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Capıtulo 8
Gases e lıquidos
8.1 Sistemas classicos
Forcas intermoleculares
Ate aqui estudamos apenas sistemas cuja interacao entre unidades con-stituintes podiam ser desprezadas. De agora em diante, vamos examinarsistemas cujas unidades constituintes interagem entre si. Neste capıtulo ex-aminamos apenas sistemas classicos de moleculas que interagem entre si pormeio de forcas conservativas. A forca entre moleculas e considerada atrativaquando as moleculas nao estao proximas e se anula a grandes distancias.Essa propriedade garante que o sistema sera um gas se a densidade forsuficientemente pequena. Entretanto, devido a interacao, mesmo pequena,havera o aparecimento de propriedades termodinamicas distintas daquelascorrespondentes a um gas ideal. A curtas distancias e razoavel supor quea forca seja repulsiva. Se a densidade aumentar, a distancia media entremoleculas cresce e ha a possibilidade de o sistema se tornar um lıquido oumesmo um solido. Dessa forma, um sistema descrito por forcas desse tipo,isto e, forcas repulsivas a curtas distancias e atrativas a distancias maioresmas que se anulam no limite de grandes distancias, podera ser um gas, umlıquido ou um solido.
Admitimos que a energia potencial φ(r) entre duas moleculas dependeapenas da distancia r entre elas e descreve forcas repulsivas a curtas distanciase atrativas a longas distancias. Potenciais que dependem somente da distanciaentre moleculas sao apropriadas para a descricao de gases formado pormoleculas monoatomicas como e o caso dos gases nobres. Se as moleculas
131
132 8 Gases e lıquidos
nao forem monoatomicas a descricao pode ser adequada desde que a moleculaseja aproximadamente esferica. Como a forca f = −dφ/dr entre duasmoleculas deve se anular quando r → ∞ entao dφ/dr → 0 nesse limite.Um potencial φ com essas propriedades e mostrado na figura 8.1. Ado-tamos φ = 0 quando r → ∞, como se ve na figura 8.1. Um potencialque descreve adequadamente a interacao entre moleculas de um gas e opotencial de Lennard-Jones
φLJ(r) = 4ε
[(σr
)12−(σr
)6](8.1)
que possui a forma mostrada na figura 8.1 e contem dois parametros: σ eε. O mınimo do potencial de Lennard-Jones ocorre em 21/6σ e vale −ε.
Experimentalmente, verifica-se que a relacao entre a pressao p e a densi-dade ρ dos gases se desvia do comportamento dado pela equacao dos gasesideais p = kBTρ, em que kB e a constante de Boltzmann e T a temper-atura absoluta. Tendo em vista que a pressao dos gases depende apenas dadensidade e da temperatura, podemos imaginar um desenvolvimento de pem potencias de ρ, isto e,
p = kBT (ρ+B2ρ2 +B3ρ
3 + . . .) (8.2)
que e denominada expansao virial. O coeficiente Bn e denominado n-esimocoeficiente virial e depende apenas da temperatura. Um gas ideal possuios coeficientes viriais B2, B3, . . . nulos. O segundo coeficiente e particu-larmente importante porque ele corresponde a parcela dominante na ex-pansao depois da parcela correspondente ao comportamento de gas ideal.Mais adiante veremos como o segundo coeficiente virial e os outros coefi-cientes podem ser obtidos a partir da energia potencial de interacao entreas moleculas.
Representacao canonica
Consideramos um sistema de N moleculas confinadas num recipiente devolume V a temperatura T . As posicoes das moleculas sao denotadas por~r1, ~r2, . . . , ~rN e representadas coletivamente pela variavel vetorial q, e asquantidades de movimento por ~p1, ~p2, . . . , ~pN , representadas coletivamentepela variavel vetorial p. A hamiltoniana do sistema e dada por
H(q, p) = E (p) + V (q) (8.3)
8.1 Sistemas classicos 133
r
φ
0
0
Figura 8.1: Energia potencial φ(r) entre moleculas de um gas ou lıquido comofuncao da distancia r entre moleculas. A curtas distancias (r < r0), o potenciale repulsivo, a longas distancias (r > r0), ela e atrativa. A forca se anula quandor →∞.
em que E e a energia cinetica total
E =∑i
p 2i
2m(8.4)
em que m e a massa das moleculas e pi = |~p|, e V e a energia potencialtotal
V =∑i<j
φ(rij) (8.5)
em que rij = |~ri − ~rj |.A distribuicao de probabilidades canonica P (q, p) e dada por
P (q, p) =1
Z∗e−βH(q,p) (8.6)
em que q denota coletivamente as posicoes e p as quantidades de movimento,e Z∗ e a integral
Z∗ =
∫e−βHdqdp (8.7)
Estamos ainda usando a notacao abreviada dq = d3r1d3r2 . . . d
3rN e dp =d3p1d
3p2 . . . d3pN . Vale notar que as integrais nas posicoes se estendem
sobre a regiao de confinamento das partıculas, de volume V .
