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Versos de um cabôcto Alvaro 'r'oienttno Achegas a poranduba catarrnense Lucas A. Boiteux Pinbeiro, velas e roguetras de Natal Almiro Caldeira O qulcumb i watter F. ereeee A literatura. oral de Sta. Catarina Osvaldo Melo (io.) 5 8 13 17 37 Florianópolis Sta. Catarina Brasil Direção: Walter F. Piazza A;,\OV Dezembro, 1953 Junho, 1954 N. 17/19 íNDICE Pigll' .. Alvaro 'roreuuno de Souza 55. O Papa e o Folclore NOSSO FOLCLORE FOLCLORE NACIONAL Brincadeiras de crianças Levl Hal de Moura Orações populares rromtnnos Vieira Filho Notas sôbre um folguedo em Aracaju Felte Bezerra. Os ovos e o coelho de Páscoa Luiz R. de AlmeIda Rimas folclóricas Victor B. Ca.minha Velha história Egon Schaden Os números na antiguidade Tassllo O. SpaIdlng Festa campestre de Sto. Antão Abade João Palma. da. SUva. A devoção de Santo Antão Moacyr Santana FOLCLORE DE OUTRAS TERRAS 39 41 48 53 56 62 65 6. 72 EI amor eu Ia copia popular argentina F. A. Anzalaz Leyerrdas sobre eI üanõutt F. coiuccro Lendas populares de Portel J. A. Pombinho Jor. Dança dos pescadores Júlio Andrade 75 81 85 8. ios ru RECEBEMOS E AGRADECEMOS NO'rICIARIO o QUE DIZEM DE NóS .........••.•...•...••. , ..•...•• , .•.• ! !!, ••••••••••• 113

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Versos de um cabôcto - Alvaro 'r'oienttno . ..

Achegas a poranduba catarrnense - Lucas A. Boiteux ...

Pinbeiro, velas e roguetras de Natal - Almiro Caldeira

O qulcumb i - watter F. ereeee .

A literatura. oral de Sta. Catarina - Osvaldo Melo (io.)

58

131737

Florianópolis - Sta. Catarina .- Brasil

Direção: Walter F. Piazza

A;,\OV Dezembro, 1953 - Junho, 1954 N. 17/19

íNDICEPigll' ..

Alvaro 'roreuuno de Souza

55. O Papa e o Folclore

NOSSO FOLCLORE

FOLCLORE NACIONAL

Brincadeiras de crianças - Levl Hal de Moura

Orações populares - rromtnnos Vieira Filho . .

Notas sôbre um folguedo em Aracaju - Felte Bezerra.

Os ovos e o coelho de Páscoa - Luiz R. de AlmeIda

Rimas folclóricas - Victor B. Ca.minhaVelha história - Egon Schaden .

Os números na antiguidade - Tassllo O. SpaIdlng .

Festa campestre de Sto. Antão Abade - João Palma. da. SUva.A devoção de Santo Antão - Moacyr Santana

FOLCLORE DE OUTRAS TERRAS

394148535662656.72

EI amor eu Ia copia popular argentina - F. A. Anzalaz

Leyerrdas sobre eI üanõutt - F. coiuccro .

Lendas populares de Portel - J. A. Pombinho Jor.

Dança dos pescadores - Júlio Andrade

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RECEBEMOS E AGRADECEMOS

NO'rICIARIO

o QUE DIZEM DE NóS ....•.....••.•...•...••. , ..•...•• , .•.• ! •• !!, ••••••••••• 113

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DIREÇ,,"O

(=1BIBLIOTECA PÚBUCA 1ft

��ÁLVARO TOLENTINO DE SOUZA

Com o passamento daquêle cidadão prestant-, cujo nome encima

estas colunas, cobriu-se de luto a Família Catarinense, e, em espe­cia!. esta remissão de Folclore, da qual o extinto era um dos seusmais proeminentes membros.

Natural ela bt-secular cidade de São José, nêsta Estado, descenden­te de tradicional família, era filho do CeI. Francisco Tolentino Vieirade Souza, exponencial figura da nossa viela pública nos albôres daRepública Brasileira, em cuja la. Constituinte foi das mais Ijdl-nr-s

. expressões.O Major Alvaro Tolentino de Souza, nos movimentos de cultu­

ra, sempre, esteve na vanguarda.1\0 nosso instituto Histórico e Geográfico prestou os mais assi­

nalados serviços, nos quadros de elireção, notadamente por ocasião doCongresso ele História Catarinense, Comemorativo ao Bi-Centená­rio da Colonização Açoreana nêste Estado.

Nesta Comissão ele Folclore foi assíduo na sua prestimosíssimacolaboração. Deu, a êste Boletim, por várias vêzes, os frutos dasua pena de estudioso e apaixonado das "tradições catarinenses.

uesapareceu do convívio rios seus amigos e confrades, com 77anos de idade, a 22 de novembro do ano pp.

Na Assembléia Legislativa elo Estado fez o seu necrológio, ;';0-

licitando a inserção em ata de um voto de saudade, o Secretário-Ge­ral da nossa Comissão de Folclore, Deputado Oswaldo Cabral, no

que foi secundado pelos deputados Elpídio Barbosa e João José eleSouza Cabral, respectivamente do PSD e da UDN.

À beira da sepultura usaram da palavra os 81'S. Desembarga­dor José Ferreira Bastos e o Professor Custódio F. de Campos.

Como nossa sentida homenagem inserimos ieste número o pro­duto de um esfôrço seu: "Versos de um cabôclo", coleta que. pacien­temente, realizára.

É esta a homenagem do Boletim da Comissão Catarinense deFolclore, pela sua

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to. Aondes queres ser bem vistoNão compra nada fiado

Porque com dinheiro a vtstaNão ficas mais obrigado.

11. Para tudo que é precisoTudo o dinheiro fazE lhe faltando o dinheiroNão é pessoa capaz

12. Como eu seria um delesUm pobre que nada tem

Quando um rico me acartn tuEu cuido que me quer bem.

13. Se Deus me desse dinheiro

Eu era um capitalistaPor mais que tenha amizadeA vida do pobre é triste.

l4. Um pobre que nada tem

Ninguém deve desprezarPor algum são por preguicáOutros por Deus não ajudar.

15. Ninguém deve admirarO pobre nada merece

Todos aqueles que são pobresOs parentes desconhece

16. Eu então aquêle enganoCuido que ia amizadeSabe Deus o que padeçoVergonha e necessidade.

n. Como assim me acontece

E como me aconteceu

Quando um rico me acarinhaJá cuido ser êle eu.

18. Se eu tivesse dinheiroNada me aconteciaSeria eu dos grandesUm homem de Senhoría.

19. Mais como eu nada tenhoVivo na necessidadeEntão digo que o dinheiroVale mais que amizade.

20. Nem tanto consideroSe eu dinheiro tivesseMas me faltando dinheiroO pobre nada merece.

-1-

21. Quando eu preciso que tenhoPonho-me ;:> considerarMuito pOJCO vale o homem

Que não tem com que passar.

22. O homem que tem dinheiroNem que -eja acabriadoTambém sendo gente nobreVive mais estimado.

23. Ninguém deve admirar-seO pobre nada merece

Todos aqueles que são ricosOs parentes desconhece.

24. O mesmo me aconteceuCom os lTIE:U parente chegadoComo não tenho dinheiroDêles vivo desprezado.

25. Se amizade valesseTambém eu já era nobreComo a amizade não valeTr-iste do homem que é pobre,

26. O pobre não tem juizoNunca a lei o favorece

Porque nela tenho o dinheiroO direito não merece.

27. Eu bem sei que a amizadeTambém gira o mundo inteiroMas para ser valiosoÉ preciso ter dinheiro.

28. Amizade sem dinheiroÉ uma tinta que desbotaPor mais que tenha amizadeNo pobre ninguém vota.

29. Por mais que tenha amizadeO pobre não é votadoPorque faltando o 'dinheiro

Sempre vive desprezado.

30. Não pode ser nomeadoTendo o dinheiro consigoDiga que tem amizadeE diga que tem amigo.

31. E não tendo o dinheiroNão diga que é aceito

Porque só com amizade

Ninguém lhe guarda respeite.

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32. J1:ste caso é conhecidoQue o rico é respeitadoEm festas e juntamentosEles são os mais falados.

33. Amizade também valeMas é quem é conhecidoJá não é com o dinheiroQue a muito tem valido.

34. Gira para todo o mundoCom o seu grande valor.Iá não é como amizadeQue anda sempre de favor.

-1-

35. Anda por vontade alheiaEm devendo obrigaçãoJ á não é cerno o dinheiroTudo tem nas suas mãos.

36. Faz separar o povoCorrendo pelas estradasTudo atrás do dinheiroNão é atrás da amizade

37. Nêste papel declareiTudo o que o dinheiro fazPara que fiques cienteQue o dinheiro vale mais

Copiado em 3 ele julho de 1948,de Jovino José da Silva.

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ACHÊGAS À PORANDUBA CATAJUNENSE

por Lucas A. Boiteux

Aqui mais algumas piscas das bateadas que, em tempos passa­dos, andei procedendo, muito cheio de curiosidade e deleite, em a fe­cunda guapiára do folclore catarineta.

Cosinha -e Mêsa

- Antes dar ao açougueiro do que ao doutor,- Das grandes ceias estão as covas cheias.- A bôa sôpa não é para quem a faz, mas para quem a come.- "Barriga cheia,Pé dormente;Vou me deitarQue estou doente"

.- Ao colocar-se a panela do feijão no fogo, para evitar que nela

entre o Diabo, deve-se dizer por tres vezes:

"Sai, cão!. Sai, cãol.. Sai, cão!Em nome de DeusPego nesta colhérP'rn mexer o meu feijão",

- A carne, para assar, deve ser cortada pela dona da casa.- Antes de se preparar. a lingua de vaca, corta-se-lhe a ponta

para tirar-lhe a maldade.

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_,-

- Entre os condimentos lançados à panela, deve figurar um den­te de alho não descascado, para que nela não entre o Cão tinhoso.

- Não se deve passar a vassoura sôbre o fogão, pois acarreta in­felicidade.

- Quando o fogo põe-se a chiar é sinal de mexerico ou de pró­ximo presente.

- Ao fogo amuado (de difícil ignição) deve-se abana-lo dizendo:

f.

"Fumaça p ra lá,S .. João p'ra cá".

- Não se deve comer galinha choca, arripiada ou de pernas pre-tas, pois se pega fome canina.

- Quem come coração de galinha fica medroso.- .'\0 pom bo não se degola, torce-se o pescoço.- A mêsa não deve faltar a toalha ou mesmo um guardanapo

aberto, para que' a ela Deus esteja presente.- Pão virado à mêsa chama infelicidade.- Quando se leva um bocado à bôca e êste cai, é sinal que temos

parente com fôme.- Emprestar sal, acarreta' inimizade.

- Senhora pejada cu assísttda (menstruada) não deve bater OVI)S

para que a batida não dessóre.- Derramar azeite na mêsa traz infelicidade.- 'Dos mocotés (mãos) ele vaca deve-se comêr os dianteiros; e

os de !:loi os trazeiros.- Da laranja não se eleve comêr o "gomo da' morte", o mais atro­

fiado, pois morre-se cédo.- Comendo-se "cabelo-louro" (certo tecido nervino, amarelo, ele

dificil mastigação) atraz da porta, adquire-se formosura.- Ao terminar a refeição, deve-se cruzar o talher sobre o prato.- Com o vinho: - Antes da sôpa Java-se a bôca; depois dela, a

guela.Mulheres C Crianças

- Senhora pejada não deve passar por cima ele qualquer cordadistendida para que o filho não venha à luz com o cordão umbeficulenrolado no pescoço.

- Não eleve comer frutas lnconhas para não ter filhos gémeos.- A mulher de parto não eleve comer galinha preta.- Não deve também comer arraia .quando grávida, para que o

filho não venha com a, péle listada- Quando ele resguardo elo parto só eleve comer da pescadinha

o rabo, pois o resto do peixe é frio.- O resguardo de parto é de 40 dias para meninos e de 30 para

meninas._ A senhora 'pejada a cobra não pica; e esta morre se por aque­

la fôr pisada.- Senhora pejada não deve avistar-se com alguém picado de cc­

bra, para que êste não morra.- A mulher livra-se da investida de cão, virando o cós do ves­

tido e pondo a mão sobre a-s partes; e do bote da cobra prendendo-aà ordem- de S. Bento,

- Para expelir as secundinas deve rezar: "Minha santa Margarida, não estou prenha nem parida".

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.1\1orte

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- Não se deve comprar o berço antes da criança nascer; de �t:­

tra maneira ela não vingará.- Em o primeiro banho da criança, deve-se colocar dentro rla

bacia uma joia ou moeda para que ela prospere.- Deve dar-se à ela a beber um pouco d'água do banho, para fi­

car mansinha,- Para que não tenha ictericia atar-lhe ao pescoço um fio de lâ

amarela,- Para que, não contraia variola, dependurar-lhe. no pescoço tres

dentes de alho,- Para que não urine na cama dar-lhe a comer crista de galo)

frita.- Para curar "sapinhos" deve-se passar sóbl'€ os lábios da crian­

ça a chave do Sacrário,- Para facilitar a dentição, fazer um cola!' de pequenos buzios

ou de caroços ele azeitonas.- Não se deve deixar a criança brincar COII1 galas para não pe­

gar pianço(asma)._ Para curá-la de lombrigas (bichas) pede-se ao Vigário que (>s­

creva um versículo latino em um pedacinho de papel. Confeitado de

açúcar dá-se à criança para comer:- Para não ter; dôr de dentes, mandar arreganhar as cangicas

(os dentes) para a Lua nova.- Quando a criança ao engatinhar põe-se a espiar por entre as

pernas está augurando um maninho.- A criança que muito olha para as mães, extranha as demais

pessõas.- Para desmamar o filho, deve a mãe trocar um tostão em vin­

tens e colocá-los em uma sacola para a criança brincar; quanto estaaborrecer a sacola também aborrecerá o seio materno.

- Para evitar ter fflhcs, a mulher deve usar um dente de tigre,encastoado, ao pescoço.

- Para espaçar a gravidez, amamentar o filho o maior tempopossível.

- Para evitar o terçol dá-se um nó na ponta do fralda da cami­sa da criança.

- Para que as crianças não tenham dôr c12 dentes. cortam-se,lhes as unhas em cruz e com elas faz-se um brev e, para traze-lo ao

pescoço.- Arrancado que fôr um ,dente, para que outro ° substitua logo,

deve-se lançá-lo ao telhado, dizendo:

"S. João! ... S. João?Pega neste dente pôdreE me dáUm são ...

"

- Não se deve deixar a criança brincar com pente, pois se em­

porcalha quando defeca.

- Sonhar com a queda de um dente é sinal de morte de parenteou de pessõa amiga.

- O desprender-se um quadro da parecIe é de meu agouro.

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- A entrada em casa de um morcêgo, gafanhoto escuro ou ma­

riposa preta, traz noticia de morte.- A presença dos passaras "Rasga-mortalha", "C6va-cóva" e "Anú

preto" nas proximidades da casa é de mau prenúncio.- Quando o cão de casa põe-se a uivar � a fazer cóva é de

mau agoiro.- Derramar tinta em casa é sinal de molestia grave.- O pio da coruja nos arredores da casa é prenúncio de morte.- Quando a galinha começa no terreiro a cacarejar como gato,

é sinal de morte.- Quando morre alguém em casa deve-se varrer todo o lixo di­

retamen te para a rua; e despejar a água de tôdas as vasilhas, paraque a alma cio defunto não se banhe nela.

- O dono do defunto deve pegar na alça do caixão do lado elacabeça.

- O defunto, no caixão, deve ficar com os pés para a porta darua.

- Para que o ventre do cadáver deixe de inchar, deve colocar­se sôbre ele a chave da porta ela rua.

- Se o cadáver não ficar rígido, é sinal que vem buscar outra

pessôa da casa.- Para facilitar o vestir do cadáver, deve-se chamá-lo pelo no-

me- Para se perder o medo de defuntos, deve-se pentear um de­

les e pôr O pente debaixo elo cadáver.- A "coberta d'alma" deve ser completa, para que o defunto

não venha reclamar, em sonho, a falta de qualquer peça.

Avisos e conselhos

- Para se livrar de visita incômoda, virar a vassoura atrás daporta ou lançar sal no fogo.

- Queimar casca de laranja afugenta o marido de casa.- Para que o aipim não amargue deve-se arrancá-lo sem gemer.- Ao plantar a bananeira não se deve socar a terra, para que

o fruto não venha pedrado.- Não se deve cobrir casa nova com as telhas ela antiga.- Casa de esquina traz morte ou ruína.- ]� perigoso passar por debaixo de escada, por detrás de bur-

ro e pela fren te de frade.- Para se alcançar bom tempo amarra-se o rabo elo Sol no pé

de uma mêsa; ou também rezar:

"Santa Clara clareai'Santa Rita enxugai;'Sant'Antonio mandai solP't-a enxugar o meu lençol".

- Para se encontr-ar um objeto perdido amarra-se o rabo dodiabo, dando-se um nó em um fio qualquer, tendo-se, porém, o cui­dado de desatá-lo desde que o objeto fôr encontrado.

- Quando se sente comichão na palma da mão é sinal de (11·nheiro. Deve-se dizer:

"Quem quizer darNão se arrependa,Nem seu coraçãoLhe prenda ...

"

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A CHA�IARRI'L'A

Na minha infância, sempre ouvi falar de um bailado campesí­.no assim chamado e também conhecido por C'hi nun-Ita. Não sei seserá também uma deixa dos nossos avós açorcnhos e madeirenses.Tenho vaga lembrança de tê-lo visto dansar lá para as bandas deTijucas ou Porr.o-Bélo, quando assisti uma Iesta de Nosso Senhordos Aflitos. Não sei bem como se dispunham moços e moçoilas: €1"1um circulo ele pares batendo palmas e cantando c, no centro, outropar a bailar. Nos meus passeios e viagens por dever de oficio, peloentre talhado e pinturesco ribamar do nosso Estado catei a seu rcs­

peito as quadrinh as que vão abaixo:

Chamarita, Chamarita ,

Chamarlta lá cio sertão;Quem não dansa a ChamaritaNão é 111€U amor, não!

Chamarlta, Charnarlta,Quem te trouxe-se Já <lo Rio?Foi um velho marinheiroNa prôa do seu navio ..

Chimarita, Chimarita,Anda a roda do vapor;Inda está para nascer

Quem ha de ser meu amor.

Chimarita é mulher pobre,Não tem nada de seu;

Só tem uma saia velhaQue a defunta mãe lhe deu.

Ch.imar.lta, Chlmarita,Tua bôca já beijei;Já dormi na tua camaE teus carinhos logrei.

Chimarita morreu ontem,ontem mesmo se enterrou;Quem chorar a ChimaritaLeva o fim que ela levou

Chimarita morreu ontem,Hontem mesmo se 'enterrou;Na cóva da ChimaritaNasceu um pé de f'Iôr.

ORAÇÕES ROGATIVAS

A SANT'ANTôNIO: - "Santo Antônio, Sant'Antônio, grandeamigo de Nosso Senhor Jesus Cristo; da mais pobre e humilde reli­gião; fôste nascido em Lísbôa e batisado em Pádua; na vossa Fé se

pultado; eu vos peço, meu glorioso Sant'Antônio, pela alma de vosso

Pai, pela alma de vossa Mãe, pela alma de vossa Madrinha, pelo pri­meiro habito que vestistes, pelo primeiro cordão que cingistes, pelorosário que rezastes, pela primeira Missa que dissestes, pelo grandepezar que tivestes quando perdestes vosso santo Breviário, pela grun­de alegria que tivestes quando o vosso Santo Menino trouxeram e

fez morada em vossos braços; pelas ondas do mal' que passastes paratirar vosso Pai da rigorosa força da lei. Também vos peço, meu glo­rioso Sant'Antônio, que me concedas êste pedida (Jor-uurln-se o pe­dido) que vos faço. Amen".

À SANTA MARCELINA: - "Marcelina. minha Santa Marceli.,na, vós fôstes aquela santa Senhora que botou a Pedra d'Ara no fun­do da água; pois a Pedra d'Ara foi achada por um Padre e um Bispo,que sem ela não poude dizer a Missa nem consagrar a Hóstia sagra­da. Três pancadas, eu vos peço, haveis de dar no coração da F.(o nome da pessôa): se estiver sentado se levantará; se estiver dor­mindo se acordará e para minha casa se encaminhará. Três pancadasse hão de dar em seu coração. São três cavaleiros que na sua porta

.

hão de chegar: Abraão, Isaac e Jacob. São três pedaços de coisa pre­tas (síc): são três pancadas que hão de dar em teu coração. E tuF. andarás tão louco atrás de mim como um cavalo atrás do ca­

pim. Amen".

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AJmil'o Caldeira

PINHEIRO, VELAS E FOGUEIRAS DE NATAL

Há quarenta anos, se tanto, a "Árvore ele Natal" não tinha panenos festejos natalinos do Brasil e ele Portugal: seu uso era restritoaos povos germânicos. Acentue-se, contudo, que a tradição teu ta do"Pinheiro ele Natal" representa antiquíssima herança ele prlmit.ivcscultos às árvores, possfvelmen te COnlUI1S a tôdas as racas. A inda queassim não íôsse, ingrata seria a campanha de alguns folcloristas, bra­sileiros e portugueses, intransigentes defensores elo nosso patrimô­nio ele u-adtções, no combate que movem ao "Pinheh-o", tachandoode esquisitice indesejável, estrangeirismo prejudicial à pureza e pre­servação elos nossos costumes. Porém, que são e como se formam os

costumes? São êles estáticos ou dtârulcos? Não nascem, desenvol­vem-se, cruzam-se, disseminam-se, absorvem-se ? O que hoje é nosso,

legitimamente nosso, será ainda nosso, exclusivamente nosso, daqui- digamos - há duzentos, quinhentos, mil anos'! E o que hoje cul­

tuamos, reverentemente. como se encarnasse o próprio espírito da

nacionalidade, não terá pertencido, algures, em tempos de que não fi­cou memória, a outras civilizações? Não procedem, pois, os moti­vos alegados em desfavor elo "Pinheiro" em nossas festas ele Natal.Nem tão pouco as palavras de melancólico amargor com que portu­gueses vêm-no prestigiado entre os povos ele cultura lusa (1).

(1) - "Ainda hoje, de mistura com a "Arvore de Natal", que também por lá tematirado para plano secundârlo os presépios.. Quanto aos presépios ou la­pinhas, em poucas casas das grandes cidades serão ainda hoje armados, $U­

l:;l:;;tlt"lj.ldOS lamentàvelmente pela árvore,.,' (GASTA0 DE BETTENCQURT _

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A título de sugestão para estudiosos que, com mais vagar e saber,queiram dedicar-se à tarefa de analisar as origens de dois dos pr!n,cipais integrantes das nossas atuais comemorações elo Natal, definea­mos seguinte quadro esquemático:

ELEMENTOS CELEnRAçõES PAGÃS CELEBRAÇÕES CRISTÃS

11. Fôrça vitorin.:;a! 11. Fôrça vitoriosa.

I sôbre a nature-a I I sôbre o Mal

I' .rnsttncêo dos

f.E--l I'· Distinção dos f..t.

I melhantes peta I mercantes peit\

Espirita 'I vitalidadeI

Símbolo "'I divindade

Pinheiro corpo da ár-13. Fecundidade I Cristo 13. Dons criadores

14. Culto à betesn ] 14. curto • bereza

I exterior cont:al I Interior

15. Proteção I 5. Proteção cou-ra

1 doenças, desss-I 1 o demônio

I tres, calamidades I 1

1Fogos, roeuei-! Ffguracões

raso lenhos,' do Solvelas

I 1. Novo nascimento 1 I 1. Natividade

I (SOlstício) I Símbolos oet a. Fertilidade I.

2. Fertilidade [ma-! Cristo ! 3. Abundância [ce-13. Abundância Ite- I 14. Luz [prrt-14. Luz l1"io.l I 1 it\la1

o PINHErno

As ár-vores saerartas pertencem ao folclore universal desde' o

aparecímenio elo animismo Parrt'o homem primitivo. todos os seres

que lhe pareciam viventes deveriam ter uma alma suieita às mesmas

necesstdartos 0 paixões elo ser humano. Diante ela inferioridade quenaturalmente sentiu ao comparar' sua nróm-Ia Iôrca p virtude com as

de certas espécies vegetais. êle se inclinou ao respeito. à veneraçãoe ao culto dêsses spu� "irmãos presos ao solo".

Segundo FRAZER (2), de uma investigação feita pOI' GRIMM sô­hre as denomirtações "teu tónicas, deduz-se como provável que, entreos germânicos, os mais antigos santuários foram os bosques naturais.De qualquer modo - frisa - o culto ela árvore está bem compt'ovn­do em tôdas as grandes famílias do tronco ária. Mas não lhe é pr+va­tivo. Tem-se notícia de rituais semelhantes em quase todos os povos

primitivos. Os carvalhos, as pereiras e os pinheiros eram e conti­nuam sendo considerados sagrados em muitos países. estando sua

liturgia vinculada às festas solsticiais. Celebram-se, comumente, a

fecundidade e o vigor e aspira-se a obter a nroteção do espírito c1�1árvore contra todos os males, doenças, misérias, calamidades.

_Talvez a mais remota homenagem do homem ao pinheiro retira,

se ao costume chinês de plantá-lo nas catacumbas. O permanente ví-

"O NATAL PORTUGU"tS E A SUA REVIVESC1l.:NCIA EM TERRAS DO BRA­

SIL" - Doc. i ia/roecc/onn.)."

... ou armando stmplesmerrte a importada Arvore ôo Natal com seus .101Z0flluminárias e brinquedos para as crianças ...

" (AFONSO nUARTE- "O CICLO no NATAL NA LITERATURA ORAL PORTUGUESA")

(2) - Sir James George Fr�zer ("LA RAMA PORADA")

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ço da árvore em contraste com a decomposição do cadáver sepultoa seus pés, possivelmente induzisse o mongol a um propósito de com­

pensação ou reparação. Entretanto, é na lenda e no ritual do deusAtis (Asia Ocidental), o espírito corporificado no pinheiro, que va­

mos encontrar o maior paralelismo. entre as cerimônias pagãs e cris­tãs em tôrno da "árvore nobre" (3).

Os louvores a Atis tinham lugar nos festejos da primavera � éprovável que, por sincretismo, passasse a figural' nas comemoraçõessolsticiais, mais tarde encamparías pela festa do Natal. É ele notar,de um modo ou de outro, a perfeição com que o Cristianismo se

apropriou do culto pagão ao pinheiro, tr-ansfor-mando-o em símbolode Cristo. As qualidades que se celebravam o pinheiro _ o viço per­manente em oposição à inclemência hibernal, a inusitada fôrça ven­

cedora das mesmas leis naturais que subjugavam e fedam as demais'árvores _ foram transferidas ao Redentor de maneira exata e sem

artificialismo: Jesus venceu o Mundo e o poder do Mal, mantendo-sepuro e bom enquanto a seu redor a impureza e a maldade maculavatodos os homens, tal como o pinheiro, no inverno, conserva o seu

verdor em meio à devastação de todo o reino vegetal.

