Golpe de Ariete

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Universidade Federal do ABC BC1317 Fenômenos Ondulatórios Prof. Dr. Marcelo Leigui 3 o Quadrimestre - 2011 - Noturno O Fenômeno do Golpe de Aríete Rafael Pinheiro Machado 1. Introdução O Golpe de aríete é um fenômeno comum em situações onde há escoamento transitório no interior de um conduto forçado, que é caracterizado pela dependência de suas variáveis (pressão e velocidade, ou carga e vazão) em relação ao tempo. Em hidráulica, um transitório hidráulico em conduto forçado caracteriza-se pela ocorrência de ondas de pressão que são propagadas ao longo da tubulação sempre que, por algum motivo, o escoamento sofra (i) aceleração ou (ii) desaceleração. Tomando a segunda lei de Newton ( ), é direto o entendimento de que uma variação da aceleração da massa de fluido provocará o surgimento de variação de pressão. As ondas de pressão então propagam-se ao longo da tubulação, sofrendo reflexões nas extremidades, sofrendo mudanças de amplitudes (de positivas para negativas), perdendo a intensidade na medida em que a energia é dissipada. Portanto, define-se como golpe de aríete a variação brusca de pressão, acima ou abaixo do valor normal de funcionamento, devido a mudanças "bruscas" 1 da velocidade da água. As causas principais deste fenômeno são as manobras instantâneas das válvulas. Este fenômeno, além de provocar ruídos altos, semelhantes a marteladas em metal, pode também provocar o rompimento de tubulações e danificar instalações (Figura 1-1). Figura 1-1 - Danos causados por golpe de aríete em juntas de expansão em linhas de recalque. Fonte: Wikipedia, disponível em http://en.wikipedia.org/ wiki/File:Blown_expansion_ joint.jpg O termo "golpe de aríete" foi cunhado por pesquisadores franceses que assimilaram o som rítmico produzido pelas sucessivas ondas de pressão que atingiam um registro de gaveta ao som das batidas de um aríete (Figura 1-2) ao arrombar portas e muralhas de fortificações. O Aríete é um antigo instrumento bélico usado até o século XV, consistindo de um tronco de madeira atrelado a um pórtico, sendo que este tronco era arremetido seguidas vezes contra porta ou muralha a ser arrombada. A palavra "aríete" tem origem nos vocábulos latinos "aries", "arietis", e significa "carneiro". 1 Posteriormente serão apresentadas as equações para verificar em que condições ocorre este fenômeno. Fonte: Cópia da pintura de Knight, Charles: "Old England: A Pictorial Museum" (1845). Figura 1-2 - Gravura demonstrando o uso de um aríete para golpear os portões de um castelo medieval (Título original: Attack on the Walls of a besieged Tower (shows a battering ram)). 2. Descrição do fenômeno A tubulação (Figura 2-1) é alimentada pelo reservatório sob a carga . A tubulação tem diâmetro constante , onde circula água em movimento permanente com velocidade média . Figura 2-1 - Desenho esquemático para auxílio da descrição do fenômeno. Se a válvula em se fechar instantaneamente a coluna líquida de comprimento terá a sua velocidade anulada no tempo . Portanto, com base na Pela 2ª lei de Newton, temos: Onde é o peso epecífico da água ( ) e é a área da seção transversal da tubulação e é a altura da coluna d'água. A Vazão pode ser definida por: A força também pode ser definida por onde é a velocidade média do fluido. Portanto, substituindo (3) e (4) em (5): Onde é a sobrepressão máxima (em m.c.a. 2 ) em virtude do golpe de aríete e é a velocidade inicial. Logo, isolando em (6), tem-se: 2 metros de coluna d'água. É a unidade de medida prática de pressão equivalente a um metro de coluna d'água.

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Universidade Federal do ABC

BC1317

Fenômenos Ondulatórios

Prof. Dr. Marcelo Leigui

3o Quadrimestre - 2011 -

Noturno

O Fenômeno do Golpe de Aríete Rafael Pinheiro Machado

1. Introdução

O Golpe de aríete é um fenômeno comum em situações onde há escoamento transitório no interior de um conduto forçado, que é caracterizado pela dependência de suas variáveis (pressão e velocidade, ou carga e vazão) em relação ao tempo.

