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Gestão Participativa dos Resíduos Sólidos Urbanos no Município de Medianeira - PR: diretrizes, descaminhos e perspectivas∗
Alexandre Francisco Böck UFSC/Geografia
Maria Dolores Buss UFSC/Geografia
Palavras-Chave: Gestão Participativa, Resíduos Sólidos Urbanos, Políticas Públicas.
INTRODUÇÃO
Entre as questões mais discutidas na atualidade estão a deterioração ambiental e a
exclusão social. E é em relação a essas duas questões que o presente artigo pretende se
inserir, através de uma análise geográfica sobre a problemática sócio-ambiental
referente aos resíduos sólidos urbanos(RSU).
A problemática sócio-ambiental surge em um contexto em que a poluição e a
deterioração ambiental aliadas à atividade de catação nos lixões, torna-se uma realidade
lastimável e preocupante em grande parte dos municípios brasileiros. A existência dos
lixões (depósitos de lixo a céu aberto, sem nenhum critério de proteção ambiental e
sanitária) e de todos os seus problemas pode ser evidenciada na maioria dos grandes
centros urbano-industriais, como também, nos pequenos e médios municípios.
Em nosso entendimento, é inadmissível que os lixões continuem a se proliferar nas
nossas cidades brasileiras, gerando impactos não só sanitários e ambientais como
também sociais, econômicos e culturais, sabendo-se que existem diversas formas de
resolvê-los, ou pelo menos minimizá-los.
É inadmissível, porque além de causarem uma poluição generalizada no ambiente
(o que já constitui um motivo em si para a sua inexistência), também possibilitam a
prática condenável e desumana de catação de comida e de materiais comercializáveis
∗ Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.
nesses ambientes, ocasionando problemas de saúde pública, por sua alta periculosidade
e insalubridade.
Segundo PEREIRA NETO (1999:43) entraves para o equacionamento desses
problemas não faltam, basta considerar a inexistência de vontade política (subentende-
se a ausência ou descontinuidade de adequadas políticas públicas) e/ou de recursos
financeiros. Conforme o mesmo autor, outro entrave à resolução dos problemas pode
residir também na ausência de projetos integrados e exeqüíveis, ou seja, que
contemplem o uso de sistemas de gerenciamento integrado e que sejam bem elaborados,
simples, eficientes, com flexibilidade técnico-operacional e compatíveis com a realidade
sócio-econômica do município.
Como a problemática em discussão se dá em todas as Regiões, Estados e
Municípios da Federação, ao nosso ver, o estabelecimento de uma Política Nacional de
Gestão dos Resíduos Sólidos pode contribuir decisivamente para o equacionamento
desses problemas e entraves, desde que contemple as necessidades e prioridades de cada
local, Município, Estado ou Região.
Segundo PALAMANOS (2000:213) a inexistência de uma política nacional que
imponha diretrizes aos Estados e Municípios pode ser apontada como uma das causas
da situação caótica em que se encontram muitos municípios brasileiros, pois a falta de
uma política de âmbito nacional deixa a maioria deles em situação de abandono, pois,
apesar de serem autônomos, não possuem a mínima estrutura econômica e técnica para
a solução do problema.
Mas enquanto essa política nacional não se concretiza, a Gestão Participativa dos
RSU surge como uma alternativa para esse contexto. Esta pode se caracterizar pela
tentativa de resolução dos problemas ambientais e sociais a partir da construção coletiva
de políticas públicas, comprometimento político dos poderes públicos,
multidisciplinaridade, cumprimento da legislação vigente, educação ambiental, geração
de emprego e renda, e principalmente, participação da população (BLOCH, 1999).
A importância em se realizar uma análise geográfica sobre essas questões aparece
quando emerge a necessidade de redefinição da cidadania (uma vez que pessoas
dependem da atividade de catação de materiais recicláveis) e de redefinição da
qualidade ambiental (já que um adequado gerenciamento integrado dos RSU pode
minimizar seus impactos ambientais, sanitários, econômicos, sociais e culturais).
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Para falar de redefinição da cidadania e da qualidade ambiental, infere-se a
necessidade de estudar e compreender os processos e mecanismos de gestão sócio-
ambiental do território, englobando neste estudo, as relações intrínsecas dos diversos
atores sociais e as políticas públicas atinentes a formação e transformação sócio-
espacial.
Para tanto, subentende-se ser necessário investigar e analisar criticamente as
contradições e conflitos existentes em uma determinada realidade em estudo, pois é
eminente a reivindicação cada vez maior por parte da sociedade contemporânea, o
direito a uma gestão democrática, através da participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação,
execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento, seja
urbano, rural ou sócio-ambiental.
Para efetivar essa análise, escolheu-se como área de estudo o Município de
Medianeira/PR, pois este vem implementando a Gestão Participativa dos RSU desde o
ano 2000, mas por razões e motivos ainda pouco conhecidos, ainda não conseguiu
equacionar os principais problemas referentes ao lixo municipal, principalmente em
relação ao lixão e aos catadores nele existentes.
Segundo SCHEIBE(1997:136) para caminhar na direção da superação dos
problemas ao nível do município, “que como unidade administrativa básica de nossa
organização territorial é a instância mais próxima dos cidadãos, é necessário que se
tenha, inicialmente, uma visão integradora das interações no sistema natureza-
economia-população.”
