Fluxo #4

16
fluxo a interface das letras / imagem tátil // roger moore / a linguagem da videoarte território de nômades // entrevista : o grivo / conto : luiz fernandes de assis # 4

description

Fluxo #4

Transcript of Fluxo #4

  • fluxo

    a interface das letras / imagem ttil // roger moore / a linguagem da videoarteterritrio de nmades // entrevista : o grivo / conto : luiz fernandes de assis

    # 4

  • fluxo >editorial

    contedo

    www.fluxoonline.comacesse

    pgina 3 design: territrio nmade

    pgina 4 literatura: a interface das letras

    fotografia: imagem ttil

    roger moore: os seis mais

    entrevista: o grivo

    videoarte

    conto

    pgina 6

    pgina 8

    pgina 10

    pgina 12

    pgina 15

    pgina 16 galeria: daniela goulart

    pegue o fluxo nos seguintes locais:

    Jay Rama centro cultural UFMG motormusic caf com letras caf belas artes

    usina unibanco de cinemapginas antigas livraria scriptum

    urban caveDA da letras UFMG DA da arquitetura UFMG

    DA da comunicao PUC-MG humberto seu cabeloDA da belas artes UFMG a obra exotic tattoo studio

    DA da arquitetura PUC-MG comuna fuma

    fluxorevista de arte, cultura e novas mdias

    periodicidade de 4 mesesesta edio: #4, setembro de 2001

    tiragem: 3.000telefone: (31) 9614-7913

    edio, direo, e projeto grficoalemar rena

    corpo editorial desta edioalemar rena, jlio matias, vitor garcia,

    natacha rena e pedro henrique

    agradecimentosapoiadores, colaboradores, e todos

    envolvidos nesse projeto

    Visite nosso site www.fluxoonline.com

    e-mail [email protected]

    Colaboraram nesta edio jlio matias estudante de letras da

    UFMG e revisor do fluxo eduardo jesus mestre em teoria da

    comunicao pela UFMG, professor do curso de comunio social da PUC-MG,

    designer, vdeo-maker alemar rena bacharel em letras pela UFMG, baterista da banda

    Thesurfmotherfuckers, editor e revisor do fluxo e do site de arte digital proj-

    ect_01 [www.fluxoonline.com]pedro henrique baixista da banda

    Thesurfmotherfuckers roger moore dj

    renata marquez arquiteta, artista plstica e crtica de arte mestra em

    arquitertura pela UFMG

    revisojlio matias e alemar rena

    impressofumarc

    proibida a reproduo total ou parcial do contedo desta revista

    sem prvia autorizao.

    O site da Fluxo completa um ano com razes

    para comemorar. Durante todo o tempo no ar o

    nmero de visitantes no parou de crescer e hoje

    recebe internautas de toda parte do Brasil e do

    mundo. Nele voc pode encontrar todos os arti-

    gos, matrias, entrevistas, contos e poesias publi-

    cados na Fluxo impressa, e ainda textos e notcias

    atualizadas sobre o mundo da arte, cultura e

    novas mdias. Voc tambm pode acessar nossa

    revista eletrnica de literatura, que se encontra no

    segundo nmero.

    O Fluxo tambm lanou recentemente o seu

    projeto virtual mais ousado, um site de arte ele-

    trnica que apresenta trabalhos de alguns dos

    gurus da arte eletrnica mundial.

    No deixe de vistar nosso site e aproveitar para

    deixar sua opinio, sugesto ou algum trabalho

    seu que voc gostaria de ver exposto no Fluxo

    impresso ou no Fluxo virtual.

    alemar rena / editor

    Novas instalaes em mesmo endereoRua Antnio de Albuquerque, 1041Savassi - tel: 31 32273363

