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Edson Nunes

A GRAMATICA POLITICADO BRASIL

Clientelismo e Insulamento Burocratico

Prefacio deLuiz CARLOS BRESSER PEREIRA

Prefacio a terceira edi9ao deRENATO LESSA

terceira edifao

Jorge Zahar EditorRio de Janeiro

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Sistema Integde Bibliotecas/.

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Copyright © 1997, Edson Nunes([email protected])

Todos os direitos reservados.A reprodugao nao autorizada desta publica?ao, no todo

ou em parte, constitui violaijao de direitos autorais. (Lei 9.610/98)

Copyright © 2003 desta edicao:Jorge Zahar Editor Ltda.rua Mexico 31 sobreloja

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e-mail: [email protected]: www.zahar.com.br

A primeira edigao desta obra foi feita em co-edisao com aFunda?ao Escola Nacional de Administragao Publica — ENAP

Diretoria de Pesquisa e Difusao

Edicoes anteriores: 1997, 1999

Capa: Sergio Campante

CIP-Brasil. Catalogacao-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Nunes, Edson.N972g A gramatica politica no Brasil: clientelismo e insu-3.ed. lamento burocratico / Edson Nunes; prefacio Luiz Carlos

Bresser Pereira. - 3.ed- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.;Brasilia, DF: ENAP, 2003.

AnexoInclui bibliografiaISBN: 85-7110-384-4

1. Brasil - Politica e governo. 2. Burocracia - Brasil.3. Brasil - Historia. 1. Escola Nacional de AdministracaoPublica (Brasil). II. Titulo.

CDD - 320.98103-0641 CDU - 32(81)

O maxima de confusao somado ao maximade ordem: parece-me um cdlculo sublime.

UMBERTO Eco, O name da rosa

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SUMARIO

NOTADOAUTOR 7

PREFACIO A TERCEIRA EoigAo: A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL,OU UMA BlOGRAFIADO BRASIL RfiPUBLICANOde Renato Lessa 3

PREFACIO: POLITICAE INSULAMENTO BUROCRATICO NO BRASIL,de Luiz Carlos Bresser Pereira 77

Capitulo 1: iNSTiruigoES, POLITICAE ECONOMIA 75

Capitulo 2: Tipos DE CAPITALISMO, iNSTrruigoES E AgAo SOCIAL . . . 27Variantes de capitalismo e institui96es 22Troca especifica e troca generalizada no capitalismo 26Acumulasao de capital, institui§oes e clientelismo no Brasil 29Insulamento burocratico e universalismo de procedimentos

como alternativas ao clientelismo 32Corporativismo e clientelismo: tensoes e complementariedades 36Variantes de corporativismo numa perspectiva comparada 37Corporativismo e clientelismo como quadros analiticos 39Conclusao 42

Capitulo 3: A CONSTRUCAO DO INSULAMENTO BUROCRATICO E DOCORPORATIVISMO E A NACIONALIZACAO DO CLIENTELISMO 47Pano de fundo: o desafio a moderniza§ao

do Estado brasileiro 48State building: centraliza^ao politica e administrativa 50

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State building: intervencao na economia 55State building: o longo impacto dos obstaculos internationals 60

Capitulo 4: CAPITALISMO, PARTIDOS POLfriCOS E INSULAMENTO)

BUROCRATICO NO REGIME POS-45 " 67Partidos mobilizados internamente 68Implicates da mobiliza9ao de dentro:

a institucionalizasao do clientelismo 77Em busca da racionalidade: politicos versus tecnicos 80

Capitulo 5: MUDANgA DENTRO DA CONTINUIDADE: VELHASE NOVAS ARENAS POLITICAS NO PERIODO POS-GUERRA 95Velhas e novas arenas: preparando o cenario para a moderniza$ao

liderada pelo Estado 95Insulamento burocratico: a combinacao de velhos e novos atores

para a modernizacao liderada pelo Estado 98Uma ideologia instrumental: o nacional-desenvolvimentismo 702Decisoes instrumentais e recursos economicos crescentes 106Sincretismo politico no governo JK 108Conclusao: a combina§ao das gramaticas como um ato de

malabarismo 772

CONCLUSAO: O SlSTEMAEM QUESTAO: CONTINUIDADE,MUDANQAE PERSPECTIVAS 779Intera§ao entre as gramaticas 720Uma visao da abertura politica 725

ANEXO 131

BlBLIOGRAFIA 735

LlSTADE QUADROS & TABELAS

QUADRO 1 — Propriedade vs. Controle dos Meios de Produc,aono Socialismo, Corporativismo, Sindicalismo e Capitalismo . . 39

FIGURA 1 — Tipos de Gramaticas para RelagoesEstado vs. Sociedade 42

QUADRO 2 — Industrias e Services Pertencentes ao Estado eAdministrados pela Burocracia Estatal, 1942 58

QUADRO 3 — Industrias e Services Pertencentes ao Estado eNao-Administrados pela Burocracia Estatal, 1942 59

GRAFICO 1 — Brasil: 1900-1943, Taxa de Importac.ao comoPorcentagem dos Rendimentos do Estado 60

TABELA 1 — Filiac.ao Partidaria de Ministros, 1945-1963 72

TABELA 2 — Coalizoes nas Eleic.5es para Governadores 73-4

TABELA 3 — UDN, PSD, PTB: Tipos de Participate nasElei<j5es para Governadores, 1947-1965 75

TABELA 4 — Filiagao Partidaria de Governadores Eleitosem 1978 76

QUADRO 4 — Partidos Politicos Comparados Segundo a Base Sociale os Tipos de Incentives Partidarios 78

QUADRO 5 — Partidos Politicos no Brasil: Tipos deMobilizaqao e Orientac.ao 79

GRAFICO 2 E TABELA 5 — Brasil: Origem dos Governadorespor Eleiqao, 1946-1978 83-84

GRAFICO 3 E TABELA 6 — Origem Politica dos Ministrospor Perfodo Presidencial, 1945-1982 84-85

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QUADROS 6 E 7 — Ministerios Poh'ticos vs. MinisteriosTecnocratico-Militares Classificados Segundo a Origemdos Ministros Antes e Depois de 1964 87

TABELA 7 — Origem dos Ministros "da Casa", 1964-1982 88

TABELA 8 — Estabilidade Ministerial, 1946-1980 89

TABELA 9 — Tecnoburocratas com Experiencia Legislativa 91

FIGURA 2 — Mudanga na Continuidade: Clientelismo eInsulamento Burocratico no Brasil Contemporaneo 114

QUADRO 8 — Brasil: Compatibilidade das Relagoes entreGramaticas na Interagao Estado vs. Sociedade 126

NOTA DO AUTOR

Desejo agradecer aos amigos, colegas e instituicoes que, de muitas manei-ras, ajudaram a concretizar o presente livro. Sua versao original constituiutese de doutoramento em ciencia politica na Universidade da California,Berkeley. Meu comite de tese foi de inestimavel importancia. GiuseppeDi Palma representou um exemplo intelectual a ser emulado. Linda Lewinproduziu comentarios detalhados e impediu-me de cometer varies erros.David Collier, orientador, merece uma referenda especial. E lei tor impie-doso. Pagina apos pagina, sentenga por sentenga, ofereceu comentariosgenerosos e abundantes. A estrutura deste trabalho foi aperfeigoada peloseu competente entendimento do que eu estava fazendo e queria fazer. Suainsistencia com a precisao, elegancia e parcimonia foi de extrema valia.

Este texto beneficiou-se, em varies estagios, dos comentarios de AlbertFishlow, Barbara Geddes, Ben Schneider, Emanuel Adler, GuillermoO'Donell, Jose Brakarz, Jose Lavareda, Leslie Armijo, Luiz Roninger,Maria Hermfnia Tavares de Almeida, Renato Boschi, Roberto Da Malta,Ruth Cardoso, Simon Schwartzman. Marcia Bandeira contribuiu de ma-neira unica para a realiza$ao deste trabalho. A estes colegas, o meuagradecimento.

Publico este livro na mtegra, anos apos sua conclusao. O convite parapublica-lo veio de Luiz Carlos Bresser Pereira, a quern sou grato. Contra-ditdrio, o ministro Bresser Pereira. Convida-me a publicar o trabalho e,em seguida, torna-o desnecessario. Escreveu prefacio tao concise e com-petente que bem poderia dispensar a leitura do livro.

Nao fosse o talento de Lucia Hippolito, esta tradugao ainda manteria ojeitao de tese. Lucia, alem de brilhante tradutora, e atenta leitora e ferozcritica. Monica Grin foi de inestimavel ajuda na produgao do texto final.

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2 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

Quando sai do Brasil em 1979 para o doutoramento, provisoes adminis-trativas e politicas vigentes impediam a concessao de bolsa e a viagemdaqueles estudiosos suspeitos de infidelidade ideologica ao regime militar.Ja naquele momento — e isto agravou-se com o passar dos anos —, naodispunha de apreciavel taxa de fidelidade ideologica nenhuma, muitomenos ao governo militar. Nao fosse a decidida atuacao de um conjuntode colegas, alem da bolsa da Fundacao Ford, eu nao teria saido do Brasil.Devo esta oportunidade a Wanderley Guilherme dos Santos, Mario Ma-chado, Edmundo Campos, Cesar Guimaraes, Gilberto Velho, Roberto DaMatta e Shepard Forman. Meu ingresso em Berkeley, apos deixar aUniversidade de Chicago, dependeu do apoio de Alexandre Barros, Ho-ward Becker e David Collier.

O retorno a minha instituicao de origem, Conjunto Universitario Can-dido Mendes, apos valioso interregno no exterior e em postos governa-mentais, devo ao decidido e cordial apoio, a renovada confian§a e aoacicate profissional e intelectual de Candido Antonio Mendes de Almeida.

Precisei registrar o passado nessa nota (Wanderley, Edson Luiz e Laurasao 13905 atemporais). Quero encerra-la, contudo, com uma visao otimista,esperancosa. Dedico este livro a Eduardo e Rafael. O futuro.

PREEACIO A TERCEIRA EDICAO

A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL,OU UMA BIOGRAFIA DO BRASIL

REPUBLICANO

Coube a Luiz Carlos Bresser Pereira, no prefacio a primeira edigao destelivro, a cunhagem de concise e luminoso jufzo a respeito do texto de EdsonNunes: "E uma das mais instigantes e originais analises da politicabrasileira." O comentario de Bresser, ja idoso de seis anos, segue absolu-tamente pertinente. Suspeito que seja definitivo. Com efeito, o texto quedeu origem ao livro, produzido como tese de doutoramento em cienciapolitica, em Berkeley, no im'cio da decada de oitenta, mantem sua origina-lidade e sua capacidade incomum para interpretar a experiencia ins-titucional e civilizatoria brasileira, a partir dos anos trinta.

Mas, antes de qualquer incursao textual mais detalhada, cabe a pergun-ta: de que genera, afinal, se trata? Em outros termos, a que tradicaoanalftica o exercicio de Edson Nunes esta, de algum modo, vinculado? Apergunta por certo nao e tecnica ou muito menos inocente. Olho ao meuredor e constato o impressionante progresso obtido, nas decadas recentes,no campo das ciencias sociais brasileiras. Mas esse reconhecimento ecomo que travado pela percep£ao de que os avan£os registrados dizemmais respeito a investiga96es sobre processes, institui§oes e, em umapalavra, fenomenos "locais" e especificos do que tentativas de smtese, devisao de conjunto ou de exercicios "epicos", para usar a expressao deSheldon Wolin, capazes de instaurar novos conjuntos de fenomenos enovas etiologias.

As visoes de conjunto, motivadas por grandes perguntas — quernsomos, de onde viemos, para onde vamos, que futuro nos espera, entretantas outras —, parecem ter sido relegadas as antigas artes do ensaismo,um exercicio intelectual movido por apostas, idiossincrasias e, com fre-qiiencia, desespero. O texto de Edson Nunes, a meu jufzo, pertence a um

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A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

genero aparentado ao ensafsmo, no que este possui de ambigao para tratarde grandes questoes. Tal genero pode ser denominado de "Interpretagoesdo Brasil". Em termos mais diretos, A gramdtica politico, do Brasil podeser inserida em uma tradigao intelectual maiuscula e rica, no ambito dopensamento social e politico brasileiro, voltada para a interpretagao danossa experiencia civilizatoria. A galeria de precedentes e consideravel.Para ficarmos nos classicos, e o caso de se mencionar Oliveira Viana, JoseMaria dos Santos, Sergio Buarque de Hollanda, Gilberto Freyre e Raymun-do Faoro.

Uma das interpretagoes possiveis do pais, o livro de Edson Nunes podeser lido, ainda, como uma biografia do Brasil Republicano, com enfase emsua fase posterior a 1930, mas sem desconsiderar os legados provenientesda Primeira Republica. Seu momento intelectual deflagrador reside nainsatisfagao com formas dualistas de interpretagao da historia do pars, nasquais todo o nosso segredo civilizatorio parece depender da escolha dadicotomia mais adequada: modernos vs. atrasados ou tradicionais; ordempiiblica vs. ordem privada; centralizagao vs. descentralizagao; sistole vs.diastole (para mencionar uma das mais pobres da serie), entre tantas.

Apars construens dessa insatisfagao parece decorrer de uma indagagaosimples, precisa e estrutural na interpretagao do autor: e necessario proce-der dessa forma? Ou, ainda: nao seria possfvel construir uma interpretagaona qual todos os aspectos polares dessas dicotomias possam ser preserva-dos, como partes de explicagoes plausfveis? Essa parece ser a aproximagaodecisiva com o problema teorico e historico basico do texto: como inter-pretar o Brasil, supondo-o dotado de uma experiencia sincretica, um tantoassemelhada a antropofagia oswaldiana (para mobilizarmos outro grandeinterprete do Brasil), na qual tudo se deglute e se incorpora e nada secancela?

A primeira impressao do texto, portanto, remete o leitor a um encontrocom o complexo e multivariado processo de construgao do Brasil moder-no. Neste sentido, uma vez capturados pelo convite, navegamos no contra-fluxo do minimalismo analftico e da compartimentalizagao disciplinar.Mas seria simplorio reduzir o alcance do texto a uma simples refutagao dominimalismo. Na verdade, e para isso basta consultar a impressionantebibliografia respeitosamente utilizada, Edson Nunes poe uma consideravelquantidade de investigagoes pontuais — sobre perfodos, politicas, ins-tituigoes etc. — a seu servico. Portanto, as potencializa e as reinscreve emum projeto interpretativo teorica e analiticamente mais ambicioso. Dessaforma, trata-se de um ensaio de interpretagao do Brasil, alimentado poriniimeras contribuigoes recentes das ciencias sociais no pais.

PREEACIOATERCEIRAEDigAO 5

A sintese indicada, ou bricolage teoricamente bem orientada, diz res-peito ainda a uma invulgar familiaridade do autor com diferentes tradigoesdisciplinares. No texto estao presentes contribuigoes nao apenas da cienciapolftica, mas da antropologia, da historia, da sociologia, da economia,aliadas a uma preocupagao comparativa muito forte. O tema da cooperagaodisciplinar e central para o texto e decorre do modo pelo qual seus objetosde analise sao defmidos. Se a experiencia republicana brasileira pode serapresentada como um processo sincretico, varias abordagens e pers-pectivas devem estar presentes no esforgo de elucidagao. Em particular,deve ser ressaltada a decisao intelectual de tratar os processes politicos emacropoliticos como configuragoes envolvidas pela vida social e pelosfluxos historicos. A influencia de Karl Polanyi nesse aspecto e notavel:nao apenas os mercados estao "embeded " nas relagoes sociais, comotambem as instituigoes e praticas politicas ocorrem em tempos e lugaressubstantivamente preenchidos pela experiencia historica. Nao ha, pois,lugar para um institucionalismo por vezes autista, a despeito do fato de olivro tratar do longo processo de fabricagao institucional na repiiblicabrasileira. Trata-se, enfim, da boa e falivel ciencia da polftica, atenta asdimensoes da historia, da dinamica social e da cultura.

O foco do livro incide sobre o "processo de construgao institucional",desenvolvido no pais, em meio a "profundas mudangas economicas esociais". Dessa indicagao decorre uma interpretagao a respeito das relagoesentre "sociedade e instituigoes politicas formais". Esse enquadramentoclassico, por sua vez, da lugar a uma inovagao analitica de grande monta:a hipotese de que o processo de construgao institucional brasileiro equadruple, ja que sustentado por "quatro padroes institucionalizados derelagoes ou 'gramaticas' que estruturam os lagos entre sociedade e ins-tituigoes formais no Brasil: clientelismo, corporativismo, insulamentoburocratico e universalismo de procedimento".

A engenhosa nogao de "gramatica", com toda sua carga semantica,indica a existencia do que poder-se-ia designar como as diferentes lingua-gens em uso no mundo da polftica. Se linguagens sao formas de vida, as"gramaticas" indicam os princfpios que as estruturam. No texto, taisprincfpios estao presentes no modo pelo qual instituigoes e sistema socialse articulam e, o que e fundamental, na maneira pela qual agoes eexpectativas humanas sao produzidas.

As gramaticas sugeridas podem, em princfpio, ser representadas comose fossem camadas arqueologicas, que ao longo da historia vao seproduzindo e se sobrepondo. Assim, o clientelismo, enquanto modo

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A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

dominante de articula9ao entre sociedade e sistema politico e como formatipica de comportamento politico e social, apresenta-se como trac,o dis-tintivo da Republica Velha, a despeito do formalismo liberal presente daletra da Constitui9ao. E de se notar, no entanto ja no ambito da PrimeiraRepublica, a presen9a de um, digamos, proto-animo insulador, voltadopara a definicao de arenas e agendas a salvo da preda§ao oligarquica tipica.

No governo Campos Salles (1898-1902), por exemplo, certas defi-nigoes cruciais para a agenda do Estado — tais como politica economicae fmanceira — foram insuladas em torno do presidente e nao submetidasa "gramatica" predominante. Em um certo sentido, a concentragao depoderes nas maos do presidente — cuja meta era a insularidade absoluta*— teve como contrapartida o reconhecimento do controle estadual exer-cido, por sabe-se la que meios, pelas oligarquias sobre seus territoriesespecificos. Gilberto Hochman, em A Era do Saneamento, detectou combrilho a formagao de uma consciencia sanitarista, em pleno Brasil oligar-quico, animada por profissionais do sanitarismo, responsaveis principaispela implementa§ao de polfticas de saiide e saneamento, por todo o pais,expressas em uma linguagem distinta da "gramatica" do clientelismo.

Mas, mesmo essas evidencias a respeito da presen9a de um padrao deaQao social e politica com pretensoes insuladoras nao sao suficientes paraalterar a configura9ao geral da sociedade e de sua intera§ao com o sistemapolitico, marcada predominantemente pelas praticas e pelos valores doclientelismo.

Coube aos reformadores de 1930 imaginar uma forma de articula§aoentre sociedade e sistema politico na qual as praticas e valores dos "car-comidos" nao tivessem mais lugar. Se insistirmos na metafora arqueologi-ca, com os anos trinta a Republica brasileira produz a sua segunda camadacivilizatoria, caracterizada pela "gramatica" do corporativismo. Esse novoparadigma opera, na verdade, uma dupla refutac.ao: a um so tempo o idea-lismo constitucional — para evocar a'interpreta§ao do Brasil de OliveiraViana — , caracterizado pelas fic96es do liberalismo, e a cultura predatdriado clientelismo sao apresentados como fatores de atraso. O que se impoee uma nova forma de organizacao da sociedade, na qual o atributo trabalho

* A busca da insularidade absoluta esta presente na frase lapidar de Campos Salles:"Quern se propoe a consultar opinioes alheias sujeita-se naturalmente a modificar assuas, e era isso que eu queria evitar." A admiragao confessada por Campos Salles, porparte de proceres recentes na politica brasileira, indica a perenidade da busca mencio-nada.

PREFACIOATERCEIRAEDICAO 7

e as identidades profissionais aparecem como base de classifica§ao sociale como referenda para a atribuicao de direitos e obriga§6es.