SCHEIBE(1997:135) salienta a necessidade de uma visão integradora, pois:
... o município é uma realidade complexa, constituída por uma
base territorial, com uma cobertura vegetal modificada pelo uso
humano do solo para a agricultura, a pecuária, a urbanização, as obras
de infraestrutura; por uma população, com suas características em
função de uma história; pelos elementos da dinâmica econômica, com
suas interrelações através do comércio e da indústria, cada vez mais
influenciadas pela realidade internacional, no atual contexto da
globalização da economia.
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Buscando essa visão integradora, pode-se adotar o conceito de geossistema.
Conforme MONTOBELLER-FILHO(2001:118):
... o conceito de geossistema ... é capaz de considerar um grande
número de componentes, e ao mesmo tempo delimitar o espaço para
análise. Ele é construído como resposta, quando se trata de analisar
sociedades humanas, ao conceito de ecossistema, mais adequada a
populações não-humanas. Assim, o geossistema procura atender ao
princípio da ecologia, tudo está ligado a tudo, observando a adaptação
que ele deve sofrer para dar conta da complexidade de inter-relações
que caracteriza as sociedades humanas.
O Município de Medianeira, localizado na região oeste do Estado do Paraná,
possui uma população de 37.827 habitantes, distribuídos em 314,632 km², sendo 33.246
residentes na área urbana (IBGE, SENSO 2000).
Segundo PROJETO LIXO(1999) a produção per capita de lixo está estimada em
500 gramas / dia, totalizando uma geração de mais de 500 toneladas por mês, que são
coletados pelo Serviço de Limpeza Pública Urbana em praticamente toda área urbana do
Município.
Desse total que é coletado, estima-se que aproximadamente 30 a 40% possa ser
reaproveitado para a reciclagem dos resíduos secos e 40 a 50% para a compostagem da
matéria orgânica(PROJETO ATERRO SANITÁRIO, 1995).
No entanto quase todo o lixo gerado em Medianeira é despejado a céu aberto
numa área próxima ao perímetro urbano da cidade, causando contaminação do solo, do
ar e das águas, devido à forma de disposição inadequada, caracterizada como “Lixão”.
Além de toda a poluição ao ambiente há a agravante de várias famílias viverem
catando nesta área, sobrevivendo da venda do material encontrado no lixão, ficando
dessa forma, a mercê de condições altamente perigosas à saúde humana.
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Paralelamente, também existem famílias catando papel e papelão nas ruas do
centro da cidade, muitas vezes sem uma segregação prévia na fonte, o que também
acarreta risco de saúde.
Somando-se o número de pessoas que dependem única e exclusivamente da
venda dos resíduos recicláveis encontrados no lixo municipal de Medianeira, chega-se a
75 no total, pelo menos até o mês de abril de 2000(BÖCK, 2000).
OBJETIVOS
Analisar a implementação e desenvolvimento da Gestão Participativa dos RSU
em Medianeira – PR, identificando as diretrizes (políticas públicas), os descaminhos
(entraves) e as perspectivas (possibilidade de equacionar os problemas).
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
No presente artigo abordou-se a problemática sócio-ambiental dos RSU como um
processo político-cultural (e não somente econômico e/ou técnico-operacional), onde a
participação da população é considerada imprescindível na formulação e implementação
das políticas públicas nas diferentes esferas governamentais.
Daí, a idéia de se realizar um estudo sobre a gestão participativa, onde sociedade
e Estado interagem mais proximamente, passando a serem co-responsáveis nas tomadas
de decisões referentes aos seus destinos.
Alguns estudos sobre gestão participativa já foram realizados por Heidrich,
Duarte, Oliveira, Tartaruga, entre outros, principalmente em função das várias
experiências nestes últimos anos, no mundo, no país e principalmente no Rio Grande do
Sul, do chamado Orçamento Participativo.
Mas estudos mais específicos, principalmente ligados à gestão sócio-ambiental,
ainda são pouco conhecidos e divulgados.
Partindo-se do pressuposto que a gestão sócio-ambiental participativa enquanto
objeto de estudo é um fenômeno recente e ainda pouco explorado nos estudos de cunho
geográfico, pelo menos no Brasil, e por se apresentar a priori como uma complexa
interação entre sociedade e Estado na formação e transformação sócio-espacial, onde
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interagem os diversos atores sociais de uma comunidade num determinado território,
percebe-se a necessidade de realizar os estudos e análises através de procedimentos
variados e multidisciplinares para a explicação e compreensão da realidade.
Para isso, utilizou-se instrumentos quantitativos para obtenção de dados concretos
e qualitativos para obtenção de opiniões da população, buscando a inter-relação entre as
informações de natureza objetiva e subjetiva.
Na tentativa de elucidar e delimitar a abordagem do objeto a qual convergirá
todos estudos e análises, considera-se Resíduos Sólidos Urbanos no Brasil, o lixo; cuja
coleta, transporte e destinação final, é por definição legal de responsabilidade das
Prefeituras Municipais, que inclui o lixo domiciliar, o comercial e o público(ROTH,
ISAIA & ISAIA, 1999:26).
A opção em limitar os estudos aos RSU foi propositalmente escolhida em função
de que, são estes os que exigem uma interação maior entre o poder público e a
comunidade em geral, já que são inerentes a todos os indivíduos da nossa sociedade. Ou
seja, qualquer indivíduo inserido na sociedade moderna produz direta ou indiretamente
estes tipos de resíduos, não significando que os outros não mereçam a devida atenção.
Muito antes pelo contrário!
Portanto para analisar a implementação e o desenvolvimento da Gestão
Participativa dos RSU em Medianeira, identificando as diretrizes, os descaminhos e as
perspectivas, algumas etapas foram essenciais.
