Fundação Iberê Camargo Promove Debate Internacional Sobre Curadoria

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Fundao Iber Camargo promove debate internacional sobre curadoriaEntre os convidados dos seminrios, est o francs Nicolas Bourriaud, autor de livros como "Esttica Relacional" e "Ps-Produo". Confira entrevistas com ele e outros participantesporFrancisco Dalcol30/09/2013 | 19h35

O francs Nicolas BourriaudFoto: Mikael Olsson / DivulgaoComea nesta tera-feira na Fundao Iber Camargo (FIC), em Porto Alegre, oSeminrio InternacionalA Curadoria do Sculo 21. At quinta-feira, o tema ser debatido, em encontros das 19h s 22h, por convidados brasileiros e estrangeiros com experincia reconhecida em museologia, curadoria e crtica de arte. Para participar, preciso se inscrever(leia mais abaixo).Nas ltimas dcadas, a atividade curatorial ganhou destaque no circuito artstico. Ao curador, cabe a tarefa de organizar exposies segundo critrios conceituais ou temticos, muitas vezes de carter autoral. Cabe curadoria tambm realizar a mediao das obras e dos artistas para o pblico, da a importncia da atividade para as instituies artsticas.Entre os convidados do seminrio, est o francs Nicolas Bourriaud, diretor da Escola Nacional Superior de Belas Artes de Paris e terico reconhecido por livros comoEsttica Relacional(1998) ePs-Produo(2004). A seguir, confira a programao do evento e entrevistas com quatro dos participantes, que responderam s mesmas questes por e-mail.Tera-feira> Curadoria e Direo: Reconfigurao e Equilbrio de Papis Com Alberto Salvadori, do Museo Marino Marini (Florena), e Teixeira Coelho (Masp). Mediao do francs Jacques Leenhardt.Quarta-feira> Curadoria e Pblico: Construo de Sentidos e Audincias para a Arte Com Michael Asbury, curador e professor atuante na Inglaterra, e Cristiana Tejo, curadora do Espao Fonte Centro de Investigao em Arte e Convivialidade, de Recife. Mediao de Camila Monteiro, do Projeto Educativo da Fundao Iber Camargo.Quinta-feira> Curadoria e Artistas: Trnsitos, Trocas e Fronteiras Com Nicolas Bourriaud, diretor da Escola Nacional Superior de Belas Artes de Paris, e Fernando Cocchiarale, crtico e professor da PUC-Rio. Mediao de Icleia Borsa Cattani, crtica e professora do Instituto de Artes da UFRGS.Para participar> De hoje a quinta-feira, das 19h s 22h, na Fundao Iber Camargo (Av. Padre Cacique, 2.000), em Porto Alegre.> Inscries a R$ 20. Informaes pelo telefone: (51) 3247-8000.> Haver traduo simultneaEntrevistasZero Hora Que conquistas a atividade do curador trouxe para o sistema das artes nas ltimas dcadas?Nicolas Bourriaud Curadoria sempre existiu, da mesma forma que a seleo e a escolha no podem ser separadas da criao artstica. No passado, colecionadores, galeristas e diretores de museus assumiam essa funo. Apenas as formas e os procedimentos mudaram, em um ambiente cada vez mais saturado de informaes. O curador um viajante, processa informaes e estabelece uma direo. De certa forma, duplica uma das caractersticas mais importantes do artista, sendo que eu chamo de "semionaut": um navegador (nautos) dentro de um campo de sinais (semio). Nosso trabalho consiste, principalmente, na gerao de sentido, em primeiro lugar atravs da justaposio de obras de arte dentro de uma exposio, e tambm atravs da leitura da situao ou a inveno de novas "percepes" (quero dizer, modos de ver).Michael Asbury A figura do curador (independente), como entendemos hoje em dia, algo muito recente. No sei se podemos considerar a emergncia desta figura como um avano necessariamente, embora seja possvel ressaltar vrios exemplos positivos, ou mesmo exposies, que, apesar de serem altamente problemticas, foram importantes no sentido de apresentarem novos aspectos dentro da avaliao do que seria a arte contempornea. A figura do curador, no sentido que entendemos hoje, me parece ter substitudo a figura do crtico de arte. Isto , aquele crtico que se filia a um grupo de artistas, normalmente vivendo ou trabalhando nos arredores do prprio crtico, na mesma cidade, por exemplo. Este crtico que se torna porta voz do grupo no existe mais, ou muito raro. O curador no apenas substitui o crtico no sentido da funo, do escrever ao expor, ele ou ela substitui o crtico em termos do investimento com o grupo local de artistas. O curador, em comparao ao crtico, uma figura muito mais nmade, indo de um lado para o outro, descobrindo novos artistas, justapondo-os com outros mais conhecidos etc. So funes muito distintas, portanto: o crtico que se filia, que segue a trajetria de um grupo ou grupos, que se aprofunda nas repercusses deste desenvolvimento; enquantoh o curador quetrabalha o momento. A sucesso destes momentos acaba sendo algo efmero, a no ser nos poucos casos em que a exposio realmente acaba marcando um momento decisivo historicamente. No h, portanto, avano, mas, sim, uma mudana de ritmo, a