Gauchos e Sertanejos REA 2009

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  • Gauchos e sertanejos: uma aproximao histrico - antropolgica

    comparao entre tipos sociais de regies perifricas a dois estados

    nacionais

    (Noroeste argentino - Nordeste brasileiro)

    Andrea Villagrn UNSa, Argentina

    [email protected]

    Ana Gretel Echaz Bschemeier

    [email protected]

    A abordagem comparativa proposta nesse trabalho visa compreender diferentes

    dinmicas e os processos sociais e lutas de fora implicados na construo de tipos

    sociais no marco da conformao dos Estados nacionais. A partir da prpria experincia

    de viagem e estncia no nordeste brasileiro, as autoras, que pertencem Salta, uma

    provncia do Noroeste argentino, elaboraram uma srie de reflexes cruzadas entre as

    duas realidades em questo.

    Como primeira aproximao, foi necessrio revisar a produo acadmica dos dois

    pases, Brasil e Argentina, no que faz reflexo sobre a produo do pensamento

    nacional e regional. Existem particularidades que faam do nordeste brasileiro uma

    regio diferenvel do restante do Brasil? Quando e como foi que elas surgiram?

    Igualmente, existem particularidades que faam do noroeste argentino uma regio

    diferenvel do restante da Argentina? Quando e como foi que elas surgiram? Em

    consonncia, quais so as representaes desses espaos associados figuras-tipos

    sociais particulares?

    Segundo diversos estudos Durval Muniz de Albuquerque Jnior (1996) para o caso do

    nordeste brasileiro, e outros estudos que focalizam a produo literria do nordeste

    argentino, (como Palermo 2002 y Moyano 2007), existiram processos histrico sociais

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  • particulares que configuraram polticas espaciais definidas para cada caso, e fizeram

    com que determinadas identidades sociais fossem fixadas terra. Assim, houve

    determinadas configuraes sociais particulares, referentes a uma certa ordem de

    mundo da sociedade que foi mudando no transcurso do tempo. Porm, foram

    resignificadas e atualizadas (com maiores ou menores mudanas, mas ainda

    reconhecveis) diferentes imagens tipolgicas de determinados sujeitos sociais. A

    identidade social desses sujeitos era projetada no espao, enquanto o espao projetava

    sobre eles certa identidade, qualidades e atributos sociais. Nesse duplo jogo de

    identidades, as sociais e as do espao, que se reforaram os esteretipos sobre o

    Nordeste e o nordestino, em um caso (Brasil), e o Noroeste e o norteo, em outro

    (Argentina).

    A construo de tais sujeitos sociais pode se encontrar nos discursos das elites de cada

    um dos espaos sociais estudados, espelhadas nas representaes dos intelectuais

    como produtores culturais. Eles configuram um esquema relativamente fixo e auto

    explicativo, que poderamos chamar auto consagrativo, que tende a sobre dimensionar

    alguns aspectos e a silenciar outros, a delinear categorias classificatrias que ordenam o

    social, tipificando-o em grupos hierarquizados. Porm, os atores sociais, silenciados,

    obliterados ou invisibilizados nesses tipos classificatrios so dotados, em outros

    contextos, de maiores possibilidades de agncia. Atravs de diversas estratgias

    discursivas e de prticas, eles se resignificam a si mesmos e sua histria, positivando

    aqueles traos ou atributos que os posicionavam em uma posio de desigualdade. A

    continuao sero apresentados os traos que se exaltam nos dois casos, para fazer,

    posteriormente, o exerccio comparativo.

    O caso brasileiro

    Quando percorremos essa regio chamada de nordeste brasileiro, encontramos uma

    grande diversidade. As grandes cidades de Recife e Salvador no se parecem com os

    pequenos povoados como Bom Jesus ou Parelhas; os assentamentos da costa como Pipa

    no se parecem com os assentamentos do interior como o stio da Boa Vista. Mesmo

    dentro da cidade de Natal, existem variaes sociais muito claras entre um espao

    geogrfico como a zona norte e outro espao geogrfico como a zona sul. Um breve

    itinerrio de viagem permite enxergar as enormes diferenas ao interior desse espao

    social to amplo que chamado de nordeste. Porm, em seu livrinho introdutrio O que

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  • e o Nordeste brasileiro?, Carlos Garcia (1984:7) afirma: quando se fala em Nordeste,

    vem imediatamente lembrana a imagem de uma regio de extrema misria, sujeita a

    secas peridicas que dizimam os rebanhos e frustram as lavouras, provocando o xodo

    e a morte por fome ou sede. Nesse discurso sobre a paisagem, existe outro discurso que

    lhe corresponde, e que traa especificidades sobre a cultura e sobre as pessoas que o

    habitam. Por uma srie de ligaes lgicas que esses discursos convencionais no

    explicitam, h uma srie de significaes encadeadas. Duas delas parecem-nos

    particularmente interessantes: A primeira referente paisagem: o nordeste serto:

    no a costa. A segunda referente ao tipo social: o serto o sertanejo.

    Sobre a primeira imagem diremos somente que existem circuitos nos quais nordeste

    significa uma coisa muito diferente da seca e do de-serto, tais so os circuitos de

    significados criados e recriados a partir do fenmeno, relativamente recente, do turismo

    transnacional (Piscitelli, 1996). Nordeste, ali, remete a uma srie de discursos e prticas

    fortemente eurocntricos que revelam a valorizao de uma certa idia brasilidade, que

    remete a uma noo de natureza abundante e estilo de vida a partir das imagens praias

    de guas quentes, abundncia de comidas, erotismo e vida fcil, uma imagem que se

    repete, dissimulando diferenas histricas e culturais, na grande maioria dos destinos

    tursticos mundiais considerados tropicais (a pesar das suas diferenas histricas e

    geogrficas, Hava, Bali ou Fortaleza significam, nesse contexto, um mesmo espao

    utpico). Porm, o Nordeste cuja especificidade se constitui em relao s outras

    regies do Brasil enfatiza o espao do interior. Aqui, os cactos, a poeira, as matas

    formam parte da paisagem que simbolizou uma demanda que fez histria. Tal demanda

    foram os pedidos de reconhecimento estatal e de polticas agrrias especficas

    elaboradas a partir da dcada de 20 no sculo XX. Assim, na elaborao destes

    pedidos ao governo nacional, as elites agrrias (em decadncia frente aos grupos

    cafeteiros do sudeste) constituram uma srie de significaes espacializadas no

    poligono de secas, territrio geogrfico marcado pela falta (ou irregularidade) de

    chuvas (Muniz de Albuquerque, 2008). Nesse esquema, so ressaltadas a pobreza

    material e a seca no imaginrio aquele elemento perverso que destri a relao

    harmoniosa entre homem e natureza .

    Na justaposio, que at hoje perdura, entre um tipo de paisagem e um tipo humano e

    moral, que encontramos nossa segunda explicao do Nordeste e a nordestinidade.