Numa 1ª etapa realizou-se uma ampla revisão bibliográfica sobre o tema em foco,
buscando uma fundamentação teórica que abordasse o processo de exclusão social e a
deterioração ambiental, sua relação com o lixo e as possíveis alternativas para reverter
esse quadro.
Na 2ª etapa, realizou-se um diagnóstico da realidade a partir do trabalho de
campo no Município de Medianeira, junto à Prefeitura Municipal e demais
organizações, entidades e fóruns. O diagnóstico pretende identificar o estágio de
desenvolvimento da Gestão dos Resíduos e, simultaneamente, verificar os problemas
enfrentados para sua implementação quanto aos aspectos econômicos, sociais,
ambientais, culturais, legais, políticos e operacionais.
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A leitura da realidade ainda não foi totalmente efetivada, necessitando realizar-se
mais pesquisas in loco, entrevistas e participar em reuniões com as pessoas envolvidas,
pois é imprescindível traçar um perfil dos conceitos e das expectativas dos munícipes e
autoridades, bem como, o nível de conhecimento dos mesmos sobre os temas sócio-
ambientais (educação ambiental) e sua intervenção na realidade a qual estão inseridos
(práticas sociais e políticas).
Quanto às entrevistas e à participação em reuniões, optou-se pelo método
qualitativo, pois baseia-se em alguns pressupostos teóricos, dentre eles o de que as
abordagens qualitativas são mais capazes de, conforme LEFÈVRE et al (2000:15)
“incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às
relações e às estruturas sociais, sendo estas últimas tomadas tanto no seu advento quanto
na sua transformação, como construções humanas significativas”.
Neste contexto, os indivíduos serão importantes fontes para as pesquisas que
visam o resgate dos discursos que constituem as representações sociais. Mas não serão
as únicas, pois as representações sociais - segundo LEFÈVRE et al (2000) “são a
expressão do que pensa ou acha determinada população sobre determinado tema” -
também se encontram em outras fontes, que são os diversos espaços diretamente
discursivos como os meios de comunicação, os fóruns de discussão, os espaços
acadêmicos, literários, os arquivos, etc.
Com esses procedimentos acreditamos ser possível identificar a atuação do Poder
Público Municipal, Estadual e Federal; as formas de organização social e espacial das
pessoas que trabalham no setor informal dos materiais recicláveis; bem como a
participação da população na Gestão dos RSU.
Com o diagnóstico realizado, passar-se-á para uma 3ª etapa, em que pretende-se
elencar as Políticas Públicas pertinentes à Gestão dos RSU no Município de Medianeira,
através de um prognóstico. Este pretende indicar as condições mais adequadas para a
adoção de políticas públicas que busquem o equacionamento da problemática dos RSU,
a partir de estratégias de desenvolvimento sócio-ambiental mais sustentáveis.
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RESULTADOS
Os casos de agravamento da poluição ambiental em relação aos resíduos sólidos
estão ligados ao crescimento da população, da urbanização, da demanda de bens e da
disposição de resíduos de forma inadequada no meio.
Porém, um dos maiores problemas reside na ausência de políticas adequadas
(PRINGLE,1977) e de critérios no planejamento, o que fez com que esse processo de
deterioração se acelerasse e criasse uma lógica insustentável, fazendo com que se
retirasse da natureza o máximo possível, para suprir o consumo generalizado da
sociedade (capitalista-consumista) mundial, principalmente das sociedades dos países
centrais.
De acordo com o economista Elmar Altaver (1995) citado por MONTIBELLER-
FILHO(2001:227), a questão reside não apenas no fato de que a condição para a
sobrevivência do ser humano é produzir lixo, porém, mais ainda, em que “o homem da
sociedade industrial fordista é um ser produtor de lixo em massa; este é seu estilo de
vida”.
MONTIBELLER-FILHO(2001:227) complementa dizendo que:
Esta é uma característica do ser moderno da atualidade, com seu
alto grau de individualidade, flexibilidade, mobilidade e autonomia.
Tais condições baseia-se no transporte, moradia e consumo
individuais, isto é, no estilo de vida do desperdício. A este estilo de
vida conflui uma indústria de bens de consumo individualizado, tais
como: automóveis; produtos de consumo doméstico comercializados
em pequenas porções hermeticamente embaladas; embalagens cuja
única função é a de estimular o consumo dos produtos que contêm;
produtos e embalagens de plástico, e outros.
Neste contexto, é importante salientar o que o Presidente do IBGE, Sérgio
Besserman declara: “... não é a pobreza que causa agressões ao planeta. Quem está
agredindo mais aos ecossistemas do Brasil e do planeta é a riqueza. O padrão de
consumo que existe no Brasil e no mundo hoje é insustentável.”(Folha de São Paulo,
20/06/2002: A 18)
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Considerando o gasto/desperdício de energia e a geração de entropia a partir da
extração de matérias-primas e da disposição final inadequada dos resíduos sólidos, as
soluções para minimizar os impactos causados por estes se aperfeiçoam e se
complementam quando são analisados como um todo, a partir de uma visão holística, e
não somente como um fenômeno isolado.
Conforme BRANCO(1989: 95) reduzir o consumo, reutilizar e/ou reciclar
resíduos das atividades domésticas, agrícolas e industriais, gerando combustíveis,
adubos e matérias-primas para várias atividades, constitui-se em uma das principais
maneiras de poupar materiais esgotáveis, reduzir gastos energéticos com sua extração a
partir de minérios de baixo teor e locais pouco acessíveis, economizar energia, obter
maior produtividade dos solos, enfim, reduzir a geração de entropia.