YFJLAS E FOGCF:IRA:i

A Igreja, sobrepondo às festividades pagãs em honra ao Sol sols­tício de inverno) a comemoração do nascimento de Cristo, teve em

mira, ao que parece, matar a heresia sem desagradar aos herejes:tudo estaria muito bem desde que, em vez cio culto ao Solou .ta

adoração à divindade estranhas, o cer-ímontcl celebrasse o adventodo Messias. É provável que, habilidosamente. houvesse declarado aoscatecúmenos: ,,_ Não há mal em que continuem, nesse dia, a feste­jar o nascimento do Sol (retôrno), mas o "Novo Sol", doravante, se­

rá O Cristo Redentor que Deus levantou dentre os homens para aque­cê-los com o lume da Just.ica, purlftcá-los com O fogo elo Amor e guiá­los com a tocha ela Salvação". E persistiram os fogos, os archotes, as

fogueiras, já não mais acessos com o fito de reverenciar o Sol e aju­dá-lo a espevitar a chama em declínio, mas em regozijo pela NovaAlvorada ela Natividade Divina.

A transferência é evidente nas loas natalinas (d):

No Presépio de Belém,Venham toclos, venham verDa mais cândida açucenaO Sol Divino nascer.

(3) - "Otro de los dioses cuya, supuesta muerte y resurrectón' tente profundasratces en et credo y ritual deI Asla occtcentar era Atls, que en Frigia flgu­rene lo que Adonis en Sirla. Lo rmsmo que este. parece ser que Atis ruéun dias de la vegetaelôn y en los festivales enueies que se cetebreban CDprImavera se lloraba su muerte y se regoctjeban CaD sua resurrecclôn... EIprimitivo caráter de Atls como espirltu arbóreo se doduce claramente detpapel que juega en el pino, en su Ieyenda, en su ritual y cn sus monumen­tos. La fábula que nos lo considera un ser humano transformado en pino es

tan sete uno de esos Intentos transparentes de racionalizar las creenclesantlguas que encontramos con muohe rrecuencte en la mitologia". (FRA­ZER - Obra citada).

(4) - "FOLCLORE RELIGIOSO" - Luiz Cbave�

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No presépio de BelémUma luz apareceu:À hora da meia noiteO Sol Divino nasceu.

Não há dúvida de que tôdas as formas de luzeiro (Fogueiras doGalo, Cepos de Natal (5), archotes processíonaís, lareiras, lenhos deNatal, velas ou lâmpadas do pinheiro) dos nossos atuais costumes na­

talinos derivam dessas primitivas festas solsticiais.

(5) - "É à lareira. queimando o cepo, madeiro, ou canhoto. que se faz o serãoda remnta.. O Cepo do Natal, antecipadamente escolhido, preferindo-sede, madeira de carvalho, castanheiro, azinha ou oliveira ... deve durar aceso

até o dia de Reis. não ser apagado, mas deixar-se que êre se apague por si,guardando.se o tição que restar p'ara acender nos dias de trovoada ...

" "Em

quase tôdes as províncias de Portugal, a Fogueira do Gnlo canta o seu l�­gendârto passado ...

' (AFONSO DUARTE) - Obrn citada.

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o QUICUMBípor \Valter F. Piazzn

Constderaçôes sôbr'e o ambiente

A cinquenta quilômetros, aproximadamente, de Ftor ianópoli.=, e

a trinta e cinco de Biguaçú, encontra-se, nêste último município, no

distrito ele Guaporanga (ex-São Miguel), a localidade de Cachoeu.i.Centralizada pela Capela dedicada a Santo Antônio e pela Esco­

la pública estadual regida por Da. Maria Paula Rodrigues, compõe-sede meia centena de casas espalhadas à beira da estrada, nos soca­

vões dos morros ou nas várzeas, entre as plantações, cujo predomínio....abe à mandioca, base alimentar da região.

Quanto à população não se pode precisar a preponderância ra­

cial. Entretanto, podemos adiantar que, ali, há uma certa discrimi­

nação racial, pois, encontram-se "bailes de brancos" e "bailes de

pretos" ..

E, ao nosso ver, é esta discriminação um dos fatores na sobre­vivência do "quicumbi" (1), que, no caso em foco, seria a reação con­

tra o isolacionismo impôsto pelos brancos.Na localidade de Cachoeira, no período compreendiao entre agôs­

to e setembro dêste ano de 1953 (23 e 30/8 e 13, 20 e 27/9), procure­mos, da melhor maneira possível, coligir os dados sôbre esta dança,até então, apenas conhecida nossa por ouvir dizer e (1:1 oual possuía­mos referências muito vagas, e que não f'ôra estudada em nosso

Estado.

(1) Grafamos conforme a pronúncia dos seus participantes,

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-1'-Com O auxílio do Departamento Estadual Ele Geografia e Carte-

grafia e coadjuvado, inicialmente, pelo ar. João José Rodrigues (JoãoCândido), iniciamos os trabalhos de pesquisa e coleta, cujo fruto,hoje, apresentamos para julgamento dos ilustres folclorólogos e, em

especial, dos africanistas patrícios a quem dedicamos, na pessoa deÉdison Carneiro.

*

* *

A dança, no local

As noticias que a tradição oral veiculou sôbre a realização do

"quicumbl" o situam como dançado naquelas paragens - distritode São Miguel, atual Guaporanga - há mais de sessenta anos. Por­tanto, o "quícumbí'' tem raizes nos tempos ela escravidão negra, no

Brasil,

Um aspecto de "quícumbí", ('111 desenho de Alberto Ramagem

Esta afirmativa é confirmada pelo depoimento dos nossos doisprincipais informantes: Pedro Marcolino da Glória (2) e GregórioAndré (3), ambos dançadores experimentados, ° primeiro há maisde trinta anos e o segundo há vinte e oito, aproximadamente.

(2) Tem, atualmente, 63 anos de idade. Natural de oeterres, localidade do mes­

mo distrito e muntcípío. Filho de pais de origem errrcene, naturais doBrasil. Homem de 1,80 mts. de altura, boa díspcstção e ag1l1dade. Possue pe­quena lavoura de mandioca e cultura de café.

(3) Tem, atualmente, 58 anos de idade. Natural da mesma localidade. Demona­tra. ser truta de miscigenação. Vive da agricultura da mandioca.

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,-19-

Pedro Mar-eolfno da GIÓI'ia

Todos dois têm posição destacada nesta pesquisa: o primeiro nãomediu esforços para que tudo Iôsse arranjado e esta pesquisa rea­

lizada, e o segundo foi prestimoso, apesar de certa relutância in icial.

Assim, conseguirnos saber que o pai de Pedro Marcelino íóra

dançador de "quicumbí" e se rõsse vivo teria mais de um século de

existência, pois falecido há mais de vinte anos com a idade de oiten­

ta, dançára metade da sua peregnnacão terrestre.

Gregório André

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Dessa época tivemos a oportunidade de ver uma bandeira (tipaestandarte). de pano de seda, amarelo, tendo a imagem ele Nossa se­nhora do Rosário, desenhada sôbre um fundo colorido, onde apare­cem representadas uma criança, casas e flôres (Foto n". 1).

�---- ,

Foto n. 1

Pelo trabalho, acima referido, vimos tratar-se ele obra ele artistaaprimorado, o que nos foi confirmado pelo seu atual possuidor, di­zendo ter sido ofertada em face de uma pr-omessa.

Ainda, corroborando com as afirmações anteriores sabemos qU8o atual "capitão" do "quicurnbi" Gregório André, que o é há dezoitoanos, foi discípulo de outro "capitão", aliás famosíssimo - DomingosGenerosa - que o foi, por mais de quarenta anos, em sucessão ao

"capitão" Manoel Vieira.Domingos Generosa foi o mestre elo atual "capitão" Gregório An­

dré e de Pedro Marcolino da Glória, os nossos informantes, e os maisidosos participantes do "quicumbí" que registramos.

Sob as suas ordens os dançadores de Cachoeira passavam épocasfóra de casa. Assim, de uma feita, dançaram dezoito dias consecutivosno Estreito (sub-distrito do município de Florianópolis) (4).

Soubemos, ainda, que, em outros tempos, participavam destadança: "rei", "rainha", "juizas"; havia, também, a "coroação", Hoie,êstes personagens e a cerimônia não figuram mais no "quicumbí"!

Está, desta forma, em fase de decomposição êste popular íssirnofolguedo, obra do sincretismo religioso do africano.

�4) Intormação do "capitão" Gregório André.

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* *

-u-

o "quícumbí"

A sua época de realização vai de outubro (mês de Nossa Se­nhora do Rosário, padroeira dos negros, juntamente com São Bene­dito) até antes do Carnaval.

Entretanto, na localidade de Cachoeira, centro desta nossa pesoquisa, há dois anos que não dançavam o "quicumbí", por motivosque não nos cabem, aquí apreciar.

Foto D. 2

No "quicumbí" hoje dançado, participam treze pessoas: o "capi­tão" e doze "soldados" ou "marujos", como são chamados, e, ainda,um. "alferes da Bandeira" que, geralmente, é uma mulher casada,

Antigamente - conforme nos adiantou Gl'egório André -, par­ticipavam . ainda do "quicurnbi'' "rei" "rainha" e vários "juizes" e

"juizas". Porém, 'há cinquenta e 'seis anos, que estas fig�ras não te­mam parte no folguedo, porque, assevera êle, morreu a ultima rai­nha "c'roacla" (coroada) - Generosa ela Assunção, com mais de 110anos, mãe do famoso Domingos Generosa - e não houve oportuni­dade, assim, de coroar outro "rei" e outra "rainha".

O último "rei" do "quicumbí" de Cachoeira' chamou-se Damásioe faleceu com 80 anos, aproximadamente, pela mesma época da "rai­nha", acima referida.

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Ag atuais figuras do "quicumbí" vestem-se da seguinte forma:o "capitão", de roupa amarela, de fazenda cáqui, e os "soldados" de

roupa branca, de br.im. Têm, como cobertura, um gÔlTO (casquete) damesma fazenda ela vestimenta, com um frizo ele fita vermelha que,também, colocam nas costuras laterais elas calças. Calçam sapatos de

lona, com sola de borracha, comumente conhecidos como "sapatosde tênis",

'Carrega, ainda, o "capitão" uma espada legítima, de aço (FotonO. 2).

Os "soldados" tocam ou tambor ou pandeiro.Os tambores têm uma altura de quarenta a cinquenta centíme­

tros e um diâmetro aproximado de vinte e cinco centímetros. São do

tipo "rural" (Foto n". 3).

Foto n. 3

Desenho mostrando pormenores de um tambor

São, os tambores, fabricados com qualquer madeira e o per­cutidor do som é feito de couro de cabrito, bem sêco.

Os pandeiros são, também, de couro de cabrito. Têm um dlâmetro de vinte e cinco a trinta centímetros. A sua base é da ma­

deira conhecida como "carova" (caroba - "tecoma caraíba", M.),

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'-IS-

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que depois de quatro ou cinco dias de secagem é vergada, progres­sivamente, até formar um círculo, o que é feito em dez dias, apro­ximadamente. Os guizos dos pandeiros são feitos de metal recorta­do em forma circular e só, raramente, empregam as tampas de gar­rafas de cerveja (Foto 11. 4).

Foto D. 4

Em geral, antigamente, os participantes do "quicumbí" f'aziampromessas de dançar. Hoje, integram-no com fito único de diverti­rem-se.

A "Alferes da Bandeira", em Cachoeira, conduz uma bandeirade 1,00 X 1,50 mts., de fazenda amarela, tendo pintadas as imagensde Nossa Senhora elo Rosário e São Benedito. Esta bandeira é tipoestandarte e do seu tôpo caem algumas fitas coloridas (Foto 11. 3).

Anteriormente, nas primitivas realizações elo "quicurnbi", deinício, eram realizadas as "coroações" ou investiduras nas Igrejas.

Hoje, em substituição a essa usança, levam, unicamente, uma

coroa de metal amarelo à Igreja ou Capela local e alí deixam-na (5,1.

Nesta ocasião canta o "capitão":

"Deus te sarveO Casa SantaAonde DeusFeiz a morada", (6)

Que é repetida, em côro, e, por várias vêzes, pelos participantesdo "quicumbí" e, desta mesma forma, procedem com as demais letras.

"6 mestre remeiroRema devagarCom seu Bento FilhoNas onda do má."

(5) Inrormeção de Pedro Marcolino da Glória, confirmada por GregórIo André.(6) Informação dli Gregório André.

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Foto n. 5

"Deus te sarveSinhô Padre

.

Vlgario da Santa Igreja."

"O NossoPadre Vlgat-ioTem barreteTem chapéu."

"O Virge elo RosarioQue dia chegasseNo domingo viesseQue rnilagre fizesse."

"Nossa Vírge elo RosarioSua casa chêra;Chêra cravo e canela,Ftõ ele tarangêt-a."

"Branca sucene,Encarnade de 1'0::.a,Olha o á!Olha o á!É da Virge Senhora."

E, retirando-se ela "Casa Santa" cantam:

"Marcha, marcha, marcha,Macha companhiaOlha o Campo de Sant'AnaTodo cheio de alegria."

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..... -

Entretanto, também, cantam, na mesma ocasião, outros verSiOil.o que depende unicamente, do "capitão", Alguns Sião êstes:

"Santo Antonio (bis)Arrepinica os santos (bis)Leva a bandeira (bis)Na Casa Santa (bis)Deus te sarve,Aratorío,Meu ramilheto de fló!"

UTá no céu,'Stá na terra,

.6 Sarvadô!Está no céuOu está na terra,

Ó Divlnô !E olha o nosso Sarvadõ !O Divinô!O Dívluô l "

"Bendítô. lavado seja"Deus te sarve,Casa Santa!Onde DeusFeis a morada!Onde mora

O Cá li (x) bentoE a hósti (a) consagrada!"

"Deus te sarveCasa Santa!Deus te sarveCasa Bela!A Virge do RasaraE Deus morou dentro dela!" (7)

À saída da Capela ou Igreja os dançadores, em sinal de reil}ei-to, ao Crucificado, não viram as costas para o altar-mór. (8.)

ICA Virge do RasaraÉ a virge da Conceiçam !Roga a JesusQue me dê a sarvaçãoAi Jesus!A Virge do RasaraQue do céu viesse,No domingo chegasse,Que mi lagre fizesse!Todos nois acompanhêmoTudo de bom coraçãoAi Jesus!

(7) rnrormecão e versos colhidos, na casa de Pedro Marcol1no da. Glória, da bô­ce de sua companheira, em 13-9-1953.

(8) Tnforma.çlo de Pedro Marcollno da. Glória.

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Prá ganhã a sarvação !Vamo tudo marchando,DêS' arrompê do dia,Vamo dá obediênciaMia nobre senhoria!Adeus Goncale!Passareale (Prá prangoiá !O Rasara de MariaPrá prangoiá!Mãe de DeusPrá prangoiá !O Rasara de MariaPrá prangoiá !Lê, lê!"

O -quicumbí" é, então, dançado na casa dos que fizeram 1)1'(1-messa.

Geralmente, a pessoa que faz promessa é devota de São Bene­

dito. Essa pessoa contrata com o "capitão" a Bandeira, isto é, o

prazo da dança e o seu preço.O prazo alcança, às vêzes, até nove dias. (9) E quanto ao pre­

ço? Houve silêncio.. não nos responderam.Além do recebido das pr-omessas, a "Alferes da Bandeira", ar­

recada, nas casas onde dançam, as chamadas "espórtulas da Ban­

deira", que, no fim das danças, são repartidas, equitativamente, en­

tre os dançadores. (10)Quando chegam a uma casa canta o "capitão" e os seus com

parsas repetem êstes versos:

"Si temo licençaQueremo chegá!Si não há licençaQueremo vortá !O quicumbí ! "

"Viemo da serra

Todo de branco,Armado em guerra!

..

"Sentinela;Guarda na serra,Nós vamo marchando,Chegando a ela! "

(11)

Ou então, cantam êstes:

"Me dá m'o licença (bis)Querêmo chegá! (bis)Si não temo licença (bis)Querêmo vortá! (bis)

"Marche, marche,Marche compania,Campo de Sant'AnaTodo cheio de alegria! "

(9) rnrormecão de GregórIo André.(10) rnrormecêc � Pedro Marcollno da GlórIa.(11) Informação de oreaõric André.

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"Primero excelençaO nome do Sinhô DeusOs anjos cantandoNa glória de DeusE Ave MariaCheia de Graça! !'

"Lê lê lêOia'lá'Oví cáOví cáÓ mi néÓ mi néiaÓ mi néiaÓ mi néiaÓ minha oruana

Oví cá!"

Neste desenho de Alberto Ra magem está delineada li. filal'a .0

"capitão" com a sua espada

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-2§-"6 tantos anjosChorando lá no céuNa glória de Deus (bis) I" (H)

Ao cantarem êstes versos, os dançadores do "quícumbl" se mo­vimentam de acôrdo com o expôsto no gráfico abaixo, para cuja inteligência apresentamos, também, os respectivos símbolos.

(12) IntormaçAo de Pedro MarcolIno da. Glória.

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Nesta ocasião tem o "capitão" a espada ao ombro e, cada vez

que se defronta com a Bandeira, faz malabarismos com aquela ar­

ma.

A seguir, entoam:

USe não fosseA Virge do RasaraAqui nesta casa

.

Nunca havéra de vi". (13)

E, se dispõem da forma seguinte:

2� Movimenfo,----

O�OOí

--....

\00\ • 100·,-./0

O�O

Canta, então, o "capitão" - no que secundado pelos "solda-dos":

"Nóis viemo hojeSarvá essa praça!Nois viemo festejandoNossa Senhora das Graça!"

Ao que, cantam, ünícamente, os "soldados":

(13) Informações de Pedro MarcoI1no da Glória e de Gregório Andr6.

"Assim, assim, (bis)Sinhô Capitão (bis)Cadê o dinhêro (bis)

.

Da nossa reição ? " (bis)

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o "quicumb!", nesta oportunidade, apresenta-se com esta dis­aosícão:

�----- .Jo, MOlllm�nfo �_,

c:

0.-0-0/. "

O OI \

� . �\. JO O" /

0_0_0E, cantando os versos, que se seguem, o "capitão" vai esgri­

mindo a sua espada com os participantes da dança, até o último,quando todos avançam sôbre êle e o derrubam.

É o ponto culminante do folguedo! É um jôgo de grande des­treza e agilidade !

"Todo sordado {bis )Que é jebatão (bis)Campanha na praça (bis)O seu capitão!" (bis)

Ao que, depois de cada verso, os "soldados" entoam:

"Assim, assim,Sinhô capitãoCadê o dínhêroDa nossa reição? "

Novamente, canta o "capitão":

"Todo sordado (bis iQue quê ensaiá (bis)Cornpanha a rainha (bis)Até ela c'roá l " (bis)

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ID, repetem o esu'Ibilho:

"Assim, assim,Sinhô capitãoCadê o dinhêroDa nossa reição? ;,

Retruca o "capitão";

"Eu não tenho dínhêroNão posso te dá,Eu te corro a espada ,

Sê capaz ele te matá! "

Depeis. todos, em conjunto: cantam:

"Os anjos chorou,São Miguel perguntou:Cadê seu filho,Qu'abenção botou? "

"Tia Maria,Vancê é mia tia,A canoa virouNo meio da ilha.TiaMaria J

Vancê como vai?A canoa virou,Lá no meio do má (r),E ela virouDeixa ela viráO mestre remeiroQue não soube remáÓ ré doprá, prá-rá-tá l " (l-I)

Êstes versos podem ser substituídos pelos que se seguem:

"Olá, lá (bis)Ingleis do má (r) (bis)Olá, láIngleis do má (1')" (bis)

"Eu também quero bailá (bis)Ingleis do má (r)" (bis)

Os cantadores-dançadores, sóslnhos:

<lLê, lê, lê,Ingleis do má (r)"

(14) Informação de Pedro Marcollno da G1óri�.

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"A primelra excelençaQue me mandaO Sinhô Deus!Manda os anjo cantando (bis)Na glória de Deus!Ave Maria (bis)Cheia de Grace r" (bin) (15).

E, tirando os seus gôrros:

Há Sacramenti !Não que do céu viesseÓ Sacramenti !Ó ré dopr'á-r'á-rá !Nossa Virgem do Rosario !"

Nesta ocasião os dançadores se dispõem ela manelra seguinte:---- 4? Movim�nto _

É murcho ma, ,.� •••r·do I.�a".l

Entretanto, se alguem, adoentado, pede para asststir ao "qUI­cumbí", cantam ao se aproximarem do enrêrmo:

(15) rnrormeção de Gregório Andr�

� �O OO OO •

OO O

IO O

L__

"O pobre crêPrá'cabá de querêPede a tuaMãe SantíssimaQue ela te há ·de valê!"

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"Deus te sarveCasa SantaOnde DeusFeiz a morada !"

"ó Deus te sarvePassareale '" (16)

E, ao despedir-se, canta o "capitão":

IIC0l110 eu vou m'ImboraFica com Deus!Qu'eu vou

Com Nossa Senhora I"

"Vossa SenhoriaPasse muito bemAvêmo de vortáPro ano que vem!"

"Meia lua dentro,Meia lua fora.Arfere da Bandeira,Noís vamo s'ímbora !"

"Vamo tudo s'imboraNum fica ninguern !Bendito me leva,Maria também l"

e; ff. c/bpr;c)?cvflI.cv.9�

91 rfa1iilfflãfs1tIJffiI.:llmQlj.r1_

$Jm j; ;!ffllll.t IpJJ 1_ 100 Ipfl:iJ$Por ocasião da despedida, as evoluções dos dançadores, se pro­

cessam de acôrdo com êste gráfico:

(16) Informação de Gregório André.

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101 • r01101 I l o l10 t t 10lro 1 � 101101 f lo!L�J I L�J

Antigamente, quando nos "quicumbís" figuravam as "juizas"(da vara, do ramo, da vela, e cio dia), nahora da despedida, também.cantavam:

"Vamo todosAtalá, ataláViva a juiza da vara I"

"Vamo, vamo,Viva a juiza do ramo!"

"Vamo tudoCom alegria,Viva a juiza do dia 1" (17)

E os "marujos" ou "soldados" respondiam:

"O da guia,Só guiá 1"

(17) Informaçâo de Gregór10 André.

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* *

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E o "capitão" encerrava:

"O da guia,Só vintém"!

*

E, aqui, ficam os apontamentos imciais que esperamos sejamúteis aos estudiosos da contribuição africana à cultura popular bra-sileira.

-

Flagrante de "qutcnmb!", desenhado por Ramagem*

Finalizando agradecemos às prestimosas e necessárias colaborn -

ções em trabalhos desta espécie: a de Victor A. Peluso Jor., ex-dire­tal' do DEGC e incentivado r das nossas pesquisas, que colocou ànossa disposição os elementos indispensáveis; a de Alberto Rama­gem, na parte pictórica; a de Ernani Meira, na parte fotográfica e na

gravação efetuada a 20-IX-1953: a de Ernanoel Paulo Peluso, na partemusical; a de Aldo Nunes, no desenho dos gráficos; e, finalmente, a

de Júlio Azevedo, o motorista que se desdobrou em outros misteres.

A todos o meu agradecimento.

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A LITERATURA ORAL DE STA. CATARINA

Oswaldo F. ele Melo Filho

Não sei se outras pessoas aguardaram com tanta espectatíva o

aparecimento do volume VI da História da Literatura Brasileira (co­leção documentos brasileiros - Livraria José Olympio). Esperei-ocom a ansiedade de estudioso de Jíterautra e folclore, pois que o l l;vro trataria de ambas as coisas, propondo-se a estabelecer-lhes rela­ções. Deveria vir COURa nova e muito séria. se pudesse tomar, paraapoio, o primeiro volume (1) da coleção a que pertenceria o livro deCâmara Cascudo. Adquirida a obra, não a li apenas. Estudei-a, queêsse é o têrmo exato. E. no tocante à exposição didática, à tentativade estabelecer os limites de literatura oral, muita coisa nova há elenotável e sôbre isso já me ocupei em outras notas escritas para a

Revista Sul (2). Um ponto deficiente, porém, porque toca de pertoaos folcloristas, principalmente aos de Santa Catarina, quero trazê­lo à evidência por êste Boletim. Trata-se do que há de repetidamen­te falso no que se refere às tradições orais do Estado Barr-Iga-Verde.

Luiz da Câmara Cascudo, na sua obra Geografia elos Mitos Bra­

sileiros, já havia cometido um sério êrro ao atribuir a Santa Catari­na, apenas a existência do Boi Tatá que seria, entre os mitos, "omais prestigioso e o mais falado". Ora, sabemos que não se pode fa­lar em mitos aqui, em Santa Catarina, sem nos lembrarmos de pron­to do Bicho Papão, a cuja influência invulgar nas tradições do nosso

(1) Volume XII, Prosa. de Ficção, Lúcia. Miguel Pereira.

(2) Literatura e Folclore, Revista Sul, n. 19, 1953-FpoUs.

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litorâneo, podemos atribuir o aparecimento da Bernúncia (3) nas fa­rândulas populares. O Lobisomem (4) e a Mula Sem Cabeça, o Mi­nhocão e o Boi Tatá são outros mitos que encontramos, com maiorou menor frequência, conforme as zonas étnico-culturais do Estado.Mas o livro foi comentado lá fora e 'cá da província, não houve qual­quer contestação. Centros de estudos folclóricos, então, não os ha­via por cá; apenas alguns curiosos e isso, tão sómente, poderia ter

justificado a precariedade dos dados conseguidos por Câmara Cas­cudo, que não fez pesquisa direta nas áreas estudadas.

Acontece ,porém, que agora em 1953, após seis anos de traba­lhos dos membros da Comissão Catarinense de Folclore, tentando pes­quisar, localizar, recolher, codificar e escoímar. comparar e divul­

gar, através de seu Boletim, o material folclórico do Estado. O escri­tor potiguar publica um livro de grande, importância, mas com os da­dos referentes a Santa Catarina tão ou menos exatos que na outra

obra referida. "Literatura Oral" traz, entre as suas qualidades ine­

gáveis de bom livro) um pecado dificilmente perdoável. As lendas ad­miráveis elo planalto, (ambiente social geográfico semelhante deter­

minou, mais ao sul, o aparecimento da lenda do Negrinho do Pas­

toreio), as quadrinhas populares da zona litorânea, onde o descen­dente do açoriano canta coisas assim:

Me alembro da minha terraMe alembro da minha amadaAi, ai, ai,Catando pedra miúdaSereno da madrugada;

Os mitos, as superstições, os autos populares com todo seu tea­tro e tôda a sua literatura, nada disso foi registado. Mas encontra­

mos, para espanto nosso, uma descrição de um Boi de Mamão e uns

comentários sôbre o Pau de fita, feitos de tal maneira, que nós, os

que estucIamos folclore catarinense, não reconhecemos, alí, as nossas

belíssimas e complexas tradições.Só nós resta repetir que não se limita a nossa literatura oral ape­

nas a advinhas ou à dança do Pau de fita. Esta também não é "ele­mento germânico" mas luso-espanhol, segundo farta documentaçãoencontrada em obras especializadas (5).

Conforme salientei em outro artigo já citado, não sei até queponto vai a insuficiência elas informações referentes aos outros Es­tados. No que se refere a Santa Catarina, porém, o meu protesto vaiaqui consignado. A êste junto um pedido que endereço aos nossosilustres escritores que se ocupam de folclore: Procurem entrar emcontato direto com as comissões estaduais, peçam-lhes os dados deque necessitam; leiam as suas publicações; inteirem-se do que existarealmente para depois, assim munidos, escreverem suas obras decrítica e de ciência. Não deve ser prá bonito que meia dúzia de gentededicada, em cada Estado da União, se propõe a estudos dessa na­

tureza. Creio que muitos o fazem com interesse científico e, a êstes,nada mais triste do que ler, em trabalhos de autores consagrados,comentários sôbre um folclore que, absolutamente, não coincide com

o resultado de seus estudos e de suas pesquisas.

