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homens de ciência

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CONRAD EDITORA DO BRASIL LTDA.

DIREÇÃO

André ForastieriCristiane MontiRogério de CamposSérgio Monteiro

CONRAD LIVROS

DIRETOR EDITORIAL

Rogério de Campos

COORDENADORA EDITORIAL

Priscila Ursula dos SantosASSISTENTE EDITORIAL

Frederico DentelloASSISTENTE DE ARTE

Marcelo Ramos

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Alan Sokal António Damásio Charles Townes Danny Hillis Dean Hamer

Drauzio Varella Francis Crick Freeman Dyson Geoffrey Marcy

Gerald Edelman Hans Bethe Ilya Prigogine Jaron Lanier

John Casti John Wheeler José Leite Lopes Martin Rees

Murray Gell-Mann Newton da Costa Pierre-Gilles de Gennes

Richard Dawkins Roberto Salmeron Simon Singh

Steven Weinberg Stewart Brand W. Brian Arthur

Alessandro Greco

homens de ciência

entrevistados por

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CONRAD LIVROSRua Maracaí 185 Aclimação

São Paulo-SP 01534-030Fone: 11 279.9355 / Fax: 11 3341.7752e-mail: [email protected]

Copyright © 2001, Alessandro Greco.As entrevistas desta edição foram feitas originalmente para o suplemento “Fim de Semana”, da Gazeta Mercantil, com exceção das conversas com Hans Bethe, Geoffrey Marcy e Jaron Lanier,

publicadas originalmente na revista eletrônica no., em www.no.com.br.Estão reunidas neste volume em acordo com a Gazeta Mercantil e com a revista no.

Copyright desta edição © 2001, Conrad Editora do Brasil Ltda.

Preparação de texto Fábio Maximiliano Alberti

Criação de capa e vinhetas André Luiz Mesquita

Fotos dos entrevistados crédito nas próprias fotos

www.conradeditora.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:1. Cientistas : Entrevistas 509.2

Homens de Ciência / entrevistados por Alessan-dro Greco. -- São Paulo : Conrad Editora do Brasil, 2001.

Vários entrevistados.Bibliografia

ISBN: 85-87193-38-4

1. Cientistas – Entrevistas I. Greco, Alessandro.

01-1586 CDD-509.2

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Para Lia e Clemente, que iluminaram o caminho,

e

Para Patrícia, que me guia por ele

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SUMÁRIO

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Prefácio (por Daniel Piza).........................................

Nota do autor........................................................

Alan Sokal.............................................................Polêmica entre ciência e pós-modernismo; uso da ciência por

pensadores pós-modernos; relação entre ciências exatas e humanas; dificuldades da divulgação científica.

António Damásio....................................................Consciência como parte da ciência; os dois problemas da cons-

ciência (cinema no cérebro e sensação de self ); ceticismo na resolução do problema da consciência; diferenças entre consciência nuclear e alargada; surgimento da consciência nos seres humanos; consciência alargada em outros seres vivos; relação entre consciência e mundo exterior; distinção entre emoção, sensação e saber que temos uma sensação; consciência como um sistema darwiniano; diferenças entre mente e consciência; relação entre consciência e linguagem; criação de uma teoria da consciência.

Charles Townes.......................................................Prêmio Nobel de Física, 1964Invenção do laser; patenteamento de invenções; comitê de as-

sessoramento técnico da General Motors (GM); comitê científico do programa Apollo; assessoria científica para o presidente americano Lyndon Johnson; futuro do laser; uso de raios infravermelhos no estudo das estrelas.

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Danny Hillis...........................................................Computadores paralelos; Thinking Machines Corporation e o

primeiro computador maciçamente paralelo do mundo; compor-tamento emergente em grandes redes de computadores (internet); neurônios artificiais.

Dean Hamer...........................................................Genes e traços do comportamento humano; manipulação gené-

tica; acesso a informações genéticas como forma de autoconhe-ci-mento; ética e clonagem.

Drauzio Varella........................................................Busca de remédios para o combate ao câncer e à Aids; biopi-

rataria; relação das universidades públicas e privadas com o desen-volvimento de projetos científicos brasileiros; novos tratamentos para o câncer; cura do câncer.

Francis Crick.........................................................Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia, 1962 Descoberta da estrutura do DNA; financiamento para ciência

pura; projeto Genoma Humano e as grandes companhias do ramo; ética científica; beleza da ciência; neurociência; religião e ciência; emulação da consciência humana por computadores; inteligência humana e computacional; relação entre cientistas e imprensa; relação entre sociedade e cientistas.

Freeman Dyson......................................................Poder da ciência; conseqüências do desenvolvimento da gené-

tica e da clonagem; relação entre sociedade e energia nuclear; futuro da sociedade humana; viagem com Richard Feynman; encontro com Ludwig Wittgenstein; abolição do PhD nas universidades; crítica à abordagem científica, no final da vida, de Albert Einstein e J. R. Oppenheimer; a não-importância de ser brilhante; teoria da com-plexidade.

Geoffrey Marcy...................................................... Planetas fora do sistema solar; planetas similares à Terra em

outros sistemas solares; vida em outros planetas.

Gerald Edelman......................................................Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia, 1972 Processo de seleção natural dos neurônios (darwinismo neural);

teoria da consciência; relação entre o corpo e o estado consciente; visão da função da memória dentre os mecanismos do cérebro que

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levam à consciência; complexidade do cérebro; explicação científica do qualia; influência dos atos inconscientes nos atos conscientes; tipos de consciência.

Hans Bethe............................................................Prêmio Nobel de Física, 1967Projeto da bomba atômica; uso da bomba atômica contra Hiro-

shima e Nagasaki no Japão; uso da energia nuclear para fins civis; existência de Deus.

Ilya Prigogine........................................................Prêmio Nobel de Química, 1977 Estudo do tempo; influência da cultura e do pensamento de uma

época na ciência; evolução da ciência no século XX; auto-organização da natureza; o pensamento humano e a criatividade da natureza; relação entre o nascimento do tempo e o nascimento do universo; Deus e a criação da vida; conceitos de tempo.

Jaron Lanier.........................................................Criação da realidade virtual; distinção entre mundo real e virtual;

criação de mundos virtuais pelas pessoas; necessidade humana de criar mundos virtuais; relação das pessoas com as máquinas após a criação da realidade virtual; existência de Deus; conceito de tele-imersão, seus potenciais usos e dificuldades.

John Casti............................................................ Estudo dos sistemas complexos adaptativos (SCA); simulação

computacional no estudo dos SCA; resultados obtidos a partir do estudo dos SCA no sistema financeiro, no tráfego de cidades e em supermercados; palestra na CIA (Agência Central de Inteligência) sobre simulação computacional; teoria matemática para os SCA; uso dos SCA no estudo da consciência; literatura e matemática.

John Wheeler........................................................ Trabalho com Niels Bohr sobre fissão nuclear; comparação entre

Albert Einstein e Niels Bohr; criação do nome buracos negros; geons; Enrico Fermi e a busca do conhecimento.

José Leite Lopes...................................................Física quântica e descrição da natureza; importância dos físicos

Mario Schenberg e Cesar Lattes para a física brasileira; organização das universidades; nova geração de físicos brasileiros; a ciência e o desenvolvimento de um país; educação científica no Brasil; interação entre universidade e sociedade.

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12 Sumário

Martin Rees......................................................... Seis números e o surgimento da vida no universo; observação de

outros universos; existência de vida em outros universos; questões ainda sem resposta na física; uso da Teoria da Complexidade para es-tudar os seres vivos; fim da ciência; novas descobertas da astronomia e da cosmologia no futuro próximo; acidente e a criação da vida.

Murray Gell-Mann.................................................Prêmio Nobel de Física, 1960 Transformação de um sistema simples em complexo; Teoria

Unificada das Partículas; estudo da complexidade; surgimento dos sistemas complexos adaptativos; vida em outros planetas; relação entre a mídia e os fenômenos paranormais; relação entre aprendizado e pensamento criativo; qualidade do ensino nas escolas; preservação do meio ambiente e da diversidade cultural.

Newton da Costa.................................................. Criação da lógica paraconsistente; aplicações práticas da lógica

paraconsistente; contradições na ciência; Teoria das Supercordas; relação entre busca do conhecimento e desenvolvimento de um país; importância da história da ciência; burocracia nas instituições e fundações.

Pierre-Gilles de Gennes...........................................Prêmio Nobel de Física, 1991Palestras sobre física em escolas secundárias; a existência de

crítico literário e de arte e a não-existência de crítico da ciência; ad-miração pelos professores primários; educação científica nas escolas; previsões sobre o efeito estufa e importância do gás carbônico nele; importância da educação científica para a sociedade; reciclagem de embalagens plásticas.

Richard Dawkins................................................... Dificuldades de nascer; ciência como inspiração para a poesia;

ciência como forma de arte; estudo do mundo real a partir de uma realidade virtual construída no cérebro; tratamento diferenciado por parte do governo em relação a remédios alopáticos e homeopáticos; conhecimento científico da população; dificuldades no entendimento da ciência; capacidade da mente humana para lidar com as des-co-bertas científicas do século XX; memes; gene egoísta; crítica à Teoria do Equilíbrio Pontuado de Stephen Jay Gould.

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Homens de Ciência 13

Roberto Salmeron.................................................Crise na Universidade de Brasília (UnB) durante o regime mili-

tar; perseguição militar à UnB e suas conseqüências para a ciência brasileira; o que falta descobrir na física de partículas; Teoria das Supercordas; política do governo em relação à ciência; educação científica no Brasil.

Simon Singh.......................................................... História da criptografia; privacidade e criptografia; caracte-

rísticas pessoais daqueles que trabalham com criptografia; controle de telefones, faxes e e-mails por consórcio de governos; criptografia quântica.

Steven Weinberg................................................... Prêmio Nobel de Física, 1979Expansão do universo; cosmologia quântica; Teoria Quântica

da Gravidade; reducionismo e a explicação da química e da biologia; significado de Deus; relação entre ciência e filosofia.

Stewart Brand......................................................A responsabilidade e o longo prazo; os males do avanço desenfreado

da tecnologia; as dificuldades de armazenamento de informações no formato digital a longo prazo; a criação do relógio do longo agora.

W. Brian Arthur.................................................... Teoria da Taxa de Retorno Crescente na economia e sua rela-

ção com os produtos de alta tecnologia; influência dos pequenos acon-tecimentos no mundo real; física contemporânea e Teoria da Taxa de Retorno Crescente; envolvimento no caso Microsoft versus Departamento de Justiça Americano; regulamentação do setor de alta tecnologia pelo governo.

Biblioteca das entrevistas.......................................

Biblioteca Básica de Ciência....................................

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POSTURAS INTELECTUAIS

Daniel Piza

Por acaso feliz, a ordem alfabética colocou como primeira entrevista deste livro a do físico Alan Sokal, autor de Imposturas Intelectuais, que em 1997 provocou grande polêmica e ajudou a enterrar o que se convencionara chamar de pós-modernismo. Sokal coletou e denunciou as apropriações de conceitos científicos pelos ditos cientistas “humanos” como Jacques Lacan, Félix Guattari, Michel Foucault e outros. Desde 1959, quando o crítico literário F.R. Leavis e o físico C.P. Snow fizeram o debate conhecido sobre “as duas cul-turas”, humani-dades e ciências estão divorciadas. Mas as humanidades é que desde então se comportaram como a parte magoada e vingativa. Cada vez mais tentaram imitar as chamadas ciências “duras”, sua metodologia rigorosa, em sistemas clas-sificatórios que pareciam negar exatamente a incerteza subjetiva que as humani-dades invocam. Travestidos de ciência, os tratados não raro se aproximaram do charlatanismo e com freqüência afastaram, além do cientista profissional, o mero leitor desconfiado.

Agora tudo isso está caindo por terra. Os cientistas se cansaram das ab-errações verbais de disciplinas como antropologia, sociologia e psicanálise e começaram a escrever artigos e livros sobre ciência tanto para o público iniciado como para o leigo, informando e debatendo biologia, neurociência, cosmologia, física de partículas e outros assuntos, sempre com linguagem clara e objetiva — nem por isso, em boa parte dos casos, menos criativa e sofisticada. Passaram a se reunir em instituições da sociedade civil, incluindo sites como o Edge (www.edge.org), que propõe o conceito de “terceira cultura”, isto é, uma volta do diálogo entre ciências e humanidades, tal como faz em Desvendando o Arco-íris o biólogo Richard Dawkins, outro entrevistado deste livro. Não à toa o diretor do Edge, John Brockman – um agente literário que se tornou o patrocinador da “terceira cultura” –, ironizou em entrevista que qual-

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16 Prefácio

quer professor de Letras é chamado de intelectual, mas refutam o adjetivo a um cérebro como Einstein.

O trabalho de Alessandro Greco veio nessa onda, a qual acompanha de pé, à frente da espuma do noticiário vário e fátuo que é predominante nas seções de ciência da grande imprensa. Sua prancha foi o suplemento “Fim de Semana” da Gazeta Mercantil, onde a maioria das entrevistas deste livro foi publicada. Era então um caderno eminentemente cultural, com pitadas de política e economia e raras incursões nos assuntos científicos, quase sempre traduzidas da revista britânica The Economist. Mas o maior acontecimento cultural dos últimos anos era justamente a reaparição dos cientistas na cena dos livros e publicações, com rápida e crescente acolhida pelo público. Greco começou a produzir reportagens e resenhas para informar o leitor dos debates mais quentes da atualidade. E começou a fazer uma série de entrevistas que, como verá o leitor, não deixou por menos: incluiu de Francis Crick, o descobridor da estrutura do DNA, a Jaron Lanier, o divertido inventor da realidade virtual; de Ilya Prigogine, com sua investigação do conceito de tempo na física e na psicologia, a John Casti, o pesquisador dos sistemas complexos adaptativos; de Murray Gell-Mann, que batizou os quarks, a Newton da Costa, o brasileiro que criou a “lógica paracon-sistente”; de António Damásio e Gerald Edelman, dois dos principais estudiosos da consciência humana, a Hans Bethe, o físico nuclear que aqui defende o uso da bomba em Hiroshima e Nagasaki.

As entrevistas informam tanto sobre as pesquisas e pensamentos dos cien-tistas como lembram suas histórias, convivências e hábitos. O livro abrange da ciência pura à aplicada. Pergunta sobre Deus, clonagem, educação e política científica. Conversa com mentes como as de Freeman Dyson e Pierre-Gilles de Gennes sobre questões abrangentes e urgentes como energia nuclear ou efeito estufa. Recupera a história da física brasileira, mal conhecida e maltratada, com Roberto Salmeron e José Leite Lopes. Discute economia com W. Brian Arthur e câncer com Drauzio Varella. Permite ouvir de Steven Weinberg, John Wheeler, Martin Rees e Geoffrey Marcy a ansiedade quase lírica pelo enten-dimento dos paradoxos do cosmos. Fala de complexas questões práticas com Danny Hillis (inteligência artificial), Dean Hamer (manipulação genética) e Simon Singh (criptografia). Há, enfim, “inputs” possíveis para leitores de interesses diversos.

O resultado, entre tantas reflexões, pode fazer pensar em como o mundo contemporâneo, que parece (e é) tão fútil e comezinho na mídia em geral, está longe de poder nos desesperar, mesmo quando pensamos em períodos como o início do século passado e lamentamos a ausência de tal constelação intelec-tual. Ainda que não seja comparável, a atualidade tem de aprender a celebrar a presença das cabeças pensantes que estão representadas neste livro. E deixar as imposturas no buraco negro da história.

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NOTA DO AUTOR

Há quinze anos, Lúcia, minha professora de biologia, dava uma aula sobre a descoberta da estrutura dupla hélice do DNA pelos americanos James Watson e Francis Crick. O nome destes dois sempre ficou na minha cabeça, mas para mim, como para a maioria das pessoas, eles não passavam de uma entidade. Nada a ver com dois seres de carne e osso. Em 1998, dois anos após me formar em engenharia pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), virei jornalista e comecei a escrever sobre ciência para o suplemento “Fim de Semana”, da Gazeta Mercantil. Após seis meses de trabalho, entrevistei Francis Crick. A conversa me inspirou e instigou a sair em busca de entrevistas com grandes cientistas vivos. O resultado é este livro com vinte e seis entrevistas. Quase todos os nomes são desconhecidos para a maioria das pessoas. Mas a contribuição desses homens para o desenvolvimento do século XX será sempre lembrada, apesar de muitas vezes não ser visível.

Todas as entrevistas deste livro foram feitas para o caderno “Fim de Se-mana” (da Gazeta Mercantil ) – com exceção das conversas com Hans Bethe (Prêmio Nobel de Física), Geoffrey Marcy (astrônomo) e Jaron Lanier (pioneiro da realidade virtual), publicadas originalmente na revista eletrônica no. (www.no.com.br). Sou grato a todos os entrevistados pela generosidade e paciência com que responderam às minhas perguntas.

Este livro é fruto também da paciência e do apoio dos jornalistas Hamilton dos Santos, que incentivou meus primeiros passos na área, e Daniel Piza, que abriu espaço para ciência no caderno “Fim de Semana”. Andréa Galasso, Ary Kuflik e Cassiano Elek Machado também foram fundamentais no início da minha carreira.

Sou grato também a Rosane Pavam, que publica meus textos no caderno “Fim de Semana”; a Albino Castro e Mário de Almeida, que sempre deram apoio irrestrito a matérias sobre ciência na Gazeta Mercantil; e a Angélica Santa Cruz, que faz o mesmo na revista no.

A minha mulher, Patrícia, sou igualmente grato por apoiar minhas idéias e me acompanhar a todo e qualquer lugar – sempre.

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Juan

Est

eves

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ALAN SOKAL

Rachaduras no Verniz Pós-moderno

São Paulo, 24 de abril de 1998

Os físicos Alan Sokal (1995- ), da Universidade de Nova York (NYU), Esta-dos Unidos, e Jean Bricmont, da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, geraram uma das maiores polêmicas dos últimos anos na França ao publica-rem, em 1997, o livro Imposturas Intelectuais (Record, 1999. Título original: Impostures Intellectuelles. Paris: Odile Jacob, 1997). Nele, os dois mostram os erros cometidos por pensadores pós-modernos – como Jean-François Lyotard, Jacques Lacan, Julia Kristeva, Bruno Latour, Luce Irigaray, Jean Baudrillard, Paul Virilio e outros – no uso de conceitos da física e da matemática em suas teorias.

A polêmica já havia começado muito antes, em 1996, quando Sokal revelou na revista acadêmica americana Lingua Franca que seu artigo “Atravessando as Fronteiras – Em Direção a uma Hermenêutica Transformativa da Gravidade Quântica”, publicado na conceituada revista Social Text, não passava de uma paródia. Ele fez uma simples colagem sem sentido a partir de afirmações de físicos e matemáticos e de frases de pensadores pós-modernos.

Sokal e Bricmont vieram ao Brasil para participar de seminários de física e matemática no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP). Nos dias 27 e 28 de abril de 1998, participaram do simpósio “Visões da Ciência”, no Anfiteatro da Geografia na USP. Nesta entrevista, Sokal fala das razões da polêmica, da tradução do livro (em andamento na data da entrevista) e da importância da divulgação científica para a democracia.

Por que o senhor acha que seu artigo e seu livro geraram tanta polêmica?Primeiro gostaria de dizer que eu não previa que provocariam polêmica

nos meios de comunicação de massa e chegariam até a capa do The New York Times. Acho que a polêmica no meio acadêmico americano deve-se ao fato de

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20 Alan Sokal

o artigo e o livro terem permitido um debate, que estava bloqueado, sobre o rigor intelectual do pensamento pós-moderno. Com a polêmica, conheci mui-tas pessoas das ciências sociais. Várias disseram que já estavam cansadas do discurso pós-moderno e que intuíam que havia algo errado com ele, mas não tinham conhecimento suficiente de física e matemática para contestar certos abusos. Além disso, de estudantes e professores de departamentos de literatura de várias universidades ouvi que se sentiam inferiorizados por não entender o que diziam os pensadores pós-modernos, e que meu artigo os havia deixado aliviados. Nos meios de comunicação de massa, acho que as pessoas se senti-ram aliviadas por alguém dizer que o rei estava nu. Aliás, fiquei surpreso com o interesse que o público leigo demonstrou pelo debate. Mas, como eu previa, esses meios de comunicação usaram meu artigo para dizer que toda a esquerda é estúpida, o que não é verdade. Constatei também que eles têm idéias precon-cebidas sobre as “cultural wars” (expressão usada para a rixa entre as ciências naturais e humanas). O The New York Times, por exemplo, supôs que existia uma correspondência direta entre minhas idéias filosóficas e políticas, e isso não é verdade.

Seu artigo tinha também conotação política?Tinha, mas esse é um assunto muito complicado. Em primeiro lugar,

quando falamos de idéias, é preciso distinguir entre ligações lógicas e ligações sociológicas. Assim, as imposturas que criticamos no livro não têm muito que ver, diretamente, com política, e sim com alguns setores das ciências humanas nos Estados Unidos que se consideram de esquerda e utilizam teorias pós-modernas, pois eu também sou de esquerda. Depois, fiquei sabendo que esse debate já existia e que, em 1992, Noam Chomsky também já havia feito uma crítica similar na revista americana de esquerda Z Magazine. Penso que se a esquerda quer promover mudanças sociais e econômicas na direção de uma sociedade mais justa e democrática, ela tem de basear suas propostas em uma análise rigorosa dos fatos. Quero dizer, ela deve ter uma atitude científica, en-tendida no sentido amplo de respeito pela clareza e pela coerência das teorias. E deve, sobretudo, confrontá-las com a realidade.

Por que, na sua opinião, os pensadores pós-modernos criaram a idéia de que o conhe-cimento objetivo do mundo natural não pode existir inde-pendentemente da conjuntura social, econômica e cultural – o chamado relativismo?

Primeiro, é preciso dizer que o pensamento pós-moderno teve origem na França e que o relativismo é uma questão mais americana. Não tenho a pretensão de explicar essa idéia, mesmo porque os autores são distintos e suas imposturas não são homogêneas. É importante frisar que eu nunca disse que os pensadores pós-modernos são impostores, mas que cometeram imposturas ao se utilizar de conceitos físicos e matemáticos em suas teorias. Se eu tenho de adivinhar, eu diria que eles se dividem em dois grupos que tiveram motivos

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diferentes. O primeiro deles é o dos estruturalistas que, durante os anos 50 e 60, com Lacan na psicanálise e Kristeva na semiótica, buscaram um verniz científico para justificar suas teorias. A partir da década de 70, surge o segundo grupo que usa uma retórica incompreensível. Félix Guattari é incrível, chega a escrever três páginas inteiras de terminologia científica sem sentido algum. Não que Lacan e Kristeva tenham muita lógica, pois não explicam a relação entre os conceitos matemáticos que pretendem utilizar e a ciência social. Acredito também que fazer essas relações obscuras é um modo de impressionar e in-timidar os leitores não-científicos. Afinal, qual a relação entre a raiz de -1 e o órgão masculino ereto, feita por Lacan?

Supondo que os pensadores pós-modernos estejam certos, que tipo de conse-qüência a aceitação desse pensamento poderia trazer para a sociedade?

Não acredito que existam tantas pessoas inconseqüentes no mundo, mas se alguém duvida da validade das leis da física, pode pular da janela do meu apartamento. Eu moro no vigésimo primeiro andar. É engraçado, pois toda vez que usamos o computador ou voamos de avião, estamos usando as leis da física, e com isso todo mundo concorda. Uma conseqüência séria que posso imaginar do uso do relativismo é a sua aplicação na medicina. Por exemplo, o uso de um medicamento homeopático no tratamento de uma doença em vez de um medicamento alopático de eficiência testada e comprovada. Isso pode levar pessoas a morrer de doenças curáveis. Por outro lado, acredito que todos os seres humanos adultos devem fazer sua opção e que eu não tenho o direito de escolher o que é melhor para eles. Nas ciências humanas, apesar de elas serem interpretativas, certos acontecimentos são objetivos. E se alguém ainda duvida da existência dos campos de concentração na Segunda Guerra Mundial, isso é muito grave. É preciso observar os fatos para depois interpretá-los.

Como é possível, então, para os pensadores pós-modernos utilizar teorias como a do caos e a da quântica?

Só sei que existem muitas interpretações erradas na teoria do caos na lit-eratura pós-moderna. Já a teoria da física quântica é muito complicada, e nem os físicos têm certeza do que ela significa. E tenho de confessar que, quanto mais eu estudo teoria quântica, menos eu a entendo.

O senhor acredita que possam existir filósofos que não tenham conhecimento sobre física ou matemática, considerando que desde a Grécia antiga (Aris-tóteles, Pitágoras, Euclides, Tales) até os dias de hoje (Husserl, Russell, Wittgenstein) existe uma ligação muito forte entre a filosofia e essas ciências?

Depende do ramo. Se uma pessoa vai estudar ética, estética ou moral, por exemplo, não é muito importante conhecer física. Mas se quer estudar episte-mologia ou metafísica tem de conhecer filosofia, física e talvez matemática profundamente, quase como um profissional.

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E as relações entre as ciências exatas e humanas?Elas existem, mas muitas pessoas vão além do razoável e fazem uso

metafórico de conceitos físicos em sociologia, por exemplo. Não há problema em buscar inspiração em outra ciência, mas as teorias das ciências humanas devem se sustentar com base em seu próprio campo de conhecimento. Acontece que algumas dessas teorias não se sustentam sozinhas e usam a física para se justificar, e isso não pode ser feito.

Existe hoje a tendência mundial de querer simplificar o conhecimento científico de modo a torná-lo acessível ao maior número possível de pessoas. Pode-se fazer isso sem que se perca a essência desse conhecimento?

É, mas não é fácil divulgar uma teoria de modo popular. Entretanto, isso é cada vez mais necessário, devido ao aumento da importância da ciência e da tecnologia na vida cotidiana de todos nós. Quanto mais pessoas puderem en-tender o que está acontecendo com o clima global, por exemplo, melhor, pois esse é um problema científico de difícil solução e terá conseqüências político-econômicas sérias. Mais ainda: para todos os seres humanos que acreditam na democracia, é essencial incrementar o conhecimento científico e evitar, assim, que decisões importantes sejam tomadas sem participação popular. Para que isso aconteça, é fundamental que a população entenda o método científico e tenha atitudes críticas ao ler artigos sobre ciência. É preciso que as pessoas tenham consciência de que ciência não é religião, que ela não é feita de dogmas. O problema hoje é que existe muita divulgação científica errada e pessoas que transformam teorias matemáticas em metáforas, sem conhecer ciência. Tudo começa no modo como a ciência é ensinada. Quando você pergunta para um estudante do colegial, talvez até para um estudante universitário de física, se ele acredita que a matéria é feita de átomos, ele res-ponde que sim. Mas quando você pergunta por que ele acredita, ele diz que não sabe ou que é porque o seu professor afirmou. Deveríamos mostrar para os alunos que temos muitas razões para acreditarmos nessa teoria e que foram feitos milhares de experimentos diferentes – por pessoas diferentes e em lugares diferentes – que comprovam cada vez mais essa teoria.

Por que Imposturas Intelectuais foi publicado primeiro na França, que é justamente onde estão os alicerces do pensamento pós-moderno?

Como os autores que servem de exemplo no livro são grandes intelectuais franceses, seria injusto fazer uma crítica do outro lado do Atlântico. Além do que os franceses levam seus intelectuais muito a sério, o que não acontece nos Estados Unidos. Aliás, quem são os intelectuais americanos? Eu só consigo lembrar de Noam Chomsky, e ele concorda com as nossas críticas. Eu também sabia que o livro provocaria polêmica na França e que haveria uma reação nacionalista em alguns setores da sociedade francesa, e essa reação teria sido muito maior se tivéssemos publicado o livro primeiro nos Estados Unidos.

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Homens de Ciência 23

O livro será publicado em inglês?Sim, em julho (de 1998) será publicado na Inglaterra e em outubro nos

Estados Unidos. E já está acertada a publicação em alemão, espanhol, catalão, italiano, coreano, holandês, chinês de Taiwan, e português de Portugal e do Brasil. Mas existe sempre o problema da tradução. Não é fácil ter alguém, in-dependentemente da língua, que conheça bem todos os assuntos tratados no livro e consiga fazer uma tradução que não distorça suas idéias.

Já existia a intenção de fazer um livro quando o senhor publicou o artigo na Social Text?

Não. Acontece que após fazer a pesquisa para a publicação do artigo, fiquei com pilhas de material sobre o mau uso da física no pensamento pós-moderno. Resolvi, então, tirar cópia desse material e mandar para meus amigos. Os amigos cientistas deram risada, mas os não-cientistas disseram que eu tinha pego os pensadores pós-modernos com a mão na massa e que devia escrever um livro sobre o assunto. Foi o que eu fiz.

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Jonathan Van Allen

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ANTÓNIO DAMÁSIO

Os Estados Internos da Mente

São Paulo, 15 de setembro de 2000

O neurologista português radicado nos Estados Unidos António Damásio é conhecido na comunidade científica internacional como um profissional que une talento na pesquisa básica e capacidade de comunicação com o público. Seu primeiro livro, O Erro de Descartes (São Paulo: Companhia das Letras, 1996. Título original: Descartes’ Error), foi traduzido para dezessete línguas. Agora, em O Mistério da Consciência (São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Título original: The Feeling of What Happens, Harcourt Brace, 1999), Damásio amplia sua pesquisa sobre o mecanismo cerebral do pensa-mento, da emoção e da razão com a mesma acuidade científica com que tratou o assunto na obra anterior. Nesta entrevista, o cientista discute, entre outros temas, as mudanças nas pesquisas sobre a consciência humana e as diferenças entre consciência e mente.

O que mudou nestes últimos anos em relação ao estudo da consciência?Os avanços nesta última década no estudo da memória, da linguagem e,

mais recentemente, da emoção derrubaram a barreira das pesquisas sobre a consciência. Parece que as pessoas acordaram e disseram: “Bem, talvez a con-sciência possa ser tratada como ciência”. Outra coisa importante que abordo em O Mistério da Consciência: é vital olhar para a consciência do ponto de vista interno e não somente externo. A tradição da neurociência tem sido a de olhar sempre para o comportamento e não olhar para a mente. Caiu essa barreira e os cientistas reconheceram que era possível olhar com legitimidade científica para este aspecto interno, o estado da mente de cada um de nós. Uma vez que seja aceito que é possível estudar os estados internos da mente, nesse ponto é possível estudar a consciência.

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26 António Damásio

O senhor divide o problema da consciência em dois. O problema de como o “cinema do cérebro” é gerado e de como o cérebro também gera a sensação de que tem um dono e um observador para esse filme.

Quando se investiga cientificamente um problema é muito importante defini-lo e colocá-lo de uma forma que seja abordável com técnicas científicas. Estamos sempre em luta para encontrar técnicas que nos permitam olhar para um problema. Quanto mais simplificado for o problema, quanto mais pudermos analisar seus aspectos, mais probabilidades teremos de chegar a uma colocação que seja solúvel para a ciência. É preciso ter modéstia e verificar que as coisas que conseguimos são parciais, são para o momento, e conforme o tempo passa podemos fazer uma reformulação dos problemas. Novas técnicas aparecem, e vai ser possível olhar para esse problema de uma forma mais integrada, e às vezes verificar que as idéias que tínhamos não eram as mais corretas. Tudo isso tem a ver com uma tentativa de abordar os problemas de maneira científica.

O senhor vê com ceticismo a idéia de se resolver o problema da consciência. Por quê?É uma previsão que estou fazendo de que não será tão fácil. Isso não é ce-

ticismo, é ter um sentido realístico da situação e procurar ver o que se pode e o que não se pode fazer em ciência. As coisas são mais complexas do que parecem. Talvez não seja possível desvendar o mistério completamente. Estamos tentando descobrir como nossa mente funciona, utilizando-a para fazer isso. Há um prob-lema especial em relação ao funcionamento mental. É um pouco diferente, por exemplo, de quando usamos nossa mente para descobrir como as células do fígado funcionam. Neste caso estamos utilizando a mente para descobrir outra coisa. Mas quando estudamos a mente, estamos utilizando-a para descobrir como o cérebro faz a mente. Aí temos uma confluência entre a técnica para resolver o problema e o próprio problema. As coisas se tornam complicadas. Na maior parte dos dias, quando estou no laboratório com os meus colegas, trabalhando em uma determinada questão, temos a impressão de que vamos resolver o problema inteiro. Mas um minuto depois vemos que talvez não.

O senhor separa a consciência em duas. A consciência nuclear e a consciência alargada. Em que ponto começa uma e termina outra?

A consciência nuclear é mais simples, é fabricada a cada fração de segundo em relação a todos os objetos que conhecemos, respeita o aqui e o agora. Não há passado nem futuro para ela. A consciência alargada é a que temos nesse momento e que se constrói sobre a nuclear. É uma consciência que você e eu temos agora e que diz respeito não só ao aqui e ao agora, mas também ao nosso passado e ao nosso futuro antecipado. Portanto, neste momento temos um sentido de self (eu) em relação ao self simples do aqui e do agora, e também daquilo que fomos. Há um sentido em sabermos onde crescemos, quem são nossos pais, quais são as coisas de que gostamos e de que não gostamos. Há um sentido de percurso histórico, biográfico. E ao mesmo tempo você e eu

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sabemos as coisas que queremos fazer hoje. Ir almoçar, jantar, os planos que temos para o próximo fim de semana, as nossas aspirações. Isso também está na nossa memória biográfica, que diz respeito ao passado e também ao futuro que antecipamos. Tudo isso constitui o self alargado, que gosto de chamar de self autobiográfico.

O senhor inicia seu livro confessando-se intrigado pelo momento em que a cortina se abre e o ator entra em cena. Quando nós entramos em cena ou quando a consciência aparece em nós?

É muito difícil dizer com precisão quando esse momento acontece. Será que a consciência nuclear começa no instante em que o bebê nasce? De um certo modo, sim. Ela vai começar perto do nascimento. É provável que um pouco mais tarde, quando o sistema nervoso começa a se adaptar a seu novo meio ambiente e quando ele é estimulado pelo ambiente exterior. O que sabemos ao certo é que a consciência alargada, no sentido autobiográfico, não começa nesse momento. Ela possivelmente começa entre dezoito e vinte e quatro meses de idade, quando a criança passa a responder não somente sobre o aqui e o agora, mas também com um pouco de memória relacionada aos pais e àquilo que já se passou no meio em que vive.

Seria a consciência alargada uma função prodigiosa e unicamente humana?A maioria dos animais que estudei – cão, gato, macaco – tem uma cons-

ciência nuclear possivelmente muito semelhante à nossa, mas não uma con-sciência alargada tão complexa. Certos primatas, como os chimpanzés, dão sinais no seu comportamento de ter uma consciência alargada com algumas das características que nós temos. Embora haja esta continuidade biológica entre os seres mais simples e os seres humanos, há em nós algo muito par-ticular. Tem a ver com o fato de podermos manter memória sobre o passado e construir memória sobre o futuro. Ela é muito superior à de qualquer ani-mal. Há também um aumento dessa capacidade que vem com a linguagem, a inteligência e a criatividade humana. A linguagem permite traduzir tudo que está na memória em termos de palavra e permite um novo nível de abstração e de distanciamento em relação aos objetos. Enquanto para um animal muito inteligente existe um objeto e a representação desse objeto na consciência, nós temos o objeto, a representação da consciência básica e depois temos esse novo nível, expresso pela linguagem, que pode ser traduzido em palavras. É o que estamos fazendo agora. Estamos tendo uma conversa complexa, construindo esse mundo magnífico de idéias traduzidas em palavras. Isso faz com que tenhamos uma construção social e cultural que os outros animais não têm. O ser humano vê e vive certas situações com uma noção extremamente clara do modo como elas se inserem nessa história do self autobiográfico. Tudo aquilo que acontece com o ser humano, certamente devido a essa história biográfica, é muito mais delicado, capaz de produzir prazer ou dor.

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O senhor afirma que uma forma de tornar o problema da consciência mais claro é vê-la como dois jogadores, o organismo e o objeto. E as relações entre eles?

É uma relação constante. Você tem o organismo, representado pelo cérebro, e, a não ser que haja uma lesão, é uma representação contínua. E desde que o organismo esteja acordado, olhando, ouvindo o que se passa no mundo, há con-stantemente objetos interagindo com o organismo e, portanto, quer queiramos ou não – desde que se esteja acordado, não se tenha uma lesão neurológica e que não se esteja anestesiado – temos esses dois parceiros: o organismo e o objeto. E desde que o cérebro esteja funcionando normalmente, ele faz um mapa do organismo, do objeto e da relação deles. É aí que se resolve o mistério da con-sciência no sentido mais simples. É aí que a consciência começa. Começamos a ter consciência quando fazemos um mapa da relação entre o organismo e o objeto. Fazemos tudo dentro do nosso cérebro de modo mais do que virtual.

Qual a distinção entre emoção, sensação e saber que temos uma sensação?Quando temos uma emoção, o corpo se transforma sob a ação do medo, da

alegria etc. Quando temos o sentimento, há uma representação no cérebro, na forma de imagens, dessas transformações que ocorreram no corpo. Quando se tem consciência, ficamos sabendo que imagens mentais estão ocorrendo sobre aquela emoção. É como uma marcha.

O senhor vê a consciência como um sistema darwiniano. Quais as vantagens trazidas pela consciência que permitiram sua sobrevivência?

Temos no nosso organismo, desde o início de nossa vida, um sistema regulador que permite fazer a gestão da vida. Ele é um sistema largamente inconsciente que, por exemplo, está fazendo, neste momento, a regulação do coração, dos pulmões e dos rins. Tudo isso é feito de forma inconsciente. Você não precisa interferir. Em indivíduos complexos como nós, para se conseguir que haja essa regulação inconsciente em pleno funcionamento, é preciso que ajudemos o sistema. Se não evitarmos certos perigos, se não procurarmos comida e bebida e se não evitarmos ficar muito quentes ou frios devido a uma variação muito grande de temperatura, a gestão inconsciente deixa de funcionar. Ela funciona no caso de um animal muito simples, mas em um animal como o ser humano, ela precisa ser ajudada. Isso acontece primeiro pelas emoções, que são, no fundo, formas de gerir a vida. E depois pela nossa própria imagi-nação e pela nossa capacidade de solucionar problemas. É necessário criar soluções, tomar decisões sobre certas coisas que se devem ou não fazer. São estas últimas que precisam de algo de novo que apareceu na evolução: saber aquilo que se passa em nós. Essa é a razão pela qual o livro em inglês se chama The Feeling of What Happens. É a maneira de saber aquilo que está acontecendo conosco. A consciência nos permite concentrar a imaginação, a criatividade sobre o problema do self, do indivíduo. É como se ela estivesse sempre a dizer: cuidado, antes de tudo há este indivíduo vivo aqui, e é preciso prestar atenção ao que está

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acontecendo com ele. Exatamente aí a consciência passa a ser uma espécie de grande influência sobre a imaginação e faz com que ela esteja preocupada com o indivíduo. A consciência influencia a imaginação criando uma preocupação com o indivíduo, com o self. Uma vez que sejamos capazes de ficar preocupados com o self, seremos mais tarde capazes de ficar preo-cupados com os outros indivíduos. Esse é o princípio do sentido moral, da ética. É somente quando nos preocupamos também com os outros que podemos gerar o senso moral. O importante é ver que nunca seria possível termos uma preocu-pação com os outros se não nos preocupássemos antes conosco mesmos, no sentido do que é bem-estar, dor ou sofrimento.