THEIS(1998:71) vai um pouco além e diz que:
... é necessário transitar dos padrões insustentáveis de produção,
troca e consumo, hoje dominantes em nossos centros
urbanos/industriais, para padrões social, econômica e ambientalmente
sustentáveis de desenvolvimento, que privilegiam – através da
participação das comunidades locais - a satisfação de necessidades
básicas da população com eficiência econômica, mas também com
prudência ecológica.
Por isso, embora se diga que as políticas tenham uma tendência baseada na justiça
social e que cada vez mais se reconhece em todo ser humano, entre outros direitos, o
direito fundamental a um ambiente físico, biológico e sócio-cultural sadio
(BRANCO,1989) e embora conste isso no artigo 225 da Constituição Federal do Brasil,
muita coisa ainda têm que mudar.
Segundo DANSEREAU (1999: 137) “a redistriuição de renda no interior de uma
sociedade (pelas taxas, pelos benefícios sociais, etc.) não é administrada em nenhum
lugar de maneira muito satisfatória. O mecanismo de compensação entre as sociedades
está mais em regressão do que em progressão. Temos constantemente a prova de que os
ricos se tornam mais ricos e os pobres se tornam mais pobres.”
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Por um lado, a massa de excluídos aumenta a cada dia em função da globalização
do capitalismo excludente. Por outro, a emissão de poluentes continua crescendo,
causando impactos ambientais às vezes irreversíveis.
Os problemas tomam outras dimensões quando esses problemas se inter-
relacionam, e isso pode ser evidenciado nos lixões da maioria das cidades
brasileiras(RODRIGUES & CAVINATTO, 1997: 48).
Embora de grande importância econômica e ambiental, a catação de lixo da forma
como é geralmente realizada no Brasil, é uma atividade desumana, necessitando
intervenção por parte dos poderes públicos e da sociedade de forma a torna-la aceitável
do ponto de vista social e ambiental.
É necessário erradicar os lixões e gerar empregos dignos num ambiente mais
saudável, porém a coleta e destinação adequada de resíduos sólidos nas cidades
brasileiras estão entre os principais problemas enfrentados pelo poder público
municipal.
Segundo dados do IPT/CEMPRE (1995), 11% dos municípios brasileiros
possuíam sistema integrado de aterro sanitário, usina de triagem e/ou
reciclagem/compostagem e incineração, enquanto que 76% depositavam seus resíduos
em lixões a céu aberto e 13% em aterros controlados.
Dados recentes da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, realizada em 2000 e
divulgada em 19/06/2002 no Rio de Janeiro (IBGE - Indicadores de Desenvolvimento
Sustentável), mostram que 59,5% do “lixo coletado” (sem contar aquele que não é
coletado) no país ainda tem destinação inadequada. (Folha de São Paulo, 20/06/2002: A
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Nas cidades de pequeno e médio porte a geração de lixo é na maioria das vezes,
muito menor quando comparado às de maior porte, mas não seus problemas sócio-
ambientais.
Segundo UNICEF (2000), foi possível constatar que existiam cerca de 43.500
crianças vivendo do e no lixo. Elas estavam presentes em 36% das cidades brasileiras,
sendo que 60% desses casos ocorriam nas cidades com população até 50.000 habitantes.
E com tantas crianças vivendo do e no lixo, com certeza há também outro tanto
ou mais de adultos que vivem na mesma situação.
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No Brasil, segundo o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL(1999: 13), os
grandes problemas sociais associados à ineficiente estrutura de saneamento, induzem
milhares de pessoas à catação em logradouros públicos e em ambientes insalubres como
os lixões.
Conforme UNICEF (2000) há a presença de catadores fazendo a coleta seletiva
de materiais recicláveis como papel, plástico, papelão, vidro, alumínio e metais em 69%
das cidades brasileiras. Outro dado mostra que em 51% dos municípios brasileiros há
coleta seletiva de quase todos os matérias absorvidos pelo mercado nacional. Porém não
se sabe se nesses 51% há uma coleta seletiva realmente eficiente e abrangente, se há a
participação da população, se tem iniciativa do Poder Público e se os catadores estão
inseridos e incluídos socialmente no processo.
Também é importante salientar que o Brasil deixa de ganhar pelo menos R$4,6
bilhões todo o ano por não reciclar os resíduos (CALDERONI, 1999).
Diante desta realidade, inúmeras são as possibilidades para enfrentar o problema
ambiental do lixo. Mas resolver os problemas ambientais, embora isto deva ser feito,
não é o suficiente. Qualquer alternativa de preservação ambiental deve estar em
consonância com os problemas sócio-econômicos, culturais e político-institucionais de
uma determinada realidade.
O mesmo deve acontecer a nível regional, nacional e internacional, pois a
deterioração da qualidade de vida e dos recursos naturais, a democratização da poluição,
a globalização da economia e a exclusão social, precisam ser encarados como
fenômenos contemporâneos e necessários de mudanças.
A “qualidade de vida” e a forma como é encarado o “nosso ambiente” deve ser
construída através da Educação Ambiental, a qual necessariamente deve constituir-se da
visão de que o sujeito enquanto participante de uma sociedade capitalista urbano-
industrial, e portanto, de consumo, gera e descarta determinados resíduos (lixo) que a
natureza não consegue assimilar quando não tratados corretamente, causando impactos
ambientais, sanitários, sociais, econômicos e culturais.