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  • Quando revisamos os esquemas de percepo de si prprio dos sujeitos que nasceram

    no interior nordestino, observamos que o serto o sertanejo. Na produo discursiva

    sobre o nordeste, a paisagem e o homem se confundem. Outra caracterstica central, que

    refere a concepes de gnero especficas, que o nordestino no representado

    geralmente como mulher, mas como homem. Por ltimo, o nordestino no negro, nem

    ndio, mas basicamente um mestio, cujas caractersticas brancas so majoritrias. Aqui,

    freqente a constituio de tipos sociais a partir de tipos fsicos, configurando-se uma

    sociedade altamente sensvel s diferenas fenotpicas das pessoas e que conta com

    complexos esquemas de classificao a partir disso (Maggie e Barcellos Rezende,

    2001).

    A representao do Nordeste brasileiro exaltou o tipo social do sertanejo. Ele no

    representa um grupo, mas uma identidade social individualizada, e, claramente,

    imaginada num sentido sociolgico. Pois esse tipo sertanejo no passvel de se achar

    na realidade concreta, e no remete a nenhum grupo nem classe social especifico. Na

    exaltao do sertanejo, houve uma srie de constituies sociais que foram inexistentes,

    como o conceito de populaes indgenas, consideradas coisa do passado, e de afro

    descendentes, altamente invisibilizados.

    O tipo sertanejo

    O discurso histrico que constri o tipo sertanejo no deixa de ser um discurso de tipo

    naturalista. Identifica o homem com a paisagem, e tende a apresentar um nordeste

    masculinizado, corpo da misria com um claro bias tnico e de gnero. Em princpio, a

    exaltao do sertanejo se corresponde com a negao do negro. Sobre o negro tem

    poucas referncias, e quando elas se encontram, representado como um vaqueiro

    solitrio amigo de seu patro e feliz por ser escravo (Cavignac, 2003). S desde o

    trabalho de Gilberto Freyre que podemos encontrar uma positivao da histria do

    negro no Brasil, com forte impacto no imaginrio contemporneo sobre a composio

    da sociedade brasileira.

    H uma complexidade por trs daquele tipo sertanejo que as figuras das elites tentaram

    cristalizar. Nas classificaes raciais do sculo XIX, o sertanejo tpico era constitudo

    por certos tipos exaltados, outros desvalorizados e outros, considerados diretamente

    como perigosos (Cavignac, 2003). Exaltados eram o sertanejo propriamente dito, o

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  • caboclo e o mameluco, mestios nascidos do cruzamento entre europeus e indgenas.

    Tipos mais desvalorizados eram aqueles nascidos do contato entre europeus e negros,

    como o brejeiro e o mulato. E os tipos perigosos eram aqueles gerados a partir da

    mistura entre negro e ndio, como o curiboca, o cabor e o cabra.

    Esse discurso focado nas relaes raciais se sobrepe a outras formas de classificao

    sobre o social encontradas no nordeste h fins do sculo XIX, compostas por traos

    fsicos, ocupaes e idades: vaqueiro, violeiro e cordelista, por uma parte, cabea

    chata, baiano e paraba, por outra. Sobre a base de uma srie de anncios de jornais do

    sculo XIX, Moritz Schwarcz (1988) ressaltou tipos correspondentes aos escravos:

    negro suicida, negro degenerado, negro fiel. Tambm est o preto velho. E a ama de

    leite, figura essencial que exploraram as elites na suavizao de uma ideologia sobre a

    escravido no Brasil (Segato, 1996). Uma srie de sensaes e emoes constituram o

    horizonte valorativo dessas classificaes socialmente construdas: virilidade, vergonha,

    infmia, obrigao e honra.

    Em termos de representaes corporais, o corpo do sujeito branco diferenciava-se

    radicalmente daquele do sujeito negro. Tal diviso de mundo tinha uma relao

    especfica com a diviso do trabalho estabelecida. Segundo Freyre, cada branco de

    casa-grande ficou com duas mos esquerdas; cada negro, com duas mos direitas

    (1989: 429). A mulher negra no tinha existncia diferenciada dentro dessa classificao

    masculinizada do mundo. Porm, segundo o mesmo autor, foram os corpos das negras

    que construram, na arquitetura moral do patriarcalismo brasileiro, o bloco formidvel

    que defendeu dos ataques dos don-juans a virtude das senhoras brancas (op cit: 450).

    Corpo da mulher negra, espao do indizvel. Mas, porm, necessrio para a reproduo

    dessa ordem social altamente desigual.

    A histria nordestina tem apresentado um modelo masculino enraizado, onde a ponta da

    hierarquia social era ocupada pelo homem branco dono de terras e escravos. Se

    fizermos uma anlise simblica do modelo de Gilberto Freyre, em tal sociedade,

    patriarcal e ordenada sob o modelo da pirmide, a mxima visibilidade corresponde-se

    com o homem branco, enquanto a mnima visibilidade, com a mulher negra.

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  • Mulheres negras no passado

    No serto nordestino, ter nascido mulher era ser posicionada dentro da rgida hierarquia

    do sistema patriarcal, de gradaes reconhecidas em tipos sociais, de determinaes

    segundo cor, gnero e posio de classe. Nesse contexto, ser filha de fazendeiro, bem

    alva, ser herdeira da casa, gado e terra era o ideal de mulher (Knox Falci; 1997: 202).

    A mulher escrava no serto, mesmo que invisibilizada, manteve relaes sexuais

    institucionalizadas dentro de marcos tcitos com o senhor: muitos concubinatos,

    muitos filhos naturais (op. cit; 275). Tal relao era possvel a partir de certo esquema

    de poder pr estabelecido. As crianas produto desses encontros representavam sujeitos

    sociais que eram considerados excees dentro das classificaes da poca. Porm,

    seu nmero era enorme, e no temos razes para no imaginar que tenham se elaborado

    estratgias de identificao diversas a partir do fato de pertencer a uma dessas

    categorias. Em relao com a mulher escrava e a sua prognie, os filhos do branco

    eram em uma escrava e no com uma escrava. A mulher escrava era praticamente vista

    como aquela que guarda a semente, mas no a co-causadora do nascimento do filho

    (ibidem). Assim, no sistema da escravido, em que as relaes humanas eram

    facilmente desfeitas devido a compras, vendas, trocas e matanas, maternidade e

    condio escrava eram dois domnios rigidamente separados. A maternidade, no sentido

    da construo moderna do conceito, era reservada s as mulheres brancas e de famlia

    Nos tempos da escravido, quem exercia a maternidade era a mulher branca,

    considerada a nica capaz de transmitir valores e inculcar uma determinada herana s

    novas geraes. Em termos de imaginrios locais, poderamos dizer que enquanto a

    mulher negra simplesmente procriava, era a branca quem criava. Porm, apresentava-se

    um paradoxo, pois ainda depois da escravido, era a mulher negra tomou conta dos

    filhos das mulheres brancas.