O senhor afirma que há mais na mente do que na consciência, e que pode haver mente sem consciência?

Existe uma situação muito comum chamada automatismo epiléptico ou mutismo acinético. São situações que resultam do mau funcionamento cerebral devido a uma tempestade elétrica em algum circuito, ou porque há destruição de uma determinada zona cerebral. Nesses casos a mente continua a ter imagens, a perceber o que acontece à sua volta, do ponto de vista visual ou auditivo, mas a mente deixa de ter o sentido do self. Quando temos um processo mental para o qual não se forma um dono, a consciência desaparece. Resolver o problema da consciência é mais do que resolver o problema do cinema no cérebro. Muitas pessoas que estão trabalhando em consciência querem limitar o problema ao cinema no cérebro. Isso me parece muito limitado, e não aborda o problema fundamental: quem é o dono (self ).

O senhor vê a consciência como uma posição intermediária e não final do desenvolvim-ento biológico. Por quê?

Para algumas pessoas a consciência é o topo do desenvolvimento biológico, o final dele. Acho que não. A consciência, para mim, é uma capacidade intermediária – obviamente de alto nível –, pois vai dar lugar a todas as outras grandes capaci-dades, como a de criar objetos novos e a de criar, com a linguagem, a organização social, as leis e finalmente a arte, a ciência e a tecnologia. A consciência é uma capacidade que permite a aquisição de todas as capacidades.

O senhor também diz que a idéia de que o self e a consciência poderiam ser uma con-strução da linguagem não lhe parece correta, e que a linguagem é a maior contribuição para a consciência de alto nível.

A consciência tem sido muito atribuída à linguagem. Isso vem de uma simplificação do problema e de um certo conceito de que a consciência é algo estritamente humano: como aquilo que é único nos seres humanos, a lin-guagem, a consciência viria dela. Não é assim. Há provas claras de que, quando os indivíduos não têm a linguagem, possuem comportamentos que são conscientes. A linguagem seria praticamente impossível de conceber como

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desenvolvimento humano se não houvesse consciência primeiro. A preocupa-ção de criar um sistema de representação, um sistema de comunicação como a linguagem, somente pôde emergir em indivíduos conscientes de si próprios, de sua individualidade, dos problemas que enfrentavam – eles tinham, por isso, essa capacidade criadora de inventar sinais para representar certos objetos e situações. A linguagem é uma das grandes conseqüências da consciência.

O que o senhor acha que teremos de explicar cientificamente para criar uma teoria da consciência?

Acho que é possível fazê-lo. Aquilo que o livro O Mistério da Consciência apresenta é uma teoria da consciência, embora eu goste de especificar que ela é uma hipótese. Para resolver o problema, acho que devemos primeiro testar a hipótese que apresento, que diz respeito ao self. Acho que isso está em parte feito – há pessoas que consideram que ela está provada –, mas prefiro que sejam realizados mais testes dessa hipótese para que possamos especificar com mais detalhes aquilo que de fato é necessário para construir o self. Depois é preciso resolver o problema da transformação entre padrões neurais e padrões mentais. Acho que é uma agenda de muito trabalho, mas acredito que nas próximas duas décadas vai ser perfeitamente possível prová-la. Se tivermos outra conversa daqui a dez anos, você verá que houve mesmo um progresso, e talvez daqui a vinte anos o problema esteja resolvido. Isso não quer dizer que descobriremos tudo, mas possivelmente uma parte do problema.

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Prêmio Nobel de Física, 1964pelo seu trabalho fundamental para a criação do maser e do laser

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CHARLES TOWNES

O Futuro do Laser

Atlanta, 1o de abril de 1999

“Em julho de 1969, Neil Armstrong e Edwin Aldrin colocaram na superfície da Lua pequenos refletores virados para a Terra, ao mesmo tempo que duas equi-pes de astrofísicos – uma no Observatório Lick, na Universidade da Califórnia, e outra no Observatório McDonald, na Universidade do Texas, a trezentos e oitenta e quatro mil quilômetros de distância – preparavam pequenos instrumentos em dois grandes telescópios. Tomaram notas detalhadas do local em que o homem pousou na Lua pela primeira vez. Dez dias depois, a equipe do Lick apontou seu telescópio para esse local e disparou um pulso de força no pequeno pedaço de hardware adicionado ao telescópio. Dias depois, a equipe do McDonald fez a mesma coisa. (...) No coração dos dois telescópios, um estreito feixe de luz vermelho saiu de um cristal de rubi sintético, atravessou o céu e entrou no vácuo do espaço. (...) Pouco mais de um segundo após o raio ter atingido os refletores, as equipes na Califórnia e no Texas detectaram o reflexo da luz emitida por eles. O intervalo de tempo entre a emissão e a recepção do pulso de luz permitiu a medição da distância entre a Lua e a Terra com uma precisão nunca vista até então.”

Assim começa How the Laser Happened, de Charles Townes (Oxford University Press, 1999). À primeira vista, pode parecer somente mais um relato sobre o uso do laser, mas seu autor é simplesmente o inventor do Light Amplifi-cation by Stimulated Emission of Radiation, vulgo LASER – uma conseqüência de sua invenção anterior, o Microwave Amplification by Stimulated Emission of Radiation (MASER). Em entrevista exclusiva, na comemoração dos cem anos da American Physical Society (APS), em Atlanta, o físico americano, de oitenta e três anos, ganhador do Nobel de Física de 1964 por essas invenções, fala de sua carreira científica, dos usos atuais e futuros do laser, de sua atuação como assessor científico do governo, dos problemas ocorridos no patenteamento de

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suas invenções e de seu trabalho na General Motors (GM).

Como o senhor teve a idéia de criar o maser?Estava trabalhando duro para obter ondas curtas da região das microon-

das. Tentei vários métodos diferentes durante vários anos e não obtive muito progresso. Um dia, estava sentado no parque, pensando o que me impedia de fazer aquilo que eu queria, e passei a lembrar todos os pressupostos que le-varam-me ao ponto em que eu estava. De repente, percebi que havia perdido o fio da meada. Pensava que deveria aplicar uma lei da termodinâmica, mas essa lei não deve ser aplicada quando não há equilíbrio térmico. Percebi então como fazer o maser. Voltei para a universidade e tentei construir um.

E o laser?A idéia veio depois. Queria mesmo era produzir ondas curtas, e no primeiro

teste do maser ficou provado que todo o sistema funcionava. Estava procurando o melhor meio de produzir ondas mais curtas. Decidi que o melhor caminho era fazê-las a partir das que já tinha obtido perto do espectro eletromagnético visível (a luz). Fui encontrar meu cunhado, Art Schawlow, que havia sido meu aluno de pós-doutorado e estava trabalhando no Bell Labs – eu dava consultoria para eles na época –, e falei com ele sobre a idéia. Ele estava muito interessado no problema e teve algumas idéias sobre como resolvê-lo. Analisamos o problema teori-ca-mente, achamos uma solução e escrevemos um artigo. Nasceu o laser.

O senhor fala, no livro, sobre seu trabalho na Bell Labs. Por que o senhor foi trabalhar lá quando o seu maior interesse era dar aula e fazer pesquisa?

Quando terminei meu PhD, em 1939, havia poucos trabalhos, devido à Grande Depressão. A Bell Labs era um bom local para trabalhar e eles me ofereceram um emprego, embora eu quisesse mesmo ir para a universidade. Falei com meu orientador de pesquisa, professor William Smythe, que me disse que procurar outro emprego seria algo assustador, e era melhor eu aceitar. Foi o que fiz.

O senhor dedica um capítulo do livro ao “jogo da patente”. Quais os problemas que o senhor teve com o patenteamento do maser e do laser?

O maser é uma patente básica. Fui muito cuidadoso de fazê-la abrangente, de modo a cobrir todos os comprimentos de onda possíveis. E dei a patente para a Research Corporation, uma companhia que dá todo o dinheiro obtido com patentes para pesquisa nas universidades. Não queria gastar muito tempo com patenteamento, pois sabia que poderia ser difícil. Eles tomaram conta de tudo, contrataram advogados etc. para patentear o maser. Eu pensei com cuidado nas palavras a serem usadas no patenteamento, para que cobrissem todas as possibilidades. Algumas companhias teriam de pagar royalties por causa disso e contestaram a patente, dizendo que era inválida. Eles tinham razões bastante

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particulares para achar isso, como algo que eu havia publicado muito tempo atrás e não era para ter sido publicado. Alguém pôs esse material na biblioteca do Museu de Harvard, eles o acharam e publicaram. A patente tinha de ser requerida um ano antes da publicação, mas o que fizemos não estava completo. A patente do laser foi feita pelos advogados da Bell Labs, pois eu estava dando consultoria para eles. Não prestei muita atenção à redação dela, embora os advogados digam que prestei. A primeira contestação da patente do laser veio de Gordon Gould, um estudante de Columbia que tinha um escritório perto do meu. Ele falou comigo sobre maser, e expliquei a ele que a idéia podia ser estendida para ondas de luz (laser). Um mês depois disso, ele escreveu em seu caderno de notas tudo que havia entendido sobre o tema, com uma descrição do laser e seus possíveis usos. Quando Gould foi trabalhar na companhia TRG, eles contestaram a patente da Bell Labs afirmando que as anotações de Gould do ano anterior (1957) mostravam que ele estava à nossa frente. A justiça examinou o caderno dele e a nossa patente do laser e, no final, rejeitou o pedido de Gould com ênfase em dois pontos: ele não teve a idéia correta e não trabalhou o sufici-ente para provar que sua idéia era válida, pois, após descrever detalhes em seu caderno, ele não avançou neles por aproxima-damente mais um ano. Algum tempo depois, entretanto, ele teve sucesso com algumas patentes. Você tem uma patente e sabe como fazer pequenas modi-ficações em partes específicas dela, criando uma patente separada. Ele foi bem-sucedido com uma delas, e este também foi um grande caso. Ele fez muito dinheiro com ela, porque a validade começou bem depois, as patentes ficaram mais valiosas com o tempo.

Em 1971, o senhor foi convidado, pelo então chairman da General Motors, para criar o comitê de assessoramento técnico dessa empresa. Por que aceitou o convite? E como foi essa experiência?

Primeiro, gosto de experimentar coisas novas. Segundo, a GM é uma companhia muito importante, representava cerca de três por cento do PIB americano daquela época. Ela estava tendo problemas com poluição e segurança e precisava criar um comitê de assessoramento técnico e científico. Foi o que fiz. Após três anos, pensei que já tivesse feito bastante e que seria melhor para eles ter outro no comitê. Disse que queria renunciar e eles perguntaram se eu não gostaria de fazer parte do quadro de diretores (risos). É o que chamamos, certas vezes, de ser “chutado para cima”. Foi interessante. Já fui convidado para fazer parte do conselho de diversas empresas, mas me limitei ao de duas companhias comerciais, pois não queria desviar demais minha atenção para esse tipo de atividade. Hoje já não faço parte de nenhum board.

O senhor foi também conselheiro científico do governo nas décadas de 50 e 60. Como foi isso?

Comecei a trabalhar nisso logo após o período Sputnik. Nosso país estava

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preocupado com a União Soviética – quão longe, ou perto, eles estavam de construir mísseis balísticos etc. E se nós podíamos estar atrás deles nessa área. Naquele tempo não havia muitos bons cientistas trabalhando em Washington. Simplesmente senti que era minha obrigação aceitar o convite para ser conselheiro científico do governo. Aceitei ficar dois anos em Washington, e foi minha primeira experiência duradoura em tentar aconselhar o governo. Depois, fiz parte do comitê científico que aconselhava o presidente Lyndon Johnson. Esse grupo era composto de pessoas muito importantes, e foi eficaz no aconselhamento do presidente – que ouvia bastante o que esse grupo falava. Trabalhei também no programa Apollo, proposto por Kennedy. Uma pessoa que eu conhecia, George Muller, foi designada para ser chefe do programa Apollo. Eu disse a ele que havia muitas pessoas se opondo ao programa e que ele deveria ter um comitê de cientistas de alto nível técnico para saber suas opiniões e pontos de vista. George me pediu para montar esse comitê. Fui o diretor até o primeiro pouso na Lua. Depois, achei que era hora de sair. Fiz várias coisas desse tipo em ocasiões especiais, quando achava que podia ser útil.

Quais novas aplicações o senhor prevê para o laser no século XXI?O laser já tem um vasto campo de aplicação atualmente. Quando as pes-

soas gostavam de fazer piada comigo, diziam: “O laser é uma boa idéia, mas é uma solução à procura de um problema. O que você pode fazer?” Para mim, o modo correto de olhar para o laser é como algo que se integrou à eletrônica e à óptica. Na primeira, como forma de controle de coisas delicadas, por ex-emplo. E, na segunda, todos sabemos as aplicações. Aqui estão dois campos importantes aos quais se incorporou. Sempre discordei de que o laser teria poucas aplicações. Outro uso do laser que vejo para logo é na comunicação: seria revolucionário nos sistemas de comunicação fazer com que toda ela acontecesse ao redor do mundo em um feixe de luz. Logo, há grande poten-cial para o laser nessa área. Há também o uso nas fábricas. Um raio de laser intenso pode ser usado para cortar quase tudo. Pode também ser usado na construção de circuitos semicondutores e, na medicina, é particu-larmente interessante na operação dos olhos. E serve a muitas finalidades. Mas ainda acho que muitas das aplicações do laser estão para ser descobertas, e prever o que ele poderá fazer é muito difícil. Prever até uma década no futuro é compli-cado. O campo da tecnologia muda constantemente. O laser está ficando barato e flexível, e está cobrindo várias faixas de ondas. Vamos ver várias aplicações em campos muito diferentes no futuro.

Em que projeto o senhor está trabalhando agora?Nos últimos vinte anos tenho trabalhado com astronomia. Estou tentando

ver pequenos detalhes do que acontece em torno das estrelas, usando raios infravermelhos. É como tentar fazer uma microscopia do céu. Estrelas e aglom-

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erados de estrelas estão muito distantes. Elas são grandes, embora pareçam pequenas devido à distância. Agora temos um interferômetro, que são dois telescópios que captam as ondas, colocam-nas juntas e imprimem o resultado. Ele tem sido usado para medir o tamanho de algumas estrelas e para revelar o comportamento do material que está em volta delas, expelido por elas. Gosto de mudar de área quando um campo se desenvolve, e de tentar fazer algo que ainda não foi tentado.

O senhor fala no livro da aventura de ser um cientista...Faço ciência porque é prazeroso e interessante. É excitante buscar resolver

problemas e tentar entender o mundo. Algumas vezes digo que nunca trabalho, somente me divirto. É surpreendente que pessoas me paguem para fazer isso (risos). Além disso, a comunidade científica é legal. Aprendemos um com o outro, interagimos. Um cientista descobre algo que é interessante e leva outro cientista a outra descoberta, e assim por diante. Os cientistas, em geral, são livres e abertos e têm como objetivo aprender algo novo, não somente ganhar dinheiro.

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DANNY HILLIS

O Homem que Criou o Longo Agora

São Paulo, 22 de setembro de 2000

A última vez que o cientista da computação e inventor Daniel Hillis, quarenta e três anos, resolveu criar alguma coisa, construiu, aos vinte e oito, o primeiro computador maciçamente paralelo, o Connection Machine, com sessenta e quatro mil processadores. Entre os membros da equipe inicial estava, nos primeiros meses do projeto, o prêmio Nobel de Física Richard Feynman, então com sessenta e sete anos. O projeto pioneiro é hoje a base da maioria dos supercomputadores. Hillis aplicou o processamento paralelo a diversos problemas, entre eles astrofísica, imagens gráficas, física subatômica e análise financeira. Em 1996, Danny, como é mais conhecido no meio científico, foi nomeado “Disney fellow” e vice-presidente de Imaging and Engineering da The Walt Disney Company. Mas Danny não se contentou e resolveu criar (em 2000) uma nova companhia, a Applied Minds. Nesta entrevista ele fala de computadores paralelos, máquinas que pensam, internet e sobre sua última companhia.

O senhor criou o primeiro computador maciçamente paralelo, o Connection Machine, com sessenta e quatro mil processadores, em 1985. Qual foi a sua maior dificuldade para projetar esse computador?

Em 1985, a maioria das pessoas achava que seria impossível fazê-lo fun-cionar. O maior problema é que ninguém sabia como fazer os processadores trabalharem em conjunto.

E que tipo de problema pode ser resolvido por um computador paralelo?Problemas que requerem processamento muito grande de informações.

Dois tipos. Simulações físicas, para aeronaves, em engenharia e na previsão do tempo, e análise de banco de dados.

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40 Danny Hillis

E por que os computadores não foram sempre paralelos?É óbvio agora, mas na época ninguém sabia coordenar os processadores

para que eles trabalhassem em conjunto. Todos eles tinham de falar a mesma língua com os mesmos dados. É como construir uma rede de telefones que faça com que os milhares de processadores falem uns com os outros. Fazer com que todos eles trabalhassem em conjunto em somente uma questão era um prob-lema considerado impossível de resolver. Em vez de tentar fazer uma coisa só e rapidamente, uma máquina de processamento paralelo faz várias delas ao mesmo tempo. Quando um computador convencional ou seqüencial olha para uma imagem de TV, ele escaneia (olha) para cada um dos pontos (dots) por vez. Nossos olhos e mente olham para tudo de uma vez só. Fazemos proces-samento paralelo nesse caso. Processamos um lado da imagem ao mesmo tempo que os outros. Nós temos de fazer processamento paralelo, pois os transistores de que somos feitos – os neurônios – são muito mais lentos que transistores de computador. Conseguimos ter velocidade fazendo com que bilhões de neurônios trabalhem em conjunto. Um computador como o Connection Machine faz o mesmo com milhares de processadores.

Acredita que haverá um dia um Connection Machine de mesa?Acho que não, mas acredito que o seu computador de mesa será ligado a

um Connection Machine em algum lugar, que estará conectado a vários com-putadores de mesa.

O senhor afirma que todas as propriedades computacionais do neurônio podem ser simuladas por um computador convencional. É possível que um computador possa desenvolver emoções e personalidade?

Não vejo por que não, mas estamos longe disso. Não acho que vá acon-tecer logo.

E o que seria possível fazer com esses neurônios artificiais?Poderíamos usá-los para entender o pensamento, a ciência, por exem-

plo.

O senhor disse certa vez que a internet pode ficar mais inteligente do que qualquer pes-soa ou site, que o processamento paralelo permite esse tipo de fenômeno emergente. O senhor acredita que a internet está perto de alcançar esse comportamento?

Não, mas a internet já faz com que eu seja mais capaz de entender o que não sabia antes. Posso acessar informações direto do meu computador. Tirar dúvidas rapidamente visitando diferentes sites.

O senhor criou com alguns cientistas, pensadores e músicos a Fundação do Longo Agora (The Long Now Foundation), em 1996, para inventar um relógio que desse um tique-taque a cada ano e cujo cuco aparecesse a cada milênio pelos próximos dez mil anos. Por que o senhor começou a pensar em escalas de tempo longas?

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Homens de Ciência 41

Tenho essa necessidade. O mundo está muito acelerado e não temos tempo de pensar a longo prazo. O futuro tem encolhido um ano a cada ano ao longo da minha vida. É hora de elaborar um projeto de longo prazo, que faça as pessoas pensarem a longo prazo. Por isso criamos o relógio do longo agora.

Quando o senhor fundou a Thinking Machines Corporation, para construir o Connection Machine, uma das pessoas que trabalharam com o senhor foi o físico Richard Feynman. O senhor escreveu um artigo intitulado “Richard Feynman and the Connection Machine”, no qual conta a temporada que ele passou na empresa. Qual a influência de Feynman em seu trabalho?

Penso nele todos os dias. Sinto muito sua falta (Feynman morreu em 1988, de câncer). O que mais me influenciou nele foi sua atitude perante o mundo. Ele estava sempre fazendo perguntas.

O senhor fundou recentemente uma outra companhia chamada Applied Minds, que irá desenvolver tecnologia avançada, design e serviços de consultoria. O que o senhor está fazendo exatamente?

Inventando coisas para as pessoas se divertirem. A companhia é recém-fundada e estamos no começo, por isso não posso falar muito. Espero que sejam coisas surpreendentes.

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Divulgação

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DEAN HAMER

Novos Desafios Éticos para a Conduta Humana

São Paulo, 4 de agosto de 1998

Em 1994, o Laboratório de Estrutura e Regulação de Genes do National Cancer Institute (NCI), um dos institutos do National Institutes of Health (EUA), causou grande impacto na mídia ao descobrir genes supostamente ligados ao comportamento sexual masculino. A repercussão virou livro: The Science of Desire (Touchstone Books, 1996), de Dean Hamer, diretor do laboratório. No início de 1998, Hamer lançou outro, Living With Our Genes: Why They Matter More Than You Think (Anchor Books, 1999), sobre as recentes descobertas de genes ligados a traços do comportamento humano, como ansiedade e depressão, feitas por seu laboratório. Em entrevista exclusiva por telefone, Hamer fala dessas descobertas, de suas conseqüências nos tratamentos psicológicos e dos novos desafios éticos trazidos por elas.

Quais áreas sentirão mais rapidamente os efeitos das descobertas descritas em Living With Our Genes?

Acho que serão as áreas da psicologia que lidam com depressão e ansie-dade.

O senhor acha que essas descobertas vão mudar o modo como são tratadas pessoas com depressão, por exemplo?

Sim, acho que irá ajudar, pois permitirá um diagnóstico mais preciso das doenças psiquiátricas. Acredito também que esse conhecimento levará a novas drogas para o tratamento de doenças psiquiátricas sérias, mas não acredito que substituirá os psicólogos ou psiquiatras. Somente fará com que o trabalho deles possa ser mais eficiente, pois com esse conhecimento será possível entender por que as pessoas têm problemas psicológicos. E também será interessante que as pessoas percebam que muito da nossa personalidade tem componente

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genético – que certos traços são difíceis de ser mudados e outros são imutáveis. Entretanto, não acho que isso deva servir de base para a manipulação genética de pessoas.

O senhor acredita que haverá manipulação de genes humanos?Algum dia isto poderá acontecer, mas acho que é necessário muito mais

conhecimento do que temos hoje sobre o assunto. Não acredito que vá acontecer amanhã, nem na virada do século. E não acho que devemos pensar nisso até termos uma idéia mais clara das implicações de tal procedimento.

As descobertas sobre as relações entre o DNA e o comportamento permitem prever, ainda no útero materno, muitos traços comportamentais. Como evitar que esse conhe-cimento prévio gere discriminações ou uma educação dirigida?

Precisamos de leis duras para prevenir qualquer tipo de discriminação genética. Deverão existir leis que garantam às pessoas o direito de não fazer testes genéticos. Se alguém quiser fazê-los, deverá haver leis que assegurem que essas informações estejam acessíveis somente para quem fez o teste. Em suma, leis que impeçam as companhias de seguro de ter acesso a tais infor-mações. É preciso também que tenhamos consciência de que todos temos predisposições a algum tipo de comportamento, e que é injusto discriminar as pessoas por essas predisposições.

O senhor acredita que essas leis serão criadas antes do final do Projeto Genoma Humano, em 2005? (Foi concluída a etapa de seqüenciamento dos genes em 2001, mas o projeto continua na busca do entendimento das características de cada gen.)

Espero que sim. Nos Estados Unidos, hoje, existe um sentimento co-mum contra qualquer tipo de discriminação genética. As únicas a favor da dis-criminação são as companhias de seguro. Seria uma tragédia se não con-seguíssemos.

As pessoas poderão, no futuro, ter acesso a exames genéticos e a seus resultados como forma de autoconhecimento?

Penso que é uma idéia muito interessante, mas ela exige que cada indi-víduo tenha consciência do que pode ser aprendido por meio dos genes e do que não pode. Em outras palavras: um médico diz a você que um de seus genes indica predisposição a algum tipo de vício; se você passar a acreditar que será um alcoólatra por causa disso, então acho que não será um conhecimento útil. Mas se essa informação servir como alerta de que você deve tomar cuidado com drogas e álcool, ela será muito útil.

Como o senhor acha que a revolução iniciada pela clonagem da ovelha Dolly irá afetar o conceito de ética na espécie humana?

Não acredito que a clonagem humana será algo muito comum – prova-velmente aparecerão algumas pessoas muito ricas que clonarão a si mesmas,

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Homens de Ciência 45

mas não acho que será uma prática comum. Se eu fosse me clonar, por exemplo, criaria um Dean Hamer melhorado, um pouco mais alto e melhor em basquete. É com a manipulação genética que devemos nos preocupar.

Em Living With Our Genes o senhor afirma que a importância dos genes e do meio varia conforme o tipo de característica comportamental. Também diz que os genes agem mais quantitativamente do que qualitativamente, e que os genes podem influenciar uma característica sem determiná-la. Por que é difícil aceitar essas idéias?

Existem duas razões. A primeira é que é mais fácil ver o mundo em branco-e-preto do que em tons de cinza, como é mais fácil pensar em sim ou não do que em termos percentuais. A segunda razão é que muitas pessoas vêem a genética como o estudo de doenças simples em que você tem ou não o gene que as causam. Mas acredito que elas vão entender este conceito, pois percebem, por exemplo, que a economia do Brasil não é completamente determinada pelas exportações ou pelas variações climáticas. O comportamento de uma economia é determinado por um conjunto de fatores agregados.

Recentemente o senhor disse que talvez sessenta por cento dos cem mil genes humanos estejam presentes no cérebro. Por que esta concentração?

O cérebro é composto de vinte órgãos diferentes, conectados uns aos outros de modo muito intricado, e as ferramentas para construí-lo estão armazenadas nesses genes.

Qual a principal pesquisa do laboratório que o senhor dirige?É basicamente sobre a relação entre os genes e o ato de fumar. Estamos

tentando entender por que as pessoas fumam. Achamos que possa ser por car-acterísticas pessoais, e talvez por algum gene ligado especificamente à nicotina. (A pesquisa, já concluída, não chegou a uma conclusão sobre a ligação de um gene específico à nicotina.)

Quando será publicado o resultado da pesquisa?Temos um artigo que será publicado no ano que vem (1999), e outro que

está sendo analisado para publicação. Mas a pesquisa ainda está no início.

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Juan

Est

eves

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DRAUZIO VARELLA

Em Busca da Pesquisa Brasileira Moderna

São Paulo, 24 de julho de 1998

Drauzio Varella é conhecido pelo público por defender, em contundentes entrevistas para a televisão, o uso de preservativos para deter as doenças sexu-almente transmissíveis, principalmente a Aids. Mas é na área de biotecnolo-gia que Varella, um dos mais respeitados oncologistas brasileiros, desenvolve um trabalho pioneiro no Brasil: a busca de espécies de plantas que tenham sub-stâncias ativas no combate ao câncer e à Aids. Nesta entrevista, Drauzio Varella fala sobre esse projeto, sobre biopirataria, sobre a recente descoberta de Judah Folkman no combate ao câncer e sobre novos tratamentos para a doença.

Como surgiu o projeto do barco Escola Natureza, que coleta plantas da floresta amazônica e testa sua eficácia no combate ao câncer e à Aids?

Originalmente, o Natureza foi criado como um laboratório de ecologia e botânica para os alunos de segundo grau do colégio Objetivo de todo o Brasil. Em 1992 estive no National Cancer Institute (NCI), nos Estados Unidos, e ouvi de Gordon Cragg, responsável pela área de estudo de produtos naturais, que havia grande interesse científico mundial em testar as espécies de plantas da Amazônia para câncer e Aids, mas que o governo brasileiro havia colocado muitos empecilhos a esse tipo de pesquisa. Numa visita de Robert Gallo – um dos descobridores do vírus da Aids – e de pesquisadores americanos ao Escola Natureza, discutimos o tema e verificamos que a tecnologia utilizada para essa pesquisa seria simples. Infelizmente o pensamento corrente no Brasil é: não vamos estudar e não vamos deixar ninguém fazê-lo – simplesmente pelo medo de sermos roubados.

O senhor montou um laboratório de extração, que faz a moagem dessas plantas, na avenida Paulista. Como foi isso?

Propus o projeto para a Universidade Paulista (Unip), que se interessou

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em realizá-lo. Existe um contrato entre o NCI e a Unip de transferência total de tecnologia da parte deles. Além disso, a equipe do laboratório brasileiro foi treinada pela do NCI e o controle de qualidade do nosso laboratório também é feito por eles. O laboratório da Unip é igual ao do NCI, somente um pouco menor.

Qual foi o custo total desse projeto?O laboratório de extração custou trezentos mil dólares. Agora, estamos

montando o laboratório de screening (processo de isolar substâncias uma a uma para examinar sua eficácia no combate a elementos causadores de doen-ças ou, em sentido amplo, para determinar como elas interagem com outras substâncias e organismos) – que testará essas plantas para os sessenta e quatro tipos mais comuns de câncer e para o vírus da Aids – e o de fungos, que também realizará esses testes.

Quando esses dois laboratórios entram em funcionamento? E quem está financiando?Esperamos que no início de 1999, com um investimento de aproximada-

mente quinhentos mil dólares feito pela Unip. (Hoje, os laboratórios estão em funcionamento.) Se for descoberta pela Unip alguma substância de valor comercial, o NCI não terá nenhum direito sobre sua futura comercialização.

Como funcionam esse processo de extração das plantas e os testes para câncer e Aids?

Todos os meses, cerca de cem espécies de plantas e fungos são coletadas pelo Escola Natureza na Amazônia, e mais um tanto é coletado em outras regiões botânicas do país. Todas elas são mandadas para o laboratório de extração em São Paulo, onde são moídas e preparadas para os testes contra câncer e Aids. Se for detectada atividade anticâncer ou anti-Aids, o extrato é separado para que se descubra qual substância tem ação anticâncer ou anti-Aids.

Estão previstos testes para outras doenças?Temos o projeto de fazer um estudo conjunto das atividades dessas plantas

e fungos contra malária (com o doutor Marcus Boulos, da USP) e das bactérias resistentes a antibióticos (com o doutor Emir Sader, da Escola Paulista de Medicina), e também para verificar a atividade no músculo cardíaco (com o doutor Luiz Figueiredo, do Incor), com um custo estimado de quinhentos mil dólares.

Quando esses testes começarão?Ainda não temos data definida, pois estamos esperando outro fi-nancia-

mento.

Hoje se fala bastante sobre a biopirataria. Por quê?As pessoas pensam que a biotecnologia funciona como em um filme de

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Homens de Ciência 49

James Bond: o sujeito coloca a folha de uma planta dentro da caneta, leva para fora do país e descobre uma nova substância para a cura do câncer, por exemplo, roubando um patrimônio nacional. Até hoje o NCI testou em torno de setecentas mil espécies de plantas para câncer. Sabe quantas se transformaram em produtos comerciais? Trinta e nove. Não estou dizendo que não possa haver esse tipo de biopirataria, mas temos de admitir que é muito pouco provável. De qualquer modo, ninguém lembra nessas horas como o café e a cana-de-açú-car vieram parar no Brasil, ou o gado na Argentina. No caso da cancerologia, além do baixo índice de descobertas comercializáveis (0,0056%), há o fato de que dez a quinze anos se passam entre o início dos testes e a comercialização. Por isso, ninguém vai ver uma Merck, Glaxo-Wellcome etc. fazendo esse tipo de pesquisa: o empreendimento é comercialmente inviável. É melhor deixar que universidades e órgãos governamentais, como o NCI, façam esse tipo de trabalho e, nos raros casos em que algo é descoberto, os grandes laboratórios possam comprar a patente. E o dinheiro pode ser reinvestido em pesquisa e na preservação do hábitat natural dessas plantas.

O Brasil tem pessoas qualificadas para trabalhar nessas áreas?Temos gente qualificada dentro e fora do Brasil, e muitos dos que estão

fora querem voltar. Temos também dinheiro para desenvolver bons projetos. A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) tem alguns milhões de dólares para investir, entretanto faltam projetos de peso e pessoas ousadas dispostas a tocá-los. Uma das exceções é o primeiro projeto genoma brasileiro da Fapesp, que está seqüenciando os genes da bactéria Xyllela fas-tidiosa – uma praga que ataca os laranjais brasileiros e causa sérios problemas à citricultura. No segundo semestre de 1999 a Fapesp deve iniciar o projeto genoma-câncer para seqüenciar os genes dos cânceres mais comuns no Bra-sil, e o projeto genoma-cana, que vai seqüenciar os genes da cana-de-açúcar responsáveis por seu crescimento e desenvolvimento. (Os dois projetos estão em andamento.) Essas pesquisas serão essenciais para o Brasil. A Fapesp tem desempenhado um papel muito importante no financiamento delas no Estado de São Paulo, mas a mídia não explica isso, não fala da importância desse tipo de projeto.

Por quê?Por ignorância. E isso é muito ruim para a sociedade, pois a mídia também

tem a função de mostrar o que está acontecendo no mundo científico. É sur-preendente também a ignorância de pessoas das áreas de humanas sobre o que acontece no meio científico, bem como o desprezo por conhecimento científico. Até entre os cientistas falta a troca de conhecimento entre as diversas áreas, como física, química e biologia. Embora a divisão entre áreas seja razoável para fins didáticos, ela não existe na teoria. Tudo o que existe no universo é composto dos mesmos átomos, os da tabela periódica. E quem estuda o seu

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comportamento é a física, subdividida em ramos específicos como a química, a biologia etc., que são áreas da física.

Qual o papel das universidades públicas no desenvolvimento dos projetos científicos brasileiros?

Apesar de haver ilhas de excelência nas universidades públicas, elas pos-suem um problema muito sério: a burocracia e o jogo político interno. O tempo das universidades públicas já passou: agora temos de entrar na era da com-petição – quem desenvolver os melhores projetos e der as melhores condições de trabalho terá os melhores professores. E a qualidade dos professores deve ser medida pelo número de artigos publicados em revistas internacionais de primeira linha, na sua área, e não pela publicação de artigos em quaisquer revistas. Se as universidades privadas agirem com inteligência, vão oferecer salários decentes aos bons professores e montar grandes centros de pesquisa. É uma necessidade, pois o governo está obrigando todos que queiram ter o nome de universidade a produzir conhecimento além de educação. Agora é a hora de montar estruturas fortes, inclusive com o apoio da Fapesp, que tem aberto gradualmente seus financiamentos para as universidades privadas. Com todos esses fatores é possível que algumas privadas se tornem até melhores do que as públicas.

A descoberta de Judah Folkman, do Children’s Hospital, associado à Escola de Medicina de Harvard, que comprovou em ratos a eficácia de duas substâncias no combate à formação de vasos sangüíneos que irrigam os tumores cancerígenos, foi noticiada com grande alarde. Qual a real dimensão da descoberta?

A descoberta é um grande avanço, mas ainda não sabemos se a angiostatina e a endostatina vão ser eficientes no combate ao câncer nos humanos. Também temos de ver contra qual tipo de câncer essas duas substâncias darão resultados. A única certeza que temos até agora foi brilhantemente expressa pelo próprio Folkman quando questionado sobre a utilização da angiostatina e da endostatina: “Se você tiver câncer e for um rato, com certeza podemos ajudá-lo”.

O senhor acredita que estamos perto de descobrir novos tratamentos para o cânc-er?

Creio que sim, pois a biologia molecular decifrou nos últimos anos alguns dos mecanismos de transformação de células sadias em malignas, e esse con-hecimento está sendo utilizado na produção de moléculas sintéticas capazes de destruir as células cancerígenas. Além de pesquisas feitas para a descoberta de substâncias naturais que tenham essa mesma ação.

O senhor espera para daqui a quantos anos esses avanços?Acredito que nos próximos dez anos algumas dessas substâncias existirão,

e teremos novos tratamentos para alguns tipos de cânceres – lembrando que o

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câncer engloba mais de cem doenças diferentes.

E a cura do câncer?Toda vez que você abrir o jornal e ler que existe uma arma que vai curar o

câncer, tenha certeza de que é bobagem. Uma única arma nunca poderá curar tantas doenças diferentes.

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Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia, 1962pela descoberta da estrutura dupla hélice do DNA

Stock Photos

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FRANCIS CRICK

O Despertar de Uma Era

São Paulo, 10 de julho de 1998

Há quarenta e cinco anos a revista Nature publicou um artigo intitulado “A Structure for Deoxyribose Nucleic Acid”, que mudou a história do século XX. Nele Francis Crick e James Watson descreviam sua hipótese de como seria a molécula do DNA. O modelo, que ficou conhecido como a dupla hélice de Watson & Crick, deu aos dois e a Maurice Wilkins o prêmio Nobel de Me-dicina ou Fisiologia de 1962, fundou a biologia molecular e lançou as bases da chamada engenharia genética. Nesta entrevista por telefone de seu escritório em La Jolla, Califórnia, Francis Harry Compton Crick, oitenta e dois anos, fala – com seu conhecido bom humor – sobre a descoberta do DNA, sobre ética na ciência e sobre suas pesquisas em neurociência, campo em que atua há mais de vinte anos.

Por que o senhor resolveu ser um cientista?A resposta completa está em meu livro What Mad Pursuit (Basic Book,

1998). Basicamente, desde pequeno eu era interessado em ciência. Meus fa-miliares não eram cientistas, mas me deram uma enciclopédia infantil – e foi a parte sobre ciência que me pareceu mais interessante. Foi então que decidi ser cientista.

Originalmente o senhor estudou física e matemática na University College London. Por que resolveu estudar biologia ao final da Segunda Guerra Mundial?

A resposta para isso também está em What Mad Pursuit. Eu trabalhava para a British Admiralty e não queria continuar. Já tinha quase trinta anos. Eu poderia escolher várias áreas em ciência: uma delas era o limite entre o vivo e o não-vivo na biologia molecular e a outra, o funcionamento do cérebro, es-pecificamente o problema da consciência. As duas me fascinavam, mas, como eu tinha de escolher, fiquei com a chamada biologia molecular. E a verdadeira

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razão pela qual escolhi esses dois temas – não aquela que eu digo para os meus amigos quando estou fofocando – é que eram áreas misteriosas. Não estava claro que a vida podia ser explicada em termos de moléculas e ainda não está claro se a consciência pode ser explicada em termos de neurônios.

Quando o senhor descobriu, com James Watson, a estrutura dupla hélice do DNA, o senhor afirmou que não tinha a menor idéia da importância da descoberta.

Mais do que isso, três semanas antes não tínhamos a menor idéia de como era a estrutura do DNA. Nem mesmo sabíamos que estávamos próximos da solução. Penso que somente alguns dias antes da descoberta começamos a per-ceber qual era a estrutura do DNA. E também não sabíamos quão reveladora se tornaria. Na verdade, tenho tido muita sorte em meu trabalho.

