Fisica Moderna e Contemporânea - Unidade II

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1 FUNDAMENTOS DA FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA Unidade II Conceitos de Relatividade Restrita e Geral Introdução A Mecânica Newtoniana não consegue descrever com precisão fenômenos que ocorrem a velocidades próximas à da luz. Nesta situação, os conceitos newtonianos de espaço e de tempo absolutos carecem de sentido por completo e se perdem. Conseqüentemente, tanto o espaço quanto o tempo são funções do estado de movimento do observador: por exemplo, o tempo passado no referencial de um observador que está parado é diferente do tempo passado para um observador em movimento uniforme relativo ao referencial parado. Tal diferença na passagem de tempo não é uma ilusão ou falsa impressão, ela é real. Contudo, as variações no tempo e no espaço só serão consideráveis se a velocidade relativa de um referencial para o outro seja alta o suficiente em comparação com a velocidade da luz. Entenda-se por “alta o suficiente” uma velocidade que possa produzir efeitos relativísticos consideráveis em alguma observação a ser feita. Na maioria dos casos práticos, as velocidades maiores do que 10% da velocidade da luz (cerca de 30 000 km/s) produzem correções relativísticas consideráveis. No entanto, há situações que mesmo em velocidades muito inferiores a 30 000 km/s necessitam usar correções relativísticas, como é o caso, por exemplo, do GPS (Sistema de Posicionamento Global, do inglês Global Positioning System), que necessita corrigir o tempo medido em cada um dos satélites de uma constelação de mais de 50 satélites, senão o posicionamento não é feito de forma correta. A Teoria da Relatividade Restrita (ou Especial) surgiu de uma tentativa de manter invariantes as equações do Eletromagnetismo Clássico (isto é, com a mesma forma algébrica) para referenciais que se movimentariam com velocidades constantes uns em relação aos outros, não valendo, portanto, para referenciais relativamente acelerados. No entanto, um dos postulados da Teoria da Relatividade Restrita garante a preservação da forma de qualquer lei

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FUNDAMENTOS DA FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

Unidade II – Conceitos de Relatividade Restrita e Geral

Introdução

A Mecânica Newtoniana não consegue descrever com precisão fenômenos que

ocorrem a velocidades próximas à da luz. Nesta situação, os conceitos

newtonianos de espaço e de tempo absolutos carecem de sentido por completo

e se perdem. Conseqüentemente, tanto o espaço quanto o tempo são funções

do estado de movimento do observador: por exemplo, o tempo passado no

referencial de um observador que está parado é diferente do tempo passado

para um observador em movimento uniforme relativo ao referencial parado. Tal

diferença na passagem de tempo não é uma ilusão ou falsa impressão, ela é

real. Contudo, as variações no tempo e no espaço só serão consideráveis se a

velocidade relativa de um referencial para o outro seja alta o suficiente em

comparação com a velocidade da luz. Entenda-se por “alta o suficiente” uma

velocidade que possa produzir efeitos relativísticos consideráveis em alguma

observação a ser feita. Na maioria dos casos práticos, as velocidades maiores

do que 10% da velocidade da luz (cerca de 30 000 km/s) produzem correções

relativísticas consideráveis. No entanto, há situações que mesmo em

velocidades muito inferiores a 30 000 km/s necessitam usar correções

relativísticas, como é o caso, por exemplo, do GPS (Sistema de

Posicionamento Global, do inglês Global Positioning System), que necessita

corrigir o tempo medido em cada um dos satélites de uma constelação de mais

de 50 satélites, senão o posicionamento não é feito de forma correta.

A Teoria da Relatividade Restrita (ou Especial) surgiu de uma tentativa de

manter invariantes as equações do Eletromagnetismo Clássico (isto é, com a

mesma forma algébrica) para referenciais que se movimentariam com

velocidades constantes uns em relação aos outros, não valendo, portanto, para

referenciais relativamente acelerados. No entanto, um dos postulados da

Teoria da Relatividade Restrita garante a preservação da forma de qualquer lei

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física, mesmo não sendo uma lei do Eletromagnetismo Clássico. A Teoria da

Relatividade Geral mantém invariante qualquer lei física mesmo em

referenciais relativamente acelerados.