Em hidráulica, um transitório hidráulico em conduto forçado caracteriza-se pela ocorrência de ondas de pressão que são propagadas ao longo da tubulação sempre que, por algum motivo, o escoamento sofra (i) aceleração ou (ii) desaceleração.

Tomando a segunda lei de Newton ( ), é direto o entendimento de que uma variação da aceleração da massa de fluido provocará o surgimento de variação de pressão. As ondas de pressão então propagam-se ao longo da tubulação, sofrendo reflexões nas extremidades, sofrendo mudanças de amplitudes (de positivas para negativas), perdendo a intensidade na medida em que a energia é dissipada.

Portanto, define-se como golpe de aríete a variação brusca de pressão, acima ou abaixo do valor normal de funcionamento, devido a mudanças "bruscas"

1 da

velocidade da água. As causas principais deste fenômeno são as manobras instantâneas das válvulas. Este fenômeno, além de provocar ruídos altos, semelhantes a marteladas em metal, pode também provocar o rompimento de tubulações e danificar instalações (Figura 1-1).

Figura 1-1 - Danos causados por golpe de aríete em juntas de expansão em linhas de recalque. Fonte: Wikipedia, disponível em http://en.wikipedia.org/ wiki/File:Blown_expansion_ joint.jpg

O termo "golpe de aríete" foi cunhado por pesquisadores franceses que assimilaram o som rítmico produzido pelas sucessivas ondas de pressão que atingiam um registro de gaveta ao som das batidas de um aríete (Figura 1-2) ao arrombar portas e muralhas de fortificações.

O Aríete é um antigo instrumento bélico usado até o século XV, consistindo de um tronco de madeira atrelado a um pórtico, sendo que este tronco era arremetido seguidas vezes contra porta ou muralha a ser arrombada. A palavra "aríete" tem origem nos vocábulos latinos "aries", "arietis", e significa "carneiro".

1 Posteriormente serão apresentadas as equações para

verificar em que condições ocorre este fenômeno.

Fonte: Cópia da pintura de Knight, Charles: "Old England: A Pictorial Museum"

(1845).

Figura 1-2 - Gravura demonstrando o uso de um aríete para golpear os portões de um castelo medieval (Título original: Attack on the Walls of a besieged Tower (shows a

battering ram)).

2. Descrição do fenômeno

A tubulação (Figura 2-1) é alimentada pelo reservatório sob a carga . A tubulação tem diâmetro constante , onde circula água em movimento permanente com velocidade média .

Figura 2-1 - Desenho esquemático para auxílio da descrição

do fenômeno.

Se a válvula em se fechar instantaneamente a coluna líquida de comprimento terá a sua velocidade anulada no tempo . Portanto, com base na Pela 2ª lei de Newton, temos:

Onde é o peso epecífico da água ( ) e é a área da seção transversal da tubulação e é a altura da coluna d'água. A Vazão pode ser definida por:

A força também pode ser definida por

onde é a velocidade média do fluido.

Portanto, substituindo (3) e (4) em (5):

Onde é a sobrepressão máxima (em m.c.a.2) em

virtude do golpe de aríete e é a velocidade inicial. Logo, isolando em (6), tem-se:

2 metros de coluna d'água. É a unidade de medida prática

de pressão equivalente a um metro de coluna d'água.

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A onda de pressão, devida à redução brusca da velocidade em condutos forçados, é proporcional à variação da velocidade da água ( ) e à velocidade média com que a variação da pressão percorre a linha dos tubos ( ). A velocidade média com que a variação de pressão percorre a linha dos tubos denomina-se celeridade e é igual a :

Onde o numerador representa a celeridade de onda elástica (ou a velocidade do som) no meio fluido considerado infinito

3, onde a grandeza representa o

módulo de elasticidade volumétrica (parâmetro elástico) do fluido e representa a densidade volumétrica do mesmo (parâmetro inercial), e o parâmetro . O representa a espessura do tubo. O parâmetro é definido pelo quociente da variação de pressão sobre a variação de pressão volumétrica, e depende da temperatura do fluido.