Hoje nós temos muitos cientistas trabalhando para grandes companhias, desenvolvendo novos medicamentos, chips para computadores etc. Mas a ciência pura, a de Newton, Einstein, Darwin, Maxwell e Watson & Crick, tem a cada dia menos suporte financeiro por parte do governo. Como o senhor entende essa abordagem?

A maioria dos governos gosta de dar dinheiro para projetos em que vejam resultados, como na área de tecnologia e de medicina, mas acho que mais din-heiro deveria ser dado para projetos fundamentais ligados à ciência que não trazem resultados óbvios, como as pesquisas biológicas na área da evolução. Não é o tipo de trabalho que o governo goste de financiar, mas deveria ser feito. Penso que os governos têm de aprender que, além do constante finan-ciamento a produtos comercializáveis no futuro, também deveriam ter fundos para a pesquisa básica.

Em 2005, o Projeto Genoma Humano vai estar completo e todos os genes da espécie humana, catalogados. (Foi concluída a etapa de seqüenciamento dos genes em 2001, mas o projeto continua na busca do entendimento das características de cada gen.) Neste momento vamos ter de iniciar as pesquisas para descobrir a função de cada um deles. Como o senhor acha que os grandes laboratórios vão fazer suas pesquisas?

Acho que as grandes companhias vão procurar por aqueles genes que ten-ham aplicações médicas imediatas, e o meio acadêmico também tentará fazer isso, possivelmente em colaboração com as grandes companhias. Entre-tanto, os meios acadêmicos também farão pesquisas sobre genes que ainda não tenham suas funções conhecidas e que não tenham um interesse médico imediato, como já está acontecendo hoje. Por exemplo, sabemos certas se-qüências dos genes humanos devido aos estudos de genes de organismos mais simples. Existem muitos trabalhos acadêmicos para estudar o que os genes estão fazendo. Se você sabe o que está acontecendo em organismos mais simples, é possível adivinhar por analogia o que acontece nos mais complexos.

Como o senhor entende o problema da ética na ciência frente à possibilidade de haver manipulação genética?

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Certamente será possível manipular genes de pessoas vivas. Temos de ter consciência do problema que seria manipular os genes das futuras gerações e acho que devemos deixar essa idéia de lado, por enquanto. Primeiro, porque não é uma idéia muito boa e, segundo, porque não sabemos exatamente o que queremos fazer.

Por que muitas pessoas afirmam que a explicação molecular da vida tira sua beleza?Acho que é porque elas não gostam de moléculas (risos). A maioria das pes-

soas não aprendeu o suficiente de química e bioquímica na escola, o que as torna muito hostis à ciência. Quem conhece moléculas enxerga toda sua beleza.

Os cientistas não devem tentar mostrar essa beleza?Claro. Não sei como é no Brasil, mas em muitos países e certamente nos

Estados Unidos a maioria das pessoas conhece muito pouco sobre ciência, e o que sabem é normalmente muito confuso. É isso que tentamos fazer: educá-las. Deixe-me dizer que a maior dificuldade é que, quando as pessoas deixam o segundo grau ou a universidade, aprenderam muito pouco sobre ciência. O ideal é melhorar o ensino de ciência para pessoas muito jovens, entre seis e doze anos, e obviamente continuar essa educação até os vinte e um anos. Uma vez que você tenha uma melhor educação na escola, as pessoas entenderão com mais facilidade o que você está falando e, conseqüentemente, entenderão a ciência. Note, por exemplo, que há vinte anos poucas pessoas sabiam o que era DNA, e hoje as pessoas reconhecem a palavra DNA. Digo isso na América, não sei se é assim no Brasil. Nos Estados Unidos ainda existem pessoas que acreditam que o mundo foi criado há aproximadamente seis mil anos, o que contraria qualquer perspectiva científica. Muitos acreditam que um número significativo de pessoas foi capturado por alienígenas, por exemplo, o que quase certamente não aconteceu. Você com certeza sabe que seus leitores acreditam em muitas coisas que nada têm a ver com ciência.

Quando o senhor e James Watson descobriram a estrutura dupla hélice do DNA, fizeram uma revolução, fundando a biologia molecular. Depois disso, o senhor foi trabalhar na área de embriologia e há vinte e dois anos trabalha com neurociência. O senhor acredita que sua atual área vai gerar uma revo-lução parecida com a da biologia molecular?

Não estou certo de que a revolução será semelhante à da biologia molecular, acho que será parecida com a do desenvolvimento da embriologia. Quero dizer que será a descoberta de vários processos muito complicados que interagem entre si. No caso do desenvolvimento da biologia, será a capacidade de repro-duzir uma mão, um rosto ou o que você quiser. No caso do cérebro, será induzir nosso comportamento, pensamentos e tudo mais. As descobertas da biologia molecular na década de 50 e 60 eram principalmente sobre mecanismos simples. Esses mecanismos já conhecemos no cérebro: sabemos como um sinal percorre as células nervosas e como age. Mas ainda não sabemos o que acontece nos

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dendritos e conhecemos muito pouco sobre sinapses. Por exemplo, sabe-se hoje que a maioria das sinapses é química, quando se pensava que fossem elétricas. Temos um conhecimento básico, mas o comportamento do cérebro como um todo é difícil de entender.

Por que o senhor afirma em seu último livro, The Astonishing Hypothesis (Scribner/Max-well Macmillan, 1994), que é surpreendente para a maioria das pessoas pensar que nossas idéias, dores, memória, ambições, perso-nalidade e vontade nada mais são do que o comportamento de um conjunto de células nervosas e moléculas associadas a elas?

Muitas pessoas que trabalham com neurociência não acham essa hipótese surpreendente, mas muitos dos seus leitores vão achá-la não somente sur-preendente, como também inacreditável.

Por quê?Provavelmente muitos dos seus leitores não acreditam que os homens são

descendentes dos primatas, acreditam?

Acho que não.Então você entende o que quero dizer. A maioria das pessoas tem uma

idéia muito simples do que é a visão, por exemplo. Por que você não pergunta a um dos seus leitores como ele sabe que está vendo alguma coisa? Ele provavel-mente não entenderá a pergunta e dirá que simplesmente vê com os olhos. Para simplificar, acho que a maioria das pessoas não conhece o trabalho que está sendo feito sobre o cérebro, apesar de, nos Estados Unidos, estar cres-cendo o interesse pelo tema – muito devido a pessoas como Oliver Sacks, que escrevem sobre o que acontece com pessoas que sofrem algum tipo de dano cerebral. Não sei se Sacks é conhecido no Brasil.

Bastante conhecido.As pessoas conseguem entender o trabalho de Sacks, aceitam que o que

ele relata poderia ter acontecido com qualquer um, entendem as posições dele e não precisam saber nada de química (risos).

A dificuldade na aceitação da vida como a interação de um conjunto de células nervosas e das moléculas associadas a elas não é um problema relacionado também a religiões?

Concordo plenamente. Os sentimentos religiosos fazem parte da vida das pessoas, mas lembre-se de que esses sentimentos passaram por um processo evolucionário, através dos tempos, sem o qual não existiriam de modo tão abrangente. Por outro lado, do ponto de vista cerebral, o sentimento religioso está ligado à atividade cerebral. Hoje, temos sérias suspeitas de que seja con-seqüência de um certo tipo de epilepsia na chamada área temporal do cérebro. Pessoas com esse tipo de epilepsia freqüentemente tendem a ter um compor-tamento religioso exagerado. Uma figura histórica como São Paulo foi quase certamente epiléptica. Em tempos mais recentes, Dostoievski foi com certeza

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epiléptico. Muitos experimentos estão sendo feitos para ver se é possível induzir experiências religiosas excitando-se o cérebro.

O senhor não acha que a religião facilita a vida das pessoas?As pessoas querem uma visão geral da vida, que explique o seu dia-a-dia,

e as religiões fazem um bom trabalho nesse sentido, embora freqüentemente suas visões de mundo sejam contraditórias. Elas não correspondem à verdade, mas talvez sejam um bom meio de tornar a vida agradável.

Por que o senhor decidiu estudar a consciência e especificamente a percepção vi-sual?

Porque é difícil entender como a atividade dos neurônios pode produzir a impressão do azul, do amarelo ou de qualquer coisa. Simplesmente não sabemos qual é a explicação para isso, do mesmo modo que não sabíamos como explicar os organismos vivos antes da genética, do DNA. Quando vim pra cá em 1976, com sessenta anos, decidi estudar o sistema da visão, mas não fiquei imediatamente interessado pela consciência. Foi somente após alguns anos que me virei para essa área, muito por causa da colaboração de meu colega Christof Koch.

O senhor acredita que um dia teremos um conhecimento tão profundo do cérebro que será possível construir uma máquina capaz de emular seu funcionamento?

Em princípio sim, mas na prática não. Você poderia perguntar a mesma coisa na biologia molecular: se com o nosso conhecimento sobre as células poderíamos construí-las quimicamente. Não há motivo para dizer que não possamos produzir uma célula de bactéria, mas na prática é muito complicado, quase impossível. Talvez estejamos nessa mesma situação com o cérebro: podemos construir um modelo com um comportamento um pouco parecido com o do cérebro, mas construir algo que se comporte exatamente como ele talvez seja tecnicamente impossível. Mas quem sabe o que vai acontecer no futuro?

Os humanos são feitos de “carne” e sua percepção do mundo está ligada aos cinco sentidos desenvolvidos durante milhões de anos pelo processo evolu-cionário. Os com-putadores são feitos de metal e foram desenvolvidos cinqüenta anos atrás pela espécie humana. Por que estamos sempre tentando provar que somos melhores que os com-putadores? Nossa inteligência não é intrin-secamente diferente da deles?

Não acredito que tenhamos de provar isso. O fato é que somos muito melhores. Podemos fazer máquinas que enxerguem ou mesmo que consigam conversar, mas são confusas na identificação dos objetos e não conseguem in-terpretar seus significados – provavelmente porque não foram desenhadas para isso. Seria preciso fazer máquinas que funcionassem como redes neurais.

O senhor afirmou em The Astonishing Hypothesis que existe um mundo exterior muito independente da nossa observação...

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Tive de usar a palavra “muito” devido à incerteza baseada nos fundamentos da mecânica quântica. Mas qual era a sua pergunta?

Seguindo essa linha de raciocínio, o senhor acredita que vamos um dia conseguir entender a natureza e como seus mecanismos realmente funcio-nam? Neste século, por exemplo, tivemos de mudar nossa visão da física por causa da mecânica quântica.

Não, qualquer das nossas respostas será uma teoria, mas o que estamos fazendo é produzir teorias que estão se aproximando cada vez mais da realidade. Quando temos teorias como a da gravidade quântica ou a teoria das cordas, as coisas começam a ficar mais claras.

O senhor também disse no livro que podemos achar que sabemos os motivos de nossas atitudes, mas que em alguns casos era fácil demonstrar que nos enganamos.

Nesse caso é preciso um pouco de psicologia (risos). Se você tem algum problema em tomar uma decisão, seus amigos provavelmente vão tomá-la antes de você.

Então como o cérebro lida com o engano? Somos conscientes ou não das atitudes do cérebro?

Penso que o problema é que o cérebro é envolvido pela situação. Não so-mente com o que você está dizendo, mas quando você está vendo algo o cérebro chega à melhor conclusão possível com o tempo de que dispõe. Em outras pala-vras, como geralmente a informação que chega aos seus olhos não é suficiente para determinar o que está acontecendo, você tem de usar suas experiências anteriores, o que é sabido por seus genes. Nesse momento seu cérebro adivinha do melhor modo possível o que está acontecendo, ou seja, interpreta. Mas é preciso entender que a maioria das coisas que passam pelo seu cérebro não é consciente. Até o modo pelo qual pensamos é inconsciente. Apenas percebemos os resultados de forma não-verbal ou visual, por exemplo. Não fico surpreso que o cérebro pule a conclusão, pois quando o faz às vezes erra. Por exemplo, se você está andando na selva brasileira e vê um animal perigoso, imediatamente toma uma atitude, mesmo que se trate apenas de uma sombra que se parece com um animal e que ele não esteja propriamente lá.

Então, nesse caso, não temos consciência de fugir, somente realizamos esse ato.No primeiro momento a atitude é inconsciente. Isso também acontece

quando algum objeto cai da mesa e você vai tentar pegá-lo antes que chegue ao chão. Você faz o movimento de pegá-lo antes de ter consciência de que ele caiu. Esse é um mecanismo que temos e com o qual é possível ver algo e ter uma reação inconsciente em um período muito curto de tempo. A consciência vem somente após alguns segundos. Essa afirmação ainda é um pouco especulativa, mas é no que acreditamos hoje. Não coloquei esse tipo de afirmação no livro The Astonishing Hypothesis porque essa é uma descoberta recente.

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Já existem experimentos nessa área?Existem experiências feitas com pessoas que tiveram danos cerebrais.

Ainda não são convincentes, mas acredito que estejam no caminho certo. Outra evidência que temos é a de que, quando estamos em uma corrida e vai acontecer uma batida, ouvimos o som antes que ele chegue aos nossos ouvidos. Na verdade, antes de termos consciência do som (risos).

Então, o cérebro é como se fosse outra pessoa que às vezes age sozinha, sem nossa consciência?

Acho que pode ser dito desse modo.

O senhor acredita que o conhecimento do funcionamento do cérebro pode levar a uma melhora no modo de ensinar as crianças?

Não estou muito certo disso, nunca pensei em qual é o melhor modo de ensinar as pessoas. Não ficaria surpreso se esse conhecimento não ajudasse, mas esta é somente uma sensação.

Como esse avanço poderia mudar a educação?Acho que muitas pesquisas podem ser feitas sobre o modo de educar as

pessoas, e ainda não está claro qual o melhor modo de ensinar as crianças a ler, por exemplo. Ficarei muito surpreso se o conhecimento do cérebro trouxer métodos que ainda não foram experimentados.

O senhor disse em The Astonishing Hypothesis que na nossa sociedade podemos ser voluntários para a guerra e correr o risco de sermos feridos ou mortos, mas que não podemos ser voluntários para fazer experimentos de risco para obter conhecimento científico.

Acho que essa idéia é aceitável para as pessoas, mas, neste momento, os médicos são contra ela, principalmente por dois motivos: porque contraria o juramento de Hipócrates, o que os médicos geralmente não fazem, e também devido ao modo como seriam vistos pelos outros médicos e por seus familiares (risos). Não sei como é no Brasil.

Isso não seria porque as pessoas não sabem como é feita uma pesquisa científica?Existem pessoas que não entendem, mas os médicos deveriam ser capazes

de entender. De qualquer modo, seria muito difícil fazer esses experimentos. Algumas pessoas fizeram experimentos com o próprio corpo, como no caso da malária. Você pode ser voluntário para fazer experimentos psicológicos, mas o que as pessoas e os médicos não querem é que se façam experimentos com o cérebro, o que entendo, pois não temos esse hábito e não podemos dizer que seja totalmente sem risco. O fato é que as pessoas vão à guerra por sua própria vontade. Não acredito que haverá muitas mudanças nesse comportamento até que a nossa cultura seja fundamentada na ciência, e isso tem mudado, embora muito lentamente. Acho que ainda vai ser preciso mais um século.

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Como o senhor vê o relacionamento entre imprensa e cientistas?Melhorou desde os anos 50, quando a maioria dos repórteres dos jornais

não sabia nada sobre ciência. Houve uma grande melhora. Fiquei surpreso, quando fui à Inglaterra, e também aqui nos Estados Unidos, com o conheci-men-to dos jornalistas científicos e suas perguntas. Francamente não acredito que o problema seja com os jornalistas científicos, mas com os leitores (risos).

E o modo como a sociedade enxerga os cientistas? Carl Sagan escreveu um artigo falando da importância de explicar ciência para as pessoas e mostrar quais são suas conseqüências para a sociedade.

Concordo plenamente. Ainda existe um estereótipo do cientista. Ainda surpreende as pessoas que os cientistas sejam aquilo que se chama de humanos: elas se espantam que briguem ou tenham amigos.

Francis Crick seria um grande DNA?Muitos esperam que os cientistas sejam sempre céticos, sérios, nunca façam

piadas e não se interessem por nada além de ciência.

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FREEMAN DYSON

A Ciência como Arte

Princeton, 6 de novembro de 1998

Ele é mais conhecido por suas incursões futuristas na literatura. Seu livro Mundos Imaginados (Companhia das Letras), sobre os desafios prementes da humanidade e seu futuro, foi lançado em outubro de 1998 no Brasil. Físico e matemático, deu contribuições fundamentais nessas áreas na segunda metade do século XX. Quando sua filha Esther Dyson, a guru do novo mundo da internet, ainda era uma jovem estudante de Harvard, ele já pensava nas implicações dessa nova tecnologia: Esther parece ter aprendido bem suas lições. Em entrevista exclusiva, o professor emérito de Ciências Naturais do Instituto de Estudos Avançados de Princeton – uma das mais refinadas instituições americanas, onde foram professores Albert Einstein, Kurt Gödel, John Von Newmann e Herman Weyl, entre outros – Freeman Dyson, setenta e três anos, fala sobre o poder da ciência, os avanços da genética, o problema do lixo nuclear e defende a abolição do PhD.

Em Mundos Imaginados, o senhor diz que quando a ciência alcança um poder igual ao da religião, torna-se cruel e pervertida também. A ciência chegou a este patamar neste século?

Mais na Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, que foi a guerra dos químicos e da horrível campanha pelas armas químicas. Isso deu má reputação à ciência. Foi quando as pessoas começaram a se preocupar com os “demônios cientistas”. Levou muito tempo para a ciência se recuperar.

O senhor acredita que a ciência recuperou sua imagem perante a sociedade?Até certo ponto. A Primeira Guerra Mundial foi dos químicos, e a Segunda,

dos físicos. A física também se tornou impopular devido às bombas nucleares. Agora é a vez dos biólogos. Eles são responsáveis pelo próximo passo. Não há

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64 Freeman Dyson

dúvida de que têm um enorme poder, mas não está claro como irão lidar com o problema da manipulação genética.

Por que o senhor acha que A Máquina do Tempo, de H.G. Wells (Nova Ale-xandria, 1994), dá mais insights sobre o mundo passado e o futuro do que qualquer análise estatística?

Wells expôs uma visão de longo prazo. Nela, a análise estatística não ajuda. A longo prazo, não é possível calcular o que vai acontecer. Wells teve a visão da raça humana se separando em duas. Os “Elis” perdendo seus cérebros e vi-vendo na superfície, e os “Molochs” mantendo-os, mas vivendo abaixo da terra, como ratos. Uma visão horrível, mas ainda possível. Não acho que vá acontecer logo, nos próximos cem anos, mas está perto o suficiente para começar a nos preocupar.

Que mudanças podemos esperar do desenvolvimento da genética, da neurofisiologia e da clonagem?

Gostaria de fazer a distinção entre clonagem e as outras. As pessoas gostam de falar de clonagem devido a essa espetacular clonagem de uma ovelha (Dolly) e de alguns ratos, mas ela não traz um grande problema nem grandes mudanças. Tenho na minha família experiência com clonagem: dois dos meus netos são gêmeos idênticos. Eles têm cinco anos e vejo-os todos os dias. É maravilhoso observar que eles são muito diferentes, embora tenham os mesmos genes, o mesmo ambiente, cresçam na mesma casa e durmam no mesmo quarto. Os genes não controlam o desenvolvimento do cérebro, apesar de exercerem grande influência sobre ele. O cérebro se desenvolve por uma mistura de influências associadas aos genes, ao meio ambiente e a um processo aleatório de conexões entre neurônios. Fico feliz que seja assim, pois mesmo que você controle os genes não controlará o cérebro. Clonagem não me preocupa – poucas pessoas irão querer fazê-la. O problema realmente sério é a possibilidade de modificar os genes de um embrião, tirando genes ruins e colocando bons. Todos vão querer fazer isso. O real perigo vem dessa área. Estou lendo Remaking Eden (Nova York: Avon Books, 1997), de Lee Silver, um biólogo da Universidade de Princeton. Ele fala das clínicas de fertilização que estão fazendo bebês em todo mundo e descreve sua espantosa proliferação também em países pobres. Tornou-se lucrativo ter uma clínica dessas.

É possível evitar esse tipo de manipulação?Sem dúvida é preciso ter leis rigorosas, e elas ainda não são assim. A per-

gunta é: o que permitir e o que não permitir? É óbvio que ninguém quer ter um filho defeituoso, com uma doença incurável: é um desejo justo e que não deve ser proibido. O problema é traçar essa linha. Mas essa é uma questão política, não científica. O único meio é aprender com a experiência. Não acho que seja possível escrever uma lei agora que funcione no mundo real futuro. O mais

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importante é que essas tecnologias estejam ao alcance de todos. No momento, são muito caras, acessíveis só aos ricos.

O senhor diz em Mundos Imaginados que tecnologias desenvolvidas com base em uma ideologia geralmente criam problemas mesmo quando as idéias não são ruins. E que uma ideologia que criou problemas foi a da energia nuclear. Por que a sociedade apoiou seu desenvolvimento?

Acho que a principal razão foi que a energia nuclear parecia ter um custo muito baixo. Cientificamente, era um problema muito interessante. Trabalhei com reatores nucleares: o trabalho era desafiador e não vi nada de errado com isso. Até hoje não vejo nenhum problema com a energia nuclear quando ela é manipulada por pessoas competentes. Mas a energia nuclear sempre esteve ligada à construção de armas e essa é a razão pela qual as pessoas não gostam dela. É uma boa razão. Pensávamos que seria barato e limpo, pois bastaria ter cuidado para não deixar a radioatividade escapar. Estávamos errados. Subes-timamos a incompetência humana.

E o problema do armazenamento do lixo nuclear?Essa é uma questão política. Não é preciso enterrar o lixo nuclear na terra.

Nos Estados Unidos, a lei obriga a esse tipo de procedimento, mas tecnicamente ele não é necessário. A maioria dos países que utiliza energia nuclear, entre eles França, Japão e Alemanha, não faz isso. O volume não é muito grande, é armazenável em um prédio. Basta ter um bom cadeado na porta.

O senhor diz que é verdade que as causas imediatas da desintegração social são mais econômicas e morais que técnicas. Qual a responsabilidade da ciência?

A destruição do trabalho é do que estamos falando. Muitas pessoas estão ficando desempregadas, tendo de mudar para outras cidades para sobreviver. Até certo ponto, o desenvolvimento da tecnologia causou isso. Não a alta tecno-logia, mas a impossibilidade, por exemplo, do pequeno agricultor de competir com o grande na produção de alimentos. Li um belo artigo na Science, de Mu-hammad Yunus. Ele era professor de economia na Universidade de Chittagong, em Bangladesh, e estava dando uma aula de estratégia econômica para seus alunos; do lado de fora, uma grande fome assolava o país e ele podia ver pessoas morrendo. Percebeu que estava fazendo algo sem sentido e resolveu iniciar um banco, o Grameen Bank, que emprestava dinheiro para as pessoas do povoado adjacente à Universidade de Chittagong. Sua filosofia é dar dinheiro para as pessoas de vilarejos pobres trabalharem, e ele parece estar sendo muito bem-sucedido. Conseguiu ter 98% do dinheiro emprestado devolvido, e o banco se tornou um grande negócio, operando hoje em vários países.

O senhor escreve que o melhor meio de prever o futuro da sociedade humana é estudar seu passado. O passado nos mostra que os seres humanos são uma massa um tanto avessa à lógica e à disciplina. Como será nossa sociedade no futuro?

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Não sei mais do que você (risos). Penso que o Grameen Bank é o tipo de direção correta para o próximo século. Os governos estão perdendo seu poder e isto é bom. Morei na Alemanha há algum tempo e fiquei surpreso com as mudanças que vi desde o tempo de Hitler. Hoje as pessoas na Alemanha não têm muito respeito pelo governo. Acho que isso é universal. Ninguém confia nos políticos. Então você tem os governos se enfraquecendo e as grandes corporações multinacionais se tornando mais fortes. É preciso ter algo que faça oposição local a esse tipo de poder. É preciso haver algum tipo de balanço. Os ambientalistas fazem bom trabalho nos Estados Unidos, apesar de às vezes cometerem erros estúpidos. Eles destruíram a energia nuclear, goste-se ou não, mas fizeram um bom trabalho para melhorar a vida, como proteger as florestas.

O que o senhor acha que devemos fazer para manter a habilidade de viver em relativa harmonia com a natureza nos próximos séculos?

Essa é uma grande questão. Obviamente, temos de nos preocupar com as drogas e as novas tecnologias, que fazem as pessoas fugirem da realidade. O fundamental é dar mais responsabilidade para crianças e jovens. Hoje, eles têm uma vida muito passiva. Vão para o College (universidade) com dezoito anos porque não acham mais nada para fazer e no final também não sabem o que fazer e vão para a Graduate School (pós-graduação). Aí estão com vinte e oito ou vinte e nove anos e ainda não sabem o que querem.

Há quase cinqüenta anos, o senhor fez uma viagem com Richard Feynman (Nobel de Físi-ca) de Cleveland para Albuquerque, no Novo México. O que aconteceu nessa viagem?

Eu tinha vinte e quatro anos e viera da Inglaterra para estudar. Era verão e eu ainda tinha três meses para passear antes das aulas. Feynman tinha vinte e nove anos e era professor, mas sempre informal, não importava quem você fosse. Ele disse que iria dirigir de Cleveland para Albuquerque (uma viagem de quatro dias) e perguntou se eu queria ir com ele. Era a oportunidade perfeita para conhecer os Estados Unidos e, obviamente, Feynman. Foi uma viagem excitante em todos os sentidos. Pegamos chuvas tropicais que inundaram várias estradas com meio metro d’água. Oklahoma estava literalmente embaixo d’água. Finalmente conseguimos chegar a uma cidade chamada Winnita, que estava acima d’água. Tínhamos de arranjar um local para passar a noite, mas Feynman logo descobriu que todos os hotéis estavam lotados – muitas pessoas estavam presas na cidade devido à inundação. Feynman sempre sabia como se arranjar e conseguiu um local aberto para negócios (risos)... Não foi possível dormir no quarto, pois havia sons das pessoas se divertindo nos outros quartos. Enfim, discutimos física a noite inteira.

Certa vez o senhor encontrou o filósofo Wittgenstein em Cambridge. Como foi esse encontro?

Wittgenstein era uma pessoa muito desagradável. Eu o via muito quando

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era estudante em Cambridge. Seu quarto ficava do lado oposto ao meu, no mesmo andar. Ele costumava cozinhar sua própria comida no quarto, e quando havia aquele terrível cheiro de peixe eu pensava: Wittgenstein está fazendo sua sopa. Ele era muito desagradável com mulheres, violento. Quando uma estudante ia assistir a uma de suas palestras, ele a tratava de tal modo que ela nunca mais voltasse. Ele não suportava mulheres na sala de aula. O episódio do qual mais me lembro foi quando ele me convidou inesperadamente para tomar café em seu quarto. Pensei que era uma maravilhosa oportunidade de falar com o grande homem. Havia lido o Tractatus Logico-Philosophicus (Edusp, 1997). É um belo trabalho. Entrei no seu quarto e fiquei chocado. Não havia nenhum móvel, somente uma cadeira. Ele ficou em pé sem dizer nada. Houve um longo silêncio. Pensei que talvez devesse iniciar a conversa e perguntei se ele ainda concordava com o que havia escrito no Tractatus dez anos antes. Ele me olhou muito irritado e perguntou qual jornal eu representava. Foi o fim da conversa. Ele era louco em um certo sentido.

Como o senhor vê hoje o Tractatus e os trabalhos posteriores de Wittgenstein?Para mim ele era um charlatão. Tinha enorme capacidade de impressionar

as pessoas sendo repugnante e tomando posições extremas. Não acho que ele tivesse muita substância. A única coisa que fez foi analisar a linguagem: era o único tipo de filosofia que lhe interessava.

Por que o senhor acha que o PhD deve ser abolido?Porque as pessoas são induzidas a fazer PhD e passam a estudar uma

área muito específica. Mas muitos dos jovens não estão preparados para fazer pesquisa. O sistema de PhD não é feito para a média das pessoas. Foi criado para os professores alemães do século XIX, quando havia poucos que podiam se tornar professores. Era muito difícil. Agora, tornou-se um requisito para conseguir emprego.

Por que a “ciência é uma forma de arte e não de filosofia”?Para a maioria dos cientistas, o trabalho é intuitivo e prático, como o de

um artista. Com certeza não segue regras filosóficas. A maioria das afirmações da filosofia sobre ciência está errada. Mas também existem alguns cientistas que levam filosofia a sério. Quando faço ciência me sinto um arquiteto tentando construir um edifício, tentando juntar as equações de um modo bonito, e não com o método científico que os filósofos descrevem.

O senhor fez uma crítica a Oppenheimer e Einstein, pois no final da vida eles se preo-cuparam com a busca de equações gerais capazes de explicar tudo. Qual o problema dessa abordagem?

Os unificadores são, em geral, os grandes cientistas, mas eles podem se tornar muito preocupados com o geral e se esquecer dos detalhes. Foi o que aconteceu com Einstein ao trabalhar por vinte anos na busca de equações capazes de explicar

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tudo e fechou seus olhos às descobertas que estavam acontecendo no mundo real. Ele ficou interessado somente nas equações da gravitação e do eletro-magnetismo, e em unificá-las. Enquanto isso, experimentos encontravam diversos tipos de partículas, tornando o problema da unificação muito mais complicado. Oppen-heimer considerava somente a física de partículas fundamental. Uma das boas coisas que fiz aqui foi dizer a Oppenheimer que tínhamos de ter astrônomos. Hoje temos um maravilhoso grupo deles. Astronomia é sobre detalhes, e a natureza está recheada de detalhes.

O senhor construiu uma das pontes fundamentais entre teoria e prática na física do século XX ao mostrar que os Diagramas Feynman e as equações de Julian Schwinger eram representações diferentes da nova teoria da eletro-dinâmica quântica. Como foi isso?

Após a viagem que fiz com Feynman até Albuquerque, ainda tinha dois meses antes das aulas, e fui para a Universidade de Michigan, em Ann Arbor. Schwinger estava lá dando palestras sobre sua nova teoria da eletrodinâmica quântica. Passei seis semanas indo a elas de manhã e estudando as equações à tarde. A teoria era realmente muito complicada e formal. Depois fui para a Califórnia e passei duas semanas lendo livros, me divertindo. Assisti a um comício de Martin Luther King, fiquei fascinado pelo seu carisma. Não pensei em física nessas semanas. Peguei um ônibus para ir para casa, que demoraria três dias. De repente, Feynman e Schwinger se juntaram em minha cabeça. É similar ao que aconteceu na mecânica quântica com Heisenberg e Schrödinger. Quando cheguei a Princeton, escrevi o que pensava.

O quarto andar do prédio de física do Caltech (California Institute of Technology) foi um lugar mítico para a física teórica durante quase três décadas. Lá tra-balhavam Feynman e Murray Gell-Mann. A competição entre eles era ferrenha. Quem foi o mais brilhante?

Não há dúvida de que Feynman foi maior que Gell-Mann. Acho que “bril-hante” não é a palavra mais adequada. Feynman não era particularmente rápido. Schwinger, nesse sentido, era mais brilhante. Feynman foi o mais importante cientista dos últimos cinqüenta anos. É fácil ser brilhante, mas o mais impor-tante em um cientista é saber onde estão as questões fundamentais. Feynman sabia. Ele era uma combinação estranha. Sério no trabalho e fazendo piadas o tempo inteiro. Era isso o que eu mais gostava nele.

O senhor afirmou que não falaria sobre os temas da moda em ciência, como a com-plexidade, pois não tinha nada de novo a dizer. Mas e a possibilidade de uma teoria da complexidade?

Não acho que exista uma teoria da complexidade. Existem todos esses tipos de sistemas complexos que são muito interessantes para estudar, mas uma teoria geral da complexidade me parece sem base. Existem coisas feitas no Instituto Santa Fé que são ótimas. O trabalho com algoritmos genéticos, que são úteis para resolver problemas práticos mas não são provenientes de

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uma teoria geral. Ainda não está claro como esses resultados aparecem, mas eles funcionam.

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GEOFFREY MARCY

O Caçador de Planetas

São Paulo, 24 de janeiro de 2001

Em outubro de 1995, em Genebra, Suíça, uma equipe liderada pelo as-trônomo suíço Michel Mayor descobriu o primeiro planeta fora do sistema solar, uma bola de gás quente com cinco vezes a massa de Júpiter. No outro lado do mundo, o astrônomo americano Geoffrey Marcy, quarenta e seis anos, ficou chateado. O primeiro a fazer a descoberta de um planeta fora do sistema solar não havia sido ele – e descobertas científicas são únicas, não há uma segunda chance –, mas havia uma saída. Tornar-se o maior dentre os caçadores de planetas. Dito e feito, apesar das dificuldades técnicas – poucos acreditavam no método de busca de Marcy e ele tinha somente um colaborador, seu ex-aluno Paul Butler – e financeiras. Entre 1986 e 1995, Marcy recebia cerca de trinta mil dólares por ano para pagar o salário de Butler. Sua sorte começou a mudar durante o anúncio, em dezembro de 1995, da descoberta do segundo planeta fora do sistema solar. O dinheiro para pesquisa começou a aparecer. Com ele, Marcy acelerou a análise dos dados que havia coletado até o momento e que poderiam levar à descoberta de novos planetas fora do sistema solar. Resul-tado: até janeiro de 2001, eram conhecidos cinqüenta e três planetas fora do sistema solar. Marcy e Butler descobriram trinta e cinco. Uma “modesta” taxa de 66% do total.

Mas a sede da equipe de Marcy, agora com dez pessoas, por novos planetas levou-os a outras descobertas surpreendentes. Em abril de 1999, sua equipe desco-briu o primeiro sistema solar com vários planetas, nesse caso três, orbitando uma estrela a quarenta e quatro anos-luz da Terra. E, em novembro, fizeram a primeira observação direta de um planeta fora do sistema solar. Nada comparado, no en-tanto, às descobertas reveladas no último encontro da Sociedade As-tronômica Americana, realizado em janeiro de 2001 em San Diego, Califórnia. Primeiro, um planeta dezessete vezes mais pesado que Júpiter orbitando uma estrela,

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uma massa que os astrônomos nem sequer podiam imaginar existir para um planeta. Segundo, uma estrela com dois planetas que guiam um ao outro. Se um deles escapa à frente do outro, a atração gravitacional entre eles leva-os de volta às suas órbitas. Aqui, Marcy fala da importância da descoberta de um planeta tão pesado e da busca de planetas e de vida fora do sistema solar.

Qual a importância da descoberta de um planeta tão maior que Júpiter?Não acreditávamos que planetas pudessem ter massa tão grande. Talvez não

seja um planeta! Estamos surpresos com a presença desse grande companheiro, e não sabemos que tipo de objeto astronômico ele é. Percebemos também que a diversidade dos sistemas planetários é muito maior do que esperávamos. Nós, astrônomos, percebemos que nossa imaginação é muito mais limitada que a do universo.

O que podemos aprender com esses planetas fora do sistema solar?Sabemos que os sistemas planetários são numerosos na galáxia Via Láctea.

Dos duzentos bilhões de estrelas da nossa galáxia, metade, no mínimo, tem provavelmente sistemas de planetas. Deve haver cem bilhões de sistemas plan-etários na Via Láctea. Alguns deles são bizarros, mas provavelmente alguns são similares ao nosso sistema solar. Alguns desses planetas podem ser propícios à vida, mas ninguém achou vida fora da Terra ainda.

O senhor está procurando novos planetas fora do sistema solar? Estamos procurando planetas análogos a Júpiter e Saturno, orbitando

em estrelas próximas. Estamos examinando mil estrelas que ficam até a cem anos-luz da Terra.

Por que o senhor decidiu procurar planetas fora do nosso sistema solar?Estava infeliz com minha pesquisa sobre campos magnéticos. Ela era difícil

e eu não estava certo de que fazia muito progresso. Decidi então correr o risco e tentar trabalhar em outra área de pesquisa. Não tinha nada a perder.

Vamos achar planetas similares à Terra fora do nosso sistema solar?Esperamos que sim, mas os astrônomos precisarão de um telescópio

feito no espaço para bloquear a luz da estrela e deixar a luz do planeta brilhar através dela.

E vida? Vamos encontrá-la nesses sistemas planetários?Detectar vida é muito difícil, pois dela não há nenhum sinal visível. A

própria Terra não dá sinais de vida a cem anos-luz de distância, com exceção de um: os sinais de televisão e rádio que transitam pelo espaço e fazem parte do nosso dia-a-dia. Talvez detectemos sinais semelhantes de outras civilizações na galáxia, se tivermos sorte.

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Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia, 1972pela descoberta da estrutura química dos anticorpos

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GERALD EDELMAN

A Matéria da Memória

São Paulo, 25 de agosto de 2000

O médico americano Gerald Edelman, de setenta e um anos, Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia de 1972 por suas descobertas em relação à estrutura química dos anticorpos, dedica-se atualmente a um dos campos que mais evoluem na ciência nos últimos anos – a neurociência. Diretor do Neurosciences Institute, em San Diego, Estados Unidos, Edelman lançou em 2000 o livro A Universe of Consciousness (Basic Books), ainda não traduzido para a língua portuguesa. Nesta entrevista exclusiva, ele fala sobre a sua teo-ria darwiniana da mente, de suas experiências que culminaram em uma nova abordagem da memória, e discorre acerca das influências do inconsciente nos nossos atos conscientes do dia-a-dia e resume a sua pesquisa sobre a re-lação entre corpo e consciência.

O senhor criou a chamada teoria do darwinismo neural, na qual apresenta idéias sobre o processo seletivo do sistema nervoso. Como é essa teoria?

Em primeiro lugar, não há dois cérebros iguais. E no desenvolvimento do cérebro há uma enorme quantidade de variabilidade. Ele não é determinado somente pelos genes do indivíduo, mas pela história do desenvolvimento do indivíduo, e isso o segue pelo resto da vida. Essa variabilidade é muito difícil de ser explicada em qualquer modelo do cérebro. Em segundo, o mundo não é como uma fita de computador. Os sinais vindos do mundo não são inequívocos como devem ser os sinais colocados em um computador. Eles (os computadores) precisam receber definições exatas em seu programa, enquanto com o cérebro os modos como o mundo pode apresentar seus sinais são enormes e variados. Juntando esses dois fatores, temos o problema de como explicar por que o cérebro pode construir imagens que ajudam o indivíduo a sobreviver. Darwin,

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em sua famosa noção de population thinking, diz que as variações entre os indivíduos de uma espécie são a base da seleção natural na luta pela existência que leva à origem de outras espécies. A variação de um indivíduo para outro na população não é somente “ruído”, mas a base sob a qual um indivíduo particular pode ser selecionado durante a competição em seu ambiente. O sobrevivente é o mais adaptado. Ao aplicar a noção de population thinking para a variação no cérebro, temos que a variação no cérebro não é um erro, mas a base da atividade criativa do cérebro.