Assim, crêe-se que vários aspectos deverão ser levados em consideração, pois
como falar em qualidade de vida ou qualidade ambiental quando existem diversas
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pessoas excluídas sócio-economicamente, necessitando buscar nos lixões sua
sustentação.
Nesse contexto, a coleta seletiva tem um papel extremamente importante, pois
segregando os resíduos na fonte geradora, facilita-se seu recolhimento, tratamento,
reaproveitamento e reciclagem.
Mas talvez o aspecto mais importante a ser levado em consideração, diz respeito
ao resgate social das famílias que vivem no e do lixão e que encontram-se totalmente
excluídas da sociedade.
Com a seletividade, além de todas vantagens ambientais, reduz-se a
insalubridade do trabalho com esses materiais e favorece-se a organização dos
trabalhadores envolvidos nestas atividades.
E esse pode ser o diferencial da gestão participativa em relação aos outros
modelos de gestão, que planejam e implantam sistemas de cima para baixo, sem
envolver efetivamente os diversos segmentos da população, dentre eles, os próprios
catadores.
Encampando essas idéias na tentativa de equacionar a problemática em voga, a
Prefeitura Municipal apoiou e participou da implantação da gestão participativa dos
resíduos sólidos urbanos. Esta vem se desenvolvendo a partir da formação de grupos
multidisciplinares de professores; profissionais da área ambiental e da saúde; entidades
públicas, privadas e filantrópicas; representantes de organizações civis, como também
de interessados no assunto.
As reuniões dos grupos vêm ocorrendo por intermédio do Fórum Permanente de
Desenvolvimento de Medianeira, reunindo num mesmo assunto (Câmara Temática do
Meio Ambiente), representantes da administração municipal e de diversas entidades e
organizações para discutir e deliberar sobre possíveis soluções de problemas existentes
no âmbito do Município.
Contudo, por diversos fatores, principalmente políticos, burocráticos, e de
adequação técnica e legal, a realidade concreta ainda não mudou e o gerenciamento
integrado não se efetivou, conforme a última entrevista realizada em 19 de dezembro de
2001.
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O aterro sanitário ainda não saiu do papel, assim como a unidade de triagem e
beneficiamento de materiais recicláveis. O pior é que o lixão continua existindo e em
plena operação, persistindo os problemas.
A coleta seletiva municipal também continua apenas como um projeto. Ainda não
existe nenhuma sistematização, organização ou planejamento, a não ser em algumas
escolas, faculdades e estabelecimentos comerciais que tomaram a iniciativa. Quem faz a
coleta seletiva no município continuam sendo os catadores nas ruas e no lixão.
O que se pode dizer de positivo é que a Associação dos catadores foi fundada e a
educação ambiental vem sendo trabalhada em muitas escolas do município, através de
palestras e eventos, entre outros.
Porém atenta-se que tanto a associação quanto o trabalho de educação ambiental
vem perdendo força por causa da não efetivação do gerenciamento integrado dos
resíduos sólidos urbanos.
A administração municipal alega que o gerenciamento integrado não está se
efetivando em função da falta de recursos financeiros, pois a mesma já tentou implantar
o Aterro Sanitário e a Unidade de Triagem no ano de 2000, com recursos da Caixa
Econômica Federal, mas por intervenção política, as obras pararam.
Um vereador entrou com recursos na Justiça para interditar a área escolhida para
as instalações, pois segundo ele, essa estaria muito próxima ao Aeroporto Municipal de
Medianeira. A Prefeitura recorreu a Aeronáutica e outras instâncias para prosseguir as
obras, pois argumentou que o Instituto Ambiental do Paraná havia liberado a área e que
a média de aviões na pista não passava de 3 por mês.
Além disso, a população residente próxima a provável área do aterro sanitário
também se organizou e fez um manifesto contra a instalação do aterro na referida área,
alegando que não queriam um novo lixão próximo as suas residências.
Em função da gestão participativa ter um caráter democrático, é certo que muitas
diretrizes propostas pela Administração Municipal serão adotadas pelo Município,
enquanto outras, serão descartadas, ampliadas ou reformuladas em função das decisões
políticas tomadas não somente por ela, mas também pelas demais organizações
envolvidas pelo Fórum.
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Não se pode considerar isto como um retrocesso e sim um avanço, pelo menos do
ponto de vista político-cultural, pois se as decisões políticas estão sendo discutidas pela
comunidade através de suas organizações, descentraliza-se de certa forma as tomadas de
decisões dos órgãos públicos e socializa-se o processo, envolvendo-se mais pessoas.
Em nosso ponto de vista, informar, esclarecer e promover a educação ambiental
no intuito de formar uma conscientização coletiva de toda população, envolvendo-a no
processo de construção, é uma das melhores formas de fazê-la participar.
Diante desta hipótese, torna-se imprescindível uma consciência sobre a
importância da responsabilidade de cada indivíduo e da coletividade com o seu meio
através de um trabalho de educação ambiental que seja de um modo mais direto,
promovido pela Prefeitura Municipal, Universidades, Escolas, Associações
Comunitárias, Igrejas, ONG’s e outras entidades e organizações.
Com consciência crítica da realidade e intervindo positivamente nesta, infere-se
que poderemos criar uma cultura cidadã, onde os direitos à qualidade ambiental e à
qualidade de vida serão realmente direito de todos.