No séc. XIX existiam dois problemas, além do problema do espectro de

radiação do corpo negro, que agitavam a comunidade acadêmica da Física: o

problema da existência ou não do éter e o problema da precessão do periélio

de Mercúrio. O primeiro foi resolvido mediante uma experiência muito precisa

conhecida por “Experimento de Michelson-Morley”, que deu suporte para o

enunciado de um dos postulados da Teoria da Relatividade Restrita e o

segundo foi resolvido pela Teoria da Relatividade Geral. Ambas as Teorias da

Relatividade, a Restrita e a Geral, representam mais um divisor de águas (além

da já abordada Teoria de Planck da Radiação do Corpo Negro) entre a Física

Clássica e a Física Moderna, pois foram bem sucedidas no tratamento de

situações as quais a Mecânica Clássica não conseguiu obter sucesso.

A Teoria da Relatividade Restrita, apesar de contrariar o senso comum (nas

próprias palavras de Einstein) e exigir um bom esforço mental para a

compreensão de cada situação-problema tratada, não é, em geral,

matematicamente complexa, entretanto a Teoria da Relatividade Geral exige

como pré-requisito um conhecimento profundo de diversos ramos da

Matemática considerados de alto grau de sofisticação técnica, podendo-se

citar: o Cálculo Tensorial, a Geometria de Espaços não Euclidianos, a

Geometria Diferencial, a teoria de Equações Diferenciais Parciais. A

compreensão da Teoria da Relatividade Geral exige também um domínio da

Física envolvida na Teoria da Relatividade Restrita, como: o conceito de

quadrivetores, somado à Cinemática e à Dinâmica Relativista (em quatro

dimensões). Por conseguinte, é possível dar um tratamento matemático

adequado ao ensino da Teoria Especial da Relatividade em um curso de

Especialização em Física voltado para o aprimoramento de professores do

Ensino Médio. Tal tratamento pode não ser completo, mas sem dúvida pode

ser satisfatório. Porém a Relatividade Geral exige um curso de longo termo

especialmente destinado a seu ensino e indubitavelmente está longe do

escopo de qualquer curso de especialização, dada a quantidade enorme de

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pré-requisitos de alto nível técnico necessários. Portanto, não há como passar

além do nível de uma apresentação qualitativa dos principais conceitos da

Teoria da Relatividade Geral.

Exemplo 2- O Problema do Éter

Os gregos antigos conceberam a idéia do éter como uma substância que

preencheria o céu na parte que está além das nuvens. Mais tarde, Newton

retomou essa idéia com o termo “substância etérea” em seu livro “Opticks” de

1704 para tentar explicar a refração e a difração da luz como resultantes de

vibrações no éter que viajariam a velocidades maiores do que a da luz. Sua

teoria corpuscular da luz dava uma explicação satisfatória para o fenômeno da

reflexão, mas ele precisou utilizar o éter porque a teoria corpuscular não dava

conta sozinha da explicação da refração e da difração.

No séc. XIX, o éter se tornara uma substância mais estranha ainda, que daria o

suporte para a propagação das ondas eletromagnéticas, especialmente a luz;

assim, a luz se propagaria como uma perturbação no éter tal qual uma onda se

propaga na superfície de um lago após uma pedra bater em sua superfície.

Para isso, ele deveria ter características mecânicas bizarras: para preencher

completamente o espaço, ele deveria ser um fluido; por outro lado, para poder

carregar as ondas luminosas, uma vez que estas possuem altas freqüências,

ele deveria ser extremamente rígido (milhões de vezes a rigidez do aço), mas

sem massa e sem viscosidade senão ele poderia frear o movimento da Terra e

o movimento de qualquer outro objeto extraterrestre (outros planetas, cometas

e meteoritos). Para a luz das estrelas e do Sol chegar a Terra, é claro que ele

não poderia ser translúcido, mas deveria ser completamente transparente e

contínuo até escalas bem pequenas, pois quaisquer descontinuidades

mudariam a trajetória da luz. Se ele fosse compressível, as ondas sonoras

poderiam se propagar nele e, por essa razão, ele seria incompressível. Para

maiores detalhes veja o site:

http://www.wisegeek.com/what-is-the-michelson-morley-experiment.htm

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A Experiência de Michelson-Morley

Figura 1: Os autores do experimento que tentou comprovar a existência do éter, mas com resultado negativo.

http://www.epola.co.uk/epola_org/michelson_morley_3.jpg

A transformação de Galileu é uma transformação entre as coordenadas e o

tempo para observadores com movimento relativo com velocidade constante.