134 8 Gases e lıquidos
Tendo em vista que a hamiltoniana e separavel, isto e, a hamiltonianaH(q, p) = E (p) + V (q) e a soma de duas parcelas tais que E (p) depende dep mas nao de q e V depende de q mas nao de p, entao podemos dizer que asvariaveis q e p sao estatisticamente independentes, e que suas distribuicoesde probabilidades sao proporcionais a
e−βV (q) e e−βE (p) (8.8)
respectivamente. Como a quantidade de movimento ~pi = m~vi e propor-cional a velocidade ~vi = (vxi, vyi, vzi) entao a distribuicao de probabilidadesdas velocidades e proporcional a
exp{− β
2m
∑i
(v2xi + v2yi + v2zi)} (8.9)
que e a distribuicao de velocidades de Maxwell. A partir dessa distribuicaode probabilidades segue-se que a energia cinetica media 〈E 〉 vale
〈E 〉 =3
2NkBT (8.10)
Integral de configuracao
As propriedades termodinamicas sao obtidas atraves da funcao de particaocanonica Z dada por
Z =1
N !h3N
∫e−βHdqdp (8.11)
em que h e a constant de Planck e β = 1/kBT . ComoH(q, p) = E (q)+V (p)e separavel e possıvel escrever Z como o produto
Z =Q
N !h3N
∫e−βE dp (8.12)
em que Q e a integral
Q =
∫e−β V dq (8.13)
A integrais em p se fatorizam em 3N integrais gaussianas do tipo∫ ∞−∞
e−βp2x/2mdpx =
(2πm
β
)1/2
(8.14)
8.1 Sistemas classicos 135
o que nos leva ao seguinte resultado para a funcao de particao canonica
Z =1
N !h3N
(2πm
β
)3N/2
Q (8.15)
que escrevemos na forma
Z =Q
N !λ3N(8.16)
em que
λ =
(h2β
2πm
)1/2
(8.17)
e o comprimento de onda termico.A energia livre de Helmholtz F , a energia interna U e a pressao p =
−∂F/∂V sao obtidas a partir da funcao de particao Z por meio das formulas
F = −kT lnZ (8.18)
U = − ∂
∂βlnZ (8.19)
e
p = kBT∂
∂VlnZ (8.20)
Usando o resultado (8.15), obtemos
U =3
2NkBT −
∂
∂βlnQ (8.21)
Por outro lado, a energia media U = 〈H〉 = 〈E 〉+ 〈V 〉 e dada por
U =3
2NkBT + 〈V 〉 (8.22)
em que 〈V 〉 e a energia potencial media. As equacoes (8.21) e (8.22) nosmostram que a energia potencial media se obtem da integral Q por meiode
〈V 〉 = − ∂
∂βlnQ (8.23)
Para a pressao obtemos a formula
p = kBT∂
∂VlnQ (8.24)
Vemos pois que a determinacao das propriedades termodinamicas de umsistema classico se reduz a determinacao da integral configuracional Q, queesta relacionada com a parte da hamiltoniana correspondente a energiapotencial.
136 8 Gases e lıquidos
Virial de Clausius
Vamos mostrar aqui que a pressao de um sistema de moleculas interagentespode ser determinado a partir da media de uma funcao de estado denom-inada virial de Clausius. Vimos que a pressao p e determinada por meiode (8.20) a partir da funcao de particao Z, dada por (8.15). Utilizando aseguinte transformacao canonica, ~Ri = ~ri/L e ~Pi = L~pi, em que L = V 1/3,a hamiltoniana (8.3) se converte na hamiltoniana
H ′ = 1
L2
∑i
P 2i
2m+∑i<j
φ(LRij) (8.25)
em que Rij = |~Ri − ~Rj | e a integral (8.7) se torna
Z∗ =
∫e−βH
′dQdP (8.26)
em que levamos em conta que o jacobiano da transformacao e igual aunidade. Estamos usando a notacao abreviada dQ = d3R1d
3R2 . . . d3RN
e dP = d3P1d3P2 . . . d
3PN . E importante notar que as integrais em ~Ri seestendem sobre uma regiao de volume unitario.
