HC Porte de Arma - Elvis Da Silva Duarte - Primario, Preventiva[1]

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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO EXMO. SR. DR. DESEMBARGADOR RELATOR DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pela Defensora Pública que ao final subscreve, exercendo suas funções junto ao Departamento de Inquéritos Policiais da Capital (DIPO) vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, e nos arts. 647 e seguintes, do Código de Processo Penal, impetrar HABEAS CORPUS com pedido de ordem liminar em favor de Elvis da Silva Duarte, RG 38268724-SP, filho de Maria de Lourdes Salen e Florisvaldo Xavier Duarte, contra ato do MM. 1

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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

EXMO. SR. DR. DESEMBARGADOR RELATOR DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE

JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pela Defensora

Pública que ao final subscreve, exercendo suas funções junto ao Departamento

de Inquéritos Policiais da Capital (DIPO) vem, respeitosamente, à presença de

Vossa Excelência, com fundamento no art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição

Federal, e nos arts. 647 e seguintes, do Código de Processo Penal, impetrar

HABEAS CORPUScom pedido de ordem liminar

em favor de Elvis da Silva Duarte, RG 38268724-SP, filho de Maria de

Lourdes Salen e Florisvaldo Xavier Duarte, contra ato do MM. Juízo do DIPO-

São Paulo Capital (Autos n.º 0060132-53.2012.8.26.0050, DIPO 4.1.2,

5ª Vara Criminal), pelos motivos que passa a expor.

1. Dos Fundamentos de Fato:

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O paciente Elvis da Silva Duarte foi preso em flagrante no dia

24 de junho de 2012, por suposto envolvimento em um porte ilegal de arma

de fogo consoante boletim de ocorrência em anexo.

Apesar de o paciente ser absolutamente primário e do suposto

crime ter sido praticado sem violência ou grave ameaça a autoridade

coatora entendeu no âmbito da análise do Boletim de Ocorrência 5581/2012

por converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, com fulcro em suma

na suposta periculosidade da conduta do paciente, bem como em face da

ausência de documentação comprobatória de residência fixa e ocupação lícita.

Data venia, a prisão preventiva do paciente Elvis da Silva

Duarte não é passível de se sustentar, porquanto nitidamente desvinculada de

qualquer elemento de cautelaridade.

Logo, a r. decisão merece URGENTE reforma.

2. Dos fundamentos de direito:

Eméritos Julgadores, é cediço que a prisão preventiva, por trazer

como conseqüência a privação da liberdade antes do trânsito em julgado,

especialmente após a edição da lei 12.403/11, apenas se justifica

enquanto e na medida em que for efetivamente apta à proteção da persecução

penal, em todo seu iter procedimental, e, mais, apenas quando se mostrar a

única maneira de se satisfazer tal necessidade.

In casu, o indiciado de 18 (dezoito) anos de idade declinou

residência fixa (Rua Rodrigues da Guerra, 450, Jardim Elba, São Paulo – SP),

restando evidente a existência de vínculo do paciente com o distrito da culpa,

não havendo que se falar, portanto, em prejuízo à instrução criminal, tão pouco

em prejuízo da aplicação da lei penal.

Cabe ressaltar que quaisquer dúvidas quanto ao seu

comparecimento aos atos necessários ou quanto à viabilidade de sua citação

pessoal devem ser interpretadas em benefício do réu, observando o princípio-

base de toda a legislação processual penal e consagrando o dogma

constitucional da presunção de inocência. Não devem tais incertezas justificar a

manutenção do encarceramento, medida excepcional – nunca regra.

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Não há falar, ainda, que a ausência de documentos

comprobatórios da residência fixa justificaria a manutenção da presente

constrição cautelar, sob a alegativa de que o paciente facilmente poderia

frustrar os chamamentos judiciais e motivar a aplicação do artigo 366 do

Código de Processo Penal.

Eméritos julgadores, em pleno Estado Democrático de Direito

revela-se inconcebível autorizar a perenização da privação da liberdade

humana com fulcro exclusivo na segurança do andamento processual, o que

seria equivalente a defender uma funcionalização desmedida do processo

penal, superando, portanto, todas as garantias individuais.

A manutenção da privação da liberdade de Elvis da Silva

Duarte, o qual supostamente cometeu crime sem violência ou grave ameaça,

com fulcro em suposta alegativa de que o paciente “facilmente poderá frustrar

os chamamentos judiciais e motivar a aplicação do artigo 366 do CPP”, é consagrar

o andamento processual acima da liberdade humana e subverter a ordem

constitucional brasileira, a qual consagra como fundamento da República

Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, valor este que irradia por

todo ordenamento jurídico, inclusive e principalmente no direito penal.