O texto de Edson Nunes demonstra de forma inequivoca que as pre-tensoes de profilaxia tiveram sucesso restrito. As expectativas do capitaoFrederico Buys, que exigia a canibalizagao dos governantes carcomidos— "Vamos come-los. Devemos ser rudes como verdadeiros canibais" —,tiveram retorno relative. O entulho liberal, com certeza, foi varrido, masas "gramaticas" do clientelismo e do corporativismo acabaram por desco-brir formas perenes e significativas de cooperac,ao reciproca. Nesse as-pecto reside um dos pontos fortes do livro, qual seja o de tratar a culturado clientelismo como um padrao de troca que nao exige como condigaonecessaria a presenga do agrarismo e do atraso oligarquico. Como padraoespecifico de troca social, o clientelismo pertence a modernidade emanifesta compatibilidade com outras formas de configura§ao social. Daidecorre a decisao do texto de tratar do tema do clientelismo sem mobilizara moldura oligarquica e agraria da Primeira Republica. Como resultado,temos um tratamento mais sofisticado do tema, sem as inevitaveismengoes ao folclore coronelfstico, e com capacidade para iluminar as-pectos importantes do Brasil urbano e moderno.

Ainteragao e a fertilizagao reciproca entre as gramaticas do clientelismoe do corporativismo ja indicam que a metafora das camadas arqueologicasdeve ser reparada. Nao se trata mais de superposi9§o, mas de articula§aoe de desenvolvimento combinado. Edson Nunes mostra, ainda, que caberaao primeiro periodo de governo de Getulio Vargas a definicao de criteriospara a forma9ao de um novo sistema de servi§o publico — via DASP —com caracteristicas gramaticais proprias, baseadas em uma cultura deuniversalismo de procedimentos. Nova gramatica, portanto, que vem aomundo envolvida por linguagens que nao Ihe sao proprias, em func.ao docontexto mais amplo no qual o clientelismo redivivo e nacionalizado e ocorporativismo estao implantados e ativos.

A analise contida nos capitulos 4 e 5 e magistral. Ela demonstra como,no pos-45, a arquitetura institucional do Brasil moderno se constituiu.Trata-se do momento mais complexo e rico do sincretismo, no qual umaordem moderna, politicamente aberta e atravessada por forte crescimentoeconomico estabelece suas rotinas e formas proprias de organizacao.Nesses dois capitulos, a experiencia da Republica de 1946 e dissecada e oengenho politico de Getulio Vargas e Juscelino Kubitschek e posto emrelevo, na arte de combinar as gramaticas do clientelismo, do corporati-vismo, do universalismo de procedimentos e do insulamento. Este ultimomecanismo acabou por ser decisive para a constitui9ao da grande capaci-

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A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

dade estrategica, que o Estado brasileiro manteve ate o fim dos anosoitenta. As principals agendas publicas que sustentaram a modernidadeno pais decorreram de arranjos pelos quais se pretendeu evitar a capturapolitica, corporativista e clientelistica.

A analise de Edson Nunes e fundamental para o entendimento dadinamica do primeiro experimento democratico brasileiro, o da Republicade 1946. O desempenho eleitoral e politico dos dois principals partidosdaquele regime — o PSD e o PTB — nao pode ser adequadamente avaliadosem o jogo contraditorio e complementar das gramaticas do clientelismo,do corporativismo e do universalismo. Quanto a UDN, vale a percep§ao dotrajeto que vai da defesa asseptica do universalismo a aberta escolha dasubversao da ordem, sem que a auto-imagem de vestal tenha impedido,em muitos aquis e alis, o uso de gramaticas abjetas.

For fim, a indagagao de Bresser Pereira, em seu belo prefacio, eincontornavel: "Qual e a relevancia dessa analise para o tempo presente?"Concordo com Bresser em sua avalia?ao do estado atual do corporativis-mo: nos tempos que correm ele assume fisionomia marcadamente social.Trata-se de organizar e definir interesses corporativos basicos, a partir dadinamica propria das diferentes identidades sociais. O modelo e distintodaquilo que os analistas designam como "corporativismo estatal", no qualo poder piiblico define e autoriza a expressao corporativa daquelas identi-dades. Esse, digamos assim, novo corporativismo e perene e decorre dapropria energia associativa de sociedades nas quais nao vigoram restri9oesa liberdade de organiza§ao. Nesse sentido, a retorica oficial brasileira"anticorporativista", em tempos recentes, manifesta certa dificuldade emreconhecer as implica§6es plenas do direito a organiza§ao de interesses.

O clientelismo segue sendo uma gramatica basica na sociedade brasi-leira, sobretudo se for compreendido, tal como o faz Edson Nunes, comoum padrao especifico de troca social. E mais, as dimensoes do mercadopolitico brasileiro — megaeleitorado cum alta competitividade politica —permitem supor a perenidade dessa gramatica. Mesmo as eleigoes de 2002que, na avaliacao de Fernando Henrique Cardoso, significaram uma opc.aopela modernidade politica e social, acabaram abrigando escolhas eleitoraisde evidente conteudo clientelistico, em unidades importantes da federa^ao,tais como Rio de Janeiro e Distrito Federal.

Quanto ao insulamento burocratico, a chamada "reforma do estado" —proposta doutrinaria que acabou ganhando foros de subarea da cienciapolitica —, empreendida desde o governo Collor e durante os dois man-dates de Fernando Henrique Cardoso, dissolveu varias de suas agendas einstituigoes centrais. O processo de privatizagao de importantes empresas

PREFACIO A TERCEIRA EDigAO 9

publicas reduziu a capacidade estrategica do Estado. Uma agenda estataldecisiva para a defmic.ao e implementa9ao de estrategias de desenvolvi-mento, o BNDES, teve sua agenda alterada, passando a operar comoorganizador do processo acima mencionado. As agendas reguladoras, queseriam marcas do novo modelo gerencial de administra9§o, parecemconstituir novos modos de insulamento, na medida em que nao possuemformas claras de responsabilizafao e controle social.

A "reforma do estado" que teria alterado para melhor o mapa gramaticalbrasileiro acabou por exibir uma face prioritariamente negativa: sua agen-da destrutiva foi mais nftida. O novo modelo nao chegou a ser exibido, adespeito da notavel produ9ao doutrinaria a respeito. De qualquer forma, onovo Estado foi decisivo para permitir a integra§ao brasileira no sistemaeconomico e financeiro internacional. Nesse aspecto, com certeza, houvefuncionalidade. Todo o problema parece residir no fato de que esse novomodelo, alterando a configura9§o tradicional do Estado brasileiro, nao foicapaz de proporcionar crescimento.

A pergunta para o futuro, entao, deve ser a seguinte: mantidas, com osdevidos aggiornamenti, as gramaticas basicas do clientelismo, do corpo-rativismo e do universalismo de procedimentos — este ultimo potenciali-zado pelo processo de consolida9ao da democracia —, como definir umformato para o Estado brasileiro que permita que este retome sua capaci-dade decisiva de indu9§o do crescimento?

Se aceitamos o desafio da pergunta, o texto de Edson Nunes nao eapenas atual. Ele e de considera9ao compulsoria. Quer como exercicioacademico sofisticado, quer como interpreta9ao do Brasil — ou comoambos, por que nao? —, o leitor tern diante de si, a partir das proximaspaginas, um brilhante convite para pensar o futuro do pai's.

RENATO LESSAVisconde de Maud, fevereiro de 2003

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PREFACIO

POLITICA E INSULAMENTOBUROCRATICO NO BRASIL

Muitas sao as teses de doutorado apresentadas por estudantes brasileirosno exterior. A grande maioria, embora revele esfor9o importante depesquisa ou de formalizafao, morre nas bibliotecas das respectivas uni-versidades dado o carater pontual e freqiientemente irrelevante do temaque tratam. A tese de doutorado de Edson Nunes, apresentada em 1984 naUniversidade da California, Berkeley, estava amea9ada de ter tambem essedestino. Um destine, entretanto, que neste caso seria injusto para o autore para o Brasil, ja que este trabalho e uma das mais instigantes e originaisanalises da politica brasileira. Em boa hora, Jorge Zahar Editor e a EscolaNacional de Administra9ao Publica resolveram o problema publicando-a13 anos depois. I

O autor parte de um modelo basico: existem quatro padroes ins-titucionalizados de relafoes ou "quatro gramaticas" que estruturam os13908 entre sociedade e Estado no Brasil. Sao elas: o clientelismo, ocorporativismo, o insulamento burocratico e o universalismo de procedi-mentos. O clientelismo faz parte da tradi9§o secular brasileira e seus outrosdois nomes sao patrimonialismo e fisiologismo; ja as outras tres institui-9oes emergem nos anos 30, sob o governo de Getulio Vargas. A partir dessemomento as quatro gramaticas passam a conviver e a se inter-relacionar.Sera esse compromisso, do qual Getulio Vargas e Juscelino Kubitschekserao os mestres, que ira viabilizar a constru9ao de um Estado nacional ea ocorrencia de um poderoso processo de industrializa9ao no Brasil. ';

Essas quatro institui9oes politicas dividem o trabalho: o clientelismo eo corporativismo sao instrumentos de legitimidade politica; o insulamentoburocratico, a forma atraves da qual as elites modernizantes tecnoburocra-ticas e empresariais promovem o desenvolvimento; o universalismo de

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12 A GRAMATICA POLfTICA DO BRASIL

procedimentos, a afirma9§o lenta de um regime burocratico rational-legale eventualmente democratico. Digo eventualmente democratico porque oautor nao identifica o universalismo de procedimentos com a democracia.A instauragao do universalismo de procedimentos ocorreu no Brasil, noperiodo analisado (1930-60), principalmente atraves de tentativas de re-forma do service publico e da implantac.ao de um sistema de merito.Embora as elites se julgassem portadoras legftimas de valores modernose universalistas, nao estavam entao particularmente interessadas na demo-cracia. Ate os anos 60, elas estavam muito mais preocupadas com odesenvolvimento que entao se identificava com a industrializa9ao.

A combinac, ao das quatro gramaticas ocorre de maneira variada, depen-dendo do momento. Vargas faz uso principalmente do corporativismo,atraves do qual organiza as relates do Estado com a sociedade, e do clien-telismo, que Ihe permite manter as velhas oligarquias polfticas sob contro-le. O insulamento burocratico e o universalismo de procedimentos, entre-tanto, ja estao presentes em seu primeiro governo. Em seu segundo governoe no governo Kubitschek, sera o insulamento burocratico que dara a tonica.O clientelismo sera dominante no governo Goulart. Nos governos militares,o insulamento burocratico volta a ser dominante, acompanhado pelo cor-porativismo, enquanto o clientelismo e colocado em segundo piano.

O clientelismo existira em todos os momentos como uma forma de lidarcom os pollticos, que no Brasil da epoca estudada sao intrinsecamentepopulistas, tendo seu comportamento reforcado pelo fato de que e umcomportamento esperado e desejado por parte dos eleitores. O insulamentoburocratico e a estrategia por excelencia das elites para driblar a arenacontrolada pelos partidos pollticos. A competencia tecnica da burocraciae o universalismo de procedimentos eram os meios para center a ir-racionalidade populista considerada entao inerente aos pollticos. O corpo-rativismo, atraves do qual o Estado intermediava os interesses de empre-sarios e trabalhadores, completava a estrategia de moderniza§ao. Nessequadro, o clientelismo era ao mesmo tempo o instruments politico porexcelencia para garantir a implementa§ao de polfticas modernas, o seumaior adversario.

A polftica de moderniza§ao e desenvolvimento ficava a cargo dainstitui§ao do insulamento burocratico. Atraves dela os tecnoburocratasestatais se protegiam da influencia politica em agendas de governo comoo DASP, onde pontificou a burocracia classica, como a SUMOC, dominadapor uma tecnoburocracia nacionalista (Cleanto de Paiva Leite, Glycon dePaiva, Romulo de Almeida, Jesus Scares Pereira, Ignacio Rangel). Nao seimagine, entretanto, que estes homens eram apenas tecnicos. Eram teeni-

PREFACIO 13

cos pollticos, que se envolviam permanentemente em estrategias polfticaspara garantir sua autonomia sempre precaria.

Embora concentrando sua analise no periodo de 1930 a 19_6£L_EdsonNunes prossegue pelo regime militar, mostrando, com dados muito claros,como foi enorme o aumento do insulamento burocratico nesse periodo.Deixa, entretanto, de dar a importancia necessaria ao Decreto-lei 200, de1967, atraves do qual os militares tentam realizar uma reforma adminis-trativa pioneira, de cardter gerencial.

A pergunta que cabe agora e: qual a relevancia dessa analise para otempo presente? Tres mudan5as fundamentais ocorreram depois da analisecontida neste livro: a sociedade civil ampliou-se, modernizou-se e tornou-se mais democratica. A democracia foi restabelecida em 1985 e, dez anosdepois, em 1995, o governo Fernando Henrique Cardoso propos umareforma administrativa centrada na ideia da transi?ao de uma adminis-tracao piiblica burocratica para uma administrafao publica gerencial.

Com o retorno da democracia, reforca-se o universalismo de procedi-mentos, agora entendido de forma plena. Com sua contrapartida, o clien-telismo patrimonialista reaparece como pratica, embora cada vez maiscondenado em termos de valor. O corporativismo, por sua vez, perde forga,deixando de ser uma forma de organizacao da sociedade intermediada peloEstado, para se transformar em mera estrategia de defesa de interesses pordeterminados grupos sociais. E o insulamento burocratico e colocado emcheque como antidemocratico. Nesse quadro, a tecnoburocracia estatalperde poder na medida em que nao consegue mais legitimidade para seinsular na polftica. Perde poder, alem disso, porque a queda do regimemilitar esta relacionada a uma profunda crise do Estado nacional-desen-volvimentista, que fora sua principal obra.

Sua reacao diante da crise e da perda de poder e perversa: ela, que sepropunha ser o princfpio de racionalidade na arena polftica brasileira, partepara a defesa irrational e logra, na Constituigao de 1988, eliminar todosos avan§os que haviam sido alcan9ados desde o Decreto-lei 200 na dire?aode uma administragao polftica gerencial mais moderna e voltada paracontrole de resultados, ao inves do controle rigido dos processos. O retro-cesso burocratico, entao ocorrido, cria privilegios para a burocracia naforma de estabilidade plena e aposentadoria integral, engessa toda aadministraQao publica tornando-a dramaticamente centralizada e inefi-ciente, e corroi a imagem da alta burocracia publica que tantos servifosprestara ao pafs.

No piano polftico, por sua vez, ocorre um grande avanco democratico.O clientelismo continua presente nos partidos polfticos, mas a critica da

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a 4 A GRAMATICA POLITICA DO BRAS1L

sociedade a esse tipo de comportamento e cada vez mais forte, abrindoespago para o aparecimento de polfticos modernos, situados tanto naesquerda quanto na direita do espectro politico-ideologico. Sera com baseem uma sociedade civil ampliada e democratizada e na lideranga dep,oliticos modernos apoiados novamente nos melhores setores da tecnobu-jeicracia que, a partir de meados dos anos 80, inicia-se amplo processo deref orma do Estado brasileiro. Reforma que aponta na diregao de um Estadoregulador e fmanciador, ao inves de executor. Na diregao de um Estadojnenor, embora mais rigido politicamente, de forma a ganhar governabili-dgde. E na diregao de um Estado mais forte financeiramente e dotado deinstituigoes e estrategias administrativas gerenciais, que Ihe permitemraumentar seu grau de governanga.,M, Dentro desse quadro, sera ainda necessario manter a estrategia de.qompromisso que caracterizou o periodo analisado neste livro, principal-mente os anos 50? Compromissos, acordos e concessoes miituas sempreSjerao necessaries. Afinal, a politica e a arte do compromisso. Mas oscompromissos e as permutas (trade-offs) serao outros. Atraves das "agen-das autonomas" e das "organizagoes sociais" o Estado brasileiro poderacontar com instituigoes muito mais flexiveis, eficientes e voltadas pararesultados. Instituigoes, entretanto, que nao serao caracterizadas principal-jnente pelo insulamento burocratico, mas pelo controle de uma alta buro-cracia situada no niicleo estrategico do Estado, a qual respondera aospolfticos eleitos. A eficiencia somar-se-a, assim, a demanda de responsa-jjilizagao (accountability). For outro lado, o controle da agao das agendasautonomas e das organizagoes sociais nao ocorrera apenas atraves decontratos de gestao firmados com os polfticos e burocratas situados noriucleo estrategico, mas, de forma crescente, atraves de mecanismos departicipagao social, em que os cidadaos controlem os servigos prestadospelo Estado.

Na conclusao do livro, Edson Nunes afirma que as elites reformistas,preocupadas com a governabilidade, deverao ter sempre em mente asgramaticas que relacionam Estado e sociedade. Nao ha diivida. Nessesentido, sua contribuigao intelectual — ao explicar essas gramaticas ouinstituigoes integradoras e organizadoras da sociedade brasileira — efundamental. As instituigoes integradoras e coordenadoras hojerelevantes,entretanto, nao sao mais as mesmas. A definigao de quais sejam elas nosanos 90 e como se inter-relacionam e uma tarefa a ser realizada, para aqual esse livro servira de poderosa inspiragao.

.ocl

Luiz CARLOS BRESSER PEREIRAMaio de 1996

CAPITULO 1

POLITICA E ECONOMIA

O Brasil pertence ao grupo de paises que adotaram, nos ultimos 50 anos,uma economia capitalista moderna e internacionalizada. Paises que pro-_curam implantar uma_ ordem capitalista moderna tem de criar novasinstituigoes. Aoperagao de um sistema capitalista moderno exige compor-tamentos individuals e institucionais compativeis com a logica da produ-gao economica.

A moderna ordem economica capitalista penetra todas as esferas davida social e estende-se a outras instituigSes; a logica do mercado torna-sea regra predominante para a organizagao da vida politica e social, e oscomportamentos individuals tambem sao embutidosna logica da produgaoeconomica.

Observando o impacto da produgao capitalista na sociedade, MaxWeber chamou a atengao para a mesma ordem de problemas que se-riam mais tarde brilhantemente reunidos pela antropologia economica dePolanyi:

• PA economia capitalista dos dias de hoje e um imenso cosmo dentro do qua! oindivfduo nasce e que se apresenta a ele, ao menos enquanto individuo, como umainalteravel ordem de coisas dentro da qual ele deve viver. Forga o indivfduo, namedida em que este esta envolvido no sistema de relacpes de mercado, a adaptar-sea normas capitalistas de agao. O empresario que a longo prazo age contra essasnormas sera inevitavelmente eliminado do cenario economico, da mesma maneiraque o trabalhador que nao possa, ou se recuse a adaptar-se a elas sera atirado a rua;

sem trabalho.1 5

E evidente que a ideia de que a realidade social e organizada em tornSde um complexo entrelagamento de forgas mais "modernas" e menos"modernas" de comportamento ja foi amplamente debatida. Entretanto"0

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16 A GRAMATICA POLITICA DO BRAS1L

estudo das relagSes entre caracteristicas do mercado e da ausencia demercado, entre modernidade e tradigao, continua a ser um ponto basico dereferenda nas ciencias sociais. No contexto dos estudos brasileiros, asinterpretagoes do Brasil contemporaneo tern sido])roTificaa£a'produgao dedicotomias, todas representando variances em torno do tema classico dos"dois Brasis": desenvolvimento versus subdesenvolvimento, Brasil urba-no versus Brasil rural, industrializagao versus oligarquia rural, poder pu-blico versus ordem privada, centralizac^ao versus poder local, sistole versusdiastole, representacao versus cooptac_ao, tradigao versus modernidade,Brasil versus India. Ahistoria do pais tem sido freqiientemente explicadaem termos da tensao constante entre_dois polos jpsjgemterminaveis, ou entiejigjgj^

.Dessa forma, Nestor Duarte, Oliveira Viana e Victor Nunes Lealenfatizaram a importancia do poder privado como uma barreira a cons-trugao de uma ordem publica. De Oliveira Viana e Francisco Campos aRaimundo Faoro e Simon Schwartzman, os estudiosos investigaram o usodo poder publico na criagao de uma ordem estatal. De Maria Isaura Pereirade Queiros a Golbery do Couto e Silva, enfatizaram a importancia desucessivos momentos de centralizagao e descentralizagao, de sistole ediastole, na formagao da sociedade e do Estado brasileiro. A Belindia deEdmar Bacha, por exemplo, e a mais recente manifestable, desde a oticada desigualdade, deste "olhar". Nao e exagero dizer que a ideia dos doisBrasis tem exercido um permanente fascinio, em suas variadas formas,sobre a vida intelectual brasileira.