(3) V. Boletim Trimestral n. 5. onde há três artigos a respeito da Bernúncla.(4) V. Boletim Trimestral n. 12. pág. 39 - artigo de Walter F. Plazza.

'(5) V. "Antologia roértce e Americana de Folklore", F. ootuccio, Bs. Aires.

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Leví Hnl (te Mont-a

BRINCADEIRAS DE CRIANÇAS

>( Nos folguêclos infantis chamados de MÃE, PEGADOR, PERÚ-GA.LO, PIRA, os mentnos. a fim de saber quem será o PEGADOR, cos­tumam tirar a sorte, utilizando pitorescas fórmulas, evidentementede caráter mágico-bur lêsco, aquêle a quem a última sílaba ela últimapalavra, algumas vezes, outras vezes a própria última palavra, dajocosa invocação, atinge, é que- vai correr no encalço dos demais, noPEGADOR de CORRER, ou encontrá-los, no de ESCONDER )I

De PORTUGAL herdámos a seguinte e conhecida "tiração desorte" por palavras: •

Serolico-berolico-quem-te-deu., tamanho-bico-foi-o-padre_são_Frcm_c i sco-êle-vai-êle-vern-nunca-tiru-o- seu-vintém.

No MARANHÃO usam esta, também por palavras:Cani.vetinho-de-vinte-e-um-entrado-na-barra-de-vinte-e-dois-min­

gõrro-míngôrro-teu pé-tã.rôrro.A ele BELÉM é silábica:

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-40-A - na-ni-po-li-po-li-pa-na-um- va-pôr-que-su-biu-lá-da-Es-pa-nha­

Iâ-nãc-vou-quem-sái-és-tú.Em MOCAJUBA, também silábica:An-ga-pan-ga-tf-pi-ran-ga-se.te., pan - ga -a-nll-bom-bom-de-cho-co-

la-te-vai-te-tú-pra-lá.Esta outra, também silábica:An - do-rt-nha-ría-pín.ta.es.cu, ra-ca-dê-Ma-ne-Ia-fu-ja.Há também formulas para quando qualquer criança já não quer

participar ela brincadeira.Colhi as seguintes em MOCAJUBA. Basta o menino dizer:

1 2 3Colher de pauColher de ferroQuem me matarestá no inferno

*

Tês piras- na Cruzquem me matar ficacom raiva ele JESuS.

Pira, pazuâo quero mais.

Os mocajubenses não perguntam: - "O senhor está hospedadoem casa de FULANO?" mas - "O senhor SAIU em casa de Fulano?"Essa maneira ele dizer é usada, não só no Municipio de Mocajuba, co­

mo nos demais Municípios da região tocantína, isto é, dos situados àmargem do rio Tocantins, como Cametá, Baião, Tucurui.

Informam-me que próprio deputado paraense Deodoro de Men­dança, nascido em Cametá, emprega a locução: SAIR Em na acep­ção de HOSPEDAR-SE EM.

Parece-me que o fenomeno linguístico se processou por motivo dese dizer comumente, corretamente, que qualquer pessôa ao realiza!'determinado trajeto sairia forçosamente em dado ponto e pensar-seque igualmente se poderia dizer que uma pessôa, deixando o trans­

porte que o fizera conduzir a dado lugar, iria. naturalmente, SAIRna casa onde determinara hospedar-se.

É a velha lei linguística chamada de ANALOGIA .

. No interior de MOCAJUBA, como, aliás, no interior de toda a

região tocanttna, usa-se colocar, nas refeições, a farinha, que há deser servida, em cima da mesa, não, porém, num recipiente qualquer,como seria natural, mas sôbre a toalha, que deve ser de CÔl' brancae muito limpa. Colocam, os donos da casa, a farinha, aos montes,junta aos pratos dos comensais.

�sse uso verifiquei que é mais uma questão de necessidade do

que ceremonial.Acontece que o cabôclo do Tocantins não usa o pirão, como o faz

o nosso caboclo em geral, que é até apodado de "papa-pirão". Nãosei se o caboclo do Tocantins assim procede, exatamente para con­

fundir os seus apodadores, ou por um sentimento de auto-crítica, porreconhecer que, realmente, é feio comer fazendo "pirão".

O certo é que êles não misturam a" farinha com o arroz, com o

feijão, com a carne, como nós o fazemos, chamado a essa mistura de"pirão" os cabôclos do Tocantins, á medida que saboreiam a carne, o

arroz, o feijão, o próprio peixe, vão acompanhando a deglutição com

punhados de farinha, jogados á goela, com a mão ou com a colher,consoante estejam em casa ou em casa alheia. Daí a necessidade decada um dos comensais ter junto a si a sua quota de farinha. É na

impossibilidade manifesta de conseguir um recipiente para cada con­

viva, que empilham, decerto, a farinha, em sucessivos montes, na

mesa.

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ORAÇÕES· POPULARESDomingos Vieira FiJho

No Maranhão, o folclore religioso ,é representado por orações,ladainhas. invocações, rezas, ensalrnos. ex-votos, milagres, preces, no

venas e os festejos populares de santos.

O capítulo das orações é longo e ilustrado por documentos de

profundo interêsse psicológico, bem presentes nos hábitos diários de

nossa gente. É parte integrante do seu complexo cultural, um tecidomiraculoso formado ele traços espirituais e materiais secularmentetransmitidos pela herança social, através de experiências constantes,e secularmente conservados pela via infalível da oralidade e pelostextos escritos. êsses papeis contendo orações e invocações a santos

milagreiros, que, correndo, de mão em mão, perpetuam a taumaturgiapopular.

Não é sem razão q�e alguns autores têm afirmado que o costu­me de curar com oraçoes certos males que nos afligem é uma tei­mosa sobrevivência de práticas mágicas de primitivos curandeiros e

benzedores (1) que se perdem num longínquo "background" comum

(1) - Manuel Dlegues Junior - "Origens e formação das orações", In "Diáriode Noticias" (ed. 3-9-1950. Rio).

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afro-ameríndio, marcado ainda mais pela profunda religiosidade doluso, alma simples e crédula, dada a transportes místicos. E não es­

quecer a ponderável influência espanhola nesses processos de cura,já apontada pelo mestre Joaquim Ribeiro (2).

Em qualquer tipo de oração - porque há orações fortes paraatalhar males e há outras simples que a gente reza para achar algoperdida - reponta, dominador, o sentido mágica. � nesse sentidomágico residem o valor e a eficácia das orações. Porque e muno ctü-.cil distinguir entre o que é religiâo e o que é magia. vais aque.u, nos

seus começos, revestia caráter exclusivamente magc., � par. .. _Jlle­becque religião e magia "apresentam ambas entre si tr ntas anulo­gias que muitas vezes se não pode distingu í-las senão pelos obj eti vos

que procuram atingir" (3). No caso das orações há uma fusão deelementos religiosos e mágicos objetivando U!).1 ti.n comum.

O que torna eficaz a oração, fazendo com que se arraigue na al­ma popular, é aquele conjunto de móveis mencionado por AnselmoRica: "

... la ignorancia de la natureza, y sus leys, odio ao pensamlen.to analitico, cobardia del hombre a la reparación de sus prcprios pe­cados, fanatismo donde se encierra e1 raciocinio en un circulo vtcio­so, credulidad absurda, fe ciega, te.nor a la muerte por desconocimten­to de su destino" (4). Os motivos, por assim dizer, que consagram €

unlversallzam as religiões.O mêdo de inimigos ocultes que se embuçam para melhor reali­

zar seus desígnios malévolos leva o homem a trazer no bolso, ou ao

peito, cozido em um breve, orar-ão forte, preservativa de males. E écurioso que o poder milagroso (ou. mágico?) da oração aproveita a

todos, homens de bem e malfeitores.Dentre as orações que o povo chama "da cabra preta" e "de. São

Cipriano" (5), uma há que é considerada infalível para acobertar de

surpresas e perigos os viajares que se aventuram estrada a dentronas noites escuras. Levada num bolso do palitó e rezada com fer-ver'tem fôrça para manter o inimigo afastado e os próprios fra-diavolos

caipiras conhecem o seu pêso. El-Ia:.'

"Eu, coberto com o manto de Nossa Senhora da GUla, andarei,não andarei, meus inimigos encontrarei, �al não me far.ão, �lem eu

lhes farei; andarei, não andarei, um Cruzelro encon tr'aret: falO An­

jo S. Gabriel que encontrou Nossa Senhora e a salvou, rezando Ave

Maria."O braço do Onipotente desça sôbre quem me queira fazer mal,

que fique imóvel C0l110 pedra. enquanto eu, triste pecador, continuoem Serviço de Deus Nosso Senhor.

"Amen. Amen. Jesus".A oração do "Santo Lenho" é evidente para evitar doenças e a

sortida de inimigos. Rezada nas situações difíceis, em que restampoucas esperanças, o poder divino ouve o apêlo e socorre o suplicante:

"Meu Santo Lenho ela Cruz que se deite sôbre mim o Senhor quenele está fale e responda por mim que os meus inimigos carna!s e

espirituais nenhum se goze de mim" (Deve ser rezada três vezes se-

(2) - "Folklore comparado" (Ensalmos) - ln Rev. Ac. Bras. Letras. n. 114.(3) - "A Magia", ln "História. das Religiões", por Salomão Relnactl e OUtros

(Lisboa, s. d.) p. 83.(4) - "Orlgcn y fundamento de las religlones" (La Plata, 1947), p. 13.(5) - Há um famoso "livro de S. Cipriano", temor das almas supersticiosas. Ne­

le estão compendiados todos os bruxedos e fórmulas mágicas Imagfnáveta.É um "breviário" completo de encantamentos, livro obrigatório de curan­deiros e benzedores.

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guidas). E vejamos mais esta, tão eficiente quanto as duas primei­ras e de fundo nitidamente católico:

"Pelo sinal salutífero da Santa Trindade Iivre-me Deus desta doen­

ça pelas 5 chagas ele Jesus Cristo. Gloria ao Padre Filho Esp-ritoSanto. Assim como era no princípio agora e sempre para todos os

séculos dos séculos. Amen".Há muitas orações para dormir na santa paz do Senhor, sem

sonhos maus nem pesadelos incômodos. E as que circulam em SãoLuís, onde as recolhemos, nada mais são do que variantes de ora­

ções portuguesas para cá trazidas pelo colonizador. Escutemos esta:

Jesus Cristo,S. Pedro benzeu o altarAssim benzei esta redeQue nela vou me deitar ...

A pessoa que reza se benze e afunda na rede de corpo e almae dorme tranquilamente.

Em seu magnífico livro "Folclore Religioso" o dr. Luís Chaves,consagrado folclorista português, registrou esta oração para dOI·

mir, conhecida no Maranhão em forma de variante:

"Com Deus me eleito,Com Deus me levanto,E a graça do Divino Espírito SantoQue me cubra com o seu manto" (6)."

E Llndolfo Gomes recolheu em Minas Gerais oração mais ou

menos idêntica, constituindo variante brasileira:

"Com Deus me deitoCom Deus levantoCom a graça de DeusE do Espírito Santo" (7).

Em São Luís ainda hoje reza-se a seguinte oração que é uma

outra variante das duas acima consignadas, de forma meio erudita,Ouvimo-la elos lábios murchos de uma velhinha que nos arh-mou,convicta, ter um SOl1n inteiro, beatífico. Oucarno-la:

"Com Deus me deitoCom Deus me levantoCom a Divina graça do Espírito SantoNosso Senhor me cubra com o vosso mantoSe eu bem coberta forNão terei mêdo nem pavorNem das coisas que mais forem,Deita-te corpo nesta tua sepulturaSe a morte me vier buscarE eu não puder falar,Direi três vezes no meu coracão:- Jesus valei-me, Jesus acompanhai-me, Jesus salvai­me!

(6) - "Folclore Religioso" (Pôrto, 1945), p.(7) - Ltndolfo Gomes - "Notas de folclore e literatura compnrnda". in Rev. Fi­

lológica. (Rio, 1944), p. 7.

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o sol é fonte de vida. Fecunda as searas, amorna caríciosamen­te a gente e redoira as cidades. Mas às vezes se transforma em al­goz do homem, quando lhe entra pela cabeça a dentro e promovedistúrbios.

Entre curandeiros e benzedores há a crença firme ele que cer­tas dores violentas que se manifestam na cabeça são causadas pelosol. Urge, nesses casos, retirar o sol por meio de um processo má­gico, muito difundido no Brasil.

Numa localidade de colonização teuta de Santa Catarina o etnõ­grafo Francisco Schaden surpreendeu essa prática mágico-simpá­tica entre os colonos alemães. É o que êles chamam de "Sonnens­ttch''. Mas, vale a pena ouvl-Io:

"A cura dessas dores de cabeça é a seguinte: O paciente senta­se bem direito. Sôbre a cabeça estende-se-lhe: uma toalha ele rosto ou

um pano semelhante, de tal modo que as extremidades caiam deum e outro lado, deixando o rosto a descoberto. A seguir, coroca­se-lhe na cabeça um copo com água limpa peja metade, em posiçâoinvertida; é preciso segurá-lo cuidadosamente, para que o líquido nãose derrame. Passa-se então a recitar as orações, de ordinário em voz

quase imperceptível. São rezas de caráter essencialmente cristão.Principia-se com o Creio em Deus Padre, ao qual se acrescenta a

jaculatória; "Schmerzhafte Mutter Gottes, bitte aIs unsere Helfe­rín" (Dolorosa Mãe de Deus, Intercedai como auxütadoi-a nossa).

Depois disso, o benzedor faz o sinal da cruz sõbre a água no COIJO,reza um Padre Nosso e repete o mesmo sinal. (Entrementes, peque­nas quantidades de ar: que penetram no copo, sobem pela água em

forma de pequenas bolhas. Quanto mais numerosas forem, mais efi­ciente será a cura. .lulga-se, provavelmente, que são formadas peladoença que vai saindo do interior do cérebro). Após determinadosintervalos durante os quais o paciente fica sentado sem mexer-se,com o COI;O de água sôbre a cabeça, repetem-se mais duas vezes as

orações e os gestos de benzimento, e considera-se encerrada a cura"

(8).Nas nossas contínuas pesquisas obtivemos lima oração ideal pa­

ra a "retirada" ele sol ela cabeça. O processo é o mesmo descrito pe­lo sr. Schaden, com o clássico copo dágua e a branca toalhinha. Aoração que o benzedor (ou benzedora) reza é a que se segue:

"Minha Santa Carlota pelo mundo andava benzendo de sol a

sol com sua toalhinha branc.t na cabeça, com seu copo de água fria.Padre Nosso. Ave Maria. (Reza-se em seguida um Padre Nosso e

uma Ave Maria).Em Jaraguá do Sul o sr. Jefferson Davis ele Paula anotou Ul11f!.

oração para dor de cabeça (:::01 na cabeça), variando aqui o processode cura: em vez de copo _um frasco com água é colocado, com uma

toalha, na cabeça do paciente € o benzedor reza:

H_ Deus é sol; Deus é lua; é a luz.- Deus é a mesma caridade._ Assim que o sol saiu, é que êste mal foi entrado.Deus da Virgem Maria e da Santíssima Trindade" (9).

(8) - "MagIa e crenças populares numa comunidade teuto-brasnetre". ln "ao­ctoíosre'' (VaI. VIII - N. 2. S. Paulo, 1946) p. 79.

(9) - "Benzeduras usadas em Ja.raguá do Sul". in "BoI. Trimestral da comia­são Catarlnense de Folclore" (N. 7, 1951) p. 29

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Registraram variantes dessa oração no Ceará e em Pernambuco,respectivamente, Eduardo Campos e 'Getúlio César (10).

A azia incomoda tanto quanto a dor de cabeça e se não houves­se urna oração infalível muito sofreria a humanidade. Mais ou me-­nos assim se expressou uma nossa informante que não se fez oerogada e nos ensinou esta pequena reza para conjurar o incômodo:

Santa SofiaTinha três filhasUma que costuravaOutra que fiavaE outra que benzia do mal ele azia

A escritora Marisa Lira recolheu uma variação que reza:

"Santa IriaTinha três filhasUma que costuraOutra que bordaOutra que cura azia (11).

De resto, mudança unicamente do nome da santa mas semprecom a preocupação ele rimar, constante nesses processos de cura,como demonstrou mestre Leite de Vasconcelos.

Na referida localidade ele Jru-aguá do Sul a oração ele Santa Soofia com as suas três filhas é usada para curar queimaduras:

"Santa Sofia tinha três filhas.- Uma que fiava, a outra cosia;- Perguntei a Santa Sofia.Queimadura, com que se curaria- Com bafo de boca e água friJEm nome dI" Deus e da Ave Mar-ia" (12).

Nada incarnada mals do que um palhico 110S olhos, o argueiromaldito que nos obriga a um pisca-piscar infindo. E não Iôsse uma

oração bendita que corre mundo em formas diversas " Tomem no.

ta ela seguinte, colhida no Maranhão:

COITe COITe cavaleiroVai depressa a casa ele Santa LuziaPrá emprestar seu lencinhoPrá nrar este argueiro dos meus olhos!

Mas o quebranto é oue importuna deveras, Pessoa com quo­branto não presta. E dá muito em menino verde, inocente. O quebranto é o resultado do "ôlho", o "mau olhado", a "mufina". Ben­zendo o portador de qur-hranto com galhinho de arruda embebidoem azeite doce e recitando as orações seguintes. o 111al desaparece,pelo menos no conceito ele duas nossas informantes:

(10) - "Medicina Popular" (Fortaleza, 1951); "Crendices do Nordeste" (Rio,1941),

(11) - "Rezas e Feitiços". in "Revista Pllológfoa" (N. 27. ser. de 1944. Rio deJaneiro) n. 281.

(12) - .rerrerson Davis de Pauta, op. ctt. p. 28,

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Deus me benza com a Santíssima CruzDeus me defenda ele mal ôlho e ma] olhadoQue me querem fazer.Tu és ferro, eu sou osso,Tu és demonho, eu ti embaraçoCom o nome do Pai, Filho,Espírito Santo. Amen.

Quebl'Hnto

"Fulano eu te benzo de quebranto e mau olhado que te bota­ram. Com dois te botaram eu com três te tiro. Jesus Cristo quandoanelou pelo seu mundo todo foi, morrer em Jerusalém. Como sejamverdades estas santas palavras o quebranto e o mau olhado ele teu

corpo será tirado com as três pessoas da Santíssima Trindade, Pa­

dre, Filho e Divino Espírito Santo".

'Eh-ar mofina

São Pedro fez uma longa viagem em Roma.No caminho encontrou-se com Jesus Cristo.Jesus perguntou:- De onde vens Pedro?- Venho de Roma, Senhor.- Como vai o nosso povinho?- Estão todos duuntes.-- De que Pedro?- De quebranto, mufina e mal olhado.- Volta Pedro, vai curar.- Com que se cura Senhor- Cura-se com um pouquinho dágua, três

..

pedrinhas de sal,três galhos (de vassourinha)com que Nossa Senhora varreu o seu terreiro,e com estas palavras: ,

- Assim como eu não quero mal vizinho perto de mim,nem gente que come e não reza na minha casa,Assim não quero mufina, quebrantoe nem mal olhado ..

Esta última oração é conhecida no Brasil sob variadas formas,ora para curar isipra (erisipela), ora para conjurar mofinas e je­taturas.

A dor de dente põe sem tento um homem. Assim falou um in­formante ,em tom sentencioso que encheria de inveja o cacetíssí­mo Marquês de Maricá. A sorte é que existe uma oração supimpapara curar o dente dolorido:

Estava Santa ApolóniaSentada numa pedra de Araçagí (13)Veio Nosso Senhor é disse:- Que tens Apolônia?- Dor de dente, senhorO sol é nascente e a lua é poenteTirai-me esta dor de denteDe fulana, etc.

(13) - Araçagl é uma. das mals famosas praias dQ MaranM.o.

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Os males não se espantam somente com os cantares. Há rezasfortes que nos põem a salvo ele influências nefastas, acidentes, pon­ta ele faca, mulher ruim, bala e feitiço. São orações que fecham o

corpo, diz O vulgo. Vamos transcorrer duas, colhidas em São Luís,a primeira delas Hgada ao ciclo ela cruz, símbolo cristão de gran­de influência no fo1clore mágico luso-brasieiro. Se alguém tentas­se escrever um livro acêrca da presença da cruz nas manifesta­ções folclóricas dos países católicos milhares de páginas seriam pre­cisas para realizar êsse desiderato.

Sou árvore da Vera CruzQue venci e venceráJesus que nela morreu e padeceuPor mim seráJesus comigo, Jesus ninguém contra mimDeus e Nossa Senhora por mim.

E a outra, sem nexo aparente, semelhando mais fragmento in­completo:

Ah! meu DeusLivrar-me de quem tanto mal me desejaUma perna quebradaOutra que manquejaUm olho cegoE outro que não me enxerga.

E para finalizar esta modesta coleção de rezas milagreiras h:lque consignar uma destinada a levantar a arca caída. A informan­te expressou sua confiança na reza, acrescentando que ela própriasofrera um tempo do mal e o conjurara com essa oração.

Nosso Senhor Jesus Cristo de manhã cedinho andouArca caída, espinhela levantouLevantai a minha SenhorNosso Divino amor!

O poder elas curas mágicas é um fato na alma popular. A ima­ginação do rústico. mesmo os que parasitam nas cidades, considerae representa providencial a oração. Sir Jorge James Frazer, um

mestre que estudou o assunto, tem inteira razão.

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NOTAS SôBRE UM FOLGUEDO EM ARACAJú

Acompanhados de nossos alunos da Faculdade Católica de Filo­sofia, e ele dois psiquiatras, comparecemos a um "brinquedo" levadoa efeito nos arredores da cidade de Laranjeiras, velho centro de tra­dicionais folguedos populares, para assistirmos às comemorações em

honra ao oríxé da agricultura.A diretoria elo grupo, a velha negra Umbelina, recebeu-nos com

grande afabilidade e, antes da "função", convidou-nos a uma visitaàs dependências da casa, onde havia, num quarto, um pcgi, cujos fe­tiches e amuletos indicavam um sincretismo nagô-gêge-católico, pre­dominantemente. Lá estavam, entre muitos, o 011111111, defensor dasepidemias, segundo explicava Umbelina, que é Mãe de Santo. Coxu,a sereia, Chaocô, o sol, ahocossô, pegê e tantos outros. Havia, tam­bém, os olhos de Santa Luzia, em pedra; as pedras que representamos astros e que tinham correspondência nas pulseiras usadas pelasmoças componentes do grupo.

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EGOE EGUM O';;A ...

OLAGá GáOBA BEB';;.

b "brinquedo" consistia, em linhas gerais, no seguinte:A abertura da roda é feita pelas jovens, que giram de mãos da­

das. Inicialmente entram, da orquestra, apenas os tambores com a

marcação rítmica. Depois as cabeças e, em seguida, o canto. Ajuda­dos pelos estudantes, lentamos apanhar, de ouvido, os cânticos, queinfelizmente quasi não pudemos identificar com outros colhidos porinúmeros pesquisadores. A tradição oral deturpa de tal maneira as

expressões que, ao fim de certo prazo, será dificílimo descobrir-lhesa identidade. Todavia, as iremos reproduzindo aqui, enquanto des­crevemos, e111 resumo, a "função".

Primeiro canto, em CÔl'O, da abertura da roda:

AR';;, ARAORlBEE - EM - PEáó

Duas mocinhas entram a dansar dentro ela roda; as demais prososeguem em círculo. A seguir, uma só moça vai dansando com uma

a uma elas da roda, em obediência à idade. As meninas primei­ramente, as jovens depois. Continúa o canto em côro:

AISÊ - CAóJ!:COCÓ, ÊCOCá,INGAó, AMIUPOPÊ

A essa allura as dansarinas desatam-se as mãos e ficam paradas,enquanto duas delas dansam no centro. Ccntinúa, agora sozinha, a

que antes dansava com as outras.Entra em cena a Umbelina, chefe do grupo, toma de uma cabaça

e com ela faz o benzimento ela dansarina. O córo canta:

CUMADÊ

A velha chefe do grupo toma de um bastão de comando, metáli­co, com moedas ligaelas aos nós do bastão. Ao mesmo tempo que re­cebe o bastão, Umbelina põe nos ombros um grande chale verde. Ocanto agora é:

Enquanto a Umbelina canta sozinha. O côro prossegue:

SAANI BABA

Agora, cada dansarina se põe diante da Chefe do grupo, quelhes faz o passe, ao tempo em que as dansarinas, uma a uma, lhedeixam cair moedas nas mãos. Depois da última dansarina, algumasmulheres dentro do terreiro, não uniformisadas, recebem, igualmente,o benzimento e lhe dão moedas. Muitos circunstantes descem ao ter­reiro para fazerem o mesmo. O arrecadado é posto' num lenço. A Che­fe do grupo passa, então, diante de cada músico, em frente a quemdeixa cair moedas 110 chão. A velha Umbeltna tem agora na mão uma

espada, além do bastão. Continúa a dansar sózinha. O côro canta;

ARA COCOOCUMB]!: APUABÁ;'LAt. AELAt. PAEPO

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-,50_-

Umbelina está parada. Diante dela vão desfilando, uma a uma,as dansarínas que têm chale e são justamente as mais velhas de ida­de. Passam o chale ele um lado a outro, com os braços, sôbre os pésda Umbelina, e o sacodem, COlTIO quem tira poeira. O côro canta:

SAMBA NAGô ô COlÁ

Esta cerimônia se repete, então, com a que parece a pessôa ime­diata do grupo, e depois sucessivamente a mesma cerimônia do di­nheiro, com as velhotas do grupo. O côro, enquanto isso, vai canotando:

BADADÁ BADADÁABRE A RODA LEL�ECALGUÊ MAINCÁEBABAÁ ô LEJULll: GANGANGANOLELll: E BABAAQUEM MANDOU OIUÉ MANJOLAÊ AIAIA XANGO Tô NU ALJ!:ELEUÉ LENCô, '

..

BOBOE BE EÔ (cuja tradução 110S foi dada como

sendo: "Até outra vez").

Durante a repetição do cerimonial pelas mulheres idosas do gru­po, Umbelina se havia retirado. Voltou ao terreiro com o grande c,ha­le verde enfeitado com flôres vermelhas e azues. Termma ai a

"função''; com muitos vivas a santos católicos, alguns orixás, congra­tulações e muita alegria,

Após um bom intervalo, volta a se formar a roda, para um novo

"brinquedo". Tomam parte nêle vinte e três pessôas ornamentadas,de 18 a 60 anos, algumas munidas de cabaças, gunzús ou quercquexês(denominação onomatopaica, além da mesma orquestra anterior. Es­ta é composta de homens, mas na dansa só tomam parte mulheres,além de seis crianças do sexo feminino. Tôdas as participantes apre­sentam pulseiras no antebraço, que têm valor hierárquico na "irman­dade". As dansarinas se apresentam com instrumentos de trabalhorural, em madeira. A Chefe do grupo tem na mão uma taca, com a

qual 'simula bater nas dansartnes. O t-eft-ain é:

TERERll:- INDORO PEGAN

Entrementes, Umbelina inicia a dansa, com uma machadinha,onde a coreografia revela claramente a atividade do plantío do solo.

Depois ela passa a machadinha a cada dansarlna, que repete a

dansa e devolve a machadinha à Chefe do grupo. ao tempo em quelhe fazem uma reverência, imitativa da genuflexão. O canto é:

ADIOU PEGUN PERRÉADE AGUADO

Depois que tôdas as dansarinas usam a machadinha, os músi­sico, um a um, também a recebem, realizando a mesma figura coreo­

gráfica. Esgotados os músicos, as dansarinas abrem alas e Umbelinarepete a coreografia, dansando aos pés de todos os circunstantes, apóso que termina o "brinquedo".

