Geoturismo Slow e Rochas Ornamentais_2

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GEOTURISMO SLOW E ROCHAS ORNAMENTAIS V. LAMBERTO 1 & P. S. CAETANO 2 1. INTRODUÇÃO O Geoturismo é um conceito recente, baseado na geodiversidade (Bennett et al, 1996; Brilha, 2005; Dowling & Newsome, 2006) e que encontra suporte no enquadramento geológico de uma região para oferecer ao visitante uma leitura integrada das características desse território (e.g. geomorfologia, património, ocupação humana), constituindo-se como uma forma sustentável de utilização do potencial turístico para constituir riqueza. O movimento Slow, despoletado em 1986 com a criação do gérmen que viria a dar origem, em 1989, ao Slow Food, tem vindo a tornar-se um movimento crescentemente global, que está a desafiar o culto da velocidade, em áreas tão diversificadas como a alimentação, as cidades, a mente e o corpo, a medicina, o sexo, o trabalho, o lazer e as crianças (Honoré, 2006). Neste contexto, tem sido definido e coordenado pela equipa autora do presente artigo um conjunto de itinerários geoturísticos slow, que pretendem valorizar o território onde se inserem, em muitos casos através de uma malha de percursos, onde o património geológico e as rochas ornamentais surgem como ferramenta essencial para a leitura dos espaços envolvidos e como factor indutor de desenvolvimento e promoção turística, integrando outras áreas do saber e permitindo o usufruto do território de uma forma sustentável, mais aprofundada… e lenta. 2. RAZÃO DE SER A preocupação primordial que tem levado à criação de percursos geoturísticos slow centra-se na intenção de divulgar, de uma forma cientificamente correcta e simultaneamente apelativa (simples e acessível), e para um público alargado, conhecimentos de cariz geológico e mineiro, e a sua relação com outras áreas do saber (e.g. geografia, fauna e flora, história, gastronomia). Procurando-se uma aproximação integrada, a Geologia e as rochas ornamentais são o ponto de partida para a leitura e compreensão do território e de muitos dos seus diversos espaços e paisagens, possibilitando a definição de novos produtos turísticos sustentáveis. Esta aproximação insere-se, em grande medida, no projecto Slow Itineraries que o movimento Slow Food tem vindo a desenvolver, e que promove a integração e o usufruto de paisagens, saberes e sabores de cada região, de uma forma lenta, respeitadora e valorizadora das comunidades locais e do território envolvidos, tendo sempre presente conceitos queridos ao movimento Slow, como a lentidão, o convívio, os produtos locais e sazonais, os alimentos bons, limpos e justos… Os diversos roteiros criados têm sido da responsabilidade de equipas coordenadas por elementos com formação na área da geologia e larga experiência em georrecursos, nomeadamente rochas ornamentais, e em geoturismo, e comportam geralmente o envolvimento de especialistas de outras áreas do saber (e.g. história, gastronomia, fauna e flora, desenvolvimento rural). 1 [email protected] (Associação Slow Food Alentejo) 2 [email protected] (Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL, CICEGE)

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GEOTURISMO SLOW E ROCHAS ORNAMENTAIS

V. LAMBERTO1 & P. S. CAETANO2

1. INTRODUÇÃO O Geoturismo é um conceito recente, baseado na geodiversidade (Bennett et al, 1996; Brilha, 2005; Dowling & Newsome, 2006) e que encontra suporte no enquadramento geológico de uma região para oferecer ao visitante uma leitura integrada das características desse território (e.g. geomorfologia, património, ocupação humana), constituindo-se como uma forma sustentável de utilização do potencial turístico para constituir riqueza.

O movimento Slow, despoletado em 1986 com a criação do gérmen que viria a dar origem, em 1989, ao Slow Food, tem vindo a tornar-se um movimento crescentemente global, que está a desafiar o culto da velocidade, em áreas tão diversificadas como a alimentação, as cidades, a mente e o corpo, a medicina, o sexo, o trabalho, o lazer e as crianças (Honoré, 2006).

Neste contexto, tem sido definido e coordenado pela equipa autora do presente artigo um conjunto de itinerários geoturísticos slow, que pretendem valorizar o território onde se inserem, em muitos casos através de uma malha de percursos, onde o património geológico e as rochas ornamentais surgem como ferramenta essencial para a leitura dos espaços envolvidos e como factor indutor de desenvolvimento e promoção turística, integrando outras áreas do saber e permitindo o usufruto do território de uma forma sustentável, mais aprofundada… e lenta.