A partir dessa consciência e participação pode-se implantar um programa de
coleta seletiva visando a segregação dos resíduos na própria fonte, separando-os
conforme as suas características peculiares, para tratá-los como devem ser tratados.
Assim os trabalhadores da associação e/ou o Serviço de Limpeza Pública da
Prefeitura (e somente eles) poderão realizar a coleta dos resíduos segregados,
transportando-os até a Unidade de Triagem onde realizarão a seleção final dos
materiais, dando-lhes seus devidos tratamentos e destinos finais.
Inseridos nesse contexto, os geógrafos têm uma grande contribuição a dar: estudar
e propor soluções para que todos os municípios brasileiros tenham uma gestão sócio-
ambiental integrada e participativa dos RSU e que as pessoas envolvidas no trabalho de
catação, tenham a oportunidade de terem uma vida mais digna e saudável e o direito à
cidadania.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A questão da falta de prioridade nas políticas públicas
Diz-se que a vida humana não tem preço. Porém atribuímos a ela um valor em
dinheiro quando pagamos nossos impostos. E toda vez que o poder público divide seus
limitados recursos entre vários programas, ele está de alguma maneira favorecendo
algumas pessoas, melhorando sua qualidade de vida.
Segundo SOUZA (2000:117) “os problemas ambientais são todos aqueles que
afetam negativamente a qualidade de vida dos indivíduos no contexto de sua interação
com o espaço, seja o espaço natural, seja, diretamente o espaço social.”
Conforme o mesmo autor em alguns casos, aquilo que é, um certo sentido, um
problema ambiental, pode converter-se em recurso ambiental e estratégia de
sobrevivência. É o que ocorre com as pessoas que recolhem lixo pelas ruas da cidade ou
em lixões para seu próprio uso ou para revenda. O caso de Curitiba, com programas
como “Compra do Lixo” e “Câmbio Verde” , mostra, ainda por cima, que o próprio
Estado pode se constituir em um provedor de renda adicional mediante a
institucionalização de algo que, para outros, é uma estratégia de sobrevivência informal.
O mesmo dever-se-ia pensar a propósito dos lixões e aterros sanitários, os quais
constituem uma fonte de subsistência para muitos pobres.
Nos dizeres de SOUZA (2000:137)
“Não será tudo isso, porém, medíocre demais ou mesmo um
pouco sórdido? Sob o ângulo da justiça social, programas como os de
Curitiba são, no máximo, modestos paliativos (mas nem por isso,
claro, desprezíveis, de um ponto de vista pragmático de gestão da
cidade), enquanto que a estratégia de sobrevivência como a dos que
catam lixo em aterros sanitários é um símbolo da exclusão de uma
parcela da população urbana dos benefícios da urbanização.”
Em decorrência dos desequilíbrios sócio-ambientais atualmente existentes,
àqueles que já se encontram numa situação sócio-econômica desfavorecida e não
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receberem o mesmo tratamento ou atendimento do “Estado” poderão morrer ou viver
menos, por conseqüência da baixa qualidade ambiental e de vida a que estão
submetidos.
Portanto o equacionamento da problemática sócio-ambiental dos RSU depende,
em ultima análise, da criação de políticas públicas específicas.
Mas destaca-se que os problemas sociais não se resolverão apenas com estas
políticas publicas específicas, pois a exclusão social provem do modelo político
vigente(Estado Mínimo).
RODRIGUES(1993:85) atenta para este fato dizendo que “a retórica do
desenvolvimento sustentável não pode impedir de compreender as formas atuais de
exploração sócio-espacial. As contradições estão impressas no espaço deste modo de
produção que produz ao mesmo tempo mercadorias e territórios desejáveis e vendáveis
e territórios indesejáveis”.
Segundo esta autora “as mercadorias vendáveis e desejáveis são parte integrantes
do ideário do desenvolvimento e dos ideais simbólicos de todos os cidadãos do mundo,
passando pelos objetos e territórios como pelas idéias que são vinculadas no mundo
colorido das imagens de TV. As mercadorias e territórios indesejáveis e vendáveis são
muitas e variáveis.”
A autora utiliza o termo “indesejável” no sentido de que não foram planejadas
como mercadorias, e sim, são tidos como desvios da meta de desenvolvimento sem que
se questione o próprio conceito de desenvolvimento.
Com isso podemos dizer que os lixões podem se enquadrar nos territórios
indesejáveis e o lixo, nas mercadorias indesejáveis.
Conforme RODRIGUES(1993:85) “nas premissas e objetivos, embora não
explicitamente, do “desenvolvimento sustentável” expresso pela Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ”Nosso Futuro Comum”, bem como nos
tratados assinados na CNUMAD – Rio 92, está presente o mercado como o responsável
pelo desenvolvimento. “
Mas, segundo a mesma autora, em que pese o predomínio do pensamento
neoliberal, os documentos da ONU referem-se e são (ou não) assinados e referendados
pelos Estados-Nações, o que implica em reconhecimento do poder do Estado para
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regulamentar a apropriação e a produção do espaço. “Qual é, hoje, o papel, a função, a
responsabilidade do Estado-Nação para, se não resolver, minimizar a problemática
ambiental? Poderão os Estados do chamado Terceiro Mundo deixar para o mercado a
resolução de problemas criados no âmbito do mesmo mercado?” (RODRIGUES,
1993:87)
Dentro deste contexto, pelo menos na problemática ambiental, ou melhor, sócio-
ambiental, o Estado-Nação não pode abrir mão das necessárias regulações e
regulamentações das formas de uso do território.