Esta é uma transformação da Física Clássica que mantém invariantes as

acelerações observadas nos dois sistemas: o que está em repouso e o que

está em movimento com velocidade constante em relação a este. Assim, a

dinâmica newtoniana mantém-se invariante sob uma transformação de Galileu.

Entretanto, as equações de Maxwell do Eletromagnetismo não são invariantes

sob a transformação de Galileu. Na época, a pergunta que se lançou foi: Será

que a luz por se propagar no interior do éter teria como conseqüência a não

invariância sob uma transformação de Galileu? Isto teria o seguinte significado:

o Eletromagnetismo não continuaria o mesmo (com as mesmas equações) em

experimentos observados em referenciais não acelerados. Enquanto a não

invariância sob uma transformação de Galileu não privilegia nenhum referencial

(as equações são as mesmas tanto para o referencial parado quanto para o

referencial em movimento uniforme em relação a este), o éter seria então para

o Eletromagnetismo um referencial privilegiado, um referencial absoluto, em

que tudo poderia ser observado sob seu ponto de vista.

A velocidade da luz nas equações de Maxwell depende unicamente das

condições do meio em que a luz se propaga: da permissividade elétrica e da

permeabilidade magnética, de forma que, se o meio é único, a velocidade é

universal e não apenas local, mesmo que neste meio existam dois sistemas de

referência diferentes, um parado em relação ao meio e um em movimento

uniforme em relação a este meio. Como a velocidade da luz no éter só

depende das propriedades do próprio éter, detectar um movimento relativo ao

éter a partir de um laboratório ligado a Terra consistiria em detectar uma

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variação da velocidade da luz viajando ao longo do movimento da Terra ou em

sentido contrário a seu movimento, já que ambos, luz e Terra estariam se

movendo em relação ao éter. Até mesmo na situação em que este último

estivesse formando uma espécie de vento – um fluxo global – haveria a

possibilidade de se detectar essa variação na velocidade da luz. Veja a figura

2.

Contudo, a velocidade da Terra no movimento de translação em torno do Sol é

de 30 km/s. Se comparada à velocidade da luz no vácuo, 300 000 km/s, medir

a variação de 30 em 300 000 é o mesmo que medir uma parte em 10 000, isto

é, 0.01% de erro relativo. Assim, a idealização de um experimento que pudesse

medir variações na velocidade da luz ao longo da velocidade da Terra em torno

do Sol ou em sentido contrário demandaria um esforço bastante grande na

busca de uma construção experimental que pudesse ser sensível o suficiente

para medir uma parte em 10 000 ou mais. Dadas as circunstâncias da época

Figura 2: Diagrama representando o vento do éter. http://en.wikipedia.org/wiki/Luminiferous_aether

(quarto final do séc. XIX) haveria a possibilidade apenas com uma cuidadosa

montagem de interferometria luminosa. Tal montagem ficou com conhecida

como “experimento de Michelson-Morley”. Para uma simulação da experiência

visite o site

http://galileoandeinstein.physics.virginia.edu/more_stuff/flashlets/mmexpt6.htm

A montagem da experiência de Michelson-Morley pode ser vista na figura 3.

Na montagem há dois braços horizontais com comprimentos iguais e

perpendiculares e no centro há um divisor de feixe de luz, que pode ser um

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vidro transparente semi-espelhado ou dois prismas de 45° colados entre si pelo

lado maior com uma cola transparente (em geral, uma goma).