É sabido que alguns sudaneses executam rituais sagrados, em

benefício de suas práticas agrícolas, No estudo da arqueologia, aíri-

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cana, FROBENIUS, FURON e outros traduziram certas inscriçõesrupestres como representativas de caças coletivas, realizadas comsentido mágico, o que também aparece entre alguns ameríndios doBrasil. O fato é, pois, segundo se conhece, uma característica de po­vos preletrados, e também se verifica em relação à agricultura.

A cultura dos povos fanti-ashanti possue o costume dos ínhamcs,cujo ritual está relacionado às práticas de cultivo do solo e, ao mes­

mo tempo, às cerimônias dos mortos. Na Africa, a celebração incluíaaté o sacrifício humano; era o odwh-a, função purificadora, afim deque os primeiros inhames de uma colheita fossem oferecidos ao rei,o que occoria ao início da primavera.

De sua vez, a cultura ioruba também consigna uma festa dos

Inhamos, em honra a O('(), ortxá ela agricultura, cultuado por uma 80-'ciec1acle secreta ele mulheres, forte e respeitada. Por igual realizadaao ensejo ela colheita elo tubérculo, a cerimônia terminava por um

verdadeiro delírio coletivo, na excitação das dansas e cânticos 01"

gíacos.As sobrevivências africanas apresentam, entre' nós, muitos tra­

ços em comum, em que pesem às diferentes configurações culturaisde onde emanam. 1� que a mais rica delas, complexa e desenvolvida,a ioruba, predominou sôbre as demais, que sofreram assimilação,conforme pesquisara o CeI. ELLIS na Ãfrica, no revelar a existên­cia de aculturação inter-tribal já naquêle Continente, enquanto, assimdoutrinou NlNA RODRIGUES, em confirmação daqueles estudos, no

cotêjo que o levou a sentir o prosseguimento do mesmo fenômenoentre os negros escravos chegados ao Brasil, das várias procedências.

Nestas circunstâncias, as culturas nagô e gêge, de íorubianos e

daomeianos, apresentam traços de íntimo contacto e, em menor apro­ximação, também as fanto-ashanti. Para não nos demorarmos em

muitos exemplos, lembremos apenas que os ritos de passagem ewe

e nagô s50 muito semelhantes, hem como iorubas e daomeianos seidentificam na frequência das sociedades secretas, enquanto entreos gêge e os Ian tí-ashanti a sociedade é fortemente hierarquizada.

Os cantos apanhados por nós e nossos alunos não nos perrnitl­ram uma klcntif'icacão com outros cânticos registados pelos pesqui­sadores que se têm dedicado ao assunto, A desfiguração das línguasafricanas, utilizadas no matertal colhido, é extrema e não deixa mar­

gem a uma ínterpretacão segura, Todavia, alguma coisa se poderáenxergar, como veremos.

O grupo de Umbelína, que se apresenta uniformizado, todos debranco, inclusive os tocadores (cuja vestimenta lembra o dos gar­çons ele Dakat-), trazem no peito e no gorro, desenhado com linhaencarnada, a figura representativa de Xangô, tão fartamente reco­nhecida e acolá reconhecível. Do interrogatório que fizemos à negraUmbelina, informou-nos que Ognudt é o mesmo Xangô. De sua vez,Or-í xacô é o mesmo Ocô e ainda Ocu mbê, orixá da agricultura dos po­vos ioruba. J.jgullI pertence às sociedades secretas daomeianas. Apa­rece também a expressão Babá, que significa pai no vocabulário nagõ.Êstes poucos indícios nos revelam a influência lot-uba no grupo emestudo. O que foi descrito não deixa dúvida de que se trata de cerimo­nial ao orixá da ngricultura. coincidindo com a época da colheita doluhame, especialmente no segundo "brinquedo", A inclusão dos mú­sicos, destacadamente, na coreografia, poderia ser traduzido como

rernintscência do alto status em que são tidos os músicos em algu­mas tribus preletradas,

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o grupo constitue um disfarce de sipes nigerianas, ou mais prê­cisamente, uma sociedade secreta para o culto do oríxá da agricultu­ra, lá existente. Nota-se com larga evidência, o fenômeno da senío­rity, de BASCON, em que a idade determina o status social da pes­sôa. Nas figuras coreográficas descritas houve inegável respeito eobediência à hierarquia da idade. A ginecocracia, requinte de matri­arcalismo, como a gerontocracia, govêrno dos velhos, são organiza­ções sociais reconhecíveis em povos preletrados, na África inclusive.O que aqui foi descrito, não nos pareceu que tivesse qualquer relaçãocom a festa dos fanti-ashanti, de características muito mais' dramáti­cas, que incluia até o sacrifício humano. Como em tôda tradição oral,a desfiguração já é muito grande; sua adulteração prosseguirá, semdúvida, até que se torne inteiramente irreconhecível, para futurospesquisadores.

Só um estudo mais aprofundado, na decomposição dos diversoselementos e complexos culturais, poderia precisar melhor as relaçõesde origem do espetáculo descrito, o que por certo foge á naturezasimples das presentes notas.

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os OVOS E O COELHO DE PÁSCOALuiz No. de Almeida

A tradição dos "Ovos de Páscoa" remonta à Igreja primitiva. Inú­meras explicações já lhe foram dadas, mas as mais prováveis são ;1S

seguintes:"Os adeptos da nova religião viam nos ovas a causa de fenôme­

nos de eclosão, um símbolo da Ressurreição ele" Cristo. E é, sem dú­vida, por esta razão que os ovos foram levados aos templos, no diada Páscoa, e abençoados pelo padre, antes de serem distribuídos ilfamília dos amigos. Dêste costume inicial, inúmeras coisas interessan­tes nasceram.

Em Par-is, no século XIII, o clero e os estudantes de diversas Ia­culdades reuniam-se nas praças públicas, formando um longo cortejoe precedidas de uma banda de trombetas e tambores, encaminhavam­se para perto da catedral e cantavam parte de um ofício chamado"Laudas". Depois, então, espalhavam-se pela cidade para fazer a dis­

tribuição dos ovos.

OS 'IOVOS de Páscoa" eram, depois de esvasiadçs e cheios de areta,pintados de vermelho, azul, amarelo, etc,

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-M-

Com o correr dos tempos inventou-se decorá- los com assuntosrelígtosos e desenhos dos célebres artistas Lancr-et e Wattcau.

No século XVII, por ocasião da Páscoa, era oferecida ao rei uma

corbelha cheia de ovos dourados e o soberano dlsn-íbuía-os entre os

assistentes.Em certas partes da Bélgica, as jovens noivas recebiam dos noi­

vos um "bouquct" de flores, mas com a obrtgaçâo de dar em trocadois "ceuf's de Pâques", diversamente coloridos e acompanhados dediversas divisas ternas e poéticas.

O uso dos "Ovos de Páscoa" existiu também na Rússia, onde, des­de o Tsar ao mais humilde dos "moujf ks" cultivaram êste costume;lá, como entre nós, os ovos eram decorados de várias maneiras, sim­

ples ou complicadas, segundo a fortuna de cada um. Quando se en­

contrava um amigo, devia-se trocar com êle um ôvo de Páscoa, dizeu­do: "Cristo ressuscttout'' E outro respondia: - "Sim, estou ces-to de

que ressuscitou", Na Polônia, onde a abundância de ovos era enorme,um velho costume rezava (não sabemos se êsse costume é consenti­do atualmente) todo dono de casa devia oferecer numa segunda-teu-ade Páscoa a cada visitante um ôvo duro ou cozido, que êle partirí.icom os dedos e daria a metade ao hóspede.

Conta-se que, quando o número de visitantes era grande, o clonoda casa não comia a metade dos ovos, limitava-se apenas a levá-losaos lábios.

Tempos houve em que os ovos ele verdade foram substituidcs porovos de porcelana, pintados em dourado, ou ele marfim e nacar, reves­

tidos de inscrições e com duas aberturas, permitindo a passagem eleuma fita destinada a suspender o ovo ao colo, �l guisa ele pendentif.Havia até alguns cujo interior era revestido de paisagem em relêvo.Todavia. de todos êsses costumes, quase não nos resta grande coisa,e as crianças conhecem apenas os ovos coloridos ou ele chocolate com

bombons no bôjo."COELHO DE PÁSCOA" - .lá no século XIX, pelo fato de só­

mente crianças ganharem "ovos de Pásc-oa", fantasiaram-se históviaspara explicar-lhes quem era o portador dos preciosos ovos, pois, co­

mo sabem os leitores, as crianças não dispensam de saber o como, o

quando e o onde do que lhes contam. Nós, também, gostamos. e foi

por isso que um amigo meu pediu-me para investigar a origem daexpressão �ICOELHO DE PÁSCOA",

Creio que a história do "Coelho de Pascoa" partiu da Alemanhaembora não tenha ainda dados seguros para afirmá-lo categórica­mente.

Comecei a minha investigação fazendo aos filhos dos vários paí­ses europeus a seguinte pergunta: - "Existe em seu país de ortgema expressão: "COELHO DE PASCOA?" O rrancês respondeu-me: -

"Não, embora perdure a de "OEUFS DE PÃQl.'E8" assim como o

costume de esconder os O\'OS color-Idos ou di' chocolate pr-los cantosda casa C mandar as crianças procurarem, dizendo: que fôl'ê.l um

coelho que u-ouxera",O belga, o suísso, o francês, o italiano, o inglês também me res­

ponderam negativamente, isto é, "não usamos a expressão "COELHODE PÁSCOA", embora usemos o coelhinho como portador dos ovos,Entretanto o americano do norte a tem copiada elo alemão, donde SEoriginou com o nome de "Lebre de Páscoa",

O americano tem duas maneiras de dizer: "Bunny-t-abbtt" (coe­lhinho ele Páscoa) e "Eastee-Rabhit" (Coelho de Páscoa) ao passoque o alemão diz "Oestes-base" (Lebre de Páscoa),

I

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Perguntando a um alemão se sabia o motivo pelo qual escolhe­ram a "lebre" como portadora dos tais ovos, respondeu-me: Por ser

a lebre um animaIsinho querida das crianças e, além disso, assusta­

diço e silencioso (como o coelho) e que além disso a lebre é um dossímbolos ela primavera, na Europa e é, justamente, nesta estação quese festeja a Páscoa",

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Vitor B. Caminha

N. R. - O Autor, ao enviar-nos, o trabalho abaixo, esclareceu

que as rimas foram recolhidas no Estado do Rio de Janeiro, em Pa­

rati, de velho cantador, de grandes méritos.

ZÉ DUDA1- Zé Duda teve uma pergunta

Com Silvino ParanáSaudando todos os SenhoresLogo em primeiro lugar.Vou contar esta pelejaQue é muito natural,

2 - Senhor Silvino é precisoQue uma pergunta eu lhe façaVocê mora no sertãoQue anda fazendo na praça?Foi vindo ao RecifeProcurar a sua desgraça!

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StLVINO

3 - Zé Duda a sua perguntaResposta clara vou darFui morador no sertãoVenho na praça morar

Pretendo aqui viver bemNão quero me desgraçar.

4 - Paraná quem lhe mandouVir aqui no meu PernambucoIgnorava talvezDe que sou cantor de suco

Agora o seu resultadoé ficar doido ou maluco.

5-Que eu não vim aqui man-

[dandoDesde já fique sabendoO Senhor tem muito suco

Porém a si não me rendoPretende deixar-me 'doidoMas isso só creio vendo.

6 - Me informaram que vocêEra exímio cantadorQue desta arte que ora exerce

Pretende ser professorE que em ciência praticaDizente como um Doutor.

7 - Há mais de trinta anos

Que eu vivo de cantoriaNão me julgo mais que outroMas conheço bem poesiaSe eu fôsse cientistaCantando não viveria.

8 - Si você sabe cantarVou ter agora a certezaPrevina a sua memóriaPara com toda a clarezaDiscutir comigo sobreOs reinos ela Natureza.

9 - OS' reinos da NaturezaSão trels, eu os contareiO primeiro é o vegetalDeste agora eu falareiSe quer discutir sobre eleAo seu dispôr estarei

10..- Porque chamam vegetalA este reino citadoQual a sua serventiaSi não é habilitado

-51-

para responder me ouça -

Que lhe será explicado.

11 - É chamado vegetalToda planta geralmente,Dão-lhe este nome porqueA planta vive e não senteServe para vestir a terrae para dar frutos a gente:

12 - Me diga quais são as plantasDe que o homem mais precisaPara plantar nas searas

De qual ele se utilizaVamos vêr se esta respostaVocê agora improvisa.

13 - Planta o homem nas searas

Milho, cana e algodãoCafé, arroz e batatascacau, mamona e feijãoUva, cebola e o trigoQue dá saboroso pão.

14 - Quais são as plantas entãoQue no jardim são plantadasQuais são as que nos ofereceMuitas flores perfumadas.Cite o nome de algumasMuitas delas apreciadas.

15 - Muitas plantas brotam floresPlanta-se mais no jardimO cravo, a rosa, a verbenaO crtsantemo, ° jasmimA violeta a boninaA saudade e ° Alecrim.

16 - Se conhece bem as plantastambém responda-me ao que­

[r'erQuais são as que ao marcí-

[neiroOferece melhor madeiraE diga também ° nomeele alguma planta fruteira.

17 - Dão as melhores madeirasO cedro, o Pinho e o PereiraO Juruna e outras maisO abacaxi é o primeiroNo sabôr dentre os mais tt'u­

[tosTemos o melão melhor cheiro.

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18 - Sobre o reino VegetalMuito acertado falouAgora sobre o segundoReino, interessado sou

Que nome tem e que prlvile­[gio

O homem nele encontrou.

19 - Chama-se este MineralPor se tratar de mineraisÉ o reino que, para o homem,Maiores riquezas traz.Contém o Mercúr-io. as pern-isE diferentes metais.

20 - Já que falou em Mercúriodê-lhe dele explicacâcSe êle é sóJido ou líquidoDonde é extratdo então.Diga si ele dando veneno

Entra nalguma composição.

21- O Mercurio é metal liquidoDo aztnhavre é extraídoÉ um veneno violentoPor azogue é conhecido.Dêle faz-se um sublimadoComo açúcar parecido.

22 - Achei de acôrdo a respostaMas eu saber ainda apuroQueh'a agora responder-meQuais dos metais o mais duroE em que país se encontraO metal mais rija e puro,

23 - O Niquei é o metalque encerra maior durezae na Nova CaledoniaE na Austrálta com certeza,É encontrado esse minei-loQue contém muita pureza,

21- Falou certo sôbre. o níquelNão o posso repelirMas qual o metal brancoE mais fácil de polirE O que pode o homemDesse metal extrair,

25 - Eu afirmo-lhe que a prataÊ o mais m-anco metal,Seu polimento é o mais fácilDentre os melais em geralDela se exu-ét um nitratoChamado pedra infernal.

- 58-

26 - Diga qual é o metalQue o homem mais procuraQue conserva maior rfque-aQue tem a côr mais seguraQue fios pode dar; jóiasde valor e formusura,

27 - O outro é o metal mais puroEil1 qualidade é invejávelPela sua formosuraSua côr inalterávelE ele nos dá a moedaE a jóia mais estimável.

28 - Qual o metal que ao outroPoderá ser comparadoPelo seu grande valor?Qual o metal mais pesado '}

Qual no outro que o tempoNão faz ficar mareado?

29 - Pode ao ouro comparar-seA valiosa platinaQue esta seja mais pesariaOs corpos a ciência combina.Ao alumínio também

,

Tem a espécie segura e fina.

30 - Então qual é o metalele maio!' utilidade?Qual o que dá utensíliosDe grande necessidade?Para o trabalho elo homemDe seu nome e qualidade,

31 - O mais útil doa metaisÉ o ferro, posso afirmarPOl' meio dele o homemPode a terra cultivarE poderá defender-seQuando o inimigo atacar,

32 - Qual é o metal que elo ferroEstá muito aproximadoPor sua tenacidadeE que é muito apreciado?Do qual já tem a ciênciaAlgum veneno tirado,

33 - Se não me engano é o cobreE esse metal precisoQue se assemelha ao rerro­Por ser muito vigorosoDele se extráí o verdeteVeneno muito perigoso,

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\.". - Ainda sôbre o cobreQuero uma resposta ouvirMe responda se a ciênciaPoderá dele extrairOutro metal que tambémAo hômem possa .servir,

35 -c-Fundindo o cobre ao zincoFabricamos o latãoCornbinando-o com o estanhoFar-seá o .bronze entãoDo cobre se tira um solQue é de muita apreciação.

36 - Além dos que já falou-me,Não existe outros metaisQue ocupam bons lugaresEntre os corpos minerais?Se ainda conhece algunsCite os seus nomes reais

37 - Ainda tem o chumbode que se faz o alvaiadeO zinco, O Ilandres, o estanhoQue tem pouca intensidadeO mais compreende as pedrasMuitas são ele utilidade.

38 _:_ Falou-me agora elas pedrasQual é a mais procuradaPara razer-se uma estatua?Da qual fazemos calçadaQual é a mais transparenteEstando cristalizada?

39 - O mármore a pedra que dáEstatuu muito decenteServe a pedra granitoPara calçada, geralmente.O cristal da rocha éA pedra mais transparente.

40 - Si ainda conhece outras pé-rdras

(liga seus nomes tambémVá citando de per siSó as que conhece bemE me diga o KaolimQual o privilegio que tem.

41- Conheço o jaspe e o sílexÀ pedra pomes, a amolar,O onix c a ametistaDo Kaolin fabrícar,Podemos, a porcelana, ,

que é louça muito popular.

-59-

42 - Sobre as pedras preciosasdê-me alguma explicação.Qual a que tem mais valorAs mais bonitas quais sãoQual é 11 pedra mais duraDentre elas todas então.

·13 - A pedra de maior- valorÉ com certeza o brilhanteDentre as pedras a mais duratransformada elo diamante.A mais bela é a esmeralda.Por ser um verde legante,

44 � Se ainda conhece outras 'pe..[dras

Diga os seus nomes e cores

Explique se todas elasTem prestigias e valoresQua14 a que maior vantagemOferece aos exploradores.

45 - Conheço ainda a safiraQue é azul e tem valor

'O topázio é amareloRubi tem vermelha côr'Todas 'oferecem vantagensDa mina ao explorador

46 - Se ainda 'existe pedras uteisAo homem. nos minerais,Diga seus nomes e vamos

Falar' sobre os animais.Responda-me se me conheceQuais os irracionais

47 - Tem mais a pedra elo s-exo;A de carvão, a de cal,Estas são de utilidade'Do grande reino animal.Conheço praticamenteQual é o írractonal ,

48 - Quero vêr se agora aindaSua lernlnança lhe valeSobre os irracionaisDe improviso me fale:"Divida eles em classeE os seus nomes propale.

49 - São os n-racionatsVertebrados e invertebradosQuadrupec1es e volatelsInsetos e plantigradosQuadrupeeles regitlgradosAnrlulos dígtttgrados.

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-M-IO - Sôbre a classe dos insetos 51! - Sobre animais voadores

Responda-me agora então, Me fale também agoraQuais são os que esbajam Qual deles QS mais domestí-

[mais.

EcosA lavoura ou plantação; Qual o que aos mortos devoraSe existe insetos utels, Quais os maiores e bravosMe explique agora quais são. Qual tem a vóz mais sonora.

51 - O gafanhoto e a formigaSão os de mais perversidade,Bicho da seda talvezO de maior utilidade.A abelha da-nos um mélQue não tem rivalidade.

52.- Quais são os insetos ou pesteQue nos fazem muito mal;Fale-me só dos que sugamO sangue de outro animalE diga qual é o melhorDos crustáceos em geral.

53 - Chupa o sangue animalMosca, pulga e percevejo,O piolho e o carrapato.Dentre os crustáceos que ve-

üoSão dos melhores a ostra

A lagosta e o caranguei]o.

54 - Agora sôbre os ZoofitosDesejo a viola falar,Diga-me onde se entram

- É na terra ou no mar.

Cite o nome de alguns peixesQue nos dá bom paladar

55 - Moram no mar os ZoofitosSão animal e vegetal,Deste conheço a esponja,Dos palitos e dos corais.Tem bom sabor a cavala,O Xareu e outros mais.

56 - Se neste assunto sobejoAlguma causa ainda se dizMe fale agora elas classesDe anfibios e reptisDizendo quais desses sãoMais veennosos e vis.

57 - Os anfibios moram na aguaEm alguns secos terrenos,Os reptis não tem pés;Todos são vis mais ou menos

Tendo a vibora e a cobraOs mais nocivos venenos,

59 - São mansos os galinaceosComem carne os urubusSão mais bravos e maioresA aguia e o avestruz.O canto do sabiáÉ o que mais nos seduz.

60 - Diga-se agora quais sãoAs feras mais temerosas

Quais as que atacam o ho­[mem

Estando com fome ou raívo­[sa.

Quais são as mais traiçoeirasMais bravas e perigosas

61- São temerosas as cobras,São feroses o LeãoO abutre e a panteraO tigre e o tubarão;O lobo, o urso e também,Não sendo manso é o cão.

62 - Dos animais que ao homemAjudam a trabalharMe fale e diga se todosSe podem domesticar ,

Quais o que a sua carne

Dão para nos alimentar.

63 - Se domestica o jumento,O camelo e o cavalo;Nos da sua carne o porcoO boi o carneiro e o galoO bode o peru e outros,Dos quais agora não falo.

64 - Já que falou com acertoSobre os irracionaisDiga-me agora se sabeQual é o rei dos animaisE me explique porque aos

[homensSe chamam racíonats.

65 - O Rei de tudo é o homemQue entende o seu dominioSobre eles porem não podeA todos dar extermínio

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Chama-se racionalPorque tem racíocinío.

J. DUDA

66 - Agora ilustre colegaEu conheço que o SenhorEm todo e qualquer assunto

É exímio cantadorE não creio que nesta arte

Encontre competidor.

67 - Meu afiado colegaNão sou cantor ele pr-imeiraFui discípulo e sigo a escolaDo ex-homem, do TeixeiraMas eu notei agoraTalento e Musica altaneira.

68 - Vou calar minha violaE de coração lhe digoQue precisando de mimPoderá contar comigo;Que encontrará um colegaQue o servirá como amigo

S. PARANÁ

69 - Quanto ao oferecimentoLhe fico muito obrigadoTambém como seu amigoQuero ser considerado ,

Pode dispor com franquezaDeste seu maior criado ...

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VELHA HISTóRIAEgeu Schnden

Faz quase cinco anos que numa aldeia indígena do litoral pau­lista ouvi um caboclo contar, numa roda de índios Guarani, a rve­

lhisslma história elo macaco e da onça, enfeitada, porém, com uma

série de elementos folclóricos de variada procedência. Achei sobre­modo saborosa a linguagem em que a versava, pelo que resolvi to­mar nota do texto, apesar de incompleto. Certo de que um dia al­gum folclorista patrício virá a estudar as variantes da história es­

palhadas por todos os recantos do Brasil. envio o fragmento parao Boletim Trtmestral, pois assim ficará à disposição cios especialistas.

*

* *

Era uma vez o cornpadre tigre e a cOIi1aclJ'€ onça, o cOmpadT€macaco, o compadre carneiro e o compadre veado. Então o compa­dre tigre combinou uma festa com a comadre onça para ensaio demúsica e a comadre onça no meio do ensaio combinou com o com­

padre tigre de matar o compadre tatu e o compadre carneiro e o

compadre veado e o compadre macaco. Então ela falou para o com­

padre tigre: Olhe, compadre tigre, vou pôr uni tacho de água no fo­

go, vou deixar esquentando. Três vezes eu tenho que ver a água se

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-td-

está quente e nas três vezes, se estiver quente, nós vamos matar o

compadre macaco e o compadre tatu e o compadre carneiro e_

o

compadre veado. Então o ensaio vai ser sábado. Quando eu for a

primeira vez, eu vou ver se a água está quente. Se não estiver quen­

te, eu venho e digo: Ih, compadre tigre, a água está piscando. E

quando eu for a segunda vez, a água já está querendo ferver e na

terceira o senhor se apronte para nós dar o assalto. Assim combi­

naram. 'Aí se aprontou. O dia da festa marcado chegou. Então o ma­

caco com a rabeca e o camefro com o bomba e O tatu com o rufo e

o veado com o clarinete. Então começaram o ensaio ela musica. En­

tão o macaco dizia: J á te afinco, já te afinco, já te afinco. Então o

tatu: Corrotão, corrotão, corrotão. Então o carneiro fazia: Feijão bem

bão, feijão bem bão. E o veado: Negr-a preta do cabelo pixaim ne­

gra preta do cabelo pixaim. Então a comadre onça disse: Compadre

tigre, eu vou ver se a água está quente. Então foi e voltou e disse:

A água está piscando. Então começaram a segunda vez o toque, o

ensaio. Aí acaba o segundo toque. A í a comadre onça disse: Com­

padre tigre, vou ver se a água está quente. Então o compadre ma­

caquinho eslava escutando tudo e viu a combinação da comadre

onça com o compadre tigre. E disse: Compadre carneiro e compa­

dre, veado e compadre tatu, se aprontem que na terceira vez vai nos

pegar; se aprontem para nós correr. Enuio agora ela vai ver se a

água está quente e diz que a água está pulando. E na terceira vez se

aprontem para nós correr, que ela senão nos mata. Então começou·

a tocada outra vez. Aí parou e tal. Aí a comadre onça disse para o

compadre tigre: Olhe, compadre, vou ver se a água está fervendo,

Se apronte, compadre tigre, para nós dar o assalto. Então o compa­

dre macaco, como muito levado, desconfiado, estava escutando tudo.

Aí diz: Comuadre carneiro, compadre veado, compadre tatu, vamos

correr tudo,-

senão êle nos mata. Entao ourou a tocada a terceira

vez. Aí a comadre onça disse: Compadre tigre. eu vou ver se a águaestá fervendo, se apronte compadre tigre. Aí o macaquinho disse

para os companheiros: Compadre carneiro, compadre veado, cem­

padre tatu, quando eu assobiar, vocês corram, que eu vou por ci­

ma dos paus, avisando. Então a comadre 011('a foi ver se a água es­

tava fervendo. Aí vinha vindo tudo cnferruscada, tudo se Iamben­

do. Aí o macaquinho deu aquele assobio. muito forte. que até dei­

xou surdos os outros bichos. Aí compadre carneiro, compadre vea­

do e compadre tatu saltaram um atrás cio outro e saíram correndo.

Compadre macaco pelos galhos lias paus, dizendo: Corre. compadrecarneiro. compadre veado e compadre tatu. senão o tigrc .e a onça

te pega. Aí o compadre tatu chegou num buraco muito grande, se

apinchou dentro cio hUI'élCO e o compadre tigre f'oi ,pegar o compa­

dre tatu e errou. pegou numa grande pedra, que até caiu de costas.