Por estas razões, entre outras, o estabelecimento de uma Política Nacional de
Gestão de Resíduos Sólidos pode ser um importante instrumento para orientar os
estados e municípios brasileiros, desde que contemple o desenvolvimento nacional,
regional e local a partir de uma lógica norteada pela equidade social, elevação da
qualidade de vida e equilíbrio ambiental.
Uma Política Nacional com essa intenção deve estar preocupada em preservar a
saúde pública, proteger e melhorar a qualidade do ambiente, assegurar a utilização
adequada e racional dos recursos naturais, disciplinar o gerenciamento dos resíduos,
estimular a implantação, em todas as cidades e localidades brasileiras dos serviços de
gestão de resíduos sólidos e gerar benefícios sociais e econômicos.
Mas enquanto essa política não for implementada, cabe as municipalidades
buscarem soluções para resolverem seus problemas com os RSU, já que conforme a
legislação em vigor no Brasil, as prefeituras são responsáveis pela gestão dos mesmos.
É interessante destacar que os serviços de Limpeza Pública Urbana - que é um
serviço de pura engenharia, não são suficientes para resolver a questão, já que estes não
levam em conta os aspectos sociais.
Como os catadores trabalham diretamente com a coleta seletiva dos resíduos
sólidos nos diversos municípios brasileiros, a gestão participativa pode ser uma boa
opção para a efetivação de um eficaz gerenciamento integrado dos RSU.
Para isso, cabe destacar que é necessário muita vontade política, se realmente se
quer resolver ou pelo menos minimizar os problemas, pois deve-se priorizar, e muito, as
políticas públicas destinadas a estes fins, já que se trata de mudar não somente uma
realidade material, mas também valores, condutas e hábitos de uma sociedade, ou seja,
17
sua cultura. E isso só pode ocorrer se houver um trabalho efetivo e contínuo de
educação ambiental, seja a nível formal, seja a nível informal.
A questão da Gestão do Território: A Participação da Sociedade no Estado
A importância que o território assume, principalmente para a geografia, repousa
em seu significado concreto, o que envolve não apenas o aspecto físico ou material, mas
também tudo o que uma sociedade pode comportar como ideal, como representações,
sentimentos de vinculação, de comportamentos individuais ou de instituições que
participam de uma organização espacial.
Segundo RODRIGUES (1993:87) “de forma geral, a questão ambiental coloca a
necessidade de releitura do território, onde é preciso considerar e compreender a
complexidade da apropriação, da produção, do consumo, da distribuição, a
complexidade ecossistêmica que se estabelecem ao longo do território, das organizações
societárias com a natureza.”
Conforme BONNEMAISON, (1981, 253-254) in HOLZER(1997:83) “... um
território, antes de ser uma fronteira, é um conjunto de lugares hierárquicos, conectados
por uma rede de itinerários... No interior deste espaço-território os grupos e as etnias
vivem uma certa ligação entre enraizamento e as viagens... A territorialidade se situa na
junção destas duas atitudes: ela engloba ao mesmo tempo o que é fixação e o que é
mobilidade ou, falando de outra forma, os itinerários e os lugares”.
Segundo MACHADO, (1997: 26) ...” para o aprimoramento da análise
geográfica contemporânea, é necessário considerar não apenas as grandes
transformações em termos mundiais dadas pelo desenvolvimento das redes técnicas,
mas também o novo funcionamento do território que ocorre em níveis locais”.
Conforme este autor, a questão fundamental continua sendo a de saber como se
organiza uma sociedade na relação com o espaço, o que pressupõe examinar
minuciosamente fatores materiais e não materiais. Nesses termos, analisar
concretamente o território significa entendê-lo como um produto da história da
sociedade, e que, portanto, está em constante modificação. Ele é o resultado de um
processo de apropriação de um grupo social e do quadro de funcionamento da
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sociedade, comportamento, assim, ao mesmo tempo, uma dimensão material e cultural
dadas historicamente.
Segundo MACHADO (1997: 28) a territorialidade corresponde às ações
desenvolvidas por vários agentes sociais em uma determinada área geográfica e em um
dado momento histórico. As ações são produzidas pelas diferentes relações
estabelecidas entre os agentes em um específico recorte espaço-temporal. “Nessas
relações, estão incluídos não apenas os processos vinculados à esfera da produção, mas
também, e talvez de forma mais incisiva, os elementos culturais tais como a lingüística,
a moral, a ética a religião, enfim, o conjunto complexo de padrões de comportamento,
dado pelas crenças, instituições e valores espirituais e materiais que são transmitidos
coletivamente e que caracterizam uma dada sociedade.”
Em termos geográficos, conforme SACK (1986) citado por MACHADO (1997:
28), “a territorialidade humana é uma forma espacial de comportamento social. É uma
estratégia de um indivíduo ou um grupo de afetar ou influenciar pessoas, fenômenos e
relações através da delimitação e do controle sobre uma determinada área geográfica,
área essa entendida como território.”
De acordo com Sack, citado por MACHADO (1997: 29) ao serem postas em
prática as estratégias territoriais, um simples lugar, um simples ponto, ou uma dada
região da superfície terrestre transforma-se em território. Ainda segundo o autor, as
estratégias utilizadas para o exercício do controle de uma dada extensão espacial podem
ser agrupadas em quatro tipos de ações: “a delimitação de áreas às quais se estabelecem
normas claras do que é permitido ou proibido; a implementação de limites ou fronteiras
através de marcas simbólicas ou sinais; a distribuição e alocação de recursos; o repasse
da responsabilidade das decisões e atitudes sociais para a área, como se fosse atributo
natural do lugar.”