Figura 3: Montagem do experimento de Michelson-Morley.

http://www.dkimages.com/discover/previews/946/30018983.JPG

Uma fonte de luz e um colimador (modernamente, utiliza-se apenas um laser)

produzem o feixe de luz que é dividido em dois pelo divisor de feixe, fazendo-

se com que esses dois percorram caminhos perpendiculares para, por fim,

serem lançados em um anteparo para a interferência. O padrão de interferência

ocorreria graças à diferença de tempos de percurso de cada um dos feixes, já

que um deles seria alinhado com o movimento da Terra e outro estaria em

posição perpendicular. A trajetória de cada um dos feixes de luz pode ser

observada com detalhe no esquema dado na figura 4.

Pequenos espelhos foram adicionados de forma a se conseguir múltiplas

reflexões e fazer com que cada um dos feixes percorresse a maior distância

possível. A montagem inteira podia girar em torno de um eixo vertical para

podê-la alinhar o máximo possível com o movimento da Terra e maximizar os

possíveis desvios de valores para a velocidade da luz. Seria possível varrer

toda a faixa de ângulos formados com o vento do éter.

Usando a Teoria de Fresnel sabia-se que as franjas de interferência seriam

deslocadas se a montagem fosse girada. Para evitar oscilações provenientes

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do solo, a montagem foi feita sobre uma pesada mesa de mármore sobre um

tanque de mercúrio e no subsolo de um edifício, evitando-se com o último,

oscilações de temperatura.

Figura 4: Diagrama esquemático da trajetória de cada um dos feixes de luz e a figura de interferência.

http://universe-review.ca/I15-57-ether.jpg

Com um percurso de 11 m a ser feito pela luz, um deslocamento de 0.04 vezes

a distância entre as franjas de interferência seria determinado. Na montagem

há uma pequena luneta a fim de ampliar as franjas e observar o deslocamento.

Veja uma foto das franjas de interferência no experimento original na figura 5.

O aparato possuía sensibilidade para detectar 1/100 da distância de uma

franja. Após a rotação, realmente não foram verificados desvios superiores a

0.01, levando a um limite superior para a velocidade do éter de 8 km/s.

A experiência poderia ser executada em um intervalo de tempo pequeno, mas

também poderia ser feita para intervalos maiores tentando-se observar

variações diárias ou variações anuais. As variações esperadas seriam na forma

de senóides. No entanto, nenhuma variação foi observada.

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Figura 5: Foto original das franjas de interferência na experiência de Michelson-

Morley. http://www.orgonelab.org/graphics/MILLER/FringeShifts.jpg

Experiências mais recentes chegaram a resultados melhores, como a

experiência feita em 1927 por Illingworth, que chegou a um deslocamento de

franja de 0.0002 e um limite superior para a velocidade do éter de 1 km/s.

Se a velocidade da luz variar em uma dada direção é dito que existe uma

anisotropia espacial, isto é, o espaço não possui as mesmas propriedades em

todas as direções. Uma medida da anisotropia do espaço é dada pelo erro

percentual na medida da velocidade da luz Δc/c. Um experimento moderno de

Michelson-Morley usando ressonadores ópticos criogênicos (isto é, em

temperaturas baixíssimas) encontrou Δθc/c0=(2.6±1.7)×10-15, que é uma

anisotropia extremamente pequena. O resumo desse trabalho encontra-se no

link http://prola.aps.org/abstract/PRL/v91/i2/e020401 e a publicação completa

está em Phys. Rev. Lett. 91, 020401 (2003).

A TEORIA DA RELATIVIDADE RESTRITA

O resultado negativo da experiência de Michelson-Morley - destinada a

detectar um deslocamento relativo da Terra em relação ao éter - conduziu à

conclusão de que a velocidade da luz é independente do movimento da fonte

luminosa ou do receptor, isto é, é a mesma em todos os sistemas de referência

em movimento uniforme relativamente a outro. Este resultado novo deve ser

adicionado às duas hipóteses anteriores: 1) o espaço seria isotrópico (em

decorrência da constância da velocidade da luz) e uniforme, e 2) para manter a

forma das equações de Maxwell do Eletromagnetismo, as leis da Física seriam

idênticas para dois observadores situados em referenciais inerciais que estão

em movimento relativo uniforme.