O que o senhor acha que devemos explicar para chegar a uma teoria da consciência?Acredito que temos de explicar duas coisas, principalmente. Primeiro,

qual mecanismo do cérebro pode ser responsável por todas as propriedades da consciência. A consciência é individual e subjetiva. É contínua, mas está sempre mudando. Varia o objeto na maioria do tempo, mas nunca o esgota completamente. Para mim, a propriedade mais importante da consciência, e a segunda coisa a explicar, é como pode o estado de consciência ser contínuo e unitário (não pode ser dividido pelo indivíduo) e, mesmo assim, o número de estados conscientes ser possivelmente infinito, no mínimo um bilhão de estados conscientes diferentes. É um tipo de situação engraçada. Um tipo de paradoxo. A consciência é unitária, mas a unidade está sempre mudando e pode mudar em um grande número de coisas. A consciência é integrada e diferenciada. In-tegrada no sentido de que todas as experiências que você tem neste momento são pedaços do mesmo tempo. Há um número possível de mudanças e cada uma delas pode alterar o seu comportamento e, conse-qüentemente, podem ser diferenças que fazem a diferença. Acredito que essas são as duas propriedades importantes que devem ser explicadas. Primeiro, qual tipo de processo neural pode ligar a atividade dos neurônios – não um tipo específico de neurônio, mas de um grupo deles. Segundo, como podemos analisar a integração e, ao mesmo tempo, a diferenciação do cérebro que fazem o estado consciente do cérebro. O primeiro grande teórico da consciência foi o psicólogo e filósofo americano Wiliam James, que inventou a psicologia experimental. O que ele sabia no seu tempo não era o suficiente para associar funções específicas a diferentes áreas. Ele concluiu que a consciência era possivelmente fruto da atividade de todo o cérebro. Agora sabemos que há partes específicas do cérebro particularmente importantes para a consciência. A consciência não é uma propriedade de ne-nhum tipo particular de neurô-nio. A consciência, sendo um processo, é função do mecanismo chamado reentrada (reentry). Nele, um grande número de gru-pos de neurônios deve interagir de forma rápida e recíproca. Se essa interação de “reentrada” cessar, setores inteiros da consciência desaparecem e a própria consciência pode encolher ou se partir.

O senhor afirma que “tem sido observado que uma atitude consciente de um ato motor

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freqüentemente envolve o corpo inteiro, enquanto com o hábito somente os músculos necessários para esse ato são envolvidos”. Qual a relação entre o corpo e um estado consciente?

O estado consciente depende do corpo. Esse é um ponto muito crítico. Sua consciência não é separada do seu corpo. Todos os processos que o seu corpo está sinalizando para seu cérebro, e vice-versa, são necessários para que possa emergir finalmente um estado consciente. A coisa mais importante é que a mente é parte da atividade do corpo.

A memória é considerada um componente central entre os mecanismos do cérebro que levam à consciência. O senhor propõe uma nova abordagem da memória e ilustra sua idéia dizendo: “A memória é mais parecida com a fusão e o recongelamento de uma geleira do que a inscrição em uma pedra”. Qual a diferença entre a visão comum da memória e a sua visão dela?

A visão comum é que a memória é algo como a instrução de um com-putador. Você tem um código que é inequívoco e que se refere a uma função específica. Ela é guardada em um local e você a chama sem modificá-la ou destruí-la. Essa visão, na minha opinião, não é válida para um cérebro. Nes-sas circunstâncias, o que você precisa considerar é qual o tipo de propriedade a memória é. Eu digo que ela não é uma propriedade das conexões entre as sinapses, embora sua força e despertar sejam absolutamente essenciais para ela. Elas são essenciais, mas não suficientes para a memória. A segunda coisa necessária é a anatomia neural e os processos dos quais falei. A terceira talvez seja um mecanismo que faz ser impossível que você se lembre de uma variedade de coisas relacionadas sem que uma destrua a outra. Nessa visão, a memória é um sistema, é função da dinâmica, na anatomia neural, das mudanças nas sinapses. Constantemente nos apoiamos em uma propriedade muito importante que chamei de degeneração (degeneracy). Nela, estruturas diferentes podem fazer a mesma coisa. Talvez o melhor meio, além da imagem da geleira, é dizer que tarefas diferentes podem levar ao mesmo resultado. Podemos dizer que a memória é um pouco relacionada à noção da metáfora. Não acredito que a memória seja composta de representações dentro da estrutura neural. Acredito que essa propriedade está mudando dinamicamente essa estrutura. E que cer-tos padrões dinâmicos correspondem a várias classes de coisas sem ter uma descrição rígida correspondente a ela.

O senhor fala da complexidade do cérebro em seu livro. De onde vem essa complexi-dade?

O cérebro é o mais complicado objeto não-material. Se você calcular o número de conexões, o total alcançado é impressionante. O córtex cerebral, por exemplo, tem trinta bilhões de neurônios e um quatrilhão de conexões ou sinapses. Se contarmos uma sinapse por segundo, não terminaríamos de contar por trinta e dois milhões de anos. Agora se considerarmos o número de circuitos

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neurais possível, o número é astronômico: dez seguido de, no mínimo, um mil-hão de zeros. Essa complexidade não é somente uma questão de números, mas também de padrões que deles resultam. Se você considerar o cérebro um sistema seletivo e não um sistema construtivo, como um computador, esse grande rep-ertório de possibilidades é necessário para que o cérebro possa escolher qual o sinal que melhor se adapta aos sinais do ambiente e que dá maior vantagem para o indivíduo. Obviamente, para mim, a complexidade é uma herança da noção de que o cérebro é um sistema seletivo. Se você quiser pode olhar esse sistema como a floresta brasileira, um dos maiores e mais complexos objetos do mundo. Ela tem padrões. Partes da floresta são muito diferentes entre si e há uma enorme gama de interações entre essas partes (plantas e animais). Tão complexa que quase impede uma descrição. Embora essas interações sejam intercambiáveis, existem padrões.

Na última parte do seu livro, o senhor fala do problema do qualia (as qualidades sensoriais que encontramos no azul do céu, por exemplo). O senhor acha que esse problema está além da explicação científica?

Na minha opinião, qualia é somente outra palavra para tudo que estamos falando sobre consciência. Qualia não é somente dor, vermelho, quente. Todas as experiências conscientes têm um ato qualitativo. Vermelho é um qualia. Verde é um qualia. Para explicar isso, considere que qualia é uma dis-crimi-nação de ordem alta no processo nervoso que deriva da operação do processo da consciência. Se você me pergunta qual a diferença entre verde e quente, acredito que podemos fazê-lo. Mas se você diz que tem uma teoria segundo a qual quando você descreve verde ela me faz sentir o que é verde, acho que é impossível. Ser não é descrever. Para ter qualia, você tem de estar consciente de que é uma propriedade do seu corpo e da sua história, e de nenhum outro. Nesses termos, explicar sua experiência particular está além da explicação científica. Se, por exemplo, prevejo tudo sobre um furacão e faço um modelo de computador que prevê o furacão, isso não é o mesmo que um furacão.

O senhor fala também das influências dos atos inconscientes nos conscientes. Como se dá essa relação?

O fato é que chamamos as experiências inconscientes e capacidades toda vez que tentamos ter um novo aprendizado. Você pode pensar isso como um imenso arquivo de experiências inconscientes que capturamos do cérebro, por meio da atividade consciente, para colar uma experiência na outra ou criar uma nova combinação de padrões. Isso é importante para o funcionamento do cérebro. Se tivéssemos de estar conscientes de tudo que aprendemos, não seríamos capazes de funcionar de forma tão complexa. As porções inconscientes do cérebro produzem um material consciente que pode ser ligado diretamente ao aprendizado consciente.

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O senhor afirma que temos dois tipos de consciência. A consciência primária (primary consciousness), presente em animais com algumas estruturas cerebrais similares à nossa. E a consciência alta (high-order consciousness), que permite o desenvolvimento dos conceitos de self, passado e futuro. Em que ponto entre essas duas consciências se localiza a linguagem?

Somos os únicos a ter realmente uma linguagem, com capacidade sintática e semântica, a habilidade de colocar juntos os símbolos para o progresso do léxico. E essa capacidade depende da nossa capacidade simbólica, do fato de podermos arranjar esses conceitos livremente em uma variedade de formas independentes dos sinais vindos do exterior. Até que um organismo tenha essa capacidade, é muito difícil imaginar um organismo que possa desenvolver um self social, e que possa imaginar o futuro ou recriar o passado em uma história. Sem pa-lavras ou símbolos para se mover livremente dentro da cabeça, é muito difícil ver como um organismo poderia ter um senso de passado e futuro. A definição é importante por outra razão. Animais não podem falar sobre sua consciência. Não têm linguagem. Macacos têm capacidade semântica, mas não sintática. Eles estão no caminho para a consciência alta, mas nós talvez representemos o ápice. Humanos podem, como mostro em uma experiência no livro, falar sobre o estado consciente. Além do pensamento consciente, há todos os processos inconscientes, há respostas fisiológicas que afetam o cérebro, há a linguagem, há a expressão das emoções que são centrais para o self e valiosas para várias percepções. Sabemos que o pensamento está ocorrendo, mas não sabemos que proporção de cada tipo de coisa é essencial para o próxi-mo passo.

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Prêmio Nobel de Física, 1967pela descoberta de como é possível para as estrelas

produzir energia sem esgotá-la durante milhões de anos

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HANS BETHE

“A Bomba Salvou Vidas”

São Paulo, 7 de dezembro de 2000

“Rose me disse que você tem algumas perguntas a me fazer.” “Sim, o senhor foi o chefe da divisão de física teórica do Projeto Manhattan,

que construiu a primeira bomba atômica. É o único integrante vivo da cúpula do projeto comandado por J.R. Oppenheimer. O senhor acha que foi mesmo necessário usar a bomba atômica contra o Japão?”

“Sim.” Casado há sessenta e um anos com Rose Ewald, o físico alemão Hans Bethe,

noventa e quatro anos, mora em uma casa perto da Universidade de Cornell, em Ithaca, no Estado de Nova York. Ganhador do Prêmio Nobel de Física por explicar como o Sol é capaz de emitir luz há milhões de anos sem esgotar sua fonte de energia, Bethe é professor emérito de física da Universidade de Cornell. Nas horas livres, viaja para eventos a convite de outras instituições e promove palestras. Em 2000, por exemplo, reuniu vizinhos para dar aulas de física quântica na Universidade de Cornell.

Na primeira vez que Bethe ouviu falar do projeto de uma bomba atômica, achou a idéia impraticável. Decidiu que não queria ter nada a ver com tal coisa, embora tivesse vontade de contribuir na guerra contra os nazistas. Em 1933, teve de fugir da Alemanha, porque sua mãe era judia. Sentimento antinazista e desafio científico acabaram por fazê-lo aceitar o convite feito por Oppenheimer. Apesar de ser um dos pais do projeto, Bethe se opôs de forma veemente à cons-trução da bomba de hidrogênio, comandada cinco anos depois por um de seus melhores amigos, o físico Edward Teller, que teria inspirado o diretor e ator Peter Sellers a criar o personagem “Doutor Fantástico”.

Em entrevista concedida por telefone, o físico alemão dedica-se a rebater a tese de que, por conta dos enormes estragos que causou, a bomba foi uma das piores tragédias do século. Simpático, extremamente direto, ele usa expli-

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cações cartesianas para defender o que chama de “conseqüências positivas” de se jogar a bomba atômica sobre os japoneses. A bomba, segundo ele, acabou salvando muitas vidas. Há mais de cinqüenta anos encampando a luta pelo desarmamento, ele fala ainda das vantagens do uso civil da energia nuclear e do motivo pelo qual não acredita em Deus.

Se o senhor pudesse voltar no tempo, voltaria a trabalhar no projeto da bomba atômi-ca?

Sim. Com a descoberta da fissão nuclear acho que era inevitável a con-strução de armas nucleares. Acho que essa construção foi acelerada pelo início da Segunda Guerra Mundial. Somente acelerada. Ela teria sido construída de qualquer forma.

O senhor acha que foi importante construir a primeira bomba atômica antes dos na-zistas?

Sim. Foi importante para terminar com a guerra. Especialmente porque salvou muitas vidas no Japão.

O senhor acha que a bomba atômica salvou vidas no Japão? Sim. Foi importante para levar a guerra a um fim rápido. Ela duraria por

muitos meses se não houvesse o uso da bomba atômica. Seria uma grande desgraça para o Japão se a guerra continuasse por mais tempo.

Por que, então, jogar uma bomba em Nagasaki três dias depois de Hiroshima? Os aliados já não haviam demonstrado seu poder?

Se o Japão tivesse se rendido imediatamente depois de Hiroshima, prova-velmente não se teria jogado a bomba em Nagasaki.

Quantas vezes já perguntaram se o senhor se arrependeu de ter participado do pro-jeto?

No mínimo cinqüenta.

Mas isso é pouco para cinqüenta e cinco anos do término da Segunda Guerra... É porque também fizeram essa pergunta para outros cientistas que par-

ticiparam do projeto.

Alguma vez o senhor se sentiu culpado por ter ajudado a criar uma arma que destruiu tantas vidas?

Não. Os nazistas já haviam tomado conta da Europa. Se não fosse a bomba, teriam tomado conta do resto. Toda forma de liberdade de expressão teria desaparecido.

O senhor tem sido um dos mais importantes defensores do desarmamento nuclear desde o final da Segunda Guerra Mundial. O senhor acha que o mundo está suficientemente

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Homens de Ciência 83

desarmado para o próximo século? O perigo de uma guerra nuclear hoje é muito menor do que era vinte anos

atrás. Mas ninguém sabe o que irá acontecer amanhã. Também estaríamos muito mais seguros com menos armas nucleares do que temos hoje.

O senhor é um grande defensor do uso da energia nuclear para fins civis... Sim, sou. E acredito que ela tem ao menos duas vantagens em relação aos

combustíveis fósseis. Primeiro, é inesgotável, pois temos uma enorme quan-tidade de urânio na Terra. Segundo, não produz nenhum gás do efeito estufa e não é poluente.

O senhor continua a fazer pesquisa em alguma área da física? Estou trabalhando em astrofísica.

O senhor trabalhou com alguns dos mais brilhantes cientistas do século. Qual deles o senhor mais admira?

Bem, vou lhe dar três nomes. Niels Bohr, Werner Heinsenberg (pais da Teo-ria Quântica: ganharam o Nobel de Física, em 1922 e em 1932 respecti-vamente, por aplicar a teoria à estrutura do átomo) e Enrico Fermi (Nobel de Física em 1938, pela demonstração da existência de novos elementos radioativos produ-zidos pelo nêutron). Deles, Fermi foi o mais importante no desen-volvimento da energia nuclear. Também admiro um político: Franklin Delano Roosevelt.

Por que o senhor se tornou um cientista? Era a coisa mais interessante de fazer naquela época. Aliás, continua

sendo.

O senhor acredita em Deus? Não.

Por quê? Por que eu deveria? Acredito nas leis da natureza. Acredito que a natureza é

suprema. Suas leis são as mesmas sempre. Acredito que nenhuma cabeça pode tanto quanto a natureza faz com suas leis.

O senhor acessa a internet?

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Prêmio Nobel de Química, 1977por descobrir como funcionam os sistemas dissipativos

Stock Photos

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ILYA PRIGOGINE

O Nascimento do Tempo

São Paulo, 12 de julho de 1998

Uma pedra desce uma montanha: vai sair do cume e chegar até o pé, au-mentando a desordem do universo. A cada momento da descida, a pedra e a montanha, ou seja, a natureza escolhe o caminho que propicia a menor dissi-pação de energia possível. Foi esta idéia de que “a natureza escolhe o caminho” que deu ao físico e químico Ilya Prigogine o Prêmio Nobel de Química de 1977, mas que também exasperou muitos de seus colegas por contrariar a visão deter-minista de Isaac Newton, que afirmava ser possível prever o que vai acontecer em um momento posterior uma vez que se conheça o atual. Prigogine também foi muito criticado por afirmar que sistemas complexos, como a evolução da vida humana, são unidirecionais – existe uma flecha do tempo associada a eles. As conseqüências dessa confirmação experimental, feita por Prigogine, ainda não estão totalmente esclarecidas, mas a queda do mundo físico determinista abalou um dos grandes paradigmas da ciência.

Aos oitenta e dois anos, Prigogine divide seu tempo entre os dois centros de pesquisa que dirige, o Center for Studies in Statistical Mechanics and Com-plex Systems, na Universidade do Texas, em Austin, e o International Solvay Institutes na Universidade Livre da Bélgica, em Bruxelas. Nesta entrevista, de sua casa na costa da Bélgica, onde estava em férias, ele fala de sua descoberta, de seu fascínio pelo estudo do tempo, de sua visão da ciência e do papel dela na sociedade.

Por que o senhor decidiu estudar o tempo?Eu penso que é porque quando era adolescente me interessava por filosofia

e música – meu passatempo preferido até hoje é tocar piano, embora meu tempo livre seja muito pequeno. Tive uma educação muito diversificada e somente

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86 Ilya Prigogine

por uma série de circunstâncias especiais acabei estudando ciência. Em meus estudos fui rapidamente surpreendido pelo diferente papel do tempo nas ciên-cias exatas e humanas. Quando perguntei ao meu professor de filosofia o que era o tempo, ele me disse que a questão era muito difícil, relacionada a ética, a responsabilidade, uma questão que conduz nossa existência, como você pode se lembrar do trabalho de pensadores como Heidegger, Bergson e Whitehead. E, quando perguntei o que era o tempo para meu professor de física, ele disse que este problema não havia sido resolvido nem por Newton nem por Einstein. No meu aniversário de oitenta anos, meus colegas descobriram alguns artigos que escrevi sessenta anos atrás para estudantes, que diziam respeito à relação entre a filosofia e o tempo. O problema do tempo me interessou durante toda a minha vida.

O que mudou da física de Newton, Schrödinger e Einstein para a física de Prigogine?Eu geralmente digo que, nas leis da física, o tempo é simétrico: o passado,

o presente e o futuro têm o mesmo papel nas equações de Newton, Schrödinger e na Teoria Geral da Relatividade. Mas a natureza está cheia de processos ir-reversíveis, desde simples reações químicas e condução do calor até os processos de evolução na biologia, geologia etc. Isto é uma contradição, pois a resposta tradicional diz que estes processos irreversíveis vêm de uma aproxi-mação que introduzimos na descrição de sistemas complexos como a vida humana. Nisso eu nunca pude acreditar, precisamente porque esses processos são muito importantes para serem considerados como produtos da existência humana. Aos poucos, cheguei à conclusão de que só existiam duas possibi-lidades: ou a irreversibilidade era uma aproximação, ou era preciso criar uma extensão do conceito da mecânica quântica clássica em que o tempo não fosse simétrico para certos tipos de sistemas. Sem dúvida, problemas como o de dois corpos no espaço ou o envio de um cosmonauta ao espaço são muito bem descritos pela física clássica e pela mecânica quântica, mas muitos outros não podem ser descritos por elas. Isso não quer dizer que Newton e Schrödinger estivessem errados, mas que a física clássica e a quântica se aplicam somente na solução de sistemas simples. Ao estudar as irreversibilidades nos sistemas complexos, criei o ambicioso programa de generalizar a física clássica e a quântica para esses sistemas, de modo que elas pudessem conter também os processos ir-reversíveis como a evolução da vida. E espero que isso venha a ser possível com o desenvolvimento da matemática.

É sabido que a ciência tem um papel determinante não só na mudança do comportamento e dos hábitos dos seres humanos, mas também em seu modo de pensar. O senhor acredita que o contrário seja igualmente verdadeiro, que a cultura e o pensamento de uma época possam influir nos paradigmas da ciência?

Acredito que a ciência seja um fenômeno cultural e que ela está intima-mente ligada às outras manifestações culturais. Freqüentemente os problemas

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realmente novos da ciência nascem fora dela e são colocados em uma perspec-tiva científica somente em um estágio mais avançado. Exemplo disso são as duas teorias fundamentais do século XX: a teoria quântica e a da relatividade. A teoria quântica foi introduzida por Planck, mas ele foi guiado em sua busca por Boltzmann. O ponto de vista de Boltzmann sobre o tempo era cultural e ele não via nada de contraditório nisso. A cultura de Boltzmann era parte do pensamento científico de seu tempo. É verdade que ele se interessava por ter-modinâmica, mas quem se preocupava com termodinâmica naquela época? A termodinâmica era considerada por Maxwell, por exemplo, como um elemento menor, alguma coisa que é boa somente para engenheiros e físico-químicos. O interesse de Boltzmann pela evolução derivava da sua cultura, que era a cultura do século XIX. Quando falamos do século XIX temos de lembrar que ele foi o século de Darwin, o século do evolucionismo. O século de Hegel, Marx e Comte. Em outras palavras, foi um século em que o conceito da evolução no tempo estava tendo uma importância crescente. Portanto, Boltzmann queria responder a um desafio cultural. Do mesmo modo que Mach respondia a um desafio cultural ao dizer que Newton não podia estar total-mente certo, pois nem sempre é possível separar o espaço-tempo da matéria. Qual é o significado de falar de uma simples partícula em movimento inercial no universo, ainda mais quando se fala em termos percentuais? Como você pode ver, a relatividade e a teoria quântica tiveram raízes culturais. As teorias científicas têm raízes culturais. O problema da divergência entre ciência e filosofia, portanto, é pouco significativo.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, com as bombas atômicas em Hiroshima e Naga-saki, houve uma grande discussão sobre o papel da ciência e dos cientistas na sociedade. Considerando o que já foi dito e que estamos a dois anos do final do século, como o senhor vê a evolução da ciência do século XX?

Essa pergunta é definitiva: como julgar a ciência do século XX? Este foi o século em que a ciência teve uma explosão. Estamos vivendo em uma onda que cresce cada vez mais velozmente do que qualquer outra na história da huma-ni-dade. A revolução da biologia e a revolução da informação se devem ao trabalho de poucas pessoas, feito trinta, quarenta anos atrás. Fico feliz em dizer que conheci metade delas pessoalmente. A ciência no século XX está mudando o destino do mundo. Colocando sua questão em uma perspectiva maior, a sua pergunta é: estas mudanças foram para melhor ou para pior? Eu não tenho dúvida de que a ciência tenha gerado uma grande melhoria na vida humana. Devemos comparar a nossa situação atual com a do início do século. No início do século, os seres humanos eram classificados como civilizados e não-civilizados, que eram noventa por cento da humanidade. Naquela sociedade, a diferença entre as pessoas definidas como burguesas e as definidas como pobres era enorme. Não somente pelo fato de os ditos burgueses poderem comer melhor

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88 Ilya Prigogine

e viver em uma casa melhor, mas também na qualidade do conhecimento, na qualidade da sabedoria e na participação na cultura. Penso que não exista nada assim hoje. Espero que andemos na direção de uma melhoria na qualidade de vida de todos. Isso ainda é uma utopia, mas não uma utopia impossível. Este século conheceu algumas das piores catástrofes, entretanto podemos analisá-las como a última excrescência de uma ideologia que não é mais a nossa – de uma ideologia nacionalista e racista típica do século XIX. Hoje percebo, sobretudo nos jovens com quem tenho contato, um grande respeito em relação à natureza e às outras civilizações. Espero que o século XX tenha sido um ponto de virada na história da humanidade comparável a pontos de virada como o do surgimento da civilização grega e das idéias democráticas. Espero que possamos desenvolver um novo modo de relacionamento entre o homem e a natureza.

Segundo o senhor, todos os processos na natureza são irreversíveis, e um bom exemplo são os organismos vivos. A partir dessa constatação, ainda é possível acreditar na pos-sibilidade de voltar no tempo?

Parece muito difícil. Ao pegar hipoteticamente um conjunto de partículas isoladas como uma de sódio e outra de potássio, elas se desenvolvem em um certo sentido. Você poderia imaginar em dar a elas informações para que voltas-sem ao seu estado anterior, mas se você fizer isso significa que o tempo está andando para frente. Essas duas partículas colidem e criam uma correlação. Criam uma relação interna e eterna entre si. Voltar no tempo é quebrá-la. No campo biológico, pensar que milhões e milhões de partículas que já criaram uma relação entre si possam desfazê-la é uma idéia muito fantástica. Eu acredito que isto nunca irá acontecer. Você entende que a irreversibilidade é uma proprie-dade unidirecional, uma propriedade de um sistema de partículas, que aparece devido à correlação que se forma entre essas partículas. Alguns casos, como o da clonagem, devem ser tratados de modo especial. Fazer um clone é voltar a uma célula, é uma possibilidade de voltar ao começo.

O senhor ganhou o Nobel por seu trabalho que mostra o processo de auto-organização da natureza...

A natureza usa o não-equilíbrio para produzir vida e todas as complexas estruturas existentes no universo. Eu acredito que nós não podemos ter a pre-tensão de achar que os processos de não-equilíbrio, a flecha do tempo, existam devido a uma aproximação criada pelos seres humanos. Você estaria dizendo que a vida é conseqüência dessa aproximação. Com isso, tiraria o sentido da ciência, do aprendizado, da sua ligação telefônica, pois ela introduz uma dife-rença entre passado e futuro. A ciência que nega a direção do tempo é de certo modo destruidora.

Esse processo foi chamado pelo matemático Alfred Whitehead de a criatividade da natureza. E os nossos pensamentos? Eles também fazem parte do processo de auto-

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organização comandado pela criatividade da natureza?A natureza apresenta todos os tipos de flutuação. Se você tomar a evolução

e a idéia de Darwin, ela está relacionada a flutuações nos genes. Algumas dessas flutuações são boas, outras ruins. As boas se tornam dominantes e permitem o aparecimento de estruturas muito complexas. Quando você vê o sucesso da fotossíntese nas plantas, por exemplo, vê que a natureza teve um maravilhoso pensamento. Nossa idéia de natureza é muito diferente da idéia que existia no século XIX, quando ela era imaginada como uma espécie de autômato, descrita por leis simples como as de Newton, Schrödinger e Einstein. Hoje, nós enten-demos que a natureza é um sistema complexo em evolução, que criou a vida em todos os sentidos.

A criação da vida também é conseqüência dessa criatividade?Não quero definir o que é vida, o que posso dizer é que a vida parece usar

o fluxo de energia. Como quando você vai do Paleolítico para o Neolítico, de-pois para as sociedades que usam a força da agricultura, da metalurgia e, mais adiante, para um tipo diferente de organização, como a cidade. Conseqüen-temente, existe a criação de um fluxo de energia que possibilita o surgimento de novas estruturas. A vida é provavelmente uma dessas novas estruturas. É muito difícil definir vida, exceto pelo fato de que a vida parece ser um modo de usar o não-equilíbrio presente no universo. As moléculas biológicas parecem incorporar de alguma forma o não-equilíbrio do nosso universo.

Se a cada momento a natureza segue o princípio da mínima geração de entropia, de gastar o mínimo de energia possível em cada uma de suas ações, então pode-se prever o futuro?

Como eu disse em meu livro O Fim das Certezas (Unesp, 1996, título origi-nal: The End of Certainty), você tem de evitar os extremos. Evitar a idéia de um universo determinista. É muito difícil imaginar que cinco bilhões de anos atrás, no Big Bang, os genes de Mozart já estivessem previstos, ou que a ligação que você me fez hoje estivesse prevista com as condições iniciais que existiam tanto tempo antes. Logo, o novo aparece: a realidade está em evolução. Você não deve pensar que a realidade é randômica, mas tudo é possível. A sociedade é um sistema complexo, não-linear, em que as soluções não são nem deter-ministas nem randômicas.

No final de seu livro O Nascimento do Tempo (Edições 70, 1990), o senhor conclui que o nascimento do nosso tempo não foi o nascimento do tempo. Poderia explicar essa conclusão?

Essa conclusão pertence ao campo da cosmologia, e esse campo é muito com-plexo. Ninguém ainda tem uma boa teoria sobre o início do universo. Na Teoria da Relatividade criada por Einstein, o tempo começa em uma singu-laridade, o Big Bang. E você sabe que a radiação dos corpos negros descoberta em 1965

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foi um argumento decisivo na confirmação de um universo em evolução. Gosto sempre de dizer que Einstein se tornou o Darwin da física sem querer, pois sua teoria seguia uma visão determinista do universo. Então você chega à teoria quântica e a situação muda completamente. O universo começa em um vácuo quântico e esse vácuo sofre flutuações. O problema do início do tempo fica ainda mais complicado. Gosto de imaginar que, metaforicamente, o início do nosso universo foi um processo irreversível, uma explosão entrópica, o processo de criação da vida, de novos graus de liberdade na matéria.

Então poderia acontecer de novo outra explosão entrópica que criaria um novo uni-verso.

Mesmo que você não soubesse, ela iria acontecer – e isto é o mais assus-tador.

E qual o papel de um Deus na criação da vida?Deus não é problema meu. Cada um de nós faz sua própria extrapolação.

O máximo que posso dizer é que o problema da existência de Deus é diferente hoje do que era há algum tempo. Antes, parecia que você tinha de escolher entre duas certezas: a de Newton ou a da Bíblia. Essa oposição não era muito lógica, pois, mesmo em um universo autômato como o de Newton, você precisaria de alguém que criasse este autômato. Mas se você entende que o universo é capaz de se auto-organizar, a pergunta se torna: esse universo é possível devido à sua própria estrutura intrínseca ou porque alguém o progra-mou? Acho que essa questão está muito além da nossa capacidade de entendi-mento. O universo é mais complexo, muda mais rapidamente e é mais perigoso do que imaginamos. Temos, por exemplo, o problema dos novos vírus que apa-recem. A natureza não deve ser considerada necessariamente como um objeto amigo, a não ser pelo fato óbvio de produzir a vida.

Diferentes autores adotam diferentes conceitos de tempo, como natural, biológico, psicológico, relativista, imaginário, absoluto. Como o senhor os compreende?

Quando enfatizo a direção do tempo, é porque tudo no universo segue esta direção. Uma pedra, uma planta, o ser humano, todos seguem essa direção. A direção do tempo parece ser o elemento comum de nosso universo. O mecanismo de passagem do tempo é diferente na biologia, na geologia, nas estrelas, mas a direção do tempo é a mesma para todos. São somente modos de medir a pas-sagem do tempo. Não vejo nenhuma diferença entre eles. O importante é que nosso universo é um universo em não-equilíbrio desen-volvendo-se na direção de um tempo relacionado à entropia, o que envolve todos os diferentes tempos e seus modos de percepção.

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Future Tickle

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JARON LANIER

O Renascentista

São Paulo, 26 de janeiro de 2001

“Jaron está certo em relação a tantas coisas, mas quem está ouvindo o que ele diz? O problema é que ele não está apenas um pouco além da curva. Ele criou a própria curva.” A frase, do fundador das revistas PC World e Mac World e atual CEO (Chief Executive Officer) da revista Upside, David Bunnell, diz tudo sobre a mente prodigiosa e multíplice de Jaron Lanier, de quarenta anos, o criador do termo “realidade virtual” e co-criador da hoje famosa luva recheada de sensores, o primeiro artefato a comunicar uma mão inteira com o mundo virtual no início da década de 80.

Mas essa é somente uma das múltiplas habilidades do prodígio Lanier. Versado em piano, ele já tocou com Philip Glass, Ornette Coleman, Stanley Jordan e outros, escreve música de câmara e orquestra. Trabalha também no resgate da música do Egito Antigo com patrocínio da BBC e do Discovery Chan-nel. Lanier é cientista-chefe da National Tele-Immersion Iniative nos Estados Unidos, uma iniciativa que irá permitir às pessoas conversar em tempo real, em um ambiente de simulação, como se estivessem todas no mesmo local. Em outubro de 2000, foram feitos com sucesso os primeiros testes de tele-imersão envolvendo o uso de objetos em três dimensões interagindo com os usuários.

Nesta entrevista, Jaron, que já foi chamado de “homem renascentista”, discorre sobre a fusão do mundo real com o virtual, sobre as dificuldades para desenvolver novas tecnologias – como a tele-imersão – e critica alguns de seus colegas. “Não gosto da cultura de muitos de meus amigos do mundo da com-putação. Acho que muitos deles não são humanos o suficiente. Pensam mais na máquina do que nas pessoas.”

O que o inspirou a desenvolver a tecnologia da realidade virtual? Estava interessado em achar um novo meio de melhorar a comunicação das

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94 Jaron Lanier

pessoas com a matemática. Sempre achei o tema apaixonante. A matemática é fácil e humana como a música. A maioria das pessoas tem dificuldade em entendê-la, pois usamos a linguagem errada. Assim, comecei a tentar achar uma linguagem visual. No processo de construir máquinas tentei expressar a matemática no que foi possivelmente o primeiro sistema completo de realidade virtual.

E por que as pessoas ficaram tão empolgadas com ela? Porque na nossa vida somos constantemente colocados frente a frente com

decisões entre o real e a fantasia. E no mundo da fantasia, que também inclui os sonhos, tudo é possível. Você não tem de enfrentar nenhuma limitação. Se você quer ser um pássaro, você será um pássaro. O problema é que estamos sozinhos nesse momento e não podemos dividir a experiência. Se você quer dividi-la com outras pessoas, terá de lidar com o mundo físico. Nele, infeliz-mente, é muito difícil ser um pássaro. Com a realidade virtual, você tem a possibilidade de combinar essas duas coisas. Você pode ter um mundo em que tudo é possível, mas virtual. Você pode dividi-lo com outras pessoas, e não está sozinho. Por isso, as pessoas ficaram empolgadas com a realidade virtual, especialmente as crianças.

Você acredita que a realidade virtual será capaz de se unir ao mundo real de uma forma que as duas fiquem indistintas?

A resposta para essa questão é controversa. A maioria das pessoas com quem trabalho acredita que um dia a realidade virtual será indistinta da reali-dade. Eu discordo. Para mim, elas serão sempre distinguíveis. Digo isso pois acredito que as pessoas mudam. Se você voltasse no tempo cem anos, à época das primeiras gravações de áudio, veria que as pessoas não conseguiam dizer a diferença entre uma gravação e um músico real tocando atrás da cortina – mesmo a gravação sendo de péssima qualidade pelos parâmetros atuais. Nós não diríamos isso, pois estamos acostumados a ouvir música hoje. De fato, podemos até apreciar a diferença entre duas falas. Acredito que as pes-soas ficam cada vez mais capazes de perceber as tecnologias. Por isso, acho que as pessoas sempre estarão mais aperfeiçoadas do que a tecnologia é capaz de ser. Acredito que sempre seremos capazes de dizer a diferença entre os mundos virtual e real.

Mas a realidade virtual pode ajudar as pessoas a viver melhor? Essa é uma questão difícil, pois é uma questão filosófica e está relacionada

com uma questão moral. O que a realidade virtual faz é o mesmo que a inven-ção da linguagem fez: ela aumenta o número de formas possíveis para as pes-soas se conectarem umas às outras. Tenho um tipo de convicção – ou, se você preferir, fé – em relação a isso. Há mais bondade que maldade na alma humana. Conseqüentemente, quanto mais você ajudar as pessoas a se comunicarem, melhor será. Mais coisas boas do que ruins serão descobertas, mas essa é uma

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Homens de Ciência 95

questão complicada. Há pessoas e sociedades que acreditam que a invenção da escrita foi algo ruim. Para elas, as pessoas eram mais felizes quando eram mais primitivas. É muito difícil saber a resposta correta, porque você sempre tem de fazer alguns julgamentos. Em última instância, a realidade virtual não faz nada. Ela não é como um carro, um ônibus ou uma nave espacial. É somente uma ferramenta que ajuda as pessoas a se comunicar de novas formas. O que acontece é responsabilidade das pessoas.

Mas você acha que é interessante para cada pessoa ter a possibilidade de criar seus próprios mundos virtuais?

Depende realmente das pessoas. Vi experiências com realidade virtual que acredito terem sido horríveis, e outras maravilhosas. Isso é como perguntar: “Os filmes são bons ou ruins para as pessoas?” Filmes foram usados para pro-paganda ofensiva. Por exemplo, Hitler usou filmes para criar um mal terrível. Mas filmes também têm sido usados para bons propósitos, para criar alegria. A realidade virtual é exatamente igual a um filme ou um livro. Pode ser usada de várias formas. Acho que ela será muito poderosa e que iremos ver usos bons e ruins dela. Tenho fé de que as pessoas são boas, espertas o suficiente para usá-la bem. Não acredito que as pessoas irão ficar perdidas em seu mundo de fantasia. Isso não aconteceu com os filmes nem com os livros, mesmo que tenha acontecido um pouco com cada um de nós.

Você estava falando de fé. Acredita em Deus? Seria arrogante para uma pessoa fingir que sabe qual o significado da

palavra Deus.

E por que temos essa necessidade de criar outras realidades? Por causa das nossas limitações. Somos criaturas muito estranhas. Cresc-

emos com nossos cérebros e corações capazes de imaginar qualquer universo, mas nosso corpo pode ser somente humano. Queremos nos conectar mutua-mente, mas nossos meios para fazer isso são muito limitados. Somos separa-dos uns dos outros pelos nossos corpos. Podemos trocar palavras uns com os outros, tocar uns aos outros e fazer muitas outras coisas. Mas de alguma forma queremos mais, queremos estar mais ligados. Queremos ser capazes de criar qualquer universo na nossa cabeça de que nosso coração goste. Lutamos sempre contra as limitações da realidade física.

E podemos aprender sobre o nosso mundo real com a realidade virtual? Certamente. É isso que fazemos em cirurgias e em outras aplicações da

realidade virtual. Por exemplo, quando alguém quer entender uma roda faz um modelo de realidade virtual dela. A maioria das aplicações industriais da realidade virtual envolve fazer modelos do mundo real.

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A realidade virtual modificou a relação das pessoas com as máquinas? No momento, a realidade virtual é somente uma idéia para a maioria das

pessoas, pois a maioria delas nunca a usou. Acredito que como idéia ela certa-mente teve um impacto na cultura. Mudou a forma como as pessoas vêem os computadores, e as fez pensar sobre seu potencial uso como uma ferramenta para a imaginação e expressão. Acho que ela terá um impacto ainda maior quando as pessoas realmente tiverem a chance de usá-la. Espero que a realidade virtual seja parte da vida das pessoas. Como a música.

E por que isso ainda não aconteceu? As melhores máquinas de realidade virtual ainda são muito caras. Por ex-

emplo, as usadas para planejar cirurgias ainda custam um milhão de dólares. Por outro lado, há algumas que estão ficando mais baratas. Já existem máqui-nas rodando em PCs, computadores que as pessoas têm em casa. Eles estão sendo usados em aulas nas universidades. Posso imaginar realidade virtual nessas novas máquinas de jogos como talvez o Sony Playstation 2 ou 3. Elas estão ficando poderosas o suficiente para que você possa imaginar algum tipo de realidade virtual nelas.

Quanto tempo isso vai demorar? É difícil prever. Três anos? Não acho que demore mais do que isso. Talvez

cinco.

Dez, vinte anos? Não para a realidade virtual. A tele-imersão demorará mais, talvez dez

anos.