chegada de uma certa efemerilidade cultural.Cristiana Tejo Eu creio que no foram bem conquistas, mas a atuao e a expanso da presena do curador sintoma de mudanas no sistema das artes. Desde a autonomizao do campo da arte, no sculo 19, h um ntido processo de complexificao das redes de interdependncia dos agentes que conferem significado s prticas artsticas e que legitimam os artistas. No entanto, o fim da crena na autonomia da obra de arte significou o transbordamento semntico da arte e uma condio praticamente relacional com o contexto e as vizinhanas. Talvez seja por isso que o curador saiu dos bastidores do museu, onde lidava com a preservao e a integridade fsica das obras, e passou a zelar pela integridade conceitual das obras. Alm disso, no podemos ignorar que a histria da arte no sculo 20 est completamente imbricada com a histria das exposies, locus de legitimao e de embate entre vises sobre a arte. A expanso dos museus e das bienais pelo mundo ampliou a importncia deste agente articulador e orquestrador, um hbrido de crtico de arte, fazedor de exposies, diplomata, psicanalista, historiador da arte, produtor etc.Teixeira Coelho No creio que a palavra "conquista" se aplique de todo a este contexto. O que houve foi uma mudana no modo pelo qual uma grande exposio coletiva se organiza. Se tomada como exemplo a Bienal de So Paulo, num primeiro momento os artistas eram convidados a enviar obras para seleo. Depois de algum tempo, e em primeiro lugar, esse processo se revelou invivel: passou a haver um nmero alto de artistas e muita arte talvez arte demais... E nem tudo que chegava por meio de um edital, como se diz hoje, demonstrava uma qualidade mnima que merecesse uma apreciao. A logstica passou a ser complicado, o gargalo era estreito demais para muita demanda. Segundo, a maior especializao dos profissionais da reflexo sobre a arte (historiadores, crticos, conservadores etc.), aliada ao crescimento do nmero desses mesmos profissionais, deu origem a uma sofisticao maior no modo de considerar uma arte cada vez mais variada e cada vez mais sofisticada ela mesma. O historiador da arte, a quem de incio se convidava para organizar uma exposio coletiva como a bienal, passou a dispor a mostra que queria fazer de acordo com as linguagens (pintura, gravura etc. e pintura abstrata, pintura figurativa etc.) que interessava mostrar e a escolher, no universo amplo das disponibilidades, as obras que queria mostrar. Mais informao, melhores sistemas de tratamento da informao, mais especializao, maior quantidade de obras, maior quantidade de artistas: tudo isso fez surgir a figura atual do curador, cuja funo definir as linhas gerais do que interessa mostrar e, em seguida, escolher o que, a seu ver, merece ser mostrado. A figura do curador no uma conquista (tenho certeza que muitos artistas concordam com isso...); uma adaptao.ZH Quais so os desafios para os curadores no sculo 21?Bourriaud Perpetuar essa atitude(ele se refere resposta da primeira pergunta) certamente o principal desafio, pois significa ir contra as certezas do mercado de arte. Colecionadores parecem liderar o caminho de hoje, e muitas pessoas pensam que a etiqueta de preo um critrio de valor. Temos que manter um nvel de compreenso de arteque no apenas um belo objeto. Obras podem ser consideradas como cavalos de tria que trazem caos e pensamento radical. Eu poderia responder: precisamos falar mais alto?Asbury Eu acho que a prpria democratizao da figura do curador o grande "challenge". No portanto o objeto de estudo e trabalho do curador, mas a prpria profisso que me parece precisar se ampliar, se diversificar.Cristiana Eu acho que h desafios gerais para o campo da curadoria e desafios mais especficos de acordo com contextos locais. De uma forma mais abrangente, acho que um dos tpicos que se impe a no burocratizao do olhar. Somos atravessados por tantas informaes, possibilidades e contextos e so tantos os eventos que envolvem arte atualmente que a tendncia nos fecharmos no que j conhecemos, quase como uma atitude inconsciente de proteger a nossa sensibilidade. O crebro humano parece sentir-se atacado por tantos dados novos que desliga a capacidade de absoro, e ater-se ao familiar uma maneira de proteo. Desnaturalizar crenas e buscar uma maior abertura para o que se apresenta importante para no engessar a percepo e no deixar passar gestos e atitudes potentes que no se encaixam nos formatos mais recorrentes na linguagem da arte contempornea internacional. Outro desafio no nos deixarmos atingir por uma histeria em torno do formalismo curatorial, em que o formato das exposies tem protagonismo em detrimento a um pensamento sobre arte. Grandes exposies so aquelas que mudam nossa forma de pensar sobre arte e em perceb-la sem que necessariamente haja pirotecnia cnica. Eu elencaria ainda outro desafio: o de equilibrar o tempo da reflexo