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Pelo fato de que a velocidade da luz é constante no vácuo, os fótons -- que são

quantizações do campo eletromagnético, ou partículas de luz – só existem em

movimento (isto é, nunca ficam parados), possuem a massa de repouso nula,

mas carregam momento consigo. Todos os corpos com massa de repouso nula

devem se locomover com velocidade c=300 000 km/s mesmo não sendo

fótons, como é o caso dos neutrinos de massa nula.

Assim, sabendo dos resultados de Michelson-Morley, Einstein criou a Teoria da

Relatividade Restrita para construir uma Eletrodinâmica de corpos em

movimento que mantivesse invariantes as equações de Maxwell aplicadas em

tais situações. Portanto, ele não precisou se apoiar em um éter luminífero para

construir a Teoria da Relatividade. Nas próprias palavras de Einstein: “A

introdução de um éter luminífero revelar-se-á supérflua, visto que na teoria que

vamos desenvolver não necessitaremos de introduzir um “espaço em repouso

absoluto”, nem de atribuir um vetor velocidade a qualquer ponto do espaço

vazio em que tenha lugar um processo eletromagnético”. Em TEXTOS

FUNDAMENTAIS DA FÍSICA MODERNA – O PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE

– H.A. Lorentz, A. Einstein e H. Minkowski – Fundação Calouste Gulbenkian .

Tradução: Mário José Saraiva 3ª Edição Lisboa, 1958.

Postulados da Relatividade Restrita

Einstein apresentou dois postulados que, a partir deles, foi erigida a Teoria da

Relatividade Especial, a saber:

1. Princípio da Relatividade: as leis da Física (Mecânica, Óptica,

Eletromagnetismo etc.) não levam em conta a idéia da existência de um

referencial em repouso absoluto. Portanto, não há diferença entre dois

referenciais que se movimentam relativamente com velocidade

constante e as leis da Física preservam a forma em qualquer desses

referenciais;

2. A velocidade da luz no vácuo é constante independente do movimento

relativo da fonte e do observador.

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A Teoria da Relatividade Restrita compreende duas partes distintas: a

Cinemática Relativista e a Dinâmica Relativista.

A Cinemática envolve a obtenção de um conjunto de transformações de

coordenadas e de tempo de algum evento observado em um referencial,

digamos, parado para outro referencial que se movimenta com velocidade

constante em relação ao referencial parado e vice-versa. Tal conjunto de

transformações é atualmente conhecido como transformações de Lorentz. As

leis da Física devem ser então invariantes sob transformações de Lorentz ou,

como é dito atualmente, devem ser covariantes.

Duas conseqüências das transformações de Lorentz são a dilatação do tempo

e a contração do espaço no sentido longitudinal ao movimento para o

referencial que se movimenta em relação ao que está parado. Assim, nem o

tempo nem o espaço são absolutos, pois variam de acordo com o movimento

relativo do observador. Hermann Minkowski notou que as três dimensões

espaciais (x,y,z) e a dimensão temporal t podem ser “fundidas” em um contínuo

espaço-temporal de quatro dimensões. As distâncias neste espaço são

invariantes por transformações de Lorentz: portanto, são absolutas. Desta

forma nem o espaço em três dimensões nem o tempo unidimensional são

absolutos, mas o espaço-tempo de quatro dimensões, sim.

A dilatação temporal tem outros desencadeamentos: o Efeito Doppler. Ele

constitui atualmente em um método de se determinar a velocidade de

afastamento ou de aproximação de um objeto estelar (uma estrela, galáxia,

etc.). Uma mudança aparente na freqüência da estrela com o espectro atômico

completo desviando-se para o vermelho quando a estrela está se afastando e

para o azul quando a estrela está se aproximando.

Outra conseqüência é o Teorema da Adição de Velocidades que impede

qualquer de adição de velocidade à luz.

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A Dinâmica Relativista aproveita a característica da quadridimensionalidade

do espaço-tempo generalizando o conceito de momento, escrevendo-o como

um vetor de quatro dimensões em que as três componentes espaciais são as

componentes do momento linear para 𝑝𝑥 , 𝑝𝑦 e 𝑝𝑧 .e a componente zero

(temporal) é a energia E.