As dicotomias se mostraram uteis na produ§ao de muitas analisesperspicazes sobre a politica e a economia brasileiras. Entretanto o sistemainstitucional evoluiu _para umaJ[Qima_queJ:ranscende-a-JiocaQ--dQS-SdQis-Brasis". Ao mesmo tempo que tem surgido criticas a tese da sociedade

qu&elementos dejradigaojg _mg_dCTr^ad^jnte^aggm_defgrmaj5.elatoiadas,e partir para a analise sistematica dessa interagao e para a construgao deum arcabougo analitico que capture as varias dimensoes de sua interagao.

Em geral, grande parte da critica ao paradigma da sociedade dualistaorigina-se de uma perspectiva neomarxista, que focaliza as complexidadesenvolvidas na articulagao de modos de produgao. Freqiientemente, a criticaabordou o problema a partir de uma otica economica e internacional. Agorae oportuno desagregar o enfoque da sociedade dualista, partindo de umaperspectiva que combine a preocupagao com a economia e um foco solidona intera<;ao entre varias dimensoes institucionais, dentro da esf era politicade um caso nacional.

INSTITUigOES, POLITICA E ECONOMIA 17

No contexto deste foco politico interpretative, e importante demonstrarcomo emergiram novos tipos de organizagoes pollticas e sociais, como setornaram institucionalizadas e que impacto causaram em grupos, resolu-gao de conflitos, padroes de intermediagao de interesses e governabilidade.Defendendo a relevancia do estudo das instituigoes pollticas, ArthurStinchcombe sugere que, ao responder a questao sobre como as relag5esde classe sao agregadas na sociedade, nao podemos olhar simplesmentepara a esfera economica. A resposta "depende de como o sistema politico,e nao a economia, as agrega".2

As instituigoes pollticas desempenharam um papel crucial na formagaode relagoes de classe e de padroes de acumulagao de capital, no processode implantagao de uma moderna ordem economica industrial no Brasil.Desempenharam tambem um papel crucial na manutengao e integragaodentro de um marco nacional, de muitas relagoes que nao refletem aexistencia de um moderno modo de produgao capitalista no pais.

No_processj3 de adoQao do capitalismo moderno, o Brasil^ tevg_d_e_criar,__ niuitasjnstituigoes novas em periodode ternpgjgMiyjn^nte^urto. Con-

tradizendo os diagnosticos de Weber e Polanyi, entretanto, nem todasforam^penetradas pela logica impessoal das modernas rel agoesde jnerca-_do._Este processo de construgao institucional, em meio a profundasmudangas economicas e sociais, constitui o foco deste livro. Proponho,aqui, um arcabougo interpretativo para compreender as relagoes entresociedade e instituigoes pollticas formais no Brasil contemporaneo.

A analise inicia-se com uma discussao das caracteristicas do capitalis-mo em sociedades industrials avangadas, em contraste com sociedadescamponesas e sociedades capitalistas perifericas e nao-industrializadas. Oobjetivo, obviamente, nao e reificar estes contrastes, mas toma-los comoponto de partida para distinguir diferentes conjuntos de relagSes pos-siveis entre modo de produgao, padroes de agao social e instituigoespollticas formais, e ainda propor que existem quatro padroes institucio-

jializadgs_de j^elagoes ou "gramaticas"_que ^stnituram_ps jagos entres^0£kdadee instituigoes formais jig Brasihclientelismo, corporativis-mp, insulamento burocratico e universalismo de procedimentos. Dos qua-tro, apenas o ultimo reflete claramente a logica do moderno mercadocapitelisto.^;

Apos expor a estrutura teorica, realize uma analise historica dos fatoresque contribuiram para a existencia desse quadruple sistema institucionalbrasileiro. Nos ires capitulos subseqiientes, mostro como o corporativis-mo, o insulamento burocratico e o universalismo de procedimentos incor-poram-se ao clientelismo ja existente.

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18 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

Meu argumento e o de que a institucionalizacao das quatro gramaticasprogrediu de maneira desigual atraves do tempo, tomando-se como pontode partida o primeiro governo Vargas (1930-45). Na decada de 30, alegislacao corporativista surgiu como um esforcjo para se criar uma soli-dariedade social e relacpes pacificas entre grupos e classes, onde naoteriam lugar a tradicional divisao entre partidos politicos nem os erros daordem economica liberal.

Em 1933 o Brasil elegeu uma Assembleia Constituinte permeada pelarepresentacao corporativista. 0 regime de 1934 foi substituido por umaditadura, em 1937, mas os dispositivos corporativistas estao em vigor atehoje: nao criaram a solidariedade social entao desejada, mas fimgjpjnataai.corno poderoso instrumento de controle e atrelamento do trabalho _apEstado. j

No periodo pos-30, um processo de centralizagao politica desenvolveu-se paralelamente a instauracao dos regulamentos corporativistas, retirandodos estados e municipios quase todos os meios para o exercicio da politicaclientelista e transformando o governo federal no mais poderoso atorpolitico do periodo.

x De 1937 emjdiante, quando_s£ .consoliHmi a._difadiira.,_as_nQtm.ascorporativistas intensificaram-se. e fortalece_UrSe_a_cejitraIizacaQj^Q-en=--, tanto, centralizagao e corporativismonaQ_cQnsgguiram destruir o cliente-Ijsmo. Ao contrario. geraram novos recursos^para_sua_pEatica^£e.cursos-agora administradospelo governo federaL,

TTEstado Novo (1937-45) procurou tambem alterar as bases tradicio-nais do Estado brasileiro atraves de uma reforma do servi$o piiblicobaseada no universalismo de procedimentos. O novo regime criou, ainda,um corpo tecnico, isolado das disputas politicas, para assessora-lo naformulacao de politicas. Um de meus objetivos nesse livro e examinar olegado da decada de 30, no qual o corporativismo constitui, sem duvida,uma de suas parcelas mais importantes. As tentativas de implantacjao tantodo universalismo de procedimentos quanto do insulamento burocraticonao foram tao bem-sucedidas nem tiveram tanto apoio quanto os regula-mentos corporativistas.

O regime democratico de 1946 emergiu quando uma das novas grama-ticas, o corporativismo, ja se encontrava em pleno funcionamento ao ladoda antiga, o clientelismo. Os novos partidos politicos, criados com aredemocratizagao, fizeram largo uso do clientelismo em seu processo deconstituigao, renovando e reforgando, portanto, esta antiga gramatica. Ouniversalismo de procedimentos foi menosprezado, mas o corporativismofoi mantido.

INSTITUigOES, POLITICA E ECONOMIA

Os anos que se seguiram a instalagao do regime democratico foramanos de construcao partidaria, em que os recursos do Estado desempe-nharam um papel crucial. Dos tres mais importantes partidos que emergi-ram no periodo, apenas um nao teve acesso a esses recursos desde o infcio.O PSD e o PTB, partidos criados no interior do aparelho de Estado, formaramuma "coalrzao de fato" para a patrtihagem, enquanto a UDN jamais encon-trou sua verdadeira identidade e oscilou entre tentativas de participagao napolitica clientelista e posturas em def esa do universalismo de procedimen-tos, da moralidade publica e das regras do mercado.

As elites modernizantes encaravam esta coalizao de fato para a patro-nagem como um obstaculo ao progresso. Ja que o universalismo de proce-dimentos ainda nao era suficientemente forte para desalojar a ordem tra-dicional controlada pelos partidos politicos, a solucao pareceu ser acriacaode uma burocracia insulada^jij'imjde perse_guir_a realizacao de politicas

que nao fosse^Timltadas. __ciL_As agendas protegidas pelo insulamento burocraticq rnostraram-se_disrjostas a manter procedimentos _tecnicos e uma certa dose de universa-

de seus funcionarios._No inicio da decada de 50 foram criadas varias agendas insuladas, em

meio a um intense debate entre nacionalistas e internacionalistas. As novasagendas, embora tecnicamente competentes, eram profundamente politi-zadas e pautaram suas atividades por opcoes politicas claras, atitude quetambem influenciou o recrutamento de seu pessoal. Na formulagaq eimplementa5ao das politicas economicas que conduziram a consolidacaodo processo de industrializacao, algumas agencias tinham um forte traconacionalista, enquanto outras apresentavam uma tendencia mais "cosmo-polita".

Dois presidentes da decada de 50, Geailio Vargas e Juscelino Kubits-chek, beneficiaram-se da operacao competente dos dois tipos de agencias,utilizando, ao mesmo tempo, o corporativismo e o clientelismo entreoutras arenas politicas. Gragas a habilidade na manipulacao de instituigoesfundadas em logicas diferentes, os dois presidentes coonestaram e incen-tivaram a institucionalizagao de um sistema politico multifacetado noBrasil. A partir dos anos 50, clientelismo, corporativismo, insulamentoburocratico e universalismo de procedimentos desempenharam, atraves dediferentes formas institucionais, um papel fundamental na vida politica dopafs.

Sintetizando, meu objetivo e mostrar como a introdu$ao do capitalismomoderno no Brasil interagiu com a cria$ao de um sistema institucionalsincretico, agora nacional e multifacetado, e nao mais regional e dualista.

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20 A GRAMATICA POL1TICA DO BRASIL

Neste sentido, analiso o problema da articulagao desta sociedade que seindustrializa, do ponto de vista de suas estruturas politicas em interagaocom a sua transformagao economica.

NOTAS

1. Max Weber, The Protestant Ethic and Spirit of Capitalism; ver tambem KarlPolanyi, The Great Transformation; e George Dalton, "Primitive, Archaic and ModernEconomies: Karl Polanyi's Contribution to Economic Anthropology and ComparativeEconomics", Essays in Economic Anthropology, Dedicated to the Memory of KarlPolanyi.

2. Arthur Stinchcombe, Economic Sociology, p.247.

CAPITULO 2

TIPOS DE CAPITALISMO, iNSirruigoESE AgAo SOCIAL

npBrasil: clientelismo, corporativismo, insulamento burocratico e univeivsalismo de procedimentos. As instituicoes formais podem operar numavariedade de modos, segundo uma ou mais gramaticas. Grupos socialspodem, igualmente, basear suas agoes em consonancia com uma ou maisgramaticas.

Para colocar a discussao na perspectiva apropriada, este capitulo desen-volve-se em tres etapas. Primeiro, reve conceitos que tern sido utilizadosna discussao das diferengas e similaridades entre as instituiqoes formais eos padroes de intermediaqao de interesses nas modernas formagoes capi-talistas industrializadas e numa periferica e semi-industrializada como oBrasil. Tambem salienta o papel crucial desempenhado pelortiming em queelementos universais similares podem combinar-se para cTgeragao dediferentes resultados socials e politicos na periferia nao-industrializada,em compara^ao com o centre industrial. Apesar de as categorias de centrae periferia serem altamente agregadas e conterem, obviamente, enormesvariances no seu interior, elas sao uteis como um ponto de referenda inicialpara introduzir os conceitos utilizados neste capitulo.

Em segundo lugar, introduz o tema do clientelismo como um compo-nente distintivo de certas sociedades capitalistas. O clientelismo e contras-tado com o universalismo de procedimentos das sociedades capitalistasindustrializadas, atraves de uma distingao entre "troca especifica" e "trocageneralizada" nas sociedades de mercado.

Finalmente, estabelece um contraste entre o corporativismo — comouma das principals caracteristicas da forma de governo brasileira — e oclientelismo. A conclusao e a de que a no§ao do clientelismo pode

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22 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

complementar com sucesso os esforgos dos estudiosos do corporativismo,preenchendo varias lacunas ainda nao cobertas pelos analistas.

VARIANTES DE CAPITALISMO E INSTITUTES

O capitalismo e geralmente entendido como um modo de producao emque a propriedade e o controle dos meios de produgao estao na mao daburguesia. Este modo de producao requer a existencia de um mercado detrabalho livre. Os proprietaries dos meios de produgao compram nomercado a quantidade de trabalho necessario a produgao de bens. Esta e abase de um conjunto de relagoes de classe em que capital e trabalhoconstituem dois polos necessaries.1

J^ojapjitajjsjmojn^Nao existe o conflito armado da colheita nem a taxagao direta do que eproduzido pelos trabalhadores. O capitalismo moderno nao faz uso demeios extra-economicos para a extragao da parcela jiestinada _as_fragoesdominanteg. embora possa utiliza-los para reforga-la.

Dada a complexidade da sociedade capitalista moderna, a dinamica daestratificacao da estrutura de classes deixa espaco para a existencia de umamultiplicidade de grupos de interesses.2 No capitalismo moderno a agao"concertada" de grupos de individuos depende de varies f atores, tais comoposigao do grupo na matriz da estratificagao social, acesso ao uso derecursos politicos, grau de satisfagao das necessidades economicas, ar-ranjos dominantes para a agrega§ao e intermediagao de interesses, e assimpor diante. A situacao de classe nao constitui base suficiente para a acaoI »-.^n~i..ii. m i . ..A-^P ..... .1- ......in 11111.1 .. ] mini. .. 111 - mm Jr • .11.11 inn in ' .......... BsaaM-aaaaBmi^aaeang-

£°lgtiyjLgJ'-il[a

Do pontg de_vista politico, algiins_Automs,p.arle_mjLa_hlp^Je3_e_djLq.ue. omoderno_

4jorq.ue. classe e_ cjdadania sao entidades antagojuras^u'e'oTiSeralSm'o, procura reconciliar atraves do "ckmunio publico". Sufragio e ciHaHania'sTQos.e^ivajentes-gg|itirosjo_mgr^doecCTigrmcQ.jJa foi dito que a cidada-nia constitui a principal revolucao de nossa era. O "dominio publico", ondeindividuos funcionam como eleitores, como checks and balances do poderdo Estado, como cidadaos, tern sido visto como uma conseqiiencia dofuncionamento do mercado economico livre. O dominio publico^e o espago.abjstratg onde as contradicoes entre a 16gica_da_producao capitalista e asdemandas dasociedade sao reconciliadas.^

©"EstaSomoderno se transformou no primeiro detentor da for§a comoum atributo de sua autoridade. Aconstru§ao de uma autoridade racional eterritorialmente universal foi um fator-chave no desenvolvimento dos

TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUTES E AQAO SOCIAL 23

Estados capitalistas contemporaneos.4 Esta autoridade foi desenvolvidaatraves de varios tipos de dominagao que marcaram progressivamente aseparagao entre Estado e sociedade. Historicamente houve concentracaode autoridade nas maos do Estado, mas parcela razoavel de autoridadepermaneceu nas maos das elites locais. A industrial izacao e a mobilizacaosocial erodiram a autoridadejocal e geraram um dominio publico nacional, ""onde-o.sJndividuos se_rehjicj£nar^nsolrri5s^utros e cortro'E's"taclo"ae'

.0 dominio publico e regulado por normas e instituigoes baseadas no

umversaUsrnp^e^rocedimentoSj isto e, normas que podem ser formal-mente utilizadas por todos os individuos da polity, ou a eles aplicadas, aoelegerem representantes, protegerem-se contra abuses de poder pelo Es-tado, testarem o poder das instituicoes formais e fazerem demandas aoEstado. ^"Liberdade de expressao, liberdade de reuniao e liberdade deimprensa sao aspectos basicos da representagao 'procedural'. Quandoessas garantias de procedimento sao suprimidas, e extraordinariamentedificil para o povo formular e exprimir seus interesses." O universaljsmode procedimentospor si so nao garante a existencia da democracia, mas_e_um de seus componeiites^cruciaisj

0 longo processo historico do desenvolvimento da moderna sociedadecapitalista nao somente representou uma revolugao economica mas tam-bem marcou a redefinigao dos padroes de relagoes sociais e politicas nointerior dos Estados-nagao. Significou a reformula^ao das relacoes entreindividuos, redefiniu instituigoes basicas como a Igreja, a famflia e apropriedade, reformulou o conceito de liberdade.6

Esta "grande transformacjio", nao obstante, teve lugar apenas numaparte muito pequena do globo, aquela constitufda pelas nacpes do noroesteda JEuropa e~Bos~Estagos~UrTigo^7 Os termos "capitalismo moderno",^SQciedadesjiernpcraticas" e "civilizagao ocidental" estao estreitamentere].acigj]adk)S_a_effiasria;goe£. As sociedades capitalistas do Atlantico Nortesao o produto de uma combinagao de multiples fatores historicos ecircunstancias conjunturais que, digamos assim, ajudaram a "congelar"um conjunto de elementos cruciais para a criagao das sociedades demo-craticas ocidentais.

Asjnodernas sociedades capitalistas industriais sao constituidas por: a)um_p.adr.a.o__distinto de autoridade racional baseada no universalismo i_deprpcedimentos; b) um padrao dominante de agaojocial baseada no indi-

^idjiaiisjng_ejio^irnpersonalisrno de procedimentos que repousa enrumamultiplicidade de fra_coes de clas_sez^rupps de status, partidos politicos e

ecgnornia de mercado baseada na transferencia impes-

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24 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

soal de recursos economicos, onde as trocas que ocorrem independem dascaracterfsticas pessoais dos individuos envolvidos. Em poucas palavras, oque chamamos decapitalismo moderno e urn composto^jiin&gQmbmacaode condigpes economicas, arranjos spciais ejsstruturas poljticas, Jodps

, interconectadps._Seria problematico utilizar a historia das sociedades capitalistas indus-

trials como um paradigma para prever o future das sociedades capitalistasperifericas, nao-industriais ou semidesenvolvidas, porque o centre percor-reu estagios e patamares especificos a sua propria historia. As combi-nacjoes, isto e, os conjuntos de relates entre condiqSes economicas,estrutura social e arranjos politicos que ali ocorreram — e que saoresponsaveis pela heterogeneidade no interior do proprio centra — naoserao encontrados em outro lugar.

For simples razoes probabilisticas, nenhuma perspectiva evolucionarialinear que tomasse o centre como paradigma poderia ser capaz de preveros desdobramentos historicos dos paises nao-centrais: nestes, diversosfatores internos teriam que se repetir da mesma maneira que no centra, evarios outros fatores internacionais, que constituiram o cenario para odesenvolvimento dos paises centrais, teriam que estar novamente pre-sentes. Para complicar mais as coisas, o timing da combinagao dos eventosdeveria ser o mesmo.8

Alem disso teria que existir uma condic.ao final impossivel: os paisescentrais deveriam estar ausentes do mundo atual porque sua simplesexistencia nao apenas altera o espago no qual os paises perifericos devemsubsistir, mas tambem fixa parametros, incentives e limites para essespaises. Mesmo na por§ao do mundo a que me refiro, de mode simplif icado,como o "centre", os que se industrializaram mais cede determinaram aagenda para os que chegaram mais tarde. Comparando a Inglaterra com asnac.6es continentals por volta de 1848, William Langer concluiu "que todoo continente, com a possivel excec.ao da Belgica, estava uma geragaointeira atras da Inglaterra". 9 Como afirma Bendix:

A historia moderna tern sido caracterizada por consecutivas revolucpes ou res-tauragoes, e cada uma destas transformacjoes influenciou a seguinte (...) Cada umadestas revolucpes ou restauragoes foi uma resposta coletiva a condicpes internas eestfmulos externos. Cada uma teve repercussoes alem das fronteiras do pafs em queocorreu. Apos cada transformagao, o mundo mudou no sentido de Heraclito, de quenao e possfvel banhar-se duas vezes nas mesmas aguas de um rio. A partir domomento em que o rei ingles foi destronado e o Parlamento declarado supremo,outras monarquias se tornaram inseguras, e a ideia do governo parlamentar foilangada. A partir do momento em que a industrializagao foi iniciada, outraseconomias se tornaram atrasadas. A partir do momento em que a ideia de igualdade

TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUigOES E AgAO SOCIAL 25

foi proclamada perante o mundo, a desigualdade se tornou um fardo pesado demaispara se carregar.1"

Quando o capitalismo e entendido como um pacote de condigoes erelacoes entre variaveis no contexto da produgao capitalista, torna-sepossivel falar de "variantes de capitalismo", que podem partilhar tragossimilares, enquanto sao, ao mesmo tempo, profundamente diferentes umada outra. n Tome-se, por exemplo, as sociedades capitalistas nao-indus-triais ou semi-industrializadas. O que as separa do capitalismo modernonao e apenas uma defasagem no tempo, ou umas poucas etapas numahipotetica escala de moderniza§ao.