Errou pensando que (;1'<": o tatu. Aí o compadre veado passou de

compadre carneiro e corre, cone, corre, chegou num rio, se apín­chou dentro do rio e atravessou. Aí o compadre carneiro, como mui­

to lerdo para correr a onça andava perto quase de pegar êle, A on­

ça e o tigre. Então o compadre carneiro chegou na beira cio rio, gri­tou para o compadre veado: Compattre veado, como é que eu faço,como é que eu \'OU atravessar'? Aí tinha um barro muito grande as­

sim, um barro mole. A í o compadre veado disse: Compadre carnei­

ro, deite aí nesse barro em cima, forma uma bola ai. Compadre ta­

tu e comadre onça chegam ai, eu \'OU mandar jogar esta bola queestá a para cá, que eu dou o compadre carneiro para vocês. Então

o compadre carneiro deitou ali; fez aquela bola muito grande. Ai

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chegou o compadre tigre e a comadre onça. Ai o compadre veadodisse: O compadre tigre e comadre onça, os senhores peguem essa

bola que está nesse barro e joguem para cá que eu vou dar o com­

padre carneiro para vocês. Aí a comadre onça e o compadre tigredisseram: Ah, isso nós jogamos. }<jles pensaram que era barro ou

uma pedra aquela bola. Aí pegaram naquela bola e jogaram parao outro lado do rio. Então, quando caiu lá. o carneiro. com a dor do

tombo, fez: Béhhh. Aí o compadre tigre e a comadre onça disseram:

Ah, safado, nós podia ter matado você, nós não sabia. Que coisamedonha. Mas deixe estar. Aí o macaquinho. que estava obesrvando

tudo, disse: AI1, compadre tigre, você é burro, vocês são burros pra

burro, pegaram no compadre carneiro e deixou ainda escapar. Aí o

compadre carneiro, lá do outro lado, fazendo assim para o tigre e

a onça: Béhhh, béhhh, béhhh, héhhh.Aí v compadre macaquinhodisse assim: Eu vou fazer U111a malvadeza para o compadre tigreagora. Pegou uma fruta ele macaco, dessas que dá 110 mato, fruta

grande, e soltou nas costas do tigre. E o tigre: Nhó. Aí o tigre olhoupara o compadre macaco e o compadre macaco começou a fazer

mourisqueta para o compadre tigre. Então o compadre tigre olhoue se arreganhou de raiva elo compadre macaco. E disse: Deixe, com­

padre macaco, eu vou te pegar. E ficou enfezado com o macaco.

Achou ruim. Lá na fonte onde todos os bichos bebem água eu vou

te. pegar, custe o que custar. Aí o macaquinho saiu também, ga­lhando pelos paus e o tigre acompanhando. Aí então o macaquinhoestava com muita sêtle e disse: Como é que eu vou fazer para en­

ganar o compadre tigre'? Aí o compadre macaquinho sabia dumaabelheira. Então êle furou a abelheira, tirou o mel e se lambuzoutodo no mel e rolou na folha. Então ficou cheio ele folhas o compadremacaco. Era pelos pés, pela cabeça, pela barriga, não parecia o ma­

caco. Então o compadre tigre estava sentado lá na poça ele água,esperando que hora o compadre macaquinho vinha. Então o maca­

co foi descendo devagarzinho, veio rolando, rolando, Então o com­

padre tigre disse: Ó meu amigo Folharado, é você que vem aí, é?Então o macaquinho era o F'olharado, chegou, bebeu, bebeu, bebeu,bebeu, bebeu água e deu um salto num galho dum pau na beira dapoça da água e gritou: Sou eu mesmo, compadre tigre, o compadremacaco, o macaquinho que 'você quis pegar. Aí de tanta raiva o

compadre tigre ficou, deu um pulo no compadre macaco, Folhara­

do, mas errou o pulo e caiu dentro da água e a água chupou parabaixo. Era um sumidouro. E até hoje o macaquinho está vivendo.

(História contada por Leocáclio Chagas de Oliveira em Itaririno dia 22 de fevereiro ele 1948. Diz tê-la ouvido do pai, que era na­

tural de Catas Altas, Estado de São Paulo, perto de divisa com o

Paraná.)

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·

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OS NúMEROS NA ANTIGUIDADETássilo Orpheu Spalding

Para os antigos o número podia ser encarado sob tríplice as­peta: na sua forma material, na forma numérica de seres por êleexpressa e na qutdditas, isso é, a essência do número, aquêle ele­menta intrínseco que faz com que 2 seja 2 e não 3.

Pitágoras parece ter sido o 'primeiro a formular uma clara con­cepção pluralista do Mundo em função numérica. A par de suasteorias psicológicas e morais, antes objeto dos Mintstôr-íos e dos Dog­mas do que, propriamente da Filosofia, Pitágoras examinou e ana­lisou o número com profundeza, chegando à conclusão de que o

princípio constitutivo das coisas são os números: Numcrus mundumregtt, Se é verdade que o sábio filósofo e matemático não sintetizouas suas teorias neste axioma, nem por isso é menos verdade queêle exprime, com rara justeza, o caráter particular da sua doutrina.

Intimamente unidos às fórmulas mágicas e aos ritos complexosdos primitivos l\1ist.ét'ios, passaram os números, a pouco e pouco,a ser não mais as substâncias das coisas, como o queria Pitágoras,mas manifestações concretas de fatos ou de coisas, Surge daí o ca-

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fazem segundo um ritmo no qual intervém o 7. É o que os Gregoschamam de Synphonía dià tessâron ou intervalo de quatro, 4/3. Var­rão pensa que os riscos, em caso de moléstia, são maiores nos diasmúltiplos de 7. Os que aparecem como particularmente críticos e de­cisivos - Kr-itfkoús Irai Jo-tsrnous - no dizer dos médicos - são O 7,o 14 e o 21 de caela mês. Diz-se, também, que aquêle que decidiu se

deixar mor-rer à fome, não perece senão no sétimo dia.Varrão era de tal modo dado aos números que o seu próprio Ii.

vro, Hebdornndes, não é mais do que operações aritméticas, cujo re­

sultado dá o número 700. A operação seria: 7+7=14X49:=686+14=700.Sua obra estava dividida em 14 livros. Note-se, de passagem,que as 700 biografias escritas por Varrão estavam de tal sorte dis­postas no corpo da obra, que os números ímpares correspondiam aos

romanos e os pares aos estrangeiros.O número 9, que enj.ra na composição do Ano Climatél'ico elos

Caldeus, 7 x 9, era, primitivamente, o número dos livros Sibilinos,oferecidos por lima velha desconhecida ao rei Tarquínio o Soberbo,os quais, no final, reduzidos a 3, foram adquiridos pelo mesmo pre­ço dos 9. Os 6 restantes a velha misteriosa os queimara. Esta é a ori­gem, dizem, do supersticioso temor e respeito que nutriam os quin­decímvíros pelo 9 e pelo 3.

Vénia Flaco afirma que a véspera das calendas, das nonas e dosidos são dias funestos; deve-se. também, evitar tôda ação importanteno quarto dia antes das calendas, das nonas e dos idos.

Notável era o mêdo que sentiam os antigos pelo número 63, pro­duto de 7 x 9, e cuja soma dá, igualmente, 9. A origem dêste mêdofunda-se na teoria do Ano Olfmatérfco. Para Aula Gélio o sexagésimoterceiro ano da vida de um homem é assinalado por doenças, calami­dades ou mesmo pela morte. O diva Augusto, parece, ligava muito a

estas teorias. É o que se deduz ele uma carta sua ao seu filho Gaio,onde se lê que êle esperava celebrar, alegre e de boa saúde, o seu

sexagésimo quarto aniversário, urna vez que já transpuzera, sem da­

no, o degrau perigoso para todos os velhos, o sexagésimo terceiroano.

Sôbre a numerologia dos Gnósticos do séc. II, haurida dos l\1is­tértos orientais, Atenágoras, Taciano e santo Irineu nos transmitemcuriosas notícias. Con vém notar que mesmo os adversários da Gnose,como santo Ir iueu, não conseguiram, de todo, fugir a influência dosnúmeros. Na sua célebre descrição do fim do mundo, o santo bispode Lião não se furtou a usar exemplos numéricos. Sua escatologia éoriginal. Afirma êle que o Anticristo, a Bêsta elo Apocalipse, possuio número 666, visto que Nôe contava 600 anos quando ocorreu o di­lúvio e que a estátua de Nabucoc1onosor tinha 60 côvados de alto e

6 de largura. O cálculo é fácil: 600+60+6=666. Está explicado a ori­gem do número fatídico!

São Justino, mártir, ensina num relanço da sua Apologia que aBêsta devastará o mundo inteiro, reinará no Templo durante 3 anose 3 meses depois elo que virá o julgamento final e o fim do mundo.Neste tempo o nosso globo terá completado exatamente 6.000 anos.Com efeito, explica êle, a criação do mundo durou 6 dias um dia decriação equivale a 1.000 anos, logo, o mundo deverá durar' 6.000 anos.Em seguida inici�r-se·á. novo período de 1.000 anos, correspondenteao repouso do sétimo dia, durante o qual Cristo reinará com os Jus­tos na Jerusalém regenerada.

O uso dos números como símbolos, cuja origem remonta aosmais afastados mistérios orientais, teve larga difusão na escola ale-

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-lill-

xandrína. Santo Agostinho também 5e valeu dos números para elu­cidar, explicar e fazer compreender certas passagens obscuras dosEvangelhos e do Antigo Testamento, sem cair, contudo, nas inter­pretações arbitrárias e, não raro, ridículas dos Maniqueus. O uso seestendeu por tôda á Idade Média, moderado no período áureo daEscolástica, simplesmente ridículo na época de decadência. AssimPedro Bersuire, curiosa figura do séc. XIV; para o qual o. tridentede Netuno, as 3 Parcas e os 3 Juizes do Inferno, Minas, Éaco e Ra­damantos, eram outros tantos símbolos da Santíssima Trindade, usa

e abusa dos números, numa exegese não raro infantilmente tola.E, para findar, não posso deixar de mencionar o exemplo de

Dante, que, em honra ela Santíssima Trindade, compôs o seu imortalpoema, A Dfvínu Comédia, de tal modo que o número 3 evidencia-seclaramente, desde a grande divisão do Céu, Purgatório e Inferno atéo uso dos tercetos.

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João Palma da Silva

FESTA CAMPESTRE DE STO. ANTÃO ABADE

Pelas estradas que serpeiam as coxilhas do Rio Grande. ligandocidades, estâncias e povoados, peregrinaram, outrora, indivíduos sin­gulares, que se faziam passar por monges ou enviados de Deus. Den­tre êles, alguns apregoavam o próximo fim do mundo, recomendan­do orações e vigílias.

Místicos, fanáticos ou embusteiros, impressionavam sempre.Ainda a uns trinta anos atrás deambulou uma dessas estranha!

criaturas por Santa Maria, buscando estabelecimentos rurais e su­

búrbios de gente simples e de crença fácil.Barba e cabelos longos e louros, trazia nos olhos azuis um brilho

esquisito, nostalgia, talvez, de suas intérrnínas jornadas.Mala pendente do ombro, cajado na mão, seguido ele duas ovelhas

mansas, lá ia êle de porta em porta, recitando versículos de velhaBíblia, exortando à prática do bem, visto que era chegado o fim detôdas as coisas.

E como apareceu, partiu, misteriosamente, sem dizer de ondeviera nem para onde iria, deixando tanta alma ingênua embaladaem conjeturas: - Não seria João Batista? Ou o próprio Cristo?

O autor destas linhas, menino então, nunca pôde esquecer a

figura impressionante do peregrino.* * *

A 4 de maio de 1846, apareceu no lugar chamado Campestre, dis-tante nove quilômetros da cidade de Santa Maria, ° monge JoãoMaria de Agostírií, dizendo-se solitário eremita de Botucaraí,

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Embora trazendo nas sandálias o pó de costumeiras peregrina­ções, gostou da paragem e da gente que ali vivia, fixando-se entreos campesteiros.

O encanto majestoso da natureza deve ter influído preponderan­temente. - De um lado o espetáculo imenso das coxilhas; do outr.oos cerras, cobertos de exuberante vegetação, mostrando aqui e acoláaltas e abruptas arestas de pedra branquejando ao sol como castelosmedievais. Paisagem de lenda!

João Maria construiu sôbre uma das montanhas - a 280 metrosda base""':"" rústica ermida para Santo Antão Abade, cuja imagem fô­ra buscar nas Missões, autorizado pelo govêrno ela Província. Decla­rou Santa, com propriedades curativas, a uma fonte de rocha; lavroudocumento nomeando procurador, zeladores e estabelecendo normas

para as festas anuais.No espaço de dois anos, de 1846 a 48, o barbudo e austero monge

fundou sua obra, hoje secular..

A fama ele curas milagrosas, tangendo para o Campestre multi­dões de enfermos, voou longe e foi registrada num jornal do Rio. Ejá uma lei provincial mandava analisar a água, que apenas foi con­

siderada boa.Expedida ordem de prisão contra João Maria, fugiu .êle para Bo:

tucaraí, sendo lá preso e remetido para o Rio de Jarteiro, onde fOIperdido de vista.

No entanto, o povo continuou acreditando nêle, na santidade dafonte e até na de uma cobra e uma aranha que se acoutavam na

ermida.As festas continuaram, sendo atendidas, desde então, pelo vigá­

rio de Santa Maria. No próprio ano do desaparecimento do monge,a 17 de janeiro de 18.48, o reverendo Antônio José Borges de Sant'Ana efetuou lá seis batizados.

No dia 8 de janeiro, de cada ano, dá-se a descida do Santo daermida para a capela do Campestre, em tôrno da qual, improvisa-sede imediato verdadeira povoação de barracas e ramadas, onde asfamílias se vão aboletando. A estrada regorgita: gaúchos mal sus­tendo as fogosas montarias; carrêtas Iamurf ntas, de toldas enfei­tadas de ramos, conduzindo mulheres e crianças; ônibus, automóveise caminhões procedentes da cidade. E no dia 17 realiza-se solenemen­te a Procissão. Em seu andor, sôbre os ombros dos fiéis, o Santo élevado a, abençoar seus domínios e torna à capela, subindo na ma­nhã. seguinte para a sua ermida.

Que lindo espetáculo produz o colorido das bandeiras e dos vesti­dos femininos no fundo verde do cenário! Tocante e inolvidável éouvir-se a reza crescer da multidão para o silêncio da tarde e alar-separa o céu!

No decorrer dos anos as festas em louvor de Santo Antão têmexperimentado fases de brilhantismo e obscurecimento.

Por volta de 1930 a 37 foram muito concorridas. Mas era enor­me o contingente de pessoas que Já Iam apenas para divertir-se enão por devoção. Foi, segundo nos' parece, o per-iodo áureo do velhopaganismo de que sempre se mesclaram aquelas manifestações defé cristã.

à certa distância da capela, além da outra margem ela estrada,acampava a ralé. Era a Rivera, - como se dizia - reino de todosos vícios e escândalo das famílias. Quem, das proximidades da ca­pela" olhasse, à noite, para aquele lado, avistava através do pano elasbarracas iluminadas o meneio debochado das dansas. E muitas 111or-

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tes ocorreram ali. Tais fatos, foram provocando de ano a ano o re­traimento dos verdadeiros amigos de Santo Antão.

Eis, porém, que novo entusiasmo vem se registrando última­men te. A famigerada Ri vera desapareceu. E neste ano de 1953 os

festejos reviveram a tradição. Gaúchos trovaram ao som das gaitas;as famílias escalaram o cêrro, picada acima, cumprindo promessas;saborearam o churrasco e o chimarrão, dansaram, e, o que é prin­cipal, cultuaram o poderoso Santo sem serem molestadas. E na Fon­te do Monge, que não pára de correr, todos beberam da milagrosalinfa e dela fizeram suas provisões em garrafas e curotes.

Recentemente tivemos notícia de um fato lamentável. É que in­cendiou-se a pequenina ermida destruindo a velha imagem de SantoAntão. Nova imagem foi feita e a igrejinha foi reconstruída. Mas os

campesteiros jamais esquecerão o "outro" santo e a antiga capeli­nha, em cujas paredes tantas vêzes deixaram seus nomes gravados,quando, vencendo quase trezentos metros de íngreme rampa, íam pa­gar promessas ou solicitar favores.

E foram, talvez, as velas de algum devoto que ocasionaram o

incêndio. Mas em janeiro dêste ano, pelas paredes da nova constru­

ção, gravaram-se nomes, com votos de repeti-los rro próximo ano, e

as velas teimosamente ardiam ao redor.Detalhe que singulariza as festas do Campestre, acentuando-lhes

o natural pitoresco, consiste na reunião local e simultânea de con­

correntes da cidade, da colônia e do campo. Por sinal, nos bons tem­

pos, quem tinha a pala bordado � ?S estancieiros .: �arne�va a, la

grande, e o churrasco era destr ibuído com abundância e gratmta­mente.

Acha-se registrada e inserida no magnífico "Cancioneiro Gaúcho",de Augusto Meyer, uma trova ao desafio que lá houve entre o s. gaú­chos Chico e Juquinha da Tapera, e divulgada em "O Combatente",jornal de Santa Maria, a 17 de janeiro de 1901. E, ainda hoje, por oca­sião das festividades, ouvem-se as trovas dos campeiros rasgando osilêncio das noites do Campestre!

Podemos afirmar que a festa de Santo Antão é a mais bela dasfestas populares do Rio Grande.

Salve a ·memória do monge João Maria que. lançando a sementeda fé em tão bons corações e em local tão propício, do mesmo passoque conforta as almas, vem oferecendo, a mais de um século diver­timento original e sadio a milhares e milhares de criaturas!'

Canoas, 11-7-53

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l\Ioacyr Santana

A DEVOÇÃO DE SANTO ANTÃO

A devoção a Santo Antão Abade, em Santa Maria, é quase len­dária. Vem de muito longe, no tempo, desde a incursão religiosa doPe. Agostini, que trouxe a imagem do anacoreta não se sabe de on­

de e - n50 se sabe porque - para ela construiu a capela da monta­nha, no cêrro que hoje tem o nome do Santo.

A imagem é tôsca, de madeira, e apresenta Santo Antão Abadede barbas longas, magro, figura esquálida ele monge antigo. Estaimagem,' reposta na capela reconstruída da montanha, é cópia da

antiga, que foi destruic1a por incêndio inexplicável, há mais de dezanos atráz.

No cêrro de Santo Antão Abade, hoje, existem duas capelas e

duas imagens do Santo, a primeira, que data dos primeiros anos dês­te século, isto é, que não veio com o Padre Agostini, representa o

Santo de acôrdo com as gravuras clássicas do eremita, acompanha­do de um porquinho, pés descalços, arrimado a um bordão; a se­

gunda, fiel à primitiva, está na capela do alto ,mais de seiscentos me­

tros distante da primeira, montanha acima.Antigamente, quando a devoção do Santo chegou a expandir-se

para além das fronteiras do município, trazendo peregrinos das maisdiversas regiões do Rio Grande, a festa prolongava-se por todo o

mês de janeiro. Gente havia, vinda de longe, que chegava ao sopédo morro nos primeiros dias do mês e só levantava sua barraca jáem fins do mesmo mês.

Mais de mil peregrinos armavam suas tendas junto aos bosquesdas faldas do cêrro, À noite havia bailes em vários barracos, com

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descantes à viola, desafios e cachaça. Predominava o elemento criou­lo e a festa tomava coloridos do fandango gauchesco.

O local se transformava numa feira. Tudo era possível comprar­se e tudo era possível vender-se ali. As fogueiras crepitavam à noitee o ar tresandava à carne assada. Rezes eram abatidas dia e noite

para abrandar a voraz fome de carne daquela gente.A população do local, no dia da festa, subia à casa dos cinco mil.

À hora da procissão ela subida, o ponto alto e terminal dos festejos,compareciam os devotos que deviam graças ao santo. Mães levavamao colo filhos de oito e nove anos, cêrro acima, na penosa marcha as­

cendente de mais de seiscentos metros; outros carregavam pedras à

cabeça; outros, ainda, penosamente, faziam a escalada de joelhos, nu­

ma marcha que devia ser iniciada pela madrugada afim de poderemestar a tempo, no final da procissão, junto ao Santo, na hora de sua

reposição no seu altar.Muito milagre era atribuido à intercessão do Santo da Montanha.

À água miraculosa de sua fonte. Ãgua que era levada para a casa em

moringas. Com que se fazia abluções, junto à fonte. Que na fonte

mesma era ingerida, sem nenhuma repugnância, sem nenhum mêdo.

A fé, naquêles tempos, tomava aspectos de crendice. Quando a

Cu ria tomou a si o encargo de orientar 9S festejos, fazer a novena

devocional, a festa foi perdendo a sua feição primitiva, de crend ice

bronca e libertina por vezes, com tendas de baile e farrancho perdi­das pelos bosques da vizinhança.

A fonte, a aranha c a cobra

� fonte fica à esquerda da estrada que serpeia o morro, a 111 'iacaminho. Brota das pedras e cái sôbre uma lage côncava, lenta e

fria, pouco densa, de tão modesto volume que mais parece o suor dapedra milenária, Essa fonte, no decurso de todos êsses anos, não re­

cebeu nenhum melhoramento. Está como surgiu e para se recolhera sua água é místér ficar-se de cócoras quinze ou vinte minutos. Asua água é muito procurada e .ainda lhe atribuem propriedades cura­

doras.Junto à fonte tem sido encontrada a aranha. Perdida no cipoal

da mata, a fonte é um viveiro de aranhas. Daí a suposta lougevidadeda aranha de Santo Antão. Perto da fonte, sempre, está a aranha len­

dária. . ou a sua descendente, quieta, enorme, como que a vigiar a

água miraculosa.A cobra, dizem, já foi vista por muitos. Sua guarida era a capela

do alto, onde foi recolhida a primitiva imagem do Santo. Conta-se,agora, que, quando do incêndio da capela, morreu junto à imagemdo eremita, depois ele havê-la protegido por quase um século. O cer­

to é que na velha capela, úmida c já em ruínas. ela poderla ter en­

contrado o seu "habitat" e é possível, mesmo, que tenha desap ireci­

do na noite do incêndio. Nunca mais foi vista e, hoje, já não há maiscuriosidade em reencontrá-la.

.

Capela sem "ex-votos"

A càpelinha moderna é sóbria, limpa, pintada de amarelo porIóra e de um azul pálido por dentro. Não há mais ao seu redor co­

mo acontecia com a antiga, a presença ela devoção popular, reveladapelas centenas de velas acesas ou pela enorme massa de espermacetederretido.

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Na moderna capela, como na antiga, não há a presença de "ex­votos", Falta ao nosso caboclo, parece, essa habilidade rude que assi­nala e caracteriza os rudes escultores devotos da Bahia e Pernam­buco.

o dcclinio de uma tradição

A tradição da festa está em decadência. Antes de 1930, nos pri­meiros dias de janeiro, a estrada que liga Santa Maria a São Marti­nho, empoeirada e primitiva, ficava tomada por longas filas ele car­

retas e carroças de tôldo. Milhares de peregrinos, de Santa Maria ou

outros lugares. do Estado, demandavam a estrada que levava ao Cam­pestre de Santo Antão. E nessas carretas e can-ecas iam os cantado­res e músicos ela festa. Essa gente ia cantando estrada em fora. Deraro em raro, um automóvel. A massa ele peregrinos era constituídaele gente simples, gaúchos ele velha cêpa, trovadores e sanfoneiros,que ao Santo iam pagar uma promessa e, depois, com a desculpa daresta, se deixariam ficar para os bailes e parà as trovas, num des­preocupado repouso para o espírito.

Os festeiros, ricos e prósperos .mandavam servil' churrasco aos

peregrinos, farta e largamente e, clonas da festa, gastavam à larga.Mas a festa, com a andança dos anos, foi perdendo aquêle sabôr

agreste e simpático de festa crioula. Os tempos foram mudando. Vie­ram as crises. As revoluções. O progresso. Depois de um interregnode disvirtuamento do sentido devocional da festa, quando a jogatinamontou tenda nos arredores da capela de baixo e a "Rivera" (barra­co das mariposas) teve seu dominio, a Curia tomou a si a tarefa deorientar os festejos. Hoje são rezadas as novenas do Santo e há duas

procissões, a da descida, dia 8, e a da subida, dia 17, término dasfestividades. E muita' gente ainda comparece às procissões, retornan­

elo logo após para a cidade, de automóvel ou auto-ônibus. Raras sãoas carretas e carroças. Raros já os acampamentos.

, Tal como o "Marzagão" c1aquêle dr. Lúcio que José Américocriou o campestre de Santo Antão, depois que ficou mais feliz, fi­cou mais triste,

Assim. a doze quilometro_s da cidade, quase um arrabalde deSanta Maria, vái ° Campestre de Santo Antão recuando para o pas­sado, quase deserta a estrada e quase despovoado o morro até mes­

mo nos dias de sua novena. E o pior é que, esquecida a tradiçãooral, nada mais há de ficar para o estudo elêsse momento de religio­sidade crioula que, por quase um século, centraJizou a devoção in­

gênua do povo simples para com o eremita que o Pe. Agostini trou­xe para o centro do Estado. Nada ficou para a história da esculturacrédula dos "ex-votos." Nada ou. pouco mais que nada para o nosso

"folk-lore, pois que o que existiu perdido ficou no "repentismo" dastrovas dos nossos cantadores.

Santo Antão váí saindo de cena, melancólicamente, recolhendo­se à obscuridade de seu eremitismo, como aquêle Pafnuce da sátiraanatoleana recuou da virtude para a paixão da hetaíra que haviaconvertido. E ainela bem que não maculou a sua auréola de san­tidade.

San!,! Maria, Agosto de 1953.

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EL AMOR EN LA COPLA POPULAR ARGENTINAPor .PCl'JUÍn AlfL'cdo ;\u;f,alaz.

La región del noroeste argentino, es quizás la más rica en co­

pIas populares. La variedad ele temas que las mismas eníocan, cs

curioso y original. 'I'ratan por ejemplo, sobre el amor, la alimenta­ción (1); otras sobre hechos históricos, burlescos, etc. Hay copiasque e11 sus cuatro versos enciert'an un hecho trascenclente, como

lo hemos cornprobado a través de las numerosas ver-síones anónt­mas de la "zamba ele pozo de Vargas" (2).

Resulta imposible estudíar, en forma integral, en un artículoperiodístico, el coplero riojano, por ser tan variado y rico en su es­

tructura líterarra.Pera la gracía, el dona ire y la espiritualidad del poblador rio­

jano, la encontramos en las copIas sobre el amor, que trasuntanuna belleza y delicadeza íncomparables.

Juan Alfonso Carrizo ha reunido parte de ese material en suvoluminoso Cuncíoncro popular de La Rioja (1942). La obra de Car­rizo con ser tan vasta, no ha recogiclo en sus miles de páginas todoel acervo popular-lit.erar ío riojano, y centenares de cantares hanquedado desgraciadamente fuera ele registro, pera que permane-

(1) FERMíN A. ANZALAZ: Folklorc de los valles cetcnaqutes. Editorial Ra.íga.l.Buenos. Aires, 1953. Léase en este libra el capitulo titulado "Ln. alimenta­ción popular argentina através de las coores''.

(2) FERMíN A. ANZALAZ: FoIhlore argentino. Edlclones Blblos. La Rioja, 1952.

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(3) M.'\HCELINO M. ROMAN: Sentido y alcance de los estudíos folklóricos. Pa_reué (Entre Rios), 1951.

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cen frescos en la memoria de antiguos pobladores de Los Llanos,deI Oeste y deI Norte de La Rioja.