    Cyberslo: www.seucabelo.com.brProjeto Mural: Alice Bhering

  • 3
  • >Literatura & Mdia

    >>> 4

    A poesia virtual talvez a mais promissora novidade no campo da literatura. Cada vez mais trabalhos vm sendo produzidos

    e a internet , obviamente, o grande catalizador para seu acontecimento como arte. Em todo o canto onde a www j chegou,

    esta vertente literria vem tomando espao nas telas dos internautas que esto procura de arte digital. A Fluxo colocou no

    ar recentemente um site totalmente voltado para a arte digital [www.fluxoonline.com/project_01] e a poesia virtual um

    dos destaqes. Saiba mais sobre esta rica forma de tratar imagem, palavra e som no texto a seguir.

    por alemar rena

    A interface das letras

  • 5
  • Desde que Paik utilizou um aparelho de TV em sua exposio Exposition of Music - Eletronic Television, na galeria Parnass de Wuppertal na Alemanha em 1963, at hoje, muita coisa

    tem sido incorporada e reposicionada na linguagem do vdeo. Nessa sua primeira experincia Paik j apontava para algumas caractersticas que seriam incorporadas, nas prximas dca-

    das, ao discurso do vdeo. Paik centrava-se no tratamento da imagem, seguindo assim uma tradio vanguardista no campo propriamente audiovisual e da comunicao [Giannetti]. Foi

    justamente esse tratamento da imagem que mais caracterizou o desenvolvimento da chamada linguagem do vdeo.

    Nessa primeira exposio de Paik, em 1963, ele usou uma srie de televisores que estavam com as imagens completamente alteradas. The apparatus was scratched and disfigured,

    and its screen was either filled with abstract noise or patterns generated by magnets applied to the set, or was left blank; thus stripped of TV's traditional connotations and associations, it

    no longer fulfilled the function that television usually serves at home [Hanhardt]. Com isso Paik subverte no s o que vemos na televiso, mas a forma como a televiso compreendida

    como um objeto da vida cotidiana.

    Wolf Vostell, outro precurssor da utilizao artstica do vdeo, vinha desenvolvendo uma srie de performances e instalaes usando TV's desde o fim dos anos 50, na Alemanha. Em

    colaborao com Paik, Vostell publicou D-collage, onde o artista explica este conceito, a kind of happening event that often took place on a large scale and involved an engagement

    with the public space as a social environment [Hanhardt]. Na verdade, Vostell articulou uma poderosa crtica ao meio como ideologia, procurando abalar a apropriao poltica do discurso

    social e as definies cmodas da high-art culture.

    Acreditamos que a partir do trabalhos destes dois artistas estavam lanadas as bases da esttica da videoarte. A contaminao, o rudo, a distoro e o processamento de imagens

    tornariam-se importantes caractersticas da videoarte, tudo isso tendo como pano de fundo uma intensa utilizao da tcnica. A videoarte nasce dentro de uma ambiente tecnolgico e

    assume, sem medo ou culpas, toda a tcnica que vem a ser desenvolvida posteriormente. O prprio Paik foi um dos primeiros a usar e at mesmo criar equipamentos e sintetizadores de

    imagem como o Paik-Abe, equipamento desenvolvido por Paik em colaborao com o engenheiro japons Shuya Abe e que podem ser considerados precurssores dos atuais softwares de

    efeitos e edio como o After Effects ou o Adobe Premiere.

    Videoarte: a construo de uma linguagem ou a linguagem under construction

    Por Eduardo Jesus

    >Novas Mdias

    >>> 12

  • 13
  • >>> 6

    Fotografia & Literatura

    Imagens tteis

    por natacha rena

    Com o apoio da Lei

    Municipal de Incentivo

    Cultura o fotgrafo

    Cao Guimares con-

    seguiu uma proeza no

    mundo da fotografia

    de BH: produziu o livro

    Histrias do No Ver,

    trabalho de fino gosto

    que apresenta uma

    poderosa interseo

    entre fotografia, lite-

    ratura e design. Leia a

    seguir impresses da

    arquiteta e designer

    Natacha Rena.

