FILME SOCRATES. E AS INSTITUIÇÕES POLITICAS ATENIENSES.

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Filme: Sócrates - Considerações No começo do filme vemos Atenas sendo humilhada pelos espartanos, que derrubam suas muralhas... Os episódios se referem à parte final da Guerra do Peloponeso, momento em que alguns tiranos em Atenas assumem o poder apoiados pelos inimigos... Depois ocorre o retorno da Democracia, das assembleias e sorteios para a definição de magistrados... Assistimos ao velho Sócrates perambulando pelas ruas sempre acompanhado dos jovens, que o seguiam em busca de conhecimento. Xântipe, sua esposa (o filme apresenta apenas ela), vivia a reclamar que os filhos passavam fome... Seu marido passava muito tempo fora de casa, vivia acompanhado de jovens, mas não trazia dinheiro. O pior, dizia, era ouvir por aí que Sócrates estava atraindo a ira de vários cidadãos. Para seus discípulos, Sócrates ensinava que só há um bem: a Sabedoria... E que o único mal é a “presunção de saber”... E o que sabe Sócrates? Tem consciência da própria ignorância... Afirmava, quando questionado, que a única certeza que tem é a de que “nada sabe”. Por esse tipo de conhecimento não havia o que cobrar. Para muitos atenienses, porém, o filósofo era o responsável pela decadência da polis. Então, aos poucos, a sua irreverente forma de levar a vida e de lidar com as manias do povo, o fez alvo de perseguição no tribunal. Sócrates foi acusado (por Meleto com o apoio de Ânito e Lícon) de não crer nos deuses atenienses, de propor novas crenças e de corromper os jovens locais. A parte final é reservada ao julgamento em que o próprio filósofo realiza a sua defesa, e os momentos derradeiros na prisão junto aos discípulos. Talvez seja interessante reservar uma postagem para a defesa e os últimos momentos do filósofo destacados no filme. Filme: Sócrates - Política Pois é... Diziam que o tirano Crítias, e Alcibíades antes dele, ex-discípulos de Sócrates, cometiam injustiças aos atenienses... Muitos eram levados à tortura e à morte. Claro que isso era motivo de críticas ao filósofo. Sócrates insistia com os discípulos que aqueles tiranos haviam

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Filme: Sócrates - ConsideraçõesNo começo do filme vemos Atenas sendo humilhada pelos espartanos, que derrubam suas muralhas... Os episódios se referem à parte final da Guerra do Peloponeso, momento em que alguns tiranos em Atenas assumem o poder apoiados pelos inimigos... Depois ocorre o retorno da Democracia, das assembleias e sorteios para a definição de magistrados...Assistimos ao velho Sócrates perambulando pelas ruas sempre acompanhado dos jovens, que o seguiam em busca de conhecimento. Xântipe, sua esposa (o filme apresenta apenas ela), vivia a reclamar que os filhos passavam fome... Seu marido passava muito tempo fora de casa, vivia acompanhado de jovens, mas não trazia dinheiro. O pior, dizia, era ouvir por aí que Sócrates estava atraindo a ira de vários cidadãos.Para seus discípulos, Sócrates ensinava que só há um bem: a Sabedoria... E que o único mal é a “presunção de saber”... E o que sabe Sócrates? Tem consciência da própria ignorância... Afirmava, quando questionado, que a única certeza que tem é a de que “nada sabe”. Por esse tipo de conhecimento não havia o que cobrar.Para muitos atenienses, porém, o filósofo era o responsável pela decadência da polis. Então, aos poucos, a sua irreverente forma de levar a vida e de lidar com as manias do povo, o fez alvo de perseguição no tribunal. Sócrates foi acusado (por Meleto com o apoio de Ânito e Lícon) de não crer nos deuses atenienses, de propor novas crenças e de corromper os jovens locais. A parte final é reservada ao julgamento em que o próprio filósofo realiza a sua defesa, e os momentos derradeiros na prisão junto aos discípulos.Talvez seja interessante reservar uma postagem para a defesa e os últimos momentos do filósofo destacados no filme.

Filme: Sócrates - PolíticaPois é... Diziam que o tirano Crítias, e Alcibíades antes dele, ex-discípulos de Sócrates, cometiam injustiças aos atenienses... Muitos eram levados à tortura e à morte. Claro que isso era motivo de críticas ao filósofo.Sócrates insistia com os discípulos que aqueles tiranos haviam se afastado dos deuses... A Política não deveria consistir em dominar, mas em propagar a Justiça. A maior felicidade seria “ser justo”... A ignorância acerca do Bem leva certos políticos a cometerem injustiças, é isso que os faz permanecer em estado de ânsia constante... Mas a injustiça, exercida normalmente com o recurso da força que de fato possuem, revela sua fraqueza (o medo que têm de estarem cercados de inimigos). Haverá proveito em exercer poder dessa maneira? Quando tiverem perdido o poder só haverá a lembrança dos crimes que cometeram... E mesmo que tenham assim se enriquecido... Deverão sofrer por desconhecerem o Bem... Essa é uma das loucuras com as quais os políticos corruptos (por exemplo) devem conviver... O que deve contar para o administrador da polis é servir de exemplo a todos os seus

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concidadãos... Só o homem de virtude tem condições de assim proceder... Aqueles até darão a vida para defendê-lo. Enfim, Sócrates alerta aos seus discípulos que a Virtude é o conhecimento (e a prática) do Bem.