Hcapitalismo industrial moderno e o capitalismo perifericg_podem jgr_lar^

Vjasica e, ao jnesnio tempo,diferentes no que diz respeito: a) aos desdo-bramentosj^sjjjncjjs^ na periTeTJlTcljmpconseqiiencia de sua existencia no centro; b) aos desdobrarnentos_his^toricos — e o timing — dos conflitos e contradigoes existentes na periferia^gjfIo~iungag^j^OTfancm7gaTiv¥cle^^arranjos politicos que foram estabelecidos para administrar a qrdem

' , o u d e integra5ao,_entre Estado_e_ _jocigdade; d) aos padroes deacao social e de orientajao norrnativa do

jndividuos como membros de diferentes classes, grupos ou facgoes^^Jgdistintas "passagens" que tiveram lugar em cada sociedade periferica e queajudaram a "congelar'^ou£ecriar jmportantes aspectos daquela sociedadedeterminada; fj^as caracterfsticas dq_processo de acumulagap _de^tgitaL_

_Q_gntendimentp_ do capitalismo como um pacote de condicoes e re»ncluir

oes 4e a§^° social, tipp de autoridade publica__ej3adrges_de intermediagao de intere^ses^ Este procedimento nao deixara

espago para a discussao do capitalismo periferico como uma transigaoentre o tradicionalismo e o capitalismo moderno; dirigira, ao contrario, ofoco da analise para a combinagao distinta e duravel de elementos quecaracterizam uma sociedade especifica em comparagao com outras.12

A no§ao de combina^ao (e o timing desta combinac,ao) e crucial.Desdobramentos historicos sao tanto produto da acumulagao de fatoresestruturais como o sao de escolhas virtuais ou de "oportunidades devida".13 Condicoes estruturais fornecem o cenario, a "janela", para esco-lhas, coalizoes e resoluc.5es de conflitos. Isto quer dizer que as condigoesestruturais similares, se existem, podem produzir diferentes resultados emsociedades distintas, dependendo do padrao das escolhas feitas pelosprincipals atores politicos. Uma "oportunidade" estruturalmente criada

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26 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

nao garante nada. Oportunidades, para serem aproveitadas, devem sercaptadas e moldadas pela aqao humana inteligente.14 Sempre que ocorreuma transformaqao importante, uma passagem — como a industrializa§aoou uma revolucjao politica—, ela exclui varias alternativas e abre inumerasoutras.15

Pensemos na industrializacjao. Ela cria novas oportunidades para co-alizoes politicas assim como novos tipos de conflitos, oferece novas basespara a competigao politica, mina o poder das elites fundiarias e tornaimpossivel para elas governar de forma oligarquica. Alem disso, promovea emergencia de novos atores coletivos. Isto significa que, ao mesmotempo, a industrializagao cria novas oportunidades e evita a ocorrencia devarias outras alternativas. Em qualquer caso, os resultados politicos exis-tentes serao sempre o produto da combinagao de varies f atores importantesem dada seqiiencia temporal.

No caso do Brasil, a industrializaqao teve lugar num contexto em queos grupos oligarquicos ja estavam enfraquecidos por confrontos politicos,pela depressao mundial no final da decada de 20, pela presenc_a de umaelite estatal crescentemente forte e pela existencia de grupos competitivos.A emergencia de uma nova ordem na decada de 30, e ainda mais nitidamen-te na decada de 50, aconteceu na ausencia de uma faccio dominante, he-gemonica. O Estado moderno que comeqou a ser construido da decada de30 em diante foi denominado "Estado de compromisso", em que nenhumator ou facgao principal detinha uma supremacia clara sobre os outros.16

No Brasil. a moderna politica do Estado precedeu a formac.ao de classena industria; a regulaqao da cidadania perpassou a solidariedade de classee interveio nas relaqoes de classe; os arranjos corporativistas legais f ixaramparametros e limitagoes para a cidadania dos operarios; a revolucaoburguesa^teve lugar quando m i ....glgmentos_jlo Estado moderno ja

—e^tay^mjnstalados. Algvolucao_burguesa foi feita em associaQao com as^mul.tmaciojiaisJ£^ojn_a_rjarticipaQa'b e a supervisao do Estado.

O capitalismo moderno veio a acontecer no Brasil em contexto distintodaquele prevalecente nos paises que se industrializaram cedo. O cliente-lismo constituia um importante aspecto das relates politicas e sociais nopai's. Qs arranjos clientelistas nao foram minados pela moderna ordemgapitalista — permaneceram nela integra3o?Be rrianeira~TOiSpicua. '

TROCA ESPECIFICA E TROCA GENERALIZADA NO CAPITALISMO

A noc_ao de clientelismo foi originalmente associada aos estudos desociedades rurais. Neste contexto, o clientelismo significa um tipo.de..

TITOS DE CAPITALISMO, INSTITUICOES E AQAO SOCIAL 27

relagao social marcada por contato pessoal erAK patron^_§,_camponeses.Os camponeses, isto e, os clientes, encontram-se em posigao de subordi-naijao, dado que nao possuem a terra. Os grupos camponeses que serviramde base para o desenvolvimento da noc,ao de clientelismo estavam semprea um passo da penuria. A desigualdade desempenha um papel-chave nasobrevivencia tanto de patrons quanto de clientes e gera uma serie de lacjospessoais entre eles, que vao desde o simples "compadrio" a protecjao elealdade politicas.17

Tem sido argumentado que na Jamflia reside a unidade basica daeconomja e da sociedade camponesa. uma unidade de producao e consu-

jmo. Sociedades rurais sao descritas como possuindo modos domesticosde produ$ao e consumo. Nessa economia a instituicao familiar desempe-nha gapel crucial, e a familia extensa^ e garantia adicipnal para a sobreviryencia futura. ,Rargntgsgo_fjgtfcip_e_ iguaJmente rejevante para a manu-tengao deste modo de produgao. O casamento de filhas e filhos^ encarado

tegij^global de sobrevivencia e e parte da economia deinvestimentos, um seguro contra periodos de escassez. As sociedadescamponesas sao grupos primaries em que todas as relates estao baseadasem contatos pessoais e diretos.18

Nas_sociedades camponesas, o mundo economico e o social^, confunidem. Nao ha diferenciaQao social rntensivji e de tipo capitalista, e o sistemadgjalgies_s.usjentjyge^g De umlado, o carater pessoal e diadico das relagoes />arro«-cliente inibe aforma$ao de identidades de interesses e de a$ao coletiva. De outro, aaceitacjio desta condigao e perfeitamente racional do ponto de vista doscamponeses. O patron 6 o ator que tem contato com o mundo exteriore tem comando sobre recursos politicos externos. O patron tem recursos— internes e externos a comunidade — dos quais dependem os clientes.

Em contextos clientelistas. as trocas sao general izadas e pessoais. Cadabbjeto ou ac,ao que e trocado contem uma referenda a condi§ao geral dogrupo. A relagao conhecida como "compadrio", por exemplo, inclui odireito do cliente a prote$ao futura por parte do seupatron.w

A troca de bens e restrita; ela ocorre numa atmosfera em que estaausente uma economia de mercado impessoal. A troca generalizada inclui ,Pffimgssas _e e_xpectativa de retornos futuros.

* A expressao patron foi mantida na tradugao em portugues. O termo abrange o que noBrasil e compreendido nas expressoes "coronel", chefe de maquinas pollticas urbanas,pequenos chefes locais ou mesmo Ifderes que controlam maquinas sindicais. O importantee observar que a relacaopofro/z-cliente define um tipo especial de relagao de troca assimetrica.

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28 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

,O sistema de "troca generalizada" do clientelismo e diferente do sistema_de. ."tro_Ga_esp.ecifjca_"que caracteriza o capitalismg modern^. Neste. o,

.-p£O.cesso_deJrocae i aquisicjio de qualqu^r_b^rn^riap incjui a expectativa derelagoes jesjmis futuras jiejr^djrjendea^existencia de relagoes anterioresentre as partes envolvidas. O trabalho, por exemplo, e comprado e vendidono mercado de trabalho livre; os bens desejados sao adquiridos em lojasespecificamente designadas para expor e vender tais bens. Lagos deseguranga, se e que existem, sao parte do ambito do domfnio publico. Astrocas ocorrem sem preocupagao com as caracteristicas pessoais dosindividuos envolvidos; elas sao caracterizadas pelo impersonalismo. Oimpersonalismo constitui urn dos fatores basicos do mercado livre etambem a base da noqao de cidadania.20

,-__Entte,tantQ.^encQntram-seJrocas generalizadas tambem no capjtalismpmoderjin. -Esie sistema nao-capitalista de troca foi observado em socie-dades rurais ligadas ao mercado,21 centros urrbanos

.-sociedades capitalistas e SQcialistas.25 A coexistencia de padroes de capi-talismo e de nao-capitalismo se tern demonstrado verdadeira em muitoscasos.26 Embora constituam duas gramaticas distintas para o estabeleci-mento de relagSes significativas e apesar de serem constituidas por prin-ciples logicamente antagonicos e incompativeis, a gramatica da trocageneralizada e a da troca especifica sao empiricamente compativeis.27

Estudos realizados em sociedades capitalistas indicam uma curiosarelagao entre as gramaticas da troca generalizada e da troca especifica.28

Embora coexistam em permanente tensao na mesma formagao capitalista,elas freqiientemente se combinam em formas que sao positivas para aacumulagao capitalista.29 Capitalismo e relagoes de mercado sao duasdiferentes formas de controle do fluxo e da transferencia de recursosmateriais numa determinada sociedade.

O clientelismo e um sistema caracterizado por situagoes paradoxais,porque envolve:

(...) primeiro, uma combinagao peculiar de desigualdade e assimetria de poder comuma aparente solidariedade mutua, em termos de identidade pessoal e sentimentose obrigatjoes interpessoais; segundo, uma combinagao de explorac,ao e coenjaopotencial com relagoes voluntarias e obrigagoes mutuas imperiosas; terceiro, umacombinagao de enfase nestas obrigagSes e solidariedade com o aspecto ligeiramente(legal ou semilegal destas relacpes (...) O ponto critico das relacpespofrow-clientee, de fato, a organizagao ou regulagao da troca ou fluxo de recursos entre atoressociais.3"

As diades, caracteristicas das describes convencionais do clientelismo,tendem a transformar-se em redes extensivas nas sociedades capitalistas

TIPOS DE CAPITALISMO, TNSTITUigOES E AgAO SOCIAL 29

modernas onde elas existem. Como mostraram Kaufman e Powell, aanalise da diade clientelistica pode ser entendida para abranger grupos de£>afro«-clientes — estruturas nas quais muitos clientes ligam-se ao mesmopatron — e piramides j>a£ro«-clientes — estruturas que emergem quandolideres de varios grupos de pafron-clientes estabelecem vinculos comatores situados mais acima—tornando possfvel, portanto, "a conceitua$aode uma rede de relagoes potencialmente de larga escala e multivinculada,'baseada' na troca patron-diente."31

Em sociedades sincreticas como a brasileira ou a italiana, a logica datroca generalizada e transferida para associates, institui^Ses politicas,agendas piiblicas, partidos politicos, cliques, facgoes.

O papel do clientelismo foi importante tambem nos paises socialistas.Ja foi dito que o clientelismo funciona como uma forc_a que se contrapoeao poderoso e centralizado Estado burocratico dos paises leninistas. Redespessoais e hierarquicas desempenham a fungao de canais simulados paraparticipagao, competigao e aloca^ao de recursos de acordo com as deman-das oriundas de baixo.32

ACUMULAQAO DE CAPITAL, iNSTITUigOES E CLIENTELISMONO BRASIL

No Brasil contemporaneo,j3 sistema clientelista desempenha fungoes decerta forma similares as desempenhadas em sociedades leninistas, isto e,Assume o lugar de canais de comunicaQao e representagao entre a sociedade

. e o Estado onipotente e fornece, aos estratos mais baixos da populagao,yoz e mecanismos para demandas especificas. Entretanto, ele tambem estainserido em circunstancias que o tomam diferente dos Estados leninistas,porque no Brasil o clientelismo pertence a um quadro capitalista onde asclasses sociais operam. Nesse contexto particular, o clientelismo constitui,ao mesmo tempo, uma alternativa a presenga difusa das estruturas doEstado e uma gramatica para as rela§6es sociais de nao-mercado entreclasses e grupos sociais.

A acumulagao capitalista de capital repousa em principles que contra-dizem os principios clientelistas. A acumulagao de capital gera novosinvestimentos para a expansao do sistema e, quando isso acontece, os la§ospessoais entre forga de trabalho e capitalistas sao eliminados.

A logica da expansao capitalista esta associada a logica do impersona-lismo. Nao obstante, ha casos em que o modo capitalista de produgao setorna dominante numa formagao social especifica, sem se tornar universalpara a mesma formagao social particular. Ha tambem exemplos — em que

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30 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

o modo de produgao capitalista e universal, mas combinado, misturadocom traqos nao-capitalistas nao eliminados pela expansao do capitalismo.Estes fatores foram, no entanto, combinados sob o dommio de uma logicacapitalista. No processo de sua maturagao historica, este sistema sincreticodesenvolveu instituicoes formais, padroes de relaqoes sociais, padroes derelates entre individuos e instituicjoes e padroes de dominagao politicainteiramente impregnados pela logica das gramaticas das trocas generali-zadas e especfficas. Tais elementos sao essenciais ao capitalismo no Brasil.Os efeitos dessa combinac_ao nao deveriam ser encarados como umapassagem, ou como uma etapa da modernizagao, mas como uma combi-nac,ao particular.33

O que caracteriza uma sociedade como a do Brasil sao exatamente asdescontinuidades apresentadas em varias areas da vida social, economicae politica. O processo de subordinate de muitas outras esferas da vidasocial ao comando da ordem economica, tal como descrito por Polanyipara os paises capitalistas centrais, nao aconteceu no Brasil.

A vida familiar tern grande importancia no pais. A industrializac_aoacelerada dos ultimos 30 anos nao afetou a estrutura familiar na direcjaoque se poderia esperar, caso as sociedades capitalistas centrais fossemtomadas como paradigma. Industrializa^ao e urbanizagao foram clara-mente acompanhadas por uma forte enfase, em ambito familiar, na reali-zagao individual. Esta "individuaqao" foi, entretanto, acompanhada porum reforqo da estrutura familiar extensa, exatamente nos centres urbanose industrials. Baseado em extensa pesquisa comparada (Brasil versusEstados Unidos), Rosen relata que e precisamente o "empreendedor" dasareas industrials aquele que procura reforcjar a estrutura familiar e a redede parentesco.

Mas o grupo de parentesco que se torna revigorado na cidade nao e a classica familiaextensa, pois aquele sistema raramente existe em outro lugar, mas um sistema menore menos hierarquizado, semelhante a "parentela brasileira. Para a parentela o empre-endedor se volta em busca de apoio emocional em momentos de tensao, de ajudana procura de trabalho e na promogao da carreira, da aprovagao que confirma seusucesso. Conseqiientemente, essa pessoa e fortemente motivada a manter vivos oslagos com os parentes. Mas nao e facil fazer isso; exige cuidadosa atengao aosinteresses do parentesco, a manutencjio da proximidade ffsica em rela§ao aos pa-rentes, visitando-os regularmente e comparecendo as cerimonias familiares, dandoe recebendo ajuda.34

Empreendimento e realizagao individuais sao necessaries ao reforgo daparentela. Atraves desta "individuagao" com reforgo dos lagos da paren-tela, o grupo primario se torna mais coeso e democratico, ao mesmo tempoque a industrializa§ao avancja. Este processo gira em torno de uma sepa-

TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUigOES E ACAO SOCIAL 31

ragao clara entre unidade familiar, unidade produtiva e instituicoes for-mais. O fortalecimento desta separagao depende da realizacjao individualfora do ambito da familia, no mundo da economia.

Esta individuagao com reforgo da parentela separa a sociedade brasi-leira dos modos de produc_ao domesticos. E tambem a torna distinta domodelo norte-americano, em que a enfase mais forte na familia nuclear eno individualismo, somada a uma mobilidade geografica extremamentealta, redefiniu a familia como o grupo nuclear composto apenas de pais efilhos, enfraquecendo, portanto, a intersegao entre parentesco e ordemsocial. Rosen destaca que o termo familia tern significados distintos noBrasil e nos Estados Unidos. Quando os brasileiros dizem "minha fami-lia", referem-se a familia extensa, a parentela. Quando querem referir-sea familia nuclear, os brasileiros em geral dizem "minha mulher (ou marido)e filhos".

A importancia da estrutura familiar no Brasil ja foi comparada ao papeldesempenhado pela familia na sociedade industrial japonesa. Numa pes-quisa em que apresenta resultados similares aos apresentados por Rosen,Takashi Mayeama afirma que:

O homem nasce numa "famflia" e cresce cercado por uma calorosa afeigao (...)Entretanto, para "ganhar a vida", isto e, garantir o emprego e o "pao de cada dia",ele precisa sair pelo mundo (...) Portanto, a formula que ele emprega, tendo que seaventurar pelo mundo, e a da "familiarizagao" deste mundo "nao-familiar", atravesdo "neofamilismo". Isto se assemelha de certa forma a chamada estrutura familiarda sociedade japonesa."35

Mayeama afirma que o Brasil tern uma estrutura social com tendenciasao entrelagamento, onde e muito alta a intolerancia a divisoes nitidas degrupo baseadas em criterios etnicos ou culturais. A sociedade brasileiraprocura "universalizar" as relates no seu interior e manifesta poucatolerancia a grupos separados. A esta universalizatjao soma-se uma fortehierarquizagao, que e atenuada por redes de relagoes pessoais.

Ao inves de se colocar dentro dos limites de um grupo particular e encontrar suapropria identidade atraves do grupo, um brasileiro prefere conduzir sua propria vidamanipulando relagoes pessoais de acordo com as exigencias de cada situagaoespecffica. Ao inves de (...) dividir as pessoas em grupos, como branco vs. negros,japoneses vs. nao-japoneses, membros dos grupos vs. nao-membros (...) os brasi-leiros tendem a encaraf o mundo que os cerca e as relacpes humanas em que estaoenvolvidos, em termos de relacionamentos essencialmente entre um indivfduo eoutro e, como um todo, em termos de acumulagao e desdobramentos dessesvfnculos diadicos.3''

O personalismo impregnou e "enquadrou" muitas instituigoes. NoBrasil, o universalismo de procedimentos esta permanentemjerite-SQb

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32 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

tensao. Relagoes pessoais e hierarquicas sao cruciais para tudo, desde obterum emprego ate um pedido aprovado por um orgao publico; desde encon-trar uma empregada domestica ate fechar um contrato com o governo;desde licenciar o automdvel ate obter assistencia medica apropriada. Osbrasileiros enaltecem ojeitinho (isto e, uma acomodagao privada e pessoalde suas demandas) e a autoridade pessoal como mecanismos cotidianospara regular relacoes sociais e relacoes com instituigoes formais.

A propensao ao personalismo e bem ilustrada pela instituigao dojeiti-nho e pelo uso da autoridade pessoal, tao bem representada pela expressao"voce sabe com quern esta falando?", brilhante e extensivamente analisadapor Roberto Da Malta.37 Clientelismo e personalismo, entretanto, seriamenfrentados e tentativamente corrigidos, desde a decada de 30, por de-cis5es politicas que buscavam o universalismo de procedimentos, por leisque regulavam os empregos no servigo publico, e pela criacao de burocra-cias insuladas que nao seriam receptivas a demandas fisiologicas e clien-telistas oriundas dos partidos polfticos.