2. RAZÃO DE SER A preocupação primordial que tem levado à criação de percursos geoturísticos slow centra-se na intenção de divulgar, de uma forma cientificamente correcta e simultaneamente apelativa (simples e acessível), e para um público alargado, conhecimentos de cariz geológico e mineiro, e a sua relação com outras áreas do saber (e.g. geografia, fauna e flora, história, gastronomia). Procurando-se uma aproximação integrada, a Geologia e as rochas ornamentais são o ponto de partida para a leitura e compreensão do território e de muitos dos seus diversos espaços e paisagens, possibilitando a

definição de novos produtos turísticos sustentáveis.

Esta aproximação insere-se, em grande medida, no projecto Slow Itineraries que o movimento Slow Food tem vindo a desenvolver, e que promove a integração e o usufruto de paisagens, saberes e sabores de cada região, de uma forma lenta, respeitadora e valorizadora das comunidades locais e do território envolvidos, tendo sempre presente conceitos queridos ao movimento Slow, como a lentidão, o convívio, os produtos locais e sazonais, os alimentos bons, limpos e justos…

Os diversos roteiros criados têm sido da responsabilidade de equipas coordenadas por elementos com formação na área da geologia e larga experiência em georrecursos, nomeadamente rochas

ornamentais, e em geoturismo, e comportam geralmente o envolvimento de especialistas de outras áreas do saber (e.g. história, gastronomia, fauna e flora, desenvolvimento rural).

1 [email protected] (Associação Slow Food Alentejo) 2 [email protected] (Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL, CICEGE)

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Os percursos definidos e as acções promovidas, maioritariamente pedestres, apresentam diferentes

características, que reflectem as especificidades locais e regionais (e.g. contexto geológico, ocupação humana do território), mas estão sempre unidos por princípios comuns, nomeadamente a divulgação e promoção da Geologia, e das rochas ornamentais, a transversalidade do conhecimento, o respeito pelo ambiente e pela sustentabilidade, a circulação responsável pelos campos, e a integração de outras áreas do conhecimento e dos saberes e sabores tradicionais…

3. RESULTADOS O trabalho levado a cabo nos últimos anos na definição e implementação de percursos geoturísticos slow tem vindo a materializar-se em diversos espaços e contextos geológicos, de que são exemplo os seguintes roteiros:

- Rota dos Mármores – Rede Lenta de Percursos Geoturísticos: tendo como ponto de partida o enquadramento geológico regional (anticlinal de Estremoz) e a indústria de rochas ornamentais aí instalada, permite uma leitura integrada do território (e.g. recursos, ocupação humana, ambiente), com o auxílio de diversos percursos que abordam, entre outros, espaços (e.g. monumentos, pedreiras, cantarias, tabernas, fornos de cal, olivais, núcleos urbanos), sabores,

geoturismo, desenvolvimento sustentável, Slow Food e técnicas de orientação (Lamberto et al., 2003);

- A geologia da Região dos Três Castelos de Sebastião da Gama: aproveitando o «Circuito Turístico da Região dos Três Castelos», criado pelo poeta de Azeitão Sebastião da Gama, em 1949, o roteiro salienta a geologia da região e, em particular, os locais com especial interesse geológico e mineiro, como o Cabo Espichel, o Vale de Sesimbra ou a Arrábida (Caetano et al., 2009b), e integra outras áreas do saber, como a enogastronomia, a cultura e a história;

- Geologia no Almada Forum: visita guiada pelo edifício deste centro comercial, podendo

observar-se a variedade de tipos de rochas ornamentais, em grande parte portuguesas, aplicados no exterior e interior do edifício, bem como em diversas lojas, com identificação das várias rochas utilizadas, em termos de tipo litológico, proveniência, idade e tipo de aplicação (Caetano et al., 2003);

- Geologia Eclesiástica, dos Prazeres aos Anjos: percurso efectuado pelo eléctrico 28E, dos Prazeres aos Anjos, para observar georrecursos culturais urbanos, em especial ocorrências de pedra natural aplicadas em edifícios eclesiásticos de Lisboa (e.g. Basílica da Estrela, igrejas

do Chiado e Sé), aproveitando-se simultaneamente para abordar aspectos geológicos complementares, que podem também considerar-se como georrecursos culturais urbanos, e outras áreas do saber (e.g. história, arte, arquitectura) (Caetano et al., 2009a);

- Geologia Eclesiástica no Hotel Convento do Espinheiro: o conjunto de pedras usadas na construção e ornamentação do histórico Mosteiro de N. Sra. do Espinheiro e o seu enquadramento geológico e património edificado são o fio condutor de um inovador roteiro de

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cariz geológico e histórico, ao qual não faltam aspectos como a ocupação do território,

práticas agrícolas e gastronómicas e o enquadramento do movimento Slow Food.