Para obter a derivada de Z∗ relativamente ao volume V levamos emconta que H ′ depende parametricamente de V . Efetuando a derivada,obtemos o resultado
∂Z∗
∂V= β
∫∂H ′
∂Ve−βH
′dQdP (8.27)
Dividindo ambos os membros por Z∗, levando em conta que ∂Z/∂V =∂Z∗/∂V , e utilizando os resultados (8.18) e (8.20), alcancamos a seguinteexpressao para a pressao
p = −∂F∂V
= −〈∂H′
∂V〉 (8.28)
O resultado (8.28) nos mostra que p e a media da pressao instantaneap∗ = −∂H ′/∂V . Para determinar explicitamente uma expressao para p∗,derivamos (8.25) relativamente ao volume. Lembrando que L = V 1/3,obtemos
∂H ′
∂V=
L
3V
− 2
L3
∑i
P 2i
2m+∑i<j
Rijφ′(LRij)
(8.29)
8.2 Gases reais 137
ou, retornando as variaveis originais,
∂H∂V
= − 2
3V
∑i
p 2i
2m+
1
3V
∑i<j
rijφ′(rij) (8.30)
A pressao instantanea vale portanto
p∗ =2
3VE +
1
3VW (8.31)
em que E e a energia cinetica total e W e virial de Clausius, definido por
W =∑i<j
rijf(rij) (8.32)
em que f(r) = −dφ(r)/dr e a forca entre moleculas. A pressao p propria-mente dita e a media de p∗, isto e
p =2
3V〈E 〉+
1
3V〈W 〉 (8.33)
Como 〈E 〉 = (3/2)NkBT entao
p =NkBT
V+
1
3V〈W 〉 (8.34)
8.2 Gases reais
Segundo coeficiente virial
A seguir vamos obter a primeira correcao a equacao dos gases. Ate termosde ordem quadratica na densidade ρ, a expansao virial e dada por
p
kBT= ρ+B2ρ
2 (8.35)
em que B2 e o segundo coeficiente virial. Para determinar B2 procedemoscomo segue.
Substituindo a expressao (8.5) no resultado (8.22), a energia media Upode ser escrita como
U =3
2NkBT +
N2
2〈φ(rij)〉 (8.36)
138 8 Gases e lıquidos
em que levamos em conta que o numero de parcelas em (8.5) e N(N−1)/2,que aproximamos por N2/2 pois N e grande. Analogamente, substituımos(8.32) em (8.34) para obter a pressao p como
p =N
VkBT +
N2
3V〈w(rij)〉 (8.37)
em que w(rij) = −rijφ ′(rij).As medias devem ser calculadas utilizando a distribuicao canonica dada
por (8.13). Entretanto, vamos utilizar aqui uma aproximacao tal que asmedias sao calculadas por
〈φ〉 =1
q
∫φ(r)e−βφ(r)d3r (8.38)
〈w〉 =1
q
∫w(r)e−βφ(r)d3r (8.39)
em que
q =
∫e−βφ(r)d3r (8.40)
e as integrais se estendem sobre a regiao de confinamento das moleculas. Epreciso notar agora que a integral q e aproximadamente igual V pois seuintegrando e aproximadamente igual a unidade.
Substituindo esses resultados em (8.36) e (8.37), a energia media pormolecula u e a pressao se tornam
u =3
2kBT +
ρ
2
∫φ(r)e−βφ(r)d3r (8.41)
e
p = ρkBT +ρ2
6
∫w(r)e−βφ(r)d3r (8.42)
em que ρ = N/V . Comparando com a expansao virial (8.35) vemos que osegundo coeficiente virial B2 vale
B2 =β
6
∫w(r)e−βφ(r)d3r (8.43)
Como w(r) = −rφ ′(r) e integrando por parte alcancamos a seguinte formulapara o segundo coeficiene virial
B2 =1
2
∫{1− e−βφ(r)}d3r (8.44)
8.2 Gases reais 139
-0.5 0 0.5 1 1.5 2
log (kBT/ ε)
-4
-3
-2
-1
0
1
B2 /
b
Figura 8.2: Segundo coeficiente virial B2 como funcao da temperatura T para opotencial de Lennard-Jones, em que b = (2/3)πσ3.
A figura 8.2 mostra o grafico de B2 versus T para o potencial de Lennard-Jones.
Utilizando o resultado
dB2
dT= − 1
2kBT 2
∫φ(r)e−βφ(r)d3r (8.45)
vemos queu
kBT=
3
2− ρ T dB2
dT(8.46)
valido ate termos de ordem linear em ρ.
