as premiadas

A Difuso: Anlise regional e setorial da difuso do Modelo

Figura 1.1. As Dimenses da Institucionalizao da Gesto por meio do Modelo do PNQ

Com base nessa abordagem mltipla buscaremos compreender essas perspectivas, de forma integrada, levantando hipteses sobre como os modelos e modismos gerenciais se difundem por meio do Modelo do PNQ, quais os principais valores, conceitos e tcnicas vm sendo incorporados, quem so os agentes envolvidos, como eles vem promovendo as transformaes nas empresas, quais so os setores e/ou segmentos de atividades mais atrados pelo PNQ e em que grau a gesto das empresas premiadas apresentam semelhanas entre si, ou seja, qual o grau de isomorfismo das organizaes manufatureiras premiadas. O Quadro 1.1. apresenta os focos de anlise do estudo de campo e as respectivas questes-chave.

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FocoAnlise do Modelo do PNQ

AnliseEvoluo e estgio atual dos Critrios de Excelncia

Questes-Chave Como os Critrios de Excelncia procura manter-seatualizado, incorporando continuamente valores e modelos de gesto inovadores?

Os Critrios de Excelncia so suficientementeabrangentes para envolver todos os principais processos da organizao?

Os Critrios de Excelncia so suficientementegenricos para serem aplicados indiscriminadamente a qualquer empresa, independente de seu segmento, tamanho e natureza do negcio?

Como a racionalidade dos Critrios de Excelnciajustifica o aumento do desempenho na organizao? Anlise da FPNQ e do processo de avaliao A Fundao para o Prmio Nacional da Qualidade (FPNQ), os examinadores e o processo de avaliao. Examinadores Seniores e Relatores

Quais so as principais partes interessadas e comoelas se relacionam para a disseminao do Modelo do PNQ?

Como os examinadores atuam na institucionalizaodo modelo nas organizaes?

Anlise do Perfil dos Examinadores

Pode-se definir um campo profissional que reforce umcampo organizacional em torno do PNQ?

A profissionalizao da Banca Examinadora contribuipara o isomorfismo normativo entre as organizaes? Perfil das candidatas e premiadas do PNQ e do Premio Gacho da Qualidade e Produtividade (PGQP) Grandes Organizaes manufatureiras premiadas no PNQ entre 1992 e 2001.

Anlise da Difuso Setorial e Regional do Modelo Anlise do isomorfismo entre as organizaes premiadas

Pode-se observar uma tendncia de crescimento deorganizaes em determinados setores e regies que se candidatam ao PNQ e ao PGQP?

Mesmo sem carter prescritivo, os Critrios deExcelncia estimulam prticas muito semelhantes entre as organizaes?

Quadro 1.1 Focos de Anlise e Questes-Chave do Estudo

No Captulo 2 procuramos desenhar uma perspectiva histrica para o movimento da qualidade e seu desenvolvimento at a atualidade. A principal funo a de transmitir a perspectiva e o contexto da criao e difuso dos Prmios de Excelncia, de forma genrica, e do PNQ, em especial. Mostraremos, nessa parte, como os prmios de excelncia so criados em um ambiente organizacional em que passa a prevalecer a crena generalizada de que os modelos de gesto e, especialmente os valores, tem impacto decisivo na performance organizacional.

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No Captulo 3, a institucionalizao tem um papel central. O objetivo mostrar como esse conceito evoluiu do chamado antigo institucionalismo at o novo

institucionalismo, dando destaque especial para as noes de isomorfismo e de campo institucional, que so fundamentais para o entendimento de como o Modelo do PNQ pode ser visto como um institucionalizador dos modelos de gesto. Buscaremos explicar os trs tipos de isomorfismo (coercitivo, normativo e mimtico) definidos por DiMaggio e Powell (1991), que podem ser tambm observados na difuso do Modelo do PNQ. As questes relacionadas a excelncia, desempenho, racionalidade e processo decisrio so discutidas no Captulo 4. Nessa parte, no h um nico referencial terico adotado. Iniciamos o Captulo com a discusso do significado de efetividade e desempenho organizacional. Apresentamos em seguida como o modelo racional de tomada de deciso que direciona fortemente o pensamento do modelo do PNQ, para ento contrapor a noo de racionalidade limitada e outros problemas relacionados ao processo decisrio em situaes de muita ambigidade e incerteza. Novamente

abordaremos uma outra questo importante dentro do institucionalismo, associada ao papel da estrutura formal como mecanismo de eficincia versus legitimao para obteno de apoio das partes interessadas. O relacionamento desse debate com as vantagens de se adotar o Modelo do PNQ obvio. O captulo concludo mostrando como os mapas cognitivos ajudam a construir sentido e orientar a ao das organizaes. Sugerimos ento uma releitura do Modelo do PNQ e uma reflexo para at que ponto ele no tem sido usado como mecanismo de construo de significados para empresas a busca de mapas cognitivos e causais. No Captulo 5 apresentamos nosso estudo completo de campo, iniciando com a metodologia de pesquisa e passando para as anlises dos Critrios de Excelncia, do processo de avaliao, do papel e perfil dos examinadores mais antigos. Uma das anlises mais importantes desse Captulo refere-se ao grau de difuso do Modelo das empresas entre regies e setores no PNQ, e entre os diversos setores no Prmio Gacho da Qualidade e Produtividade (PGQP). Na ltima parte analisamos o grau de isomorfismo apresentado pelas organizaes de manufatura, premiadas entre 1992 e 2001.

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2 - O M OVIMENTO EXCELNCIA

DA

QUALIDADE

E A

CONSAGRAO

DOS

PRMIOS

DE

A dcada de 90 foi internacionalmente marcada pelo crescimento da utilizao nas empresas de padres, certificaes e sistemas da qualidade, gesto ambiental e at normas de segurana e sade no trabalho, dentre os quais pode-se destacar as normas ISO 9000, QS 9000, ISO 14000, entre outras. Paralelamente, e de forma no compulsria, surgiram os prmios nacionais da qualidade com o objetivo de estimular a modernizao e competitividade dos negcios nos contextos nacional e internacional, como por exemplo, o Prmio Deming, no Japo, o Prmio Malcolm Baldrige, nos EUA, o Prmio Europeu da Qualidade e o Prmio Nacional da Qualidade, no Brasil. Segundo Wilkes e Dales (1998:731), o surgimento de prmios de qualidade internacionalmente respeitveis (Deming Prize, 1951, Malcolm Baldrige, 1987 e Prmio Europeu, 1991) ofereceu a oportunidade para as empresas se avaliarem, buscando foras e oportunidades de melhoria, utilizando o modelo de gesto da qualidade total (GQT) e excelncia nos negcios que so o alicerce destes prmios. Embora muitos deles tenham sua origem e inspirao nos programas de qualidade total, hoje eles esto direcionados para a gesto integrada da empresa (Ettore, 1996). Assim, ainda que o foco deste estudo seja a anlise do PNQ, que atualmente incorpora muitos outros conceitos de gesto, alm da noo dos sistemas de garantia da qualidade e dos programas de Gesto da Qualidade Total, importante compreendermos a evoluo dos conceitos e tendncias associadas ao movimento da qualidade.