E a tele-imersão? As pessoas ficarão empolgadas com ela como ficaram com a reali-dade virtual?

Tele-imersão é uma tecnologia nova. Ela é diferente. Não trata do mundo da fantasia como faz a realidade virtual. É mais para criar a ilusão de que as pessoas estão no mesmo lugar, quando elas não estão. Acho que a tele-imersão provavelmente não vai ter a mesma força emocional da realidade virtual, mas acredito que será importante para as pessoas, sobretudo as que vivem em locais com economias dinâmicas, nos quais as famílias se separam. Poderá ser usada, por exemplo, por uma criança que se mudou para a cidade e quer falar com sua mãe, que está em outro local. Essa tecnologia possibilita às pessoas terem um contato melhor do que o feito pelo telefone. Acredito que seu apelo será mais em relação ao relacionamento entre as pessoas. Uma qualidade muito diferente da realidade virtual.

E quais os potenciais usos da tele-imersão? É difícil dizer, pois ela ainda é muito básica. É como dizer: “Qual a aplica-

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Homens de Ciência 97

ção do telefone?” Você não pode fazer essa pergunta. Ele é um aparelho de uso muito genérico, como a tele-imersão.

Quais as dificuldades de acesso à tele-imersão? Ela precisa de um computador, monitores e objetos com um certo tipo

de qualidade e sensores. Todas essas peças são muito caras, especialmente o computador, mas os preços estão diminuindo.

Quais tipos de experimentos você está fazendo agora? Hoje, tele-imersão é mais vídeo e áudio. Você pode ver as outras pessoas,

andar em volta delas, ouvi-las. Estou tentando trabalhar com toque, assim poderíamos apertar a mão de uma pessoa que está em outra cidade. Esse é um exemplo do que estamos tentando fazer.

Você acha que é realmente possível as pessoas apertarem as mãos via tele-imersão? É um problema muito complicado, mas temos uma estratégia. É uma pes-

quisa básica acadêmica de alto risco, e não há garantia de que irá funcionar. Não trabalho comercialmente. Estou fazendo isso somente para o bem geral das pessoas.

Recentemente você escreveu um artigo chamado “One Half of a Manifesto” no website www.edge.org, criticando a idéia de que a biologia e a física vão se fundir com a ciência da computação, e gerou uma grande polêmica em seu meio. Por que você critica essa visão?

Essa é uma longa história. Mas essencialmente não gosto da cultura de muitos de meus amigos do mundo da computação. Acho que muitos deles não são humanos o suficiente. Pensam mais na máquina do que nas pessoas. Eles

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Juan

Est

eves

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JOHN CASTI

Os Mundos Virtuais

São Paulo, 3 de setembro de 1999

Nos últimos trezentos anos, a ciência se dedicou a encontrar leis para de-screver o comportamento dos objetos não-vivos, dando luz à física e à química. Há alguns anos, um grupo de cientistas começou a estudar o comportamento de objetos que são capazes de modificar suas regras de funcionamento – pes-soas dirigindo veículos em uma estrada ou corretores comprando e vendendo ações em uma bolsa de valores – e a tentar prever suas ações. John Casti, professor do Instituto Santa Fé, nos Estados Unidos, e da Universidade Técnica de Viena, na Áustria, está nessa área desde seu início, há mais de uma década. Segundo ele, contudo, o grande salto desses estudos veio com a evolução dos computadores, o que permitiu simular o mundo real (trânsito em uma cidade, bolsa de valores etc.) com razoável grau de acurácia. Em um de seus livros de divulgação científica, Mundos Virtuais (Revan, 1998), uma das simulações que ele mostra – feita por uma equipe do Los Alamos National Laboratory – é do trânsito da cidade de Albuquerque, no Novo México (EUA).

Em agosto de 1999, John Casti esteve em São Paulo, onde deu uma pal-estra no Instituto de Estudos Avançados da USP sobre o uso da computação no entendimento dos sistemas complexos adaptativos (SCA), e concedeu esta entrevista. Nela, falou das dificuldades para criar uma teoria para os sistemas complexos adaptativos; dos insights (com o objetivo de detectar situações vulneráveis em determinados sistemas) que podemos esperar das simulações computacionais; da simulação que fez para um supermercado da rede inglesa Sainsbury; do interesse da CIA (Agência Central de Inteligência) nesse tipo de questão; do uso da lógica paraconsistente (que aceita contradições), criada pelo lógico brasileiro Newton da Costa, no estudo dos sistemas complexos adaptativos; do estudo da consciência com base nesses sistemas; e dos limites do conhecimento científico, tema do novo livro de ficção que está escrevendo. Esse livro tem como cenário o Institute for Advanced Study de Princeton, no

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100 John Casti

final da década de 40, e como personagens os cientistas (John Von Neumann, Albert Einstein, Kurt Gödel e J.R. Oppenheimer, entre outros) que ali trabal-havam naquela época.

Nos últimos dez anos, o senhor tem estudado os sistemas complexos adaptativos. Por que é tão difícil entender o seu comportamento?

A razão principal é que os objetos que fazem o sistema complexo adaptativo, os viajantes em um sistema de transporte ou os corretores do sistema financeiro, estão sempre usando regras diferentes (cada um tem a sua) para tomar suas decisões. E se eles vêem que a regra que estão usando não funciona muito bem, mudam para outra ou criam uma nova, que não existia até o momento. Isso implica dizer que o sistema está sempre mudando. Eles são completamente diferentes dos sistemas das ciências naturais, como física, química ou astro-nomia. Nestas, os objetos do sistema – planetas, elétrons ou bolas de bilhar – nunca mudam suas regras. Elas são sempre as mesmas, e o maior objetivo da física é entender quais são essas regras. Se você tem muitas pessoas inteligentes estudando um sistema que nunca muda suas regras durante alguns séculos, é razoável supor que você irá aprender alguma coisa. Mas nos sistemas ligados à área social e do comportamento, os chamados sistemas complexos adaptativos, que sempre mudam suas regras, precisamos de uma metodologia diferente de estudo. A simulação computacional é um modo de fazê-lo.

Por que a simulação computacional é um método adequado para estudar os sistemas complexos adaptativos?

Por duas razões. Primeiro, porque é relativamente fácil escrever programas de computador com agentes (corretores do sistema financeiro ou condutores de veículo) que mudam suas regras, que sejam adaptativos. E também porque não existe matemática adequada para descrever esse tipo de sistema. Não há como caracterizar matematicamente o mercado financeiro, por exemplo. Não sabemos qual área da matemática poderia incorporar regras que se modificam. O que temos de fazer no momento é construir cópias eletrônicas desses sistemas em nossos computadores e usá-las como um laboratório para saber, por exem-plo, o que aconteceria se déssemos um certo tipo de regra para os corretores do sistema financeiro. E se deixássemos que eles a modificassem em um certo sentido? E assim por diante. Com isso, poderíamos ter alguma idéia de como o sistema funciona. Isso é possível somente porque a tecnologia se desenvolveu muito e é relativamente barata.

Que insights podem ser esperados dessas simulações computacionais de mercado financeiro ou do tráfego de uma cidade?

Podemos esperar alguns insights sobre as circunstâncias em que compor-tamentos estranhos podem ocorrer. Quebras no sistema financeiro ou em uma

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rede viária. Nesses sistemas há vários parâmetros que são mantidos fixos para criar diferentes tipos de comportamento. Em um sistema econômico, você tem de fixar os parâmetros de taxa de desemprego, taxa de juros e outros. Quando você faz isso, cria uma base a partir da qual os agentes interagem e tomam suas decisões. Se imaginarmos cada um desses parâmetros como um nó que pode ser modificado, talvez centenas deles, o seu objetivo é saber em que região do espaço coisas interessantes acontecem (quebras, por exemplo) e aquelas em que nada acontece. E o mais importante: quais são as regiões de transição de uma dessas regiões para a outra. Acredito que a simulação computacional pode trazer insights sobre esse espaço altamente complexo.

Podemos usar essas simulações para fazer previsões?Em alguns casos, sim, mas eu não levaria as previsões tão a sério. Isso não

é como a mecânica celeste na física, ou algo parecido, em que há um grande grau de acurácia em previsões para daqui a centenas de anos. Muito mais importante é obter algum esclarecimento sobre os possíveis comportamentos desses sistemas e sobre as circunstâncias em que eles ocorrem.

O senhor poderia dar um exemplo prático dessa simulação?Criamos uma simulação para um dos supermercados da rede inglesa

Sainsbury. Eles tinham vários tipos diferentes de perguntas. Por exemplo: onde colocar uma nova bebida dietética? Na entrada do supermercado, para que as pessoas a vissem quando chegassem ao supermercado? Perto das bebidas não-alcoólicas? Na saída? Talvez em outro lugar totalmente não intuitivo, que maximizasse a sua venda? Tinham também perguntas sobre o congestio-na-mento de pessoas dentro da loja. Os consumidores entram no supermercado com uma lista do que comprar e têm de ir a diferentes partes do supermerca-do para adquirir os produtos de sua lista. Se há muitos consumidores na loja, cer-tamente haverá congestionamento em alguns setores. Quais são esses setores? E por quais pontos da loja as pessoas mais passam? Talvez elas não comprem nada nessa região, mas tenham de passar por ela para pegar um produto que queiram. Essa simulação foi criada de forma simples. Com a geometria real do supermercado, demos uma lista de compras para os consu-midores virtuais e eles foram soltos na loja para cumpri-la e irem até a saída. Guardamos a informação do traçado realizado por eles para entender como era o tráfego dentro da loja.

Quais conclusões foram tiradas do experimento?Alguns setores quase não são visitados pelo consumidor, e isto não é bom

para os fabricantes que têm seus produtos nesses setores. Nesta loja da Sains-bury, em particular, que fica no sul de Londres, a seção de produtos para bebês era pouco visitada (poucas pessoas passavam por ela). Se você é um fabricante de talco para bebê, este resultado não é bom, pois as pessoas não passam pelo

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local em que seu produto está exposto. Nesse tipo de experimento, também é possível trocar a posição dos produtos na loja para ver o que acontece. Por exemplo, o talco de bebê pode ser colocado perto dos produtos de padaria, que todas as pessoas visitam. Isto poderá gerar mais venda, mesmo se o talco de bebê não estiver na lista das pessoas (obviamente não está, senão a seção seria bastante visitada). Mas será que os consumidores comprariam talco de bebê pelo simples fato de passar diante do produto?

O senhor foi recentemente ao quartel-general da CIA, em McLean, na Virginia. Que tipo de trabalho está realizando com eles?

Fui convidado para fazer uma palestra sobre simulação para alguns membros da CIA. Nada secreto. Falei de coisas que eles poderiam se interessar em saber. Pense na rede financeira mundial (bancos, companhias de seguros etc.). Há trilhões de dólares em circulação nela diariamente. Se tivéssemos uma cópia eletrônica bastante fiel dessa rede no computador, poderíamos experimentar os pontos perigosos (fracos) da rede. Se eu fosse um terrorista e quisesse desestabili-zar essa rede, quais partes dela deveria explodir ou em que parte deveria colocar um vírus de computador ou algo parecido com isso? Esse é o tipo de questão: como se defender contra o terrorismo econômico ou de in-formação, que interessa à CIA. E se você conhece melhor o sistema, é maior a sua chance de proteger suas partes sensíveis. Por outro lado, podemos querer desestabilizar um inimigo e colocá-lo fora de ação. Como fazer isso sem colocar a si mesmo também fora de ação? É como um jogo. Se você tem um laboratório (o computador), pode fazer vários experimentos e simular várias estratégias. É provável que as empresas possam tirar conclusões dessas simulações que lhes dêem vantagem competitiva sobre seus concorrentes. Mas muitas vezes não fica claro quais as melhores atitudes a tomar se você não entende como o sistema funciona.

O senhor disse que não temos ainda uma matemática adequada para o estudo dos sistemas complexos adaptativos. Quão longe estamos de uma teoria para esses siste-mas?

Acredito que não irá levar tanto tempo, como ocorreu com Galileu e Newton. Hoje há mais pessoas brilhantes trabalhando na área do que havia naquele tempo. Estou convencido de que nos próximos vinte anos teremos o esboço de uma boa teoria. Talvez em menos tempo, pois deverá ocorrer uma explosão exponencial de atividades na área com a crescente incorporação das simulações, nas empresas e na ciência.

E a lógica paraconsistente criada pelo lógico brasileiro Newton da Costa? O senhor acredita que ela será útil no estudo dos sistemas complexos adaptativos?

Não sei, pois não conheço o suficiente a lógica criada por ele. Newton da Costa acredita que sim. Ele é brilhante e devo levá-lo a sério, mas também é

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verdade que ele tem um interesse especial nisso. Gostaria de voltar a São Paulo e passar algumas semanas com ele para aprender a lógica paraconsistente e ver se ela pode ser utilizada nos sistemas complexos adaptativos. É certo que precisamos de algo diferente do que temos hoje para os sistemas complexos adaptativos e a lógica paraconsistente é um candidato a ser estudado.

Uma das grandes questões deste final de século é a consciência – como a interação dos neurônios cria a consciência. O senhor acredita que podemos estudar este tipo de problema com sistemas complexos adaptativos?

Tenho de fazer uma confissão – e provavelmente sou minoria no mundo científico. Não acho que o problema da consciência seja uma questão científica muito interessante. Acho que a consciência é provavelmente parte de um fenô-meno emergente. Se você tiver suficientes neurônios juntos, ela aparecerá. Se podemos usar sistemas complexos adaptativos no seu estudo, tenho dúvidas. Se acredito que a consciência é uma propriedade que vem do “cérebro físico” e ele é constituído de neurônios, eles (os neurônios) não mudam suas regras, portanto não são adaptativos. Não há dúvida de que são complexos e admito que novas propriedades, que não podem ser encontradas em cada um deles individualmente, aparecem quando eles são colocados juntos.

O senhor também escreve livros de ficção. No último, The Cambridge Quintet (Addison Wesley, 1998), o senhor juntou o geneticista J.B.S. Haldane, o físico Erwin Schrödinger, o matemático Alan Turing, o filósofo Ludwig Wittgenstein e o físico e escritor C.P. Snow para discutir a natureza da inteligência e sua possível reprodução em metal. Agora, o senhor está escrevendo sobre o Institute for Advanced Study de Princeton. Qual é o tema principal do livro?

A história se passa em 1946-47, logo após a guerra. O personagem principal é John Von Neumann. Albert Einstein é o ator coadjuvante, com Kurt Gödel e J.R. Oppenheimer. O livro se desenvolve com duas histórias entrelaçadas. A mais superficial é sobre o computador que Von Neumann queria construir. O Instituto dificultou muito a aprovação do projeto. Von Neumann teve de ameaçar abandoná-lo e ir trabalhar em outro local para que os membros do conselho do Instituto concordassem com a construção do computador. Ele foi usado por alguns anos e ficou obsoleto. Após isso, os membros do conselho criaram uma resolução que dizia: nunca mais o Insti-tuto terá um projeto experimental. Essa resolução, se não me engano, está em vigor até hoje. Outra história interessante é a de Gödel. Ele foi para lá nos anos 30 e já havia publicado seu artigo sobre o teorema da incompletude (teorema enunciado pelo matemático austríaco Kurt Gödel no início do século XX). Era o mais famoso lógico do mundo, mas somente em 1953 foi indicado para trabalhar como professor do Instituto. Durante quase vinte anos, a sua permanência era decidida a cada ano. Por que isso aconteceu? Faço algumas

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especulações sobre os motivos. Esses são os temas da superfície do livro. No cerne da história estão os limites do conhecimento científico. Em matemática, por exemplo, temos algumas questões sem resposta, mas em um mundo real, com planetas, bolsa de valores e proteínas. Será que há perguntas fáceis de fazer e impossíveis de responder?

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JOHN WHEELER

Uma Vida na Física

Princeton, 4 de dezembro de 1998

Na parede em frente à entrada do Jadwin Hall, prédio da Física da Uni-versidade de Princeton, o retrato de John Archibald Wheeler, de oitenta e sete anos, observa na parede oposta as fotos dos treze Prêmios Nobel associados à universidade. Ele comenta a obra de seus colegas e amigos, um a um. Wheeler não ganhou um Nobel, mas dispensa louvor ao seu nome. Suas credenciais são inquestionáveis. Com Niels Bohr, ele escreveu o artigo seminal sobre fissão nuclear. Foi para ele que Albert Einstein disse: “Não acredito que Deus jogue dados”. Batizou de buracos negros as entidades deduzidas por Robert Oppenheimer e Hartland Snyder da equação geral da relatividade. Com seu orientando de PhD, Richard Feynman, reformulou a teoria da eletricidade e do eletromagnetismo, levando ao desenvolvimento da teoria da eletrodinâmica quântica, peça fundamental da física contemporânea. Em setembro de 1998, Wheeler lançou sua autobiografia, Geons, Black Holes and Quantum Foam (Norton, 1998), em que desfia a obra e a personalidade das figuras mais emi-nentes da física do século XX. Durante duas horas, Wheeler, professor emérito de Física da Universidade de Princeton, deu esta entrevista. Nela, fala de seus amigos Bohr e Eisntein e da busca do conhecimento.

O senhor escreveu o primeiro artigo sobre fissão nuclear com Niels Bohr. Como acon-teceu?

Bohr veio para Princeton, pois queria conversar diariamente com Einstein sobre fissão nuclear. Não fui o único a esperar Bohr na estação: lá estava tam-bém Enrico Fermi, com sua mulher e seus dois filhos. Fermi convidou Bohr a passar o dia em Nova York com ele. Dias antes de sair de Copenhague, Bohr ouviu de Otto Frisch e Lisa Meitner uma teoria de fissão para explicar resultados estranhos encontrados por Otto Hahn e Fritz Strassman em seu laboratório de

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Berlim. Bohr percebeu a importância dessa idéia e não queria falar sobre ela com ninguém, pois esperava que as novidades fossem publicadas por Frisch e Meitner. Ele somente se esqueceu de dizer ao seu filho Eric e a seu colaborador Leon Rosenfeld, que haviam viajado com ele, para fazer o mesmo. Bohr ficou aquele dia com Fermi em Nova York, mas não tocou no assunto da fissão. No trem de Nova York para Princeton, Rosenfeld me falou sobre a idéia de Frisch. Aquele era o dia do encontro semanal do Journal Club, onde professores se reuniam para discutir novas idéias sobre física. Pedi a Rosenfeld que fizesse uma apresentação sobre o tema. No dia seguinte, Bohr descobriu que todos já sabiam de seu segredo e ficou muito irritado (risos). Eu havia trabalhado com Bohr em Copenhague em física nuclear e era natural que ele falasse comigo sobre o assunto. Começamos a trabalhar com o modo tradicional da física. Primeiro, perguntamos: qual energia está sendo liberada? E depois: qual a chance dessa energia ser liberada? A energia liberada era fácil de medir, pois as pessoas mediam a massa e bastava usar E = mc2, mas a chance de isso acon-tecer era complicada. Eu demonstrei com Bohr que a barreira de energia a ser ultrapassada para separar um núcleo é menor quando se deforma o núcleo paulatinamente do que quando se tenta separá-lo em duas partes de uma só vez.

O senhor é um dos poucos homens vivos a ter tido relação íntima com Bohr e Einstein. Poderia comparar suas visões de mundo?

Einstein era menos teórico que Bohr. Ele me disse uma vez que não acredi-tava na idéia do universo em expansão, deduzida da relatividade, porque o big-bang estava lá para dizer ao universo que havia chegado o momento do início. Sem relógio, porque ele deveria começar em um momento específico. Spinoza foi expulso da sinagoga em Amsterdã no século XVII porque negava a idéia da criação original. Como o relógio podia dizer ao universo quando começar (risos)? Einstein levou o argumento de Spinoza a sério, mas tomou cuidado para não ser transformado em santo. Meses antes de morrer, ele me convidou, e a meus estu-dantes, para tomar chá em sua casa. Einstein sentou-se na cabeceira de sua cama. Muitas perguntas sobre o universo em expansão, a natureza da eletricidade etc. Finalmente, um dos estudantes disse: “Professor Einstein, quando o senhor não mais estiver vivo, o que será desta casa?” Einstein riu e respondeu: “Ela nunca se tornará um local de peregrinação”. Após sua morte, dois de seus amigos pegaram suas cinzas secretamente e a depositaram em um lugar desconhecido. Acho que foram jogadas no rio perto de Greenswick.

E Bohr?Ele foi jogador de futebol. Estava acostumado a trabalhar com outras pes-

soas. Ficou muito afetado pela morte de seu filho mais velho, Christian, que morreu afogado poucas semanas antes de eu chegar para estudar com Bohr em Copenhague. Christian morreu quando o barco em que ele estava com Bohr e um

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amigo virou. Eles nunca acharam o corpo e Bohr teve de dizer para sua mulher o que havia acontecido. Sua mãe era judia e seu pai cristão, mas Bohr não tinha religião. Não houve nenhuma cerimônia religiosa, mas eles fizeram uma espécie de homenagem. Anos depois, estava andando com ele na floresta ao norte de Copenhague. Era domingo de manhã e ele falava que o maior poder dos grandes líderes religiosos era consolar as pessoas na hora da morte, e contou a história de Buda. Um casal perde um filho na Índia. Os dois ficam devastados. Após um mês, o pai consegue voltar ao trabalho, mas a mãe continua fora de si. Os viz-inhos resolvem levá-los para falar com o Buda. Ele diz: vou curá-los, com uma condição. Tragam-me doze grãos de mostarda de alguém que nunca tenha tido uma tristeza. O casal bateu à porta de uma pessoa e pediu os grãos de mostarda. A pessoa deu-os e, quando eles estavam quase chegando ao Buda, lembraram de perguntar à pessoa se ela havia tido alguma tristeza. A pessoa respondeu que perdera sua tia dois meses atrás. O casal devolveu as sementes e continuou sua busca até entender que era impossível realizar o pedido de Buda. Fui estúpido e não percebi a relação dessa história com a morte de seu filho.

E as diferenças entre Einstein e Bohr como físicos?Diria que Bohr era muito mais físico que Einstein. Os físicos iam até Bohr para

pedir conselhos. Não me lembro de nenhum físico ir até Einstein para isso.

O senhor deu o nome de buracos negros às entidades deduzidas por Robert Oppenheimer e Hartland Snyder da equação geral da relatividade de Einstein. Como foi isso?

Posso dizer que não fui exatamente eu que inventei o termo. Eu estava em Nova York e vi notícias surpreendentes vindas da Inglaterra sobre essas estra-nhas entidades. Tinha estudado o problema da quantidade de massa que podia ser colocada em uma estrela. Se você colocar demais, a pressão será tão grande que a estrela entrará em colapso. Quando estávamos em Nova York discutindo o que poderia ser essa entidade, eu disse que poderia ser uma es-trela de nêutrons, uma gigante vermelha, uma estrela totalmente em colapso. Depois que falei várias vezes “estrela totalmente em colapso”, alguém na sala gritou “buraco negro”. Gostei do nome e passei a usá-lo.

O professor emérito de Ciências Naturais do Instituto de Estudos Avançados de Princ-eton, Freeman Dyson, disse que Richard Feynman foi o maior físico da segunda metade do século XX. O senhor foi orientador da tese de PhD de Feynman...

O principal em Feynman era seu espírito de aventura. Feynman queria fazer as coisas funcionarem. Meus filhos gostavam dele, todas as crianças o adoravam. Quando as pessoas no Caltech ficaram sabendo que sua mulher estava doente e precisava de uma transfusão de sangue, uma longa fila de alunos veio ser voluntária para a doação. Ele amava dar aula para explicar o que acontecia na natureza e estava sempre em busca de um desafio. Certa vez, organizei uma conferência no Texas e convidei Feynman. Ele não queria ir, mas convenci-o

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dizendo que íamos tratar de problemas interessantes. Estávamos instalados em um resort. Feynman considerou o local muito extravagante e se negou a dormir sob tal teto. Acabou dormindo embaixo de uma árvore, do lado de fora do resort. No dia seguinte, ele parecia cansado (risos).

E qual a importância da teoria da eletrodinâmica quântica, de Feynman?Ele criou uma nova abordagem, sem a qual ninguém mais consegue vi-

ver hoje.

O senhor afirma em At Home in the Universe (American Institute of Physics, 1994): “As partículas reais não são a única fonte possível de massa no universo. A teoria geral da relatividade apresenta um meio de criar massa a partir da geometria. Uma concentra-ção suficientemente grande de onda de energia eletromagnética ou de onda de energia gravitacional que, quando agrupada de forma adequada, pode sustentar-se unida por algum tempo pela própria força gravitacional em uma bola de radiação, os chamados geons”. Qual a origem do nome geons? Poderia dar exemplo?

O “g” vem de gravitação, o “e” de eletromagnetismo e o “on” da raiz forma-dora das partículas (elétron, nêutron, próton etc.). Não há evidência de geons na natureza. De qualquer modo, é tentador pensar que a natureza possui um meio de exercitar todas as possibilidades que se apresentam para ela. Talvez os geons tenham uma existência transitória no início da história do universo. Talvez, como especulei mais recentemente com alguns alunos, eles sejam um estado intermediário na criação dos buracos negros.

No mesmo livro, o senhor fala do melhor exemplo da busca do conhecimento que já viu. Por quê?

Estava com Fermi em Hanford. No canal de irrigação do rio Columbia, alguns amigos nadavam para escapar ao calor. As margens eram feitas de uma parede de concreto, com cordas estendidas ao longo delas. Assim, era possível sair da água quilômetros depois, usando as cordas. Fermi fez a seguinte per-gunta: é possível sair do rio sem usar as cordas? Todos disseram que não. Ele disse: vamos tentar, e se jogou na água. Após várias tentativas em que escor-regou na parede de concreto molhada, ele conseguiu sair da água, os braços e pernas vermelhos pelo esforço, mas com um sorriso.

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JOSÉ LEITE LOPES

“O Século XXI Será das Novas Tecnologias”

Rio de Janeiro, 26 de março de 1999

Na entrada da sala, uma foto de Albert Einstein na estação de Princeton, Estados Unidos. “Eu esperava garotas com colegas e Einstein esperava sua irmã. Gritei ‘professor Einstein!’, e ele veio sorrindo falar conosco. Depois tirei essa foto.” Abaixo, uma foto de Wolfgang Pauli, o criador do princípio da exclusão de Pauli – dois elétrons não podem estar ao mesmo tempo no mesmo lugar e no mesmo estado –, chamado por seus colegas de “consciência da física”. “Pauli foi meu orientador de tese de doutorado em Princeton.” Mais abaixo, na mesma parede, Richard Feynman, o maior físico da segunda metade do século XX. “Ele me convidou para passar uma temporada trabalhando com ele no California Institute of Technology. Aqui só tem gente desse calibre.”

As frases são de um brasileiro de oitenta anos, o físico pernambucano rad-icado no Rio de Janeiro José Leite Lopes, um dos maiores físicos da história do Brasil. Além de realizar trabalhos em física teórica, Leite Lopes fundou, com Cesar Lattes e outros, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Expulso da universidade pelo AI-5, Leite Lopes recebeu convites para trabalhar em vá-rias universidades estrangeiras – inclusive para voltar ao Instituto de Estu-dos Avançados de Princeton, onde estudou entre 1949 e 1950 a convite de Oppenheimer, desta vez convidado por Freeman Dyson, outro grande nome da física moderna. Optou por se exilar na Universidade de Strasbourg, na França, e lá permaneceu até 1985, quando voltou para dirigir o CBPF. De 1989 para cá, dedica-se a escrever livros sobre o que considera um dos temas mais importantes para o futuro do país: as relações entre educação, ciência e liberdade. Nesta ent-revista, em seu escritório no CBPF, ele fala sobre sua carreira, sobre seu professor Mario Schenberg, sobre o colega Cesar Lattes e sobre os dois Prêmios Nobel de Física com quem teve relações estreitas: Pauli, seu orientador de doutoramento, e Feynman, que passou um ano no Brasil a seu convite e com quem trabalhou

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nos Estados Unidos. Também comenta o corte orçamentário no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a relação do governo e dos empresários com as universidades no Brasil.

O senhor foi o pioneiro na unificação das forças eletromagnéticas e fracas com um trabalho de 1958 em que previu a existência do bóson neutro (Z0) – teoria formulada anos depois com rigor por Steven Weinberg, Abdus Salam e Sheldon Glashow, que lhes deu o Prêmio Nobel de Física de 1979. Entretanto, Richard Feynman disse certa vez que não se sentia confortável com a matemática utilizada na eletrodinâmica quântica, teoria fundamental para a unificação entre as forças eletromagnéticas e fracas. O senhor acha que a física quântica é realmente adequada à descrição da natureza?

Por enquanto não foi encontrada nenhuma contradição na mecânica quântica. O problema é sua interpretação básica probabilística, que incomoda muita gente, como Einstein, que levantou alguns problemas, mas os cálculos têm dado certo sempre. Einstein achava que era uma teoria provisória: agora, encontrar outra não está sendo fácil.

Por quê?É preciso uma idéia nova. Houve a idéia do físico David Bohm, sobre as

variáveis ocultas, mas também não funcionou. Então, no fundo... o que disse Weinberg na entrevista dele?

Que a teoria quântica é correta e interpreta toda a química.Exato, há bastante tempo. As forças das ligações químicas são proveni-

entes da ação do elétron no átomo. Acho que a mecânica quântica é a teoria correta.

Mas qual das interpretações da mecânica quântica?A de Copenhague foi a que deu certo, no sentido de que a mecânica quântica

prevê probabilidades, por isso o princípio da causalidade não é rigorosamente verdadeiro. Há um estado agora que evolui no tempo e dá lugar a outro estado, mas, como não é bem definido, há sempre probabilidades. Então você tem uma evolução que acarreta provavelmente outro estado. Nesse sentido, vale o princípio da causalidade, em outro sentido.

O senhor acha que pode existir velocidade de propagação superior à da luz, ou isso ainda é especulação não-científica?

Trabalhei até sobre os táquions, que se propagariam a velocidade superior à da luz e atrapalhariam o princípio de causalidade. Mas ainda não há uma confirmação precisa da existência de ações que se propagam assim.

Isso colocaria em xeque a Teoria da Relatividade, que afirma que nada pode se propagar a velocidade superior à da luz?

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Não, pois você tem até equações que governariam o comportamento dessas partículas, e elas são relativísticas.

O senhor foi aluno de Mario Schenberg e colega de Cesar Lattes, dois dos maiores físicos que o Brasil já teve. Qual a importância deles para a física no Brasil?

Mario Schenberg foi talvez o maior físico teórico do Brasil. Ele se formou em 1937, veio de Pernambuco, como eu, e fez o curso de engenharia elétrica na Escola Politécnica em São Paulo, e o de física na Faculdade de Filosofia. Foi aluno do Gleb Wataghin, grande pai da física moderna no Brasil, que mandou Schen-berg para a Europa. Ele passou pela Itália para trabalhar com Enrico Fermi, foi a Zurique ver Pauli e à França ver De Broglie, depois voltou. Em 1938, passou pelo Recife e foi para os Estados Unidos, com uma bolsa Guggenheim (financiada pela Fundação Guggenheim), trabalhar com George Gamow. Lá, desenvolveu um trabalho muito importante em que mostrava que, quando uma estrela entra em colapso e se reparte em supernovas, a perda de energia se dá por emissão de neutrinos. Ele trabalhou também com o astrofísico indiano Chandrasekhar, ganhador do Nobel de Física em 1983. Nessa época, eu tinha acabado o curso de química industrial em Recife e havia ganhado uma bolsa. Vim para o Rio de Janeiro e prestei vestibular para física. Quando acabei o curso em 1942, fui para São Paulo. Em 1943, estudei com Schenberg, que havia voltado. Assisti aos cursos, trabalhei com ele, ficamos muito amigos e publicamos um trabalho juntos. Logo depois fui para Princeton, ganhei uma bolsa do Departamento de Estado Americano. Fui apresentado a Pauli e fiz meu doutorado com ele. Para mim foi maravilhoso. Nunca pensei que iria chegar a esse ponto. Tenho cartas trocadas com Pauli que foram publicadas em livro.

E a importância de Cesar Lattes?Muito grande. Acabamos nos conhecendo em São Paulo, fomos alunos de

Schenberg na mesma época. Eu fui para Princeton e ele, para Brixton. Nós nos correspondíamos por carta. Eu queria trazê-lo para o Rio Janeiro, pois achava que era importante haver ciência fora de São Paulo, que havia começado muito bem com Wataghin, Schenberg, Marcelo Damy de Souza Santos, Paulus A. Pompeia etc. Escrevia para Lattes em Brixton quando ele fez o trabalho, com Giuseppe Occhialini e Cecil Powell, sobre o méson pi na radiação cósmica. Eu já tinha voltado para o Brasil. Fui nomeado professor da Faculdade Nacional de Filosofia, quando Lattes veio com as emulsões nucleares (chapas fotográfi-cas muito sensíveis) para expor em La Paz, a cinco mil metros de altitude, na Bolívia. Foi aí que ele revelou as emulsões e descobriu as fotos do méson pi se desin-tegrando e dando méson mi. Ele ficou importante. Depois veio para cá, mas ganhou uma bolsa da Fundação Rockefeller para ir a Berkeley. Ele se casou e foi para lá. Quando chegou, o grande acelerador de partículas deles já estava produzindo mésons, mas eles não sabiam revelá-los. Lattes chegou e mostrou

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como fazia. Foi muito importante esse trabalho dele porque, além de méson pi na radiação cósmica, ele mostrou que os mésons mi são produzidos na colisão próton com próton. Em 1949, eu fui para o Instituto de Estudos Avançados de Princeton, a convite de seu diretor, Oppenheimer. Lattes ainda estava em Berke-ley e veio de carro me visitar em Princeton. Quando chegou, como o trabalho dele era muito importante, foi logo ao gabinete de Oppenheimer – fomos juntos – para dizer quais eram os resultados da massa do méson pi. Ele media todas essas coisas que estavam sendo estudadas. Era um prestígio enorme.

Em seus escritos da década de 60, alguns deles reunidos em Ciência e Liberdade (UFRJ, 1998), o senhor critica a organização das universidades e a forma como o dinheiro era aplicado nelas. Houve avanço desde aquela época até hoje?

Passei vinte anos exilado na França. Nesse período houve um grande pro-gresso. A minha luta quando assumi a cátedra em 1948 era pelo tempo integral para os professores, pela dedicação exclusiva. Era preciso que os professores primeiro fizessem pesquisa na universidade para depois não ter de se ocupar com outras coisas. Logo, tinham de ganhar melhor do que um professor que só desse aula. Isso se chamava “regime de tempo integral” e não existia no Rio de Janeiro. Havia o Departamento Administrativo de Serviço Público, o precursor do Ministério da Administração e Reforma Agrária (MARA), e ele não previa tempo integral para professor de universidade. A ditadura botou gente para fora em 1969 – eu, Schenberg e outros –, mas eles introduziram o tempo integral e houve um crescimento da física em todo o Brasil. O Instituto de Física da Universidade de Pernambuco é muito bom. Há física boa também em Fortaleza, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba. E em São Paulo e no Rio de Janeiro. A física cresceu. Quando saí, em 1969, prati-camente só havia São Paulo e estávamos lutando para estabelecer a física no Rio de Janeiro. O lamentável é que o governo Fernando Henrique Cardoso não esteja apoiando as universidades como deveria. Não achei que chegaríamos a esta situação, com falta de dinheiro para as pesquisas. O CNPq tinha dinheiro: fui a congressos em Caracas, no México, e o Brasil era citado pelo programa de bolsas de estudo no exterior. Com elas, formaram-se muitos físicos e cientistas em geral. Tudo isso foi cortado agora, e é por isso que estamos atacando o governo. É preciso que eles apóiem as bolsas de estudo e a pesquisa científica.

O senhor falou do crescimento da física durante a ditadura, mas as grandes cabeças da física brasileira estavam exiladas, e os grandes físicos quase sempre tiveram um mestre, como no caso de Feynman (orientado na juventude por John Wheeler, que cunhou o termo buraco negro) ou Werner Heisenberg (que estudou com Niels Bohr em Copenhague). A ausência daquelas cabeças não deixou muitos “órfãos” no Brasil?

A ausência deve ter tido efeito. Há uma falha nesse período, mas, em 1970, a Universidade de Campinas (Unicamp) foi criada. A ditadura travou sobretudo a evolução política. Não temos nenhum líder político. As universidades precisam

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se modernizar, mas vamos esperar que melhorem.

Onde está a nova geração de grandes físicos brasileiros? Quem são eles?Em Pernambuco há grupos muito bons: há o Sérgio Machado Resende e

o Ricardo Ferreira. No Rio de Janeiro, há Moises Nussezweing, Carlos Alberto Aragão de Carvalho e outros. No CBPF há um grupo de física de alta energia que trabalha em colaboração estreita com o Fermilab, de Chicago, que é o grupo do Alberto Santoro. Eles participaram, por exemplo, da descoberta do “top quark” em 1995, o quark que faltava à teoria de Murray Gell-Mann. Se ele não existisse, teríamos de recomeçar tudo.

Nos textos de seu livro Ciência e Liberdade, o senhor também fala sobre a necessidade de investir em ciência para o desenvolvimento de um país e dá o exemplo bem-sucedido da Inglaterra e dos Estados Unidos. Como o senhor vê a situação brasileira atual?

A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) é a única que tem dinheiro, pois o Estado de São Paulo é mais rico. As instituições equivalentes à Fapesp nos outros estados são pobres, dependem essencialmente do CNPq e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). O investimento em ciência no Brasil decaiu, e até São Paulo está sofrendo com essa recessão. É grave e nunca esperávamos que acontecesse dessa forma.

As pesquisas anuais feitas pela National Science Foundation (NSF) americana mostram que mais da metade dos americanos não sabe que o elétron é menor do que o átomo e que a Terra dá uma volta completa em torno do Sol em um ano. Uma demonstração da falta da educação científica nas escolas americanas. No Brasil, como vai a educação científica?

A nossa está abaixo da americana. O problema é que a educação fundamental (primeiro e segundo graus) nunca foi estimulada no Brasil. Desde a colônia até hoje, a educação básica do povo foi desprezada pelas autoridades, pelos indus-triais, pelos empresários e também pelos intelectuais. O povo tem de ser bem educado. Isso é fundamental para compreeender a vida, para as invenções, para tudo. O Ministério da Educação foi criado depois da Revolução de 30. O Colégio Pedro II, um colégio federal, só existe no Rio de Janeiro. É lamentável que o governo central não tenha fundado colégios em outros Estados. A evolução da educação no Brasil é um quadro triste, pois o governo e os empresários nunca ligaram para ela. Somente agora descobriram que estamos às vésperas de um século no qual o que irá valer são as tecnologias novas, então ficam preocupados porque o operário precisa ter uma educação básica. Os economistas famosos, que estão nas páginas dos jornais, nunca disseram na vida deles que a educação era um investimento para o desenvolvimento.

E a educação científica?