  • >>> 7

    O livro composto por fotografias e textos. Cao Guimares cria uma estranha situao: pede aos amigos que o seqestrem de olhos vendados, portando cmera

    fotogrfica e filmes. As cidades onde ocorrem os seqestros so vrias: Madrid, Belo Horizonte, Londres, So Paulo, Barcelona. As experincias so contadas pelo autor

    em belos curtos textos - sensaes-memrias de cada lugar visitado e fotografado. Imediatamente aps cada seqestro, eu escrevia pequenos textos que cer-

    tamente estariam impregnados de imagens produzidas pelas impresses de meus outros sentidos.

    Elimina-se o sentido que prprio da fotografia: a viso. Abre-se um campo estranho a ser registrado na memria: o tato, o cheiro, o som, o hptico. H uma inverso

    da lgica prpria fotografia que garante a captao de outras imagens, impensadas. Retira-se dos olhos o poder de enquadrar, focar, racionalizar visualmente o regis-

    tro do real. As imagens borradas, inesperadas, revelam um mundo em movimento descontnuo: impresses dos vestgios sensveis. Eu queria sentir o mundo apenas

    atravs do que estivesse ouvindo, cheirando, pegando, pensando. A viso sempre me parecera um sentido tirano com relao aos outros sentidos. Sem

    ela o mundo poderia ser ento vrios mundos; a realidade, vrias realidades.

    Nessa situao estranha a cmera age como um dispositivo ttil, um olho que toca, porque agora capta imagens de uma outra realidade, a do acaso, do inesperado, do

    imprevisvel, do no calculado previamente pelo olho que pensa a paisagem. H um deslocamento da viso do autor, um esforo em destruir a tirania da imagem paradig-

    matizada pelo olhar perspectvico do artista clssico. Abre-se um mundo sem formas, sem limites e sem pensamentos, a cidade disponvel, a cidade sem roupa-de-baixo,

    quieta, silenciosa, vazia de olhos e de palavras, a cidade abordada por olhos impossibilitados de ver, a lgica fotogrfica efetivamente remediada por uma outra con-

    cepo da realidade, os olhos esto aqui vendados para um mundo entupido de imagens fticas.

    Cao constri um outro mundo, um arsenal de rastros e vestgios, fragmentos tteis das situaes, fotografia-evento, realizada a partir do exerccio esquizo propiciado

    pelo seqestro, composio de rupturas visveis entre a realidade como ela - inteno consciente das mdias tradicionais - e a realidade potente de mundos onricos. Um

    ponto inexistente em uma parede branca me ensinou mais do que todos os professores de matemtica do mundo. O zero das coisas, o vazio nas coisas, o

    olhar fixo esvaziando as coisas, o olhar perdido e as coisas.

    Assim o autor rememora uma experincia do passado que atualizada no ato de fotografar no escuro das coisas. Cao anuncia desde j uma ciso sujeito-objeto, fot-

    grafo-realidade visvel, cria-se um livro objeto, nem texto, nem imagem, pginas negras simulam mltiplas interpretaes. A presena intensa de um outro tambm autor,

    Marconi Drummond, responsvel pelo projeto grfico, seqestra textos e imagens num processo de produo artstica coletiva, agindo por contaminao. Cria-se um livro

    manipulvel como um objeto. Aberto ao deleite despretensioso de quem toca, v ou l; esse livro-objeto mantm-se por todo o tempo desierarquizado, rizomtico, sem

    nmeros, com furos, texturas, laranjas, pretos e brancos, imagens borradas, imprprias. Sem classificao, ele se constri como no poema, no conto, no filosofia, ape-

    nas uma juno complexa de fragmentos de todas estas categorias numa atitude de manipulao potica do ato ldico do no ver.

    E de matrias disformes, de territrios em outras formaes que este livro composto. Em constantes movimentos de desterritorializao, criao de imagens como

    linhas de fuga, Cao - sujeito de olhos vendados, habitando em trnsito territrios desconhecidos, agenciados por outros silenciosos, invasores, que criam este livro poli-

    fonicamente - age como um suposto autor, com poucas certezas e muitas memrias confusas, por acaso; ele decide agir para a potencializao de uma srie de pensam-

    entos e de associaes: sonhos e memrias como formas de seqestro.