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2.1. U M POUCO DE HISTRIA DA GESTO DA QUALIDADE: A VISO DOS GURUS Para Garvin (1992), o conceito da qualidade surgiu como uma funo gerencial formal com o advento da produo seriada, e desde que adquiriu este status, se transformou profundamente. Para resumir esta transformao, o autor examina quatro principais eras da qualidade: A Inspeo, o Controle Estatstico da Qualidade, a Garantia da Qualidade e a Gesto Estratgica da Qualidade. Pode-se dizer que a inspeo representou o primeiro passo para uma atividade regular da qualidade dentro da empresa. A principal conquista, do ponto de vista do controle da qualidade, foi a criao de um sistema racional de medidas, gabaritos e acessrios, ainda no incio do sculo XIX. Antes disso, toda a tarefa de inspeo era feita a olho nu. O prprio arteso, ou aprendiz, sob a superviso de um mestre, verificava seu trabalho, aps t-lo concludo. No incio do sculo XX, o amadurecimento do sistema norteamericano de produo e o surgimento da racionalidade do trabalho, deram maior legitimidade tarefa de inspeo. A grande diviso e especializao do trabalho, consideradas pelos pensadores clssicos, como ponto de partida para o aumento da eficincia e produtividade, criam a tarefa de inspeo como uma tarefa isolada dentro das atividades produtivas. Essa abordagem era excessivamente defensiva uma vez que no buscava encontrar e resolver as causas dos problemas e defeitos, mas esperava que eles ocorressem para s ento elimin-los deixando suas verdadeiras causas intactas. Somente na dcada de 20 o controle da qualidade passa a ser visto como uma responsabilidade gerencial, com algumas tcnicas de inspeo um pouco mais avanadas. O movimento do Controle Estatstico da Qualidade reconheceu que a variabilidade era um fato concreto dentro da indstria e que deveria ser entendida por meios de princpios de probabilidade e estatstica. Diante disso, a questo da qualidade deveria ser repensada gerencialmente. O problema no era a existncia de uma variao, pois ela era inevitvel, independente das medidas que se tomasse. A questo, a partir da, seria a anlise das flutuaes aceitveis. Tanto o primeiro movimento como este confinavam a qualidade s reas de projeto e produo. Entretanto, a abordagem sistmica das organizaes, que ganha fora no ps-guerra, e que enfatiza o

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relacionamento dinmico da organizao com o ambiente, transforma essa viso. A noo de que a estrutura interna deve ser precedida pela estratgia e adequada a ela (Chandler, 1962) e de que a funo do planejamento estratgico, como atividade formal de considerar as variveis externas e utiliz-las em benefcio da organizao, traz uma nova perspectiva para a gesto da qualidade, agora mais voltada para o ambiente externo, especialmente s necessidades dos clientes. Apenas nos anos 50 e incio da dcada de 60 surge o que Garvin (1992) chamou de "Era da Garantia da Qualidade". Assim a qualidade passa de uma atividade restrita e fabril para uma disciplina com implicaes mais amplas para o gerenciamento. Essa abordagem da qualidade expandiu seu instrumental para muito alm dos processos estatsticos. Seus principais elementos eram: a quantificao dos custos da qualidade, o controle total da qualidade, a engenharia da confiabilidade e o defeito zero. A tentativa de melhoria da qualidade era feita a partir da premissa de que os defeitos tinham um custo. No se sabia, porm, quanto custava a no qualidade, uma vez que era difcil contabilizar os custos de reparao ou substituio de produtos defeituosos (Crosby,1980). O conceito de Controle Total da Qualidade surge pela primeira vez no final da dcada de 50, e se baseia na premissa de que a qualidade deve se estender bem alm da simples qualidade do produto, para alcanar a qualidade em todos os processos e atividades organizacionais, atravs do comprometimento de todos na empresa. A qualidade deixa assim de ser responsabilidade exclusiva do departamento de fabricao para ser responsabilidade de todos os envolvidos no processo, de tal forma que o controle da qualidade se inicie j no projeto do produto e s termine quando ele tiver chegado s mos do clien te. O profissional da rea de qualidade deveria, portanto, ter uma viso integrada da empresa. Os departamentos que antes eram considerados relativamente autnomos, devem agora integrar-se no todo. O planejamento da qualidade em alto nvel passa a ser feito a partir da coordenao da atividade nos diversos departamentos. Outro conceito associado garantia da qualidade a idia do "Zero Defeito", criado entre 1961-1962, na Martin Company, fabricante de msseis para o exrcito e marinha

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norte-americana (Garvin, 1992). A exigncia de se produzir um comando de msseis num curto espao de tempo e com perfeio levou a gerncia daquela companhia a uma grande mobilizao. Tendo pouco tempo para a rigorosa inspeo que era realizada nesse ramo de produo, a alta gerncia solicitava o comprometimento de todos, para que fabricassem o comando corretamente, j na primeira vez. Concluiu-se que o sucesso obtido fora decorrente de uma mudana bsica de atitude. A razo da falta de qualidade no era tanto devido falta de conhecimento e ateno dos funcionrios nem falta de instalaes adequadas, mas simplesmente pelo fato de que no se esperava a perfeio. Essa experincia popularizou o conceito do Zero Defeito, cujo objetivo principal era "promover uma vontade constante, consciente, de fazer o trabalho certo da primeira vez". A mobilizao de muitas empresas no sentido de dar treinamento que capacitasse seu pessoal a atingir altos nveis de qualidade cresceu consideravelmente. Tal treinamento passa a ter escopo muito alm do simples aperfeioamento tcnico do funcionrio, visando principalmente a mudana de sua atitude e conscientizao para com a qualidade. A partir de meados da dcada de 80 e incio dos anos 90 consagra-se a viso, denominada por Garvin (1992) de Gesto Estratgica da Qualidade. A alta administrao de diversas empresas, em nvel de presidncia e diretoria executiva, comea a envolver-se com o assunto qualidade, que passa a estar associada lucratividade, ao atendimento dos requisitos e s necessida des dos clientes e ao planejamento estratgico, e assim ser vista como uma arma agressiva de concorrncia. Nos EUA isso ocorre principalmente devido concorrncia externa - mais

especificamente a japonesa - que comeava a colocar no mercado norte-americano produtos de qualidade superior a custos mais baixos. Ao mesmo tempo, as exigncias dos consumidores tornavam-se maiores, pressionando as indstrias - atravs de rgos e associaes especiais - a produzirem com maior nvel de qualidade. Era necessria uma redefinio da qualidade dentro dessa nova perspectiva, que pode ser resumida nos seguintes tpicos: A viso do cliente deve estar presente em toda a organizao e direcionar suas principais aes, desde o planejamento estratgico passando pelo projeto da criao de um novo produto ou servio, at o atendimento do ps-venda; -13-

A Qualidade uma oportunidade de concorrncia e como tal deve ter uma forte participao e compromisso da alta direo, responsvel por patrocinar a mudana, exercendo liderana para mobilizao de todos na organizao; e

O papel a ser desempenhado pelos profissionais da qualidade no mais apenas s o de inspecionar, amostrar, contar, aplicar mtodos estatsticos, medir a qualidade ou planejar e estabelecer programas de aprimoramento. O papel do profissional de qualidade passa a ser o de educar e treinar, atuando como consultores de outras reas.

A cada novo estgio na evoluo da qualidade, a gerncia apresenta uma atitude cada vez mais preventiva no processo de melhoria da qualidade. Em vez de eliminar ou tentar reduzir o nvel de erros ou as falhas em si, a orientao muito mais relacionada identificao das possveis causas dos problemas e buscas de solues adequadas. O gerenciamento da qualidade passa a contemplar todo o processo, desde o projeto at os servios ps-venda, passando inclusive pela escolha adequada de fornecedores e, em alguns casos, acompanhando o processo de qualificao destes. O Quadro 2.1 ilustra bem a evoluo da qualidade, em cada uma de suas etapas, desde o seu surgimento enquanto uma atividade administrativa. Nele, pode-se ter uma clara viso de conjunto das mudanas que a qualidade sofreu at nossos dias.TPICOS INSPEO CONTROLE ESTATSTICO DA QUALIDADE Controle Um problema a ser resolvido Uniformidade do produto com menos inspeo Instrumentos e tcnicas estatsticas Deptos de Engenharia e Produo Controlar fazer previses dos limites aceitveis GARANTIA DA QUALIDADE Coordenao Um problema a ser resolvido proativamente Toda a cadeia de produo: projeto ao mercado Programas e Sistemas Todos os deptos, com baixo envolvimento da alta direo. Estruturar programas e polticas da qualidade. GERNCIA ESTRATGICA DA QUALIDADE Impacto Estratgico Oportunidade de concorrncia Necessidade do mercado e do consumidor Planejamento Estratgico, Mobilizao da Organizao. Todos na empresa, com a alta gerncia exercendo liderana. Desenvolver Cultura da Qualidade