Gas de esferas duras
O modelo mais simples que se pode imaginar para um gas interagente eaquele em que as moleculas sao consideradas como sendo esferas duras.Isso significa que a interacao entre elas ocorre apenas quando elas colidementre si e com as parede do recipiente. Denotando por r a distancia entreos centros de duas esferas e por σ o diametro das esferas, entao, podemosdizer que a energia de interacao φ(r) e dada formalmente por
φ(r) =
{∞ r < σ0 r ≥ σ (8.47)
140 8 Gases e lıquidos
O segundo coeficiente virial B2, calculado a partir de (8.44), vale portanto
B2 =2
3πσ3 = b (8.48)
e e igual a quatro vezes o volume de uma esfera dura. Veremos maisadiante que o n-esimo coeficiente virial e proporcional a bn−1 e que, comexcecao do segundo coeficiente, o coeficiente de proporcionalidade nao eigual a unidade. Entretanto, se admitirmos como uma aproximacao que ocoeficiente de proporcionalidade seja igual a 1, isto e, se admitirmos comouma aproximacao que Bn = bn−1, entao alcancamos o seguinte resultadoaproximado para a pressao de um gas de esferas duras
p = kBT (ρ+ bρ2 + b2ρ3 + . . .) =kBTρ
1− bρ(8.49)
ou
p =kBT
v − b(8.50)
tendo em vista que ρ = 1/v.Para escrever a integral de configuracao Q para esferas duras e conve-
niente definir a funcao S(r) = exp{−βφ(r)} que, para o potencial (8.47),vale
S(r) =
{0 r < σ1 r ≥ σ (8.51)
A integral de configuracao se escreve como
Q =
∫ ∏i<j
S(rij)d3r1d
3r2 . . . d3rN (8.52)
Um resultado aproximado para essa integral e
Q = (V −Nb)N (8.53)
a partir do qual se obtem diretamente a equacao de estado (8.50) pelo usoda formula (8.24) para o calculo da pressao. Os resultados (8.50) e (8.53)sao portanto consistentes embora sejam aproximados.
Em seguida veremos que o analogo do resultado (8.53) para um sistemaunidimensional de esferas duras de diametro σ, ou mais propriamente, umgas unidimensional de bastoes duros de comprimento σ, e um resultado
8.2 Gases reais 141
exato. Para demonstrar essa afirmacao comecamos por calcular a integralde configuracao Q para um gas de bastoes duros localizados ao longo deum segmento de comprimento L, que e dada por
Q =
∫ ∏i<j
S(|xi − xj |)dx1dx2 . . . dxN (8.54)
em que S(x) = 1 se x ≥ σ e S(x) = 0 se x < σ. A integral (8.54) pode serescrita como a soma de varias integrais, cada uma sobre uma determindaregiao do espaco (x1, x2, . . . , xN ). Uma delas, dada por
Q∗ =
∫S(|x1 − x2|)S(|x2 − x3|) . . . S(|xN−1 − xN |)dx1dx2 . . . dxN (8.55)
se estende sobre a regiao tal que 0 ≤ x1 ≤ x2 ≤ . . . ≤ xN . As outrasintegrais se estendem sobre reigoes que sao obtidas por permutacao dasvariaveis xi. Como todas as integrais sao iguais entre si e como existem N !permutacoes, entao Q = N !Q∗.
A integral (8.55) pode ser escrita como
Q∗ =
∫ L−σ
(N−1)σdxN . . .
∫ x4−σ
2σdx3
∫ x3−σ
σdx2
∫ x2−σ
0dx1 (8.56)
Fazendo a mudanca de variaveis yn = xn − (n − 1)σ, a integral se escrevecomo
Q∗ =
∫ L−Nσ
0dyN . . .
∫ y4
0dy3
∫ y3
0dy2
∫ y2
0dy1 (8.57)
Efetuando a integral, obtemos
Q∗ =(L−Nσ)N
N !(8.58)
e portanto
Q = (L−Nσ)N (8.59)
que e analoga a equacao (8.53).
Para um gas unidimensional, a equacao analoga a equacao (8.24) e
F = kBT∂
∂LlnQ (8.60)
142 8 Gases e lıquidos
em que F e a forca exercida pelos bastoes. Usando (8.59), obtemos o resul-tado
F =NkBT
L−Nσ=
kBT
`− σ(8.61)
em que ` = L/N , que e analoga a equacao (8.50) para um gas de bastoesduros.
Equacao de van der Waals
A equacao de van der Waals(p+
a
v2
)(v − b) = kT (8.62)
onde v = V/N e o volume por molecula, descreve qualitativamente aspropriedades de gases reais. Ela foi introduzida por van der Waals e levaem conta a atracao entre as moleculas, atraves do termo a/v2, e a repulsaoentre elas, atraves do termo b. Ela e capaz ainda de descrever a transicaode fase lıquido-vapor e o ponto crıtico, que e o ponto terminal da linha detransicao lıquido-vapor.