    Um livro no tem

    objeto nem sujeito;

    feito de matrias dife-

    rentes, formadas de

    datas e velocidades muito

    diferentes. [...] Num

    livro, como em qualquer

    coisa, h linhas de arti-

    culao ou segmentari-

    dade, estratos, territo-

    rialidades, mas tambm

    linhas de fuga, movimen-

    tos de desterritorializao

    e desestratificao.

    Deleuze e Guattari

  • DJ ROGER MOORE

    6

    666

    66

    BEASTIE BOYS - Check Your Head - 1992 - Capitol Records - Nesse terceiro lbum os Beastie Boys consoli-

    daram seu inconfundvel estilo de rap, retornaram s suas razes hardcore e exploraram de forma requintada a faceta

    de instrumentistas cheios de groove em jam sessions no melhor estilo jazz/funk. Esse disco excepcional [o mais

    completo do grupo] marcou definitivamente uma das fases da casa noturna Broaday, exatamente na poca em que o

    pblico alternativo ligado ao skate dividia a pista de dana com os blacks. Jimmy James, a primeira faixa do lbum, e Live at PJ's traziam uma unio de estilos

    pista.

    JAMES BROWN - The Payback - 1973 - Polygram Records - Esse disco representa muito bem a fase funky do Soul Brother nmero 1. Tem clssicos como The Payback, Stoned To The Bone e Mind Power e a participao dos impecveis Fred Wesley e Maceo Parker. James Brown im-prescindvel para se entender a msica negra danante

    [eletrnica ou no] feita atualmente. Em BH, vrias pes-soas tiveram um primeiro contato com seus discos a partir de 91 na casa noturna Broaday, no bairro Santa Tereza. Era ali que se danava o brown.

    CHICO SCIENCE E NAO ZUMBI - Da Lama ao Caos - 1994 - Chaos/Sony Music

    Numa poca em que o cenrio pop nacional se encontrava esgotado e necessitando de inova-o, os mangue boys de Recife lanaram sua

    primeira prola, trazendo uma mistura at ento indita para os ouvidos de todos os brasileiros. No ritmo, a fuso do maracatu com as batidas funk, o peso na guitarra influenciada por Jimi

    Hendrix e um vocal que mistura um jeito rap e cantos regionais. As estrondosas vibraes produzidas por este disco com

    certeza influenciaram vrios DJ's e produtores que hoje movimentam a msica eletrnica brasileira.

    RONI SIZE E REPRAZENT - New Forms - 1997 - Mercury Records - O que no incio de 1991 era chamado de jungle foi se sofisticando, criando ramifi-caes [devido sua complexidade ritmica] e passou a ser drum'n'bass. Essa experimentao inglesa feita sobre as batidas quebradas do funk se baseia em duas pulsaes ritmicas em uma. Groove e energia. Roni Size

    acrescentou a isso harmonias jazzy/funky e vocais cheio de soul. Esse disco e o primeiro do Chemical Brothers [Exit Planet Dust] mudaram a forma que eu e algumas pessoas percebamos a msica eletrnica. Procurem ouvir coisas boas de drum'n'bass, breakbeat, house, electro, trip hop, funk e hip hop, mas sem se preocupar com esses rtulos, pois tudo msica negra.

    O DISCURSO [Criado por Bruno E] - 1999 - Sambaloco Records/Trama - Bruno E produziu seu prprio discurso com a propriedade de quem sabia o que queria fazer. Reflexo de diferentes influncias, passeia pelo drum'n'bass, banda de pfaros e a embolada de Beija-Flor e Siriema, pelo breakbeat, pelo techno com samba e ainda faz releitura do The Fall [Mr. Pharmacist]. Esse disco, e outros muito bons [Sarau do XRS Land, Msica do

    Ram Science, Changez Tout, Samba Pra Burro, Dissecado, etc.] so da Sambaloco Records, que um selo da Trama que est tendo um papel forte na divulgao da msica eletrnica produzida aqui. Essa msica, feita por DJs e produtores brasileiros, no tem neces-sariamente que soar brasileira, mas muito bom quando soa.