Preocupao Bsica Viso da Qualidade nfase

Verificao Um problema a ser resolvido Uniformidade do produto Instrumentos de Medio Departamento de Inspeo Selecionar e separar produtos bons dos maus

Mtodos Responsabilidade

Orientao e Abordagem

Fonte: Adaptado de Garvin (1992) Quadro 2.1 As Quatro Principais Eras da Qualidade

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2.2. A S OPA DE LETRAS DA QUALIDADE: ISO, TQM E TQC Uma pesquisa realizada entre universitrios europeus e industriais do Reino Unido e Holanda (Van der Wiele et. al., 2000) mostrou que, para a maioria dos entrevistados, TQM1 era, no incio dos anos 90, um termo ainda vago para a maioria dos entrevistados. Entretanto, o levantamento indica que, a partir de 1996, a TQM passou a ser definida em duas direes a srie ISO 9000 e os modelos de Prmios de Excelncia. Criada em 1987, a partir da srie de normas inglesas BS 7750, as normas ISO 9000, se popularizaram rapidamente pelo mundo, e em especial pela Europa Ocidental, j nos primeiros anos da dcada de 1990. A Srie ISO 9000 ajudou a dar maior clareza nas definies do que ficou conhecido como Sistemas da Qualidade e garantia da qualidade. Pode-se dizer que, de uma forma geral, a implantao da ISO 9000 nas empresas est associada s presses externas, na maioria das vezes oriundas de clientes comerciais que ao terem o sistema da qualidade implementado em suas organizaes, passam a exigir como parte dos requisitos da qualidade que seus fornecedores tambm busquem a certificao de seus sistemas da qualidade, iniciando uma rede de difuso das normas ISO 9000, por meio de um efeito cascata. Embora as Normas no sejam legalmente exigidas, os governos tambm acabam exercendo presso, por meio de exigncias para que a rede de empresas fornecedores de organizaes pblicas, da administrao direta ou indireta, tambm se certifiquem. Empresas exportadoras, especialmente para pases da Europa, tambm sofrem presses comerciais fortes para a implementao das Normas ISO 9000. O levantamento de Van der Wiele et. al. (2000) que procurou identificar as principais presses (externas e internas) para a adoo da TQM, os fatores que condicionaram a escolha da ISO ou Modelo dos Prmios de Excelncia e as melhorias obtidas com o programa, chegou a interessantes concluses. Ele mostrou, por exemplo, que a implementao dos Sistemas da Qualidade ISO 9000 no demanda, de u ma forma geral, modificaes profundas na empresa, nem um grande envolvimento dos funcionrios. O estudo tambm foi capaz de identificar que, especialmente naqueles1

TQM Total Quality Managent, traduzida no Brasil como Gesto da Qualidade Total

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casos em que a implementao da ISO 9000 foi exclusivamente motivada por presses externas, os impactos do modelo nos resultados do negcio no foram percebidos. J os programas de auto-avaliao, baseados no modelo dos Prmios de Excelncia (Van der Wiele, 1996), parecem ser percebidos positivamente, especialmente quando esto alinhados s prt icas regulares da empresa de planejamento estratgico, planos de ao e decises oramentrias. A questo dos impactos nos resultados do negcio ser aprofundada quando discutirmos o papel dos modelos dos Prmios de Excelncia e seu processo de institucionalizao nas empresas. importante, porm ressaltar que, no caso brasileiro, a ISO 9000 percebida como uma vertente da qualidade, que se complementa GQT. Como essa no certificvel, com base em normas prescritivas, passou a utilizar inicialmente o modelo de avaliao do PNQ, para indicar avanos e ou lacunas nos programas de gesto da qualidade total. Por ter um escopo mais abrangente que a ISO 9000 a gesto da qualidade total foi e ainda capaz de seduzir muitos empresrios, consultores e executivos no Brasil e no mundo. Resultado das teorias dos principais gurus da qualidade, Deming (1986), Juran (1988) e Ishikawa (1985) a conhecida TQM representou, para muitos, mais do que um modelo de gesto, mas uma filosofia gerencial construda sobre um conjunto de conceitos e valores que consideram, segundo Hill (1991), a qualidade como uma questo estratgica, e no apenas um problema operacional, cabendo alta administrao estabelecer o sistema da qualidade, incluindo a poltica da qualidade, as prioridades, os procedimentos e os recursos necessrios para a transformao. A qualidade depende tambm de uma intensa coordenao horizontal e multifuncional, obtida por meio de uma estrutura informal de times que promovem a melhoria contnua. Outro ponto importante que a maioria dos problemas de falta de qualidade ocorre mais por questes de implantao de sistemas inadequados, do que por problemas relacionados aos trabalhadores. Em conseqncia disso, no se pode esperar ganhos de qualidade, apenas com o uso de slogans para os empregados. Em vez disso, deverse-ia aumentar a autonomia e responsabilidade dos nveis mais baixos da estrutura, que geralmente tm contato com os clientes ou com a produo e conhecem muitos dos problemas de perto.

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O movimento da qualidade tornou-se to central na gesto de muitas empresas, durante a ltima dcada, que qualidade passou a ser atribuda a praticamente a todos os tipos de tcnicas de gesto e iniciativas. Para Wilkinson e Willmott (1995) o apelo do termo que ele pode ser utilizado para legitimar todos os tipos de medidas, tcnicas e transformaes no campo do gerenciamento. Como vimos, alguns argumentos que tornam tanto o conceito de qualidade como a definio da maior parte dos programas de GQT sedutoras a idia de mudana de enfoque, em relao aos prprios objetivos do trabalho que, a partir desta perspectiva, deixam de estar amarrados s burocrticas descries de cargo e passam a observar melhor os requisitos e necessidades dos clientes internos e externos. Com isto, h uma clara proposta de quebra das barreiras departamentais que vinham sempre sendo atacadas como uma das piores disfunes das organizaes burocrticas.

Acompanhada por essa integrao horizontal, a filosofia do TQM traz uma idia, para muitos, ainda mais sedutora: a do empowerment, ou seja, uma reduo de barreiras no sentido vertical, com a reduo dos nveis hierrquicos na empresa, e a delegao das decises para aqueles que executam as aes. Segundo Kerfoot and Knigths (1995:225), embora a maior participao do funcionrio seja vista predominantemente como uma condio para construir a qualidade, por meio da cooperao, uma das atraes da delegao a de que ela ajuda a reduzir problemas de distores na comunicao, caractersticas inevitveis das relaes corporativas hierarquizadas. Para empresrios e executivos que buscavam frmulas claras e completas de gerenciamento dos negcios, a abordagem da GQT apresentou-se como soluo, j que a filosofia trazia uma srie de prescries em praticamente todos os campos da administrao, incluindo liderana, estratgia empresarial, marketing, recursos

humanos, pesquisa e desenvolvimento, produo/operao, gesto de fornecedores, alm das ferramentas de soluo de problemas que se aplicam, em geral, a qualquer rea.