Nesse sentido, decisão de 08 de junho de 2011, em sede de

liminar, deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

[...] É sabido que a custódia estabelecida com o estado de flagrância é

dotada de minguada carga de cautelaridade, tem natureza pré-cautelar,

informada tão-somente, num primeiro momento, pelo fumus commissi

delicti. Sua conversão em prisão cautelar propriamente dita dar-se-á, na

infinita generalidade dos casos, desde que se mostre presente também o

periculum libertatis, entendido este como a presença concreta de ao

menos uma das hipóteses elencadas no art. 312 do Código de Processo

Penal. Pois bem, verifica-se da peça flagrancial que se trata de crime

cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa. Ademais, o paciente é

pessoa primária e sem antecedentes em sentido estrito. Residência fixa e

ocupação lícita não são requisitos legais a obstar a liberdade provisória.

Vale lembrar, ainda, que o beneficia o princípio constitucional da

presunção de não-culpabilidade. Nessa conformidade, a prisão antes do

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trânsito em julgado há de ser necessária, fundada em alguma das

hipóteses elencadas no art. 312 do Código de Processo Penal, não se

prestando a tanto as considerações genéricas sobre periculosidade, sem a

mínima base empírica, nem tampouco acerca da necessidade de

manutenção da custódia para citação, anotadas na r. decisão judicial

objurgada. Quanto a este último ponto, o princípio da liberdade há de

prevalecer sobre o "andamento processual", máxime se não há

efetiva indicação da possibilidade de causação de obstáculo à

atuação da Justiça. Se vier a ser denunciado, poderá

eventualmente ser beneficiado com o sursis processual e, se

condenado, poderá sê-lo, em tese, com pena restritiva de direitos.

Mantê-lo, assim, sob ergástulo provisório constitui ainda

inescondível afronta a princípios como os da proporcionalidade e

da razoabilidade. Portanto, não se vislumbra gravidade concreta, risco

para a ordem pública, para a instrução criminal ou para a aplicação da lei

penal. Outrossim, como a liberdade é a regra e a prisão, portanto,

exceção, bastando conferir as normas pertinentes inscritas na Carta

Magna (o art. 5º, caput, garante o 'direito à liberdade'; o art. 5º, LXVI, é

peremptório ao garantir que "ninguém será levado à prisão ou nela

mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança"),

não se detecta plausibilidade na manutenção da custódia provisória, sob

pena de afronta aos princípios também de índole constitucional - da

dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e da presunção de não-

culpabilidade (art. 5º, LVII, CF), fundamentos impostergáveis do Estado

Democrático de Direito instaurado no Brasil com a outorga da

Constituição-Cidadã. Assim, não se tem por validamente presente o

denominado periculum libertatis, sem cujo pressuposto a prisão pré-

cautelar jamais poderá converter-se em cautelar. De sorte que a

manutenção do paciente no cárcere revela a efetiva ocorrência do

periculum in mora, a reclamar a imediata tutela cautelar. 3. Por isso, ad

referendum da Egrégia Turma Julgadora, defiro a prestação jurisdicional

em caráter liminar e determino a imediata soltura do paciente, mediante o

compromisso de comparecer aos atos do processo, sob pena de

revogação, até o julgamento do mérito deste remédio constitucional.

Expeça-se alvará de soltura clausulado. Comunique-se incontinenti. 4.

Outrossim, oficie-se à d. Autoridade Judiciária apontada como coatora,

solicitando informações acerca das alegações fático-jurídicas postas na

impetração. 5. Após a juntada das informações, o Cartório cuidará de

encaminhar os autos à E. Procuradoria Geral de Justiça, para oferecimento

de seu imprescindível parecer. 6. Ao final, deverão os autos voltar

conclusos a este relator [...] (TJSP, Habeas Corpus Processo nº

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0118181-77.2011.8.26.0000, Rel. Des. Moreira da Silva , 08 de

junho de 2011)

Ressalta-se, ainda, que o paciente Elvis da Silva Duarte teria

praticado crime sem violência ou grave ameaça e, ainda, já havendo sido

devidamente identificado civilmente em sede administrativa, resta clara a

adoção de medida diversa da prisão preventiva, máxime se constatarmos a

possibilidade de serem adotadas 09 medidas alternativas ao

encarceramento.

Torna-se imperioso reiterar que o sistema carcerário paulista

encontra-se saturado. Em pesquisa veiculada no sítio eletrônico da Folha de

São Paulo1, constatou-se que o Estado precisaria construir hoje 93 (noventa e

três) penitenciárias, cada uma delas com 768 (setecentos e sessenta e oito)

vagas, para acabar com a superlotação. E há de se considerar que boa parte do

numerário de presos no Estado corresponde a presos cautelares.