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118 José Leite Lopes

É muito importante, pois as pessoas têm de entender o mundo em que vivem, têm de ver que não vivem em um mundo mágico, de milagres. O mundo obedece a leis científicas, leis racionais, que possuem uma beleza muito grande. Propus que os cientistas dedicassem algumas horas de sua vida a fazer con-ferências sobre a área da ciência em que atuam para alunos do secundário. Fiz doze conferências assim no ano passado. Eles adoravam. É necessário que haja uma explicação melhor do que é ciência e de como se desenvolveu e se desenvolve.

Hoje existe o problema da falta de interação entre universidade e sociedade?Acho que todos os anos as universidades deveriam abrir suas portas e ofer-

ecer cursos para o cidadão, em particular cursos para os professores secundários ginasiais. Eles deveriam ir cada ano às universidades, em suas especialidades, para ver o que está acontecendo no mundo, pois em geral ganham muito pouco e não têm tempo nem dinheiro para se reciclar. Venho falando sobre isso, mas os cientistas, em geral, recebem o dinheiro deles, ficam fazendo suas pesquisas e dão banana para o resto. Eles também deveriam dedicar tempo para escrever livros para alunos.

O senhor, com o professor Jayme Tiomno, trouxeram Feynman para passar um ano no Brasil. Depois foi passar uma temporada no Caltech, trabalhando com ele. Alguns, como Freeman Dyson, do Instituto de Estudos Avançados de Princeton, dizem que ele foi o maior cientista da segunda metade do século XX, mas há também Murray Gell-Mann, que o senhor também conheceu e com quem trabalhava no Caltech. Para o senhor, quem foi o grande cientista do período?

Concordo com Dyson. Feynman foi uma grande figura. Ele fez um novo fundamento matemático para a mecânica quântica, o space-time approach, que ampliou seu alcance.

O senhor afirma em seu livro que as universidades privadas não são nada mais do que geradoras de diplomas. Em contrapartida, nas universidades públicas somente con-seguem ser aprovadas, em geral, as pessoas que tiveram condições financeiras para cursar uma boa escola privada no primário e no secundário. Como o senhor vê essa questão?

A educação no Brasil está de pernas para o ar. Tradicionalmente, inclusive, o governo gasta mais dinheiro com as universidades do que com o ensino básico. A história do Brasil precisava ser toda corrigida. Nunca tivemos políticos como Thomas Jefferson, que foi presidente dos Estados Unidos, e solicitou que no seu jazigo se escrevesse não que ele fora presidente, mas que ele havia fundado a Universidade de Virgínia. O que demonstra o nível desse homem. Qual o presi-dente brasileiro que fundou uma universidade? Nenhum, alguns até afunda-ram universidades. Castelo Branco invadiu a Universidade de Brasília quando estava sendo fundada. O nível de vida e intelectual do Brasil é muito baixo. Os

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Homens de Ciência 119

empresários deveriam se dedicar às universidades. Nos Estados Unidos, pouco antes da crise de 1929, dois comerciantes de Nova Jersey venderam seu negó-cio, uma loja de departamento, e ganharam muito dinheiro. Para agradecer à população, eles decidiram criar uma instituição que im-pulsionasse a educação. Eles pediram a Abraham Flexner – que havia investigado o nível de educação americana no início do século e chegara à conclusão de que ela era péssima, publicando um livro de grande influência, The American College (Nova York: Arno Press, 1969) – para criar essa instituição. Ele acabou fazendo o Instituto de Estudos Avançados de Princeton, que teve Albert Einstein como seu primeiro professor em 1934. Os milionários americanos começaram a competir. Há o Carnegie Institution, a Carnegie University. Rockefeller fez a Fundação Rock-efeller e a Universidade Rockefeller. O senhor Stanford fez a Universidade de Stanford. Isso nunca aconteceu aqui. A Votorantim já deu algum dinheiro para a universidade? Não. Talvez seja mais fácil dar dinheiro a uma universidade americana do que a uma brasileira. Deve-ríamos começar tudo de novo.

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MARTIN REES

A Matemática dos Universos

São Paulo, 28 de julho de 2000

O astrônomo real britânico sir Martin Rees, cinqüenta e oito anos, é con-hecido no meio acadêmico por sua capacidade de explicar temas complexos da ciência para colegas e leigos. Seu talento levou-o a escrever vários livros – entre eles Gravity’s Fatal Attraction: Black Holes in the Universe (Scientific American Library, 1996) e Before the Beginning: Our Universe and Others (Addison Wesley, 1997) – sobre sua especialidade: astronomia. Formado em matemática e astronomia pela Universidade de Cambridge, Rees contribuiu com idéias-chave para o estudo dos quasares, dos buracos negros, para a teoria da for-mação das galáxias e para a discussão sobre a existência de universos múltiplos. Em seu último livro, Apenas Seis Números (Rocco, 2001. Título original: Just Six Numbers), faz um relato da importância de seis números para a existência do universo e da relação deles com a existência de universos múltiplos. Em entrevista exclusiva, ele fala da necessidade de entendermos melhor o big-bang para verificar a existência de vários universos, dos seis números que regem o universo, da vida em outros planetas e dos desafios atuais da ciência.

O senhor afirma em Apenas Seis Números que a vida emergiu no nosso universo devido à combinação certa de seis números. Por que o universo ajustou esses números dessa forma?

É um mistério. Você pode dizer que é coincidência ou que foi desenhado por Deus. Há também uma terceira explicação, minha preferida, a de que há muitos universos, muitos big-bangs. Se há muitos big-bangs, produzindo diferentes universos, alguns deles terão os seis números adequadamente ajustados.

O senhor acredita que outras formas de vida podem ter evoluído com uma combinação

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diferente desses seis números?Acho que pode haver várias formas de vida em nosso universo, em outros

planetas e estrelas. O argumento principal do meu livro é que, se os valores desses seis números fossem diferentes, eles não permitiriam a evolução de nenhuma forma de vida no nosso universo. Não haveria átomos, química nem gravidade, ou existiria muito pouco dessas coisas. A maior parte do universo não permitiria a existência de complexidade ou vida. Estamos em um universo especial.

O senhor acha que seremos capazes de observar outros universos no futuro?Não podemos vê-los diretamente, mas podemos testar sua existência en-

tendendo melhor o dragão do big-bang. Se compreendermos o início do nosso universo, veremos se ele é único ou se pode haver outros universos.

Assumindo que existem vários universos, o senhor acredita que há vida neles?Podemos fazer essa pergunta para o nosso próprio universo. Não sabemos.

Suponho que a maioria das pessoas acha que existe algum tipo de vida em outras partes do nosso universo, mas se ela é do tipo inteligente que podemos reconhecer, é incerto.

No início de seu livro, o senhor diz que, quando os cartógrafos não sabiam muito sobre os lugares, eles simplesmente escreviam “lá estão dragões”. Na física ainda temos muitos dragões?

Há dragões dentro dos buracos negros e nos primeiros instantes após a criação do nosso universo (no big-bang), mas espero que façamos progresso no entendimento deles. Obviamente esse progresso abrirá novas questões.

O senhor fala também em seu livro da necessidade de unificar o muito pequeno (Teoria Quântica) e o muito grande (Teoria da Relatividade). A comunidade física aposta hoje na Teoria das Supercordas como capaz de unificar todas as forças do universo e de explicar o início dele. Como o senhor vê essa teoria?

Acho que é a melhor teoria que temos. Espero que ela seja capaz de ex-plicar algumas características do nosso universo. Não entenderemos o início do universo até que tenhamos essa teoria, seja ela a Teoria das Supercordas ou outra.

Os dragões do universo estão escondidos dentro dos primeiros instantes do big-bang?Com certeza. Até que consigamos entender os primeiros milissegundos

melhor, será um mistério por que o universo está se expandindo e por que ele é governado pelas leis e forças que observamos. Gostaria de dizer que mesmo quando compreendemos as leis fundamentais do universo, ainda temos de ex-plicar como o cosmo evoluiu nos últimos doze bilhões de anos. Como ele saiu de um ambiente simples para um complexo de estrelas e galáxias. A complexidade do nosso universo atual é um desafio mesmo se descobrirmos quais são as leis

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Homens de Ciência 123

fundamentais do universo. É muito mais difícil entender o universo hoje, com sua complexidade, do que entender o seu início.

Mas o senhor acredita que a física será capaz de entender essa evolução do simples para o complexo no universo?

Vamos fazer algum progresso, mas nunca entenderemos os detalhes, so-mente as linhas gerais.

Muitos cientistas estudam a ciência da complexidade, a que busca entender a evolução do simples para o complexo. O senhor acredita que vale a pena usar essa teoria para estudar os seres vivos?

Para entender coisas complexas precisamos de novos conceitos. Cientistas velhos têm conceitos velhos, seja em física, química, biologia, sociologia etc. Mesmo que acreditemos que somos todos feitos de átomos e que somos gov-ernados pelas leis da física, o tipo de explicação que buscamos na biologia ou na psicologia é muito diferente uma da outra. Todas as ciências são diferentes, pois têm conceitos diferentes. É difícil unificar todos esses conceitos.

Alguns críticos da ciência dizem que ela está no fim, existe até um livro sobre esse tema...

Ciência é uma aventura sem fim. Haverá sempre novos problemas. O de-safio hoje é entender a física do início do universo, a complexidade que levou à formação das estrelas e das galáxias, como a vida evoluiu e chegou a algo complexo como nós, como as criaturas evoluíram e se tornaram conscientes e capazes de fazer todas essas perguntas. O Sol ainda não chegou à metade da sua vida. Temos muito mais tempo à frente do que já tivemos no passado. Estamos ainda no começo.

Que novidades o senhor espera ver na astronomia e na cosmologia nos próximos dez anos?

Espero entender melhor os primeiros momentos do universo, como se formam as galáxias, e se o universo irá se expandir para sempre ou vai parar em algum momento.

Mas qual a sua opinião: o universo se expandirá para sempre ou não?Essa é uma pergunta para ser respondida daqui a dez anos. Com as evidên-

cias existentes hoje, eu diria que é provável que ele se expanda para sempre, mas dez anos atrás não poderia dizer o mesmo.

No final de Apenas Seis Números o senhor afirma que “no momento da escrita deste livro, a visão de que nossos seis números são acidentes da história cósmica não é mais que um chute”. Somos o resultado de um acidente?

Suponho que sim, mas é um chute. A resposta depende da Teoria das Supercordas permitir ou não que esses números sejam ou não diferentes. Se eu tivesse de apostar, diria que eles são da forma que são, pois são um

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124 Martin Rees

universo em meio a vários universos. Mas isso é especulação. Em alguns anos, entendendo melhor o big-bang, saberemos se essa é uma boa idéia ou se está errada.

Se somos um acidente, qual o papel de Deus nessa história?Essa é uma pergunta para teólogos, não para cientistas.

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Prêmio Nobel de Física, 1969por descobrir como classificar

as partículas elementares e suas interações

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MURRAY GELL-MANN

Sistemas Complexos Adaptativos

São Paulo, 21 de agosto de 1998

É mais fácil aceitar suas idéias sobre física do que compreendê-las. Nos últimos cinqüenta anos, ele tem surpreendido seus interlocutores com co-nhe-cimentos de especialista em história natural, arqueologia, botânica e lingüística – para citar somente alguns de seus interesses. Os que desfrutam de sua com-panhia dizem que ele é um dos maiores físicos da história não por sua aptidão particular para a física, mas porque se dignou a incluí-la entre suas muitas especialidades. Em 1963, postulou matematicamente a existência do quark – a partícula fundamental do núcleo dos átomos. Em 1969, a academia sueca lhe outorgou o Nobel de Física pelo Caminho Óctuplo, por ele ter verificado que é possível agrupar as partículas conhecidas em grupos de oito com as mesmas características. Com o nome esculpido no panteão dos gênios da humanidade, o ex-menino prodígio (aprendeu a ler aos três anos) Murray Gell-Mann poderia ter repousado sobre os louros da glória, mas sua insaciável curiosidade impeliu-o, em 1984, a fundar o Instituto Santa Fé – na cidade de mesmo nome do Estado americano do Novo México. Lá, passa seus dias estudando tópicos que vão da evolução da economia e da política como um sistema complexo adaptativo à evolução do sistema imuno-lógico humano. Em 1995, a história reservou para Gell-Mann a glória da confirmação experimental final da hipótese do quark – a existência do que ficou conhecido como top quark.

Em entrevista exclusiva, de Aspen, Gell-Mann, “o homem que sabe tudo”, setenta anos, fala sobre os sistemas complexos adaptativos que estuda no Instituto Santa Fé, entre eles a sociedade, a economia e os seres humanos; sobre a Teoria Unificada das Partículas; sobre a paranormalidade; sobre a educação atual e sobre a necessidade de preservação da diversidade cultural humana.

O senhor chamou o seu livro explicativo de O Quark e o Jaguar: Aventuras no Simples e

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no Complexo (publicado no Brasil pela Rocco em 1996). Como um sistema simples se transforma em complexo?

Para ter uma resposta completa é preciso ler o livro, mas vou tentar resumir. O simples se refere às leis fundamentais da natureza e o complexo, à fábrica de realidade que vemos a nosso redor e da qual fazemos parte. Tento mostrar alguns aspectos das relações entre as leis fundamentais e a realidade complexa que vemos. O fato mais importante proveniente dessa idéia é que as leis funda-mentais não são deterministas. Mesmo se você souber a lei da dinâmica pela qual a história do universo é regida – embora não a conheçamos ainda, talvez seja a Teoria das Supercordas – e a condição inicial do universo, não é possível saber como ele evoluiu. Existem somente probabilidades, histórias alternativas. Os resultados só são conhecidos previamente por suas proba-bilidades, pois a história do universo é determinada pela lei fundamental e por uma seqüência imensuravelmente longa de eventos imprevisíveis. A primeira fonte dessa imprevisibilidade vem da mecânica quântica, além de muitas outras, como o grande número de eventos imprevisíveis que já ocorreram e não foram obser-vados por ninguém. Logo, é preciso fazer uma média de todos esses eventos que ocorreram em lugares distantes, outros planetas etc. E, mesmo dentro dos limites da física clássica determinista, que se aplica quando os objetos são pesados, o resultado de um fenômeno é muito sensível às pequenas variações na entrada – que só são conhecidas aproximadamente. Então, a complexidade vem principalmente desses acidentes. Alguns são muito importantes para criar regularidades, especialmente aqueles localizados no espaço e no tempo. A flutuação que criou nossa galáxia, por exemplo, pode não ser muito importante em escala cósmica, mas foi muito importante para tudo o que está dentro dela. Esses acidentes que levam à criação de regularidades chamo de “acidentes congelados” ( frozen accidents).

O senhor acha que estamos perto da confirmação de uma teoria unificada das partículas e de suas interações?

Precisamos de previsões. No livro, discuto algumas previsões da teoria. Ela prevê, por exemplo, a Teoria Geral da Relatividade de Einstein. Extrair mais previsões é um trabalho longo, mas acredito que seja um trabalho de anos, não de séculos.

Por que o senhor decidiu estudar a complexidade?Houve duas razões principais. Primeiro, a teoria unificada das partículas e

forças da natureza e talvez até o conhecimento da condição inicial do universo não são suficientes para explicar o que vai acontecer, pois uma grande parte das informações está nos acidentes. Eu queria pensar sobre isso. A segunda razão é que durante toda a minha vida me interessei por história natural, arqueologia, evolução etc., e queria estudar uma teoria que englobasse todas essas diferentes

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áreas, que envolvem tanta complexidade e diversidade.

O senhor fala muito em “sistemas complexos adaptativos” que tomam uma informação, na forma de uma fita com dados, e acham as regularidades dessa fita, tratando o resto do material como aleatório...

E comprimem essas regularidades no que chamo de “schema”. Pode haver muitas versões desse “schema”, e a comparação delas com a realidade leva à sua evolução. Essa é uma descrição, por exemplo, da evolução individual dos seres humanos e também da evolução do pensamento científico.

Como esses sistemas surgiram?Todos os sistemas adaptativos complexos que conhecemos se referem

a organismos vivos ou são baseados em sistemas computacionais que foram criados por organismos vivos. Estes sistemas estão ligados à origem da vida na Terra e podem também estar ligados de algum modo a outras formas de vida fora da Terra. Mas a sua pergunta é sobre a origem da vida e ela é muito difícil de responder.

Quando um “schema” é mal adaptado?Existe muita confusão neste ponto. Um sistema ser capaz de se adaptar

não implica que cada uma de suas características, a cada momento, esteja bem adaptada. Por isso, pode tomar um certo tempo para que um “schema” mal adaptado desapareça. Por exemplo, quando as circunstâncias externas mudam e um comportamento que era adaptado à antiga situação já não serve.

O senhor afirma em seu livro que um sistema desses pode dar origem a um novo tipo de sistema. Como isso se dá?

Alguns desses novos sistemas complexos adaptativos são partes do ser humano, como o sistema imunológico e o cérebro. O pensamento científico é outro exemplo de sistema composto do trabalho de vários sistemas complexos adaptativos. Podemos entender também a sociedade humana e a organização de uma empresa como um sistema complexo adaptativo.

O senhor acredita que haja vida em outros planetas?O número de planetas e estrelas no universo é extremamente grande e não

há razão para pensar que os sistemas planetários não possam ter vida. Estamos descobrindo a existência de grandes planetas em outras galáxias, mas ainda não temos um método para detectar planetas pequenos como a Terra – embora existam muitos deles com certeza. E não há razão para acreditar que, dadas as condições físicas para a existência da vida, ela não surja ou que seja algo raro e difícil de acontecer. Talvez o que exista seja algo que se pareça com vida, mas não seja exatamente o que conhecemos. A pergunta seguinte é: “Quantos deles têm uma vida inteligente como a humana ou mais evoluída?” Imagino que existam

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muitos, mas isso não quer dizer que estejam perto da Terra (risos).

Há alguns anos o senhor foi eleito para o CSICOP, organização americana dedicada à investigação científica de fenômenos paranormais. Como vê a relação entre a mídia e esses acontecimentos?

A mídia tem sido muito irresponsável ao cobrir esse assunto, pois trata esses fenômenos como se fossem reais quando na verdade são falsos, não resistem a uma investigação científica. Outro aspecto desses fenômenos que me incomoda é a noção de paranormalidade. Não acho que seja um conceito muito utilizável. A grande questão é se um fenômeno é verdadeiro ou não.

Por que os fenômenos paranormais têm apelo para tantas pessoas?Não tenho como responder a esta questão com precisão, mas existem

algumas evidências. Muitos sistemas complexos adaptativos buscam achar novas regularidades que não estão lá. Pessoas também fazem isso. É o que chamamos de superstição. Por outro lado, negamos regularidades que são obviamente verdadeiras. Nos dois casos, o comportamento pode ser atribuído (até certo ponto) ao medo. A superstição existe, pois há o medo humano do aleatório – a regularidade conforta os seres humanos, trazendo segurança para suas vidas. E a negação da realidade é fruto, por exemplo, do medo da morte, a qual negamos de diversos modos. Pessoas que dizem ter sido raptadas por alienígenas aparentemente desenvolvem um tipo de fantasia que domina a realidade. Não entendo como isso ocorre, e acho que nem as pessoas nem os psiquiatras entendem.

Um dos capítulos do seu livro se chama “Do aprendizado ao pensamento criativo”. Qual a diferença entre esses dois conceitos?

É possível aprender muito sem utilizar o pensamento criativo. Ele é so-mente um aspecto especial do aprendizado. Descrevo no livro, por exemplo, como funciona o pensamento criativo, explicando como me dei conta de minhas próprias idéias. O método para chegar a isso é colocar a si mesmo em um tipo de contradição entre o que você tem e o que quer – contradição que chamei de “saturação”. É o que acontece quando você tenta resolver um problema durante muito tempo, não consegue e, após deixá-lo de lado por um certo tempo, vem uma idéia luminosa. Isso vale para um artista, um cientista ou qualquer outra pessoa. Discuto no livro se é possível aumentar a velocidade desse processo de iluminação ou se devemos somente esperar que ele aconteça após a saturação. Algumas pessoas dizem que podem ensinar pensamento criativo, diminuindo o tempo para a saturação. Pode ser verdade.

Como o senhor vê o método de ensino das escolas atuais?Posso dizer que nos Estados Unidos a maioria das escolas de primeiro e

segundo graus faz um trabalho fraco. Mas temos universidades magníficas.

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O senhor acredita que as escolas são insatisfatórias por seu método ou pelo conteúdo do que ensinam?

Penso que são insatisfatórias em diversos aspectos. John Dewey, o filósofo da educação, tinha muitas boas idéias sobre o tema, distorcidas na aplicação. Ele acreditava que era muito importante despertar nas pessoas a vontade de aprender, de crescer intelectualmente. Mas a tão falada educação progressista, supostamente criada a partir desses princípios, não passa de permissiva, não cria a curiosidade.

Deve-se usar o pensamento criativo para ensinar?Devemos tentar, para ver se funciona. Existem muitas questões ainda sem

resposta sobre o tema. Não sabemos se é possível ensinar assim, por exemplo, pois é muito difícil medir o aprendizado por pensamento criativo. Talvez isso possa ser feito por meio de problemas com desenhos. Além disso, existe a grande questão de descobrir se o pensamento criativo é ensinado por um modo especí-fico de estudo e se é facilmente transferível para outras áreas do conhecimento. Por exemplo, o pensamento artístico criativo é transferível para o pensamento científico criativo ou para o matemático criativo? Não temos estas respostas ainda, mas é possível que algumas delas sejam “não”. Acho que é importante aprender até que ponto o pensamento criativo pode ser ensinado. Mas isso não é tudo de que precisamos. É necessário que no ensino convencional o aprender seja cultivado como objetivo primeiro.

O senhor foi presidente do MacArthur Foundation Committee on World Environment and Resources e, por seu trabalho em prol do meio ambiente mundial, nomeado um dos “500 globais” pelo Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas. Em seu livro, fala sobre a necessidade de conservar a natureza não somente em relação ao meio ambiente, mas sob um ponto de vista mais geral. Poderia explicar?

De certo modo, meio ambiente cobre todos os aspectos de conservação, mas acho que deve haver também a preservação dos mais diversos hábitats. Existem também os problemas globais como a mudança de clima mundial, os diversos tipos de poluição (atmosfera, água potável, oceanos), que devem ser tratados. Mas acontece que os problemas demográficos, militares, diplomáticos, políticos, sociais, econômicos, ideológicos e de informação também devem ser levados em consideração, pois interferem muito uns com os outros e com os problemas ambientais – apesar de os especialistas enfatizarem somente um ou dois. Alguns se preocupam com problemas demográficos, outros com econômi-cos, e deixam de lado os outros. Quando um big shot tem de tomar uma decisão – seja presidente de um grande país, seja de uma empresa –, precisa levar em consideração diversos aspectos e, às vezes, é necessário que tenha a colaboração de especialistas para estudar a situação. Meu objetivo era incentivar esse tipo de trabalho, ainda pouquíssimo difundido.

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O senhor escreveu também sobre a dificuldade de preservação da diversidade cultural em um mundo globalizado. Por que esta é uma missão difícil?

Pelos paradoxos e contradições que apresenta. Por exemplo, existem muitas culturas que são hostis à preservação da natureza, mas querem ser preservadas; existem culturas que são hostis aos direitos humanos, mas também querem ser preservadas; e existem aquelas que são hostis a qualquer tipo de aproxi-mação de outras comunidades. O que se pode concluir é que nem todas as culturas e nem todos os povos são igualmente passíveis da mesma atenção para a preservação, pois alguns não querem que isso aconteça. Acredito que isso nos coloque em uma contradição, pois a preservação da diversidade cultural é muito desejável.

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Juan

Est

eves

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NEWTON DA COSTA

Filósofo da Ciência

São Paulo, 28 de janeiro de 1999

Até a década de 60, a lógica não admitia contradições, mas, no início dela, o filósofo, matemático e engenheiro brasileiro Newton da Costa, sessenta e nove anos, resolveu criar uma que as admitisse. Fez a lógica paraconsistente, rompendo com a tradição aristotélica, e se tornou o mais proeminente filósofo brasileiro dos círculos acadêmicos internacionais – como de praxe, mais con-hecido no exterior do que no Brasil.

A repercussão da lógica paraconsistente surpreendeu até seu criador. A teoria encontra hoje aplicação prática em diversos campos, como informática e inte-ligência artificial, além de atrair estudiosos de diversas áreas. Alguns psicanalistas, por exemplo, vêem nela a formalização da idéia da contradição – presente, segundo Freud, no plano do inconsciente. E certos estudiosos de direito entendem a paraconsistência como um sistema capaz de viabilizar processos dedutivos a partir de premissas contraditórias correspondentes a interesses em conflito. Newton da Costa é também o único brasileiro membro do seleto Instituto Inter-nacional de Filosofia de Paris. Em entrevista exclusiva, ele fala da lógica que criou e de suas aplicações, bem como de seus estudos em fundamentos da física e teoria da ciência, e da necessidade da educação científica.

Por que o senhor criou a lógica paraconsistente?Comecei a pensar nesse assunto quando ainda era aluno de engenharia,

com vinte e poucos anos. As razões foram várias. Vou citar três delas. A primeira está relacionada aos fundamentos da matemática. No começo deste século, foram descobertos vários paradoxos nos fundamentos da matemática e, em geral, esses paradoxos são estudados e eliminados, modificando-se os princípios fundamentais da teoria dos conjuntos e da matemática. Eu me fiz a seguinte

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136 Newton da Costa

pergunta: por que não mudar a lógica e manter certos tipos de conclusões para-doxais, contraditórias, que poderiam existir desde que ficassem localizadas? Mostrei que é possível construir uma matemática muito mais forte que a usual, que contenha as outras (tradicional e fuzzy) como forma particular. Essa foi a motivação técnica. Outra razão foi que eu gostava de psicanálise e ela tem certas manipulações proposicionais que encerram contradição, como Freud já havia notado. Talvez fosse o caso de utilizar uma lógica diferente, mas, embora eu tenha pensado nesse tema, nunca o desenvolvi. Alguns psicanalistas, espe-cial-mente adeptos de Lacan, têm, aparentemente, feito isso. A terceira razão é muito simples. As grandes teorias físicas são inconsistentes, contraditórias entre si. A mecânica quântica e a relatividade geral são incompatíveis. A física parece exigir uma lógica paraconsistente.

Quais as aplicações práticas da lógica paraconsistente?Surpreendentemente, a lógica paraconsistente encontrou, no decurso de

trinta anos, as mais variadas aplicações, especialmente em informática, in-teligência artificial etc. Recentemente, por exemplo, foi construído – por José Pacheco de Almeida Prado (Unesp – Universidade do Estado de São Paulo – e Unip – Universidade Paulista – de Ribeirão Preto), Bráulio Coelho Ávila (PUC – Pontifícia Universidade Católica – do Paraná) e Jair Abe (Escola Politécnica da USP – Universidade de São Paulo – e Unip) – o robô Sofia, que utiliza um soft-ware paraconsistente baseado na linguagem “paralog”. Eu tratei da parte teórica, mas foram eles que construíram Sofia. Ela é interessante, pois permite lidar com situações em que os robôs clássicos, em geral, falham. Justamente devido à lógica paraconsistente, que é diferente. Agora, João Ignácio da Silva Filho (Unisanta – Universidade Santa Cecília) e Jair Abe estão construindo o robô Emmy (o robô já existe), que terá software e hardware paraconsistentes.

O senhor poderia dar um exemplo de uma situação em que o robô clássico falha e o que utiliza lógica paraconsistente não?

A falha ocorre quando o robô recebe informações contraditórias. Quando um robô tradicional se aproxima de uma parede de vidro, por exemplo, alguns sensores dizem que ele pode atravessar a parede e outros dizem o contrário. Nesse caso, ele não saberia como agir e, provavelmente, entraria em loop infinito, ou algo do tipo. Com a lógica paraconsistente, o robô toma uma ação sensata.

O que o robô Emmy será capaz de fazer?Ela fará mais do que os robôs baseados em lógica fuzzy, em atividade no

Japão, fazem. Ela pode manipular situações difusas, que não são bem defini-das, e também situações contraditórias. A lógica paraconsistente está muito relacionada com a lógica fuzzy que, no Japão, serve para tudo – fabricação de refrigerador, automóvel etc.

E no Brasil, existem trabalhos sendo desenvolvidos com lógica paraconsistente?

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Homens de Ciência 137

Há trabalhos interessantes na Coordenação de Programas de Pós-gradu-ação em Engenharia (Coppe) da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Unip, Escola Politécnica da USP e no Ceará. O grupo do professor Nelson Ebecken, por exemplo, tem um laboratório impressionante na Coppe que utiliza lógica paraconsistente na solução de alguns problemas.

Até que ponto as contradições são admissíveis na ciência?Essa é uma questão que me preocupa muito. A física, que é a ciência mais

precisa da natureza, apresenta inconsistências. A teoria do plasma, por exemplo, junta mecânica clássica, eletromagnetismo clássico e quantização, mas elas são duas a duas incompatíveis. A questão é: talvez com o desenvolvimento da ciência acabemos por obter uma grande teoria que sistematize isso tudo dentro da lógica clássica, de modo não contraditório e consistente. Mas isso é uma hipótese. Não sei se será assim. Talvez a ciência seja composta de vários mapas particulares que não podem ser unidos em um grande atlas (com fundamento na lógica clássica).

Como o senhor entende a Teoria das Supercordas, considerada a mais promissora candidata a grande teoria unificadora da física?

Pode ser que ela unifique a física, mas a ciência é engraçada. Amanhã, ela pode dar um passo que é incompatível com a Teoria das Supercordas. Temos a idéia de que chegaremos ao ponto em que a ciência captará todo o real e não poderá ir além. Essa é uma suposição metafísica. Não é científica. A ciência é o que ela é hoje. O futuro da ciência não se pode prever. Talvez a realidade seja formada de pedaços localmente consistentes, mas no total inconsistente. Antigamente, como só havia a lógica clássica, essa situação não poderia existir, mas agora que há outras, por que não? A priori não vejo nenhuma razão para que isso não ocorra. Só o futuro talvez consiga resolver esse problema.

O senhor também se interessa por outras áreas do conhecimento?Trabalhei muitos anos em lógica, inclusive a clássica. Não tenho nada

contra a lógica clássica, e a lógica paraconsistente não a destrói. Mas, depois de um certo tempo, enjoei de lógica. Faz quinze ou vinte anos que não trab-alho mais nessa área, somente presto assessoria. Estou que nem Sir Arthur Conan Doyle em relação a Sherlock Holmes. Todos sabiam quem era Holmes, e falavam dele, mas ninguém se lembrava de seu criador. Doyle se amolou e matou seu personagem. Holmes ficou morto por dois anos, mas foram tantas as cartas pedindo para que suas histórias continuassem, que Doyle acabou por ressuscitá-lo. É assim que me sinto com a lógica paraconsistente. Não fosse Sofia, Emmy e meus discípulos, eu talvez não me ocupasse mais dela. Além disso, tenho interesse também por lógica indutiva, fundamentos da física e teoria da ciência em geral – embora alguns filósofos achem que meu trabalho é

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ciência e não filosofia. Não aprecio muito a especulação. Ela é fútil. Geralmente sou criticado, mesmo na Europa, por não me dedicar a problemas profundos. Discorrer sobre o que está além da ciência, em sentido amplo, é muito bonito, mas não me atrai. Prefiro estudar de modo científico problemas como Teoria do Caos, incompatibilidade das grandes teorias físicas, axiomização da Teoria da Relatividade, princípios fundamentais de interpretação da mecânica quân-tica, viagem no tempo, no sentido de ser possível a existência de worm holes (bura-cos de minhoca), matéria exótica, a ficar em altas divagações. Porém não tenho nada contra quem quer divagar.

Qual a importância da busca do conhecimento, inclusive com o treinamento de novos cientistas, no desenvolvimento de um país?

Acho que não é possível um país se desenvolver sem ciência. Napoleão já dizia que se mede o nível de um país pela qualidade de sua matemática. É óbvio que um país nunca será de Primeiro Mundo sem ciência pura e aplicada. Para que haja boas universidades e bons cientistas é necessário que as universidades brasileiras, no tocante à formação de profissionais, dêem um bom conhecimento científico geral e transmitam aos estudantes a idéia de que eles terão de passar o resto da vida melhorando seu conhecimento, fazendo-o avançar. Quando eu era jovem, uma pessoa formada em engenharia podia terminar o curso, vender seus livros e exercer a profissão. Hoje, isso não tem sentido. O engenheiro, o médico, o advogado têm de se aperfeiçoar constantemente. E só existe uma maneira de fazer isso: boas universidades, com corpo docente muito qualificado, e bons cientistas e institutos de pesquisa. Se o Brasil não desenvolver a ciência, está fadado a desaparecer do mapa. Costumo dar o seguinte exemplo para os meus alunos. Você levanta de manhã e acende a luz. A lâmpada é Philips, holandesa, inventada por Thomas Edison, americano. Vai escovar os dentes, a pasta é Colgate e a escova, Tek, americanas. Liga a televisão para ver as notícias. Ela é Mitsubishi. Vai tomar café com leite. O leite em pó é Nestlé, suíço, e o café em pó também. Pega o carro, ele é Volkswagen. Tem uma dor de cabeça e toma aspirina da Bayer, alemã. Por trás de tudo isso, está o problema da educação, no sentido de preparação integral para a vida, e de dar para as pessoas uma força interior que as leve a continuar estudando e exercendo o tirocínio crítico. Se a educação não for mudada e disseminada no Brasil, e em toda a América Latina, seremos extintos. Lecionei do México à Patagônia e o problema do Brasil não é dos piores. Educação é nosso problema número um e vem desde o lar. É preciso mudar os valores, com o maior respeito aos mais velhos, a tradição etc., e fazer ver aos profissionais, principalmente os de nível superior, que a vida é um apren-dizado contínuo. Porém, mesmo com a situação adversa em que vivemos, alguns brasileiros, como Oswaldo Cruz, Teodoro Ramos, Amoroso Costa e outros, fizeram trabalhos incríveis. Imagine se o Brasil oferecesse melhores condições aos nos-sos cientistas? Quando comecei a trabalhar com lógica, há quarenta anos, era

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praticamente o único. Hoje há grupos de pessoas com projeção internacional em Recife, Fortaleza, Rio de Janeiro, Campinas, São Paulo, que publicam nas grandes revistas internacionais.

O senhor defende a importância da história da ciência...Acho que uma ciência não é, ela se constrói no decurso de sua história.

Não é possível compreender a física e a matemática, por exemplo, sem uma perspectiva histórica. Não vou entrar em detalhes, mas a ciência se modifica com o passar do tempo e, para compreendê-la, não se pode prescindir da história. Vários autores, como Thomas Kuhn, já insistiram nesse fato.

O senhor fala da busca da unidade na ciência, da procura da verdade adjacente a ela. Qual é essa busca?

Acho que por trás da ciência existe a busca por algum tipo de verdade, algo que seja constante em nossa experiência, na pior das hipóteses. E para isso desenvolvi uma nova concepção de verdade, a quase-verdade. A ciência busca esse tipo de verdade. Por exemplo, posso precisar o seguinte fato que ocorre na mecânica newtoniana. Ela foi, é e será eternamente verdadeira se as velocidades dos corpos, as massas etc. se mantiverem dentro de certos limites. Com a quase-verdade consigo precisar isso. E, embora em cada uma dessas teorias eu nunca saiba ou venha a saber se ela retrata o real, ela permite salvar as aparências. Tudo se passa como se fosse assim. É isso que ocorre com a mecânica newtoniana. A ciência não é um jogo, ela capta alguma coisa. É isso que chamo de quase-verdade. Ela é baseada na experiência pessoal da comunidade científica. Certas vezes, a quase-verdade se reduz à verdade. Por exemplo, dentro das normais usuais você está me entrevistando agora. Isso é verdadeiro e não apenas quase-verdadeiro. Mas quando você estuda mecânica do contínuo, por exemplo, assu-me que os corpos trabalhados são contínuos, mas na prática eles não são. Ela salva as aparências, mas, provavelmente, não retrata o real como ele é.

Os cientistas, em geral, reclamam bastante da burocracia nas instituições e fundações. Como o senhor vê essa situação?

A burocracia é má em relação à ciência em todos os países, mas, no Brasil, a situação ultrapassou a barreira do som. É necessário superar esse problema, minimizando a burocracia. As instituições de pesquisa brasileiras são feitas, em geral, mais para ajudar os funcionários do que os pesquisadores. Nelas, sessenta a setenta por cento da verba de pesquisa vai para salários. Em algumas univer-sidades federais, parece que essa porcentagem sobe para cerca de noventa por cento. Uma exceção honrosa é a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que não chega a gastar cinco por cento. Ela mostra que é possível ter gastos baixos com a burocracia. Mas a pior coisa que existe no Brasil, em relação à pesquisa, é a falta de amparo ao jovem cientista, fruto da má administração dos recursos provenientes das instituições e fundações.

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Prêmio Nobel de Física, 1991pela descoberta de que métodos desenvolvidos para o estudo de sistemas

simples podem ser utilizados em sistemas mais complexos, como polímeros e cristais líquidos

Divulgação

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PIERRE-GILLES DE GENNES

Esperança no Futuro

Atlanta, 26 de março de 1999

Na abertura do Centennial Meeting da American Physical Society, em Atlanta, EUA (março de 1999), um Nobel de Física não parava de falar. Con-versava animadamente com um colega ao lado e, mal foi dado o sinal de fim de sessão, atravessou a sala correndo em direção à saída. “Professor Pierre-Gilles de Gennes, gostaria de entrevistá-lo.” “Está bem.” “Quando?” “Agora. Eles estão perdendo tempo nesta sala.” Assim começou a entrevista exclusiva do Nobel de Física de 1991, Pierre-Gilles de Gennes, sessenta e seis anos.

De Gennes ganhou o prêmio por descobrir que os métodos desenvolvidos para o estudo de fenômenos em sistemas simples podiam ser generalizados para formas mais complexas de matéria, como polímeros e cristais líquidos. O conjunto de sua obra na física fez com que ele fosse chamado por alguns de seus colegas de “Isaac Newton do nosso tempo” (ele provavelmente discorda dessa imagem), por ter percebido características comuns em fenômenos em sistemas físicos diversos e por ter formulado as regras que demonstram como esses sistemas vão da ordem para a desordem.

As credenciais de Gennes falam por si só, mas ele ainda consegue ser talen-toso em uma área na qual a maioria dos seus colegas possui inabilidade notável: transmitir idéias sobre física ao público em geral. Após receber o Nobel, ele pas-sou dezoito meses indo a escolas do segundo grau em toda a França, atiçando a imaginação dos alunos com questões sobre física. As palestras viraram livro, ou melhor, um dos melhores livros de divulgação científica já escritos, Os Objetos Frágeis (editado no Brasil pela Unicamp, em 1997). Um livro escrito, segundo de Gennes, “sobre areia, mas a praia é bela e eu não me arrependo de ter ido passear nela”. Nesta entrevista, ele fala sobre essa experiência, a importância da educação científica, a outra profissão que gostaria de ter e sobre três grandes mitos colocados como verdades pela mídia: o efeito estufa, a querela embala-

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gens de plástico versus embalagens de papel e a reciclagem como solução para diminuir a poluição causada pelos plásticos.