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Assim, desde o incio da dcada passada, os programas de GQT tiveram uma penetrao enorme em entidades setoriais e empresas brasileiras. Como ocorrera anteriormente em outros pases, tais programas comearam a ser inicialmente difundidos nas indstrias para, posteriormente, atingir as empresas de servios. O Instituto Brasileiro de Qualidade Nuclear (IBQN) teve um importante papel na traduo e formulao dos Princpios da Gesto da Qualidade Total no Brasil. A criao do IBQN - uma organizao sem fins lucrativos - foi inspirada na necessidade do governo brasileiro, em 1978, de adotar um modelo altamente confivel para a Garantia da Qualidade dos empreendimentos nucleares brasileiros. Tendo uma atuao pioneira na rea da Garantia da Q ualidade, no pas, absorveu, desenvolveu e transferiu know how para as empresas brasileiras e passou a difundir os conceitos da Garantia da Qualidade para o meio industrial, estendendo sua ao Gesto pela Qualidade Total, contribuindo para a formao de multiplicadores de seus princpios to importantes para a produtividade e competitividade das empresas (IBQN 2002). O SEBRAE Servios Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas enxergou na filosofia da Gesto da Qualidade uma grande oportunidade de disseminar estes conceitos nas Micro e Pequenas empresas por meio de programas de treinamento e auto-implementao da Qualidade, com o objetivo de sistematizar mtodos, tcnicas e ferramentas da Qualidade, buscando melhor desempenho da empresa e

conscientizao quanto necessidade de melhoria contnua (SEBRAE: 2002). Quando foi lanado, o Programa da Gesto da Qualidade Total para as Micro e Pequenas Empresas tinha como principal argumento de venda o fato de que a abertura de mercado e a globalizao iriam exigir das empresas brasileiras um aumento urgente de competitividade, sendo necessrio uma adoo de novas tcnicas e, acima de tudo, mudana de filosofia gerencial (1993). Para viabilizar economicamente a implantao do Programa e alcanar uma grande massa de empresas, o SEBRAE nacional desenvolveu uma forma de auto-implantao que previa treinamentos semanais, conduzidos por consultores credenciados para grupos de 12 empresas,

simultaneamente. Com pequenas variaes cada uma das agncias estaduais do SEBRAE, coordenou a implantao do programa em seu Estado.

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O Programa foi capaz de traduzir os conceitos da GQT em linguagem simples para poder ser embalado na forma de Kit- faa voc mesmo, composto por manuais de auto implantao e vdeos, produzidos por artistas famosos, que explicavam os Princpios da GQT de forma humorstica. Os protagonistas dos vdeos, sempre representados pelo ator Guilherme Karan, representavam simultaneamente o papel de empresrios e de Guru. O enredo era uma constante. Comeava com o empreendedor conservador, improdutivo, sem foco nas necessidades dos clientes ou falta de viso sistmica de processos e, que ao ser iluminado por conselhos de um Guru da qualidade, conseguia produzir rapidamente as mudanas necessrias ao sucesso do negcio. O pacote de apostilas e manuais contm frmulas de gesto simplificadas, com um forte teor prescritivo e doutrinrio, mas genricas o suficiente para se adequar a qualquer tipo de negocio. Mesmo setores que tradicionalmente eram resistentes a perceber suas atividades como negcios, com finalidade de satisfao dos clientes e gerao de lucros ou receitas, como por exemplo os setores da educao e da sade, passaram a perseguir esta ou outras verses da GQT, que postula como os 10 Princpios da GQT (SEBRAE, 1993), aqueles apresentados no quadro 2.1.

Os 10 Princpios da Gesto da Qualidade Total 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. Princpio da Satisfao Total dos Clientes Princpio da Gerncia Participativa Princpio do Desenvolvimento Humano Princpio da Constncia de Propsitos Princpio do Aperfeioamento Contnuo Princpio da Gerncia de Processos Princpio da Delegao Princpio da Disseminao de Informaes Princpio da Garantia da Qualidade Princpio da No-Aceitao de Erros

Quadro 2.2 Os 10 Princpios da GQT

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Paralelamente ao modelo da GQT, que teve sua origem no TQM norte-americano, pode-se observar outras tendncias coexistindo no Brasil, no incio da ltima dcada. A Fundao Cristiano Otoni, em Minas Gerais, fundada por Vicente Falconi, um dos primeiros brasileiros a trazer a noo da Qualidade Total para o Brasil, representou a tendncia japonesa desta filosofia ou a Total Quality Control (TQC), com fundamentos semelhantes corrente do TQM, mas com forte vocao para a padronizao de processos e controle de metas e anomalias (Campos, 1992a e 1992b). Pode-se dizer, assim, que a dcada de 90 assistiu consolidao dos programas de qualidade em diversas organizaes e segmentos de empresas, no deixando de fora nem mesmo pequenas empresas familiares, que acabaram implantando os Programas da Qualidade, ainda que de forma caseira. Tal como ocorreu nas grandes empresas, muitas vezes a forma de gerenciamento no chegou a sofrer grandes modificaes, mas a retrica dos empresrios e executivos brasileiros passou a incorporar o jargo dos princpios da qualidade.

2.3. AS PERSPECTIVAS PARA A GESTO DA QUALIDADE E OS MODELOS DOS PRMIOS DEEXCELNCIA

Para Juran (1997), um dos principais gurus da qualidade, a recente recuperao de muitas companhias norte-americanas est associada ao desenvolvimento e

implantao de modelos e parmetros que as colocam de volta como empresas de classe mundial. Ainda, segundo ele, o maior obstculo para o avano desse processo a falta de liderana da alta direo. Em outro artigo, Juran (1993) enfatiza que dentre os papis no delegveis pela alta-direo, relacionados qualidade destacam -se: Instalar e participar da Comisso da Qualidade; Estabelecer as metas da qualidade, como parte da estratgia empresarial; Prover recursos para treinamento em gesto da qualidade em todos os nveis hierrquicos da empresa;

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Criar meios para medir os resultados obtidos; Rever as metas da qualidade e compar-las s alcanadas; e Revisar o sistema de recompensas para atender s mudanas

O conceito de melhoria da qualidade est cada vez mais vinculado s idias de avaliao permanente e aprendizado organizacional. Na concepo da gesto da qualidade, se no houver formas para medir ou avaliar alguma coisa, ser tambm difcil melhor-la. Se por um lado, assistamos a um crescente nmero de padres e normas para avaliar a qualidade do produto e os sistemas da qualidade, at meados da dcada de 80, pouca coisa havia a respeito de avaliao da gesto organizacional. As normas ISO 9000, originadas na Europa em 1987, no eram abrangentes o suficiente para captar a gesto da empresas como um todo. Nesse mesmo ano, foi criado nos EUA, o Malcolm Baldrige National Quality Award (MBNQA), atravs de legislao do congresso norte-americano, com o objetivo de promover a qualidade, melhorar produtos e servios e compartilhar as melhores prticas da indstria e negcios nos Estados Unidos (Townsend:1996). Inspirado inicialmente no Prmio Deming japons e contando com a contribuio de diversos especialistas americanos no assunto, o Prmio Malcolm Baldrige tinha como propsito essencial combater o crescimento da concorrncia estrangeira, mais especificamente a japonesa, que vinha ganhando presena em mercados em que tradicionalmente os Estados Unidos eram lderes absolutos. Tal desafio seria obtido com o aumento da qualidade dos produtos e servios, aumento de produtividade, reduo de custos e ganhos de rentabilidade da indstria e servios norte-americanos. Quando se observa as estatsticas de empresas candidatas ao MBNQA, entretanto, tem-se a impresso de uma baixssima representatividade de tal modelo. Em 1991, o Prmio Norte Americano tinha apenas 101 empresas candidatas, e veio caindo nos anos seguintes (Ettore, 1996), at alcanar, em 2002, o inexpressivo nmero, para o contexto empresarial dos Estados Unidos, de 49 inscries. Aps alguns ciclos de premiao, comeam a surgir crticas relacionadas ao Prmio da Qualidade. Muitas mencionavam que algumas empresas vencedoras encontravam-se com problemas financeiros srios, pouco tempo depois de sua premiao. O caso mais marcante -21-