O filósofo é intimado a comparecer ante o próprio Crítias... Fica sabendo que está proibido de se dirigir aos jovens. Sócrates argumenta que não deseja nenhum poder, que os leva a refletir e a buscar a Verdade e a Justiça... Procura mostrar que o seu cotidiano é o de vivenciar diálogos e “extrair” a Verdade que já está no íntimo daqueles com quem conversa... É algo como o ofício de parteira, exercido por sua mãe... Ele pergunta “até que idade os homens são jovens?” e lhe respondem que até os trinta anos... O velho Sócrates indaga, então, se não poderá conversar com algum comerciante jovem acaso queira (por exemplo) comprar azeitonas... É claro que veem nisso mais uma de suas ironias. Colocam Sócrates e outros cidadãos atenienses intimados numa delicada situação, já que deveriam comprovar fidelidade à pátria e lealdade ao povo ateniense com atitudes. Um certo Cleon de Salamina estava sendo procurado porque fora condenado à morte, então sua tarefa seria capturar o homem...Vemos que o grupo sai determinado a cumprir a tarefa, mas Sócrates recusa-se a fazê-lo.

Filme: Sócrates - Polêmicas com SofistasTrasíbulo foi quem liderou os atenienses no combate aos tiranos e seus aliados de Esparta... Crítias foi morto na ação dos insurrectos na batalha do Pireu... Os discípulos de Sócrates viram nesses acontecimentos um alívio para o mestre, que vinha sofrendo perseguições políticas por desobedecer às ordens de Crítias... Sócrates seria condenado à morte pelo tirano... Porém, com o restabelecimento da Democracia, veio a anistia política... O Pritaneu voltaria a reunir os prítanes eleitos pelos diferentes demos. Na prática significava que eles governavam a cidade com os magistrados arcontes.

A cada dia o chefe do Estado (Epístato) era escolhido entre os prítanes, e isso ocorria por sorteio. Qualquer um poderia chegar ao poder supremo (apenas por um dia), guardando os segredos do Estado e as chaves do templo onde se guardava o tesouro público. Os atenienses acreditavam que os deuses definiam os resultados dos sorteios... Sem dúvida, algo complexo... De volta às ruas, Sócrates volta a sofrer provocações sobre sua existência marcada por polêmicas em relação às crenças das “pessoas comuns”. Há um episódio em que um ator narra em público um diálogo de Aristófanes em que o filósofo aparece como um caloteiro e usa de suas argumentações e questionamentos para se livrar das cobranças... Seus discípulos querem impedir a narração, porém o mestre não se importa e até se diverte... Novamente provocado, diz que “aquele Sócrates da narrativa” não existe e que apenas ouve a voz da razão, diferentemente dos demais cidadãos que creem em “presságios”... Os sofistas também pressionam o filósofo e, além de criticá-lo por nada cobrar dos discípulos, de forma a atrair um maior número de seguidores, retomam as críticas

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em relação a Crítias e seu vínculo passado... O tirano teria aprendido com Sócrates que “os deuses são invenções dos homens”... Mostram que Platão, seu discípulo, estivera a proclamar que o ideal para a cidade seria atribuir o seu governo a filósofos. O mestre afirma que Platão tem razão e pergunta aos sofistas (e entre eles está Meleto) se escolheriam um barqueiro, sapateiro ou médico por sorteio... Sócrates é alertado sobre o desprezo às tradições da pátria...Ele e suas ideias representavam um risco...

Filme: Sócrates - Sacrifícios aos deuses; Beleza; PiedadeVemos Sócrates e os discípulos passarem por um ritual de sacrifício ao deus Asclépio, um galo era a oferenda. Era certo Teodoro quem solicitava a celebração pedindo a cura do filho que beirava à morte. Sócrates diz aos discípulos que a oferenda parece algo muito insignificante ante a grandeza dos deuses e suas benesses... Será que os deuses precisam dessas oferendas? O homem pede muita coisa e a satisfação dos próprios desejos... “Com um galo esperam até ser poupados da morte.” Críton, um de seus fiéis discípulos, diz entender o apuro pelo qual os seres humanos passam quando a questão central é a morte... Mas o filósofo diz que a morte pode ser suave se for “próxima da Verdade”.