    A mulher negra entregava a sua energia vital, sua fora natural, seus braos e seu leite,

    enquanto seus conhecimentos e modos de fazer eram jogados para o terreno do

    impensado, das disposies espontneas. Segundo Gilberto Freyre, raro quem no foi

    amamentado por negra (1989: 350). Segundo a lgica de diferenciao entre a

    procriao e a criao nas figuras da mulher negra e da branca, h uma clara

    preocupao moral em relao ao possvel abuso do corpo da negra, em prejuzo dos

    valores dos brancos: imaginem-se os meninos sem me, sem madrinha, sem av,

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  • entregues a mucamas nem sempre capazes de lhes substituir me (ibidem). H uma

    barreira moral que impede que a diria doao de cuidados das crianas se transforme

    em maternidade. Assim, inmeras crianas cresceram num mundo dividido em dois,

    onde o territrio do preponderantemente afetivo, que pertencia s mulheres negras e seu

    mundo, devia ser em determinado momento deslocado pelo horizonte normativo onde

    infmia, vergonha e imoralidade constituam-se em freqentes acusaes feitas contra

    os escravos e escravas.

    A mulher escrava devia ter duas caractersticas para ser considerada apta para a tarefa

    de dar de mamar aos filhos das mulheres das fazendas: ser limpa e ser forte, segundo

    anunciam peridicos da poca (Moritz Scharcz, 1988). Neste contexto, era valorizado o

    porte mais do que a beleza.

    Me preta

    A categoria me preta constitui uma figura especfica como tipo social no contexto

    brasileiro, e tem uma ancoragem particular na histria colonial e escravagista brasileira,

    assim como na fundao do mito da convivncia harmoniosa das trs raas:

    ... Trazemos quase todos a marca da influncia negra. Da escrava o sinhama que

    nos embalou. Que nos deu de mamar, que nos deu de comer, ela prpria

    amolengando na mo o bolo de comida. Da negra velha que nos contou as

    primeiras histrias de bicho de mal-assombrado (Freyre, [1952] 1989: 283).

    A categoria me preta conjuga de maneira nica etnicidade e determinaes de gnero.

    Tal prtica, to prxima da maternidade mas nunca completamente legitima como ela,

    era, porm, fortemente apoiada pela ordem social patriarcal da escravatura e ainda

    depois da sua abolio. Tal a situao que Rita Segato (1996) descreveu como

    maternidade transferida. Segundo uma entrevistada, cuja infncia transcorreu no serto

    nordestino, me preta era uma figura generosa e de corpo forte. Ela mesma tinha

    nascido no marco de uma famlia branca que tinha mulheres negras trabalhando no

    interior do espao domstico as negras eram quase da famlia (K; 45 anos).

    Determinadas disposies corporais caracterizavam relao entre os filhos da casa e

    essas mulheres: a negra mimava, acariciava, dava cheiro, fazia coscas, preparava

    comida gostosa... sempre cozinhava melhor que a dona de casa. Em termos de

    constituio corporal As mulheres negras so mais fortes do que as mulheres

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  • brancas... elas podem dar luz mais facilmente... elas tm muito leite. Enquanto as

    mulheres negras ocupavam o espao da cozinha, as brancas ficavam na sala,

    administrando e controlando. Assim, tendiam a criar-se espaos de disfrute legtimos

    para as negras, enquanto para as brancas, o sofrimento parecia ser o nico sentimento ao

    qual elas tinham direito. A respeito da suavidade das relaes, da violncia simblica

    impressa nesses espaos to silenciosos, a nossa entrevistada afirma: no Serid, tudo

    por baixo.

    Em virtude de determinadas mudanas nos modelos mdicos, laborais e de estrutura da

    famlia, as mes pretas, ou amas de leite, foram perseguidas. A sua prtica, antes

    altamente valorizada, passou a ser proibida. Tais acontecimentos so conseqncia de

    uma srie de processos. Dentre os mais notveis, a valorizao da amamentao

    materna na Europa, sobretudo na Ingleterra e na Frana (Palmer, 1991) e a fixao

    biopolitica da dada me filho como objeto de interveno da medicina social

    (Donzelot, 1990).

    Apesar da abolio da escravatura no ano 1880 e da instaurao das relaes capitalistas

    no contexto do trabalho domstico, poderiamos traar uma linha de continuidade entre

    as instituies da ama de leite, depois, da ama seca, e depois, da empregada domstica.

    No contexto etnogrfico estudado, observamos duas questes. Por uma parte, a maioria

    dessas mulheres se auto define como negra. Pela outra, uma grande poro delas tm

    trabalhado em casas de famlia de classe media, tanto em stios quanto no contexto

    urbano. De fato, tal ocupao, em forma conjunta com o trabalho domstico na prpria

    casa e o trabalho no roado, era a principal ocupao da maioria dessas mulheres. As

    percepes sobre o trabalho domstico so muitas das vezes ambguas, percebendo-se

    em muitos casos aquela ideologia suavizada da violncia das relaes entre gnero,

    classe e raa presentes no serto nordestino. Essa indistino entre trabalho e servios

    prpria da persistncia de imaginrios coloniais, marca das relaes servis em vrios

    regimes coloniais latino americanos.

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  • Corpos que resignificam a histria

    Nos processos de categorizao dos sujeitos a partir do Estado, h, no decorrer do

    ultimo trecho do sculo XX, uma importante mudana de eixo. Aparecem as polticas

    de reivindicao tnica baseadas na ressemantizao da idia de raa. A categoria da

    auto adscrio influencia profundamente as disposies a partir das quais os sujeitos

    constroem a sua identidade. Assim, h uma distncia, com efeitos observveis nos usos

    corporais em contexto etnogrfico, entre a idia de ter nascido negro coisa que no

    tem jeito (M.F; 50) e de se reivindicar como tal. Raa j no considerada um destino,

    mas um marcador seletivo que opera em determinados contextos. No contexto em que

    realizei meu trabalho de campo etnogrfico, a comunidade quilombola da Boa Vista dos

    Negros (Municpio Parelhas, Serid, Rio Grande do Norte), so claramente as mulheres

    quem reivindicam o estatuto da negritude com mais fora e clareza. Tais reivindicaes

    so impressas no espao do corpo. Os corpos dessas mulheres expressam uma natureza

    construda a partir de muitas horas de trabalho e preparao.Nas festas locais, regionais

    e estaduais, esto constituindo-se como o estandarte da beleza e da fora da origem.

    Tal processo de forte visibilizao ( importante destacar que no estamos discutindo as

    condies anteriores que fizeram possvel a materializao de tal visualidade) tem entre

    cinco e dez anos, e conseqente com a apario das normativas para regulao das

    terras quilombolas emitidas pelo governo nacional no ano de 20031. A auto

    identificao torna-se uma estratgia de poder. O uso de tranas de linha sinttica no

    cabelo uma forte expresso disso. Mulheres entre uma faixa de 15 e 35 anos as

    utilizam, porm, podem ser observadas em vrias geraes. Para a sua confeco, se

    trocam favores, a uma faz na outra. Muitas mes, por sua vez, fazem nas filhas. Elas

    afirmam se sentirem mais poderosas com elas.