parece ter sido o da Wallace Company (Brown, 1995). Vencedora do Prmio de 1990, a Wallace pediu sua concordata em janeiro de 1992, enquanto a imprensa acusava seus dirigentes de dar palestras de qualidade por todo o pas, sem se preocupar com os resultados financeiros do negcio. Afirmava-se ainda que o prestgio do Prmio Baldrige tinha sido abalado e que o nmero cada vez mais reduzido de empresas que se candidatava a ele seria prova disto. Examinando-se esta tendncia, o que se observa que, na realidade, comeou a crescer o nmero de prmios locais e estaduais, quase idnticos ao Baldrige, com pequenas adaptaes. Segundo Townsend (1996: p.8), um dos sinais de crescimento e fora do Baldrige o nmero de "clones" criados em cada estado. Embora tenham surgido outras crticas de diversas naturezas ao Prmio Baldrige, a maioria das publicaes sobre o assunto ainda o exaltam, sendo que algumas chegam atribuir o recente sucesso e retomada de resultados das empresas americanas a ele (Brown, 1995 e Townsend, 1996). Estudos promovidos pelo NIST tm mostrado que empresas que alcanam o ttulo de vencedoras no "Malcolm Baldrige National Quality Award" tm suas aes valorizadas mais do que trs vezes s aes das 500 maiores empresas da Standard & Poors, enquanto que as finalistas chegaram a aumentar o valor de suas aes, em torno de duas vezes mais do que as 500 maiores da S&P. DeBaylo (1999) refora que o declnio de empresas que se candidatam ao MBNQA est longe de representar um verdadeiro desinteresse pelos critrios e fundamentos preconizados pelo Prmio Norte Americano. Para este autor, os programas e prmios locais, estaduais e at internacionais tm crescido dramaticamente, e est sendo disseminado no apenas entre as empresas de manufatura e servios tradicionais, que historicamente adotavam programas da qualidade, mas tambm entre os setores de educao, sade e fundaes sem fins lucrativos. Esta mudana de perfil de empresas que buscam a excelncia, com base nos critrios do MBNQA mereceu at a criao de categorias e a adaptao dos critrios especficos, em 1994, para reas de educao e sade. Em 1996, 804 empresas se candidataram a prmios locais e estaduais, tendo este nmero crescido para 1081, em 1997.

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Atualmente, nos EUA, as empresas podem se candidatar ao Prmio situando-se nas categorias Businees, Health Care e Education (NIST, 2002). Segundo DeBaylo (1999), algumas das razes pelas quais a adoo dos Critrios de Excelncia pode ser importante para a organizao, so: A avaliao e melhorias obtidas com base nestes Critrios, tm impacto nos resultados do negcio, que podem ser aferidos pelo valor da empresa no mercado de aes, conforme mostram estudos conduzidos pelo NIST (1997); Os Critrios de Excelncia incorporam conceitos e valores que ajudam a relacionar as prticas de gesto aos resultados do negcio; Os Critrios fornecem um modelo estruturado para a excelncia do desempenho e ajudam a organizao a integrar suas principais prticas e iniciativas de melhoria; O modelo possibilita uma avaliao baseada em uma viso holstica, multifuncional e integrada da organizao, atuando como um termmetro para que os lderes possam prever resultados, e mensurar melhorias obtidas; O MBQNA possibilita o reconhecimento de empresas com maior grau de maturidade em sua gesto, e ainda, estimula a criao de premiaes internas para as diversas unidades de negcios, estabelecendo diferentes graus de premiao; A avaliao feita com base nos Critrios de Excelncia est relacionada s estratgias do negcio, e as melhorias podem ser incorporadas aos planos de negcio da organizao; O modelo reconhece a alta direo como o impulsionador das mudanas, forando uma participao mais ativa da cpula da organizao; O processo permite um aprendizado acelerado das organizaes que dele participam, por meio do relatrio de avaliao, produzido pela equipe de examinadores, indicando todos os principais pontos fortes e oportunidades de melhoria, e ainda, a troca de experincia das empresas finalistas e vencedoras do Prmio; -23-

Os Critrios expandem-se, incluindo novas exigncias ou melhoram as j existentes, para manterem-se atualizados como o estado da arte da gesto para a excelncia.

O crescimento contnuo de padres de gerenciamento da qualidade, gesto ambiental e prmios de excelncia empresarial evidencia um forte movimento no mundo dos negcios, no sentido de se padronizar modelos de gesto, considerados

universalmente vlidos. A formao dos blocos econmicos e a criao de programas nacionais para o desenvolvimento da competitividade das empresas parecem ter tambm contribudo bastante para isto. A necessidade de uniformidade de requisitos entre empresas dos pases membros da Comunidade Europia, por exemplo, parece ter sido decisiva para a criao e difuso das normas ISO 9000, em 1987, na Europa, para, apenas alguns anos depois, serem difundidas para o resto do mundo. O Brasil foi fortemente afetado por ambos os movimentos, passando, j a partir de 1990, representado pela Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT), a figurar como pas membro da ISO 9000. Dois anos mais tarde, como resultado do Programa Brasileiro de Produtividade e Qualidade (PBQP), foi criada a Fundao para o Prmio Nacional da Qualidade com a misso de promover a conscientizao para a qualidade e produtividade das empresas produtoras de bens e servios e facilitar a transmisso de informaes e conceitos relativos s prticas e tcnicas modernas, e bem sucedidas, da gesto da qualidade, atravs do Prmio Nacional da Qualidade (PNQ) (FPNQ, 2002). O Malcolm Baldrige influenciou decisivamente o prmio brasileiro, a tal ponto que at meados dos anos 90 o Comit responsvel pelas melhorias e atualizaes dos Critrios de Excelncia aguardava as revises realizadas por seus pares norte americanos. Como no caso do MBNQA, o PNQ no ultrapassou, desde a sua criao, em 1992, o marco de 33 candidaturas elegveis, um nmero at que proporcionalmente maior do que o norte americano, mas ainda muito pequeno quando pensamos no universo de empresas brasileiras. No caso brasileiro, os Critrios de Excelncia do PNQ seguiram, inicialmente, os mesmos critrios do Malcolm Baldrige National Quality Award. Nos anos subseqentes passaram a incorporar tambm alguns conceitos e critrios de outros prmios. Atualmente, e cada vez mais, os Critrios de Excelncia do PNQ tm se apresentado como ferramenta de diagnstico total da -24-

organizao, abrangendo os principais processos organizacionais e respectivos ciclos de aprendizagem, aplicveis a qualquer tipo e natureza de organizao, de qualquer tamanho. Tambm aqui no Brasil, observa-se o crescimento de prmios estaduais e uma forte expanso dos prmios setoriais.

2.4. E M BUSCA DA EXCELNCIA: A ORIGEM DO PRMIO NACIONAL DA QUALIDADE

A obra de Peters e Waterman (1986) serviu certamente como uma fonte importante de inspirao para a criao do Prmio Norte americano da qualidade, que mais tarde inspiraria o Prmio Nacional da Qualidade no Brasil. Ao definir termos como administrao de alto padro, inovao e excelncia os autores afirmam que: As empresas inovadoras no so apenas excepcionalmente eficientes na produo de novos inventos comercialmente viveis: as companhias inovadoras demonstram excepcional habilidade em responder continuamente a quaisquer tipos de mudanas em seus ambientes. Ao contrrio das companhias inerciais de Andrew Pettigrew, essas empresas inovadoras tambm mudam quando muda o ambiente. medida que se alteram as necessidades de seus clientes, que crescem as habilidades de suas competidoras, que se alteram os humores e tendncias do pblico, que se realinham as foras do c omrcio internacional, que mudam as regulamentaes governamentais, essas empresas modificam sua linha de ao, renovam-se, ajustam-se, transformam-se e adaptam-se. Em suma, elas inovam globalmente sua prpria cultura (p.13). Com base em um estudo realizado, por meio de entrevistas e fontes secundrias a 75 empresas americanas de grande reputao, os autores chegaram a oito atributos, ora denominados critrios, de empresas inovadoras e de alto padro, ou empresas excelentes. At os anos 70, grande parte das hipteses para explicar o sucesso de uma determinada estratgia focava na estrutura organizacional adotada. Fugindo desse paradigma, os autores sugeriram a necessidade de se compreender diversos outros fatores, de forma integrada, que ficaram conhecidos como os 7Ss da McKinsey2.