    PUBLIC ENEMY - Fear of a Black Planet - 1990 -CBS Records - Terceiro disco de um dos grupos mais importantes da histria do hip hop. Este lbum elevou o grau de maturidade da msica rap. Do peso das batidas funky e o refinado uso de cola-gens [sem perder o lirismo] ao discurso agressivo no contedo e altamente elaborado na forma, eles foram exageradamente criativos. O impacto de Fight The Power [trilha de "Faa a Coisa Certa",

    de Spike Lee] consolidou o rap como forte veculo de denncia da situao dos negros nos EUA.

    Roger Moore um dos principais DJs da cena eletrnica de BH.

    Discotecando desde de 92, ele hoje funde gneros como o drumnbass,

    breakbeat, electro e house em seus sets. Ele lanou recentemente seu

    primeiro CD, Pode Quebrar, que alm de batidas eletrnicas apresen-

    ta influncias de ritmos tipicamente brasileiros como baio e samba.

    Veja a seguir quais foram os 6 lbuns que mais o influenciaram.

    >>> 8

  • >Entrevista

    H dez anos trabalhando com lingua-

    gens musicais que paradoxalmente e

    concomitatemente beiram ao caos e

    ordem, o Grivo, que recentemente

    lanou o primeiro CD, formado pelos

    msicos Marcos Moreira Marcos e

    Nelson Soares. O grupo vem experi-

    mentando com fontes sonoras acsti-

    cas e eletrnicas e j produziu trilhas

    para uma extensa lista de vdeo-artis-

    tas, danarinos, artistas plsticos e

    outros. Naturalmente, tratando-se

    de msica experimental, no se deve

    esperar do Grivo algo do tipo easy-

    listening, uma vez que eles trabalham

    com texturas musicais pouco comuns,

    produzidas por instrumentos [e obje-

    tos] pouco convencionais. No entanto,

    a msica, amorfa e estranha, no

    deixa de ser bela. Leia entrevista a

    seguir, concedida por Marcos Moreira

    Marcos, onde ele fala sobre as signifi-

    caes, aceitao e especificidades de

    uma msica to inusitada.

    por alemar rena e jlio matias

    O Grivo

    >>> 10

  • Na verdade, essa nossa posio no Brasil, onde no existe muita informao tanto sobre o free jazz quanto a msica erudita, nos levou a percorrer um caminho onde a clas-

    sificao disto ou aquilo complicada. H ocasies em nossa msica onde a interveno da msica praticamente nula, e a sofisticao zero, e a ento como que fica? O

    que acontece que nem no meio musical a gente consegue nosso espao. E pra mim essas coisas [rtulos] nunca foram importantes. O trabalho que existe esse. No inter-

    essa se msica erudita. Pode ser at artes plsticas, j que a gente trabalha mais neste meio. A gente tambm trabalha com a dana, com a Adriana Banana e a Thembi.

    No cinema, por exemplo, com o Cal, e nas artes plsticas com a Rivane. Ento no existe muito dilogo com msicos. E acho que esse meio musical fica fechado demais em

    cima de um purismo que no corresponde muito com o que vem acontecendo com a arte hoje. Basta ver a exemplo as exposies de artes plsticas onde os artistas criam

    milhares de suportes novos, e questionam o tempo todo. E o meio musical no, e por isso uma figura fundamental para o Grivo foi o John Cage, que estava sempre question-

    ando a msica, desde o incio. Ele chegou a dizer em um texto "Pra que que serve o instrumento musical? Uma coisa sempre leva a outra, e um instrumento vai se fechar nele

    mesmo".

    O espetculo do Grivo permeado por imagens em vdeo que so projetadas em um telo. Como que feito esse trabalho?