São estratégias de naturezas múltiplas – políticas, ideológicas, econômicas ou
culturais – e podem ser colocadas em prática tanto por instituições formais quanto por
indivíduos ou grupos sociais.
Para SACK citado por MACHADO (1997: 29), “a realização de uma
investigação conceitual sobre a territorialidade requer a consideração do contexto social
particular, pois a territorialidade está intimamente vinculada a uma específica realidade
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social. É necessário levar em, conta o contexto onde a territorialidade acontece, pois, do
contrário, se correria o risco de realizar uma análise espacial abstrata.”
No presente trabalho, busca-se relacionar a territorialidade com a gestão
participativa do território, pois acredita-se que a cidadania é a qualidade social de uma
sociedade organizada sob a forma de direitos e deveres majoritariamente reconhecidos.
Portanto para se alcançar a cidadania, infere-se a necessidade de participação
social na gestão do território, já que segundo DEMO(1996:71) “ participação é
exercício democrático”, e através dela “aprendemos a eleger, a deseleger, a estabelecer
rodízio no poder, a exigir prestação de contas, a desburocratizar, a forçar os mandantes
a servirem à comunidade, e assim por diante.”
Conforme DEMO(1996:70) “cidadania pressupõe o Estado de direito, que parte,
pelo menos na teoria, da igualdade de todos perante a lei e do reconhecimento de que
toda a pessoa humana e a sociedade são detentores inalienáveis de direitos e deveres.”
Nos dizeres deste autor “ no lado dos direitos, repontam os ditos direitos
humanos, que hoje nos parecem óbvios, mas cuja conquista demorou milênios, e
traduzem a síntese de todos os direitos imagináveis que o homem possa ter. No lado dos
deveres, aparece sobretudo o compromisso comunitário de cooperação e co-
responsabilidade.”(1996: 70)
Segundo BORDENAVE (1986:12) “a participação está na ordem do dia devido
ao descontentamento geral com a marginalização do povo dos assuntos que interessam a
todos e que são decididos por poucos”.
Conforme este mesmo autor “tudo indica que o homem só desenvolverá seu
potencial pleno numa sociedade que permita e facilite a paticipação de todos. O futuro
ideal do homem só se dará numa sociedade participativa.”(1986:17)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscando a politização da problemática sócio-ambiental no Brasil, a gestão
participativa pode ser uma boa alternativa para um eficaz gerenciamento integrado dos
resíduos. Esta, a priori, enfatiza maior mobilização social através da construção de uma
cultura cidadã, ou seja, a busca do controle social sobre o processo, na natureza
multidisciplinar do trabalho(BLOCH, 1999). Uma das características da gestão
participativa, pode ser apontada como a co-responsabilização de todas as partes
envolvidas nas atividades de educação, saúde, ambiência, direitos humanos e geração de
emprego e renda.
Portanto, para o êxito dessa proposta, é fundamental a participação das Escolas,
Universidades, Clubes de Serviços, ONG’s, setor privado, catadores, técnicos e
assessores de diversas secretarias municipais, representantes de conselhos e de
organizações representativas da sociedade, assim como a comunidade em geral, pois
deverá haver um constante e contínuo trabalho de Educação Ambiental com toda a
população, sensibilizando-a para as questões sócio-ambientais, em especial, para a
coleta seletiva dos resíduos sólidos.
Porém a participação em si não é suficiente. Segundo BORDENAVE (1986:44)
“na medida que uma organização cresce e se torna mais complexa a participação de
todos os seus membros nas decisões fica mais difícil, exigindo o estabelecimento de
mecanismos de delegação e representação. Um aspecto importante da participação é a
distribuição de funções.”
A partir desta consideração, percebe-se ser necessário que cada agente, grupo ou
entidade realize sua função na gestão participativa, ou seja, deve haver o
comprometimento tanto da Administração Municipal como também de todas as partes
envolvidas.
E quando uma das partes não realiza sua função, coloca-se em risco toda a
proposta, pois do que adianta participar da discussão, do planejamento e da elaboração
de políticas públicas para a resolução dos problemas sócio-ambientais, se não se efetiva
na prática as diretrizes que se quer implementar.
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BORDENAVE (1986:41) salienta que “as condições da participação no mundo
atual são essencialmente conflituosas e a participação não pode ser estudada sem
referência ao conflito social.”
Diante dessa situação deve-se buscar compreender os mecanismos
políticos/administrativos(burocráticos) e tentar equacionar seus empecilhos. Mas
equacionar esses empecilhos depende em primeiro lugar, de vontade política para
resolvê-los. E isso implica principalmente em maior empenho político por parte da
Administração Municipal, como também da Administração Estadual e Federal.
Buscando compartilhar subsídios para uma reflexão crítica sobre os desafios e as
soluções para os impactos sócio-ambientais identificados no presente trabalho,
pretende-se inferir dizendo que a gestão participativa só pode ser bem sucedida através
da convergência de duas palavras-chaves, que devem ser indissociáveis: vontade
política e participação.
Contudo, se há participação da população, ou pelo menos disposição para
participar, o que falta então, é vontade política para resolver os referidos problemas.
Mas como também se identificou nos resultados do presente trabalho, existem
outros fatores como legislação, divergência política, falta de recursos financeiros,
carência de áreas para disposição dos resíduos, entre outros, que tornam inviáveis ou
dificultam quaisquer projetos e políticas públicas que se queira implantar.
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