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Estrutura

Estratgia

Sistemas

Valores Comuns

Habilidades

Estilo

Equipe de Direo

Figura 2.1 A estrutura dos 7 Ss da McKinsey Peters e Walterman (1986, P. 11)

O modelo apresentado refora a viso sistmica de organizao e, mais do que isso, destaca a dimenso dos valores compartilhados que assumem um papel central nas causas de sucesso organizacional. Nesse sentido, os autores, quase que premeditando a exploso de estudos de cultura organizacional que viriam nos anos seguintes, afirmam que: surpreendente quo pouco as teorias atuais da administrao dizem respeito formao de valores e, particularmente, quo pouco dito a respeito das empresas como culturas (p.113).2

Os Sete Ss da McKinsey so em ingls Structure, Systems, Style, Staff, Skill, Strategy e Shared Values.

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No para menos que o livro tornou-se to rapidamente um bestseller. Afinal, ele prescrevia os atributos ou valores para a excelncia. Para eles o carter distintivo das empresas excelentes pode ser resumido a partir dos seguintes atributos: Firme disposio para agir, no deixando que o processo de tomada de deciso as paralise; Ao lado e junto com o cliente, aprendendo com eles, fornecendo qualidade, assistncia e confiabilidade incomparveis; Autonomia e iniciativa sendo promovidas em todos os nveis e setores da organizao, estimulando as pessoas a assumirem riscos, ainda que possam muitas vezes errar; Produtividade por meio das pessoas, respeitando os indivduos e suas idias e as estimulando por meio de metodologias participativas, como por exemplo, da criao de crculos de controle da qualidade; Mos a obra orientadas por valores, reforando a idia de Selznick (1971), de que o lder institucional antes de mais nada, um perito na promoo e proteo de valores. Ater-se ao conhecido, mantendo as atividades empresariais em torno de uma habilidade central, em vez da busca desenfreada por diversificao, modelo presente at os anos 70. Nos anos 90, esse valor, passa a ser uma bandeira para muitas grandes corporaes, em busca de suas competncias essenciais, especialmente a partir da publicao de Competing for the Future, de Hamel e Prahalad (1994). Forma simples e direo enxuta. A prescrio feita para a dcada de 80 era a de que as empresas deveriam ser compostas por uma pequena equipe de direo e simplificar sua estrutura com unidades empreendedoras e autnomas (a partir do conceito small is beatifull). Propriedades simultaneamente flexveis e rgidas, com autonomia para a deciso at o nvel da fbrica e desenvolvimento de produtos e valores e convices centralizados e permanentes.

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Esses pontos sinalizam, portanto que a busca do que passou a ser denominado excelncia depende de transformaes do ncleo de valores da organizao. Profissionais da rea da qualidade, habituados a pensar a padronizao de processos como forma de aumento de eficincia e qualidade, enxergam a a possibilidade de padronizar tambm valores. Surgem, porm, paradoxos curiosos j que os valores a serem padronizados referem-se, em alguns casos, a aspectos relacionados flexibilidade, inovao e aprendizado, que reconhecidamente so difceis de se obter por meio de forma muito sistematizada. O Malcolm Baldrige National Quality Award (MBNQA) prmio que homenageia o Secretrio de Comrcio Norte Americano entre os anos de 1981 e 1987 - foi criado pela Lei Pblica, 100-107, de 20 de agosto de 1987, por meio de uma parceria entre o poder pblico e a iniciativa privada, que estabeleceu a Foundation for the Malcolm Baldrige National Quality Award, j em 1988. A lei pblica que criou o Prmio Malcolm Baldrige afirma que: A liderana da qualidade dos produtos e servios norte americanos tem sido fortemente desafiada (e algumas vezes com sucesso) pela competio estrangeira e o crescimento da produtividade tem melhorado menos que a dos competidores, nas duas ltimas dcadas. A indstria e negcios americanos comeam a entender que baixos nveis de qualidade custam s suas companhias algo como 20% de suas vendas e que a melhoria da qualidade dos produtos e servios caminha junto com o aumento da produtividade, reduo de custos e ganhos de rentabilidade; O planejamento estratgico da qualidade e os programas de melhoria da qualidade, por meio de um compromisso com a excelncia dos produtos e servios esto se tornando cada vez mais essencial para o bem estar e economia de nossa nao e nossa habilidade de competir efetivamente no mercado global. A melhoria do gerenciamento no cho de fbrica, envolvimento do trabalhador na qualidade e aumento da nfase no controle estatstico do processo pode levar a melhorias dramticas nos custos da qualidade dos produtos manufaturados.

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O conceito de melhoria da qualidade aplicvel s pequenas ou grandes empresas, ao setor de servios ou manufatura, iniciativa privada ou setor pblico.

Para obter sucesso, os programas de melhoria da qualidade devem ser gerenciados com orientao para o cliente, o que poder exigir mudanas fundamentais na forma como a organizao conduz seus negcios.

Algumas das principais naes industriais tem combinado auditorias da qualidade, no setor privado, com prmios nacionais da qualidade, dando reconhecimento especial para os empreendimentos avaliados como exemplares.

Um programa de prmio nacional da qualidade desse tipo, nos EUA, poderia ajudar na melhoria da qualidade e produtividade quanto aos seguintes aspectos: Estimulando as companhias norte americanas a obter vantagens competitivas, pelo aumento da rentabilidade dos negcios; Reconhecendo o xito das companhias que melhoram a qualidade de seus produtos e servios, dando assim, exemplo s outras organizaes; Estabelecendo diretrizes e critrios que possam ser utilizados por organizaes diversas (industriais, governamentais e outras) na avaliao dos prprios esforos para melhorar a qualidade de seus produtos e servios; e Fornecendo diretrizes especficas para outras organizaes americanas que desejem aprender a como gerenciar para a qualidade e disponibilizando informaes detalhadas de como organizaes vencedoras foram capazes de modificar suas culturas e alcanar a superioridade.

No rastro do Macolm Baldrige, foi instituda, em outubro de 1991, a Fundao para o Prmio Nacional da Qualidade (FPNQ), entidade privada e sem fins lucrativos, fundada por 39 organizaes pblicas e privadas para administrar o Prmio Nacional da Qualidade (PNQ) e todas as atividades decorrentes da premiao, em todo o territrio nacional, e fazer a representao institucional externa do PNQ nos fruns internacionais. At o final de 2002, a FPNQ havia conduzido 11 ciclos de premiao do PNQ, com a avaliao de 230 organizaes. Dessas, 42 foram consideradas finalistas, sendo que 16 receberam o trofu do PNQ.

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Para premiar as candidatas, o PNQ considera as seguintes categorias de organizao (FPNQ, 2002): Grandes Empresas - organizaes que possuem mais de 500 pessoas na fora de trabalho. Mdias Empresas - organizaes que possuem entre 51 e 500 pessoas na fora de trabalho. Pequenas e Micro-empresas - organizaes que possuem 50 ou menos pessoas na fora de trabalho. rgos da Administrao Pblica Federal e Estadual - poderes Executivo, Legislativo e Judicirio. Organizaes de Direito Privado sem fins lucrativos.