Vamos aqui fazer uma deducao aproximada da equacao de van derWaals. Para isso imaginamos que a interacao entre as moleculas seja com-posta de uma parte repulsiva do tipo caroco duro e uma parte atrativa, quedenotamos por φa(r), como mostrado na figura 8.3. Assim,
φ(r) =
{∞ r < σ
φa(r) r ≥ σ (8.63)
Considere a integral de configuracao (8.13). Ela pode ser escrita como
Q =
∫exp{−β
∑i<j
φa(rij)}∏i<j
S(rij)d3r1d
3r2 . . . d3rN (8.64)
Em seguida fazemos uma aproximcao que consiste em substituir φa(r) porsua media. Definindo o parametro a por
a = −1
2
∫φa(r)d
3r (8.65)
a media de φa(r) e definida por∫φa(r)d
3r∫d3r
= −2a
V(8.66)
8.2 Gases reais 143
r
φ
0
0 σ
φa
Figura 8.3: Energia potencial φ(r) entre esferas duras atrativas de diametro σcomo funcao da distancia r entre elas. A curtas distancias (r < σ), o potencial einfinito, a longas distancias (r ≥ σ), ela e atrativa e vale φa(r).
Substituindo em (8.64), obtemos
Q = exp{βaN2/V }∫ ∏
i<j
S(rij)d3r1d
3r2 . . . d3rN (8.67)
em que levamos em conta que o numero de pares e N(N − 1)/2 que eaproximadamente igual a N2/2 pois N e muito maior do que 1.
A integral que se encontra em (8.67) identifica-se com a integral deconfiguracao (8.52) correspondente a um gas de esferas duras. Utilizandoa aproximacao (8.53) para essa integral, alcancamos o resultado
Q = (V −Nb)N exp{βaN2/V } (8.68)
ou ainda
lnQ = N ln(V −Nb) + βaN2
V(8.69)
A partir da formula (8.24) para o calculo da pressao, obtemos
p =NkBT
V −Nb− aN2
V 2(8.70)
ou
p =kBT
v − b− a
v2(8.71)
que e a equacao de van der Waals.
144 8 Gases e lıquidos
Podemos obter tambem a energia media U por intermedio de (8.21),dada por
U =3
2NkBT −
aN2
V(8.72)
ou
u =3
2kBT −
a
v(8.73)
e, diferentemente do que acontece com a energia interna de um gas ideal, de-pende do volume. O primeiro termo e devido a energia cinetica e o segundoe devido a energia potencial atrativa. Notar que o segundo coeficiente virialque se obtem da equacao de van der Waals e dada por
B2 = a− b
kT(8.74)
A partir de (8.18) e (8.16) e usando a formula de Stirling, vemos que aenergia livre de Helmholtz vale
F = −kBTN(
1 + lnV −Nbλ3N
+ βaN
V
)(8.75)
ou
f = −kBT(
1 + lnv − bλ3
)− a
v(8.76)
8.3 Funcao de correlacao
Funcao distribuicao radial
Vimos que a distribuicao de probabilidades relativa as posicoes ~r1, ~r2, ..., ~rNdas moleculas esta relacionada com a energia potencial total V (~r1, ~r2, . . . , ~rN )entre as moleculas e e dada por
P (~r1, ~r2, . . . , ~rN ) =1
Z∗exp{−βV (~r1, ~r2, . . . , ~rN )} (8.77)
em que Z∗ e um fator de normalizacao. A partir dessa distribuicao de prob-abilidades podemos obter distribuicoes marginais relativas a um grupo demoleculas. A distribuicao de probabilidades relativa a uma unica moleculae definida por
P1(~r′) =
∫P (~r ′, ~r2, . . . , ~rN )d3r2d
3r3 . . . d3rN (8.78)
8.3 Funcao de correlacao 145
Aquela relativa a duas moleculas e definida por
P2(~r1, ~r2) =
∫P (~r1, ~r2, ~r3, ~r4, . . . , ~rN )d3r3d
3r4 . . . d3rN (8.79)
Particularmente util na descricao dos estados de agregacao das moleculasde um gas ou de um lıquido sao as funcaos de correlacao h(~r1, ~r2) e a dis-tribuicao radial g(~r1, ~r2). Quando nao ha correlacao, a distribuicao depares P2(~r1, ~r2) se torna igual ao produto P1(~r1)P1(~r2) o que significa queas variaveis aleatorias ~r1 e ~r2 se tornam independentes. A diferenca entreessas grandezas pode ser adotada como uma medida da correlacao entreduas moleculas. Mais precidamente, definimos a funcao de correlacao pormeio de
P2(~r1, ~r2)− P1(~r1)P1(~r2) = h(~r1, ~r2)P1(~r1)P1(~r2) (8.80)
Quando a distancia r = |~r1 − ~r2| entre as moleculas for muito grande acorrelacao entre as moleculas de gases e lıquidos, mas nao de solidos cristal-inos, deixa de existir. O lado esquerdo de (8.80) se anula e concluımos queh(~r1, ~r2)→ 0 quando r →∞, para gases e liquidos.