    Porm, no so todas as mulheres da comunidade as que usam tranas. Tendo

    entrevistado a trinta mulheres da comunidade, percebi que h uma forte correlao entre

    uma adscrio subjetiva aos discursos da auto afirmao tnica e o uso pessoal dessas

    tranas. Por outra parte, identifiquei s mulheres que identificam o fato de ser negra

    com um destino, muitas vezes ruim que deve, porm, ser aceito com integridade e

    levado com bom senso. Tais mulheres apresentam um uso diferente do cabelo.

    Geralmente amarrado, ou com tranas grossas feitas do mesmo cabelo. 1 O decreto 488-7, 20-11-2003 regula o procedimento para a identificao, reconhecimento, delimitao e titulao da terras por comunidades remanescentes de quilombos.

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  • Se a feminilidade negra constituiu-se historicamente pela capacidade de se - doar, em

    termos de corpo sensual, tero reprodutor e leite engendrador, a partir da emergncia

    dos discursos da reivindicao racial, a feminilidade negra se constitui a partir de um

    uso predominantemente visual do corpo. Por outra parte, os processos corporais

    vinculados ao exerccio do cuidado infantil (amamentao, alimentao) perdem o bias

    racial em virtude de polticas de igualdade cidad. O acesso universal aos servios de

    sade teve um forte impacto nas concepes sobre o corpo e contribuiu a reorganizar as

    responsabilidades femininas em torno da figura da me biolgica. Amamentao e

    cuidados maternais se elaboram como normas de exerccio da maternidade responsvel

    em ternos no s sanitrios, mas tambm sociais. Tais identidades, as tecidas ao redor

    de uma idia de igualdade dos corpos femininos, predominantemente mdica,

    encontram um ponto de inflexo nas aes afirmativas destas mulheres, centradas na

    resignificao de seus papeis sociais a partir da diferena de cor inscrita em seus corpos

    e exaltada a partir de procedimentos de embelezamento.

    O caso argentino

    Anteriormente, assinalamos que um dos objetivos principais deste trabalho

    compreender as diferentes dinmicas e processos a partir dos quais se constituem tipos

    sociais identificatrios do nacional e do regional. No caso argentino, problematizaremos

    a figura/tipo do gaucho, para o qual mostraremos alguns momentos paradigmticos na

    criao de certas formas de significao social. Em primeiro lugar, vamos nos deter na

    etapa posterior declarao da independncia argentina, que se denomina processo de

    conformao do Estado Nacional (1810 - 1880). Cenrio de edificao, por parte dos

    primeiros intelectuais nacionais (ilustrados porteos principalmente) a matriz

    imaginria simblica que d sustento ao Estado como Nao. No marco deste

    processo, assinalaremos duas instncias significativas que demarcam pontos de inflexo

    na forma de representar e escrever sobre o passado, de visualizar a cultura nacional e

    aos habitantes do territrio argentino.

    Em um momento posterior, esboaremos os traos principais das tipologias e

    esteretipos locais, centrando-nos nas categorias do gaucho criadas desde os intelectuais

    de elite e seu discurso histrico sobre Salta e a Regio noroeste. Para isso, revisamos

    algumas escrituras pioneiras de incios do sculo XX e outras mais prximas

    contemporaneidade.

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  • Finalmente, apresentamos linhas fundamentais na definio do gaucho, que realizam

    gauchos dos setores populares locais, agrupados num tipo de organizao chamada de

    fortines gauchos. A fonte sobre a qual se desenvolve o terceiro apartado so

    entrevistas realizadas a integrantes desses fortines. Algumas se levaram a cabo de forma

    individual e outras em encontros grupais, desde o ano 2007 at o presente momento. Se

    entrevistaram fortines de diferentes localidades da provncia, alguns deles na capital e

    outros em locais mais afastados.

    O gaucho no imaginrio nacional

    A noo de gaucho se encontra intimamente vinculada ao processo de conformao do

    Estado Nacional argentino. Os intelectuais que imaginaram a nao argentina,

    inspirados e e seduzidos pelos ideais da ilustrao europia, fizeram da mestizagem o

    mito de origem da argentinidade. Argentina, crisol de razas, aberta a todos los

    ciudadanos del mundo que quieran habitar el suelo argentino. A abertura imigrao

    europia faz parte do projeto civilizatrio dos ilustrados argentinos. As elites criollas,

    mestias, conduziram esse processo de inveno do Estado Nao sob a base da

    negao da populao nativa, principalmente indgenas e afrodescendentes, da sua

    inferiorizao e alterizao. Esses discursos interiores podiam revestir a forma de

    gauchos vagos, tribus de salvajes, masa amorfa, desierto ou barbarie para

    designar essa populao.

    Tais imaginrios se projetam no espao, se expressam geograficamente. Buenos Aires,

    cidade porturia e aberta, portanto, ao contacto e influncia europia, representada

    como a materializao dos ideais de civilizao e progresso. Em ela radicam os

    fundamentos que a consagraram como capital e centro poltico. Porm, a definio do

    centro como tal envolve lutas de fora durante toda a primeira metade do sculo XIX,

    onde os grupos do interior e as provncias se opunham unificao poltica e

    rejeitaram Buenos Aires como centro. Como produto desses enfrentamentos, o mundo

    das provncias apresentado como a encarnao da barbrie, da selvageria, expresses

    de atraso e obstculos ao progresso da nao. Nesse contexto o gaucho, sua imagem,

    expressa a mimese paisagem natural, a humanidade ensilvesida.

    No marco desta complexa dinmica onde os discursos sociais do existncia quilo

    sobre o qual falam, interessa-nos atender primeira escritura histrica nacional no

    marco do processo de construo do Estado nacional, focalizando sobre as

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  • representaes sociais e tipologias humanas que constri. Os discursos histricos nesse

    contexto traro os fundamentos e representaes imaginrias que conformaro a

    identidade coletiva em termos de identidade nacional como comunidade imaginada

    (Anderson, 1997). Assim tambm, contribuir criao de personagens e referentes

    civilizadores tendentes a ocupar o lugar de heris fundadores da comunidade, dignos de

    serem rememorados e monumentalizados enquanto protagonistas da independncia. A

    reconstruo que se leva cabo desde esta histria, a oficial, vai demarcando uma

    imagem do passado como sucesso de grandes fatos e acontecimentos que tm grandes

    homens como protagonistas.

    Enquanto as idias ilustradas os grupos intelectuais de Buenos Aires funcionaram como

    estmulo do projeto independentista, elas definiram a forma que adquiriu o primeiro

    esboo da organizao nacional. Elas criaram os marcos de valorao e orientao da

    primeira histria argentina, sob o trao do pensamento de Domingo Faustino Sarmiento

    e Bartolom Mitre2, consagrados posteriormente como os pais fundadores da histria

    nacional. Sarmiento, atravs da dicotomia civilizao barbrie desenhou o mapa

    social e poltico da Argentina de ento, enquanto Mitre fixou os parmetros de

    classificao na constituio da galeria das celebridades argentinas. Assim, a histria

    centrou-se no acionar dos homens brancos, ilustres e no engenho individual deles.

    Nesse relato dominante das origens nacionais, as mulheres - brancas, negras e

    indgenas- so absolutamente invisibilizadas.