INSULAMENTO BUROCRATICO E UNIVERSALISMO DEPROCEDIMENTOS COMO ALTERNATIVAS AO CLIENTELISMO

Como opera o clientelismo numa sociedade complexa como a brasileira?O clientelismo repousa num conjunto de redes personalistas que se esten-dem aos partidos polfticos, burocracias e cliques. Estas redes envolvemuma piramide de relagoes que atravessam a sociedade de alto a baixo. Aselites politicas nacionais contam com uma complexa rede de corretagempolftica que vai dos altos escaloes ate as localidades. Os recursos materiaisdo Estado desempenham um papel crucial na operagao do sistema; ospartidos polfticos — isto e, aqueles que apoiam o governo — tern acessoa inumeros privilegios atraves do.aparelho de Estado. Esses privilegiosvao desde a criagao de empregos ate a distribuicao de outros favores comopavimentagao de estradas, construgao de escolas, nomeagao de chefes eservigos de agendas, tais como o distrito escolar e o service local de saude.Os privilegios incluem, ainda, a criagao de sfmbolos de prestfgio para osprincipals "corretores" dessa rede, favorecendo-os com acesso privilegia-do aos centres de poder.

Alem desses meios tradicionais de patronagem, outros meios "in-diretos" sao criados, como linhas de credito a serem utilizadas por fazen-deiros ou homens de negocio locais, atraves do Banco do Brasil ou outrosbancos estatais e agendas de desenvolvimento. Empreiteiros e cons-trutores que trabalham para o Estado por contrato freqiientemente se

TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUTES E AQAO SOCIAL 33

beneficiam das redes de relacoes a fim de receber pagamento imediatopelos servigos prestados.

As instituicoes formais do Estado ficaram altamente impregnadas pnreste processo de tmcas .j

, burocraticos acontecem Jigm _u_ma_ 'Imaozinha". JBo£tan.ta._a_biitQcrac.i qapoia a operac.ao do clientelismo e suplementa o sistema partidario. Estesistema de troca nao apenas caracteriza uma forma de controle do fluxode recursos materiais na sociedade, mas tambem garante a sobrevivenciapolftica do "corretor" local.! Tbdo o conjunto de relagoes caracterfstico deuma rede esta baseado em contato pessoal e amizade leal.

Quase todos os autores que escrevem sobre os partidos polfticos brasi-leiros concordam que o clientelismo e uma de suas caracterfsticas maismarcantes. O clientelismo tern sido visto, entretanto, como uma caracterfs-tica da Republica Velha, da polftica do "cafe-com-leite", do coronelismo,em suma, como uma caracterfstica do Brasil arcaico.

O clientelismo politico, no entanto, permanece bastante vivo, porexemplo, nos dois mais modernos centres urbanos do pafs, Rio deJaneiro e Sao Paulo. Aqueles que examinaram o clientelismo no pos-guerra viram-no freqiientemente como uma sobrevivencia do passado,que se vinha deteriorando no polarizado cenario anterior a 1964.Aqueles que analisaram as mais obvias manifestagoes de clientelismo— o malufismo em Sao Paulo e o chaguismo no Rio de Janeiro —consideram o clientelismo um produto do autoritarismo. A ditaduramilitar e responsabilizada pela supressao dos mecanismos que permi-tiam o confronto de interesses, a tal ponto que a unica linguagempolftica disponfvel passou a ser a gramatica do clientelismo, evitandoo aparecimento de antagonismos que refletiriam as verdadeiras cliva-gens na sociedade brasileira.

Os dois argumentos acima contem elementos de verdade. Nao obstante,nenhum dos dois 6 capaz de deslindar as razoes da existencia do cliente-lismo polftico em areas modernas do Brasil antes, durante e — como tudoesta indicando — depois do autoritarismo. O clientelismo se manteve forte£0-decoLrer.de perfodos democraticos, nao definhpu duranle^pjQliEnSr^

^autorjtarisjno, nao fpj exti^de&agueza no decorrer da abertura polftica.

O universalismo de procedimentos e o insulamento burocratico saomuitas vezes percebidos como formas apropriadas de contrabalangar oclientelismo. O universalismo de procedimentos, baseado nas normas de_..impersonalismo, direitos iguais peranle a lei, e checks and balances,podena're'frear e desafiaros favores pessoais. De outro lado, o insulamento^-

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34 A GRAMAT1CA POLITICA DO BRASIL TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUICOES E AQAO SOCIAL 35

I «

burocratico e percebido como uma estrategia para contornaro^lie.nMlismoatraves da criagao de ilhas de racionalidade e de especializagao tecnica.

yajmguagem,dategnajajrganjzadpjial cpntemporanea^olnsulamen-.to burocratico e o processo de_raate^ae^dt^%lgD^egnicg-_doL Ejtadccontra^mterMencra°OTiunda do~pliblico ou e^trayw^izagoeintermedidTiasrAo nucljo^iScmco "(Tatribuida a realizaca.o_de-Qbj.eiiyosespecificos. O insulamento burocratico significa a reducao do escopoda arena em que interesses e demandas populares podenLdesfirixpgrihar-um_rjap,el.'Esta reducao da arena e efetivada pela retirada de organi-zaqoes cruciais do conjunto da burocracia tradicional e do espacopolitico governado pelo Congresso e pelos partidos politicos, resguar-dando estas organizagoes contra tradicionais demandas burocraticas ouredistributivas.

Dada a complexidade da tarefa e suas multiplas partes constitutivas(determinates da exeqiiibilidade do projeto, analise financeira, supervi-sao e gerencia de projetos, geraqao de recursos financeiros, avaliaijao dasnecessidades do pais, obtenqao de consenso entre metas e valores), oambiente operativo (task environment} das agendas insuladas e altamentecomplexo. Nestas conduces, a informacao e fortemente valorizada, e acoalizao formada com atores externos selecionados e vital para garantirtanto os recursos adicionais para a realizagao das metas como para solidi-ficar a protecao do nucleo tecnico contra ruidos originados no mundoexterior.38

Ha duas caracteristicas do processo de insulamento que devem serentendidas. Uma envolve variacoes no grau de insulamento, a outraenvolve mudangas temporais. Primeiro, nem todas as agendas insuladaso sao no mesmo grau. Pode-se imaginar um continue que vai do insula-mento total a um alto grau de penetracao pelo mundo politico e social, istoe, o "engolfamento" social. Os graus de insulamento ou de "engolfamento"terao implicates na estrutura, eficiencia, capacidade de respostas e res-ponsabilidade das organizacpes.

Segundo, nem todas as agendas que foram insuladas permaneceraoassim com o passar do tempo; uma vez atingidos os objetivos, o ambienteoperativo torna-se menos complexo, e as organizacoes podem deixar deexistir ou mesmo ser "desinsuladas". O "desinsulamento" pode ocorrei

_p_grque o nucleo tecnico nao requer protecao quandog ambiente operativoe analisavel, previsi'vel e menos incerto. Em troca, novas agencias insula-das podem ser necessarias para outras tarefas encaradas como fundamen-tals. Nestas condigoes, os atores estatais sempre procurarao insular aquiloque entendem como nucleo tecnico, seja ele composto de agencias de

formulacao de polfticas economicas, agencias encarregadas de segurancae informacao, politica nuclear ou politica de informatica.

Para conseguir altos graus de insulamento, as agencias estatais devemdesfrutar de um forte apoio de atores selecionados em seu ambienteoperativo. No contexto da realidade politica brasileira, os parceiros rele-vantes sao as elites industrials, nacionais e internacionais. Reduzir oslimites de arena de formulagao de polfticas significa em geral a exclusaodos partidos politicos, do Congresso e das demandas populares. Excluin-do-os, os atores que promovem o insulamento almejam refrear o persona-lismo e a patronagem em benef icio de uma base mais tecnica para a fixacaode prioridades.

Entretanto, ao contrario da retorica de seus patrocinadores, o insula-mento burocratico nao e de forma nenhuma um processo tecnico e apolf-tico: agencias e grupos competem entre si pela alocagao de valoresalternatives; coalizoes politicas sao firmadas com grupos e atores fora daarena administrativa, com o objetivo de garantir a exeqiiibilidade dosprojetos; partidos politicos sao bajulados para proteger projetos no Con-gresso.

O mais obvio exemplo contemporaneo de uma burocracia altamenteinsulada e o Servi$o Nacional de Informacoes — SNI. O SNI foi a agendafederal de informagoes, diretamente ligada a Presidencia da Republica.Nao havia controle ou checks and balances sobre as atividades do SNF emqualquer nivel do governo. O Departamento de Administracao do ServicoPublico — DASP, criado em 1938, pode ser citado como um exemplo dopassado que serviu tanto para fortalecer o universalismo como paradesempenhar outras atividades, que tipificaram o DASP daquela epocacomo uma burocracia insulada. Alem destas duas agencias, entretanto,outras agencias civis como o Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-nomico — BNDE, a Petrobras, a Comissao Nacional de Energia Nuclear(CNEN), a maioria encarregada da produc.ao economica e da formulacjao depolitica economica — foram tambem insuladas contra a ampla rede depersonalismo e clientelismo oriunda do sistema politico.

,Em geral o universalismo de procedimentos e associado a nocao decidadania plena e igualdade perante a lei, exemplificada pelos paises deavancada economia de mercado, regidos por um governo representative.Grupos de classe media, profissionais e tecnocratas sao muitas vezespercebidos como potencial "eleitorado do universalismo", isto e, "gruposque se opoem ao sistema de patronagem e que insistem em que osbeneficios e encargos publicos sejam alocados de acordo com um conjuntode regras e procedimentos gerais — e universalfsticos (...)" Os jornalistas

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36 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

sempre escrevem contra os males do clientelismo e do personalismo;associates dos moradores freqiientemente veiculam suas demandas pormaior participate universalfstica nas decisSes relevantes para seus mem-bros, exigindo regras mais impessoais e mais universalismo de procedi-mentos; partidos politicos de oposicjao criticam com muita frequencia ouso de procedimentos clientelistas por parte do governo.

CORPORATIVISMO E CLIENTELISMO:TENSOES E COMPLEMENTARIEDADES

Formalizado em leis, o corporativismo reflete uma busca de racionalidadee de organizacao que desafia a natureza informal do clientelismo. Emboraregulado por normas gerais escritas, o corporativismo nao e igual aouniversalismo de procedimentos. Os regulamentos do corporativismo naocontent clausulas para o desafio individual ao sistema de leis corporativas.Essas leis preocupam-se com incorporagao e controle, nao com justo eigual tratamento de todos os individuos. O corporativismo determina oslimites da participate e nao pode ainda ser completamente alterado pelovoto daqueles que se submetem a ele. Voluntariamente ou nao, uma pessoae automaticamente envolvida pelas leis corporativas a partir do momentoem que assina um contrato de trabalho. "No Brasil a lei trabalhista,altamente estruturada e minuciosamente regulamentada, e um exemplosoberbo da busca da racionalidade."39

Corporativismo e universalismo de procedimentos tern uma etiologiadiferente: a legislacjao corporativa busca inibir a emergencia de uma ordemde conflitos de classe, enquanto o universalismo de procedimentos ten-deria a emergir como a segundamelhor opgao, um second best, ao conflitoou ao impasse. O corporativismo tambem inibe a existencia de grupos deinteresse autonomos que poderiam derrotar a logica do clientelismo atra-ves da organizacao de grupos de pressao independentes. Isto refor$a aimportancia de arranjos pessoais e clientelistas, a fim de contornar alegislagao corporativa, formal e rigida.

Os primeiros ideologos do corporativismo no Brasil imaginavam-nocomo um mecanismo apropriado para a criagao de uma sociedade solidaria(af incluindo os empresarios), onde nao existiriam os conflitos politicos ede classes, entendidos como divisivos. Atualmente o corporativismo noBrasil jsjmijnecanismo que serve ao proposito de absorver de forma^^ntSSES^ASJHS^ito politico atraves da incorporaQao e da organizagao doJrabalhaJ) tipo de corporativismo de Estado, implantado no pais na decadade 30, difere profundamente daiformade^orporativismo societSfexTstenre

TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUigOES E AgAO SOCIAL 37

em alguns paises capitalistas avancados. A despeito da inclinacao pelocapitalismo de Estado no Brasil, formas de corporativismo societal tam-bem emergiram nos ultimos 40 anos, como uma estrategia empresarialpara penetrar o Estado.4"

Tal como o clientelismo contemporaneo, o corporativismo e uma armade engenharia politica dirigida para o controle politico, a intermediagao deinteresses e o controle do fluxo de recursos materiais disponiveis. Antesde comparar clientelismo e corporativismo no Brasil, e ja que o Brasil ternsido freqiientemente caracterizado como um dos paises mais tipicamentecorporativos, serao alinhadas algumas consideragoes sobre varia$6es decorporativismo. Vamos rever as principals tendencias da argumentacaocorporativista, para demonstrar como o estudo do clientelismo podepreencher algumas lacunas nao preenchidas pela literatura sobre o corpo-rativismo.

VARIANTES DE CORPORATIVISMO N'UMA PERSPECTIVACOMPARADA

Em beneficio da concisao, optei por discutir duas das mais influentesabordagens sobre o corporativismo: a de Schmitter, nos Estados Unidos,e a de Winkler, na Europa.41 Em seu fecundo artigo, Schmitter afirma queo corporativismo e um jsistgma de representacao de interesses (ou inter-mediaQao de interesses, como preferiu chamar em trabalho posterior),b^aseado em numero limitado de categorias compulsorias, nao-competiti-yas, hierarquicas e funcionalmente separadas, que sao reconhecTdas, per-mitidas esubsidiaBag pelo Estado. No caso do conjorafivismo de~Estado,os grupos sao dependentes e infiltrados; ja o corporativismo societal eautonomo e penetrante. Schmitter encara o corporativismo societal comoa resposta natural a ineficiencia do liberalismo economico em contextospos-industriais. Portanto, o corporativismo evisto, ao mesmo tempo, comoum sistema de intermediagao de interesses e como um sistema de formu-laqao de politicas. Em ambos os casos, o corporativismo e uma estrategiaque visa a eficiencia economica com baixos niveis de conflito.

O corporativismo, tal como concebido por Schmitter, representa umgrande desafio para as teorias pluralistas que defendem a ideia de que osinteresses vem "depois" dos individuos e que o Estado aparece como umaestrutura para mediar, equilibrar e abrir caminho aos interesses individuals(ou de grupo). O argumento corporativista, entretanto, afirma que a) oEstado sempre esteve presente na organizagao de interesses, e b) a orga-nizacjao nao e totalmente espontanea.

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38 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUIC.OES E AQAO SOCIAL 39

De fato, Schmitter indica que a existencia de corporativismo apontapara a ocorrencia de variantes de capitalismo que nao sao baseadas emmercados, impersonalismo e arenas publicas, mas em rela<j5es corporati-vas. No entanto, esta tese esta apenas latente no argumento corporativistae nao e detalhadamente desenvolvida. Os principais conceitos existentesna literatura sobre corporativismo sao interesse (e interesses organizados),representagao e Estado, mas estes conceitos nao sao completamente de-senvolvidos nem se relacionam com qualquer padrao de mudanga historicafora da esfera do Estado.42

De acordo com a argumentagao corporativista, no pluralismo a estruturade interesses organizados aparece sob a forma de pressoes, enquanto queno corporativismo ela aparece como concertacion. Para o pluralismo, apolitica e um processo em que interesses de grupo sao trocados e canali-zados atraves de agendas, e o Estado e um reflexo desse processo; o Estadoe um processo de transformagao permanente de pressoes. Para os corpo-rativistas, o Estado e uma organizagao com interesses estabelecidos, umator principal, lado a lado com os grupos. Uma vez que o Estado tern decompetir com grupos sociais e, ao mesmo tempo, manter seu monopoliosobre a autoridade, muitas vezes ele fornece incentives e limitagoes a ac_aode grupo. Por isso, como afirmou Durkheim, indivfduos e grupos tenderaoa ver o Estado como um inimigo potencial, e as corporagoes sociaisemergem como uma resposta ao poder do Estado e comegam a operarcomo estruturas para a intermediagao de interesses.

Uma outra versao do corporativismo e mais direta, no que dizrespeito a encara-lo como um modo de produgao. Em contraste com aja classica definigao formulada por Schmitter, Winkler define o corpo-rativismo como "um sistema economico no qual o Estado dirige econtrola predominantemente a iniciativa privada, de acordo com quatroprincipios: unidade, ordem, nacionalismo e sucesso".43 Aqui o foco sesitua na economia politica: o corporativismo e visto como um tipo demodo de produgao, alem do capitalismo e do socialismo. Vale a penareproduzir aqui o Quadro de Winkler (Quadro 1) que visa a obter umarepresentagao grafica da relagao entre propriedade e form as de controledos meios de produgao.

Winkler considera a emergencia do corporativismo uma das principaisrespostas as complexidades e ineficiencias do capitalismo avangado. Ocorporativismo surge sempre que uma sociedade industrial esta enfrentan-do crises, agitagao interna e ineficiencia. Aqui a principal previsao e a deque a Inglaterra se tornaria uma sociedade corporativista na decada de 80,devido as razoes acima descritas.

QUADRO1

Propriedade vs. Controle dos Meios de Produgao no Socialismo,Corporativismo, Sindicalismo e Capitalismo

Propriedade

Publica Privada

Controle dos Meios de ProdugaoPublico

Privado

Socialismo

Sindicalismo

Corporativismo

Capitalismo

Fonte: J.T. Winkler, "Corporatism", Archives Europeenes de Sociologie, Tomo xvn, 1976#1, p.113.

As duas versoes polares do corporativismo apresentadas acima permi-tem que se formule a hipotese de que, embora lentamente e a despeito danecessidade de estudos mais definidos sobre as sociedades industriais, estasurgindo um nucleo central na argumentagao corporativista. O corporati-vismo, ou capitalismo organizado, e uma resposta a constatagao de que "amao invisivel sofre de artrite", para utilizar as palavras de George Dal ton.44

As atuais formas corporativas de articulagao de interesses em sociedadesindustriais constituem uma forma de concertacion entre grupos de produ-tores — tais como trabalhadores, companhias, firmas, empresas organiza-das, grupos financeiros e associates comerciais — vis-a-vis o Estado eentre os proprios grupos de produtores. O corporativismo e uma maneirade lidar com as incertezas geradas no mercado.

CORPORATIVISMO E CLIENTELISMO COMO QUADROSANALITICOS

O timing da introdugao do corporativismo em paises industrializados e empaises perifericos como o Brasil, o Peru e o Mexico e responsavel pela pro-funda diferenga entre os tipos de corporativismo encontrados em paisesindustrializados e em paises semi-industrializados. Como afirma Schmit-ter, "alteragoes no modo de representa^ao de interesses sao originariamen-te o produto ou o reflexo de alteragoes anteriores e independentes na es-trutura economica e social". Variacoes de corporativismo, e de seu impac-to, podem ser devidas a "diferengas de intersegao historica e de ponto departida",45 de que sao exemplos os niveis de formagao de classe, modospreexistentes de intermediagao de interesses, cultura, e assim por diante.

No Brasil, no Peru e no Mexico, o corporativismo foi utilizado comouma tentativa de controlar e organizar as classes inferiores atraves de sua

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40 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUigOES E AQAO SOCIAL 41

m

I

incorporagao ao sistema. No Brasil o corporativismo destinava-se tambema disciplinar a burguesia. Mas algo diferente aconteceu nos anos iniciaisda implantagao dos regulamentos corporativos: atraves da legislacaocorporativa as elites no poder seduziram as classes inferiores com asvantagens da integragao. Esta integragao abrangeu largas parcelas dapopulacao de uma forma semi-universalista muito peculiar: as regras paraa integragao — e os meios para tal — sao formuladas em termos legais euniversais, aplicaveis a todas as relagoes na esfera da producao.

Nas sociedades industrials, por contraste, os arranjos corporativos queprocuram influenciar o Estado emergem fora de seu dominio e associamos grupos produtores dispostos a diminuir a incerteza nos negocios.

Para a analise de paises como o Brasil, na ausencia de uma especif icacaodetalhada das caracteristicas das "intersegoes historicas" e dos "pontos departida", ha uma dissonancia na argumentagao corporativista. Como afir-ma Kaufman, "tal como desenvolvida por autores como Schmitter eCollier, a 'literatura corporativista' serviu de ponto de partida para inter-pretagoes mais refinadas de, digamos, organizacao do trabalho no Brasile variacSes regionais nas relagoes Estado-partido-trabalho". De outro lado,estudos que "fetichizaram" o corporativismo como uma explicagao totalda realidade politica dos paises latinos e como guias gerais para a pesquisaem Ciencia Polltica foram considerados menos uteis.46 Do ponto de vistadesta analise, so faz sentido focalizar o corporativismo em associagao comas outras gramaticas.