A expressão mais conhecida de Einstein é a da equivalência entre massa e

energia 𝐸 = 𝑚𝑐2, em que a massa passa a ser função da velocidade.

A ligação entre o quadrado do quadrimomento e a massa produz um dos

resultados mais interessantes da união entre a Teoria da Relatividade e a

Mecânica Quântica: a antimatéria.

É interessante que a 2ª lei de Newton na forma que a força resultante é a

derivada temporal do momento linear continua válida na Dinâmica Relativista.

A Transformação de Lorentz

Como conseqüência da isotropia do espaço, uma fonte puntiforme de luz

implica que sua frente de onda será esférica, pois caso fosse elipsoidal, ter-se-

ia velocidades diferentes para direções diferentes, o que indicaria que a fonte

estaria em movimento. Entretanto, justamente a hipótese relativista afirma o

contrário: a velocidade da luz é independente da velocidade da fonte.

Para a dedução das transformações de Lorentz é necessário tomar por base

essas hipóteses. Assim, seja um observador O′ em movimento uniforme que se

desloca ao longo do eixo de coordenadas Ox com velocidade v relativamente a

um observador parado O.

Logo, o sistema inteiro móvel S′ move-se com velocidade v constante na

direção de x positivo. Pelas transformações de Galileu, têm-se as relações

obtidas facilmente observando-se a figura 6. As transformações de Galileu

são dadas por

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em que as coordenadas de um evento (x,y,z,t) são relativas ao sistema parado

S e as coordenadas (x′,y′,z′,t′) referem-se ao mesmo evento observado a partir

do sistema em movimento S′.

Figura 6: Dois referenciais em movimento relativo com velocidade V.

http://upload.wikimedia.org/wikibooks/en/3/32/Relstandard.gif

Se uma fonte de luz em repouso na origem do sistema em movimento (0,0,0,0)

emite uma frente de onda esférica, passado um tempo t′ sua equação será

Substituindo as transformações de Galileu na equação da frente de onda,

obtém-se:

Expandindo a última equação, obtém-se:

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Percebe-se que não se obteve uma equação de onda esférica no sistema

parado S, o que significa que as transformações de Galileu falham em manter

invariante a forma esférica da onda luminosa. Assim, como os termos em y² e

z² já estão na forma correta, devem-se modificar apenas os termos em x e t. Há

a necessidade de uma transformação que seja linear em x e t para se obter

uma esfera que se expanda com velocidade uniforme. Pode-se tentar uma

transformação da forma:

em que a é uma constante a ser determinada. Assim,

Reunindo os termos semelhantes, tem-se que

implicando que

para que anule o termo linear em x e t. Com isso, o resultado é

Ainda não é o resultado que torna invariante a transformação, porém a

diferença está simplesmente em um fator de escala que pode ser absorvido

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pelas coordenadas x′ e t′, chegando-se finalmente às transformações de

Lorentz:

Note que as equações são lineares em x e t e que recaem nas transformações

de Galileu para (v/c)→0. A onda em S, x²+y²+z²=c²t² é esférica e idêntica à

observada em S′, (x′)²+(y′)²+(z′)²=c²(t’)². Uma notação conveniente é dada por

resultando na seguinte maneira de escrever as transformações de Lorentz

Transformação de Lorentz Inversa

Para a obtenção da transformação inversa, fica mais simples escrevê-las de

forma matricial:

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Seja a matriz das transformações de Lorentz:

Calculando-se a matriz inversa fornecerá a transformação de Lorentz inversa:

Assim, escrita explicitamente, a transformação inversa é escrita como

Dilatação do Tempo

Um resultado não esperado das transformações de Lorentz é a dilatação

temporal, decorrência do tempo não ser absoluto. Dilatar é aumentar o

intervalo de tempo entre as batidas de um relógio em repouso em um

referencial em movimento observado de referencial parado.