    2 Domingo Faustino Sarmiento (1811 1888), nas suas aes como poltico, pedagogo, escritor, docente, jornalista, estadista e militar argentino, fez da educao e da promoo da educao o motor do seu projeto de civilizao e progresso da Argentina. Escreveu pioneiros ensaios onde elaborou um modelo dual de mundo: por una parte, o plo da civilizao e pela outra, aquele da barbrie. Desempenhou cargos como Governador da provncia de San Juan, presidente da Nao (entre 1868 e 1874) e como Ministro do interior. Bartolom Mitre (1821-1906) da mesma forma que Sarmiento foi reconhecido como poltico, militar, historiador, homem de letras, estadista e jornalista. Ocupou cargos como governador da Provncia de Buenos Aires e foi Presidente da Nao Argentina entre 1862 e 1868. Seus escritos histricos so valorizados como a primeira Histria Oficial Nacional. Seu estilo, reivindicatrio das glorias de Buenos Aires, a sua concentrao em grandes figuras heroicas e de inspirao fortemente eurocntrica, tem originado uma escola histrica denominada mitrista.

    12

  • Vazio e deserto. ndios, paisanos e gauchos. Selvagens, brbaros e perigosos

    A promulgao da constituio (em 1853) para os ausentes que fomentar a imigrao

    europia, tanto como a representao do territrio argentino como espao deserto e

    vazio que retrataram Sarmiento e Alberdi so os eixos de sentido que articulam os

    discursos e prticas que definem as polticas deste perodo. As idias polticas

    importadas da Europa, de cunho liberal, inspiraram a concepo de mundo que a

    primeira gerao de historiadores argentinos projetou como modelo de pas, enquanto

    serviu como justificativo para o setor dirigente na promoo do progresso e da

    civilizao.

    As imagens do deserto e vazio, trasladadas ao plano poltico, convergem na definio de

    atores sociais negados, um todo homogneo de populao nativa indgenas e negros-,

    existentes nas margens da civilidade, analfabetos, impossibilitados de exercerem

    direitos. A Repblica restritiva ideada por Alberdi como repblica possvel

    estabelece a diferena hierarquizante entre massas incapazes e a elite governante.

    Essa histria trouxe desde a narrao um estado da situao que devia de ser

    transformado, representando e projetando as noes de atraso sobretudo no territrio

    que se encontrava por fora de Buenos Aires. A escrita histrica posterior aos 80, se

    consolida o liberalismo e o centralismo promovido pelos ilustrados do centro de

    Buenos Aires, ento escrita pelos vencedores: ...caudillos y montoneras gauchas

    representaban el orden retrgrado y la tirana de las masasbarbarie que sintetizaba

    una confusa mezcla de orden medieval, intolerancia hispnica e inferioridad nativa

    (Svampa 1994:44).

    Sarmiento, autor intelectual e mentor de um projeto de Argentina segundo o molde

    europio, expressa claramente uma ordem de valoraes sociais onde qualquer

    outredade possvel inferiorizada. Buenos Aires o centro poltico, e por isso a

    materializao da ordem, ademais da encarnao dos desejados ordem, cultura e

    urbanidade. O interior, as provncias, todas as regies do pas, em termos

    contrastantes e opostos, acabam materializando a anticivilizao, a desordem, a barbrie

    prprios da natureza e do campo.

    13

  • O manto escuro com o qual apresenta essa historiografia o vazio e o deserto das

    provncias, constri tipo sociais como sujeitos e indivduos temveis, perigosos e

    ameaadores para a ordem poltica. Ento, os homens de campo, trabalhadores rurais,

    ndios, paisanos e gauchos encarnam a ausncia e o vazio por serem extirpado: suas

    formas de organizao so exemplo de caos e anarquia.

    Svampa prope que nesse contexto, o gaucho expressa o mito romntico da barbrie, e

    vai ser conceituado pelo seu carter individualista, devido sua relao com a liberdade

    (Svampa 1994: 48). Tambm ser representado como vago e mal entretenido, de

    acordo com a sua vida licenciosa liberada ingesto desenfreada de lcool e

    propenso delinqncia (Gori, 1974).

    Nesse marco social de pensamento, a clula do desordem no deserto o gaucho

    caudillo. Ele encarna, ao dizer de Svampa, a comunho entre o humano, o animal e a

    paisagem. Nessa imagem e figura simblica projeta-se um universo de sentidos

    negativos. As tipologias elaboradas hierarquizam a cima: homem culto e civilizado,

    branco, que respeita as normas sociais, a ordem, os valores. Por debaixo disso, no

    estrato inferior do homem crioulo, mestio, tosco, campons, mimetizado com a

    natureza animal e selvagem.

    Em adio, esse tipo humano, menos evoludo e prximo da natureza, objetivado na

    figura do caudillo, se apresenta como carente de cultura e educao, sem valores morais

    nem respeito das normas sociais de comportamento. O caudillo representado como

    homem de ao, fora, e no de idias, lder natural ou espontneo, agitador e condutos

    de bandidos, vagos e massas amorfas. Por isso, a estampa do mundo de provncia,

    da vida na campinha (tudo o que no a cidade porturia) no representa mais do que o

    atraso e estancamento, uma presena que incomoda e obstaculiza a difuso dos ideais

    ilustrados.

    A revalorizao do gaucho

    Porm, outras vozes intelectuais vo delinhando um perfil diferente em relao com os

    caudillos e gauchos, contribuindo para sentar os precedentes para a sua posterior

    reivindicao e valorizao histrica. nesse sentido, por exemplo, que o General

    Gemes, conhecido como general gaucho, resignificado desde a escrita de Vlez

    14

  • Sarsfield3, para quem encarna valores patriticos. O autor destaca a sua origem social

    enquanto filho de uma famlia notvel e prestigiada- como aspecto fundamental da sua

    positivao aonde transmutar a caudillo salvador da ptria. Nessa passagem, Vlez

    Sarsfield o compara com grandes homens, com Bolivar e San Martin (Costa e Mosejko,

    2000: 114). O autor dotou a Gemes com um tinte popular, enquanto o comparou com

    Gervasio Artigas, atribuindo-lhe a promoo de polticas progressistas, tais como um

    sistema progressivo de taxas e medidas de reforma. Assim, ele sustentou que foi

    Gemes quem mudou o sentido da palavra gaucho: de delinqente para patriota

    nativo.

    Las cartas quillotanas de Juan Bautista Alberdi, del 1852, son un histo en la histoia

    argentina. Ellas introducen a la escrita histrica novos parmetros e valores desde os

    quais poderia ser abordado o passado. Los cuales consisten, principalmente, en la

    valorizao das tradies argentinas, s expresses do interior, da provncia e dos

    setores populares4. Promove a revalorizao dos gauchos e da tradio espanhola, ao

    afirmar que eles so os representantes naturais da identidade argentina (Alberdi 1853 en

    Shumway 1993). Essas tradies profundas foram redescobertas em campo, e nesse

    contexto que se resgata ao gaucho de cada regio. Os tipos gauchos so classificados

    de acordo com a regies geogrficas de pertena, sendo distinguveis basicamente trs:

    o gaucho pampeano, o gaucho do litoral e o gaucho norteo.