La Rioja ofrece en este aspecto una riqueza inapreciable, querequiere para su estudio, tiempo, paciencia y abnegaci6n. Aún que­dan fuera deI libra,' como acabamos de decir, gran cantidad de co­

plas, tradícíones, superstlcíones, Ieyendas, cuentos, sucedidos, etc.,que están a la espera de ser recogidos por los estudiosos del folk­lore argentino,

La Rioja está en condiciones de ofrecer varias gruesos volúme­nes sobre folklore Itterarío. Podríamos decil' que es una de las pro­vindas argentinas donde más se ha adentrado el espíritu hispâni­co aunque haya investigadores (3) - cuyos trabajos nos merecen

el mayor respeto -, que quieran negar la influencia de Espana en

nuestro acervo tradicional. Los estudios comparativos que venimoshaciendo, nos evidencian en forma Indubttable, que casi todas lascoplas y cucntos, las hemos heredado de la madre patria. Lo de­muestran fehacientemente los trabajos de Rodríguez Marín y Au­relio M. Espinosa, entre otros. La mayoria de las coplas y' cuentosde fog6n riojanas. son una copia de las reccgidas en los pueblos de

Espana por los dos investigadores citados.No pretendamos entonces ser, eu este aspecto, tan Iocalistas,

No debemos negar la influencia de Espana en nuestro folklore. Entoclos los aspectos de nuestra cultura tradicional, están Iatientes los

rasgos inconfundibles de la Península. Decil' que nuestro fo�klorees auténticamente argentino, aborígen, es incurri�' en un deh�era­do error, por el prurito de querer aparece!' excessivamente naciona­

listas.Con esta afirmaci6n no pretendemos tampoco negar la, extsten­

cia, en América del SUl', de un folklore autóctono, indígena, ínexplo­tado, rico en leyendas, supersticlones, tradiciones, etc" que con to­da justicia nos enorguJIece. Pera no podemos decil' lo mísmo con

respecto a la mayoría de las copIas y cucntos argentinas, en las queexiste nomás un innegable nexo con las de la patiia del inmortalCervantes. Y esta, en homenaje a la verdac\, debemos reconorceloaunque nos produzca escozor.

:]: *

. I:,a copla popular argentina eS' 11ena de donaire; clulce y de unaespírrtualídad íncornparable. Donde mejor se nota la gracía, vesti.da con su ropaje l�as precioso, es en los cantares que se relacionancon el amor. El cnollo es un hombre muy enamorado. Y cuando suamor encuentra asilo en aIgún corazón femenino entonces lo ve­mos insplrarse en coplas que son verdaderamente herrnosas. Lasadaptada a las circunstancías y a los hechos y las dedica a la rnu­jer que él ama o desea ser correspondído,

'Mls ajas lloran por verte,mi coraz6n por amarte,mi boca por darte un beso,rnis manos por acariciarte.

La mujer que ama a dos,no es zonza sino advertida,si una vela se le apaga,la otra le queda encendida.

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Vidita de mi vida,por vos )'0 muero;otros te fingen carifío,)'0 ele verdad te quiera.

Las mujeres de hoy en día,sou como el trigo barato;la que no tiene novio,rnscuüu como el gato.

Lucerito dei alto cielo,prestame tu claridad,para seguirle los pasosa mi china que ya se va.

El hombre enamorado,es como perro sin duefio,no come ni duerme a gusto,se acues ta y no tiene suefio.

Del cíelo cayó una estrellay en el pasto se enredó,decime si tienes duefio,para no enredarme yo.

Si tu pecho fuera cárcely tu corazón calabozoy si yo fuera e1 prisionero,! quê prisionero dichoso!

Dicen que las heladassecan los yuyos,así me están secandolos amores tuyos.

El amor es un bichitoque cuando pica,no se encuentra remedioui en la botica.

También encontramos muchas veces coplas llenas de dolor, pro­ducido por decepciones amorosas p por traiciones inesperadas. En­

tonces el paisano vuelca en eüas toda su ínspíracíón y su resenti­

miento.

Cien anos después de muertoy por la tier-ra comido,letreros tendrán mts huesosque dirán que te he querido:Triste es la tarde sin sol,triste es la noche sin luna,pero más triste es mi vida,sin esperanza alguna,

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Amor mto perdidate ando buscando,y como no te hallo,ando llorando.

De leios te estoy queríendo,de cerca con más razón,el rato que no te veo,se me parte el corazón.

En el campo hay un yuyitoque por verde no florece,mi corazôn por el tuyo,1101'a, sufre y padece.

De. todos los coloresme gusta el verde,porque las espet-auzasnunca se pierden.

Preciosa mujercitadeI campo verde,atendê los lamentosde quien te qutere.

EI dia que no te veo,para mí no sale el sol;no tienen mís ojos luces,ni mi vida razón.

Dicen que no me quieresporque no tengouna manta i vicufiay montura

' i pla ta.

El amor de las mujereses como el de las gallinas,cuando falta el gano grande,cualquier pollo se le arrima.

En el crlollo es sensible el lamento. cuando tropieza con la ín­

gratitud o el olvido de la mujer a quien él quiere entrafiablemente.La copla popular nos revela con crudeza el dolo!", la desesperanza, dequien ve defraudadas sus ítustcnes más caras.

Nó quiero que te acuerdesque me has querido,yo quiera que me borreseon el olvido.

Andare con el que quieras,con eI que quieras anda te,no nací para vos,ni tampoco para rogarte.

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Pasan dias y semanas,pasan meses y pasan anos,así pasará el tlempo .

sin que Ilegues a quererme.

Para qué quiero Ia vidasi no la logro,otro goza y merece,lo que yo adoro.

Para quê me dijisteque me queriasy que con la muerteme olvidarias?

Antes cuando te queriaera mi ilusión verte,ahora que no te quiero,no me importa perderte.

Papeles son papeíes,cartas son cartas,palabras de mujeres,todas son falsas.

Todos viven amando,yo solo muero,ele ver que todos amanlo que yo quiero.

El naranjo ttene espinasatende un árbol tan coposo,mi corazón es el firme,el tuyo es el enganoso.

Del cielo cayó una rosa,en el aire se hizo un clavel,ya sé que te vas con otro,adiós que te vaya bien.

Nos satisface, como investigadores, difundir del acervo popularaquellos "hechos folklóricos" más originales y que se encuentranprofundamente arraigados en el pueblo riojano. La Argentina tie­

ne, en las provindas deI noroeste, un venero inagotabJe. No es ne­

cessaria adentrarse en Ias intrincadas mr.ntaüas o en los camposhirsutos. para aprehender sabrosas leyendas, supersticiones, cuen­

tos, tradiciones, etc., que vienen trasmttténdose de generación en

generación. En el campo y en los medios suburbanos está latente elesph-itu nacional, con sus ti-adiciones seculares. Allí existe íideli­dad y austerídad en todo. Si es en el vestir, e1 poblador sólo utilizalas rapas indispensables; si es en la comida diaria, ingiere los mássanas y nutritivos alimentos, como ser el lacro, la mazarnorra, e1churrasco, las empanadas, el api, el mate cocido, el vct-hiau, la torotilla enterrada, etc. Si necestta curarse, rccurre a los yuyos mon­

taüeses, Todos estas elementos que utiliza el críollo, nos demues-

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tran qUe slgue subsistiendo aún en ellos, con sobrada razôn, Iacreencia y la fe ciega, de que más cura y sana la medicina indígenaque las drogas y "antlbíótlcos" que en la actualidad proliferan en

los centros urbanos.Nosotros intentarmos, en próximos artículos, interpretar y di­

Fundir el espíritu del habitante de ti erra adentro. Lo haremos en

la convicción de aportar con algo util a los estudios demóticos y a

la vez poner de relieve los perjuicios que el snobismo está ocasio­nando en nuestras prácticas trac1ici?nales.

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}"('Iix ColuccioLEYENDAS SOBRE EL r�ANDUTI

Quien 110 conoce ese tenue, delicado y celestial tejido que se 11a­

ma fiaudufi? Quien que haga un viaje a la maravillosa Corrientes, no

tratará de traer junto a otros recuerdos.. un pamuelo, una carpetítaque manos maruvútosns tejieron en ríncones humildes de la pro­vincia? El rianduti conoeído .v traído posiblemente de Espafia o Tene­

rife, y quizá tenga una cuna más lejana aún. tiene además de la poesíaque el tejido encterrn en Fi mtsmo, la de la leyenda, o para hablar con

más propt-ledad ele las leyendas. Conocido en Paraguay y Brasil, ade­más de algunos terrttortos nuestros donde las teleras hacen con hi-

10(3" toda la alegoria que una nnae.nactón tropical, apoyacla en Ia fau­

na y en la flora, puecle dar. las leyendas aparecen envueltas en las

tempestades de los celas )' cu los amanheceres sonrosados del amor.

I'anto en nuesno país como cn los lindantes donde es conocido este

"tejido de hadas". las leyendas quedan c ircunscriptas al área guara­ni y no cabe eluda alguna que de allí son originarias.

En Corr-ientes. Deaíderto Galarza recojió la siguiente: :S�allautíera un príncipe guarani. 12i)0 de Amavcrã, joven y guapo como sus

antepassados, que acompano a su amada aI través de una intermina­ble Iujuriarrte selva de la región tropical, hasta establecerse en una

parte de aquélla, no lejos dei río Paraná. Su verdadero nombre era

Tobatí (cara blanca), pero más tarde fué conociôo ele todos por el

apodo de Nalldutí, sobrenornbre que le dieron por ser más blanco

que los demás y porque naclie Je aventajaba en la carrera. Su signi­ficado hace alusión a sus cualidades, ya que N31ldú quiere decir aves­

trúz y ti o morou, blanco o blanca.

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Después que Taraguy (cacique legendario) 1e raptá a su ama­

da, quedó completamente enloquecido y amargado ele penas se reti­ró solítarto a la espesura delas s-elvas, buscando siempre los luga­res más apartados y -agrestes para vivir y pasar así haciendo tejidosde fibras para su hamaca y otros adornos, imitando la red o telaque hacen cierta especie de arafia propria de aquélla región, a la quetambien después le dieron el nombre de aqueI, como aI tejido quecon el tiempo se ha reproducido en distintas formas y se conoce ac­

tualmente con e1 nombre de fiandutf.En eI área guarani paraguayo-brasilefia, conócese la siguiente

versión que recojicra Edmar MoreI: :&"andugazlJ y Yacymonaré erandos guerreros que habitaban en la selva. Sus corazones palpitabande amor por una india de belleza sin par, Ilamada Samimbi. En ciertaocasión e11 que los dos ambulaban por entre la marafia en busca depresentes para obsequiarle a aquélla, Yacynomaré vió que en altode un árbol, pendia mecida por una suave brisa, una tela ele arafia,un fiandutí precioso COn el que pensaba deslumbrar los ajas ele lamujer amada. Cuando iba ascendíendo por 0} tronco rugoso y pasadaa una rama, Nanc1ugazü le arrojá certera y mortal flecha que Ie atra­ves6 eI corazón. AI caer, Yacymonaré traía entre sus manos exáni­mes, los hilos del fiandutf. J\:andugazú roído por los remordtmtentosvagó sin rumbo por la selva, que nunca Ie pareció más tenebrosa.Varias lunas ambuló desorientado ante eI cr-ímen innecesario que ha­bía cometido, hasta que por fin ]0 11a11ó Sll madre, a quien implo­ré perdón por eI crtrnen cometido. Nandugazú había tratado por to­dos los medias de conservar en sus manos la delicada trama del te­

jido, pera la mtsma ya estaba totalmente deshecha. La buena mujerante el dolor deI hijo, tuvo la idea de teier con sus propríos cabellosblancos, un tejido que irnltase los contornos y trazados de la tela deararia. Después de mucho tiempo lo consiguió y faandugazu redimidollevó e1 presente a Samirnbi. Estaba creado ya el fiantlut i ...

Y en Paraguay, Ana Bruzzone de Scarone pudo tambien recojerotra versi6n no menos poética que las anteriores: Como eJ ave quese lanza al espada en busca de brizna de hierba, de la rama, de lahebra de cerda y deI vellón Hnísímo para construir su nido; así sa­

Iió un día de su choza, un apuesto y alegre galán. Como el ave, íbaen busca de tronco y de madera: en el cafiaveral y en el bajo, los

juncos y las hajas para construir su nuevo hogar. Más no Ilevaba co­

mo aquélla, sólo el impulso eiego ele la instintiva fuerza; tambienhenchía su corazón nobles sentimientos y llrillaban f'11 su imagina­ción las fantásticas quimeras de sus anos juveniles, Y 811á, e11 otra

casita cercana tambien recostada en el llano. orlada por los primerosárboles que coronan la entrada al bosque 50mbJ'Ío y lujuriante delas regiones tropicales, una joven paraguaya esperaba ansiosa la 11e·

gada de su prometido, entretenida en tejer la fina tela y la blancarapa de su ajuar de desposada.

Vió cambiar, tefiido de regozijo resplander e1 cielo ele esta tardeestival y vió despuntar e1 nuevo día sereno y resplandeciente y fi·jos sus ajas en el horizonte y en e1 verde marco de follajes que antesu vista se extendia, esperada tejiendo la llegada eleI ser que adoraba.

Entre tanto, el joven aquél, trabajó empefiosarnente durante to­do el día, cruzó el bosque siguiendo las huellas tantas veces recor­

ridas .y se internó, quizá buscando nuevas sendas entre la espesura.y cayó rendido por el cansancio en un profundo suefio. Entregado aIreposo, inerme ante las asechanzas de la selva, en el misterioso am­

biente de la misma, el mal urdía su tragedia, y, o la alimafia del bos-

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que dejó su ponzofia de muerte en aquel organismo de atleta o Iafelina garra de algún yaguarete sorprendiole sin tiempo siquiera pa­ra la defensa, pues al prever el lance, en lucha titânica el hombre dela selva, con su mirada certei-a y su brazo de acero, hubiera vencidoa la bestta. Cayó el recto joven para siempre. La muerte lo sorpreen­dió en el monte espeso y sombr ic.

Y la gentil doncella, más ansiosa cada dia, amanceia con una nue­

va esperanza que vea morir al caer de la tarde y renacer de nuevo

con el alborear de una nuevu maüana. Y 1 cada día su scuálida sllue.ta desaparecia entre el verde follaje, se internaba en los senderos

que recorr-ia horas enteras y ele nuevo regresaba a su hogar con de­

sesperanza y desconsuelo. Hasta que un dia en sus contínuas cor­

rerias halló los despojos de su prometido, sobre un lecho de hajas,verdes unas, pálidas y muntias atras, y mucnas SEcas y amarillentasya, cubíertos por un ropaje mar-avilloso: las ararias, hábües e infa­

tigables artíficies, habían tejido e1 más delicado sudario que imagi­nar se pueda y las gotas de rocío engarzaron en las más ricas pe­drerías, las que tocadas Dal' Ul1 rayo de sol. que como saeta platinada,filtróse através del f'ollaje, e se ir-iaaron mostrando la más rica gamade los colores.

Lloró la amada, lágrimas de dolor y desconsuelo, y nuevas ge­mas matizaron aqueI manto de la muerte. Y volvió de nuevo a jovenríncón dei bosque en donde cayó para siempre su fiel amado, no -vacon la esperanza renacida cada dia, volvió abatida y triste, llevandoen su mente una sola y persistente idea: vigilar a Ias mágicas teje­doras, arrancarles su secreto, y tejer ella misma, la mortaja que de­bería guardar para siempre, los despojos de su querido muerto. Yconsiguió combinar las finas hebras, enlazar hilos tenues de seda, C''I

las formas más diversas, ccn los maüces más ricos y variados, Y asísurgió el liandutí.,.

.

POI' est�s y otras Jeyendas. vemos que la temática sobre la quegiran las rmsmas, es siempre el amor, o como hemos dicho más arrioba, los celas, que no scn sino una forma deI amor. Lo confirman fue­ra de su simbolismo poético y dê sus leyendas, estas copias bt-asile-fias que Mariza Lira recojiera en su tren-a: ,

Na teia do nhanclutiSão tantas as minhas penasPuz meu segredo de amor;Quasi que morro de dor.

Como custei a fazerO quadro de nhanduti;Os olhos cheios de lágrimasCom saudade só ele ti.

Voce lembra aquele diaLa perto do tipití? (1)Eetjaste os meus cabelosPor cima do nhanduti.

(1) TlpltL - ceáta. cilíndrica. de peda, eu la que se exprime l� �na.ndlÇ)c& anteade nomeane.

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Sou rendeira, faço renda,Faço renda só pra ti;Faço renda de almofadaFilé, crivo, e nhanduti.

Nota. - El Centro de Estudios Antropologicos del Paraguay,haja la eficientisima dirección de Paulo Carvalho Neto, realizó en

Asunción, uma Mesa Redonda sobre e] fiandut.i y además se hizola verdadera historia deI tejido. Por su parte, el Dr. Gustavo Gon­zález hizo el reccorrido poético del mismo, acaso lo más completoe11 ese sentido.

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OR IGENS PRUU'J'IVAS

LENDAS POPULARES DE PORTEL (1)"Quando Nosso Senhor andava pelo Mundo ...

"

,T. A. Pombinho Júnior

A origem dos bacol'inhos

Quando Nosso Senhor andava pelo Mundo, tirou uma vez as triopas a S. Pedro e mandou-lhas pôr num atour-o de azinheira.

Correram tempos.Mais tarde, quando por ali passaram novamente, diz a S. Pedro

o divino Mestre:- Pedro, vai lá ver.

(1) Do. comunicação (excepto a lenda A origem do Guarda-Fiscal e a rererêncre

a Santa Catarina) que apresente! ao XX Congresso Luso--Esp"anhOl para tio

Progresso das Ciências, reeuaedo em LIsboa em Outubro de 1950.

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Foi S. Pedro à azinheira e muito admirado encontrou Já uma

ninhada de bacorinhos.--o--

E foi esta, na ingénua simplicidade da gente da minha terra, a

proveniência dos actuais porquinhos.• * *

A or-igem dos pinheiros

Nosso Senhor e S. Pedro andavam correndo Mundo.S. Pedro seguia o Senhor, comendo, às escondidas, um bolo.Nosso Senhor, sabendo o que o Apóstolo ia a fazer, quando êle

metia na boca um pedacinho de bolo, chamava-o.S. Pedro, para lhe responder, tinha de atirar fora o pedacinho

que ia comer.

Assim foram indo. A cada pedacinho ele bolo, nova chamada.- Meu divino Mestre. ..

.

E lá se ía o pedacinho de bolo, que não chegava a ser saboreado.Acabou-se o bolo ... Acabou-se a viagem ...

Tempos depois o regresso. Mas, no caminho árido e pedregoso,que de antes tinham percorrido encontrava-se agora farto e belo

f pinhal.- Que .é isto, divino Mestre? - admirou-se S. Pedro.Diz-lhe o Senhor: ,

_ Então não te lembras do que vinhas fazendo pelo caminho,quando por aqui passámos? .

Estas árvores provêm dos pedacinhos do teu bolo, que deitavasfora e não chegaste a provar.

--o--Por isso, os pinheiros são árvores abençoadas e a sua madeira é

bôa; por isso, os pinhões são doces e íJ ar do pinhal é perfumado e

saudável.•••

A origem do mel ... doce

Que no princípio do Mundo - outra lenda diz - o mel não eradoce e que só o foi deppis da morte da mãe da Abelha.

Quando esta morreu, a Abelhinha, sua filha, que trabalhava dili­gentemente no favo, logo o delxçu e foi fazer o pranto à queridamorta.

Nosso Senhor. que tudo sabe e tudo vê, compadecida por tãomagoado choro, apareceu e disse-lhe:

.

- Daqui por diante o teu trabalho constituirá segredo e serádoce, como "doce" foi teu pranto! .

--o--

E que só desde então, assim o afirma esta singela lenda, o meldoirado passou a ser segredo �a Abelha e a ser o que hoje é. doce.

* * *

A origem do Guar'da-Rlscal

Um dia Nosso Senhor estava a fazer homens, dando a cada um

a sua missão.

(2) Buraco no tronco das árvores, onde, algumas aves fazem ninho.

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S. Pedro ajudava, trazendo os materiais: cabeças, troncos, bra­

ços, pernas, etc.Tempos depois, pareceu a S. Pedro ser isso tarefa fácil e pediu

ao Senhor que lhe deixasse fazer também um homem.Sim - respondeu o Senhor sorrindo.S. Pedro fez um homem, com todo cuidado e com os materiais

idênticos aos utilizados por N. Senhor.Mas N. S. ao vê-lo disse:_ Não está bom, Pedro! ... Falta-lhe uma coisaCansou-se o apóstolo ele mirar a sua obra, mas não lhe achou

falta alguma.Nosso Senhor então abrindo o homem mostrou-lho por dentro ...

Nem mesmo assim S. Pedro viu o que faltava.-?! ...

- Não tem coração!_ Lá isso não faz mal, divino mestre, retorquiu S. Pedro, acres­

centando: - Vai para Guarda-Fiscal!

• * *

OUTRAS LEl\DAS

XOSSO SENHOR E O ROI>XIXOL

Diz uma encantadora lenda que o Rouxinol pediu a Nosso Se­nhor para cantar todo o ano. como as outras aves, mas não foi aten­

dido.É que N08S,Q Senhor tinha-lhe dado uma voz muito melodiosa,

mas por ser ave peouena, fraquinha, destinara-lhe apenas seis meses

para cantar (Primavera e Verão).Ora o Rouxinol como é muito "opinioso" - assim dizem - para

não ser menos do que as outras aves e também para não desobedecerà vontade divina, - vai daí o que faz! - Canta, de fato, os seis me-

ses, mas canta. de noite e dia!--o--

A propósito do Rouxinol cantar de noite e de dia, lembrarei queno romance D. Cru-los df" l\'lontahar, recolhido em Elvas pelo grande

�eS��z�OSO Folclorista 'Tc.rnás Pires (Lendas r- Romances, 1929, p. 45)

- "Venha-se embm-a, menina.Não fale com fantasia,Que eu tenho um navio no mar.

Onde canta o Rouxinol,QU{'I' de> noite, quer- de dia",

Também nas Butlutns de Antônio Feijó (citação de Agostinho deCampos, Falas sem fio, 1943, p. 306) "em:

- "Coitado do Rouxinol!Passou a noite ao relentoDo pôr .10 nascer do Sol,Sem descansar um momentoSempre a cantar sem dormir,Absorto no pensamentoDe ver uma Rosa abrir .....

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• * •

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Nosso Senhor e o mandi-íão

Que certo homem preguiçoso, para trabalhar menos, resolveu sótrabalhar aos domingos. Nos dias de semana, não fazia nada.

Foi, pois, num domingo que êle estava dispondo um extaeal (.3).Nisto apareceu Nosso Senhor - era no l€111PO em que Nosso Senhorandava pelo Mundo, disfarçado em pobrezinho para dar exemplos -

e assim lhe falou:

vtoste as estacas (4) phmtat-,Visto ao domingo ser.

�un('a tu hás-de comer

Pruro que elas hão-de daI';Vil'(,� ao domingo tt-abalhat-,(..: o demônio que te atenta;R(_·Il7.I··te (' toma água bentaE bate co'a mão no peito,� ão per-cas este pr'ecetto,Qll(' fazes a Deus 0[('115a.

Nesta lenda recomenda-se a observância do 3° Mandamento daLei de Deus: - "Guar-dar domingos c festas de preceito".

Já O nosso glorioso Pe. Antônio Vieira, no Ser-mão ela QuartaDominga da QlIarpSm:l, na Matr-iz da cidade de S. Luís do Maranhão,no ano de 1657, advertiu:

.

_ "Pois sabei e desenganai-vos, que tudo quanto se trabalha ao

domingo é destruição de tudo que se adquire pela semana" (5).• * •

Nossa Senhor, a Arauhn e .1 Clgm-ra

Quando mataram Jesus C +o+o tr-rlos os animais, em sinal degrande luto, deixaram imediatamente os seus trabalhos, excepto a

Aranha e a Cigarra. A primeira, atarefada com a teia não quis saber;a segunda, preferiu continuar a sua macarlora cantoria.

Ora, como Hj)('lIS não é de víngnncus mas casf iga pelas mansas",sentenciou:

- De hoje em diante o trabalho da Aranha será inútil, enleadoe nunca mais se completará! (É por isso que toclos lhes desmanchamas teias - elucidou ainda o meu informador).

E a Cigarra, também de hoje rara o futuro, já que tanto gosta decantar, cantará até rebentar pelas costas!

· * .

A morte da Cigarra desta maneira, é crendice popular hem vivano Alentejo, e aí nesse grande Brasil, nomeadamente em Santa Ca­tarina, corre lenda semelhante que o ilust.re Folclortsta st-. Capitãode-mar-e-guerra Lucas Alexandre Boiteux recolheu e publicou no

"Boletim" na. 5 - ano II - de Setembro de 1950, pág. 23_PORTEL - ALENTEJO - PORTl1GAL - 1953.

(3) onvai novo,

(4) onvemane de 3 a <1 anos, quer no viveiro, quer no estacar.

(5) Vieira Brasileiro, voi. II - 1921 - págs. 124 e 125 da "Antologia nresneira-.

organizada por Afrânio Peixoto e Constância Alves.

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(IJ.iJ-lA DO PAIAI..! - A('OI'('S)

,Júlio Andrade

DANÇA DOS PESCADORES

Pertence ao campo das suposições a origem desta dança quetem saido nesta ilha com agrupamentos da Petetr-a e elos F'lamen­

gos. Procurei indagar da gente velha desta freguesia que me .contaque no último quartel elo século XIX, aí por 1883, foi a vez primei­ra que se viu em público esta dança. Historiando o caso, acrescen­

tam que na freguesia das Angústias vivia um sapateiro, natural de

S. Mateus da ilha Terceira, homem garboso e conquistador, que s..emeteu a namoriscar uma moça elo lugar elos Arrifes, - Flamengos.

Nas suas arremetidas àquela freguesia, 'tomou conhecimento

com alguns rapazes, por certo, dos mais folgasões da época, entre

eles Antonio Garcia fie Vargas, Clarimundo Brum, Manuel ele Brum,Manuel Vieira e outros com quem ensaiou esta dança, exibindo-a.

Em 1902 repetir'am-na ensaiada por Manuel Vieira. Contudo, os da

Feteira, donde recolhi esta dança, ciosos no seu brio, afirmam ser

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oriunda daquela freguesia, o que me tem deixado numa dúvidaacentuada. Por quê?

O Sr. Frederico Lopes, no seu estudo publicada no InstitutoHistórico da Ilha Terceira, sobre as Danças ue Entrudo, n ãn fazqualquer referência a esta. Por outro lado, Antônio L. Silveira Ma­cedo: autor da História das 4 Tlhas. que formam o Distrito da Hor­ta, ao descrever-nos as mascaradas ou encamisadas, salienta o factode, num cortejo. levarem uma barr-a com músfca e noutro lugar:um oscnier- com R remos P0l' baudn com uma tl'illula(,'ão uutrormí­zadu.

Daqui Intuímos do gosto que tinha esta .....ente por se f('!'/,el' re­

presentar nas manifestações públicas com os símbolos que faziamparte do seu moírejar.

Ao tempo a que nos referimos acima (1RS:1) a dança elos pesca­dores era composta só de homens e não recitavam bando nem a

costumada versalhada de hoje..

Mais tarde assemelharam-se às outras danças com roupas car­

navalescas e vulgares inversões ele trajes, sendo composto, ° corpoda dança, ele 6 homens vestido de mulher e outros 6 homens com

os trajes próprios elo seu sexo.

Todos traziam máscara de rede de arame (hoje proibi ela qualquer)por causa elo suor. Eles, ele calção, meia, blusas com golas de ma­

rujo, matizados de estrêlas de papel purpurina. Na cabeça. boina debolo e fita azul ca inda atrás em duas pontas. Elas, com vestidoscurtos, chapéus ele mulher quase sem abas e também estrela­dos com papéis de várias cores. e, uns e outros, com sapatilhas de cor­da. Na mão direita, preso ao pulso, como um cacetete, um pau de40 a 50 centímetros para as marcas da dança.