A funcao distribuicao radial e definida por
P2(~r1, ~r2) = P1(~r1)P1(~r2)g(~r1, ~r2) (8.81)
de modo queg(~r1, ~r2) = h(~r1, ~r2) + 1 (8.82)
e portanto g(~r1, ~r2)→ 1 quando r →∞.Para um sistema descrito pela energia potencial
V =∑i<j
φ(|~ri − ~rj |) (8.83)
em que φ(r), a energia potencial de interacao entre duas moleculas, sodepende da distancia r entre elas, a distribuicao de probabilidades corre-spondente a uma particula e constante e portanto vale
P1(~r1) =1
V(8.84)
em que V e o volume do recipiente que contem as moleculas. De fato,fazendo a mundaca de variaveis ~Ri = ~ri−~r1, i 6= 1, vemos que o integrandoda integral em (8.78) se torna independente de ~r1. Utilizando o mesmo
146 8 Gases e lıquidos
argumento podemos concluir que a distribuicao P2(~r1, ~r2) relativa a duasmoleculas depende apenas da diferenca ~r = ~r1 − ~r2. Alem disso, e facilver que essa distribuicao e invariante pela rotacao do vetor ~r o que nosleva a concluir que ela depende apenas de r = |~r|. Nesse caso a funcaodistribuicao radial tambem depende apenas de r de modo que
P2(r) =1
V 2g(r) (8.85)
A seguir mostramos que a energia e a pressao podem ser obtidos a partirda funcao distribuicao radial. As expressoes (8.36) e (8.37) nos permitemdeterminar a energia U e a pressao p a partir das medias
〈φ(rij)〉 =
∫φ(rij)P2(rij)d
3rid3rj (8.86)
e
〈w(rij)〉 =
∫w(rij)P2(rij)d
3rid3rj (8.87)
respectivamente. Usando a definicao da funcao distribuicao radial obtemos
〈φ(rij)〉 =1
V
∫φ(r)g(r)d3r (8.88)
e
〈w(rij)〉 =1
V
∫w(r)g(r)d3r (8.89)
Substituindo esses resultados em (8.36) e (8.37), alcancamos os resultados
U =3
2NkBT +
N2
V
1
2
∫φ(r)g(r)d3r (8.90)
p =N
VkBT +
N2
V 2
1
3
∫w(r)g(r)d3r (8.91)
em que w(r) = −rφ ′(r), formulas que permitem determinar U e p a partirda funcao distribuicao radial.
8.3 Funcao de correlacao 147
Fator de estrutura
A medida experimental da funcao de correlacao e feita por espalhamente deradiacao de comprimento de onda da ordem da distancia entre moleculas.De acordo com a teoria de espalhamento a intensidade da onda espalhadade vetor de onda ~k por uma amostra de um fluido e proporcional ao fatorde estrutura S(~k) definido por
S(~k) =1
N
∑j,`
〈ei~k·(~rj−~r`)〉 (8.92)
em que N e o numero de centros espalhadores, que escrevemos como
S(~k) = 1 +1
N
∑j 6=`〈ei~k·(~rj−~r`)〉 (8.93)
Como a media de cada parcela e indendente de j e `, e o numero de parcelascom j 6= ` e N(N − 1), que aproximamos por N2, podemos escrever
S(~k) = 1 +N〈ei~k·(~r1−~r2)〉 = 1 +N
∫ei~k·(~r1−~r2)P2(~r1, ~r2)d
3r1d3r2 (8.94)
Mas P2(~r1, ~r2) depende apenas de r = |~r1− ~r2| de modo que podemos usaro resultado (8.85), para alcancar o resultado
S(~k) = 1 + ρ
∫ei~k·~rg(r)d3r (8.95)
em que ρ = N/V . Vemos pois que o fator de estrutura esta relacionadadiretamente com a transformada de Fourier da funcao distribuicao radial.Podemos escrever ainda
S(~k) = 1 +4πρ
k
∫ ∞0
sin kr g(r)rdr (8.96)
Equacao de Born-Green-Yvon