A Lei nº. 12.403/2011 tinha por objetivo reduzir o encarceramento

cautelar das pessoas acusadas ou investigadas por um crime. Entretanto, de

acordo com os dados divulgados pela Folha de São Paulo, nos últimos 08 (oito)

meses o número de encarceramentos passou de 413 para 444 presos, por 100

mil habitantes. Portanto, a nº. 12.403/2011, que visava assegurar os princípios

regentes da nossa Lei Maior, não está sendo observada.

Em 10 de maio do presente ano, a Pastoral Carcerária divulgou

nota2 acerca da atual situação do sistema prisional em São Paulo, promovendo

verdadeiro alerta para a desenfreada carcerização, especialmente em casos em

que se revela patente a ausência de elementos de cautelaridade. A propósito:

[...] A Pastoral Carcerária vem, pela presente nota pública,

manifestar a sua profunda preocupação com a atual situação do

sistema prisional paulista. Como se sabe, São Paulo detém

aproximadamente um terço de toda a população prisional

brasileira, fração que tende a aumentar. Atualmente, conta-se, a

cada mês, por volta de 2.700 pessoas a mais no sistema prisional.

1 Disponível em http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/clipping/2945/ifolhai+sp+precisa+de+93+prisoes+para+zerar+lotacao.shtml, acesso em 23.02.20122 Disponível em http://blog-sem-juizo.blogspot.com.br/2012/05/pastoral-carceraria-alerta-sobre-riscos.html, acesso em 15.05.2012

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Mantida essa média, chegaremos ao final do ano com cerca de

210.000 pessoas adultas presas em São Paulo. Decorrência direta

desse aumento vertiginoso da população carcerária, a superlotação

hoje se reflete nas 85.838 pessoas presas além da capacidade legal

do sistema prisional paulista. [...] São recorrentes os abusos na

utilização da prisão cautelar. Também não se ignora a enorme

quantidade de pessoas presas por crimes sem violência ou grave

ameaça. Impunidade, aqui, apenas para os “bem-nascidos”. Nossa

população mais pobre (sobretudo os jovens e negros) é refém de

uma história de injustiças sociais de séculos e que, ainda hoje, se

desenrola em um sistema prisional extremamente seletivo e cruel.

Demandas sociais são tratadas com endurecimento penal. O

resultado está nesse sistema carcerário superlotado e degradante,

onde mais de 180 mil pessoas (repita-se: a maioria jovem, pobre e

negra) estão literalmente acuadas. [...]

Salienta-se: a prisão no curso do processo, antes de

reconhecida a culpabilidade do indiciado por sentença definitiva, consiste em

real constrangimento à liberdade individual, e deve, portanto, ser utilizada

como exceção, e não como regra. Apenas em casos excepcionais se

justifica a prisão daquele que é presumido inocente.

A prisão preventiva é medida excepcional que se deve guardar

especialmente a casos de criminalidade violenta. No caso, considerando as

circunstâncias fáticas descritas nos autos, ainda que condenado, por certo,

poderá vir a ser beneficiado com um regime prisional mais brando, não se

justificando, portanto, o seu encarceramento nesta oportunidade.

Ante o exposto, ausentes os requisitos necessários à manutenção

da custódia, de rigor a concessão da liberdade provisória ao indiciado.

2. Da Ordem Liminar:

Apontada a ofensa à liberdade de locomoção do paciente, encontra-

se presente, in casu, o fumus boni iuris.

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No mesmo sentido, verifica-se a ocorrência do periculum in mora,

pois o encarceramento do paciente, PRIMÁRIO, por um suposto crime SEM

VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA, quando ausentes os requisitos autorizadores da

constrição cautelar, revela-se extremamente gravoso e comprometedor não só ao

paciente, mas ao Estado Humanitário Constitucional de Direito.

Presentes, portanto, os requisitos autorizadores da medida

liminar.

Do Pedido____________________________________________________________________

Ante o exposto, demonstrada a ilegalidade da ordem que mantém

o paciente privado da liberdade, requer a impetrante a concessão LIMINAR

da ordem, com a imediata expedição de alvará de soltura em favor de

Elvis da Silva Duarte. Requer, outrossim, seja o presente pedido de habeas

corpus julgado procedente ao final, confirmando-se a decisão liminar.

Nestes termos, pede deferimento.

São Paulo, 02 de julho de 2012.

Virgínia Sanches Rodrigues Caldas CatelanDefensora Pública

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