Quando se contrastam corporativismo e clientelismo, fica facil compre-ender como os dois fenomenos coexistem. De acordo com a definicaoclassica de Schmitter, o corporativismo e:

(...) urn sistema de intermediacjio de interesses em que as unidades constitutivasestao organizadas em um numero limitado de categorias singulares, compulsorias,nao-competitivas, hierarquicamente ordenadas e funcionalmente diferenciadas,reconhecidas ou permitidas (senao cfiadas) pelo Estado e que tern a garantia de umdeliberado monopolio de representacao dentro de suas categorias respectivas, emtroca da observancia de certos controles na selejao de lideres e na articula§ao dedemandas e apoios.47

Proponho a seguinte definigao de clientelismo que serve para realgar oscontrastes:

o clientelismo e um sistema de controle do fluxo de recursos materials e deintermediagao de interesses, no qual nao ha numero fixo ou organizado de unidadesconstitutivas. As unidades constitutivas do clientelismo sao agrupamentos, pira-mides ou redes baseados em relacpes pessoais que repousam em troca generalizada.As unidades clientelistas disputam freqiientemente o controle do fluxo de recursosdentro de um determinado territorio. A participate em redes clientelistas nao esta

codificada em nenhum tipo de regulamento formal; os arranjos hierarquicos nointerior das redes estao baseados em consentimento individual e nao gozam derespaldo jurfdico.

Ao contrario do corporativismo, que e baseado em codigos formaislegalizados e semi-universais, o clientelismo se baseia numa gramatica derelagoes entre individuos, que e informal, nao legalmente compulsoria enao-legalizada.

Tanto o corporativismo como o clientelismo podem ser entendidosc^m£mecajiismos crucia[s [um formal, o outro informal) para o_esvazia^_

jn^to_de_conflitos_sociais. Q corporativismo organiza camadas horizon-tals de categorias profissionais arrumadas em estruturas formais e hierar-quicas. O clientelismo atravessa fronteiras de classes, de grupo e categoriasprofissionais.

Em muitos aspectos os trabalhos sobre corporativismo nao se ocupamda dinamica da sociedade brasileira. Esta literatura se caracteriza, com aexcecao dos autores que trabalham com a Europa e de exemplos esparsosno campo dos estudos latino-americanos, pela atencao excessiva dada asinstituigoes politicas formais e aos processes formais de formulagao depoliticas, sem uma preocupacao maior com as relagoes entre grupos socialse instituicoes, ou entao centra seu foco nas caracteristicas particulares dacultura iberica, sem especificar as formas atraves das quais traces culturaisse transformam em instituigoes.

Como mostrou Roberto Da Malta em seus trabalhos, a sociedadebrasileira e extremamente forte e bem organizada fora da esfera dasinstituigoes politicas formais. Afirma que os cientistas sociais, em suasanalises sobre o Brasil, freqiientemente descuraram o estudo das verda-deiras instituigSes sociais como o "jeitinho", a amizade, as redes derelagoes sociais e assim por diante, porque esses elementos sao aparente-mente "informais" e fluidos. Em conseqiiencia, a tendencia e ignora-losou considera-los inconseqiientes para o estudo de outros eventos polfticose sociais. De outro lado, o corporativismo, o autoritarismo burocratico, aformulagao autoritaria de politicas etc., tendem a ser formalizados emcodigos e procedimentos legais, pelo que sao analisados com mais fre-qiiencia e encarados com seriedade.

Em conseqiiencia, se alguem tomasse a literatura sobre corporativismocomo unico guia, o Brasil apareceria como um quebra-cabega insoluvel,em que as instituigoes formais pareceriam estar separadas da verdadeirasociedade, como se o pais fosse uma formagao social esquizofrenica,composta por realidades paralelas e horizontalmente separadas: a vidasocial e as instituigoes formais.

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42 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

CONCLUSAO

No contexto de uma ampla perspectiva historica da evolugao do capitalis-mo moderno, destaquei a existencia de quatro gramaticas para as relagoesEstado-sociedade no Brasil. As gramaticas foram estabelecidas tendocomo base o personalismo e o impersonalismo. O clientelismo tipifica umagramatica personalista em oposigao ao universalismo de procedimentos,que e a epitome do impersonalismo. O corporativismo e o insulamento bu-rocratico sao penetrados tanto pelo personalismo como pelo impersonalis-mo.48 Enquanto gramaticas semipessoais e semi-impessoais, estes ultimosestabelecem parametros formais sob os quais os individuos podem serconsiderados iguais ou desiguais. Nao obstante, sao tambem profunda-mente penetrados pela logica personalista do clientelismo: o corporativis-mo auxiliou na criacjao de milhares de empregos publicos, que foram pre-enchidos na base de principios clientelistas. Alem disso, muitos lideres sin-dicais beneficiaram-se de dispositivos corporativistas para manter longosmandatos em sindicatos e federa£oes e se tornarem prestadores de favores,muitas vezes de forma clientelista. De outro lado, o insulamento burocra-tico, como Fernando Henrique Cardoso mostrou, permitiu a existencia de"aneis burocraticos" tipicamente baseados em trocas personalistas.

Os partidos politicos desempenharam um papel crucial na ligagao entrea gramatica do clientelismo e as normas universalistas da democraciarepresentativa instaurada no Brasil em 1945. AFigura 1 apresenta uma

FIGURAl

Tipos de Gramaticas para Relacdes Estado vs. Sociedade

Pessoal Impessoal

Todos os individuosnao sao, em principle,iguais participantes

Todos os individuossao, em principio,iguais participantes

Universalismo de pro-cedimentos

Clientelismo Corporativismo Insulamento Economiaburocratico de mercado

Governo representa-tive baseado na cida-dania e no sufragiouniversal

TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUTES E AQAO SOCIAL43

esquematizagao das quatro gramaticas discutida neste capitulo, aplicadasao contexto brasileiro, e indica o processo de "fertilizac.ao cru'zada" queocorre na opera§ao real das gramaticas.

NOTAS

1. R. Stephen Warner, "The Methology of Marx's Comparative Analysis of Modesof Production", in Ivan Vallier (org.), Comparative Methods in Sociology p 58

2. Pierre Bourdieu, "Condicao de classe e posicao de classe", in Neuma Aguiar(org.), Hierarquias em classes; Anthony Giddens, The Class Structure of AdvancedSocieties; Youssef Cohen, "Popular Support for Authoritarian Governments- Brazilunder Medic,", Tese de Doutorado, p.56 e seg.; Neuma Aguiar, "Hierarquias emclasses: uma mtroducao do estudo da estratificacao social", in Hierarquias em classes

3. Max Weber, "Class, Status, and Party", in Gerth e Mills, From Max Weber ArthurStinchcombe, Economic Sociology, p.240 e seg. '

4. Reinhard Bendix, Nation-Building and Citizenship, p. 127 e seg Ver tambem RBendix, Max Weber: An Intellectual Portrait, p.417 e seg.; Charles Tilly (org) TheFormation of National States in Europe, p. 17.

5. Ira Katznelson, City Trenches: Urban Politics and Patterning of Class in the UnitedStates, p.28; Ira Katznelson e Mark Kesselman, The Politics of Power p 22 e seg

rf. r^fE^t'E*0^ ^sterns and Society: Capitalism, Communism andthe Third World, p.29 e seg.; K. Polanyi, The Great Transformation

I. C. Tilly (org.), The Formation..., op. cit., p.818. Nicos Mouzelis, "Regime Instability and the State in Peripheral Capitalism- A

General Theory and a Case Study of Greece", Latin American Program WorkingPapers, p.3; Joao Manuel Cardoso de Mello, O capitalismo tardio.

9. William Langer, Political and Social Upheaval: 1832-1852, p 4510. Reinhard Bendix, Force, Fate and Freedom, p.115.II. Para uma discussao, ver J.E.T. Eldridge, Max Weber: The Interpretation of

Social Reality;*Gerthe Mills, From Max Weber, p.65 e seg., sobre "Social Structuresand Types of Capitalism ; Cesar Guimaraes, "Empresariado, tipos de capitalismo eordem pohtica", Dados; Florestan Fernandes, Sociedade de classes e subdesenvolvi-mento.

12. Esse tipo de argumento foi levantado por muitos autores. Como ilustracao verDaniel Chirot, "Neo-Liberal and Social Democratic Theories of Development- TheZeletm-Vomea Debate Concerning Romania's Prospects in the 1920'sand its Contem-porary Importance", in Kenneth Jowitt (org.), Social Change in Romania 1860-1940-Arthur Stinchcombe, Theoretical Methods in Social History; Reinhard Bendix, Na-tion-Building and Citizenship; Alexander Gerschenkron, Economic Backwardness inHistorical Perspective; James Caporaso, "Industrialization in the Periphery", Interna-tional Studies Quarterly.

13. Ver A. Stinchcombe, Theoretical Methods in Social History, e ainda RalphDahrendorf, Life Chances.

14. Terry Karl, "Petroleum and Political Pacts: The Transition to Democracy inVenezuela", The Wilson Center Occasional Papers, p.2.

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44 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

15. Exemplos comparatives podem ser encontrados no volume editado por SilviaAnn Hewlett e Richard Weinert, Brazil and Mexico: Patterns in Late Development.

16. BorisFausto, A Revolugao de 1930: historiografia e historia; Francisco Weffort,Classes populares e politica.

17. John Duncan Powell, "Peasant Society and Clientelist Politics", in Steffen W.Schmidt, James Scott, Carl Lande e Laura Guasti (orgs.), Friends, Followers, andFactions, p.147.

18. Kenneth Jowitt, "The Leninist Response to National Dependency", ResearchSeries, p.7-8; Alan Macfarlane, The Origins of English Individualism, p.22 e seg.

19. Uma ilustragao aguda disto e encontrada em Graciliano Ramos, Vidas secas.k"clausula de protegao" torna-se clara quando o campones e preso e espancado por umpolicial arbitrario e libertado pelo "coronel". O carater explorador e hierarquico dasituagao e tambem ilustrado pela decisao insensivel, tomada pelo patron, sobre asquantias que o campones deve pagar ao patrao no fim do ano.

20. S.N. Eisenstadt e Louis Roninger, "Patron-Client Relations as a Model ofStructuring Social Exchange", Comparative Sudies in Society and History.

21. Luigi Graziano, "A Conceptual Framework for the Study of Clientelism",Western Societies Program, Occasional Papers; Luigi Graziano, "Patron-Client Rela-tionships in Southern Italy", in Steffen Schmidt et al. (orgs.), Friends, Followers, andFactions, p.360.

22. Ruben George Oliven, Urbanizagdo e mudanqa social no Brasil, p.15 e seg.;Anthony Leeds e Elizabeth Leeds, A sociologia do Brasil urbano.

23. Eli Diniz, Voto e mdquina politica: patronagem eclientelismo no Rio de Janeiro.Ver tambem, entre outros, os artigos de Chalmers e Weingrod em Steffen Schmidt etal. (orgs.), Friends, Followers, and Factions; Alan Zuckerman, "Clientelist Politics inItaly", e Sabri Sayari, "Political Patronage in Turkey", in Ernest Gellner e JohnWaterbury (orgs.), Patrons and Clients; Ergun Ozbudun, "Turkey: The Politics ofClientelism", Susan Kaufman Purcell, "Mexico: Clientelism, Corporatism, and Politi-cal Stability", Judith Chubb, "The Social Basis of an Urban Political Machine: TheChristian Democratic Party in Palermo", todos in S.N. Eisenstadt e R. Lemarchand(orgs.), Political Clientelism, Patronage and Development. Ver ainda, Judith Chubb,Patronage, Power and Poverty in Southern Italy.

24. Suzane Berger e Michael Piore, Dualism and Discontinuity in IndustrialSocieties; Maria Lucia Werneck Vianna e Julia Abulafia Salinas, "A<jao coletiva eparticipaQao politica do pequeno e medk) empresario", Dados; Bila Sorj, "O processode trabalho como dominagao: um estudo de caso", Dados.

25. John P. Willerton Jr., "Clientelism in the Soviet Union: An Initial Examination",Studies in Comparative Communism. No mesmo volume ver os comentarios sobreEuropa Oriental, China, sociedades industrials avahcjadas e Japao, por um painel deespecialistas. Ver ainda Jacek Tarkowski, "Poland: Patrons and Clients in a PlannedEconomy", in S.N. Eisenstadt e R. Lemarchand (orgs.), Political Clientelism, Patro-nage and Development; Ghita lonescu, "Patronage under Communism", in ErnstGellner e John Waterbury (orgs.), Patrons and Clients in Mediterranean Societies.

26. Um argumento para este tema pode ser encontrado em Florestan Fernandes,Sociedade de classes e subdesenvolvimento.

27. Utilize! a expressao "gramatica" (grammar) para indicar a existencia de di-ferentes combina§oes culturais e elementos dentro da mesma estrutura. Como afirmaClifford Geertz, ao discutir o poder explicativo das explicates culturais: "[Cultura] e

TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUTES E ACAO SOCIAL 45

como uma gramatica, e a partir de seu conhecimento nenhuma declaragao real podeser prevista (embora uma infinidade delas possa ser imaginada e outras, tambempossam ser desmentidas), mas sem uma compreensao pelo menos implfcita delanenhuma declaracjjo real pode ser feita ou entendida." Clifford Geertz, The SocialHistory of an Indonesian Town, p.203.

28. Anoijao de troca especffica e troca generalizada remonta a Marcel Mauss ("Essaisur le don"). Outros exemplos fundamentals podem ser encontrados em Malinowski(Argonauts of Western Pacific), Levi-Strauss (Estruturas elementares do parentesco)e Marshall Sahlins (Stone Age Economics). Anogao de universalismo e impersonalis-mo, enquanto componentes do padrao de troca especffica nas sociedades capitalistasmodernas, tern sido uma pedra angular para a sociologia e a ciencia politica contem-poraneas. Os exemplos notaveis sao, E. Durkheim, The Division of Labor in Society;Max Weber, The Protestant Ethic; Karl Polanyi, The Great Transformation; TalcottParsons, The Social System. Uma revisao recente deste topico pode ser encontrada emS.N. Eisenstadt e L. Roninger, "Patron-Client Relations as a Model of StructuringSocial Exchange", Comparative Sudies in Society and History. Para o contextobrasileiro, o fecundo trabalho de Florestan Fernandes, Sociedade de classes e subde-senvolvimento 6 uma referenda obrigatoria. Uma aplicagao direta da nogao de clien-

—tetismo e patronagem no Brasil esta em Anthony Leeds, "Carreiras brasileiras eestruturas sociais", in Leeds e Leeds, A sociologia do Brasil urbano. Um enfoqueabrangente e historico pode ser encontrado em Antonio Octavio Cintra, "TradicionalBrazilian Politics: An Interpretation of Relations Between Center and Periphery", inNeuma Aguiar (org.), The Structure of Brazilian Development.

29. Para um argumento de apoio ver S.N. Eisenstadt e R. Lemarchand (orgs.),Political Clientelism, Patronage and Development; ainda S.N. Eisenstadt e L. Ronin-ger, "Patron-Client Relations as a Model of Structuring Social Exchange", Compara-tive Studies in Society and History e R. Lemarchand, "Political Clientelism andEthnicity in Tropical Africa: Competing Solidarities and Nation-Building", in SteffenSchmidt et al. (orgs.), Friends, Followers, and Factions.

30. S.N. Eisenstadt e L. Roninger, "Patron-Client...", op. cit., p.278-9.31. Robert Kaufman, "The Patron-Client Concept and Macro-Politics: Prospects

and Problems", Comparative Studies in Society and History, p.291; John DuncanPowell, "Peasant Society and Clientelist Politics", in Steffen Schmidt et al. (orgs.),Friends, Followers, and Factions.

32. Ver os trabalhos citados na nota 23 para uma referenda ao clientelismo nassociedades leninistas.

33. Este argumento esta bem desenvolvido em S. Berger e M. Piore, Dualism andDiscontinuity in Industrial Societies.

34. Bernard Rosen, The Industrial Connection: Achievement and the Family inDeveloping Societies, p.295.

35. Takashi Mayeama, "Culture and Value System in Brazil: APrel iminary Report",Latin American Studies.

36. Ibid., p.162.37. Roberto Da Malta, Carnavais, malandroseherois. Verainda o artigo elaborado

sob a inspiracao de R. Da Matta, de C. Vieira, F. Costa e L. Barbosa, "O jeitinhobrasileiro como recurso de poder", Revista Brasileira de Administragao Publica.

38. Essa discussao esta de acordo com Scott, Perrow, Thompson, Crozier, Landaue Eagle. Landau e Eagle afirmam que o "descolamento" e uma forma de lidar com

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46 A GRAMATICA POUTICADO BRASIL

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ambientes supercomplexos em que variaveis em excesso interagem e geram impactona organizacjao e em seu ambiente operativo. Scott estabelece uma distincjio entreinstituic,6es totals e instituigoes socialmente engolfadas. Instituicpes socialmente en-golfadas sao aquelas totalmente dominadas pelo ambiente. Instituicpes totals, nostermos de Goffman, sao aquelas capazes de se descolar do ambiente e, num certosentido, recriar a realidade no interior da organizagao. Neste livro, a nogao de insula-mento burocratico se refere a agendas que se localizam em varies pontos possfveis nocontinue entre agendas socialmente engolfadas e instituicpes totals. 0 processo deprotecjao do centra tecnico do Estado e uma tentativa de. diminuir as incertezas criadaspelo ambiente institucional, no qual as agendas estatais existiam antes. Esse ambiente"enquadrava" partidos polfticos, as burocracias tradicionais e os movimentos sociais.A ideia de "enquadramento" foi desenvolvida por Goffman; uma explicacjao dosproblemas colocados pela incerteza ambiental e encontrada em Crozier. Ver RichardM. Scott, Organizations: Rational, Natural and Open Systems; Charles Perrow,Complex Organizations; Martin Landau e Eva Eagle, "On the Concept of Decentrali-zation", Project of Managing Decentralization; Michel Crozier, The BureaucraticPhenomenon; Erving Goffman, Frame Analysis; Martin Landau, "Redundancy, Ratio-nality and the Problem of Duplication and Overlap", Public Administrative Review.

39. Kenneth Paul Erickson, The Brazilian Corporate State and Working ClassPolitics, p.8 (grifo meu).

40. Para evidencias, ver Cesar Guimaraes et al., "Expansao do Estado e interme-diagao de interesses no Brasil", Relatorio de Pesquisa.

41. Phillipe Schmitter, "Still the Century of Corporatism?", in Gerhard Lehmbruche Philippe Schmitter (orgs.), Trends Toward Corporatist Intermediation; J.T. Winkler,"Corporatism", Archives Europeennes de Sociologie. Ver ainda David Collier e RuthBerins Collier, "Who Does What, to Whom, and How; Toward a Comparative Analysisof Latin American Corporatism", in James M. Malloy (org.), Authoritarianism andCorporatism in Latin America; Ruth Berins Collier e David Collier, "Inducementsversus Constraints: Disaggregating Corporatism", American Political Science Review;e, para uma perspectiva americana, Alfred Stepan, The State and Society: PeruvianComparative'Perspective. Para uma avaliagao europeia, ver Bob Jessop, "Corporatism,Parliamentarism and Social Democracy", in G. Lehmbruch e P. Schmitter (orgs.),Trends Toward Corporatist Intermediation.

42. O trabalho de Stepan citado na nota anterior tenta preencher esta lacuna, damesma maneira que o artigo de P. ScHmitter no volume editado por ele. Cf. nota 39.

43. J.T. Winkler, "Corporatism", op. cit., p.103.44. George Dalton, Economic Systems and Society: Capitalism, Communism and

the Third World.45. P. Schmitter, "Still the Century...", op. cit., p.91.46. Robert Kaufman, "Trends and Priorities for Political Science Research on Latin

America", trabalho apresentado no Workshop on Trends and Priorities for Research onLatin America in the 1980's, p.39.