Estes percursos, e os que se encontram ainda em fase de levantamento, deverão globalmente contribuir, entre outros aspectos, para:

- aumentar a consciência pública em relação à Geologia e aos georrecursos e sensibilizar as populações para a sua importância;

- encarar a Geologia como um ponto de partida para a leitura do território, a camada de base sobre a qual assenta outra informação;

- considerar as aplicações da pedra natural como sítios de património geológico e recurso para o

ensino das ciências geológicas;

- promover o estudo da proveniência dos materiais geológicos aplicados ao longo da história e a protecção dos respectivos locais de extracção;

- aproximar as populações da natureza, valorizando os seus recursos, promovendo a sua recuperação para novos e antigos usos e dinamizando a economia local;

- procurar minimizar impactes negativos no território e o envolvimento da comunidade na conservação do património geológico e de outras especificidades de uma região;

- conservar os recursos geológicos culturais existentes, sobretudo os que se situam em espaços

urbanos ou adjacentes, por vezes diminutos e sujeitos a grande pressão;

- providenciar um recurso educativo/pedagógico para o ensino da Geologia e de outras ciências, da Terra e do Homem;

- captar visitantes e aumentar o tempo de permanência nas regiões envolvidas, através do usufruto sustentado de património único e amiúde desconhecido;

- promover o desenvolvimento sustentado do interior do país, nomeadamente de comunidades rurais localizadas em zonas muitas vezes economicamente deprimidas;

- combater a «aramização» excessiva do interior do país, a destruição de antigos caminhos rurais

e rotas, e dos conhecimentos das comunidades rurais;

- potenciar a criação de novos produtos turísticos sustentáveis, que promovam a integração de diversas áreas do saber, nomeadamente mediante criação de percursos geoturísticos slow.

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Refira-se que o geoturismo slow, que tem vindo a ser promovido junto do público diversificado que tem participado nos passeios efectuados (e.g. programa Geologia no Verão do Ciência Viva, Slow Itineraries), prosseguirá no futuro com outras acções, enquadradas sempre pela filosofia slow. Os percursos deverão estimular o contacto com a natureza e o desenvolvimento socioeconómico sustentado das regiões envolvidas, tendo sempre como ponto de partida o enquadramento geológico, importante ferramenta para leitura e compreensão do território e das suas especificidades, à semelhança do que sucede com o conceito de terroir, tão em voga na enologia.

Assim, com o auxílio da Geologia e das rochas ornamentais, e como “uma vida rápida é uma vida

superficial” (Honoré, 2006), promovamos a compreensão e o usufruto da lentidão… que aparentemente não é estranha a quem orbita na área da Geologia e dos georrecursos, dado estar presente, por exemplo, na escala geológica do tempo e em muitos dos processos geológicos conhecidos, responsáveis, por exemplo, por muitas das características únicas das rochas ornamentais…

Referências

Bennett, M.; Doyle, P.; Larwood, J. G. & Prosser, C. D. (Eds.) (1996) – Geology on your doorstep. The role of urban geology in earth heritage conservation. The Geological Society, London, 270 pp.

Brilha, J. (2005) – Património geológico e geoconservação – A conservação da natureza na sua vertente geológica. Palimage, Viseu, 190 pp.

Caetano, P. S., Verdial, P. H., Gregório, P., Heitor, A. P., Pedro, B. & Silva, I. (2003) - A criação de circuitos geológicos no Almada Forum – um exemplo de divulgação da Geologia em meio urbano. Ciências da Terra (UNL), Lisboa, n.º esp. V, pp. 106-107; CD-ROM, pp. I24- I27

Caetano, P. S., Lamberto, V. & Verdial, P. H. (2009a) - Ecclesiastic geology in the city of Lisbon,

ASMOSIA IX, ASMOPSIA/ICAC, Tarragona, poster.

Caetano, P. S., Lamberto, V., Verdial, P. H. & Brito, M. G. (2009b) – A Geologia da Região dos Três Castelos de Sebastião da Gama. Livro guia, Geologia no Verão 2009/Associação Slow Food Alentejo, 34 pp.

Dowling, R. & Newsome, D. (Eds.) (2006) – Geotourism. Elsevier, Oxford, 260 pp.

Honoré, C. (2006) – O movimento Slow. Estrela Polar, Cruz Quebrada, 263 pp.

Lamberto, V., Melen, F., Silva, A., Tapadas, C. & Xarepe, C. (2003) – Rotas do Mármore – Rede

integrada de circuitos geoturísticos. VI Congresso Nacional de Geologia, Ciências da Terra, DCTFCTUNL, Caparica, n.º esp. V, p. 109; CD-ROM, pp. I43-I46