O Mestre, personagem indispensável a todos estes bailaricos,em vez de blusa traja jaleco e os comandantes, que são em númerode 2 ou mais distinguem se por manejarem espadas curvas (velha­rias que guardam religiosamente) e chapéus napoleónicos emplu­mados, fraque de mangas agaloados e listas douradas nos. calções.A cor fundamental dos dar-cantes. desde o sapato ao chapéu. e em

branco.Nalgumas danças o Mestre põe chapéu de pala, também aga­

loado, É a gosto.Na ocasião do bailarico o Mestre troca a espada por um pau

igual aos restantes personagens e empunha um apito para o co­

mando - parar, andar, começo de dança, fim ele marca, etc.De ano para ano, a indumentária tem suas diferenças. Os mú­

sicos que em anos recuados também .se mascaravam, segundo nos

diz o escritor açoriano Ernesto Rebelo, hoje trazem os fatos vulga­res do Domingo. Compunham-se de uma tarola, bomba pequeno.rcrrtuhos e pifauo de 6 buracos. Depois começaram -a aparecer: a ra­

beca, o violão a amenizar a aspereza dos rudes instrumentos, tiran­

do-lhes, porém, O aspecto típico elos povos de antanho.

Personagens:Mestre, - 1° e 2° ComandantesPescadores - de 1 a 6Mulheres - igual número1 Velho e 1 Velha - que são os pedintes que percorrem a assis­

tência angariando donativos, até chegar a sua vez ele agi!' no seu

pequeno e histr iónico papel. Vêm vestidos ele velhas roupas e mas­

caras ele papel a dizer;

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1 pequeno e uma pequena (lO anos) que transportam cada qualpelo seu lado, uma embarcação de 2 proas e de 1,20 metros, aproxi­madamente, feito de ripas e forrado a papel de cor. O mastro tem 1

metro de altura. Também têm, os pequenos, seu papel no acto da

comédia.Marcha da rua:

rJj!� i:t �'·r·

.

� � �'1ll,ítlt êJlUalã I ala lFFTI

c,�tD) @rnElIFEl'ilÍD la'tytP=�4to UIJ.l31 n alFE!IÚü I gz{5 IJJ@

fi'âO 10 E1li i'IJ ala ,;) :j-n:f+ltt��t:

GRAFICO 1(.•_'

Nesta dança a formatura em marcha é a 2 de fundo. Quando,porém, chegada a lugar com probabilldades de receita, isto é, pes­soa rica ou aglomerado de individuas, param e voltam as fileiras

uma para outra a um apito do Mestre.

Enquanto o Mestre comanda a dança, os Comandantes deambu­lam por fora, mas sempre em volta do rancho, até chegar a sua

vez de actuarem.Eis a disposição:

8co...... .s .... t•

P"'9" .... OO

••• ('0 .. O (J tJ G � (V c:J11,1/1071:01 •

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Ao apito do Mestre principia a. música do, canto que se segue.

Versos da música acima:

�mSTRE

Rapazes, pescadores,O trabalho a acabar,Daqui a meia horaA fragata vai largar.

('ORO

Rir e folgarÉ r-osso prazer (bis)Bons marínheírosAssim devem de fazer.

MESTRE

Rapazes, tomai cautelaQue o vento vai virar,Daqui a meia horaA fragata vai largar.

CORO

Rir e folgarÉ nosso prazer (bis)Bons marinheirosAssim devem de fazer.

Segue imediatamente a seguinte música:

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MESTRE

Vamos sem demora )A nossa rede alar, ) bisO peso que ela traz)Já temos que jantar. )

Repete com todo o coro.

MESTRE

Eu já vejo o peixinho.

'l'ODOS

Oh I iça I (bis)

�IESTRE

Pelo mexer elo rabinho

TODOS

Oh! iça! (bis)

�mSTRE

Parece que não é mau,

TODOS

Oh I iça! (bis)

�mSTRE

Parece a ser bacalhau

TODOS

Oh! iça! (bis)

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Quando cantam o estribilho Oh! iça! fazem todos um movimen­to de quem está a puxar uma rede.

o PEQUENO, declamando

Bacalhau, meu pai!

A PEQUENA, idem

É o pão ...

Imediatamente segue-se a música:

Et'll j J ! fJ1TIfjt*THW'� mOEtJ (#,Jt.O-.�.� ...-e-.' "o.o!ib �.roL- ....""'-'/"'"'"�"""�,- ��

<�IH�lrÊ!!'1iljJTlrnlftjIJ QIJ r1rH I...... ;&-.&;,,/� tt.-.,?-wv-«• -,dD"':' ':_'I-�

(�!I r�� II&!:!:"4-

i\IESTRE1 canta

ó coração generosoDe nós tende compaixão.Vinde ver estes filhinhosCom fome pepindo pão. (bis)

o coro repete no bis

MESTRE

Era assim que nós fizemosSem nos poder suporta)'A andar nas ondas do mar

Á praia fomos -parar. (bis)

Repete, com coro o bis

�!ESTRE

Canta com a música elos versos: Vamos sem demoraIA nossarede a alar, etc. a quadra sequinte que é repetida com tdoo o coro:

E vamos e abracemosAos nossos maridosJá que eles escaparam,Deus os livrou dos perigos.

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-111)-

Segue a (lança elos paus. Os personagens estão como o gráficoN° 1. Ao apito, todos começam a gingar à direita e esquerda com 3tempos para cada lado, passos curtos, 8 compassos de música:

Novo apito e todos dançam r.ada qual em volta do seu par, defrente um para o outro e bra-cs levantados. O elemento feminino (?)segura o pai pelos exn-enududes que é batido pelo homem o compassoda música, (os 8 comp:isti,:j seguintes).

Os sinais são as pancadas des paus.

GRAFlCO foi? 2

�.� .

-,

<•

Apito - Os homens voltam-se para a direita e mulheres. para aesquerda e irucia-se a nun-ca em traceamento, Primeiro os ho­mens por fora das mulheres e depois por dentro como no Foge daChamarrita ou grand-chaine da quadrilha Irancesu atê chegarem aosseus lugares, isto é, cada um com o seu par. Se a música seguinte nãofor suficiente, salta-se à anterior ou repete-se.

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C,RAFICO foI!.3

-111-

@c._ ..•..,

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(G) G 0 G [V/'d;i,-

��o. � . <llD> i�. ,\ "\

G M.,t••

• E>' ��E>�·'8---0 D�

Sempre que os pares passem um pelo outro tocam os paus ao

compasso da música.Terminado este bailarico introduzido nesta dança para desper­

tar mais interesse porque suponho variante (la Danca elos Maços(deve ter origem nas danças Paulistanas) o Mestre apita dando iní­cio à comédia. Quando um personagem fala, dá um passo em frente.Os Comandantes têm a Ilberdade de passearem a um lado e outro, à

vontade, mas os restantes na posição do gráfico N° 1.

1\[F,STRE, declamando

Rapazes, meus marinheiros,A lancha á beu:a do mar,Faltam os dois ComandantesQue se estão a demorar.

1° CO�IANDANTE

Pronto, meu ?lestre,Também cá estou,Não vamos a dizer malDe quem pouco se demorou.

ZO CO)IANDAN'rE

Cá está o 2° ComandanteSem dar pela chegada,Saltemos na embarcaçãoSeguindo a nossa jornada.

MESTRE

Saímos do nosso portoCom prazer e. social.Trazemos nossa bandeiraDefesa de Portugal,

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1° COMANDANTE

6 meu Mestre; no céu vejoRevelar a lua magestosa,Indica que vamos terUma pescada venturosa.

2" COMANDANTE

Mais fortuna vocês queremDo que o bacalhau que estão a apanharQuando for daqui a um instanteA lancha não o pode levar.

MES1'RE

Rememos para terraAo romper do' lindo dia,Já temos bacalhauQue arrasa uma freguesia

1° CO�IAl'\DANTE

6 meu Mestre, está p'i'igosoAo nosso porto entrarO mar está a embrabecerQue até fez acobardar.

MESTRE

Rapazes, maus marinheiros,Tratem com força de remar

Que aí vem uma vaga tão grandeParece tudo revirar.

2° COMANDANTE

As armas! quem nos acode!Olhem o que aqui se amanhou,A vaga que meu Mestre viuNossa lancha revirou.

Isto que foi que aqui se aconteceu!O juizo vou eu perder!Vejo a lancha reviradaMarido em risco de morrer.

E o meu também lã morre!Era tão bem ensinado:Deu-me s6 dois pontapésDesde que comigo está casado.

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MESTR.E

3° Mnl.bçr.

o meu também vai morrer

Andava comigo com muitas cautelas,Só um dia correu atrás de mimPra me roçar as canelas.

Calem-se praí, mulheres do diabo,Não pranteiem com t.anta dorValha-me nesta afliçãoO meu primeiro pescador.

10 Pescador

Agora é que está agoniadoPara a gente chamar!Viesse com os olhos abertosAntes da lancha revirar.

MES,!,RE

Onde está o segundo pescadorPronto a me valer?Que o primeiro vem tão rabujentoNem o diabo o pode sofrer.

20 Pescador

Pronto, meu Mestre, cá estouÀ sua disposicãoO pranto. de minha mulherÉ que me inctnooda o coração,

MESTRE

6 rapaz, mulher é bicho manhosoPranteia com pouca dor,Onde está Ó· mais corajosoO meu terceiro pescador?

30 Pescador

Cá estou eu cheio de forçasPronto a trabalharMeto os ombros à embarcaçãoEla direita ha-de ficar.

1° COMANDANTE

Endireitaste a lancha sozinhoGrande força é essa tuaEras capaz de virar uma casa

Com as portas para a rua.

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MESTRE

Pescodares, caminhai,Vossas mulheres abraçai,Que berravam como marrecasQuando viram a lancha virar!

4° Pescador

Que tens, mulher de minha alma,Que vens tão entristecida?Esse teu coraço adivinhaQue eu estava em riscos de vida.

4° Mulher

Sim, mat-ído adorado,Foi Deus quem te salvou,Vi a morte à tua cerca

Quando a lancha revirou.

5° Pescador-

No nosso porto, mulher,Estive hoje quase a morrer,Havias de te lembrar das pancadas

.,., Que me davas sem eu tas merecer.

ãO Mulher

Cala-te, marido,No me faças entristecer,Pela agonia que passaste hoje.Prometo não mais te bater.

6° Pescador

Eu venho cheio de agonias, mulher,Que até não te posso falarA pesca do bacalhau,Nunca mais torno a agarrar.

6° l\fulher

Torna a ti, ó marido,Deixa passar a afliçãoTodas têm os seus mar-idos salvosAbracemo-nos nesta ocasião. (abraçam-se).

MESTR�, para os Comandante.S6 a gente por sermos solteirosNão temos por nossa vezMulher que nos abrace,Abracemo-nos todos três, (abraçam-se).

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- i60:-Uma garota

Estás vendo, meu írrnãozínho,Como estão todos abraçados?Só a gente por sermos pequeninosEstamos neste canto desprezados.

Um garoto

Neste canto deprezadosÉ coisa que não pode ser;Vou abraçar a minha Lili

Que também faço o meu dever, (abraçam-se)

MESTRE

Deixem-se lá de mais abraçosJá estou cansado de falarToquem lá 08 instrumentosQue nós queremos acabar de dançar.

Um velho

Meu Mestre, dá-me licença,Em caso que possa ser,De enforcar aquela velhaSem a justiça o saber?

Velha

Enforcado sejas tuPor falares dessa maneira,Presos pelas barbasNo fundo da Caldeira.

Terminada a' parlenga, o Mestre apita e repetem a dança' dospaus descrita atrás, para finalizar.

O costimado apito os põe em marcha para, noutra assembleia,tornarem ao bailarico até que o sol se esconda e regressem a casa.

DANÇA DOS PESCADORES

2° versão

A Utulo de curiosidade recolhemos esta segunda versão da Dan­ça dos Pescadores que ultimamente foi representada num bando porgente da freguesia da, Feteira. Embora a Marcha da Rua e a Dançados Paus fossem as mesmas, a parte coral foi posta de parte parauma adequação de música vulgar de Revistas continentais que nãoquisemos inserir aqui por não considerarmos dentro do Folclore des­tas ilhas a composição é idêntica assim:

Chegados ao terreiro anele pretendem cantar fazem a formaturado Gráfico N°. I, já atrás descrito e cantam:

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TODOS

Homicida é o marMas hayemos lá voltar,Heranças de nossos paisNão queremos abandonar.

Tem muito bons pescadoresEsta lancha da Feteira,Traz peixe do alto mar

Com a linha da barqueira.De noite, pelo escuro,Os arames enlaçados ...

Movimento a toda a horaPor qualquer um são tirados.

O nosso mestre GuilhermeHavemos de respeitar

.

Que é homem muito bomNesta vida do mar.

Debaixo de vento e chuvaE cachoada do mar,Com a fé em Deus seguraÀ praia fomos parar.

Segue-se a Dança dos Paus já atrás descrita com os respctivosGráficos e Música dando-se começo à par lenga:

MESTRE

Duas horas. da noite,Mais tarde do que me parecia;Por causa do diabo do teatroPerdemos toda a pescaria.

1° Pescador

Perder qual pescaria?Meu Mestre é muito agoniado,Num instante se enche uma lancha,Bacalhau que é peixe grado!

2ll Pescador

Cala a boca, meu fardão,Só quem te ouve falar!Pescas algum bonito toloQue ande morto por cima do mar.

3° Pescador

Eu gostava de ir à festa,A verdade hei-de dizer,Mas se chego a casa sem peixeA mulher vai-me bater,

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_

- 102-

1", Mulher

Aldina, estou tanto agoniada,Não sei que hei-de clinar, (1)São oito horas do diaSem o barco chegar.

2", �Iulher

Meu marido também foi num

Que lá foi nessa barcada,Se ele não vier cá maisNão fico nada agoniada.

3', Mulher

Também, Aldina, hás-de ver

As pescadas no que dão,Se o meu marido não trouxer peixeAmarro-o na loja como um cão.

�IESTRE

Há tanto tempo não se viuUma pescaria tão abundante!Rememos para terraQue já temos- bacalhau bastante.

Um pequeno

Ah ! Lili, escuta aqui,Tenho uma coisa pra te contar,Hoje foi o primeiro diaQue meu pai me levou ao mar.

Uma pequena

É verdade, meu pateta,Louvado seja o Senhor!Um- homem desse tamanhoHa-de ser grande pescador!

MESTRE

o barco está em terra.O peixe está dizimado,Agora cada um pegue nissoQue lhe é dado

(1) AssIm mo ditaram, mas deve ser estropIamento da palavra. destinas. Melhor ti ..

caria pensar.

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:.. 109-

4° Pescador

O peixe está dizímado,Não temos mais que fazer.Vamo-nos agora embora (1) .

Pra a mulher o ir vender.

50 Pescador

É verdade, boca aberta,Isso é coisa que nunca faço,As mulheres vendem o peixeE gastam o dinheiroE eu ando sempre descalço. \ .:

4a Mulher

Eu vou vender o peixeQue o meu marido traz,J á são oito horas do diaSenão os senhores da cidadePassam muita fomaria. (2)

5" Mulher

É verdade que eles às vezes

Fazem-se muito opiniados, (3)Comem chicharros assadosE depois dizem que foi para os gatos.

6° Pescador

6 Maria, escuta aqui,Temos um negócio a tratar:A

.

ti toca-te a vender o peixeE a mim toca-me pescar.

Sim, marido adorado,Vou com muita satisfação,Fica-te com Deus, até logo,Marido do meu coração,

Eu toda a noite andeiNo mar mais teu marido a pescar;Um Comandante tão afamado ...

Nem sequer ganhei para o jantar.

(1) Pronunciam: Vamos sagora imbora.

(2) Têrmo popular aumentativo de fome.(3) I'resum.ldOS.

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-104 -

2° Comandante

Se és Comandante eu também souE terminem SEUS picares, ,

Deixemos desta pescariaE vamos agora dançar.

MESTRE

Eu, por ser MestreNão tinha isso na lembrançaToquem lá os instrumentosPra acabar de puxar a dança.. (4)

.. tepete-se a Dança dos Paus para finalizar.

(4) Come-çe.r e. dançar

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EGON SCHADEN - "áenlturação linguística numa comuruda­de rnra!", S. Paulo, 1935. É um trabalho Interessantíssimo e meti­culoso sôbre o bilinguismo, fenômeno que, sempre, se observa ao

entrarem em contato duas populações de língua diferente.De uma maneira brilhante, denotando profundos conhecimentos

linguísticos e da região, o A. explica a fase de transição do unjlin­guismo para o bilinguismo na vila de São Bonifácio, seu torrão na­

tal, colônia teuta cujo povoamento foi iniciado em 1864, com imi­

grantes vindos na sua maioria de zonas rurais ela westtálta.Baseado em dados históricos estudou as transformações sofri­

das por êsses imigrantes _quanto aos costumes, métodos de traba­lho, educação escolar, meios de transporte, e, destarte, creando uma

nova cultura e, assim, influindo forçosamente no linguajar do povo.É, ainda, o estudo em tela, um guia para outros estudos da vi­

da catarínense, nêste setor.Acompanha-o um extenso vocabulário, onde são apontados os

têrmos alemães e as suas acomodações na linguagem popular doteu to-brasileiro.

* *

Théo Brandão - "0 auto dos "caboclfnhos" (separata da Re­vista do Instituto Histórico de Alagoas), 1953,

O A., um dos mais produtivos folcloristas patrícios obsequiou­nos com o seu estudo, apresentado ao 10 Congresso Brasileiro eleFolclore, onde, de maneira cabal, põe-nos em contato com aquelainteressante dança.

QueremoS', aqui, tão somente fazer o registro e bater eloquen­tes palmas à atividade incessante e digna de imitação daquêle ilus­tre confrade,

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-:M -,

F. COUTINHO FILHO - "Violas e repentes", Recife, 1953.

O Autor nos dá um trabalho de grande envergadura e, destaforma, de grande utilidade aos nossos estudos folclórlcos,

É, enfim, como assinala o prefaciador ilustre, Dr. Gustavo Bar­roso, um livro "de diversão e estudo, de observação e consulta",

É de diversão, pois, no trato das coisas populares encontramos

sempre, agradáveis surpresas e, nesta obra, não falta o pitoresco, o

alegre e o ameno.

É de estudo, de observação e de consulta, como devem ser as

obras científicas.Na obra, em aprêço, aliado ao valor espiritual está o mate­

rial da sua apresentação.No espiritual ressaltam capitulas ele suma importância, como

aquêle em que são estudados os "gêneros e formas da poesia popu­lar".

Só êste capítulo vale por um tratado de folclore nordestino:desvenda aos estudiosos da demopsicologia, de outras partes do Bra­sil, um panorama diferente e prenhe de novidades.

E num desenvolvimento valiosíssimo leva-nos a entrar em

contato com as várias- formas da poesia popular, apreciando as

suas nuances. tendo como climax as emboladas fervilhantes, entre­meando outros rompantes poéticos da gente nordestina.

E, nas páginas, sempre agradáveis, de "Violas e repentes", en­

contramos todo o enlêvo da alma humana, na história do cantadore violeiro Fablão,

É, portanto, digno de encômios o trabalho do sr. F. CoutinhoFilho, "Violas e repentes".

* *

JORGE DIAS - Contr'Ibutfon to the Study of Primitive Habita-tíon - Lisboa, 1951, 11 páginas - ilustrado fartamente.

O ilustre etnologo português Jorge Dias teve a gentileza de nosenviar êste importante estudo sôbre os tipos de habitação primitivaencontrados em Portugal. O folheto ilustrado que temos em mão éum resumo do trabalho que o Autor apresentou ao XVI CongressoInternacional de Geografia reunido em Lisboa em 1949 .

•JOI'ge Dfus c Pet-nundo Galhano - Algumas t-elhas de arados

por-tugueses act uats Porto, 1935 - 15, págs. ilustrado.Outro estudo minucioso ele dois ilustres membros do Centro de

Estudos de Etnologia Peninsular da Universidade do Porto que me­

rece ser lido por quantos se dedicam às pesquizas etnológicas e

folclóricas.Jorge Dias c Fernando Galhano - Moinhos de descascar mi­

lho miado c o monjolo brustleh-o - Porto, "1953 - 14 pgs. ilustrado.Interessante trabalho de folclore ergológico comparado que

muita luz traz à matéria. Recomendamo-lo aos nossos estudiososcomo uma valiosa contribuição aos seus estudos e pesquizas.

.Iorge-Dfus - Nôtulas de Etnografia �radeirensc - Coimbra 1953- 27 pâgâ. ilustrada.

Valiosa contribuição para o estudo das origens étníco-culturaísela População de Ilha ela Madeira, Dadas as ligações que nos unem

às populações madeirenses, êste estudo se reveste, para os catarínen­ses, da maior importância.

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-107 -

Jorge Dias - Um bl'êz de �ronteDll1l'O e um cesto egípcio da XIIdínastía - Guimarães, 1953, 11 págs. com 2 gravuras.

O fecundo professor lusitano estuda a feitura dos brezês - ces­tos: feitos de palha de centeio - comparando-os com um cesto encon­trado no túmulo de Antinoe, escavado por Gazet, chegando a inte­ressantíssimas conclusões.

* *

Guilherme dos Santos Neves - O folguedo infantil (lo "Sarnpíco"- Separata do Douro - Litoral - n. V e VII da 5a. Série Porto, 1953,9 pags, .

Interessantíssimo trabalho elo ilustre Iolclorologo espiritc-santenseGuilherme dos Santos Neves, que é Secretário Geral da Comissão deFolclore dêsse Estado brasileiro.

* *

Geraldo Brandão - Notas sôbre a dança de S. Gonçalo de Ama-rante - S. Paulo, 1953, 81 pags. ilustradas.

.

Pesquisa folclórica das mais completas e minuciosas, citando nãosó as origens da dança de S, Gonçalo Como a sua função Social, nos

meios em que é encontrada. Fartamente ilustrado.*

* *

'I'oobuldo c, .Iam undá - Anotações lia paisagem r-ural - Blume­nau, 1953, 47 páginas, ilustrado.

Mais um magnífico trabalho de pesquisa social e antropologia donosso correspondente e amigo Teobaldo C. Jamundá - que se reco­menda pela sobriedade e probidade com que foi feito.

Jamundá é um estudioso que realiza as suas pesquisas com ca­rinho e cuidada, não se perdendo em divagações e em assunto alheiosao que se propõe. Um folheto que merece ser lido e guardado na es­tante dos estudiosos.

*

* *

'Valtm' Spaldmg - "A gr-ande mestr'a" (biografia da ProfessoraAna Aurora do Amaral Lisboa), "Coleção Meridional", Edição Sulina,Pôr to Alegre, 1953.

São 197 páginas,' com farta ilustração, onde está traçada, com amaestria que é peculiar ao A., a vida de uma heróina, no exato sen­tido do vocábulo.

O nosso apreciado colaborador, Walter Spalding, presta, commais êste trabalho ela sua lavra, inestimável cooperação no alevan­tamento das nossas fôrças morais.

Aplausos redobrados, é o que cabe nesta hora ao dileto escritorp��

,

*

* *

Lucio Mendieta )' �uficz - "Ensnyo socíologten sobre Ia u'ni­veraídad", Cuaclernos de Sociologia. lnstituto de lnvestigacioncs Sociales, Universidade Nacional elo México.

Como se vê é uma interessante contribuição aos estudos de so­ciologia cult�n'al - campo que o A. tem várias vezes, proficiente­mente, palmilhado.

São 96 págs. de leitura útil e agradável.•

* •

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- tos-

Boletlnl do Instituto Joaquim Nabuco - Ano 10, n. 1, Reeifé,1952.

Excelente publicação do Instituto de Pesquisas Sociais e An­tropologicas de Recife, dividida em 3 partes: Documentário, com dis­cursos de Gilberto Fr'eyre e parecer de Aureliano Leite sobre a cria­ção do Instituto; COlaboração, com O "Manifesto Regionalista", deGilberto Freyre, o "Teste de Rorschach no estudo ela aculturaçãoe da possessão fetichista", de René Ribeiro, e "Problemas de habí­tação rural no leste de Pernambuco", de 01e11 Leonard, e Noticiário.

*

• •

Revista de Ann-onoíogta - Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras de S. Paulo - Ano 1°, N. 1 - Junho de 1953.Direção do Prof. Egon Schaden. Apresenta artigos originais de

Otmar Frhr. V. Varschner (Resultados da genética para a antropo­logia); Josef Haekel (A pluralidade dos povos e a unidade do gê­nero 'humano); Erika Pm-se (A escola etnológica de Viena); Her­melina Maia Pretto (O problema da escola brasileira numa comu­

nidade holandesa ele S. Paulo); Leon Cadogan (Ayvu Rapyta); P.Guilherme Saake, S. V. D. (A aculturação dos Bororo do Rio S.Lourenço) e Curt Nimuendajú (Os Tapajó). Ainda, a Unesco €: o

problema racial. de Egon Schaden; A. Proteção de Sambaquis e deoutros monumentos prehistórícos no E. de S. Paulo, do mesmo Au­tor; Noticiário sôbre o XXXI Congresso Internacional. de Ameri­canistas e sobre a la. Reunião Brasileira de Antropologia.

Uma excelente revista, cuja leitura é das mais proveitosas.. .

• *

Insulana - Orgão do Instituto Cultural de Ponta DelgadaVal. VIII, nvs 3 e 4 - 1952.

Magnífica publicação açoriana que além da vida Cultural do. Instituto de que é orgão nos dá urna explêndida visão do movimento

intelectual da Ilha de S. Miguel. Como artigos orígínats traz: A IlhaFlamengos (Albert ele Burbure); Refutação de umas observaçõesacêrca de Gaspar Frutuoso (Martim Machado de Faria e Maya Jr.);do Engenheiro Joaquim Bensauc1e e seus Trabalhos Históricos (An�tónio Augusto Riley da Mota); Ermida de N. S. da Vitoria de VilaFranca do Campo (Pe. Ernesto Ferreira); A Corveta Helgoland no

Porto de Ponta Delgada em 1874/75 (João H. Anglin); e AdagiárioAçoriano (Armando Cortes Rodrigues) .

* "

Comissão Reguladora dos Cereais do Arquípelago dos Acores _

N. 18 - 2° Semestre de 1953 - Ponta Delgada _ S. Miguel.Publicação especializada, magnificamente impressa e que, além

dos assuntos a que precipuamente se dedica inclue estudo de etno­grafia agrícola, assinado pelo Pe. João José do Amaral e pelo Dr.Carreiro da Costa, nosso eminente colaborador.

*

* *

Douro - Lttorul - Publicação Oficial da Junta da Provindado Douro-Litoral - Comissão Provincial de Etnografia e História- 5a. Série, nOs III e IV, V e VI ambos de 1953.

Uma das revistas mais interessantes que se editam em Portu­gal e cuja feitura caprichada é um exemplo e um padrão de sobrie­dade e bom gôsto. Revista como deveríamos ter aqui, em Santa Ca-

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• *

Folclore - Revista da Comissão Paulista de Folclore e Centrode Pesquisas Mario de Andrade, no. 2.

*

• •

COl'l'CO Lttterút-ío - de Madrid, vários números.

tarlna, Similar - e que infelizmente, apesar da tentativa feital n�ologrou concretizar-se, por falta de apóio.