    A gente sempre trabalhou com imagens. como se a gente direcionasse o olhar para elas assim como a gente trabalha com os materiais sonoros. Ento a gente escolhe ima-

    gens por suas aparncias grficas, no nada narrativo, so as caractersticas mais abstratas que falam mais. como se existisse um microcosmos de movimentos e texturas

    que a gente procura. No caso do espetculo mais recente a gente fez as imagens em um dia de chuva e s filmou guas no zoom e selecionou algumas imagens mais puras,

    sem muita edio. meio como a proposta do Grivo mesmo, extrair sons do cotidiano e transp-los para a composio musical.

    No som do grivo, como se aponta o limiar entre a msica e o barulho puro?

    Pra mim no existe essa diviso. No ltimo concerto, por exemplo, eu vejo momentos mais musicais em um barulhinho de caixinha meio enferrujada quando se abre, do que

    em msica tradicional. As pessoas em geral entendem que a msica aquilo que se tem uma referncia anterior, um ritmo que voc consegue medir, que j se ouviu, ou um

    instrumento com um timbre conhecido. E a gente d mais valor queles sons sem interveno humana; uma geladeira ligada por exemplo.

    Mas a msica do Grivo catica e, ao mesmo tempo, sofre interveno de sua parte como criador e executor. Ela a j no assume uma outra categoria, dife-

    rente dessa que voc menciona, onde no h a interveno?

    , eu venho achando o ltimo concerto, por exemplo, cada vez menos catico. Porque, pelo fato de os sons serem bem pincelados, eles assumem uma ordem muito forte.

    Onde j se ouviu aqueles sons? Se eles fossem caticos se escutaria no cotidiano. A gravao do CD ajudou muito nesse sentido, porque a gente pde fixar certos sons que

    no estavam definidos antes. At mesmo o vdeo delimita muito o tempo de durao de cada sequncia de barulhos na apresentao, gerando mais ordem. Por outro lado, so

    sons complexos e pouco previsveis, porque muitas vezes voc joga uma pea e no sabe onde ela vai bater.

    11

  • /o dia 11 de abril de 1930, adormeci* profundamente.No incio foi a escurido absoluta. Depois, ela comeava a se dissipar. A luz se infiltrava pelas copas das rvores, mas s aps um tempo identifiquei suas folhas bem no alto. Isso significava que estava deitado.Com grande esforo consegui me libertar do gramado que insistia em me reter. Agora sentado, percebia que estava sozinho. minha volta, havia uma espcie de parque. Um jardim. Levantei-me, e s ento vi que estava cercado. Um grande tapume verde circundava o local. Era um lugar amplo, apresentando um caminho de pedras todo irregular, revirado. Senti necessidade de caminhar, mas minhas pernas pare-ciam feitas de chumbo.Olhei bem algumas palmeiras que deveriam ter sido plantadas h bastante tempo. A distncia me impedia de observar direito o que se passava mais adiante, mas, sem dvida nenhuma, uma lona gasta recobria o que parecia ser um busto. Tive medo de me aproximar, e

    por isso fui resoluto para o tapume em busca de uma sada.

    No encontrei sada alguma. As formas dispostas da terra revolta me lembravam os tempos na Comisso Construtora da Nova Capital.

    Sim, era a praa principal da cidade, onde ficariam as secretarias de Estado. Estvamos encarregados de superar o pouco tempo que nos

    restava. Era preciso construir a Cidade de Minas no prazo imposto pela lei: em quatro anos! Mas estes so assuntos que prefiro nem recor-

    dar.

    Novamente, e de um outro ngulo, aquela lona se projetava no vento, deixando transparecer um busto. Ento era isso! Tratava-se

    de uma esttua! No pude resistir, aproximei-me e, lentamente, comecei a despi-la. Sua grande cabea mostrava uma nuca e cabelos ondu-

    lados. Tomei bastante coragem e me dirigi at a frente da esttua. No perfil j divisava um semblante conhecido. No era possvel?!... S

    frente a frente que acreditei no que via: a imagem de Sua Alteza, o Imperador D. Pedro II! No consegui segurar meu riso nervoso, que

    contrastava com a expresso serena daquele rosto de pedra. Em que tempo estaria eu? E a repblica que construramos e reconstruramos?