    Esse empreendimento de recuperao alimenta-se da literatura gauchesca5 e de uma

    corrente denominada criollismo, que retrata o gaucho sob um bias romntico, em

    comunho e harmonia com a paisagem e a natureza. O que antes fora entendido como

    obstculo para o progresso, hoje entendido como representao do originrio, do

    esprito do rural, e da comunho com a terra ancestral. A resignificao positiva do

    3 Dalmacio Vlez Sarsfield - Crdoba (Argentina) 1800 - 1875. Foi advogado e poltico argentino, autor do Cdigo Civil de Argentina de 1869, a maior parte do cual ainda continua em vigncia. Nestes estudos histricos, Vlez elabora uma nova perspectiva para interpretar o passado argentino, iniciando un movimento revisionista que aponta ao reconhecimento e resgate das figuras do interior do pas que tinham sido invisibilizadas pela histria escrita desde Buenos Aires e os ilustrados portenhos. 4 Difundi-se, entre outros escritos, em um panfleto chamado La repblica argentina 37 aos despus de la revolucin de Mayo (III 229-242. Alberdi 1847. En Shumway 1993:196). 5 Dentre a literatura gauchesca pode-se destacar ao Martn Fierro de Jos Hernndez. A primeira parte da obra apareceu em 1872 e a segunda (La vuelta de Martn Fierro), em 1879. No personagem de Martn Fierro, Hernndez apresentou um gaucho idealizado, que representava todos os gauchos, descrevendo a sua forma de vida, de se expressar e de pensar. A narrativa gauchesca comea a ser desenvolvida a finais do sculo XIX e durante a primeira dcada do sculo XX alcanou popularidade, propiciada pelo clima festivo do centenrio da Independncia Nacional (1910).

    15

  • homem de campo e do mestio, contorneiam o retrato da identidade nacional e a sua

    simbolizao na criao do gaucho patriota como arqutipo. Esse gaucho

    transformado em smbolo e imagem do genuno esprito argentino, aps a sua valorao

    por meio da sua colaborao nas lutas pela independncia. nesse sentido que o uso

    poltico do gaucho manifesto na tentativa de construir uma identidade conciliatria,

    que sintetize a mistura entre o sangue originrio e aquele dos conquistadores espanhis.

    O gaucho representa o tipo criollo, e invisibiliza o indgena negando qualquer rastro de

    negritude possvel. O mito de origem da argentinidade, centrada no tipo mestio,

    condensa a vontade poltica de branquear os genes e manifesta, assim, o triunfo da

    cultura sobre a natureza, e da civilizao sobre a barbrie e a selvageria.

    O gaucho sob o olhar regional

    A figura do gaucho recebeu um tratamento particular pelos discursos das lites

    intelectuais da regio. Porm, tal significao no clausura os sentidos que no decurso

    histrico ela vai adquirir. Assim, os primeiros relatos histricos de Salta, em contraste

    com o olhar dominante de Buenos Aires que inferiorizava as figuras do interior do pas,

    orientaram-se a consagrar o prcer local da Independncia, General Martn Miguel de

    Guemes, o heri gaucho.

    Bernardo Fras (1866 1930), reconhecido como pai da histria local, atravs da sua

    escrita deu curso glorificao desta figura. Com isso, ele inaugura um modo de fazer

    histria que mantm certa vigncia na atualidade. Ele se caracteriza por um

    deslizamento entre as categorias analiticas/classificatrias e das categorias nativas/auto

    representacionais: Frias escreve inscrito no universo significativo do grupo dominante

    local. Assim, em sua reconstruo do passado traa um mapa da composio da

    sociedade saltenha, construindo tipologias sociais atravessadas por valoraes raciais e

    morais. Ele retrata sociedade focalizando-se sobre a classe superior, grupo que,

    segundo ele entende, recebeu a herana nobre, patrcia e fidalga dos conquistadores

    espanhis.

    Na sua obra, Historia del General Martn Miguel de Gemes y de la Provincia de Salta

    (1902), o autor produz a identificao recproca que conjuga a histria da provncia

    presena e atuao do heri gaucho, encarnando ele o prottipo do autntico ser

    saltenho: o gaucho decente.

    16

  • Dentre os outros tipos sociais construdos por Fras, encontram-se o ndio, o negro e o

    mulato, a quem ele refere para destacar a superioridade racial do criollo e do mestio

    frente a eles. Aqui, o ndio representa o selvagem, encarnao da antiga raa cobriza

    americana, o dono das fronteiras. A sua projeo espacial a llanura chaquea e a

    regio de montanha. Na fala de Fras, a selvageria faz deles gente que no conhece o

    trabalho e serve para semear o temor.

    O negro materializa a possibilidade de que aconteam misturas degenerativas, que

    acabem por produzir sujeitos com todos os vcios sociais. Os negros aparecem

    disseminados na turba, eles so uma massa, mas a diferena dos ndios, seu local a

    cidade. Eles conformam a plebe urbana, a classe inferior, dos pobres diabos. Frias

    resgata a negritude, impregnada de valores negativos. Os negros tm inclinao

    incurvel para o licor, so holgazanes e pendencieros. Aludindo s Leis de ndias e

    sobre a base de valorizaes de tipo racial e fenotpica, define aos mulatos como a

    mistura resultante de mes negras escravas com homens decentes note-se aqui o

    bias de gnero institudo na classificao, na qual as mulheres so negras e os homens

    so brancos. Eles representariam traos de tipo africano por conta de suas facciones

    toscas y gruesas y el cabello lanudo. Aos negros e aos mulatos, dentro da radiografia

    da sociedade saltenha que Frias compe, correspondem-lhes os ofcios viles e o

    servio domstico. As mulheres negras escravas somente so mencionadas com

    relao ao espao que ocupam dentro da casa: a cozinha.

    Diferenciando-se do ndio, o gaucho adquire uma significao particular e status

    superior, imagem fundada na literatura do poeta saltenho Juan Carlos Dvalos (1998

    1959). El gaucho es la primera, la ms antigua, la ms eficaz adaptacin del europeo

    a la naturaleza indgena, y por eso resulta cronolgicamente el primer argentino (...) es

    una raza (Dvalos 1928: 18). E Gemes possui tais qualidades, representando ao

    gaucho hidalgo dizer, ao senhor ou gaucho cholo. Esse ultimo, no esquema

    elaborado por Fras, provm do grupo de gente decente, que teria entre os seus

    ancestrais personagens da nobreza espanhola e da nobreza peruana (as duas de sangue

    real, sem mistura alguma com as razas viles de negros e ndios). Seus traos

    fundamentais seriam conformados por honrados sentimientos y caballerescas

    virtudes, junto com a pose de grandes extenses de terras nos campos do norte, o qual

    faria deles senhores patres das estncias rurais.