O denominador da equação (8), que diminui a celeridade em meio infinito, representa o efeito do confinamento da propagação da onda elástica em um tubo também elástico, e as grandezas representam, respectivamente, o diâmetro do tubo, o módulo de elasticidade do material com o qual o tubo é construído e a espessura do tubo, medida em metros (SI). Portanto, em um tubo considerado rígido, a celeridade da onda estática é a própria celeridade em meio infinito.

O modelo matemático para o golpe de aríete requer o uso de 3 princípios básicos da física (Conservação de Massa, Quantidade de Movimento e Primeira Lei da termodinâmica) e de uma lei complementar (Lei de Hooke).

A aplicação do princípio da Conservação de Massa, considerando a deformação volumétrica do fluido e a deformação linear do tubo, permite a obtenção de uma equação diferencial parcial onde se destaca a celeridade de propagação da onda estática .

Figura 2-2 - Sistema RTV.

Da aplicação da Quantidade de Movimento resulta uma segunda eq. diferencial que não tem relação com a celeridade , mas na qual está presente uma parcela que considera a perda de carga distribuída, que tem origem no uso da Primeira Lei da Termodinâmica, através da Eq. de Bernoulli.

3 Para a água, o valor gira em torno de é 1425 m/s.

A partir da resolução destas equações, é possível obter a equação da Lei da Manobra que, na prática, sempre deve ser fornecida pelo fabricante em caso de dispositivo de operação automático. As manobras são classificadas como Lentas ou rápidas. Se a manobra rápida for de fechamento total, obtém-se a expressão para a sobrecarga máxima fisicamente possível, na forma:

Substituindo os valores em (9), temos que . Portanto, se a classe de pressão do tubo de PVC for de 750 kPa (cerca de 76,46 m.c.a), o tubo deverá romper por excesso de carga. A Figura 2-3 ilustra com maior clareza a sequência dos eventos que compõem este fenômeno.

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Figura 2-3 - Sequência dos eventos de um "golpe de aríete".

Esta fórmula é de grande utilidade para a concepção e avaliação de projetos, já que permite encontrar o limite máximo de forma bastante simples. A seguir, é descrito um exemplo de aplicação da equação (9): Seja um Sistema RTV utilizando água como fluido e tubulações de PVC, com os seguintes parâmetros:

3. Métodos para o controle de transientes

Para controlar um transiente, é necessário manter o valor da sobrecarga máxima o mais baixo possível. E isto pode ser alcançado de 2 formas diferentes: 1. Reduzindo o valor da velocidade média do reg.

permanente inicial; ou 2. Reduzindo o valor da celeridade da onda elástica. Entretando, como pode ser visto na equação (8), a celeridade é uma propriedade composta. Desta forma, podem ser estudadas maneiras para se reduzir o valor da celeridade . Para tanto, abaixo está novamente apresentada a equação (8):

A redução da celeridade pode ser obtida por: a) Redução do valor de . Isto é possível através da introdução de bolhas de ar no escoamento líquido. Entretanto, isto gera outra ordem de problemas, como danos às tubulações, bombas, etc. b) Aumento do diâmetro Interno ; c) Diminuição do módulo de elasticidade linear do material do tubo, implicando na mudança da tubulação quando se tratar de construção já executada. d) Diminuição da espessura da parede do tubo, implicando também na mudança da tubulação quando se tratar de construção já executada. Entretando, uma outra maneira de conseguir esta redução é a operação de válvulas em manobras longas, de forma a se enquadrarem na classe de manobras lentas. Muitos dispositivos atuam neste sentido: Chaminés de equilíbrio, tanques alimentadores unidirecionais, reservatórios hidropneumáticos, válvulas reguladoras de pressão, dentre outros. Para encontrar a sobrecarga máxima em uma manobra lenta linear, a Fórmula de Michaud pode ser usada:

Onde o termo entre parênteses no lado direito da equação

diz respeito ao tempo de manobra e a quantidade é o tempo necessário para uma onda elástica completar seu percurso de ida e volta no tubo. Neste sentido, as manobras são classificadas da seguinte forma:

se , tem-se uma manobra rápida;

se , tem-se uma manobra lenta;

4. O "Carneiro Hidráulico" (ou Bomba Carneiro)

Uma aplicação prática deste fenômeno é a construção de sistemas de bombeamento de água, cujo elemento é denominado carneiro hidráulico ou bomba carneiro. Para isto, é necessário que o carneiro hidráulico esteja sob a ação de uma carga hidráulica (ou seja, deve receber a pressão de uma coluna d'água), podendo bombear água para alturas superiores à altura de captação, dependendo apenas de uma força inicial para que o mecanismo seja posto em movimento. A Figura 4-1 apresenta um esquema de funcionamento do carneiro hidráulico.