    Nunca vingaria nesta terra? Era preciso, mais do que nunca, olhar por sobre os tapumes.

    Todos sabem que nunca fui alto. Tentei me agarrar sua borda, mas as tentativas foram inteis. Estava disposto agora a procurar, de

    qualquer maneira, uma sada. Uma viso l de fora. Exausto de tanto percorrer os tapumes, metro a metro, sentei em uma de suas esqui-

    nas. Dei uma olhada panormica para dentro daquele cercado e notei que a presena humana ainda pululava naquelas paragens, apesar de

    desrticas naquele momento.

    O cansao talvez me impedisse de reconhecer imediatamente, mas o que via, realmente, era uma escada bem no meio daqueles prx-

    imos duzentos metros. Cada passo que eu dava confirmava a suspeita: era uma escada. Como que me convidando a subir e saltar o muro de

    madeira. Subi lentamente. Mal sabia o que me aguardava.

    A imagem ntida do Palcio Presidencial, com a fachada do Conde de Santa Marinha, foi meu primeiro assombro. Olhei novamente, e

    suas linhas encheram meus olhos d'gua. Estranhas eram as grades que o cercavam, mas suas linhas eram insuperveis.

    Desci alguns degraus, como para recordar a ltima vez que tive esse projeto em minhas mos. Pena que tais circunstncias me

    obriguem a lembrar que, 'se a politicagem quer entrar na Comisso, tempo de eu sair', epteto que ficou famoso quando preferi o anoni-

    mato e a solido do criador mcula dos acordos dos homens pblicos.

    Era necessrio subir novamente os degraus.

    Quando resolvi rever aquela grande construo, quanto susto: em seu lugar erguia-se agora um prdio sinuoso, de linhas arredon-

    dadas, indicando mostrando[?][a palavra no est muito bem empregada, mas no tenho sugesto] como uma casa sobre a outra, at o

    infinito. Era altssimo. Meu corao saltava boca. Desci e subi vrias vezes.

    Em um intervalo de descanso, tentei refletir sobre o que se passava, o que era aquilo?! Sempre, nessas ocasies, desde que adorme-

    ci, chegava concluso de que tudo no passava de um sonho. Pena que isso no me confortasse mais.

    Resolvi empreender mais uma subida. O que vi no tem palavras. Em lugar do Palcio Presidencial, que tinha cedido espao para

    uma pilha de linhas sinuosas, surgia um edifcio relativamente pequeno, embora totalmente desconexo, de mil formas variadas, com linhas,

    retas, curvas ao sabor do vento. Construdo com uma miscelnea de materiais, era uma tal aventura arquitetnica, que meus sentidos por

    pouco no me abandonaram.

    Olhei trs vezes seguidas e a cada vez surgia um outro edifcio, iguais aos que descrevi. Para um mundo que eu desejara ordenado

    e regular, era demais. No ousei pular o tapume. Desci as escadas para dentro daquele jardim e, procurando de onde tinha me levantado,

    escavei com as prprias mos o buraco e a escurido que eram o meu abrigo.

    Um Sonho para Aaro Reis

    Conto

    *Nasci no Par em meados do

    sculo passado e formei-me em

    engenharia civil. Realizei diversas

    obras at merecer a confiana do

    Presidente do Estado de Minas,

    o Dr. Afonso Pena, para escrever

    o relatrio no qual opinei pela

    mudana da capital para Vrzea

    do Maral, e no Belo Horizonte.

    Mesmo assim, aps a deciso

    soberana do Congresso Mineiro

    em 1893, fui escolhido para che-

    fiar a comisso construo da

    nova capital do Estado, que j

    teve o nome de Cidade de Minas.

    de Luiz Fernandes de Assis

    >>> 15

  • En

    trad

    a:

    1 k

    ilo

    de a

    lim

    en

    to n

    o

    pere

    cve

    l

    fluxo : art/mediawww.fluxoonline.com

  • >Galeria : Fotografia

    artista - Daniela Goulart www.danielagoulart.cjb.net