    17

  • O outro tipo de gaucho referido por Fras o Gaucho colono. Esse tipo de gauchos

    composto por camponeses de Salta, pees rurais, empregados e capataces dos grandes

    senhores. Frias os define pelo seu carter pacifico e ao mesmo tempo altivo. Afirma que

    ainda quando eles poderiam ser pobres de dinheiro e faculdades, eram ricos em mrito,

    com diversas destrezas e habilidades, homens rsticos, fortes para a dor, ginetes

    invencveis para cavalgar no monte. Destaca a sua aptido para a subordinao, pois

    eles tinham sido criados sob as mximas da ordem, da obedincia e do trabalho. Diz

    Frias, su virtud es la sujecin moral y social al poderoso. Eses gauchos teriam sido

    uma parte muito ativa nas glorias e triunfos da Amrica, e a tendncia s aes

    independentistas seria uma condio natural daqueles que aderiram causa

    independentista do gaucho Gemes.

    Gauchos Pobres Gauchos sim terra

    diferena da imagem estereotipada e localizada em valoraes raciais, naturalistas,

    onde o homem se finde com a paisagem em que so elaborados os escritos locais, a

    representao do gaucho sobre a qual se constroem os autodenominados fortines de

    gaucho fundam-se sobre outros critrios e parmetros de valorao.

    Poderiamos dizer que os fortines so organizaes de gauchos pobres e gauchos sem

    terra, e funcionam como espaos de encontro e identificao dos gauchos. Em

    termos histricos, a noo de fortn remete s organizaes de montoneras gauchas, que

    teriam sido o modo de organizao dos combates durante as primeiras dcadas do

    sculo XIX, nas guerras pela independncia nacional. As montoneras eram tropas

    irregulares, dizer, milcias sem formao militar, integradas pela populao rural

    (ndios, gauchos e negros). Estima-se que a atuao destas organizaes foi

    determinante na consecuo do triunfo, sobre o exrcito espanhol, para liberar a

    fronteira norte da ptria, a zona que limita com Peru, e que essas tropas irregulares

    tiveram como lider e condutor ao general Martn Miguel de Gemes.

    Atualmente, existem na provncia de Salta mais de 100 fortines gauchos, entre aqueles

    da capital e outras localidades departamentais (Salta est dividida polticamente em 23

    departamentos). O numero de membros, ou scios, dos fortines, varivel: ele oscila

    entre 10 e 50 pessoas. Essas agrupaes cumprem diferentes funes, e os membros se

    congregam nelas por diferentes motivos, mas principalmente porque compartem e

    18

  • valorizam as tradies gauchas, as destrezas camperas e os costumes vinculados ao

    modo de vida rural, s atividades relacionadas com gado e com cavalos (entre as

    atividades organizadas por eles podem ser destacadas as marcadas, pialadas e capadas,

    todas elas vinculadas manipulao da fazenda).

    Em termos gerais, os fortines esto integrados por homens, e mesmo que possa

    participar a famlia e outros parentes, um espao principalmente associado

    masculinidade, hombria, fortaleza, etc. Seus membros so, majoritariamente, gauchos

    pobres, que vivem ainda no campo (so pastajeros, arrenderos, puesteros, pees), ou

    que migraram para as cidades na procura de emprego, e ainda que j no moram no

    campo, mantm viva a memria das suas tradies camperas. Eles se auto

    denominam, em alguns casos, como gauchos sin tierras.

    Em seus relatos, quando definem e explicam o que significa para eles ser gaucho,

    deslizam-se por diferentes matrizes explicativas. Por uma parte, referem sua condio

    e origem rural, o que envolve um conhecimento sobre a forma de vida no campo e sobre

    as atividades de subsistncia. Sobre essa base, eles se consideram gauchos a partir da

    possesso de um saber-fazer, um conhecimento prtico: Gaucho es el que sabe montar,

    pialar, capar, ordear, enlazar, etc.,

    Por outra parte, gaucho aquele que sabe fazer as coisas do campo, que pode fazer os

    laos, as vainas para as facas, colocar a cadeira para montar um cavalo, curar aos

    animais, etc. em relao com essa matriz, eles consideram que h gauchos de fantasia,

    que so aqueles que usam a vestimenta do gaucho mas que no sabem fazer nada. Esta

    valorao de si prprio como gauchos verdadeiros e a desqualificao dos outros sobre

    a base do reconhecimento , talvez, a nica possibilidade para eles de se sentirem

    poderosos. Aqui, o seu saber o seu poder. Historicamente, de acordo com as

    configuraes sociais que tiveram lugar em Salta, onde a estrutura de propriedade da

    terra caracterizou-se fundamentalmente pela sua concentrao em latifndios,os

    camponeses estiveram submetidos a diferentes formas de sujeio e subordinao extra-

    econmicas para poder aceder a uma parcela de terra onde criarem aos seus animais.

    A representao do gaucho de fantasia , em certo sentido, uma metfora para

    representar ao patro da fazenda, ao dono da terra, aquele que no tem o saber, mas tem

    o poder, econmico e tambm poltico. Dadas as formas de distribuio do poder na

    19

  • sociedade saltenha a incios do sculo XX, os proprietrios da terra tm sido tambm os

    dirigentes polticos, configurando os grupos oligrquicos que os estudos histricos

    chamaram de aristocracias provinciais ou elites provinciais. Esses grupos se

    conformaram como tais tambm a partir das representaes sobre si prprios que

    construram, por meio de intelectuais e porta-vozes autorizados, como gente superior

    racial e moralmente, e como aqueles que foram escolhidos para levar diante a conduo

    da sociedade, os nascidos para governar.

    Outra matriz, pela qual o fato de ser gaucho desliza-se, a da identificao: somos

    gauchos porque nos gusta, atravessada por outro componente, somos gauchos porque

    lo llevamos en la sangre e porque lo sentimos desde adentro. Para muitos, esse ser

    gaucho inexplicvel, e no pode ser definido porque se sente desde muito dentro de si

    prprio, desde o mais fundo.

    Um terceiro recorrido que fazem os relatos ao se referir ao ser gaucho aquele que se

    concentra sobre a atitude. O ser gaucho corresponde-se com um jeito de ser e de se

    relacionar com os outros, e envolve a predisposio ao gesto solidrio. Gaucho aquele

    que faz gauchadas, dizer, quem compartilha, ajuda e tende a sua mo para quem o

    necessita. Isto significa anular todo tipo de egosmo, se doar e dar aos outros.

    Comentrios s convergncias entre os dois casos

    modo de comentrios finais do esboo comparativo que ensaiamos nas pginas

    precedentes, gostaramos de nos deter naqueles pontos de encontro que habilitam uma

    reflexo por meio do dilogo dos processos de construo de imaginrios a respeito do

    Nordeste brasileiro e do Noroeste argentino.