Os cidadãos tomaram conhecimento das acusações contra Sócrates feitas por Meleto. A caminho da porta do Arconte para saber sobre as acusações que sofre, Sócrates encontra Hípias (que segue a um Ginásio onde proferirá um “belo” discurso). Este o convida para que possa ouvir sua bela retórica... Sócrates lamenta não poder participar, mas permite-se algum tempo para discutir com o outro o conceito de Beleza. Sócrates deixa Hípias tão confuso com suas indagações que o encontro termina sem este explicar ao filósofo o que entende por Beleza. Com um outro, Sócrates conversa sobre a Piedade. Este abrira um processo contra o próprio pai... A discussão com o filósofo girou em torno do que é (ou não) agrado dos deuses... Então, o que agrada aos deuses seria piedoso... Mas o interlocutor mesmo revela que uma mesma decisão que tomamos pode agradar determinado deus e desagradar outro (já que eles próprios envolvem-se em conflitos), dessa forma não conseguiu chegar a uma conclusão e retirou-se embaraçado.Sócrates é aconselhado a arranjar um orador/advogado que possa defendê-lo no tribunal. Lísias é chamado. O orador mostra como fará a defesa do filósofo que, em síntese, concentra-se em legitimar os rituais atenienses e garantir que o acusado é um inofensivo, possui um passado patriótico, e já é velho demais. Sócrates não concorda com a proposta. Para Sócrates, não é possível permitir o ataque aos acusadores com mentiras (apenas) para garantir a continuidade de sua vida ameaçada . A vida só merece ser conservada se estiver balizada na Verdade. A procura da Verdade é que faz a vida de um homem ser alegre. Lísias diz que Sócrates está louco

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por dispensá-lo da defesa, já que os atenienses são sensíveis à “bela oratória”. Mas Sócrates está irredutível, ele mesmo fará a própria defesa.

As instituições democráticas de Atenas

O cidadão é o que tem parte na decisão e no comando. Esta participação exerce-se

através das assembleias, dos conselhos e dos tribunais. Retomando o caso de Atenas,

temos em primeiro lugar um órgão que abrangia a totalidade dos cidadãos, Eclésia ou

assembleia. Composta por cidadãos do sexo masculino com o serviço militar já cumprido,

inscritos nasdemos atenienses.

A Eclésia possuía funções legislativas e deliberativas: propunha, discutia e aprovava as

leis e o ostracismo; designava por eleição ou sorteio, os magistrados e fiscalizava a sua

actuação; decidia sobre a guerra ou a paz; negociava e ratifica tratados; controlava as

finanças e as obras públicas; julgava crimes políticos. As suas decisões eram tomadas por

maioria de votação, e esta fazia-se geralmente de braço no ar. Para não afastar os

cidadãos dos seus afazeres, a Eclésia reunia três a quatro vezes por mês, embora

algumas sessões durassem mais do que um dia.

Um outro, a Bulé ou conselho, contava cinquenta representantes de cada tribo, o que

perfazia um total de quinhentos membros. Para o exercício das suas funções, os buletas

subdividiam-se em dez sessões especializadas, cada uma com 50 membros.

As pritanias sucediam-se ao longo do ano na chefia do poder sob presidência do epístata,

espécie de chefe de Governo, sorteado diariamente e sem direito a reeleição. Para este

conselho, qualquer cidadão podia ser nomeado, mas não mais de duas vezes na vida, e

essas não seguidas, o que assegurava a rotatividade de exercício de tais funções.

Para além dos buletas, o Governo ateniense contava ainda com um corpo de magistrados

que executavam todo o tipo de funções públicas e faziam cumprir as leis. Eram

designados por eleição ou sorteio, consoante os cargos, e possuíam mandatos anuais. O

seu desempenho era fiscalizado pela Bulé e pela Eclésia, a quem tinham de apresentar

contas no final dos seus mandatos, apresentando, inclusive, relatório dos bens pessoais

tidos no início e no fim da função exercida. 

Deste corpo de magistrados os mais importantes eram os arcontes e osestrategos.

Os arcontes (10 em cada ano) eram sorteados na Eclésia, a partir de listas fornecidas

pelos demos (um por cada tribo). Organizavam as grandes cerimónias religiosas e

fúnebres e presidiam aos tribunais.

Os estrategos (10 em cada ano) ocupavam-se das questões militares, na chefia da

marinha e do exército e regiam a política externa. Não eram sorteados, mas eleitos,

mediante listas propostas pelas tribos, podendo cumprir vários mandatos. Os escolhidos

eram, quase todos, descendentes das famílias nobres (antigos eupátridas).

A aplicação da justiça cabia a dois tribunais. O Areópago era formado pelos arcontes que

haviam cessado funções e que nele possuíam assento vitalício; julgava os crimes

religiosos, os homicídios e os de incêndio. O Helieu julgava todos os restantes delitos;

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compunham-no 6000 juízes (600 por cada tribo), sorteados anualmente, que funcionavam

divididos por secções; os julgamentos constavam das alegações do acusador e do

acusado, posto o que se seguia o veredicto dos juízes que decidiam colectivamente, por

maioria, através do voto secreto.

“A preocupação de contrabalançar os perigos que eventualmente podiam conduzir à

degeneração do sistema deu origem a duas medidas preventivas famosas: o ostracismo e

a acusação de se ter feito uma proposta ilegal à Assembleia. Pela primeira, um cidadão

demasiado influente era afastado da cena política por um período que podia ir até dez

anos; pela segunda, podia ser castigado quem tivesse apresentado à Assembleia uma

proposta ilegal, ainda que aprovada por aquela” (Pereira, 1998).