com o ritmo frentico do mundo da arte atual. No que concerne aos desafios localizados, creio que um deles seria conter um certo deslumbre com relao aos holofotes especulativos que so jogados de tempos em tempos em regies geogrficas. Neste momento, o Brasil est em evidncia, e a presena de artistas brasileiros nas mais variadas instncias (mercadolgica e institucional) merecida e foi muito ansiada pelo meio local. Basta darmos uma olhada nos livros e simpsios que ocorreram nos anos 1990 para notar a reivindicao feita por pensadores e curadores latino americanos, africanos e asiticos com relao quase invisibilidade de nossas produes nos grandes centros de arte. Entretanto, temos que pensar em como manter esta posio de visibilidade para no sermos meteoros. Minha ateno recai em especial fragilidade institucional brasileira e imensa dificuldade de se estabelecer polticas culturais de estado e no de governo. A falta de estabilidade institucional fragiliza a possibilidade de composio de acervos pblicos com obras de artistas brasileiros que esto fazendo parte de acervos internacionais. O ideal seria haver a presena de artistas em acervos estrangeiros e brasileiros. Como os curadores podem ajudar nesta questo? No sei se podemos fazer tanto quando no h um real interesse poltico de se fazer algo consistente em termos de projetos institucionais. Talvez uma possibilidade de postura para os curadores seja continuar a desenvolver pesquisas sobre artistas no muito em evidncia e que possam ampliar o nosso entendimento sobre arte brasileira, alm do que lanado pelo olhar internacional. No sei.Coelho Aqueles que j enumerei acima: uma quantidade crescente de artistas e de obras de arte; o aparecimento de quase tantas tendncias quantos so os artistas; o esgotamento das categorias que antes orientavam comodamente a reflexo sobre a arte (por exemplo, pintura, abstracionismo ou conceitualismo); a multiplicao dos locais de exposio e a proliferao das grandes exposies; a necessidade de sempre encontrar um tema ou ttulo original em que ningum nunca antes pensou (para acabar mostrando a mesma arte que pode ser mostrada sob outro ttulo e tema - ou quase); o custo cada vez maior para expor arte; a dificuldade de definir bases adequadas de avaliao da obra de arte (um problema srio, uma vez que a arte hoje est essencialmente baseada na negao da possibilidade da crtica de arte; os curadores contornam essa dificuldade armando narrativas, sem o exerccio agudo da crtica que fica para o crtico universitrio e os jornalistas culturais, ainda independentes...).ZH Ao exercer uma atividade dentro de quadros institucionais, trabalhandoem museus e centros culturais, os curadores conseguem desenvolver e manter uma atuao crtica?Bourriaud Eu tendo a pensar que se pode desenvolver um trabalho crtico onde quer que o curador esteja. Apenas os parmetros mudam, mas a criticidade uma atitude, no um discurso pr-existente. Curadores devem mesmo reexaminar a criticidade, algo que est sempre em perigo de ser reificado, congelado em gestos convencionais. Ferrugem nunca dorme, e a radicalidade tem que ser constantemente reinventada.Asbury O trabalho crtico e possvel em qualquer enquadramento. O projeto crtico no precisa ser visto apenas em termos de expanso de pblicos etc. A prpria histria da arte no Brasil ainda est muito consensual. H um campo imenso para se trabalhar neste sentido. E, neste caso, os museus e as instituies deveriam estar, e algumas de fato j esto no cerne deste projeto.Cristiana Depende muito da instituio e da autonomia que o curador tem. H casos e casos. Mas, em geral, possvel, de dentro da instituio, alterar prticas, entendimentos sobre a arte ou condies de se lidar com o artista, o pblico e as obras. Muitas vezes, o curador tem que agir como um vrus que se infiltra e dissemina novos pensamentos acerca da arte, gerando mudanas de perspectiva. Entretanto, h limites. Nenhum emprego ou posio institucional podem ser mais importantes do que a tica do curador e sua lealdade para com os artistas e o pblico.Coelho Se o curador no mantiver essa atuao crtica, no serve para muita coisa apesar do que eu disse acima a respeito da dificuldade de exercer-se essa crtica. A simples escolha do que ser mostrada j inclui uma crtica. Mas o curador de um museu nunca uma figura independente como o o critico universitrio. Outro aspecto que dificulta a atividade crtica do curador, e que um problema do sistema da arte como um todo, a tendncia de fazer do curador a atrao central de uma exposio. Diretores e patronos de bienais desfilam com seus curadores a tiracolo e todos, sobretudo a imprensa, esperam do curador a grande revelao. O que se deveria esperar seria a grande arte. Acredita-se que o curador aquele capaz de enxergar no meio da floresta escura da arte proliferada de hoje. Por vezes, porm, o curador obscurece ainda mais o cenrio.