A partir da definicao da probabilidade relativa a duas moleculas (8.79) eutilizando a distribuicao de probabilidades (8.77)
P2(r12) =1
Z∗
∫e−βV d3r3d
3r4 . . . d3rN (8.97)
148 8 Gases e lıquidos
em que V e a energia potencial total dada pela expressao (8.5)
V (~r1, ~r2, . . . , ~rN ) =∑i<j
φ(rij) (8.98)
sendo rij = |~ri − ~rj |. Derivando relativamente a ~r12 = ~r1 − ~r2
∂
∂~r12P2(r12) = − β
Z∗
∫∂
∂~r12[φ(r12) +
∑i 6=1,2
φ(r1i)]e−βV d3r3d
3r4 . . . d3rN
(8.99)ou
∂P2(r12)
∂~r12= −βP2(r12)
∂φ(r12)
∂~r12
− β
Z∗
∑i 6=1,2
∫∂φ(r1i)
∂~r12e−βV d3r3d
3r4 . . . d3rN (8.100)
ou ainda
∂P2(r12)
∂~r12= −βP2(r12)
∂φ(r12)
∂~r12− β(N − 2)
∫∂φ(r13)
∂~r12P3(~r12, ~r23)d
3r23
(8.101)em que
P3(~r12, ~r23) =1
Z∗
∫e−βV d3r4d
3r5 . . . d3rN (8.102)
e a distribuicao de probabilidade relativas a tres moleculas 3 ~r13 = ~r12+~r23.Definindo a probabilidade condicional
P3(~r23|~r12) =P3(~r12, ~r23)
P2(r12)(8.103)
que e a probabilidade de encontrar a molecula 3 estando as moleculas 1 e2 fixas, podemos escrever
∂
∂~r12lnP2(r12) = −β∂φ(r12)
∂~r12− β(N − 2)
∫∂φ(r13)
∂~r12P3(~r23|~r12)d3r23
(8.104)ou ainda
∂
∂~rlnP2(r) = −β∂φ(r)
∂~r− β(N − 2)
∫∂φ(~r + ~r ′)
∂~rP3(~r
′|~r)d3r ′ (8.105)
8.3 Funcao de correlacao 149
Potencial da forca media
A forca que age sobre uma determinada molecula, digamos a numero 1,devido a todas as outras moleculas e dada por
~f1 = −∂V
∂~r1(8.106)
Se fixarmos a posicao da molecula 1 e da molecula 2 a forca media vale
〈~f1〉 = −∫∂V
∂~r1
P (~r1, ~r2, . . . , ~rN )
P2(~r1, ~r2)d3r3 . . . d
3rN (8.107)
em que P/P2 e a probabilidade condicional. Utilizando a definicao (8.77)vemos que
∂
∂~r1P (~r1, ~r2, . . . , ~rN ) = −β∂V
∂~r1P (~r1, ~r2, . . . , ~rN ) (8.108)
Substituindo esse resultadona equacao anterior e levando em conta a definicao(8.79), obtemos
〈~f1〉12 =1
β
1
P2(~r1, ~r2)
∂
∂~r1P2(~r1, ~r2) =
1
β
∂
∂~r1lnP2(~r1, ~r2) (8.109)
Vemos portanto que a grandeza −(1/β) lnP2(~r1, ~r2) deve ser interpretadacomo o potencial da forca media 〈~f1〉.
Utilizando a relacao (8.85) entre P2(r) e a distribuicaos radial g(r),vemos que vemos que o potencial da forca media, que denotamos por ψ(r),esta relacionada com g(r) por meio de
ψ(r) = − 1
βln g(r) (8.110)
e portantog(r) = e−βψ(r) (8.111)
Para um gas a baixas densidades, o potencial da forca media ψ(r) coin-cide com o potencial de interacao φ(r) entre moleculas. Em geral, essasgrandezas sao distintas o que nos permite escrever o potencial da forcamedia como uma soma de duas parcelas
ψ(r) = φ(r) + ω(r) (8.112)
150 8 Gases e lıquidos
em que ω(r) e denominado potencial indireto. O potencial φ(r) representaa interacao direta entre moleculas enquanto ω(r) representa a interacao in-direta que leva em conta o efeito das outras moleculas. O efeito do potencialindireto pode ser apreciado se considerarmos um gas de esferas duras. Nessecaso, o potencial direto φ(r) e identicamente nula para r ≥ σ. Entretanto,no mesmo intervalo o potencial indireto ω e nao nulo.