47. P. Schmitter, "Still the Century...", op. cit., p.65.48. Simon Schwartzman analisa a interagao entre as quatro "gramaticas" na

formulagao da polftica de informatica e na implantac,ao da industria de computadoresno Brasil. Ver Simon Schwartzman, "High Technology vs. Self Reliance: Brazil Entersthe Computer Age", Serie Estudos.

CAPITULO 3

Sistema fotegradodcBihJiurecas/UFES

A CONSTRUgAO DO INSULAMENTOBUROCRATICO E DO CORPORATIVISMO E A

NACIONALIZAgAO DO CLIENTELISMO

Com Getulio Vargas a Revolu9ao de 30 inaugurou um longo perfodo destate building, caracterizado pela intervengao na economia e pela centra-lizagao polftica e administrativa, processes que se intensificaram apos1937, com a instauracao da ditadura do Estado Novo, tambem chefiadapor Getulio.

Durante os 15 anos do primeiro governo Vargas (1930-45), tres novasgramaticas para as relates entre Estado e sociedade foram experimenta-das pelas agendas e regulamentos recem-criados: implementou-se a legis-13930 corporativista, e foram criadas instituigoes corporativistas; ensaiou-se o insulamento burocratico, atraves da cria93o de novas agendas eempresas estatais; buscou-se instaurar o universalismo de procedimentos,principalmente atraves de tentativas de reforma do service publico e daimplanta^ao de um sistema de merito.

Estas novas gramaticas "modernizantes" interagiram com uma antiga, oclientelismo, que foi traduzido para as instituicoes formais por meio da ope-ra^ao de um sistema politico que beneficiava os grupos locals e estaduaisremanescentes do periodo altamente descentralizado da Republica Velha,no qual as maquinas polfticas desempenharam um papel fundamental.

Este capftulo retrata inicialmente a evolu9§o historica e a instituciona-Iiza9ao das tres novas gramaticas modernizantes surgidas com a Revolu-930 de 30 e mostra como elas interagiram e se amalgamsram com os 3r-ranjos clientelistas previamente dominantes. Mostra ainda como o gover-no federal, cada vez mais forte, concentrou em suas maos e "nacionalizou"os meios para o clientelismo. Para tanto, serao anslissdos o quadro ins-titucional e o conjunto de polfticas, inaugurados pelo processo de statebuilding implementado a psrtir de 1930 e pstrocinsdo pelo novo regime.

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48 A GRAMATICA POLITICADO BRASIL

PANO DE FUNDO: 0 DESAFIO A MODERNIZAgAODO ESTADO BRASILEIRO

A Republica Velha (1889-1930) caracterizou-se como altamente conser-vadora, oligarquica e regionalista. Como bem ilustra esta afirmagao de E.S.Pang, "uma eleicao nao terminava enquanto a Assembleia Legislativa oua Camara dos Deputados nao analisasse e completasse o processo dereconhecimento dos resultados eleitorais".1

Este processo de reconhecimento exigia que os "coroneis" locais entras-sem em acordo com os governadores e com o presidente da Republica,para garantir resultados que agradassem ao sistema dominante. Favorespessoais e empreguismo de um lado, e repressao de outro, caracterizaramfortemente as relacoes poh'ticas neste periodo de laissez-faire repressive.2

Forcas urbanas como as classes medias, os militares e os intelectuaiscomegaram, a partir da decada de 20, a erguer suas vozes contra o sistemaoligarquico. Nesse periodo, varias crises politicas coexistiram com debatesque refletiam as tensoes entre o sistema oligarquico, personalista e clien-telista, e demandas por uma ordem piiblica universalista. O final da decadade 20 e o inicio da seguinte sao marcados por elevagao no torn dasdiscussoes sobre a necessidade da criagao de uma ordem burguesa moder-na, em oposicao a ordem privatista tradicional.3

Estes debates e crises desembocaram finalmente na Revolugao de 30,cuja emergencia — assim esperavam muitos de seus partidarios — deveriaprovocar a criagao da ordem burguesa moderna. Mas isto jamais aconte-ceu. Em muitos aspectos, o movimento de 1930 pode ser considerado umarevolucao que nunca existiu. Na ausencia de uma facgao burguesa hege-monica, o pos-30 deu lugar no Brasil a um "Estado de compromisso",4

caracterizado pela tentativa, da parte do governo, de agradar a muitosinteresses diferentes — e mesmo antagonicos.

O novo regime implementou a centralizacao mas teve de contentar, aomesmo tempo, os grupos rurais, os grupos industrials emergentes, osmilitares, os profissionais de classe media e os operarios. Isto significou adesagregagao das politicas estatais em muitas direcSes diferentes, a fim detomar medidas para proteger a industria, incorporar e domesticar ostrabalhadores, proteger a burguesia cafeeira e modemizar o aparelho deEstado, na busca do universalismo de procedimentos.5

-^> Longe de destruir as bases locais e personalistas da Republica Velha, oregime do pos-30 sustentou-se nelas para conseguir apoio. Este movimen-

^ to ficou ainda mais claro apos 1937, quando a ditadura se instalou, e oditador teve de se apoiar ainda mais fortemente em medidas nao-univer-

A CONSTRUQAO DO 1NSULAMENTO BUROCRATICO 49

salistas para center as pressoes regionais e locais. O resultado foi a criagaode mecanismos para substituir os legislatives locais e a nomeacao deinterventores para desempenhar a funcao de governador de estado eprefeito em todo pais.

No ambito do governo federal, a nova ordem pos-30 contribuiu parainstitucionalizar a gramatica djjroca_generalizada^ que caracterizou aRepublica Velha JUma v^z_gue_o_Estadg de compromissg_significaya_a

s cgntraditorias.p,ata agradar a grupo^opjDStos,o primeiro governo Vargas conferiu expressao institucional as pressSescontra o clientelismo, criando no interior do aparelho de Estado tensoesentre seus partidarios e os defensores do universalismo de procedimentos.

Com a Revolugao de 30, Genilio assumiu o poder enfrentando umaserie de enormes desafios: na politica interna, uma coalizao de apoiofragmentada; na economia interna, uma grave depressao que ameacava apoderosa oligarquia cafeeira e a arrecada§ao do Estado; no ambito dasrelacoes economicas internacionais, um dramatico estrangulamento dasexportagoes e a necessidade imediata de renegociar a divida, associada afortes pressoes de bancos estrangeiros, que queriam impor condicpes paraemprestar dinheiro ao Brasil. Este conjunto multifacetado de desafiosexigia pronta acjao por parte do governo.

Vargas respondeu a esta sobrecarga de desafios com um conjunto demedidas, que se iniciaram em 1930 e estenderam-se ate 1945, mudandopara sempre a face do Brasil. O processo de mudanga entao desencadeadoincluia: a) intervengao estatal na economia, atraves da cria$ao de agendase programas, politicas de protegao ao cafe e transferencia de todas as de-cisoes economicas relevantes para a esfera do governo federal; b) centra-lizacao politica, reforma administrativa, racionalizagao e modernizagao doaparelho de Estado; c) redefini^ao dos padroes de relacionamento entreoligarquias locais e estaduais, intensificagao das trocas entre o governofederal e os grupos estaduais, com a simultanea centralizagao dos ins-trumentos para o exercicio do clientelismo; d) incorporate do trabalhoem moldes corporativos.

O conjunto de medidas postas em pratica por Getiilio deu expressaoinstitucional a um labirinto de tendencias aparentemente contraditorias.Primeiro, o universalismo de procedimentos foi perseguido pela reformado servigo piiblico e pelo estabelecimento do sistema de merito, sob asupervisao do Departamento de Administrate do Servico Publico (DASP).Segundo, o insulamento burocratico foi conseguido com as recem-criadasautarquias, com as atividades do mesmo DASP — em seu papel de orgaoconsultivo da Presidencia e de agenda de formulagao de politicas — e

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50 A GRAMATICA POLITICA DO BRAS1LA CONSTRUgAO DO INSULAMENTO BUROCRATICO 51

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mais tarde com a criagao de empresas estatais. Terceiro, o clientelismo foiexercido atraves de um intricado conjunto de relagoes com grupos muni-cipals e estaduais, baseado numa hierarquia de vinculos e favores queincluiam emprego no governo, participac_ao em conselhos consultivosespeciais, alem de redes estabelecidas pelos interventores nomeados parasubstituir todos os governadores — com exceqao do de Minas Gerais.Finalmente, as praticas corporativistas foram garantidas pelas novas pro-visoes legais, pelo recem-criado Ministerio do Trabalho, pela Justiga doTrabalho, pelos institutos de previdencia social e mais tarde pela Consoli-dac.ao das Leis do Trabalho (CUT).

Em 10 de outubro de 1940, data do decimo aniversario da Revoluc_ao,Getulio expressou, em discurso, a carga de desafios que seu governo tevede enfrentar. Afirmava ele que ate 1929, no que se referia a organizaqaopolitica, o Brasil era dominado por uma ficcjao eleitoral. Quanto a vidaeconomica, o laissez-faire e o nao-intervencionismo estatal estavam emfranco desacordo com a atmosfera mundial de planejamento e controle.Nas finanQas publicas, a desordem e a dissipaqao haviam se transformadoem principios fundamentals, com excessive e abusive recurso a creditosinternacionais por parte dos estados da federaqao. No terreno da educagao,imperava a rotina; no servigo publico reinava a patronagem. Os estados emunicipios, com raras excec,5es, nao eram mais do que organiza^Sesfeudais nas quais a sucessao politica permanecia como privilegio privado.Os negocios publicos e os negocios privados, domesticos, eram tratadosda mesma forma e, muitas vezes, acontecia que os ultimos determinavama solugao dos primeiros.6

Um breve resumo das respostas a esse conjunto de desafios demonstraracomo o governo Vargas alterou profundamente a face do pais e as razoespor que o presidente se sentiu justificado para pronunciar um discurso tao

critico.

STATE BUILDING: CENTRALIZAQAO POLITICA E ADMINISTRATE

Getulio tomou atitudes imediatas contra a estrutura federativa da Republi-ca Velha: cassou o mandate de todos os governadores — com exceqao dode Minas Gerais, ja mencionado — e nomeou interventores para governaros estados. Muitos deles, agentes pessoais do presidente, foram escolhidosnas fileiras dos antigos "tenentes", isto e, jovens e modernizantes oficiaisdo Exercito que tinham participado da Revoluc,ao de 30. Assim, essesjovens oficiais substituiram os politicos "carcomidos" da Repiiblica Velha.

A posic.ao do interventor enfeixava enorme prestigio e volumososrecursos proprios a patronagem.7 De fato, muitos interventores tornaram-se importantes lideres politicos dos partidos conservadores do periodopos-45. Para substituir os "carcomidos" e governar os estados, os inter-ventores tiveram de firmar coalizoes com facgoes das oligarquias es-taduais, o que certamente enfraqueceu o impeto revolucionario das novasadministrac.oes.

Esse processo de coalizao com facc.5es das oligarquias assumiu contor-nos diferentes em diferentes estados, sendo que alguns passaram por umperiodo de conflito aberto com os "tenentes" e com o governo federal,antes de entrar em acordo com este ultimo. Em Minas Gerais, onde apolitica era muito fragmentada, ficou claro desde o imcio que a adminis-trac,ao federal "modernizante" viria a se desentender com as importantese resistentes oligarquias locais.8 Em Sao Paulo a coalizao entre os "te-nentes" e a oligarquia local passou por varios estagios, desde o comec.0 danova administragao, e foi gravemente ameagada pela Revolugao Cons-titucionalista de 1932. Somente depois de derrotar a insurreigao o governofederal pode reiniciar suas tentativas de se aproximar da oligarquia paulis-ta.9

Ja em Pernambuco, Getulio estabeleceu uma coalizao com as facqoesmais perifericas da oligarquia do interior, e ao mesmo tempo promoveuaberturas populistas em direcjao aos pobres urbanos. Esta estrategia abriumais espago para a autonomia federal em relaqao a oligarquia dominanteate entao. Para neutralizar uma oligarquia, Vargas firmava coalizSes comfacc.6es oligarquicas perifericas.10

Entretanto, no piano federal o regime prosseguiu na diregao da centra-lizagao e da racionalizagao. As agoes iniciais de Vargas foram precedidaspor uma lei de poderes especiais decretadas em 11 de novembro de 1930,que Ihe conferia poderes legislatives e executives. Antes do final de 1930Getulio ja tinha criado dois novos ministerios: Educacjao e Saude eTrabalho, Industria e Comercio.

Em 1931, alem de criar uma comissao para analisar as finances dosvarios niveis de governo, Getulio nomeou uma comissao legislativa paraproceder a reforma dos codigos legais; reformas legais, entretanto, soganharam impulse apos a instauraqao da ditadura em 1937. Tambem em1931 foi criada uma comissao para centralizar a aquisic,ao de materialspara o governo (Comissao Central de Compras). Antes do final dessemesmo ano, Getulio lanc,ou o Codigo dos Interventores, que proibia osestados de contrair emprestimos externos sem previa aprovac,ao do gover-no federal, vetava o uso de mais de 10% do orcjamento dos estados para

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52 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

as policias estaduais e proibia os estados de adquirir para suas policiasartilharia pesada e aviagao militar em proporgao que excedesse a forga doExercito nacional.

O governo Vargas e marcado pela forte preocupagao com coisas nacio-nais, em oposigao aos aspectos regionais ou locals. Depois da Revolugaode 30 foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), paradifundir em todo o territorio nacional informagoes fornecidas pelo governo— este departamento foi reformado em 1934 e em 1939. Outro indicadorimportante da preocupagao de Getulio com relagao a criagao de algonacional foi o langamento de A Voz do Brasil, programa radiofonico decunho propagandistico que tratava de temas nacionais e que todas asestagoes de radio do pais eram obrigadas a transmitir diariamente.11

Em oposigao a suposta irracionalidade da Republica Velha, o primeirogoverno Vargas e tambem marcado pela forte preocupagao com coisasracionals. Apos a instauragao da ditadura em 1937, um dos primeiros atosde Getulio foi a extingao de todos os partidos politicos, atraves do decre-to-lei nQ 37, de 2 de dezembro de 1937. Nas palavras de Gustavo Capane-ma, um dos ideologos do Estado Novo, "uma vez extintos os partidos, asaspiragoes do povo foram canalizadas diretamente para o governo federal,atraves da voz dos organismos representatives das varias classes sociais."12

A interpretagao de Capanema sobre a necessidade de estruturas corpo-rativas reflete bem a mentalidade das elites dirigentes e estabelece as basespara a institucionalizagao do corporativismo como mais um aspecto dabusca da racionalidade, que caracteriza a nova administrate. Em 1931 foiassinada uma nova lei trabalhista, que "definia quern podia ser sin-dicalizado. Alem disso, o funcionamento do sindicato passou a dependerde seu registro no recem-criado Ministerio do Trabalho."13

Um novo decreto-lei de 1932 determinou que apenas os trabalhadoressindicalizados poderiam apresentar _suas reclamagdes a Justiga do Traba-lho. A Constituigao de 1934 revogou essas disposigSes, mas impediuquetrabalhadores nao-sindicalizados se beneficiassem de contratos coletivosde trabalho. Finalmente, em 1932 foi institufda a carteira de trabalho, quegarantia ao trabalhador beneficios da lei trabalhista.14 Segundo WanderleyGuilherme dos Santos, a regulamentagao das profissoes, a carteira detrabalho e os sindicatos regulados pelo Estado constituent os tres parame-tros basicos para a definigao da cidadania no Brasil.15

A estrutura corporativa criada depois de 1930 contribuiu ainda para acentralizagao e a estatizagao dos instrumentos para o clientelismo. Acriagao do "Ministerio do Trabalho, com seus departamentos regionais, aJustiga do Trabalho, os sindicatos, as federagoes e as confederacies (...)

A CONSTRUgAO DO INSULAMENTO BUROCRATICO 53

gerou milhares de novos empregos."16 A criagao de varios outros minis-terios e de dezenas de agendas produziu milhares de empregos paraindividuos de classe media, advogados, burocratas e intelectuais, contri-buindo para ampliar a presenga do Estado na vida nacional.17

A ditadura de 1937 aprofundou o processo de centralizagao e raciona-lizagao. O Poder Legislative deixou de funcionar, o DIP foi encarregado dacensura de filmes, programas de radio e da imprensa, e greves e locautesforam considerados "comportamento anti-social".

A Constituigao de 1937 foi um documento engenhosamente concebidopara cassar abruptamente direitos e garantias de todos os cidadaos, excetodo governo federal. Este documento foi exemplarmente complementadopelo decreto-lei ns 1022 (08.04.1939), conhecido como Lei dos Estados eMunicipios. O artigo 2° da Constituigao de 37 acabava com os sfmbolos,bandeiras e hinos de todos os estados; apenas os simbolos nacionais seriamaceitos como politicamente legais. Os estados deveriam ser governadospelo interventor e pelo Departamento de Administragao. Entretanto, amaioria das polfticas e das legislagoes implementadas pelos estados depen-dia de aprovagao presidencial.

Para suspender todos os direitos civis foi constitucionalmente declaradoo "estado de emergencia", que permaneceu em vigor ate 1945, quandoextinto pelo regime democratico que sucedeu ao Estado Novo.

O primeiro governo Vargas deu inicio, igualmente, a um processo deinsulamento burocratico. O DASP, criado pela ditadura em 1937, constituitalvez o mais importante exemplo de insulamento burocratico daquelesanos e simboliza a busca da racionalidade que caracteriza o periodo. Comoum correlato para "racionalizagao", a centralizagao, a padronizagao e acoordenagao constituiram os objetivos maximos do DASP. O sistemacoordenador, para empregar um jargao daspiano, teve inicio com a criagaoda Comissao Central de Compras em 1931 e prosseguiu com a Constituigaodo Conselho Federal do Servigo Piiblico e das Comissoes de Eficiencia,em 1936.18 Em 1938, a criagao do DASP coroou a Constituigao do sistemaorganizador,

O DASP era um organismo paradoxal, porque combinava insulamentoburocratico com tentativas de institucionalizagao do universalismo deprocedimentos. Criado para racionalizar a administragao publica e oservigo publico, o departamento preocupava-se com o universalismo deprocedimentos em assuntos relacionados com a contratagao e a promogaodos funcionarios publicos. Nesse aspecto o DASP representava a fragaomoderna dos administradores profissionais, das classes medias e dosmilitares, tornando-se um agente crucial para a modernizagao da adminis-

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tra§ao piiblica. Embora jamais tenha completado sua missao, o DASP deuinumeros passes positives para a modernizacao do aparelho de Estado epara a reforma administrativa.iy

Mas o DASP possuia uma outra face: o papel de conceber e analisarcriticamente o regime autoritario. Como tal, implementou o insulamentoburocratico e desempenhou varias funcoes antagonicas ao universalismode procedimentos que ele proprio defendia, como agente da modernizac,ao.

O DASP sustentou urn processo de centralizacao sem precedentes nopais. As Comissoes de Eficiencia estavam instaladas em todos os minis-terios, mas se reportavam diretamente ao DASP. Praticamente todas asmedidas legais importantes lancadas por decreto do ditador eram analisa-das pelo Departamento, seja como resposta a legislagao originada nosministerios ou como iniciativa do proprio DASP. Estas outras funcjoesdesempenhadas pelo departamento permitiram identifica-lo, no perfododemocratico subseqiiente, como um rebento da ditadura, o que resultouem seu ocaso depois da redemocratiza§ao em 1945.2(l

O processo de centralizagao abrangeu tambem os estados, compelidospelo DASP a criar departamentos de administrate, os "Daspinhos", que sereportavam diretamente a sua matriz federal e desempenhavam func.6esde fiscalizacao das acjoes dos interventores. Os "Daspinhos" constituiram-se em linhas adicionais de transmissao da cadeia de centralizagao.21 Suasfuncjoes eram reguladas pelo mesmo decreto que regulava as funcoes dointerventor. Atuavam como o corpo legislative de cada estado e supervi-sionavam as atividades de interventores e prefeitos, suas leis e decretos,alem do onjamento.22

A Lei dos Estados e Municipios, de 1939, foi o golpe de misericordiano sistema federative criado em 1891. Nao restou nenhuma autonomialegislativa aos estados e municipios. A aprovagao do governo federal eranecessaria para todos os assuntos importantes. A arrecadacao, vital para aautonomia estadual, foi praticamente toda transferida para o governofederal, pondo um fim a autonomia local e reduzindo drasticamente osrecursos para o clientelismo, antes a disposigao das elites regionais. Osestados passaram a controlar apenas os impostos territorials, os alvaras eo imposto ad valorem de 10% sobre as exportacpes estaduais.