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Estando aberta a válvula E, a água conduzida de um ponto mais alto pelo tubo de alimentação AB, escapa por ela até que a pressão, em virtude da velocidade crescente do líquido, torna-se capaz de erguê-la, fechando-a bruscamente. A coluna de água desce pelo tubo AB com velocidade progressiva, ficando num dado instante sem saída, produzindo o choque denominado "golpe de aríete", o qual abre a válvula de recalque F, permitindo a entrada da água na câmara de ar G. Como decorrência, o ar existente na parte superior da campânula é comprimido e oferece uma resistência crescente à entrada do líquido, chegando a tal ponto de fazê-la cessar, fechando-se, neste instante, a válvula F. Há produção de uma onda de pressão negativa em virtude do efeito da compressibilidade da água e da elasticidade da tubulação que atua na válvula E, fazendo-a abrir novamente. Estando E aberta, há um novo ciclo e, com ciclos sucessivos, a água que penetra na câmara de ar G, adquire pressão para subir no tubo de elevação CD, fazendo com que flua para o reservatório superior quando a pressão na campânula corresponder à altura manométrica de recalque.

Figura 4-1 - Esquema funcional de um carneiro hidráulico (Daker, 1970).

O número de ciclos por minuto é bastante variável, podendo ir de 20 a 100 ciclos por minuto. Esta variação é resultado dos parâmetros envolvidos no sistema (altura da coluna d'água, altura do recalque, diâmetro das tubulações, características geométricas internas do carneiro hidráulico, etc.

5. Conclusões

O fenômeno do "golpe de aríete" é um dos inúmeros exemplos práticos onde é possível aplicar os conhecimentos sobre fenômenos ondulatórios, além dos outros conhecimentos da mecânica clássica. Neste caso, os conhecimentos mais relevantes dizem respeito às ondas mecânicas (ou ondas de pressão) longitudinais progressivas, onde a propagação da onda se dá em meio elástico (água) limitada por outro meio elástico (conduto), onde diversos parâmetros definirão as características que essa onda de pressão terá.

Em vista disso, viu-se que grandes danos podem ser provocados por este tipo de onda. Portanto, é de grande interesse o entendimento deste fenômeno para prevení-lo. Para tanto, é fundamental o correto dimensionamento das tubulações e dos parâmetros de operação de um sistema RTV, como, por exemplo, a velocidade (ou vazão) do fluido e a manobra de fechamento de uma válvula.

No entanto, há casos em que pode este fenômeno pode ser utilizado em finalidades úteis, como ficou demonstrado através do "carneiro hidráulico", onde é possível a montagem de um mecanismo de bombeamento que dependa apenas da energia potencial gravitacional da água, fornecendo alternativas para quem deseja realizar bombeamento de água sem depender de energia elétrica.

6. Bibliografia

ABATE, Caroline; BOTREL, Tarlei Arriel. Carneiro hidráulico com tubulação de alimentação em aço galvanizado e em PVC. Sci. agric. (Piracicaba, Braz.), Piracicaba, v. 59, n. 1, Mar. 2002 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo .php?script=sci_arttext&pid=S0103-90162002000 1000 29&lng=en&nrm=iso>. access on 13 Nov. 2011. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-90162002000100029.

CAMARGO, Luiz A. O Golpe de Aríete em condutos. Análise pelo Método das características. XVI Encontro de Eng. de Ass. Técnica, Joinville, 1991.

da COSTA, Teixeira, SANTOS, Davide, LANÇA, Rui. Choque Hidráulico (Golpe de Aríete). Material da disciplina Hidráulica Aplicada, Universidade do Algarve, 2001.

SOUZA, Pedro Amaral. Escoamento Transitório em Duto Forçado - golpe de aríete.