Equacao de Ornstein-Zernike
A correlacao total h(r) e definida por
h(r) = g(r)− 1 (8.113)
e possui a propriedade h → 0 quando r → ∞. A sua transformada deFourier e dada por
h(k) =
∫h(r)ei
~k·~rd3r = 2π
∫h(r)eikr cos θr2 sin θdrdθ (8.114)
ou
h(k) = 4π
∫ ∞0
h(r)sin kr
krr2dr (8.115)
A correlacao direta c(r) e definida por meio da equacao de Ornstein-Zernike
h(r) = c(r) +
∫h(~r′)c(~r − ~r′)d3r′ (8.116)
A partir dessa equacao vemos que a transformada de Fourier A sua trans-formada de Fourier e dada por
c(k) =
∫c(r)ei
~k·~rd3r (8.117)
da correlacao direta esta relacionada com h(k) por meio de
h(k) = c(k) + h(k)c(k) (8.118)
ou seja
c(k) =h(k)
1 + h(k)(8.119)
8.3 Funcao de correlacao 151
O fator de estrutura S(k) e definido por
S(k) = 1 + h(k) (8.120)
de modo que
c(k) =S(k)− 1
S(k)= 1− 1
S(k)(8.121)
O fator de estrutura S(k) esta diretamente ligado a compressibilidadeξ = −(1/v)(∂v/∂p)T . Para ver isso utilizamos
Compressibilidade
A compressibilidade isotermica e definida por
κT = − 1
V
∂V
∂p(8.122)
Para determina-la consideramos a derivada ∂p/∂V . Vimos que a presssaop = −∂F/∂V pode ser calculada por
p = kBT∂
∂VlnZ∗ = kBT
1
Z∗∂Z∗
∂V(8.123)
em que Z∗ e dada por (8.26). Derivando essa expressao relativamente aovolume, obtemos
∂p
∂V= kBT
[1
Z∗∂2Z∗
∂V 2−(
1
Z∗∂Z∗
∂V
)2]
(8.124)
Utilizando os resultados (8.26) e (8.27), obtemos
∂p
∂V= kBTβ
2
[〈∂
2H ′
∂V 2〉 − 〈∂H
′
∂V〉2]
(8.125)
H ′ = 1
L2
∑i
P 2i
2m+∑i<j
φ(LRij) (8.126)
em que Rij = |~Ri − ~Rj | e a integral (8.7) se torna
Z∗ =
∫e−βH
′dQdP (8.127)
152 8 Gases e lıquidos
Ver p. 202 de Allen and Tildesley sobre virial. Ver tambem Zernikenesse mesmo livro e no livro de Hansen and McDonald.
Essa secao tem que ser refeito com base em Allen and Tildesley, Hansenand McDonald e Joseph O. Hirschfelder, Charles F. Curtis and R. ByronBird.
8.3 Funcao de correlacao 153
Exercicios
1. Determine o segundo coeficiente virial para ums sistema de esferas durasde diametro d. Faca o mesmo para o caso de um sistema bidimensional dediscos duros de diametro d e um sistema unidimensional de bastoes durosde comprimento d.
2. Suponha que para um sistema de esferas duras os coeficientes viriais Bnobedecam a relacao
Bn = Bn−1B2
para n = 3, 4, ... Ache uma expressao para pressao como funcao de T ev. (A relacao acima nao e correta para esferas duras nem para um sis-tema bidimensional de discos duros, mas pode ser considerada uma boaaproximacao. Entretanto, ela e correta para um sistema unidimensional debastoes duros.)
3. Mostrar que o segundo coeficiente virial para o potencial definido por
φ(r) =
εm 0 < r < a−ε a < r < b0 b < r
(8.128)
e dado por
B2 =2π
3a3(1− e−βεm)− 2π
3(b3 − a3)(eβε − 1) (8.129)
4. Determine o segundo coeficiente virial B2 para o potencial φ(r) dadopor
φ(r) = −(εm + ε)r
a+ εm
se r < a eφ(r) =
ε
b− a(r − b)
se r > a. Faca um grafico do potencial φ(r) e esboce um grafico de B2
contra a temperatura.
Referencias
Joseph O. Hirschfelder, Charles F. Curtis and R. Byron Bird, MolecularTheory of Gases and Liquids, John Wiley, New York, 1954.
154 8 Gases e lıquidos
R. K. Pathria, Statistical Mechanics, Amsterdam, Elsevier, 1972. Amster-dam, Elsevier, 1997. 2ed.
Jean Pierre Hansen and Ian R. McDonald, Theory of Simple Liquid, Lon-don, Academic Press, 1976.
M. P. Allen and D. J. Tildesley, Computer Simulation of Liquids, Oxford,Clarendon Press, 1987.
Franz Schwabl, Statistical Mechanics, Berlin, Springer, 2002.