Nss. 3 e 4 - A origem da vaqueijada no nordeste do Brasil(Luiz da Câmara Cascudo); Um belo coral arcaico (L. Rodrigues);Capela de S. Bento, em Vila do Conde (Vaz-Osório da Nóbrega); Ache­gas etnográficas e folclóricas (Horácio Marçal); A pia do milho miú­do) (Francisco Brandão); Cancioneiro Popular Ribatejano (Afonsodo Paço); Alguns costumes da freguesia de Sta. Maria de Gulpilha­res (Bertino Daciano); A propósito das vaqueijadas (José de Barros);Temas folclóricos galegos (Luis Cané Alvarellos); Sôbre o significa­do simbólico do olho pintado no fundo de vasos noturnos espanhóis(Ismael ele Pan): Cultura do linho (Maria Luiza Carneiro Pinto);História de amor em quadrinhas (Verissimo de Melo); Nossa Senho­ra da Penha (Maria Stella de Novaes); Um velho manuscrito (Ma­nuel Vieira Dinis); Galícia, factor no folclore americano (F. Bouza- Brey); A bilharda (José Alves de Oliveira Carvalho).

Nvs. 5 e 6 - O Folclore no Museu do Prado (Castillo de Lucas):Pinturas murais (Armando de Matos); O homem e a couraça. (Ber­nardo Gabriel Cardoso .Ir.): Novenas à Senhora do Vale (Carlos Lo­pes Cardoso); Nótulas lnteramnenses (Conde de Aurora); CerâmicaPortuguesa (Alberto Meira); Litocultura (Joan Amades) Folclore doJõgo do Bicho (Oswaldo R. Cabral); Dos Seringadores, saragoçanos ebordas d'água (Bertino Daclanc); Notícias históricas, etnográficas efolclóricas da freguesia de Labonje (Horácio Marçal); O folguedo in­fantil elo Sarapico (Guilherme dos Santos Neves),

.

* *

Folclore - Revista da Comissão Espiritosantense de Folclore.

• •

'Vil1lClm Giese - 44übe,' de Bewalu-nng volksfumf ichet- Etgeuurtin deu ratoeomantschen 'I'ãlot-u Granbtlndens" (sôbre a conservacãode particularidades folclóricas nos vales ela região reto românica dosGrisões), Basiléa, 1953, 34 págs.

O Professor Universitário de Hamburgo, Wilhelm Giese, que,anteriormente. nos honrara com a sua valiosíssima colaboração,ofertou-nos, agora, o estudo cujo título encima estas linhas.

O folclorista teuto, professor Wilhelm Giese, acaba de publicar,numa impressão de Basiléa - 1953, interessante trabalho sôbre osaspectos atuais do folclore dos Grisões, que constituem a quasi tota­lidade do .maior cantão da Confecleracão Helvética.

A despeito de seu número reduzido e, talvez, precisamente porisso constituem os Grisões, quiçá, um dos maiores e melhores repo­sitórios para o estudo elo folclore da Europa Central. Algumas pou­cas centenas de milhares de habitantes que desde as priscas eras po­voam os contrafortes quasi inacessíveis dos Alpes, no divisor daságuas do nórdico Rheno e do meridional Aclige, constituíram-se o sa­crário índeyassável das boas tradições românicas.

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Ô professor Giese estuda essa situação focalizando, jll'ec\pUâ­mente, três aspectos, quais sejam: da arquitetura, da língua e doscostumes.

Damos, para melhor apreciação dos nossos leitores, em verná­culo, os conceitos do primeiro período do prolegomenos, de cuja pas­sagem é possível aquilatar a envergadura do trabalho. Com a pala­vra o erudito Autor: "Nas vastas regiões elo Românla, é notada a

retrogressão da velha estabilidade cultural e da língua ante à civili­zação que tudo nivela. Em setembro ele 1952, encontrei, em uma ca­

sa de campônios, em LA MONTAZ, no recôndito vale do AROL, dosdiversos trens de casa e utensílios tradicionais, só e ünícamente ber­ços e cadeiras. A velha lareira já havia sido retirada e substituida porum fogão elétrico, 14 dias após ter sido a localidade provida de ener­

gia elétrica".À página 2 registra o A. satisfatoriamente uma certa reação con­

tra a decadência acima apontada. A existência proficiente das corpo­rações SOClETA RETORUMANTSCHA e LIGIA ROMONTSHAveiu dar novo alento ao amor e ao respeito pelas tradições.

O ponto culminante do notável trabalho elo insigne professorGiese será, por certo, o estudo elas fontes e dos poços públicos e suainfluência na trivialidade da vicia naquêtes pagos e valadas. Intro­duzindo o capítulo das fontes e poços, diz o A., à págs. 21: "Em EN­GADIM a vida social digna de registro é desenvolvida nas ruas. Ascancelas com as suas bancadas incrementam as relações entre visi­nhos; os sítios em frente às entradas das casas (VAMPORTA) ser­vem para o exercício de diversos trabalhos (matança, etc.). O pontoconvergente da sociabilidade elas localidades são as cariocas, algu­mas com fontes bem originais, nas quais as mulheres vão buscarágua, onde aos animais é dado de beber, e, também, onde as mulhe­res lavam. A localização elas casas é influenciada pela ocurrênciadas fontes, as aldeias antigamente eram divididas segunclo a comuni­dade dos poços. Irtêutica importância tem a situação das cariocas nas

demais valadas retoromânicas, Assim, as cariocas, constituem nãosomente uma característica no quadro urbano como são, principal­mente, elementos portadores, reveladores e conservadores. elas tra­

dições e valerá a pena estudá-Ias na sua apresentação material e seus

aspectos".A presente apreciação, se bem que, por demais perruntõria, mos­

tra o quan to a obra do Professor Giese é valiosa e as suas observaçõesrevelam utilíssimos ensinamentos aos que amam o assunto.

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o FOLCLORE NO IV CENTENÁRIO

Sob o título acima o "Boletim Informativo da Comissão do IVCentenário", de São Paulo, ele outubro elo ano pp., assim se expressa:expressa:

"O apôio e o ínterêsse de tôdas as pessoas esclarecidas não só no

Brasil como em numerosos círculos internacionais, voltam-se cara

as grandes assembléias de caráter cultural e científico que serão rea­

lizadas em São Paulo, em 1954, ao ensejo das comemorações do IVCentenário da Fundacão da Cidade. Entre essas releva notar as ma­

nifestações folclóricas, que se realizarão no mês de agôsto do pró­ximo ano e consistirão num Congresso Internacional, numa Exposi­ção Interamericana e num Festival Folclórico, certames destinadosao maior êxito. contribuindo inclusive para a maior aproximação e

conhecimento entre os povos.A iniciativa dêsses certames partiu do Instituto Braslleiro de

Educação, Ciência e Cultura (IBECC), entidade semi-governamentalque é, no Brasil, o órgão nacional da UNESCO. Desde 1947, o IBECCse encarrega cios estudos e pesquisas folclóricos e da salvaguarda dopatrimónio cultural elo povo brasileiro, realizando uma obra notável,seja no campo dos estudos especializadas, seja no âmbito ela divulga­ção. A Comissão do IV Centenáno ele São Paulo veio ao encontro dosobjetivos do IBECC, dando o seu alto patrocínio para as manifesta­ções planejadas pelo Instituto para, no domínio do folclore, que tan­ta importância tem na vida ele caela país e no aperfeiçoamento da co­munidade internacional, assinalar-se em São Paulo um acontecimen­to de repercussão em todo o mundo.

Dessa forma, pôde o professor Lourenço Filho, presidente '(10rBl�CC, convocar o Congresso e marcar a sua realização na Capital

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... H2 ....

Paulista, de 16 a 22 de Agôsto de 1954. As Comissões Organízadoráe Executiva esta constituída elos membros da Comissão de Folclo­

re, ambas sob a presidência do Ministro Renato de Almeida, lan­

çaram-se logo ao ingente trabalho de preparar. o c_ertame, a. E�p_o­sição e o Festival, que simultâneamente se realizarão e constituirão

um dos fatores de maior atração popular e turística do IV Cente­nário.

A agenda dos trabalhos do Congresso foi elaborada com eleva­do critério e compreende cinco temas de singular importância: 1) -

Características do fato folclórico; 2) - Folclore e educação básica;3) - Música folclórica e música popular; 4) - Folclore comparado;e 5) - Cooperação internacional ele folcloristas. Para exemplificaro valor dêss.es temas, citemos o de número 4 - Folclore compara­do, destinado a estudar "as bases em que se fundamentam as afínída­eles humanas e as afinidades de uma área cultural comum", propor­cionando assim elementos para a maior aproximação entre os povose conhecimento ele seus traços ele identidade comuns.

Uma Exposição Internacional ele Folclóre, para a qual foi soli­citada a cooperação de todos os governos do continente, proporcio­nará aos congressistas e ao público uma idéia global da arte popu­lar, das tradições e costumes de ambas as Américas, tão ricas nesse

campo, se não parcialmente- inexplorado, pelo menos pouco conheci­do, em seu conjunto.

Finalmente o Festival Folclórico apresentará, ao lado de con­

juntos estrangeiros, uma visão do belíssimo folclore brasileiro. Alémele um desfile de todos os grupos folclóricos brasileiros será apresen­tado aos congressistas e ao grande público um festival tipicamentepaulista, com exibições de danças como o Cururú, Congadas, Caia­pós, Moçarnbiques, Fandangos, e as tradicionais danças de SãoGonçalo, que ainda subsistem em meio ao nosso povo bom e

simples das roças. O rico folclore gaúcho será apresentado pelo fa­moso grupo universitário chamado "35 elas tradições gaúchas". Ala­goas se fará representar pelos não menos famosos Reisados, Guer­reiros e Cocos. O Mar-acatú e o Frevo constituirão a representaçãode Pernambuco. O "Boi de Mamão" representará o folclore catarí­nense, ao lado de grupos típicos fluminenses, paranaenses e capí­chabas e ele uma Escola ele Samba carioca, evocando as riquesas demúsica, arte e dança popular contidas no carnaval brasileiro.

Esta simples enumeração diz da importância das manifestaçõesfolclóricas que se assistirão no IV Centenário de São Paulo e quemereceram do II Congresso Brasileiro de Folclore, recentementereunido em Curitiba em comemoração ao I Centenário da Emanci­pação Política do Paraná, uma moção de apôio aprovada por acla­mação e concebida nos seguintes têrmos:

"O II Congresso Brasileiro de Folclore, atendendo à alta com­

preensão da Comissão dos Festejos do IV Centenário- ela Fundaçãoela Cidade de São Paulo, destinando lugar de destaque para o FOlc­lore no programa oficial das comemorações e a reserva de ímportan­te verba para a realização da Exposição Interamericana e do Fes­tival Folclórico, como parte integrante do Congresso Internacionalde Folclore: Manifesta a sua mais viva satisfação e o seu totalapôío à iniciativa da referida Comissão e exprime ao seu ilustre Pre­sidente, Francisco Matarazzo Sobrinho, a sua solidariedade e o seu

agradecimento".

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NOVAS VrróRIAS

A nossa Comissão Catarinense de Folclore acaba d� ?bter ��vasvitórias, com a penetração do nosso Boletim na Iugoslávia, Suécia e

ÁUS�itniversidade de Serajevo, na Iugoslávia, por carta nos soltei­tGU a remessa do Boletim, no que, já foi atendida! bem como o �'�u�seum -für Volkskunde", de Viena, na Áustria, e, fmalmente, a Biblío-teca da Universidade de Lund, na Suécia.

..

A Direcâo do Boletim sente-se sumamente envaidecida e congra­tula-se por' mais estas vitórias da Cultura Barriga-Verde.

FOLCLORE E�I SANTA CATARINA

Subordinada ao título acima o ilustre folclorólogo sr. ManuelDiégues Jor. publicou, no "Diário de Notícias", do Rio de Janeiro,edição dominical de 4 de outubro último, na sua secção "Folclore eHistória", a crônica, aqui, transcrita sôbre às nossas contribuiçõesao Congresso do Paraná (2° Congresso Brasileiro de Folclore).

Eis a apreciação daquêle homem-de-Ietras:.

"Desejaria poder examinar uma a urna a contribuição de cadaEstado ao desenvolvimento dos estudos folclóricos atualmente veri­ficado em nosso país. Assinalaria o que de expressivo vêm realizandoas Comissões Estaduais de Folclore, umas de atividade fecunda e

r marcante, outras ainda de atividade menor; e não deixaria de assina­, lar, também, menos como censura do que oportunidade para estímuloaquelas que nada vêm fazendo, mantendo-se quase silenciosas, numaquietude e mansidão de frade de Trapa. Talvez algum motivo sério

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as leve a isso, e seria ensejo para que se estudasse a possibilidade deafastar êsse motivo.

Afigura-se-me impossivel poder fazer isso ràpidamente como de­

sejaria, mas espero pouco a pouco ir fixando a contribuição de- cadaComissão Estadual ao desenvolvimento dos estudos folclóricos no

Brasil. Hoje desejo referir-me, particularmente, ao excelente traba­lho que está realizando a Comissão Catarinense, que tem como seu

secretário geral o espírito brilhante e empreendedor de Oswaldo R.

Cabral, em cuja figura se reunem o historiador, o folclorista, o mé­dico e ainda o político, numa harmonia de conjunto verdadeiramen­

te equilibrada. Tem a Comissão Catarinense apresentado uma sériede fecundas iniciativas: publicação de estudos avulsos, lançamentode um Boletim Trimestral e comunicações ou teses sempre valíosas

aos Congressos de Folclore. A êste Congresso recente de Curitiba,.aequipe folclórica de Santa Catarina estava presente através de seis

interessantes trabalhos.Dentro do tema preferencial, ou seja, autos populares, Osvaldo Ca­

bral nos deu um levantamento sôbre "O Vilão", "O pau de fitas" e "A

Jardineira"; e Osvaldo de Melo Filho sôbre "O boi-de-mamão". Estes

folguedos são conhecidos na região oatarmense, sobretudo na faixamarítima. O vilão, segundo assinala Osvaldo Cabral, é restrito ao

Município de São Francisco do Sul e se apresenta geralmente no car­

naval. O autor estuda a origem, a composição, a indumentária, os

grupos, os acessórios e o desenvolvimento do folguedo. O mesmo fazem relação à Jardineira e ao Pau-de-Fitas. Dêstes dois indica os Mu­

nicipios em que aparecem, descrevendo os respectivos folguedos.Minucioso é também o estudo de Osvaldo de Melo sôbre o Boi de Ma­

mão; examina seus diversos aspectos, analisa suas figuras, indica as

pesquisas realizadas e junta textos musicais.

Muito interessante é a comunicação de Urbano Vicente GamaSales a respeito de "Gaiolas". Com uma maneira muito natural sim­ples e quase diria ingênua de expôr, trouxe o jovem observador dascoisas catartnenses magnífica contribuição aos estudos popularesde seu Estado, com a descrição dos tipos de gaiola de passarinhosque conhece, descrevendo igualmente como são feitas, de onde teriavindo a arte, material usado, emprêgo, etc. Faz uma classif'icação detipos de gaiola, segundo o material empregado (de flecha do mato,de flecha ele garapuvu e de flecha) e segundo o destino: 1. Para

caçar: a) de .f'undo falso (para caça de sabiá), b) de um ou váriosalçapões para pintassilgo, sabiá, araponga, curió e coleiras e passa­rinhos de banana; 2). Para brigas de "canário de telha"; 3. Simplespara sabiá, para curiós e coleiras, para pintassilgo, para araponga e

para passarinho de banana.

�e Osvaldo Cabral é uma comunicação algo ligeira, mas útil, a

respeito de cantos de natal, cantados pelo povo, enquanto João dosSantos Areão estudou "os trançados no folclore catarinense". Exa­mina os trançados de couro e sedenho, de lã, de palha de tábuaperi, bambu, cipó e taquari, e de palha de trigo. O estud� é enrique�cido de documentação fotográfica, mostrando os diversos tipos detrançados.

Embora não exclusivamente folclórico, mas valioso pela origemtradicional a que se liga o tema, foi o excelente trabalho de VictorA. Peluso Júnior. Tratou de "Tradição e plano urbano - cidadesportuguêsas e alemães no Estado de Santa Catarina". Geógrafo e so­

ciólogo, o autor estudou a formação das cidades catarinenses, segun-

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do a influência cultural portuguôsa OU alemã. fixando as caracter ís­troas que orientaram o respectivo plano urbano:. no ,de origem por­tuguês, domina a praça central, qlfe emoldura a igreja, enquanto _noalemão, há uma adaptação ao relevo, partmdo do centro corneJ'cJ�I.É uma contribuição erudita e muito útil, no estudo da formaçaode nossas cidades em suas bases culturais tradicionais.

E é assim que a Comissão Catarinense de Folclore vai traba­lhando: e trabalhando bem através de uma equipe esclarecida, estu­

diosa, que sabe harmonizar os 'campos ele interêss,e de pesquisa e

apresentar-se, por isso mesmo, como uma das mais homogêneas,mais eficientes, no desenvolvimento atua1 dos estudos Folclór-icos em

nosso país".o FOI,CLORE NO BRASIL

Subordinada ao titulo acima, o jornal "O Telégrafo" que se

publica na Cidade da Horta, Açôres, em sua edição de 31 de outu­bro pp., assim se expressa:

"O entusiasmo no Brasil pelo folclore não arrefece. Agora, oDepartamento de Cultura de S. Paulo, através a Discoteca PúblicaMunicipal, abriu um concurso de monografias sobre o folclore na­cional, a que podem concorrer os brasileiros natos ou naturaliza­dos, e os estrangeiros radicados no país. Há os prêmios de 25, 15e 10.000 cruzeiros para as três monografias que se distinguirem.

Extraimos a notícia do "Boletim Trimestral da Comissão Ca­tarinense de Folclore", hoje sob a direção do escritor Walter Piazza,devido ao afastamento voluntário do dr. Oswaldo Cabral, motivadopor afazeres profissionais. Este escritor foi O fundador do "Boletim".

O exemplar que temos presente contém cem páginas de inte­ressante leitura e de colaboração diversa - A arruda, Um casamen­to úngaro, A pesca no litoral catarinense, Ratoeiras em Santa Cata­rina, Termos' e expressões regionais, Ternos de Reis e de SantoAmaro, História de amor em quadrlnhas, Provérbios e outros ditoscomuns em Cruz das Almas, etc",

O Bulletin Folklorique d'Tle-de-France (Paris. xv= ano, julho­setembro de 1953), depois de relacionar tôda a matéria contida nosnossos números 9-10, 11, 12, 13-14, emite os seguintes conceitos:

- "Nossos colegas brasileiros tiveram a amabilidade de juntarà sua remessa uma pequena monografia de sua Capital, Florianópo­lis, bela cidade em pleno desenvolvimento, de mais de 50 mil habi­tantes, situada em grande parte na Ilha de Santa Catarina e se ex­

tendendo para o continente ao qual se liga pela ponte pensll Her­cílio Luz. Um mapa do município termina a brochura.

Que recebam os nossos agradecimentos.No conjunto êstes Boletins oferecem múltiplos aspectos ele in­

terêsse: os folcloristas, bem como os linguistas poderão aproveitá-loslargamente. Mas, porque não utilizar uma retícula mais fina parae reprodução dos seus documentos fotográficos? E uma tinta de im­prensa que imprima melhor? Estes dois defeitos poderão ser fácil­mente evitados e com isto ganharia a sua apresentação" .

A respeito do nosso .Boletirn, em cartão endereçado ao nosso Di­retor, Prof Walter F. Piazza, assim se expressou o dr. Leví Carneiro,

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����;:eSidente do IBECC e um dos luminares das nossas letras juri-

"Voltando agora ao Brasil, depois de prolongada ausência en­contro em casa o "Boletim Trimestral da Comissão Catar inense deFolclore" (nos. 11 a 16), que me foram remetidos com gentileza cati­vante. A.gradecendo-lhe, muito penhorado, êsse obséquio, congratulo­me cordialmente com V. S. e com seus dignos companheiros de Co­missão, pelo exito magnifico de seus beneméritos esforços. Eles cons­

tituem, em verdade, relevante serviço prestado ao Brasil".

ASSUNTOS INSULANOS, de Owaldo R. Cabral

A respeito dês te livrinho do Secretário Geral da Comissão Cata­rinense de Folclore, aparecida em 1948, assim se expressa a revistaInsulana, 6rgão do Instituto Cultural de Ponta Delgada, S. Miguel,Açores, que temos a satisfação de transcrever:

"Coligiu neste volume o Dr. Oswaldo Cabral, cujo nome anda na

admiração de todos os açorianos, vários artigos: - Nobreza do Ar­

quipélago: 'I'roncos Açorianos; Nada de mulatos; Gente Pobre dasIlhas; Potes, rendas, trovas e um Congresso de História; Algunsapontamentos sôbre os Açorianos e várias bisbilhotices; e o Discursoque o A. proferiu em Florianópolis, a 29 de fevereiro de 1948, na

Colocação da pedra fundamental do monumento comemorativo do20 Centenário da Chegada dos Casais Açorianos povoadores de 8ta.Catarina e do Rio Grande do Sul.

Aqui se arquiva esta passagem de um discurso que bem merece

ser lido por todos os homens dos Açores:_ (transcreve o final do discurso referido, que está à pág. 39 do

livro em foco).A segunda parte do livro é constituída por notas breves e infor­

mativas de cada uma das 9 ilhas do Arquipélago: Corvo, Flores, Ter­

ceira, Sta. Maria, S. Miguel, Graciosa, S. Jorge, Faial e Pico e sôbreo Arquipélago da Madeira, separados por um estudo sõbre cantado­res e repentistas das ilhas açorianas - Trovas e Desafios. O volumeconclue com o discurso sôbre - Que teve o Conde de BobadeJa com

o povoamento de Sta. Catarina? declamado em F'lurtanópolls, em 12de julho de 1948, na Assembléia Legislativa do Estado, a respeito dosêlo comemorativo do bi centenário do povoamento de Sta. Catarina.

Nenhum açoriano poderá ler êste livro sem uma forte emoçãoe sem se sentir ligado. mais do que nunca, aos seus írrnãos do Brasil.

Devo a Oswaldo Cabral momentos de raro entusiasmo e de fun­

da admiração pelos que se foram daqui levando para longes terras as

qualidades de que hoje se orgulham os seus descendentes em SantaCatarina e no Rio Grande do Sul.

E como estas linhas não são de crítica, mas apenas de simplesnotícia bibliográfica, não resisto a estender daqui a minha mão paraapertar afetuosamente a do Dr. Oswaldo Cabral por sôbre êste mar

que nos afasta e nos une".

ALGU�IAS APRECIAÇõES SôBRE O LIVRO "ASPECTOS FOLOLóRICOS CATARINENSES".

Sôbre esta obra ·d(!)f\noS'so diretor, Prof. Walter F. Piazza numa,bem cuidada edição da nossa Comissão, assim, se têm pronúnciadoalguns homens de letras nacionais e estrangeiros:

- O dr. Cláudio det'Souza' (Ptesidehte do PEN Clube e membroda- Academia Brasileira de Letras):

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"Recebi e lí com particular prazer o seu livro "Aspectos foIcI6-nícos catarinenses", de que teve a bondade de oferecer-me um exem­

plar com penhorante dedicatória. A Comissão Catarinense de Folcloreestá. prestando um memorável serviço às letras pátrias com tais edi­ções. Que continue! É meu voto!"

- O Prof. Walter Spalding (de Pôrto Alegre, Diretor da Biblio­teca e do Arquivo da Prefeitura): "O livro, nas suas 140 páginas, traz,como se vê, matéria excelente e tanto mais valiosa porque resulta,na sua quase totalidade,' de pesquisa pessoal, pesquisá de campo, co­

mo dizem em linguagem folclórica. É um livro em que as qualida­des do folclorólogo Walter Piazza estão bem à mostra e que incluientre os grandes .estudiosos do populário nacional".

- O Prof. Dr. Dante de Laytano (Secretário Geral da ComissãoSul-Riograndense de Folclore e Diretor do Arquivo Público do RioGrande do Sul).

"Os oito ensaios que compõem a obra revelam a segurança deum pesquisador honesto que examina a cerâmica popular, o calen­dário religioso ou a contribuição italiana, a festa do Divino, etc. mas

sempre o investigador que traz uma novidade, fatos inéditos e co­

laboração especial, sua, ao estudo das tradições".- O Dr. Olyntho Sanmartin (poeta da Academia Sul-Ríogran­

dense de Letras): "São ótimos e acurados estudos, alguns já meusconhecidos através do "Boletim". Muito louvo sua infatigável ativida­de literária e assim o enriquecimento da nossa boa cultura. Trata-se.indiscutIvelmente de uma valiosa contribuição à história do Folc­lore nacional da qual o amigo já é um dos destacados artífices".

- O Prof. Dr. Fernando de Castro Pires de Lima (insigne' etnó­grafo lusitano, do Pôrto): "Recebí e lí com muito interêsse e provei­to o seu excelente livro: "Aspectos folclóricos cetat-ínenses''. Há ca­

pítulos verdadeiramente notáveis, tais como o "Lobisomem" e "Fes­tividades do Divino". No entanto todos êles são magnificas e cheiosde ótimos ensinamentos".

- O Dr. Felix Coluccío (eminente publicista argentino e difusordo Folclore Americano): "Acabo de recibir su hermoso e interesan­tisimo libra Aspectos folcloricos catarinenses, que me parece unaseria y documentada ccntríbucíon al folklore brasileno. Lo felicitosíncerarníente y puede tener la certeza que habré de difundirIa ennuestros circulas folkloricos".

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OS ILHlõUS NO SUL ])0 BRASIL

Com o título acima, o distinto escritor faialense Manoel Greaves,no jornal "O Telégrafo", da Cidade da Horta-Faial-Açores, em suaedição 29 de outubro pp., se manifestou na forma abaixo, sôbre doistrabalhos do nosso Diretor, Prof. Walter F. Piazza, "Cerâmica popu­lar Catarinense" e "Açoreanos em Santa Catarina", êste separata do"Anuário Catarinense" e aquêle dêste "Boletim", nv 11:

"O escritor brasileiro Walter Piazza publicou dois interessantesestudos, em separatas do "Boletim de Folclore" e do "Anuário Cata­rtnense'', um que trata da cerâmica popular catarinense e o outrodos Açorianos em Santa Catarina.

No primeiro folheto deduz que a indústria cerâmica de barro foilevada dos Açores depois de 1748 (talvez de S. Miguel), com a emigra­ção dos ilhéus, pois que, antes dessa data, não existia um tal fabri­co. Observa o autor que ela é um dos esteios que ligam as populações

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de Santa Catarina, Rio Grande de S. Pedro e Colónia do Sacramentoàs gentes do arquipélago açoriano, porquanto os três municipiosbrasileiros, onde se fabricam actualmente artigos de cerâmica popu­lar, nesse Estado de Santa Catarina, estão na zona onde se localiza­ram os casais que foram destas ilhas. Em 1949 o valor da produçãofoi de 598.844 cruzeiros.

No segundo volume, o autor inventariou os troncos açorianosque fundaram a freguesia de N. S. do Rosário da Enseada de Brito,chegados de 1748 em diante às terras do sul do Brasil. Curioso é queo primeiro matrimónio, ocorrido naquela freguesia, foi de Domingosde Freitas, natural da Graciosa, com Antónia Inácia, natural destaIlha do Faial, víuva de Pedro Gonçalves, nascido no Pico.

O primeiro registro dos noventa e oito troncos de casais, loca­lizados na mesma freguesia, é o seguinte:

Agostinho Silveira, natural da freguesia de N. S. do Rosáriodos Cedros, ilha do Faial, filho de Domingos de Freitas e de Isa­bel de Medeiros. Casou em 17-2-1760 com Rosa Maria, também dosCedros, filha de Amaro Rodrigues.

Walter Piazza comenta:"Gente das Ilhas, que levou para o Brasil, e, em especial para

Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os braços-fortes do seu engran­decimento".

(J;)

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