Como foi a experiência de passar dezoito meses indo a escolas secundárias falar sobre física?

Eu ia às escolas e fazia palestras provocantes. Isso é muito difícil na França, pois os alunos são educados para não perguntar na sala de aula. Mas as per-guntas vêm e há o debate. Foi uma grande experiência.

Qual foi a importância para esses alunos de ter um Prêmio Nobel falando sobre física com eles?

Esqueça o Prêmio Nobel. As pessoas nos dias de hoje gostam de ouvir quem elas vêem na TV. Tenho estado freqüentemente na TV, logo é fácil, para mim, fazer uso desse papel estúpido. Depois das discussões, pensei que as idéias ali colocadas fossem acabar como um suflê. E não houve nada como ver, dois ou três anos depois, propostas de mudança daqueles que administram a educação, inclusive com frases semelhantes às que provoquei. Algumas mudanças já estão sendo feitas. Nas escolas preparatórias para as “grandes instituições”, como a École Politéchnique, há um teste prático que não existia antes. Isso me deu esperança, não acreditava que acontecesse.

O senhor diz em seu livro Os Objetos Frágeis que não existe crítico de ciência, embora haja crítico literário e de arte. Por que é impossível alguém exercer essa função?

Na ciência, em geral, chega-se a um consenso rapidamente, embora haja situações em que a comunidade fique dividida e não saiba o que é o certo. Lembro um caso em que um grupo de cientistas russos dizia que havia uma forma anômala de água (poliágua, uma suposta forma viscosa de água natural). Eles tinham feito experiências sobre isso. Um ano mais tarde, houve um encontro onde estavam os maiores especialistas sobre o tema. Metade dos presentes à con-ferência achava que os experimentos estavam corretos, a outra metade estava relutante. Depois de mais um ano, ficou claro que tudo não passava de uma confusão estúpida, algo como uma sujeira no tubo de ensaio. Na arte, você pode ter diferentes es-colas de pensamento e o crítico pode justificar sua posição dizendo que estava olhando de um ponto de vista que a audiência não percebia.

O senhor disse que a outra profissão que gostaria de ter seria professor primário...É uma profissão difícil, jamais disse que era fácil. Tenho uma filha que

traduzia do francês para o russo. Agora ela está virando professora primária. Acho que eles são mais criativos e eficientes do que os professores do segundo grau na França. Em certo sentido, têm mais independência, podem mais coisas. Também porque é mais fácil lidar com crianças. Quando você vai para os ado-lescentes fica muito difícil fazê-los “trabalhar”. Tenho sete filhos e sete netos, e no convívio com eles vejo como os professores primários são eficientes. Tentei

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ensiná-los a ler alguns meses antes de entrar na escola. Nada aconteceu. Três meses depois meu filho vai para a escola e, em talvez seis semanas, aprende a ler e a escrever. Respeito muito essas pessoas.

Quando e como o senhor acha que deve ser iniciada a educação científica nas esco-las?

É interessante começar a aprender a olhar e observar. E também a “fazer as coisas com as mãos”. Nossa civilização vive nas cidades e isso não é bom para aprender a observar plantas, animais, pedras, então você não manipula as coisas. Como ponto de partida, é importante trazer essas informações na escola primária. Os computadores serão cada vez mais importantes para nós, e não há por que reclamar do uso dos computadores, embora dêem uma visão muito abstrata do mundo. Você está sozinho na frente da tela. Não fala com outros humanos. É preciso aceitar isso, mas pode-se contrabalançar, dando às crianças muitas atividades – fazendo-as praticar teatro, levando-as a excursões para procurar fósseis.

O físico e matemático Freeman Dyson, professor do Instituto de Estudos Avançados de Princeton, disse certa vez que gostaria de levar seus netos para ver as estrelas como forma de mostrar que o mundo não é só a internet...

É interessante ouvir isso dele, pois Dyson é um homem altamente abstrato. Ele é incrível. Reli recentemente seu livro Disturbing the Universe (Harper & Row, 1979). É um grande livro. Muitos de nós fizemos livros suvenires, mas os livros dele são mais que isso. Ele é um escritor de verdade.

Como o senhor vê o que tem sido falado sobre o efeito estufa (descongelamento das calotas polares e conseqüente submersão das regiões continentais de baixa altitude)?

Por um lado, estou convencido da importância de colocar dinheiro em pesquisas climáticas, porque problemas reais poderão vir no futuro. Entretanto, não acho que as previsões feitas hoje sejam confiáveis. As incertezas podem ser de vinte por cento e, para coisas que realmente importam, uma incerteza de um e meio por cento já afeta. É muito perigoso fazer previsões firmes sobre o futuro. Algumas vezes climatologistas são um pouco bobos, ansiosos para mostrar seu trabalho. Fico no meio do caminho. Não acho que devamos pôr muita ênfase na pesquisa atual, mas devemos dar dinheiro a eles para o futuro.

E o gás carbônico? Qual a importância dele para o efeito estufa?Não sabemos qual sua importância. Pode ser que seja importante. Na re-

alidade, as previsões são difíceis por três motivos. Primeiro, o principal efeito estufa é devido à água e o efeito do CO

2 é uma correção ao causado pela água,

acoplado de forma sutil. Em segundo lugar, seria preciso conhecer melhor o efeito do gás carbônico presente nos oceanos. Sabemos que os oceanos contêm grandes quantidades de gás carbônico em solução, mas não sabemos muito

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sobre a natureza do equilíbrio entre o gás e os oceanos. Em terceiro, os modelos utilizados em 1994 para prever o clima futuro não são capazes de restituir nem o clima atual. O que acho triste é que existam tão poucas fontes alternativas de energia. Continuamos a queimar óleo e temos medo da energia nuclear, embora os problemas do óleo sejam maiores hoje. Isso tudo é sentimental e espero que possamos fazer algo sobre isso. Não defendo a energia fóssil nem a nuclear, somente desejo que o público possa atingir uma maturidade científica para entender as implicações do debate.

Qual a importância da educação científica para a sociedade?Todo cidadão deveria ter certa educação científica formal, pois no futuro

nossos filhos terão de tomar decisões sobre fontes de energia, problemas de poluição, provavelmente problemas relacionados à manipulação de material humano, como a clonagem, e problemas do cérebro. É importante que eles tenham noção da ordem de grandeza. O que é importante e o que não é. O que é caro e o que não é. Qual o real preço de toda essa operação antipoluição? Ela é razoável? O que eu gostaria de ver é uma educação que fosse menos mate-mática e pudesse ser entendida por toda a sociedade.

Como o senhor vê a reciclagem de embalagens plásticas?Algumas vezes ela é adequada, mas em muitos casos é muito cara. Em

muitas aplicações o melhor é queimar o plástico, como no caso do polietileno. Coisas como essa não trazem nenhum mal. Essa solução é muito melhor do que tentar reciclar esse plástico. No caso dos cloretos de polivinila, queimá-los é uma operação muito delicada, pois você pode mandar compostos clorados para a atmosfera. Na maioria dos casos, a reciclagem oferece algo que é caro e não muito bom. Ou seja, é insatisfatório. Então a sociedade adotou os biode-gradáveis. Eles são muito bons para um fazendeiro que tem uma grande área disponível. Ele pode deixar uma folha de plástico biodegradar ali, mas para a situação que se vê em torno das cidades não há esperança. Não há terra suficiente para fazer isso. Por isso não acredito nos biodegradáveis. Há os fotodegradáveis (decompostos pela luz do sol). No momento são caros, mas eu poria alguma esperança neles.

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Divulgação

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RICHARD DAWKINS

Os Versos de um Poeta do Laboratório

São Paulo, 27 de outubro de 2000

Paixão e ódio são os dois sentimentos que o biólogo evolucionista Richard Dawkins, nascido em Nairóbi em 1941, tem despertado em sua carreira científica e de divulgador da ciência. Alguns o consideram um darwinista extremado, de visão reducionista intransigente e dogmática, outros, um defensor da ciência que não tolera falta de rigor no pensamento alheio – a teoria do equilíbrio pontuado do também biólogo evolucionista americano Stephen Jay Gould é um de seus alvos mais conhecidos. Na literatura científica também polemizou com seu primeiro livro, o best seller O Gene Egoísta (de 1976, reeditado pela Itatiaia em 1997), ao propor que cada gene luta pela sua sobrevivência e não em favor do organismo. Seu último livro, Desvendando o Arco-Íris (Companhia das Le-tras, 2000), acaba de sair no Brasil. Em entrevista de sua sala na Universidade de Oxford, Inglaterra, Dawkins fala da relação entre poesia e ciência (o tema principal do livro), das limitações da ciência, da pseudociência e da teoria do equilíbrio pontuado de Gould.

O senhor inicia o seu livro dizendo que vamos todos morrer, e isso nos faz sortudos, pois a maioria das pessoas nunca vai morrer, já que nunca nascerá. Por que é tão difícil nascer?

Não é difícil nascer. É como ganhar na loteria. Alguém tem de ser o vence-dor. Somos todos vencedores da loteria por definição, pois estamos aqui.

Para o senhor a ciência inspira a poesia?Muitos poetas, durante muito tempo, não perceberam a rica fonte de inspi-

ração oferecida pela ciência. Cientistas transformam o modo como pensamos o universo. Não é o universo sem palavras um tema que vale a pena? Por que um poeta deve celebrar somente pessoas e não o lento movimento das forças naturais

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que as fazem? (John) Keats reclamou que Newton destruiu a poesia do arco-íris ao explicá-lo. De forma geral, para um jovem poeta romântico, a ciência era a estraga-prazer. Mas mistérios não perdem sua poesia quando resolvidos. Pelo contrário, a solução freqüentemente se mostra mais bonita que o problema e, de qualquer forma, quando você resolve um mistério, cria outro. Afirmar que a ciência inspira a poesia é um dos propósitos desse livro.

Mas ciência é arte?Quando contemplo galáxias, Teoria Quântica, evolução ou tempo geológico

acho que sou movido de uma forma que um poeta iria reconhecer. Isso não quer dizer que eu escreva poesia. Não sou capaz, mas acho que a grande ciência é muito semelhante à grande arte. E será mais apreciada se mais pessoas a virem como poesia, arte ou música.

O senhor diz que todas as nossas percepções do mundo são um tipo de realidade virtual restrita, construída dentro do cérebro. Se vivemos em um mundo de realidade virtual, como podemos, como cientistas, estudar o mundo real?

Acho que a ênfase deveria ser dada à palavra restrita. Na sua questão há um tipo de realidade virtual restrita construída no cérebro. Essa restrição é muito importante, pois é restrita a um sonho constante vindo do mundo real. Não é que vivemos em um mundo de fantasia construído totalmente pela imaginação. Ele é construído, regulado, modificado pelas informações vindas dos sentidos. Existe uma relação entre a realidade lá fora e a nossa. Foi sugerido que esse conceito é um tipo de hipótese científica. Quando olho e vejo o que penso ser uma árvore do lado de fora da minha janela, construo uma realidade virtual da árvore na minha cabeça. O que é uma hipótese de que ela é uma árvore, mas como toda boa hipótese científica ela é constantemente testada. Essas informações estão vindo a todo momento dos meus olhos. Se a hipótese da árvore estiver errada, meu cérebro vai rejeitá-la e não mais a verei como uma árvore.

Os governos fazem leis para proteger seus cidadãos contra produtos que dizem fazer mais do que fazem, mas toleram a pseudociência. No Brasil, por exemplo, nos últimos dias do ano astrólogos dizem o que espera o país no ano seguinte. Como o senhor vê essa incongruência?

Gostaria de ver o governo fazer isso. Podemos ver esse tipo de atitude ainda mais claramente com remédios. O fabricante não pode dizer que o remédio vai curar dor de cabeça a não ser que isso seja provado. Mas no caso de um remédio homeopático ou outro não-ortodoxo, o fabricante pode alegar qualquer coisa. É competição injusta, pois quando as pessoas vão à farmácia comprar pílulas para dor de cabeça, elas ficam frente a frente com dois tipos de pílulas. Gostaria de ver isso parar, de ver leis nas quais todos os remédios fossem submetidos aos mesmos procedimentos. Mas suspeito que os homeopáticos não passariam no teste duplo cego (em que se dá para metade de um grupo o medicamento a ser

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testado, enquanto a outra metade toma placebo, sem que nenhum dos grupos saiba quem tomou o quê).

O senhor é o primeiro Professor Charles Simonyi para o Entendimento Público da Ciên-cia de Oxford (Professor for the Public Understanding of Science) e tem dado palestras em todo o mundo sobre ciência. Como está o nível de conhecimento científico das pes-soas?

Suponho que dependa do país. Nunca visitei o Brasil, para minha tristeza. Na Inglaterra e nos Estados Unidos há muito entendimento errôneo. Pesquisas feitas na Inglaterra mostram que grande parcela da população acredita que o Sol gira em torno da Terra, que os humanos viveram na mesma época dos dinossauros, que antibióticos podem matar vírus. Algo como trinta por cento ou mais da população acredita em conceitos absolutamente errados.

Mas por que é tão difícil entender a ciência?Não é somente dificuldade. Há também uma grande inabilidade por parte

das pessoas em lidar com probabilidades. A grande preocupação dos artigos sobre ciência na Inglaterra é o risco. As pessoas se preocupam com os orga-nismos geneticamente modificados que elas pensam que podem contaminá-las. Ou sobre alguma doença que pode vir do oeste da África e contaminar todos os Estados Unidos. Mas elas não percebem que fumar cigarro é um risco muito maior. Acredito que as pessoas não foram ensinadas a pensar sobre probabi-lidades.

A visão cética do mundo tem sido criticada como um tipo de dogmatismo. Como o senhor vê isso?

Existe esse perigo e devemos estar atentos a ele. O importante é não rejeitar automaticamente nenhuma idéia nova, mas examinar crítica e cuidadosamente as evidências. É verdade que muitas das mais importantes idéias modernas começaram como idéias não-ortodoxas. Isso leva, conseqüentemente, à idéia errônea de que todas as idéias vão um dia se mostrar corretas. A grande dificul-dade é distinguir qual. E a única forma de fazer isso é olhar as evidências. Eu nunca rejeitaria automaticamente uma idéia nova.

Desde Newton, as leis da ciência têm nos mostrado que a natureza se comporta de forma contra-intuitiva. O senhor acha que a mente humana está preparada para lidar com o conhecimento científico como a física quântica?

A física quântica é muito difícil para a mente humana. Não somente para pessoas não treinadas em física como eu, mas também físicos teóricos do primeiro time acham difícil visualizar o que acontece no mundo quântico. Eles podem visualizá-lo matematicamente, todavia muitos acham difícil fazê-lo ter sentido. Há limitações que podem ser entendidas nos termos da discussão que estávamos tendo, limitações nos tipos de modelos de construções do mundo

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que a mente é capaz de fazer. A mente pode construir somente um número limitado de modelos em relação aos modelos que teve de construir no nosso passado ancestral. Coisas que a teoria quântica demanda, como uma partícula estar em dois lugares ao mesmo tempo, não é algo que nosso cérebro seja capaz de imaginar.

Mas e as outras áreas da ciência? O senhor acha que o nosso cérebro é equipado para lidar com elas?

Acho que a Teoria da Relatividade não é tão difícil quanto a Teoria Quân-tica. Mas as pessoas têm dificuldade em entender que a Terra se move, pois ela parece estar parada. Têm dificuldade em entender que, se você está de pé na Austrália, sua cabeça está na direção contrária em relação a você de pé na Inglaterra. Nossos cérebros não estão equipados para lidar com a idéia de que a gravidade puxa para o centro da Terra. E as pessoas pensam o para baixo como algo absoluto em vez de algo em relação ao centro da Terra.

Então precisamos de algum tempo para lidar com as descobertas científicas?É uma questão interessante. Meu exemplo da Austrália sugere que preci-

samos de séculos.

Se a sua teoria dos memes (termo cunhado por Dawkins, significando que idéias, com-portamentos ou estilos se espalham por replicação de uma pessoa para outra) estiver correta, as pessoas entenderão.

A Teoria Quântica já tem setenta ou oitenta anos, e as pessoas ainda não a entendem.

O senhor afirma que o principal interesse pelos memes é o fato de haver, no mínimo, a possibilidade teórica de uma real seleção natural darwiniana entre eles, similar à que acontece com os genes. O senhor vê essa possibilidade como real ou ela é somente um exercício acadêmico?

Acho que a chance é de cinqüenta por cento. Quando sugeri pela primeira vez a palavra memes, fiz isso como uma brincadeira. Com o passar do tempo, outros, especialmente Daniel Dannett e Susan Blackmore, avançaram com a idéia, e acho que eles acreditam que os memes são importantes na formação da mente humana e na evolução. Eu acho os argumentos deles muito con-vincentes, mas, no momento, estou sentado enquanto olho outros avançarem com a idéia.

O senhor afirma que muitos críticos não dão atenção a uma questão importante de seu livro O Gene Egoísta: o fato de que os genes, embora de maneira totalmente egoísta, formam ao mesmo tempo cartéis de cooperação entre si. Como um gene pode ser egoísta e não-egoísta ao mesmo tempo?

Os genes que agem no mundo são aqueles que realmente ficam mais nu-merosos. Esses são os genes egoístas no sentido estrito. Mas o ambiente onde

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eles fazem isso é dominado por outros genes. Conseqüentemente, os genes que se relacionam bem com outros genes são aqueles que cooperam melhor, aqueles que egoisticamente se saem melhor.

O senhor chamou a Teoria do Equilíbrio Pontuado, de Stephen Jay Gould, de “má ciência poética”. Ela é também má ciência?

Não chamaria a teoria de má ciência nem de má ciência poética. O que eu disse é que, na forma que Jay Gould a usa, com a sua linguagem, ele confunde as pessoas entre pelo menos três teorias. Primeiro, gradualismo rápido, a idéia de que a evolução avança, algumas vezes, muito rápido, mas ainda leva dez mil anos para espécies aparecerem. Isso é tão rápido para o registro fóssil que parece instantâneo. Esse é o verdadeiro equilíbrio pontuado. Ela é confundida com a macromutação, que é uma simples mutação pela qual um filho pertence a uma espécie diferente da de seus pais. Essa é outra coisa cientificamente válida que pode acontecer e é diferente do verdadeiro equilíbrio pontuado. Ela é também confundida com uma terceira teoria: extinções em massa. Quando os dinos-sauros foram varridos da Terra e os mamíferos apareceram em seu lugar, houve uma grande e repentina mudança na evolução. Muitas pessoas confundem isso com equilíbrio pontuado. Temos aqui ao menos três teo-rias totalmente separadas, não conectadas, tipos de saltos na evolução. É má ciência poética ligar essas três teorias somente porque elas têm algo superficial em comum. Foi isso o que quis dizer com “má ciência poética”, mas cada uma delas poderia ser boa ciência.

Por que o senhor disse “poderia ser boa ciência”?Porque não acredito, por exemplo, que a macromutação vá ser muito im-

portante, mas é uma teoria interessante e, se você achar evidências, ela ainda poderá se transformar em uma boa teoria.

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Marcos Alves / imagem

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ROBERTO SALMERON

O Caçador de Partículas

São Paulo, 11 de agosto de 2000

O físico Roberto Salmeron, setenta e oito anos, faz parte de uma geração de cientistas que pensou a universidade e o ensino brasileiro da maneira mais democrática possível. Por defender esses princípios foi obrigado a optar pelo exílio, numa época em que o autoritarismo do regime militar e a miopia das autoridades civis impediam qualquer tentativa de desenvolvimento da pes-quisa básica e das ciências voltadas para a sociedade. Mas a excelência de seu trabalho na área da física de partículas levou-o a superar obstáculos, enfrentar com serenidade o afastamento de sua terra e a constatação do efeito traumático desse corte em suas raízes, tudo em nome do trabalho.

Se não podia desenvolver seus projetos no Brasil, que fosse então buscar apoio em qualquer região do planeta. Mas, mesmo distante, Salmeron jamais deixou de lutar por mudanças na área do saber que considerava e considera fundamentais para o Brasil. No exterior, trabalhou vários anos no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares, o Cern, na Suíça, onde participou dos primei-ros experimentos sobre a libertação dos quarks-glúons e, no período de 1985 a 1989, integrou a equipe de consultores que indicava nomes à Aca-demia Sueca para concorrer ao Prêmio Nobel de Física. Aposentou-se como diretor de pesquisa emérito da École Politechnique de Paris, uma das mais concei-tuadas escolas de engenharia do mundo. Fora do Brasil desde 1966, o cientista passou recentemente alguns dias em São Paulo e aproveitou para conceder esta entrevista.

Em sua memória, a invasão dos militares e a expulsão dos professores da Universidade de Brasília (UnB) ocupam um espaço especial. Salmeron agora volta ao tema, mas com outra abordagem, e discorre sobre as conseqüências da repressão para a ciência brasileira, a qualidade da ciência feita no Brasil, a formação educacional científica da população e as possíveis descobertas no

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campo da física de partículas. Por exemplo, atualmente continua pesquisando os segredos da chamada partícula-mãe, que poderão explicar vários fenômenos relacionados à busca da origem do universo.

O senhor era coordenador-geral do Instituto Central de Ciência e Filosofia da Universidade de Brasília quando se demitiu com mais duzentos e vinte e dois professores, em outubro de 1965. O que o levou a essa atitude?

A situação na Universidade de Brasília se tornou insustentável, pois não havia mais nenhuma segurança. Não havia condições para trabalhar nor-mal-mente. A universidade era vigiada de modo patológico. Eu queria chamar a atenção para o fato de que nós, professores, procurávamos as outras unidades do governo, os serviços militares, para explicar o que fazíamos na universidade e para que eles vissem que não havia nenhum ambiente diferente em relação às outras universidades. Apesar disso, não éramos ouvidos. Então, colegas eram demitidos, e você não pode permitir que o seu colega seja demitido por nada e aceitar isso indefinidamente. Não podíamos, mas isso significava partir. Outra coisa impressionante neste caso da Universidade de Brasília é que não houve nenhum plano de partida, de demissão. Não foi uma coisa estudada. Cada um já estava sentindo que não agüentava mais aquilo, que queria ir embora. De maneira que quando o grupo de coordenadores dos institutos comunicou que partiria, os outros professores decidiram partir espontaneamente.

Por que a perseguição à UnB?Por razões históricas. Porque as pessoas que foram envolvidas nas idéias

e na fundação da Universidade de Brasília eram consideradas persona non grata pelo governo. Por exemplo, o pai das idéias sobre a Universidade de Brasília foi Anísio Teixeira. Ele era o reitor da universidade quando houve o golpe de 64, e foi demitido. Agora, a vida inteira, o Anísio Teixeira, que foi um grande batalhador pela educação no Brasil, se colocava numa situação de cem por cento democrata, defendendo o ensino público, a escola gratuita, a escola para todos. E, devido a essa atitude, ele era perseguido. Quer dizer, havia gente que pensava que, por trás disso, ele tinha idéias políticas revolucionárias. O segundo homem muito visado era o próprio Juscelino Kubitschek, que propôs a lei para a criação da Universidade de Brasília. O terceiro era o João Goulart, que assinou a lei. E o quarto, Darcy Ribeiro, que tinha se tornado um homem político, aliado de Goulart, e que acabou exilado. Além disso, naquela época havia muita gente, muitas autoridades que não gostavam da idéia de uma uni-versidade em Brasília, na capital da República. Eles não queriam estudantes nas proximidades do governo. Acho que esses acontecimentos tiveram uma influência geral no país do ponto de vista moral. Todos viram que isso podia acontecer, que aquela perseguição poderia acontecer em qualquer lugar. Isso

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criou uma desconfiança no meio universitário, tanto nos docentes como nos estudantes, em relação à situação do país.

Entre as pessoas que foram para a Universidade de Brasília estão vários cientistas brasileiros da sua geração. O que atraiu tantos bons cientistas para a UnB?

As estruturas das universidades ainda eram arcaicas, e a UnB começou a montar uma nova estrutura de ensino. Ela dava a possibilidade a muita gente competente de ter uma função universitária, de se expandir, o que não acontecia nas outras universidades. Por exemplo, o físico Jaime Tiomno, antes de ir para Brasília, era assistente no Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras no Rio de Janeiro. Um cientista que já tinha uma estatura internacional e ainda era assistente. Além disso, como as primeiras pessoas que foram para Brasília eram de alto nível, isso atraiu outros pesquisadores.

Que conseqüências esse episódio trouxe para a ciência brasileira?O Brasil, em certos setores da ciência, perdeu uma geração inteira com a

ditadura. Brasília foi o episódio mais marcante, mais grave. Acho que todos os universitários brasileiros ficaram sensíveis ao que aconteceu lá. Em outros lugares também pessoas saíram ou foram expulsas e isso prejudicou muito a ciência brasileira. Em certos setores, perdemos vinte anos de toda uma geração, período em que não se fez nada. A física de partículas elementares e vários setores da física teórica moderna pararam.

Por que o senhor nunca voltou ao Brasil?Quando pedi a minha demissão na Universidade de Brasília, eu não queria

ir para o exterior. Acontece que fiquei cinco meses desempregado. Eu não tinha onde trabalhar. Eu fui com o Jaime Tiomno a outros lugares no Brasil e fizemos contato naquela época com a Universidade da Bahia e com a Universidade de Minas Gerais, para ver se podíamos ir trabalhar com os nossos estudantes por lá. Iriam todos os químicos, todos os físicos, todos os matemáticos de Brasília. Estávamos todos juntos. Mas isso não foi possível porque a situação política da época era tal que havia pressão do governo federal em tudo. Fiquei desem-pregado até ser convidado para voltar ao Cern. O que aconteceu na Univer-sidade de Brasília era conhecido no exterior. Os jornais na França, na Suíça, publicavam que o Exército havia invadido a universidade. De maneira que, lá no Cern, os meus amigos e os diretores do instituto sabiam mais ou menos o que estava acontecendo. Além disso, eu tinha, trabalhando comigo em Brasília, um engenheiro do Cern. Quando nos demitimos, ele voltou para Genebra e pôde contar detalhes da situação ao diretor do Cern. Esse diretor me enviou um contrato para eu voltar a Genebra. Como era um homem de muita experiência, não mandou o contrato pelo correio. Fez isso pela Embaixada da França, pela mala diplomática, e o contrato me foi entregue em mãos, em minha casa, em Brasília. Um contrato já assinado, dizendo “você pode voltar, já está assinado

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por mim”. Eu ainda fiquei com esse contrato três meses antes de me decidir a voltar. Depois voltei para o Cern e lá eu poderia trabalhar outra vez. Discutindo com a minha mulher a situação da família, dos filhos – tínhamos três filhos –, decidi, então, aceitar a proposta de ir para Paris. Pesou muito na decisão a educação dos filhos, o fato de eles poderem ser educados em uma cidade de grande movimento intelectual como Paris. Quando saí da UnB, tinha a idéia muita clara de que eles, os militares, iam ficar no poder por pelo menos vinte anos. Nestas condições, com minha mulher, decidimos educar nossos filhos, até que eles terminassem a universidade, na França. Foi isso que fizemos. Não tinha segurança em voltar, e fui ficando lá. Acabei ficando fora do Brasil porque, na época em que eu poderia ser útil, não tive chance.

O senhor pretende voltar a morar no Brasil?Não, isso não passa pela minha cabeça. Na minha idade, eu já não posso

fazer muita coisa aqui. E há também uma nova geração de cientistas muito competente aqui. Não precisam de mim. Agora, com a experiência que tenho, se eu puder ser útil, é claro que será um prazer colaborar.

O que ainda há para descobrir na área da física de partículas?Temos a esperança de descobrir coisas bem fundamentais. Sabemos, pela

Teoria da Relatividade, que uma energia pode criar uma massa. Então é da en-ergia que provém a massa das partículas que são criadas. Se você tem um próton em alta energia que faz uma colisão com outro próton, nesta colisão podem ser produzidas dez, vinte ou trinta outras partículas, dependendo da energia. Essas partículas têm massa, logo a massa delas vem da energia do próton ini-cial. Agora, se você examinar um fenômeno físico em detalhe, como é que essa partícula é produzida? O que pensamos hoje, e que é muito aceito, é que deve haver uma partícula-mãe, chamada partícula de Higgs, em ho-menagem ao físico escocês que propôs isso. Outro problema importante é a unificação das quatro forças fundamentais. Para isso, fazemos uma série de hipóteses teóricas, mas elas pedem às vezes a existência de partículas que ainda não foram desco-bertas, criando também um grande interesse para ver se essas partículas real-mente existem. Quer dizer, o processo ainda não acabou. Em relação à partícula de Higgs, temos duas conseqüências importantes. Primeiro, entenderíamos o mecanismo íntimo de criação de partículas. Segundo, isso mostraria que a teoria que nos levou até ela seria correta. Em relação à unificação das forças, teríamos algumas equações que ainda não são conhecidas. Hoje não podemos prever que conseqüências teríamos aplicando essas equações.

O senhor é adepto da Teoria das Supercordas como uma teoria possível para a unificação das quatro forças fundamentais da natureza, a força nuclear forte, fraca, eletromagné-tica e gravitacional?

Não se trata de ser adepto ou não ser adepto. A gente tem de analisar a

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teoria friamente. Mas o que eu acho muito desconfortável nela é que ela não tem nenhum poder de previsão. A Teoria das Supercordas é uma teoria que tende a explicar tudo, mas não há nenhum trabalho, baseado nela, que diga “baseado nesta teoria, se você fizer tal experiência, você deve encontrar tal resultado”. Isso não existe. É muito abstrato. Eu, como físico experimental, fico insatisfeito com esse tipo de teoria.

Como o senhor vê a política do governo em relação à ciência, em comparação com a França?

A ciência brasileira está progredindo muito. E em vários setores já tem um peso na ciência internacional. Mas falta realmente uma política científica global, com prioridades. Em países avançados da Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, existe uma revisão da situação científica internacional perma-nente. Eles estão sempre comparando o que fazem no país com o exterior, vendo quais serão os assuntos importantes nos próximos quatro anos. Aliás, nesses países há comitês com essa função. Na França, que é o país que conheço melhor, há poucos meses houve uma reunião de ministros com um comitê de cientistas para definir prioridades para os próximos dez ou quinze anos. Ficou decidido que três ciências terão prioridade: as ciências da vida (medicina, biologia, genética), as ciências da informação (informática e informação, de uma forma geral, com o apoio da matemática) e as ciências humanas (evolução da socie-dade, violência, educação).

E a educação científica do leigo no Brasil?O que vejo é que, em todos os países, a cultura científica é baixa. Nos Estados

Unidos, por exemplo, a cultura científica do americano é baixa em relação ao nível da ciência. Na França, a mesma coisa. Mas, no Brasil, é muito mais baixa, porque já é conseqüência do nível cultural médio da nossa população. Quantas pessoas no Brasil têm o hábito da leitura? Pouquíssimas. Na França, as crianças são estimuladas a ler. Já há livros de história preparados para elas. Aqui no Bra-sil também há, mas é uma minoria que tem acesso. E a educação científica tem de começar na escola. Falar sobre ciência para o leigo é muito difícil. Einstein escreveu um livro que se chama A Evolução da Física (Rio de Janeiro: Zahar, 1980). Lá ele expressa essa dificuldade de falar para o leigo: “Quando a gente quer fazer divulgação científica, deve-se sempre contar a verdade, mas não demais”. Isso significa que tem de escrever corretamente, mas, se você quiser entrar em detalhes demais, aí o leitor fica perdido. Então é difícil.

O senhor é pesquisador emérito da École Politechnique. Em que o senhor está trabal-hando?

Oficialmente, eu estou aposentado. A última experiência que fiz se relaciona com o big-bang. Tentamos reproduzir o fenômeno em laboratório. Sabemos há muitos anos que as partículas hádrons, como o próton, o nêutron e todos

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os mésons, são constituídas de quarks, antiquarks e glúons, mas nunca conse-guimos isolá-los. Há uma hipótese que diz que se você colocar muitos prótons e muitos nêutrons juntos, comprimindo-os a uma grande densidade, eles podem se arrebentar, e os quarks e os antiquarks saem. Você ficaria com uma espécie de sopa de quark-glúons. Isso tudo se passa num tempo muito curto. Depois disso, os prótons e nêutrons se recompõem e fazem outras partículas. É estudan-do essas outras partículas que você pode saber se essa sopa de quark-glúons existiu ou não. Então eu propus uma dessas experiências, que continua em andamento e que estuda a produção de uma partícula chamada pi, a letra grega, formada de dois quarks e dois antiquarks. No Cern fizemos muitas experiências. Agora, nenhuma dessas experiências provou individualmente que o fenômeno da sopa de quarks existe. A situação atual é que, se você pegar o resultado de várias experiências, cinco ou seis, elas estão na direção que se espera, que o fenômeno existe. Mas isso não aconteceu ainda.

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FourEstate

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SIMON SINGH

A Ciência de Não Ser Compreendido

São Paulo, 10 de março de 2000

Após trabalhar alguns anos no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern) pesquisando o top quark, o físico Simon Singh, trinta e cinco anos, resolveu ir para trás das câmeras. Em 1997, viu-se diante de um desafio: fazer um documentário para a BBC sobre o último teorema de Fermat, um prob-lema que desafiou a mente dos matemáticos mais brilhantes durante mais de trezentos e cinqüenta anos e foi finalmente resolvido pelo matemático inglês Andrew Wiles em 1996. O assunto – Wiles necessitou de mais de mil páginas de equações para demonstrar sua solução – parecia pouco dado a uma apre-sentação popular, mas Singh transformou-o em um belo documentário da série Horizon. Com o sucesso, o documentário virou livro, O Último Teorema de Fermat (Record, 1999). Um best seller mundial traduzido para várias línguas, entre elas francês, alemão, italiano, espanhol e português. Dois anos depois, em 1999, Singh escreveu seu segundo livro, The Code Book (Doubleday, 1999), no qual conta a história da criptografia, da Roma Antiga até a criptografia quântica. Novamente um best seller na Inglaterra e nos Estados Unidos, o livro lança também um desafio aos leitores. Aquele que conseguir solucionar os dez estágios de criptografia propostos no final do livro leva quinze mil doláres. (Em outubro de 2000, uma equipe de cinco suecos especialistas em criptografia conseguiu vencer o desafio e levou o prêmio.) Em entrevista exclusiva, Singh fala da importância da criptografia, dos homens que trabalham com ela e do projeto secreto Echelon, que reúne vários governos na interceptação de dados considerados perigosos à segurança nacional.

Por que o senhor decidiu escrever um livro sobre a história da criptografia?Meu livro anterior, O Último Teorema de Fermat, tinha um capítulo sobre

criptografia. Isso me fez ficar interessado em expandi-lo. Quando comecei a

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pesquisar, percebi que este era um assunto que tinha uma longa história, que continha algumas belas idéias práticas e que tem um impacto hoje muito maior do que em qualquer outra época.

Qual o impacto da criptografia hoje?Se escrevo algo no meu diário, uma carta de amor, ou um plano militar, é

importante que esteja codificado, para que ninguém mais possa ler a não ser a pessoa a quem o texto é destinado. A diferença é que hoje escrevemos mais do que nunca. Vivemos na era da informação. Escrevemos cartas, e-mails. Falamos ao telefone, ao celular. Fazemos videoconferências. Quanto mais nos comuni-camos, mais informações trocamos e mais precisamos da criptografia para que essa informação seja transmitida de forma segura. Há dez anos, se eu quisesse pagar uma conta, tinha de ir ao banco. Hoje não. Há cem anos, eu estava seguro em casa. Hoje minha casa está conectada ao mundo por telefone, internet, TV a cabo. Tudo isso me conecta ao mundo. Em teoria, as pessoas podem ver o que estou escrevendo, podem ler o meu e-mail, minha conta bancária. Para nos proteger dessa possibilidade, usamos criptografia.

Em seu livro, o senhor coloca a seguinte pergunta em relação à criptografia: “O que nós valorizamos mais, nossa privacidade ou uma força policial realmente efetiva?” O senhor acha que temos de escolher entre os dois? Não existe a possibilidade de se chegar a um meio-termo?

Toda a história de fazer e quebrar códigos através dos séculos tem sido uma batalha entre essas duas forças. Hoje os criadores de códigos estão ganhando a batalha. Temos códigos, efetivamente, inquebráveis. Isso é bom para mim e para você. Nós queremos ter privacidade. Somos pessoas honestas. Se quisés-semos ter certeza de que ninguém está ouvindo esta entrevista, poderíamos encriptar as linhas telefônicas ou nosso e-mail. Nós gostamos da encriptação, pois ela mantém nossa privacidade. Ela também é boa para o comércio ele-trônico, pois garante que números de cartão de crédito, por exemplo, possam ser transmitidos com segurança. Mas, se somos traficantes de drogas e estamos negociando a exportação de cocaína, por exemplo, a encriptação serve para evitar que a polícia nos descubra. Na década de 60, uma das razões para o aumento da escuta telefônica foi que a polícia não conseguia fazer com que as pessoas testemunhassem contra a máfia. As escutas eram uma forma de colocar o problema da máfia em evidência. Hoje, se esses grupos usam encriptação, as organizações perdem uma arma vital no combate a esse tipo de crime. O desafio para políticos e criptografistas é criar um sistema que proteja nossa privacid-ade, mas que não permita aos criminosos abusar da tecnologia existente. No momento, este é um grande debate.

Seu livro também fala muito das pessoas que trabalharam ou trabalham com criptografia. Que tipo de pessoa o senhor encontrou trabalhando nessa área?

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São pessoas com uma combinação interessante de habilidades. Eles são dedicados e criativos, além de terem habilidades específicas, como uma capa-cidade muito desenvolvida para a linguagem. O impacto de criar ou quebrar um código é enorme. Muitas vidas foram perdidas e salvas por causa de códi-gos, mas acho que as pessoas que trabalham nessa área são somente pessoas curiosas. Elas adoram charadas, amam resolver problemas.

Alguma das histórias do livro o impressionou mais?A história da descoberta de uma chave pública de criptografia pelos

britânicos. A ciência da criptografia é uma ciência secreta e freqüentemente o que está sendo feito na área não pode vir a público durante anos. Essa história apareceu somente quando eu estava escrevendo o livro, e mostra um segredo guardado por vinte e cinco anos. Foi a maior descoberta da história da crip-tografia. Alguns anos antes de os americanos criarem uma chave pública de encriptação, matemáticos britânicos, trabalhando em segredo nos Quartéis-generais de Comunicações do Governo (GCHQ), fizeram a mesma descoberta. A história não veio à tona devido à sua importância militar. A descoberta de James Ellis, Clifford Cocks e Malcolm Williamson, os criadores desse código, foi contada pela primeira vez no The Code Book. Sinto-me orgulhoso de ter feito isso. O trabalho dos britânicos não diminui a descoberta feita pelos america-nos da chave pública de encriptação. Além disso, se Ron Rivest, Adi Shamir e Leonard Adleman (a sigla RSA vista em muitas das páginas seguras na Internet são as iniciais dos sobrenomes dos três) não tivessem feito sua descoberta, o GCHQ nunca teria vindo a público para contar sua história.