O Quadro 2.3. apresenta um resumo das 16 empresas premiadas at o ano de 2002.Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997 Empresa Premiada* IBM - Unidade de Sumar Xerox do Brasil Citibank - Unidade Pessoa Fsica Serasa Alcoa - Unidade de Poos de Caldas Citibank - Unidade Pessoa Jurdica WEG - Unidade de Motores Copesul Siemens - Unidade de Telecomunicaes Caterpillar Cetrel Serasa Bahia Sul Celulose Gerdau Aos Piratini Santa Casa de Misericrdia POA Politeno Categoria de Premiao** Manufaturas Manufaturas Prestadoras de Servio Prestadoras de Servio Manufaturas Prestadoras de Servio Manufaturas Manufaturas Manufaturas Manufaturas Mdias Empresas Grandes Empresas Grandes Empresas Grandes Empresas Org. sem fins lucrativos Mdias Empresas

1998 1999 2000 2001 2002

Quadro 2.3 Empresas Premiadas no PNQ

Adaptado dos Critrios de Excelncia 2003 (FPNQ, 2002)* A maioria das organizaes premiadas, especialmente as de manufatura, disponibilizaram seus Relatrios de Gesto, para que servissem como exemplo s demais. ** A partir do ano 2000, as categorias de premiao manufaturas e prestadoras de servios foram unificadas, passando a ser denominada simplesmente de grandes empresas.

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O primeiro ciclo de premiao ocorreu em 1992, quando foram adotados integralmente os Critrios do Malcolm Baldrige National Quality Award (Estados Unidos). Segundo os registros da prpria FPNQ, a escolha do Modelo do Baldrige decorreu do fato dele estabelecer critrios de avaliao sem prescrever metodologias e ferramentas de gesto. At o ano 2000, o Comit de Critrios, juntamente com a Gerncia Tcnica, vinha produzindo modificaes nos critrios, observando outros modelos de Prmios Nacionais, mas com uma forte vinculao em relao s mu danas sofridas pelo Malcolm Baldrige. A partir de 1997, atendendo-se a uma solicitao do Governo Federal, passou-se a contar com a Categoria de Premiao rgos da Administrao Pblica do Poder Executivo Federal. Isso exigiu que se criassem adendos interpretativos para garantir que termos como clientes, concorrncia, referenciais comparativos, entre outros, passassem a ser compreendidos pela administrao pblica direta e indireta. O modelo passou a ser surpreendentemente adotado em diversas instncias da administrao pblica, sendo criado, em 1998, o Prmio da Qualidade do Governo Federal (PQGF). A partir do Ciclo de 2003, o PNQ passou a aceitar inscries tambm dos Governos de Estado. At o final de 2002, mais de 9.000 profissionais haviam sido treinados pela FPNQ quanto aplicao dos Critrios de Excelncia, dos quais 5.880 se candidataram para atuar como voluntrios da Banca Examinadora e 2.256 atuaram efetivamente como Juzes, Examinadores Seniores, Examinadores Relatores e Examinadores. Alm disso, a FPNQ distribuiu, nesse perodo, cerca de 250.000 exemplares dos Critrios de Excelncia do PNQ (FPNQ, 2002). Confirmando uma tendncia observada no Malcolm Baldrige, quando se analisa o nmero de organizaes candidatas ao PNQ, ano a ano, tem se a impresso de que o modelo est disseminado apenas para um nmero muito restrito de empresas. O quadro abaixo ilustra esta evoluo.

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Evoluo de Empresas Candidatas ao PNQ 35 30 25N EmpresasCandidatas Finalistas

32

31

32 30

29

22

21

20 15 10 10 5 0 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 8 6 2 2 3 6 4 1 4 3 3 3 7 13

Grfico 2.1. Evoluo das Candidatas e Finalistas ao PNQ

Segundo depoimentos da Gerencia Tcnica da FPNQ3, o objetivo daquela organizao no mesmo o de aumentar muito alm desse nvel, o nmero de candidaturas de empresas. Para ele, a meta aumentar o nvel das empresas que se candidatam, e conseqentemente o nmero de empresas finalistas e vencedoras. O objetivo de disseminao ou massificao do modelo entre empresas de diversas reas e setores seria um papel dos prmios estaduais. Essa percepo compartilhada pela Coordenao do Programa Gacho da Qualidade e Produtividade (PGQP)4, o pioneiro e recordista em nmero de canditadura de empresas, entre os diversos prmios estaduais e setoriais criados nesse perodo. Tambm no Malcolm Baldrige, o baixo nmero de empresas que se candidatam explicado, muitas vezes, pela expanso dos prmios estaduais (Brown, 1995 e Ettore, 1996). Segundo a FPNQ (2002b):

3 4

Entrevista realizada com o Sr. Antnio Tadeu Pagliuso, Gerente Tcnico da FPNQ, em setembro de 2002. Entrevista realizada com Flvia Pithan, coordenadora do PGQP, em outubro de 2002.

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Da experincia adquirida ao longo destes anos, cumprindo com a sua misso institucional, a FPNQ estimulou e participou da criao de diversas premiaes setoriais e regionais. O domnio do conhecimento na rea de avaliao, utilizando o modelo bem sucedido do PNQ, aliado a um Cdigo de tica seguido rigorosamente pelas Bancas Examinadoras, bem como as sucessivas atualizaes implementadas nos Critrios de Excelncia, a partir da troca de informaes com as instituies congneres Fundao no exterior, geraram a credibilidade que hoje sustenta o Prmio Nacional da Qualidade (p.5). Os critrios adotados pelos prmios estaduais tm sido rigorosamente os mesmos, porm baseado em uma verso simplificada Os Primeiros Passos para a Excelncia, editado pela prpria FPNQ, desde 1996. A idia criar nveis intermedirios, menos exigentes, a fim de estimular empresas em fase inicial de adoo do modelo. Esta publicao tem trs objetivos: a) apresentar os critrios de gesto do PNQ de forma simplificada; b) permitir a auto-avaliao de qualquer tipo de organizao; e c) servir como referencial avaliatrio para as diversas iniciativas de premiaes internas, setoriais e regionais, que esto se desenvolvendo no Brasil (FPNQ,2002b). Nesse sentido, prmios estaduais e setoriais, como por exemplo, e respectivamente, o Prmio Qualidade RS e o Prmio Nacional da Qualidade em Saneamento (PNQS) criaram nveis ainda mais simplificados. No caso do Prmio Qualidade RS, j h hoje trs nveis de premiao - valendo 250, 500 e 750 pontos at que se chegue ao PNQ, que adota uma escala de 1000 pontos. Os papis de disseminao e massificao dos prmios estaduais sero detalhados no final do trabalho.

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3- ANLISE INSTITUCIONAL E O NOVO INSTITUCIONALISMO

Para analisarmos os prmios com base na anlise institucional importante discutir as diferentes e principais correntes e autores da teoria institucional, representada principalmente pelas clssicas obras de Selznick (1971) e pelo neoinstitucionalismo, que teve seu nascimento especialmente assinalado pelo artigo de Meyer e Rowan (1991), mas que se consolidou a partir de textos de outros renomados

neoinstitucionalistas, como DiMaggio e Powell (1991), Zucker (1977), Tolbert and Zucker (1983 e 1996) e Scott e Meyer (1983). DiMaggio e Powell (1991) explicam esses movimentos enfatizando suas principais semelhanas e diferenas. Segundo eles, as abordagens do novo e do antigo institucionalismo compartilham um ceticismo em relao ao modelo racional de organizao, e enxergam a institucionalizao como um processo que torna as organizaes instrumentalmente menos racionais, limitando suas opes. Ambas as tendncias enfatizam o relacionamento da organizao com o seu ambiente e prometem revelar aspectos da realidade que so inconsistentes com a dimenso racional da organizao. Cada uma delas refora tambm o papel da cultura, na formao da realidade organizacional (p.11). Apesar dessas semelhanas, os autores caracterizam muitas diferenas entre essas tendncias. Para eles, enquanto que o antigo institucionalismo enfatiza os aspectos diretamente polticos dos conflitos de interesse, a criao de alianas e acordos, e ainda, se baseia numa intencionalidade das aes da liderana, o novo insitucionalismo trata dessa problemtica de forma mais perifrica, enfatizando as estruturas administrativas, altamente sofisticadas, elaboradas pelas organizaes para lidar com esses conflitos, que so raramente explicitados. Outra importante diferena a nfase dada pelo antigo institucionalismo aos aspectos informais e como esses se desviam e subvertem a estrutura formal. O neoinstitucionalismo, ao contrrio, aborda a irracionalidade, no como subverso, mas fazendo parte da prpria estrutura formal, atribuindo a difuso dos procedimentos e mtodos s influncias interorganizacionais,