    Anteriormente, observamos como a representao sobre ambas as duas regies expressa

    carncias, no caso brasileiro o Nordeste tido como o corpo da misria, dizer, de

    pobreza material. No caso argentino, o Noroeste conforma-se como o espao do vazio,

    da ausncia de modernidade e de civilizao, a regio do atraso. Porm, nos dois

    casos h uma exaltao, compreendida por verses revisionistas da histria tanto como

    por folcloristas nacionais, que ponderam os valores simblicos destas regies as quais,

    ao mesmo tempo que so excludas dos processos de modernizao econmica dos

    pases aos quais elas pertencem, so elevadas como bero da nacionalidade em termos

    20

  • de manuteno de certa cultura e tradies locais. Para isso, h uma resignificao de

    alguns tipos sociais historicamente marginalizados, como acontece no caso das

    mulheres-negras. Porm, para o caso do noroeste argentino, a imagem de gaucho que

    recuperada aquela estetereotipada,, construda pelos discursos de lite, dissimulando

    desta forma as tenses e desigualdades, a dimenso conflictiva, que se evidencia ao

    reconhecer a existncia de gauchos pobres e sem terra.

    As elites regionais, ainda quando se propusessem elaborar esquemas interpretativos que

    contestassem as vises centradas nas grandes capitais (Buenos Aires, para o caso

    argentino; So Paulo, para o caso brasileiro) reproduziram no interior de seus espaos

    regionais as desigualdades sociais, cristalizando-as e projetando-as em categorias de

    alterizao e inferiorizao.

    No caso do nordeste brasileiro, as desigualdades tnicas, raciais e de gnero ficam

    diludas em uma noo ampla, ambgua e imaterial de sertanejo, sntese da vontade

    poltica de projetar um tipo ideal que, paradoxalmente, inclui e, ao mesmo tempo, nega

    e omite a diversidade e a desigualdade. No caso argentino, de forma similar, o ideal

    civilizatrio da construo de uma nao europeizante fez uso do recurso da

    mestiagem. A exaltao do gaucho como o tipo representativo da cultura nacional

    materializa a inteno de demarcar um novo origem identidade argentina, elaborando

    um mito fundador, sobre a negao e invisibilizao das populaes existentes em seu

    territrio. O novo sujeito da identificao nacional o gaucho mestio e criollo

    fusiona em si mesmo o encontro entre os nativos e os colonizadores, apagando, nessa

    operao, as marcas das relaes de escravido, explorao, dominao e extermnio

    que as atravessam.

    Para o caso do Noroeste argentino, as elites intelectuais e dirigentes se proclamaram a si

    mesmas como classe superior e gente decente, por meio da construo de

    alteridades internas inferiorizadas, tais como negros holgazanes ou ndios

    selvagens. A representao de sujeitos inferiores, justificada num discurso racista,

    esteve acompanhada da aplicao de juzos morais, os inferiores eram, ademais,

    depositrios de todos os vcios e degeneraes sociais. No caso nordestino, isso foi

    explcito na inferiorizao do negro e do indgena, ainda a partir do discurso das trs

    raas institudo a partir de Gilberto Freyre. A mestiagem, assim, um processo que

    existe, mas um processo que nunca cessa de ter, como contraponto, uma diferenciao

    21

  • e clara delimitao entre as chamadas trs raas. Assim, a idia atual no que as trs

    raas misturaram-se em um passado remoto, e deram origem ao mestiagem como nova

    chave de interpretao das diferenas. Muito pelo contrrio, neste imaginrio nacional

    as raas encontram-se fortemente diferenciadas entre si, e o pertencimento subjetivo a

    elas reforado pelas atuais polticas de reconhecimento de direitos diferenciais. O

    paradoxo de tais iniciativas que elas, ao mesmo tempo que tentam combater o

    racismo, reproduzem as categorias de cunho racista com as quais a sociedade define

    brancos, negros e ndios como tipos ideais. O peso de tais categorias, impostas desde a

    pedagogia escolar, as vises folclricas, os programas de polticas pblicas e a mdia,

    resignificado nas subjetividades dos sujeitos, os quais podem contestar ou bem fazer uso

    dos atributos que podem ser postos em cena a partir da ascrio a tais identidades. Elas,

    que no momento atual so altamente marginalizadas e altamente visibilizadas,

    apresentam a expresso das contradies das lgicas dos discursos de elite sobre as

    vivncias dos sujeitos sociais, e a situacionalidade impressa em cada uma destas

    identidades sociais.

    Nos discursos dominantes das duas regies, so exaltadas as figuras masculinas e

    mestias. Dentro do contexto destas sociedades, hierarquizadas e organizadas em torno

    da autoridade masculina, eles aparecem como o aspecto mais visvel. No mbito do

    pblico, da vida poltica, o espao masculino por excelncia, enquanto o domstico

    o mbito de domnio da mulher branca. Elas organizam as tarefas, enquanto so as

    mulheres negras as que as executam. No caso do Noroeste argentino, das configuraes

    da estncia rural deriva a figura da criada, mulher que pudendo ser indgena, mestia

    ou negra, mantinha uma relao servil com o patro e a dona de casa. a criada, mesmo

    que no se encontrasse dentro de um regime de escravatura propriamente dito, era

    reconhecida como parte das poses dos patres. Eles podiam exercer poder sobre seus

    corpos. No s atravs de castigos fsicos e extrao da fora de trabalho, mas tambm

    das relaes sexuais cujo fruto eram os hijos ilegtimos dos senhores.

    Finalmente, podemos dizer que, perpassando as estratgias de saber-poder dos discursos

    regionais e de construo de tipos sociais na elaborao do pensamento nacional dos

    dois pases, desde as representaes que tm sobre si mesmos os sujeitos sociais

    marginalizados que podem tais discursos serem contestados. As auto imgenes podem

    ter a capacidade de empoderar os sujeitos, habilitado-os para o exerccio progressivo de

    22

  • direitos: diferena, expresso, deciso sobre suas prprias auto imagens a partir de

    polticas de representao fixadas localmente. Tal o caso dos membros dos fortines

    gauchos de Salta e das mulheres da Boa Vista dos Negros no Serid. No caso dos

    primeiros, a valorao do autoconhecimento e do saber-fazer lhes permite enunciar

    estratgias de sublimao de relaes histricas de dominao por parte dos senhores

    gauchos, dos patres de estncia. A metfora do gaucho de fantasia um recurso que

    dinamiza esse processo de autopositivao. No caso das mulheres negras da Boa Vista,

    elas empoderam-se desde o exerccio da alteridade a partir do prprio corpo e da

    exaltao de uma beleza naturalizada na figura da mulher negra, elaborando, em fim,

    discursos que discutam idias de beleza hegemnica traadas a partir dos imaginrios da

    branquitude ainda pouco explorados, mas persistentes, da sociedade brasileira.

    Tanto em um como em outro caso, os atores sociais marginalizados revalorizam as suas

    prticas na generosidade, na doao, nas atitudes solidrias. Tais cdigos no esto

    isentos, porm, de conflito com outras arenas da vida social. Assim, as identidades

    marginalizadas que tm sido exaltadas por discursos reivindicatrios ou pelas polticas

    diferenciais devero guardar para si o poder de se nomear a si mesmas e de mudar de

    nomeao, se for necessrio, fugindo das estratgias de naturalizao da alteridade que

    pouco contribuem, de fato, para a manuteno de uma sociedade mais justa.

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