No livro o senhor fala do sistema Echelon, um consórcio que rastreia telefo-nemas, e-mails e fax e inclui vários países, entre eles Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia. O senhor concorda com esse tipo de controle?

Eu moro em Londres e fico preocupado com terrorismo, tráfico de drogas. O Echelon rastreia as conversas dessas pessoas. O problema é que o Echelon rastreia também a minha conversa. Eles podem rastrear o que estamos falando agora, por exemplo. É importante dizer que o Echelon rastreia palavras prede-terminadas. Se digo a palavra “Clinton”, a palavra “assassinar” e a expressão “terrorismo islâmico”, talvez o Echelon vá ouvir nossa conversa, pois estamos falando palavras que ele reconhece como potencialmente perigosas.

No final de seu livro, o senhor fala da criptografia quântica, uma criptografia inquebrável mas que ainda não existe. O senhor acredita que ela estará disponível em breve?

A criptografia que temos hoje já é inquebrável. A criptografia quântica é mais cara e mais complexa do que ela e não precisamos usá-la. Se um dia alguém conseguir quebrar a criptografia que temos hoje, então talvez usemos a cripto-grafia quântica para comunicação entre governos ou entre militares.

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Seus dois primeiros livros são best sellers e foram recebidos com entusiasmo pela crítica e pelo público. O senhor já está pensando em um novo livro?

Acabei de publicar The Code Book e ainda estou trabalhando em sua di-vulgação. Não sei se haverá um próximo livro. Eu era físico e larguei a física. Não tinha nenhuma idéia do que ia fazer. Fui trabalhar na televisão. Depois, larguei a televisão e também não sabia o que ia fazer. Hoje sou escritor, mas não sei o que serei daqui para a frente. Posso não escrever mais. Talvez faça algo completamente diferente.

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Prêmio Nobel de Física, 1979por contribuir para a construção de uma

teoria unificada de duas forças fundamentais da natureza, a força nuclear fraca e a força eletromagnética

Stock Photos

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STEVEN WEINBERG

Aposta Num Aniverso Aberto e Infinito

São Paulo, 5 de março de 1999

Steven Weinberg fez sua carreira na física de partículas. Por ela ganhou o Nobel de Física, em 1979, ao lado de Abdus Salam e Sheldon Glashow, pela unificação das forças nuclear fraca e eletromagnética. Antes de ser premiado, Weinberg já era mundialmente conhecido por seu livro Os Três Primeiros Minutos do Universo (Lisboa: Gradiva, 1987), o melhor já escrito sobre o início do universo para um público leigo. Vinte e dois anos depois, o livro continua bastante atual – Weinberg fez um posfácio em 1988 –, apesar de a cosmologia ter passado por transformações significativas nesse período. Depois veio Sonhos de uma Teoria Final (Rocco, 1996), também para leigos, sobre a busca de uma teoria que unifique a física sob a égide da Teoria Quântica – área em que Wein-berg é uma das autoridades máximas, como Murray Gell-Mann, o descobridor dos quarks, as partículas fundamentais do universo.

Em entrevista exclusiva, de sua casa em Austin, Texas, Weinberg fala da provável volta à cena da constante cosmológica de Einstein devido às obser-vações feitas por astrônomos que mostram um universo em expansão acelerada. Fala também da nova área da ciência chamada cosmologia quântica. Faz, ainda, comentários sobre a possibilidade de criar uma Teoria Quântica da Gravidade (que nos aproximaria da tão esperada teoria final da física), sobre a sua visão do reducionismo e sobre a importância da filosofia na ciência.

O que o senhor acha das recentes observações de explosões de estrelas distantes que levam à conclusão de que o universo está se expandindo a uma velocidade cada vez maior?

Tenho dado um curso sobre esse assunto e acho as observações muito con-vincentes. Há uma boa razão para acreditar que as supernovas têm o mesmo brilho intrínseco. Conseqüentemente, o quão brilhante elas são é uma boa

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indicação de quão longe estão. O anúncio foi feito por dois grupos diferentes muito bons e é pouco provável que estejam errados. Parece muito convincente, e essa conclusão é corroborada por outras evidências. Se você olhar a taxa a que o universo está se expandindo e pensar que ela está diminuindo devido à gravidade, então você diria que o universo tem dez bilhões de anos. Contudo sabemos que existem aglomerações de galáxias que são mais velhas do que isso. Se a taxa de expansão do universo está aumentando, por outro lado, então no passado estava se expandindo mais lentamente, e isto significa que o universo é mais antigo do que pensávamos. Resolveria o problema de ter um universo mais jovem do que alguns de seus componentes. Penso que realmente desco-brimos algo importante.

O senhor acredita que o universo seja composto por matéria desconhecida ou energia que age como uma força de gravidade que, em vez de ser de atração, é de repulsão?

Essa é uma teoria antiga, proposta por Einstein em 1917. Basicamente ela assume que o espaço vazio tem uma certa energia (a constante cosmológica de Einstein). Não somos capazes de medir essa energia, pois somente conseguimos medir diferenças de energia. Mas a gravidade é sensível a todos os tipos de energia e também a energia do espaço vazio, o que geraria esse tipo de efeito. Não há dúvida sobre isso. Se você assumir que o espaço vazio tem um certo tipo de energia, ele irá produzir a aceleração de que falamos.

Então Einstein estava provavelmente errado ao dizer que a constante cosmológica tinha sido o maior erro de sua vida?

Esses experimentos indicam que Einstein estava certo, embora não provem isso.

Em que tipo de universo o senhor acha que vivemos: aberto, fechado ou estático?Se tivesse de adivinhar, de fazer uma aposta, diria que o universo é infinito

e aberto.

Como o senhor vê a área da ciência chamada cosmologia quântica?Não acho que entendemos a gravidade quando os efeitos quânticos a afe-

tam. Esse entendimento pode vir de uma teoria como a das Supercordas, mas ainda não temos essa teoria. Entendemos a gravidade muito bem em situações ordinárias, que existem em todos os lugares do universo. O problema é entender a gravidade quando os efeitos quânticos são grandes. Não acredito que saibamos qualquer coisa sobre cosmologia quântica.

O senhor acha que conseguiremos alcançar uma Teoria Quântica da gravidade?Acho que podemos tê-la logo, pois a classe de teorias chamada de Teoria

das Cordas inclui a gravidade. Elas são teorias quânticas e é decepcionante que ainda não saibamos como escrever suas equações. Acho-as promissoras e acredito que em trinta anos teremos uma teoria quântica da gravidade.

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Quais os problemas de aplicarmos a Teoria Quântica à cosmologia quântica?Um dos problemas é que não temos uma Teoria Quântica da gravitação.

Mesmo que tivéssemos uma boa teoria que combinasse a mecânica quântica com a gravidade, aplicaríamos primeiramente a mecânica quântica para calcular o que aconteceria no mundo experimental. Por outro lado, quando falamos de cosmologia, estamos falando de todo o universo onde estão sendo feitos esses experimentos. Para entender o que a teoria significa, é necessário admitir a situação em que nunca é impossível fazer experimentos, pois eles fazem parte do universo, nunca ficam fora dele. Isso torna a cosmologia quântica muito difícil de ser entendida pela ciência. Não estou dizendo que é impossível, mas pensar sobre cosmologia quântica é muito difícil.

O senhor se intitulou um reducionista em seu livro Sonhos de uma Teoria Final. O que quer dizer?

“Reducionismo” significa que sempre se tenta entender as coisas pelas partes das quais são feitas. Não penso que isso seja verdade. Às vezes essa é uma boa idéia, às vezes não. Por outro lado, existe um tipo de reducionismo no qual acredito, em que deveríamos tentar entender qualquer coisa por alguns princípios, como os da biologia e da química, e depois buscar princípios mais profundos. O importante é sempre procurar por eles. Por exemplo, sabemos que o céu é azul devido à dispersão da luz. Devemos então perguntar por que a luz se comporta assim e escrever as equações da interação luz-matéria. Com isso entenderemos essas equações em função de princípios mais profundos como “quantum moleculedynamics”, eletricidade, eletromagne-tismo e as-sim por diante. Como um reducionista, tenho sempre a atitude de perguntar o porquê.

O senhor acredita que a mecânica quântica será capaz de explicar toda a química e a biologia?

Não por ela mesma. Se você perguntar por que os princípios da biologia são o que são, você achará a resposta na química e na física tradicional e nos bilhões de anos de acidentes da história da Terra. Mas, se a pergunta for por que as regras da química são o que são, acho que são hoje bem compreendi-das pela mecânica quântica. Isso não quer dizer que, se queremos entender o cromossomo humano ou a seqüência de pares no gene, sejamos capazes de fazê-lo resolvendo problemas da física de partículas. Cada área, seja química seja biologia, deve ser estudada por pessoas treinadas especificamente para elas. Mas por que as coisas são como são será sempre entendido por meio das leis da natureza, e essas leis são físicas.

Há um significado da palavra “Deus” para o senhor?Prefiro preservar o sentido das palavras. Durante milhares de anos, essa

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palavra foi usada para significar um indivíduo que criou o bem e o mal. Mas isto não responde a pergunta sobre crer em Deus ou não.

O senhor acredita que a filosofia é útil para a ciência e vice-versa?Não. A filosofia profissional tem um valor próprio, mas não tem muito

valor para a ciência. Também acho que a maioria das descobertas na ciência, incluindo aquelas revolucionárias como a mecânica quântica e a relatividade, não é muito significativa para a filosofia. O estilo científico, de achar princípios fundamentais que permitam calcular o que aconteceria sob diversas cir-cun-stâncias, não foi sacudido por nenhuma descoberta do século XX. Talvez a única descoberta da ciência que tenha sido realmente importante para a filosofia foi a descoberta da própria ciência. O fato de que era possível entender o universo de modo sistemático. Essa, sim, foi a grande descoberta.

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Stock Photos

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STEWART BRAND

As Virtudes da Paciência

São Paulo, 3 de novembro de 2000

Um grupo de pessoas decide se juntar e fazer uma fundação chamada The Long Now Foundation (A Fundação do Longo Agora) para estimular o pensam-ento a longo prazo. A aspiração do grupo tem um símbolo concreto: um relógio feito para resistir a terremotos e invernos nucleares, cujo “tique” será ouvido uma vez ao ano, o “bong”, a cada século, e o cuco, a cada milênio. Seu nome: O Relógio do Longo Agora. Conversa de um bando de sonhadores desocupados é a resposta imediata que vem à mente, mas os co-presidentes da fundação são exatamente a antítese desse pensamento. O cientista da computação Danny Hillis criou na década de 80 o computador mais rápido do mundo, o Connec-tion Machine; e o inventor e projetista Stewart Brand é co-fundador da Global Business Network, uma empresa especializada em criar diferentes cenários para o futuro de empresas, entre elas a Shell – a empresa usou os cenários para antecipar, com sucesso, a disparada do preço do barril de petróleo em 1972 e 1986. Em entrevista exclusiva, Brand fala da necessidade de se pensar a longo prazo, dos males do avanço desenfreado da tecnologia, das dificuldades de se armazenar informações no formato digital a longo prazo e da criação do Relógio do Longo Agora.

O subtítulo de seu livro O Relógio do Longo Agora (Rocco, 2000) é “Tempo e Respon-sabilidade”. Qual a relação entre essas duas áreas?

O relógio permite pensar a longo prazo. Um subproduto desse pensam-ento é freqüentemente uma maior responsabilidade. Exemplo: nas eleições, o grupo que mais aparece para votar (nos Estados Unidos o voto é facultativo) é formado por pessoas mais velhas. A vida lhes deu a visão do longo prazo e essa perspectiva ajuda-os a entender que vale a pena votar. Eles esperam que um governo melhor vá tomar conta melhor das coisas no longo prazo.

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O senhor também afirma que as civilizações com longos agora lidam melhor com as coisas. Por quê?

Essas civilizações conhecem o uso da paciência. Elas têm a perspectiva dos eventos que ocorrem hoje e freqüentemente levam-nos com mais leveza. Elas têm um realismo arraigado advindo do fato de conhecer muito bem sua própria história.

E qual civilização conhece o uso da paciência?A cultura japonesa mostra essa qualidade freqüentemente. Alguns negócios

japoneses têm planos seculares.

Hoje a tecnologia avança muito rapidamente, chegando a atropelar as pessoas com sua velocidade de criação de novos produtos. O que o senhor acha que vai acontecer se a tecnologia continuar a avançar nessa direção?

Muito da tecnologia existente hoje tem a interessante propriedade de se auto-acelerar. Computadores rápidos e bons são utilizados para fazer compu-tadores mais rápidos e melhores ainda. Mas isso não é verdade para carros, televisores ou telefones. A biotecnologia se auto-acelera da mesma forma que os computadores, e assim também será a engenharia molecular ou nanotec-nologia. E uma acelera a outra. O resultado é que as maravilhas se multiplicam, e também as surpresas. Nem todas serão bem-vindas.

Quais surpresas desagradáveis podemos ter com a auto-aceleração da tecnologia?Perda de continuidade pode ser um problema. Diluição do futuro, outro.

Quando uma tecnologia nos surpreende, como aconteceu com a web, ferra-mentas e práticas que nos são familiares podem desaparecer de repente. Esse é o inconveniente da “destruição criativa” que o economista Joseph Schumpeter disse que o capitalismo desencadeou. Alguém habilitado em um ofício hoje desaparecido pode sentir uma perda de rendimentos e do senso de si próprio. O aprendizado sem fim de novas habilidades pode ser excitante e ampliar os horizontes, mas pode ser também exaustivo. As tecnologias digitais estão mudando tão rápido e persistentemente que não podemos contar ainda com nenhuma forma de preservação digital de dados – cada formato antigo de ar-quivo fica fora de moda e se perde. Com a transformação de toda a informação da civilização em digital, nos deparamos com a perspectiva de a civilização perder sua memória. Uma dieta de surpresas constantes também significa que sabemos cada vez menos como será o futuro e, conseqüentemente, desistimos de nos preparar adequadamente para o futuro a longo prazo.

E quais problemas temos de enfrentar para preservar a informação no formato digital no longo prazo?

A informação digital tem de ser periodicamente traduzida para a mídia do momento. Se isso não for feito a cada dez anos (alguns arquivistas dizem que a

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Homens de Ciência 175

cada ano), os dados serão completamente perdidos. Se for feito cinco ou cinqüenta vezes corretamente e depois não for mais feito, os dados podem ficar perdidos, como se nenhuma manutenção tivesse sido feita. Uma forma é fazer cópia de segurança (backup) da maioria dos dados em formato não digital em um meio muito estável. A Fundação do Longo Agora realiza um projeto chamado Rosetta Disk para explorar essa área. Em um disco de níquel de três polegadas estão microgravadas dez mil páginas que podem ser lidas com microscópio. Esse disco pode reter seus dados perfeitamente por um período de dez mil anos.

O senhor também diz que deve haver um balanço de forças entre o rápido e o lento. Qual a importância dessa relação?

Em geral acredito que a velocidade é uma coisa boa, mas não é a única. O lento é responsável pelo aprendizado profundo, pelo se lembrar e pelo lembrar alguém de fazer algo, pela restrição, pelo ensinar. O comércio é rápido, a edu-cação, lenta. O comércio, especialmente na economia do conhecimento, precisa desesperadamente de trabalhadores espertos, mas por si só não possui o tempo correto para prover a boa educação. Assim, esperamos que o ritmo lento do governo seja responsável pela educação. O comércio deveria ficar feliz em pagar as taxas responsáveis pela boa educação. Em uma sociedade confortável com a visão de longo prazo, o comércio ficaria feliz em pagar essas taxas.

A Fundação do Longo Agora está construindo um relógio-biblioteca para estimular a visão do longo agora nas pessoas. Que tipo de experiência o senhor espera que essas pessoas tenham ao visitar o relógio-biblioteca?

Certas vezes nos perguntamos: “Como o hoje se encaixa na minha vida?” Se a experiência do relógio é profunda o suficiente, poderia encorajar o visitante a ponderar: “Onde minha vida se encaixa na história da civilização?”

O senhor afirma que o acúmulo de passado é o melhor recurso que a vida tem para a inovação. Como podemos lidar com o volume quase infinito de informa-ção disponível na internet e separar o que deve ser acumulado ou não?

Falta de informação costuma ser mais problema que excesso. Somente um em dez dos clássicos gregos sobreviveu até os dias de hoje. O nosso entendimento da história antiga e de nós mesmos seria melhor se tivessem sobrevivido dez em dez? Acredito que sim. A internet, mesmo com seu crescimento astronômico, tem demonstrado grande capacidade de desenvolver mecanismos de busca poderosos. E a sofisticação deles continua a aumentar.

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Divulgação

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W. BRIAN ARTHUR

A Economia dos Pequenos Acontecimentos

Santa Fé, 20 de novembro de 1998

Durante a década de 80, W. Brian Arthur não conseguiu publicar nenhum artigo sobre a Teoria da Taxa de Retorno Crescente. Suas idéias eram consi-deradas sem aplicação prática. Mas, em 1995, ele recebeu um telefonema de Gary Reback, advogado de grandes empresas no Vale do Silício, perguntando se não queria participar de uma ação contra a compra da Intuit (fabricante do software Quicken) pela Microsoft, baseada em suas idéias sobre economia. E, quando o Departamento de Justiça Americano iniciou a ação antitruste contra a Microsoft, o chefe da divisão antitruste Joel Klein disse ter se inspirado na teoria de Arthur para entender o funcionamento do mercado de alta tecnologia. Em entrevista exclusiva, o professor do Citibank e membro do Instituto Santa Fé fala sobre sua Teoria da Taxa de Retorno Crescente, de sua aplicabilidade e do caso Microsoft.

A Teoria da Taxa de Retorno Crescente propõe uma forma de feedback positivo na economia ou a tendência de qualquer entidade que possui a maior fatia de um mercado específico em continuar a aumentar essa fatia. É um mecanismo geral na economia?

Sim. Essa é uma idéia que existe há mais de cem anos, mas até recente-mente ninguém prestava atenção nela. A idéia central em economia era a taxa de retorno decrescente. Por exemplo, se você tem uma plantação de café no Brasil e começa a expandir seu território de plantio, cedo ou tarde encontrará terras inadequadas ao plantio, o que conduz a um equilíbrio. Na Teoria da Taxa de Retorno Crescente, quanto mais uma empresa se expande em um mercado, maior é a tendência de ela se expandir ainda mais, podendo travar o mercado na sua tecnologia, mesmo que a tecnologia concorrente seja melhor. Isso se aplica a produtos, companhias, regiões e países. Pode-se pensar em uma região como o norte da Itália, que atrai pessoas competentes, o que por sua vez atrai

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mais bancos, indústrias e assim por diante. A teoria econômica tradicional diria que haveria um equilíbrio, mas o fato é que o norte da Itália continua prosperando. Com as taxas de retornos crescentes é impossível dizer a priori se o Norte ou o Sul seria mais próspero, deixando os economistas sem saber o que fazer, pois havia diferentes resultados possíveis. A minha idéia foi basicamente dizer que pequenos acontecimentos ao acaso, como quem fala com quem, ou quem encontra quem no avião, podiam mudar os resultados. O sistema VHS é um exemplo. Ele venceu o Betamax por uma sucessão de pequenos acontecimentos. O Betamax era uma tecnologia melhor, mas o VHS era um grande consórcio e eles não se importavam com o que passava nas fitas. A Sony não queria pornografia no Betamax. No final dos anos 70, nos Estados Unidos, se você entrasse em uma videolocadora encontraria seções de filmes em Betamax e VHS, mas em 1985 isso já não acontecia. O VHS travou o mercado na sua tecnologia.

A teoria é aplicável apenas para produtos de alta tecnologia ou também para outros?No final dos anos 70, início dos 80, dei seminários na Universidade de

Stanford. As pessoas ficavam intrigadas com as idéias e diziam que teoricamente elas eram plausíveis, mas que na prática não existiam. Queriam um exemplo prático. Falei da língua inglesa, que trancou a possibilidade de outras intera-girem. Elas respondiam, dizendo que talvez fosse verdade, mas que a teoria não tinha aplicação no mundo real. Pouco tempo depois, percebi que todo o setor de alta tecnologia funcionava com taxas de retornos crescentes.

Por quê?Nesse setor há um grande custo prévio (up-front costs) em pesquisa e de-

senvolvimento. Lançar o Windows 98 ou o Java foi uma operação que custou vários milhões de dólares. Para fabricar um novo chip, o custo pode ser de três a quatro bilhões de dólares. Para um novo Boeing, sete a dez bilhões de dólares, antes do primeiro vôo. Há também os efeitos do tamanho da rede. Por exemplo, se todos numa cidade têm telefone e e-mail, a rede passa a ser muito útil. E, finalmente, há também o customer groove-in, que é o conceito de que quanto mais você usa o Microsoft Word, mais ele fica familiar e você se sente confortável com ele. Essas características estão presentes no setor de alta tecnologia: se um produto é tecnologicamente complicado, os custos prévios são altos e freqüen-temente existe o efeito do tamanho da rede, e leva tempo para aprender a usá-lo. Em relação aos produtos de outros setores, eu já estava satisfeito com o uso dessas idéias para a alta tecnologia, mas pessoas começaram a vir falar comigo em seminários dizendo que, em agricultura, em produtos manufaturados e na evolução de uma cidade, essas idéias também faziam sentido.

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Poderia dar mais exemplos da influência dos pequenos acontecimentos no mundo real?

O Vale do Silício é um bom exemplo. Quando fui aluno de graduação de Berkeley, me perguntei por que toda a região em torno de Stanford tinha empresas de alta tecnologia e Berkeley não. Era uma situação de taxas de retornos crescen-tes. Quanto mais companhias de alta tecnologia iam para lá, mais engenheiros competentes elas atraíam, e mais advogados e capitalistas também. Era lá também que você gostaria de fazer negócios, pois grande porcentagem dos negócios era feita entre empresas do Vale do Silício. Todos se conheciam, negociavam face a face com seus fornecedores, jogavam golfe no mesmo clube, as mulheres se conheciam e os filhos iam para a escola juntos. A idéia é que, quanto mais você se reúne em torno de um grupo, mais a sua companhia é atraída para ele. O Vale do Silício começou nos anos 30, com o professor de engenharia elétrica de Stanford Frederick Terman. Ele tinha alunos brilhantes como Bill Hewlett e David Packard e deu espaço nos laboratórios de Stanford para eles, enquanto a universidade dava um local para iniciarem suas empresas. Foi isso que eles fizeram nos anos 40 e 50. Outro exemplo é William Shockley, um dos inventores do transistor, que queria fundar uma companhia para fabricá-los. Ele saiu do Bell Labs no início dos anos 50 e foi para Palo Alto – sua mãe morava ali perto. Anos depois, alguns de seus empregados criaram a Intel e outras grandes empresas de tecnologia. A conclusão é que essas companhias pioneiras foram criadas por pequenos acon-tecimentos – Terman teve uma boa idéia, a mãe de Shockley morava em Palo Alto –, com um fato levando a outro. Isso deixou Berkeley, Ann Arbor e o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) de fora. Se você tinha uma boa idéia em Berkeley, ia para Stanford. Tudo que precisava estava pronto lá. Algumas pessoas discordavam desse raciocínio e diziam que o Vale do Silício tinha todas aquelas empresas de tecnologia porque havia mão-de-obra barata em San Jose e um bom aeroporto. Existem vinte e cinco lugares na Califórnia com essas características (risos)... Quando falo da dependência é interessante contrastá-la com a teoria econômica tradicional, em que tudo funciona segundo as taxas de retornos decrescentes. Nela, a economia é analisada considerando-se que os recursos naturais, a geografia, a população, o gosto das pessoas e as tecnologias são conhecidas à perfeição. Quando você usa taxas de retornos crescentes e faz simulações no computador com pequenas variações na entrada – fiz isso várias vezes somente por diversão –, os resultados são completamente diferentes.

Qual a relação entre a física contemporânea e a Teoria da Taxa de Retorno Cres-cente?

Quem primeiro me inspirou foi Hermann Haken e seu livro Synergetics (Berlim/Nova York: Springer) de 1979. Ele falava da matemática dos sistemas estocásticos – os sistemas laser ou a física do estado sólido – e dos padrões que emergiam deles devido ao feedback positivo. Também me inspirei em um artigo

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de junho de 1979, escrito por Ilya Prigogine. Fui visitá-lo na Universidade Livre de Bruxelas, ele me levou para almoçar e me explicou tudo.

Por que o senhor acha que houve tanta resistência às suas idéias?Por duas razões. Primeiro – isso era algo que eu não sabia há vinte anos

–, porque todas as idéias novas, sem exceção, são atacadas simplesmente por serem diferentes. O familiar tende a parecer certo. É confortável. Por exemplo, vim da Áustria para morar na Califórnia, mas costumava ter médicos austríacos, pois tive filhos lá e sabia que os médicos austríacos eram bons (risos). A outra razão é que os Estados Unidos estavam no meio da Guerra Fria. Nessa época, dei diversos seminários na Europa sobre as idéias originais que tive quando trabalhava em Viena. Algumas pessoas diziam que elas eram interessantes e outras que queriam aprender mais sobre essas idéias. Prigogine tinha idéias similares em física e elas pareciam importantes. Quando fui para os Estados Unidos, não conseguia nem publicar meus artigos. A razão é que se você ad-mite taxas de retornos crescentes, tem de reconhecer que a economia pode seguir diferentes caminhos, com a probabilidade de algo como 10125 padrões possíveis. Assim, tem de concordar que é pouco provável que o seu resultado seja o melhor. Nessa época, os Estados Unidos diziam que, sob condições e capital perfeitos, eles tinham o melhor dos mundos e das tecnologias. Eu dizia “não, vocês estão travados no DOS (sistema operacional) e na língua inglesa”. Todas essas tecnologias e subtecnologias são somente acidentes. Não há nada de mágico nelas. Quando fui à União Soviética, no início dos anos 80, a reação não foi melhor. Eles diziam que isso não podia acontecer na União Soviética, em seu sistema socialista superior (risos). Exatamente o que ouvi nos Estados Unidos. Nessa época, a ideologia ditava que esses sistemas econômicos (capi-talismo e socialismo) eram perfeitos. Mas, com o fim da Guerra Fria, acho que a atmosfera acadêmica econômica nos Estados Unidos, que direciona o pensa-mento eco-nômico mundial, está mais aberta para esse tipo de questão. Por exemplo, meu artigo original escrito em 1983 somente foi publicado em 1989. Hoje estamos olhando os problemas de um ponto de vista mais abrangente, com menos ideologia. Isso é bem-vindo, pois marxismo, mercantilismo, capitalismo e outros “ismos” são muito ideológicos. Precisamos olhar para o mundo como ele realmente é, e descrevê-lo da melhor maneira possível.

Como o senhor se envolveu no caso Departamento de Justiça Americano versus Mi-crosoft?

Em 1990 publiquei um artigo chamado “Positive Feedbacks in the Economy”, na Scientific American, que chamou a atenção de pessoas influentes. Uma delas foi Gary Reback, advogado da Wilson Sonsini Goodrich & Rosati, uma grande firma de advocacia que representava várias rivais da Microsoft em Palo Alto. Outro foi Joel Klein, que comandava a divisão antitruste do Departamento de Justiça em Washington. Reback me ligou, em 1995, dizendo que a Microsoft

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havia comprado a Intuit (fabricante do Quicken), que havia trinta dias para al-guém se opor e que três empresas do Vale do Silício queriam evitar a realização do negócio – e perguntou se eu queria tomar parte nessa ação.

Quem eram elas?Oficialmente não tenho idéia, pois não assinaram o documento se opondo

à compra, por medo de represálias, mas adivinhe...

Sun Microsystems... E as outras?Segundo a revista Fortune foram Sun, Apple e Oracle. Enfim, a equipe de

Reback fez um documento se opondo à compra da Intuit pela Microsoft, e ele foi todo baseado na Teoria da Taxa de Retorno Crescente. O resultado foi que a Microsoft teve de voltar atrás na compra. Meu conselho para pessoas como Joel Klein tem sido: não tente evitar o monopólio, ele é natural em alta tecnologia. Somente faça com que todos tenham as mesmas condições no início da cor-rida. Atualmente, acontece que você tem um velho cavalo, o DOS da Microsoft, transformado em um cavalo mais rápido que continua a ganhar a corrida. Logo, a Microsoft terá um Toyota Land Cruiser e ninguém mais conseguirá alcançá-la. O Departamento de Justiça não está preocupado com o monopólio, mas com a possibilidade de uma empresa pegar toda uma área de alta tecnologia e usá-la para pegar outras áreas que surgirem. Vou além e acho também que o preço não é importante aqui, pois está sempre baixando e a qualidade, aumentando. O importante é a inovação. O monopólio pode ser um prêmio pela inovação, mas, se uma firma monopoliza todo um mercado – o mercado de browsers ou de home banking, por exemplo –, deixando os competidores de fora, não tem incentivo para continuar inovando e trava o mercado. O DOS travou o mercado de sistemas operacionais de tal modo que a Microsoft demorou dez anos para fazer uma versão decente do Windows.

O senhor acha que o setor de alta tecnologia tem de ser regulamentado pelo gov-erno?

A alta tecnologia nos Estados Unidos era, em 1988, uma área sem leis. Você podia ter uma boa idéia, pedir dinheiro para um capitalista, começar uma empresa com alguns amigos e ganhar milhões. Foi essa falta de regulamentação que tornou a inovação tão fácil na Califórnia e difícil na Europa e no Brasil. Na Califórnia, a atmosfera é ótima, e eu odiaria ver o governo interferindo e regu-lamentando, pois década após década aparece uma grande companhia – AT&T, IBM, Microsoft. Daqui a dez anos, teremos outra. Ela provavelmente já existe, mas ainda não sabemos qual é. O governo tem de ficar de fora, mas, quando um dos jogadores chega na cidade atirando e matando todo mundo, você precisa de um policial. Criar aplicações “matadoras”, como o Lotus 123 ou o Netscape, torna o inventor rico. Esse é o grande incentivo e o que mantém a América na ponta da alta tecnologia. Não quero afogar o bebê na banheira.

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BIBLIOTECA DAS ENTREVISTAS

Alan Sokal – Imposturas Intelectuais (Alan Sokal e Jean Bricmont, Record, 1999).

António Damásio – O Erro de Descartes (António Damásio, Companhia das Letras, 1996), O Mistério da Consciência (António Damásio, Companhia das Letras, 2000).

Charles Townes – How the Laser Happened: Adventures of a Scientist (Charles Townes, Oxford University Press, 1999).

Danny Hillis – O Padrão Gravado na Pedra (Daniel Hillis, Rocco, 2000).

Dean Hamer – Living With Our Genes: Why They Matter More Than You Think (Dean Hamer, Anchor Books, 1999), The Science of Desire: The Search for the Gay Gene and the Biology of Behavior (Dean Hamer, Touchstone, 1996).

Drauzio Varella – não há.

Francis Crick – What Mad Pursuit (Francis Crick, Basic Books, 1988), The Astonishing Hypothesis: The Scientific Search for the Soul (Francis Crick, Scribner/Maxwell Macmillan, 1994).

Freeman Dyson – Mundos Imaginados (Freeman Dyson, Companhia das Letras, 1998), O Banqueiro dos Pobres (Muhammad Yunus, Ática, 2000), Tractatus Logico-Philosophicus (Ludwig Wittgenstein, Edusp, 1997).

Geoffrey Marcy – não há.

Gerald Edelman – A Universe of Consciousness: How Matter Becomes Imagina-tion (Gerald Edelman e Giulio Tononi, Basic Books, 2000), Bright Air, Brilliant Fire: On the Matter of the Mind (Gerald Edelman, Penguim Books, 1994).

Hans Bethe – The Road From Los Alamos (Hans Bethe, American Institute of Physics, 1991).

Ilya Prigogine – O Nascimento do Tempo (Ilya Prigogine, Edições 70, 1990), O Fim das Certezas: Tempo, Caos e as Leis da Natureza (Ilya Prigogine, Unesp, 1996).

Jaron Lanier – não há.

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184 Biblioteca das Entrevistas

John Casti – Mundos Virtuais (John Casti, Revan, 1998), The Cambridge Quin-tet: A Work of Scientific Speculation (John Casti, Addison Wesley, 1998).

John Wheeler –At Home in the Universe (John Archibald Wheeler, American Institute of Physics, 1994), Geons, Black Holes and Quantum Foam: A Life in Physics (John Archibald Wheeler e Kenneth Ford, Norton, 1998).

José Leite Lopes – Ciência e Liberdade (José Leite Lopes, UFRJ, 1998).

Martin Rees – Apenas Seis Números (Martin Rees, Rocco, 2001).

Murray Gell-Mann – O Quark e o Jaguar: Aventuras no Simples e no Complexo (Murray Gell-Mann, Rocco, 1996).

Newton da Costa – O Conhecimento Científico (Newton da Costa, Discurso, 1999).

Pierre-Gilles de Gennes – Os Objetos Frágeis (Pierre-Gilles de Gennes, Uni-camp, 1997).

Richard Dawkins – Desvendando o Arco-Íris: Ciência, Ilusão e Encantamento (Richard Dawkins, Companhia das Letras, 2000), O Gene Egoísta (Richard Dawkins, Itatiaia, 1997).

Roberto Salmeron – A Universidade Interrompida (Roberto Salmeron, UnB, 1999).

Simon Singh – O Último Teorema de Fermat (Simon Singh, Record, 1999), The Code Book: The Evolution of Secrecy from Mary, Queen of Scots, to Quantum Criptography (Simon Singh, Doubleday, 1999).

Steven Weinberg – Os Três Primeiros Minutos: Uma Discussão Moderna so-bre a Origem do Universo (Steven Weinberg, Guanabara Dois, 1980), Sonhos de uma Teoria Final: A Busca das Leis Fundamentais da Natureza (Steven Weinberg, Rocco, 1996).

Stewart Brand – O Relógio do Longo Agora (Stewart Brand, Rocco, 2000).

W. Brian Arthur – Increasing Returns and Path Dependence in the Economy (W. Brian Arthur, University of Michigan Press, 1994).

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BIBLIOTECA BÁSICA DE CIÊNCIA

BIOGRAFIAS

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CASSIDY, David. Uncertainty: The Life and Science of Werner Heinsenberg. Nova York: W.H. Freeman, 1992.

DESMOND, Adrian, MOORE, James. Darwin. São Paulo: Geração Editorial, 1995.

GLEICK, James. Genius: The Life and Science of Richard Feynman. Nova York: Vintage, 1993.

GRIBBIN, John e Mary. Richard Feynman: A Life in Science. Nova York: Dut-ton, 1997.

HODGES, Alan. Alan Turing: The Enigma. Nova York: Walker&Co, 2000.

KRAGH, Helge. Dirac: A Scientific Biography. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.

PAIS, Abraham. Niels Bohr’s Times. Nova York: Oxford University Press, 1991.

QUINN, Susan. Marie Curie: Uma Vida. São Paulo: Scipione, 1997.

RESTON JR., James. Galileu: Uma Vida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995.

SEGRÉ, Emilio. Enrico Fermi Physicist. Chicago: University of Chicago Press, 1970.

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186 Biblioteca Básica de Ciência

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DAMÁSIO, António. O Mistério da Consciência. São Paulo: Companhia das Le-tras, 2000.

DAMÁSIO, António. O Erro de Descartes. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

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PENROSE, Roger. A Mente Nova do Rei. Rio de Janeiro: Campus, 1993.

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SEARLE, John. O Mistério da Consciência. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

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SACKS, Oliver. O Homem que Confundiu a Mulher com o Chapéu. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

SACKS, Oliver. Tempo de Despertar. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

FÍSICA

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TEORIA QUÂNTICA

GRIBBIN, John. In Search of Schrödinger’s Cat. Toronto/Nova York: Bantan, 1984.

TEORIA DA RELATIVIDADE ESPECIAL E GERAL

EINSTEIN, Albert. Relativity: The Special and the General Theory. Mineola (NY): Dover, 2001.

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DAWKINS, Richard. O Gene Egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia, 1997.

GOULD, Stephen Jay. Darwin e os Grandes Enigmas da Vida. São Paulo: Com-panhia das Letras, 1992.

GENÉTICA

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HIGHFIELD, Roger, COVENEY, Peter. Frontiers of Complexity: The Search for Order in Chaotic World. Nova York: Fawcett, 1995.

BIG-BANG

HAWKING, Stephen. Uma Breve História do Tempo Ilustrada. Curitiba: Albert Einstein, 1997.

WEINBERG, Steven. Os Três Primeiros Minutos do Universo. Lisboa: Gradiva, 1987.

TEORIA DAS SUPERCORDAS

GREENE, Brian. O Universo Elegante. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

WEINBERG, Steven. Sonhos de uma Teoria Final. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.

TEMPO

DAVIES, Paul. O Enigma do Tempo. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.

PRIGOGINE, Ilya. O Nascimento do Tempo. Lisboa: Edições 70, 1990.

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PAIS DA TVA HISTÓRIA DA TELEVISÃO BRASILEIRA CONTADA POR...

Gonçalo Júnior

“O jornalista baiano Gonçalo Júnior encontrou uma forma original de regis-trar editorialmente os 50 anos de televisão no Brasil”– Gazeta Mercantil

“O jornalista Gonçalo Júnior traz debaixo do braço o apropriado Pais da TV, livro com dezesseis entrevistas que passam a limpo toda a trajetória do mais importante meio de comunicação do Brasil” – O Estado de S.Paulo

“A história da televisão brasileira contada por aqueles que ajudaram a criá-la. Curiosidades, o desenvolvimento durante a ditadura, relatos so-bre censura e a infl uência da audiência nas programações são alguns dos pontos abordados” – O Dia D

Os entrevistados são: Armando Nogueira, Boni, Casseta e Planeta, Dias Gomes, Dora Câmara, Fernando Faro, Georges Henry, Guel Arraes, Herbert Richers, Jorge da Cunha Lima, Max Nunes, Nilton Travesso, Régis Cardoso, Walter Avancini, Walter Poyares e Wolf Maia.

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PRÓXIMOS LANÇAMENTOS CONRAD LIVROS

Diário da Turma 1976-1986: a história do rock de Brasília, Paulo MarchettiRumo à Estação Islândia, Fábio MassariFim: notas sobre o apocalipse, G.A.Matiasz

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CHARLES BUKOWSKIVIDA E LOUCURAS DE UM VELHO SAFADO

Howard Sounes

“O inglês Howard Sounes produziu uma biografi a saborosa de um dos nomes mais populares da literatura beatnik” – Veja

“...o biógrafo usa com habilidade não apenas trechos de poemas como entrevistas e correspondência trocada com todo mundo – de Sean Penn à ex-namorada de Bukowski –, revelando um artista mais sensível e vulnerá-vel do que a persona viril e marginal que este criou com tanto empenho” – Valor Econômico

“Bukowski foi o escritor mais rock’n’roll que já existiu. (...) Nada escapava de sua pena ferina, sobretudo porque ele próprio vivia na lama que atribuía a seus personagens” – Show Bizz