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que ficam particularmente caracterizadas nas noes de isomorfismo coercitivo, normativo e mimtico (DiMaggio e Powell, 1983). As abordagens do antigo e do novo institucionalismo tambm divergem em relao a como as organizaes so impactadas pelo ambiente. Essa influncia, para o antigo institucionalismo, ocorre no mbito das comunidades locais, enquanto que para os neoinstitucionalistas, ela corta as fronteiras regionais e acontece por meio das interaes entre segmentos da economia, profisses e naes. Dessa forma, a influncia ocorre no por cooptao, como no caso da viso tradicional, mas por mecanismos mais sutis. Ainda, por entender que as influncias ocorrem por meio de redes de relacionamentos, o foco de estudo dos neo-institucionalistas recai muito mais no relacionamento interorganizacional, do que na organizao, enquanto uma unidade coerente. Como decorrncia disso, para a viso tradicional poderia haver uma diversidade

organizacional crescente, e a analise recairia sobre porque as organizaes mudam. J para a nova viso, a institucionalizao tende a reduzir a variedade e anular as diferenas entre as empresas, que se tornam padronizadas, porm apresentando formas inconsistentes e integrao funcional mnima. O Quadro 3.1 resume as principais diferenas entre as abordagens do antigo e do novo institucionalismo. Embora a distino entre o antigo e o novo institucionalismo seja freqentemente marcada pelos autores neoinstitucionalistas, e que a obra Leadeship in Administration (Selznick, 1957) e seu autor sejam vistos como um marco do velho institucionalismo, o prprio autor argumenta, em seu artigo Institucionalism Old and New (Selznik, 1996:271), que ele, em sua formulao original, de fato admitiu que talvez o aspecto mais importante da institucionalizao seja a infuso de valores, alm dos requisitos tcnicos da tarefa, porm no teria negado a importncia de outros aspectos de institucionalizao, incluindo a estrutura formal e a emergncia de normas informais, rituais, administrativas, ideologias e muitos outros aspectos da histria da organizao e seus mecanismos adaptativos. Ele afirma que, o prprio processo mimtico das organizaes, considerado como uma forma de legitimao organizacional e um comportamento de resposta s incertezas (DiMaggio e Powell, 1983), muito mais compulsrio do que uma forma racional (e intencional) de soluo de problemas.

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Antigo Institucionalismo Conflito de Interesses nfase na Estrutura rea de Influncia Natureza da Influncia Local da Institucionalizao Dinmica Organizacional Formas de Cognio Foco Central Estrutura Formal Comunidades Locais Cooptao Organizao Mudana Valores, normas e atitudes

Novo Institucionalismo Foco Perifrico Estrutura Informal Campo Profissional, Setor e Sociedade Isomorfismos coercitivo, normativo ou mimtico Campo Organizacional ou Sociedade Persistncia Classificaes, rotinas, modelos e esquemas

Quadro 3.1 O antigo e o novo institucionalismo Adaptado de DiMaggio P. J. and Powell, W. W. (1991:10).

Em relao ao corolrio de que a estrutura formal no pode ser compreendida como um sistema racional de coordenao das atividades e que as influncias para a institucionalizao ocorrem mais interorganizacionalmente do que internamente nas organizaes, Selznick (1996:273) afirma que a estrutura formal institucionalizada tanto a partir de fora como de dentro (das organizaes) e no suplantada por prticas, atitudes, relacionamentos e compromissos informais, mas deve ser visto como um produto adaptativo, resultado de influncias ambientais incluindo as definies culturais de propriedade e legitimidade (Selznick, 1996:274). Para DiMaggio e Powell (1991:14-15) as formas organizacionais, componentes estruturais e no as organizaes so institucionalizadas, e que no so as normas e valores, mas os scripts, regras e classificaes (taken for granted) os materiais dos quais so feitas as organizaes. Selznick (1996:276) concorda que existem de fato essas diferenas de abordagem, mas entende que elas deveriam ser includas e relacionadas em uma nica teoria institucional. O autor busca, assim, uma

reconciliao entre o antigo e o novo institucionalismo, argumentando que a diferena

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entre os movimentos refere-se mais a uma diferena de foco de estudo do que a diferentes formas de enxergar o problema. Tendo como apoio o artigo de Scott (1987), que enfatiza os estgios de amadurecimento do institucionalismo, definimos como centrais os seguintes aspectos para o nosso estudo: a) o papel do lder na infuso de valores, b) o processo de construo social da realidade e seus impactos na organizao, c) a difuso de modelos, modas e modismos na organizao, d) as principais formas de isomorfismo e, e) a criao de um campo organizacional e seu papel na homogeneizao das organizaes.

3.1. INSTITUCIONALIZAO COMO INFUSO DE VALORES: OS LDERES COMO PROJETISTAS DECULTURA

A conceituao de institucionalizao como um processo de infuso de valores est fundamentada em uma das primeiras e mais influentes verses da teoria institucional, formulada por Selznick (1971) e seus seguidores. Com base nessa perspectiva, a estrutura organizacional vista como um veculo adaptativo modelado pelas caractersticas e compromisso dos participantes, bem como pelas influncias e restries impostas pelo ambiente externo. Assim, a institucionalizao refere-se ao processo adaptativo cujo princpio infundir valores, alm dos requisitos tcnicos da tarefa (Scott, 1987:494). Para Selznick (1971) organizaes so instrumentos criados pelas premissas da engenharia, podendo ser parcialmente projetadas para alcanar desempenho, mas possuem tambm uma dimenso atural. So assim produto de n adaptao e interao e so receptculos de idealismo de grupos. Segundo o autor: a organizao pode ser entendida como um instrumento tcnico para a mobilizao das energias humanas, que visam uma finalidade j estabelecida. Atribumos tarefas, delegamos autoridade, encaminhamos as comunicaes e encontramos algum modo de coordenar tudo o que foi decidido e parcelado. Tudo formulado como um exerccio de engenharia e subordinado aos ideais de racionalidade e disciplina (Selznick, 1971:5).

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A lgica da eficincia se aplica com clareza aos nveis mais baixos da empresa, cujos objetivos operacionais so mais bem definidos, atividades confinadas a operaes mais claras e estruturas de comando mais bem definidas. Quando chegamos ao escalo da alta administrao, porm, a anlise da eficincia torna-se bem mais difcil. Isto porque as decises, tarefas e objetivos tornam-se mais complexas. Mais importante torna-se ento a compreenso da organizao social e do significado de liderana institucional. Na perspectiva desses primeiros tericos do institucionalismo, ao se levar em conta as foras sociais internas e externas, os estudos institucionais do nfase mudana e evoluo da adaptao de tipos e prticas organizacionais. Como discutimos anteriormente, o novo institucionalismo, em vez de buscar compreender porque as organizaes mudam, buscar um entendimento do porque e como elas buscam a estabilidade. A teoria institucional de Selznick est claramente associada noo de cultura organizacional, especialmente conforme a definio de Schein (1983). Para Selznick (1971:14) a histria organizacional construda por meio das respostas que a organizao d para as diversas presses advindas do meio externo e interno. A estrutura social (leia-se cultura) assim resultante de respostas desenvolvidas e padres sociais crist