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Um relógio em repouso em S, situado em x=0 marca um intervalo de tempo

que é conhecido por tempo próprio τ. Pela transformação de Lorentz calculada

para x=0, tem-se que

para o intervalo de tempo medido por um relógio em S′ com velocidade v

relativamente a S. O intervalo de tempo em S′ é maior do que em S, situação

denominada dilatação temporal. Os relógios em movimento parecem andar

mais devagar do que os que estão em repouso.

Efeito Doppler Longitudinal

Dois sinais luminosos são emitidos em t=0 e t=τ por um transmissor em

repouso em x=0 em S. O sinal é recebido em x′=0 em S’ em t′=0, isto é, o início

na marcação do tempo em S’ é no exato instante em que o sinal chega à

origem de S’. O ponto de S′ em que chega o sinal que foi emitido em x=0 e no

instante t=τ não é mais a origem do sistema S’, mas é outra coordenada dada

pela transformação de Lorentz e outro tempo de chegada também:

Como o sinal não chegou à origem de S’ (note que ele está em um ponto

localizado à esquerda da origem O’, haverá um intervalo extra de tempo para o

sinal viajar dessa posição até chegar à origem, que é dado por

de modo que o tempo total em S', entre a recepção em x′=0 dos dois sinais é

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O tempo entre os dois sinais pode ser interpretado como o período de

oscilação de uma onda luminosa. Como a freqüência é a recíproca do período,

ν=(1/T), pode-se escrever

ou como v=λν, esta equação pode ser escrita em termo do comprimento de

onda da luz

Interpretando-se esta fórmula, para um receptor que está se afastando da

fonte de luz, β>0 e λ’>λ, o comprimento de onda observado é maior do que o

emitido havendo, portanto, um desvio do espectro para o vermelho

(REDSHIFT); em caso de aproximação entre ambos, fonte e receptor, o desvio

será para o azul (BLUESHIFT). Assim, medindo-se o deslocamento de uma

linha espectral de um dos elementos químicos responsáveis pela emissão da

luz pode-se determinar também a velocidade relativa entre a fonte e o receptor.

Contração de Lorentz-Fitzgerald

Outra situação interessante que ocorre é a contração de comprimento no

sentido longitudinal ao movimento de translação de uma barra (ou outro objeto

qualquer) que esteja parada em relação a um referencial S’ que se move com

velocidade v em relação a um referencial S parado. A contração é vista pelo

observador em S, enquanto o observador em S’ não vê tal contração uma vez

que ele está parado em relação à barra.

A medida do comprimento da barra L feita no referencial S é tal que uma das

extremidades da barra é posta, sem perda de generalidade, na origem do

sistema S′ e a outra extremidade é colocada na posição x′, de maneira que

x′=L₀ seja o comprimento da barra em repouso no sistema S′. Devem-se medir

as duas extremidades da barra simultaneamente no sistema S observando-se

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a luz proveniente de cada uma extremidades ao mesmo tempo;

conseqüentemente, Δt=0. Usando-se a transformação de Lorentz inversa

chega-se à seguinte equação

para o comprimento da barra, além da equação para o intervalo de tempo Δt,

Isolando βγct’ (a equação foi multiplicada por β antes de isolar), obtém-se

Substituindo esta última na equação para L, chega-se finalmente à contração

de Lorentz-Fitzgerald

O fator que compreende a raiz quadrada é menor do que 1, é o fator de

contração e ele faz com que a barra em movimento fique com tamanho menor

ao ser medida pelo observador que está parado.

A explicação para a contração de Lorentz-Fitzgerald é que, para que se

observem as duas extremidades simultaneamente no sistema em repouso S,

as observações das duas extremidades no sistema S’ não foram simultâneas:

enquanto a que estava na origem x’=0 foi observada em t’=0, a outra teve um

atraso na observação igual ao intervalo de tempo que a luz levou para

percorrer a barra

Esse intervalo de tempo é que fará com que a barra seja observada contraída

(menor) para o observador em repouso. É importante notar que a contração é

sempre no sentido do movimento (longitudinal) e nunca transversal (as

dimensões em y e z ficam inalteradas).

NOTA: A 2ª PARTE DESTA UNIDADE VIRÁ EM UM ARQUIVO

SUPLEMENTAR.