Corporativismo e insulamento burocratico caminharam lado a lado como processo de centralizacao e racionalizagao do Estado brasileiro. Esteprocesso significou a transferencia para o governo federal de quase todosos recursos para o exercicio do clientelismo. Na verdade, uma das pos-sfveis conseqiiencias nao antecipadas da busca da racionalidade, da cor-porativizatjao, do insulamento burocratico e do universalismo de procedi-

mentos com centralizagao, busca esta patrocinada pelo novo regime, foium verdadeiro processo de "nacionalizacao" dos recursos para o cliente-lismo, com o governo federal se transformando no unico e todo poderosopatron.

STATE BUILDING: iNTERVENgAO NA ECONOMIA

A intervencao do Estado na economia, iniciada no primeiro governoVargas, ja foi analisada e documentada por muitos autores. Sera necessarioapenas uma breve referenda, com o objetivo de completar o modelo quepermitira o conhecimento integrado do processo de centralizagao dosrecursos clientelistas.

O processo de intervenc.ao do governo na economia corre paralelamentea busca da centralizagao polftica e administrativa. Um exemplo claro foio conf isco do controle da polftica do cafe das maos de Sao Paulo em 1931,atraves da criagao do Conselho Nacional do Cafe.

No final de 1930 Getulio entregou o monopolio do cambio ao Bancodo Brasil. Em 1931 estabeleceu-se tambem o controle direto de todas astransa55es em moeda estrangeira de acordo com uma lista de prioridadesgovernamentais. Em 1932 foi criada a Caixa de Mobilizacao Bancaria(CAMOB) do Banco do Brasil, como a primeira — e malsucedida —instituiqao de controle monetario e financeiro.23

AintervenQao na economia foi realizada de tres maneiras: a) criacao deagendas regulatorias e adogao de politicas regulatorias; b) criagao deinstitutes e agendas estatais para a "defesa economica" de determinadosprodutos e industrias; c) criacao de empresas estatais e autarquias. NoAnexo estao listadas cronologicamente as novas agendas criadas e as maisimportantes iniciativas politicas tomadas no perfodo pos-30, com o obje-tivo de documentar a intensidade do processo de constru$ao do Estado, decentraliza$ao administrativa e de intervengao na economia, ocorrido du-rante o primeiro governo Vargas.

O avango da intervengao na economia foi entrelacjado com o da cria§aodos meios institucionais para uma intervencao efetiva. No perfodo pos-30estes processes caminharam paralelamente a centralizagao administrativa,a criacao de novas agendas e a busca de racionalidade, o que deu origema muitas agendas estatais especiais.

Ainformagao tornou-se materia-prima vital: era necessario conhecer aextensao da dfvida publica, o numero de funcionarios trabalhando no setorpiiblico, o numero de agendas do Estado. Novas agendas foram criadaspara enfrentar esse desafio.

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56 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

O mesmo padrao de criagao de agendas para enfrentar desafios es-pecificos teve lugar em todas as outras esferas do governo, gerando umprocesso realimentador. a necessidade de controle e informagao para lidarcom sucesso e com a incerteza interna e externa resultou na criagao denovas agendas e politicas que, por sua vez, geravam nova necessidade demais intervene^ e mais centralizaqao. A ditadura protegeu este processo,tornando praticamente impossivel para qualquer um desafiar o Estado. Elafuncionou como um escudo para a expansao do proprio Estado.24

A nogao de que a intervengao do Estado na Economia e a expansaoestatal refletiam um proposito deliberado nao e, no entanto, consensual. Odebate torna-se interminavel quando se tenta saber se as politicas deprotecao ao cafe do inicio da decada de 30 eram ou nao politicas keyne-sianas avant la lettre. Celso Furtado afirma que as politicas economicasde Vargas eram de natureza keynesiana. Outros autores declaram, entre-tanto, que eram politicas ortodoxas e que nao visavam a uma sustentagaodo crescimento economico pelo Estado, atraves da utilizagao planejadados deficits orgamentarios.25 O argumento e o de que os deficits existentesno inicio do governo Vargas eram devidos a causas circunstanciais, taiscomo os onus impostos pela grande depressao e pela Revolugao de SaoPaulo em 1932, que exigiram enormes dispendios. Outros autores aindaafirmam que a verdade fica a meio caminho: as politicas do cafe e outrastentativas propositadas do Estado para sustentar a economia tiveram umforte impacto no crescimento economico e na recuperaqao pos-depressao,mas este impacto, entretanto, nao foi tao fundamental quanto alegou Celso

Furtado.26

Estudos recentes fortaleceram a nogao de que a "consciencia do atraso"desempenhou um papel-chave no avango da intervengao na economia.27

De outro lado, aqueles que argumentavam contra a existencia de uma aqaoplanejada e integrada de crescimento economico liderado pelo Estadoparecem tambem pisar em terreno solido: embora o atraso fosse percebidocomo um obstaculo a ser superado, ate meados da decada de 50 nenhumapolitica economica foi esbocada de forma coerente para estimular a

industrializagao.A industrializacjio liderada pelo Estado depende, nitidamente, da cria-

gao de meios apropriados para financiar, subsidiar, controlar e supervisio-nar o processo. Estes meios comegaram a ser criados no inicio dos anos30 e mais claramente tornaram-se parte do estoque de ideias dos formula-dores de politicas depois de 1937, quando a nogao de "Estado nacional"se tornou mais difundida. Com referenda as caracteristicas do aparelho deEstado em 1941, o DASP retrata os niveis de complexidade conseguidos

A CONSTRUgAO DO INSULAMENTO BUROCRATICO 57

pela estrutura estatal a partir de 1930. Em 1941 a configuragao do estadoja e altamente complexa, antecipando em larga escala o seu processo deexpansao nas decadas subseqiientes.

A partir da observagao dos Quadros 2 e 3 pode-se identificar os va-rios tipos distintos de intervencao do Estado, resumidos acima. A varie-dade de agendas e fungoes existentes no inicio da decada de 40 serviupara diferentes objetivos nos anos seguintes. Os institutes de previdenciasocial, em contraste com as unidades de produgao, serviram a propositosclientelistas, perderam sua eficiencia e terminaram substituidos por umsistema nacional de previdencia social, durante o governo militar insta-lado em 1964. De outro lado, as unidades de produgao, dependentesdo insulamento burocratico, floresceram, expandiram seu papel e pre-senga e, finalmente, multiplicaram seu numero para cerca de 500, duran-te o regime militar. Os dispositivos corporativistas permaneceram emvigor e se expandiram numa teia de conselhos economicos, conferindoum nitido ar de corporativismo social as primeiras instituigoes estataiscorporativas.

A institucionalizagao do corporativismo, do insulamento burocratico eo inicio do universalismo de procedimentos emergiram como resultado e,ao mesmo tempo, realimentaram o processo de construcao do Estado, acentralizagao, a incorporagao regulada do trabalho e a intervencao naeconomia. Aconcentragao e a nacionalizagao dos recursos para o exerciciodo clientelismo transformaram o governo federal no principal patron epermitiram a institucionalizagao combinada das quatro gramaticas emambito nacional. A partir desse periodo, o clientelismo nao pode mais serpercebido como uma caracteristica de municipios, caciques e coroneis. Asquatro gramaticas tornaram-se parte do estoque de alternativas politicasdo Executive federal.

O processo de intervengao do Estado acelerou-se com a instauragao daditadura em 1937 e com o envolvimento do Brasil na Segunda GuerraMundial. Ao final do governo Vargas, em 1945, o Brasil era um pais bastantediferente comparado a Republica Velha. Um aparelho de Estado complexo ecentralizado substituiu o velho sistema federative e liberal, meios tecnocrati-cos de controle f oram criados e concentrados nas maos do Estado, regulamen-tos corporativos foram estabelecidos para incorporar o trabalho.

Este impressionante processo de construgao do Estado beneficiou-seda existencia de um regime autoritario. Os arranjos corporativistas, orecem-criado aparelho de Estado e o universalismo de procedimentos doDASP jamais tinham operado num ambiente democratico ate 1945. Estaestrutura iria agora ser testada.

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60 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

STATE BUILDING: O LONGO IMPACTO DOS OBSTACULOSINTERNACIONAISAconstrugao de modernas estruturas estatais no Brasil foi controlada, a partirdo seculo xix, por elites estatais bem capacitadas.28 Durante os primeiros 30anos do seculo xx, o papel do governo federal manteve-se limitado pelasdisposicpes federativas da Constituiqao de 1891. Os estados e as oligarquiasagrarias que os dominavam controlavam todas as cartas do jogo politiconacional, pois nao havia partidos politicos nacionais naquele periodo.

Refletindo a forte reac.ao contra a centralizac.ao do tempo do Imperio,a Constituiqao de 91 transferiu aos estados grande liberdade de a^ao emmateria politica e fiscal. O governo federal tinha jurisdiqao exclusiva parataxar importances, enquanto os estados tinham jurisdi^ao exclusiva parataxar a exportanao de bens produzidos dentro de seu territorio, as proprie-dades imobiliarias, as industrias e as profissoes, podendo, ainda, mantersuas proprias policias e contrair emprestimos externos.

Desde o Imperio as receitas do setor publico dependiam quase total-mente das tarifas de importaqao (ver Grafico 1). A taxa§ao sobre o

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A CONSTRUgAO DO INSULAMENTO BUROCRATICO 61

consume fornecia a segunda maior fonte de receita do Estado: 21% dototal da receita em 1930, 20% em 1935, e cerca de 29% em 1942. Oimposto sobre a renda das pessoas ffsicas, cuja arrecadagao teve infcio em1924, permaneceu por um longo periodo como uma fonte irrelevante dereceita: era responsavel por apenas 2,17% do total da arrecadagao em 1924,4,47% em 1929,7,75% em 1933,11,82% em 1938, e cerca de 20,52% em1942.29

A estrutura da arrecadac_ao mostra uma mudanga marcante apenas apartir da decada de 50. Os impostos sobre importagao representavam 11%,11% e 7% do total da arrecadagao em 1950,1960 e 1970, respectivamente.Os impostos sobre consumo atingiram os nfveis de 63%, 57% e 67% em1950,1960 e 1970, nessa ordem. Nesses mesmos anos, o imposto sobre arenda das pessoas fisicas cresceu para 26%, 32% e 28% do total.30

A grande depressao do final da decada de 20 revelou a fragilidade deum Estado cuja principal fonte de renda depende do comercio exterior. Oprec_o do cafe caiu de 22,5 centavos de dolar, em setembro de 1928, para8 centavos de dolar, em setembro de 1931. O comercio exterior do Brasilrestringiu-se de forma dramatica: as exportagoes despencaram de 446milhoes de dolares, em 1929, para 181 milhoes, em 1932, e as importancescairam de 417 milhSes de dolares, em 1929, para 108 milhSes, em 1932.Sem moeda forte e com reduzidas receitas de exporta^ao, o pafs nao podiapagar sua divida externa; a remessa de ouro foi uma soluc.ao apenastemporaria, que levou a dissipaqao das reservas no final de 1931. "Arelacjao entre o servic.0 da divida publica e as exportagoes cresceu de (...)15% para (...) 43% no periodo mais serio da depressao (1932-33)."31 0Brasil parou de pagar em setembro de 1931, quando o servi§o da dividachegou a 30% das exportagoes.

Os banqueiros internacionais ja estavam descontentes com a estruturaoligarquica e federal do Brasil ha muito tempo. Ao negociar emprestimospara o pafs, os banqueiros ingleses freqiientemente solicitavam o es-tabelecimento de um sistema de governo mais centralizado. Os banqueirospediam a centralizagao do processo de contabilidade, a criaqao de algumaespecie de banco central e o controle federal sobre os emprestimoscontraidos pelos estados. Os banqueiros pretendiam ainda exigir que ogoverno brasileiro aceitasse a presenga de especialistas estrangeiros paraa realizagao de uma auditoria na economia e nas contas nacionais, com oobjetivo de recomendar medidas que deveriam ser aceitas pelo Brasil.

Em 1924 os Rothschild fixaram uma politica que condicionava aconcessao de novos emprestimos ao pafs a cpncordancia brasileira emreceber um especialista britanico. A missao Montagu, como passou a ser

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62 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL ACONSTRUgAO DO INSULAMENTO BUROCRATICO 63

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conhecida, recomendou que o governo federal controlasse os estados a fimde proteger a credibilidade brasileira no exterior e de garantir os recursosingleses, ja comprometidos em emprestimos nao pagos por alguns es-tados.32

Anos depots, em 1931, seguindo a mesma politica, outro representantedos Rothschild, a Missao Niemeyer, foi enviado ao Brasil apos o enten-dimento previo de que o governo enviaria um convite aos tecnicos esco-Ihidos. Este "convite" era, na verdade, uma exigencia do governo britanico,que desejava que o trabalho da missao aparecesse publicamente como umgeneroso favor prestado pelos tecnicos ingleses. Os termos britanicosexigiam tambem que o Brasil concordasse com as recomendagoes feitaspela missao convidada.33

A insistencia na centralizacao refletia, de um lado, a preocupagao dosbancos com a seguranga de seu proprio dinheiro. De outro, refletia umarealidade que teria de ser alterada cedo ou tarde, seja por pressao externaou pela opgao brasileira pela modernizagao: o sistema contabil brasileiropraticamente nao existia, nao havia boas estatisticas nem qualquer inf or-magao confiavel a respeito da divida. "Ate 1916, nunca tinha sido publi-cado um boletim estatfstico. Uma comissao instalada em 1931, para oestudo da divida externa, encontrou uma situagao de 'desordem, des-perdicio e irresponsabilidade' em termos de informagao; era virtualmenteimpossivel obter dados confiaveis sobre comercio interestadual, produgaoagricola e balango de pagamentos, como infelizmente vieram a constataro ministro da Fazenda Oswaldo Aranha e Valentim Boucas."34

Getulio e seus colaboradores nao puderam encontrar no Tesouro nacio-nal uma documentagao suficiente para calcular o valor da divida, o valordos titulos em circulagao, os pagamentos j a efetuados e a efetuar, alem dosjuros a serem pagos. Na verdade, concluiram que as remessas de recursospara Londres, Paris e Nova York'eram feitas a partir de faturas apresentadaspelos proprios banqueiros.

Em 1931 Vargas criou uma comissao especial para analisar a situagaoeconomico-financeira dos estados e municipios (Decreto-lei ne 20.631 de09.11.1931). Em 1932 (Decreto-lei nQ 22.089, de 16.11.1932) as funcpesdessa comissao foram ampliadas para permitir a inspegao nas finances dosestados e municipios. A comissao tambem inspecionava a contabilidadefinanceira do governo federal, promovia a classificacao e organizacao doscontratos existentes, elaborava a contabilidade das transferencias de recur-sos e dos juros pagos. Em 31 de dezembro de 1934, gragas ao trabalho dacomissao, a administracao ja era capaz de saber o total da divida externade todos os niveis do governo.35

Tanto a Missao Montagu, de 1924, como a Missao Niemeyer, de 1931,recomendaram a adocao de medidas para aumentar a capacidade decontrole sobre as finangas e sobre a arrecadacao, orgamento e avaliagao,alem da fiscalizagao. Ambas missSes insistiram, ainda, na necessidade decriagao de um banco central.

Se de um lado as pressoes extemas exigiam respostas do Estado nosentido de melhorar seu proprio poder de barganha junto aos bancos, deoutro essas mesmas pressoes vinham ao encontro de pressoes internassimilares, oriundas de jovens militares e de administradores profissionais.Acrise de 1929 tornou inevitaveis as respostas do Estado.

NOTAS

1. Eul-Soo Pang, "Coronelismo in Northeast Brazil", in Robert Kern (org.), TheCaciques, p.71.

2. Wanderley Guilherme dos Santos, Cidadania ejustiga, p.71; Roberto Schwartz,Ao vencedor as batatas; Vitor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto, p.13.

3. Otavio lanni, O Estado e oplanejamento no Brasil; Wanderley Guilherme dosSantos, Ordem burguesa e liberalismo politico.

4. Boris Fausto,j4 Revolugao de 1930: historiografia e historia, p.]04.5. Mario Wagner Vieira Cunha, O sistema administrativo brasileiro, p.90-4.6. Citado em Morris L. Cooke, Brazil on the March, p.278.7. Houve mesmo casos de ministros que deixaram suas pastas por uma interventoria,

como Fernando Costa (ministro da Agricultura nomeado interventorem Sao Paulo em1941) e Agamenon Magalhaes (ministro do Trabalho nomeado interventor em Pernam-buco em 1937).

8. Helena Maria B. Bomeny, "Aestrategia de conciliagao: Minas Gerais e a aberturapolitica dos anos 30", in Angela de Castro Gomes (org.), Regionalismo e centralizagaopolitica: partidos e coristituintes nos anos 30.

9. Angela de Castro Gomes, Regionalismo e centralizagao..., op. cit., p.237.10. Aspasia Camargo, "Authoritarianism and Populism: Bipolarity in the Brazilian

Political System", in Neuma Aguiar (org.), The Structure of Brazilian Development.11. Angela de Castro Gomes, "A construgao do homem novo: o trabalhador

brasileiro", in Lucia Lippi de Oliveira, Monica Pimenta Velloso e Angela de CastroGomes (orgs.), Estado Novo, ideologia e poder.

12. Simon Schwartzman (org.), O Estado Novo: um auto-retrato. Ver tambem, domesmo autor, Tempos Capanema.

13. Wanderley Guilherme dos Santos, Cidadania e justiqa, op. cit., p.76.14. Idem.15. Idem.16. Helofsa H.T. de Souza Martins, O Estado e a burocratizagao do sindicato no

Brasil.17. Sergio Miceli, Intelectuais e classe dirigente no Brasil, 1920-1945, p.132.

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18. Relatorio do DASP-1941, Presidencia da Republica, p.8.19. Gilbert B. Siegel, "The Vicissitudes of Governamental Reform in Brazil: A

Study of the DASP", Tese de Doutorado; Lawrence Graham, "Civil Service Reform inBrazil: Principles versus Practice", Latin American Monographs.

20. Em muitos casos o DASP substituiu outros mecanismos de intermediac.ao entreo governo federal e os estados. Nas palavras de Maria do Carmo Campello de Souza,"vedados os canais tradicionais de representagao e influencia, as antigas e novasoligarquias foram absorvidas ou encurraladas num sistema que tinha como fulcro asinterventorias, acopladas a orgaos burocraticos subordinados ao DASP, sujeitos, por suavez, ao presidente da Republica. (...) O papel do DASP e sem duvida decisivo, nao peloque de real reforma possa ter realizado, mas pela sua func. ao na montagem da estruturade poder burocratico: a de um cinto de transmissao entre o Executivo federal e a polfticados estados." Ver Maria do Carmo Campello de Souza, Estado e partidos politicos noBrasil, 1930-1964, p.86.

21. Karl Lowenstein, Brazil under Vargas; Maria do Carmo Campello de Souza,Estado e partidos politicos no Brasil, 1930-1964.

22. As tensoes entre a representac.ao polftica desempenhada pelos interventores e abusca da racionalidade empreendida pelo governo federal sao particularmente bemilustradas pelo decreto-lei ns 1.022 de 1939, que proibia aos interventores a contra tagaode parentes, mesmo distantes, exceto para func_oes temporaries que exigissem totalfidelidade para a realizacjao de uma determinada missao.

23. W. Suzigan, "Industrializacjio e polftica economica: uma interpretaqao emperspectiva historica", Pesquisa e Planejamento Economico.

24. Embora o Brasil tivesse votado uma nova Constitui§ao em 1934, a Lei deSeguranija Nacional, aprovada pelo Congresso em 1935, substituiu de fato os poderesdo Legislative. Esta lei permitia a Vargas legislar por decreto, mesmo antes dainstalagao da ditadura de 1937. Ver Angela Maria de Castro Gomes, "Arepresentaqaode classes...", op. cit., p.37.

25. Carlos Manoel Pelaez, Historia da industrializagdo brasileira: critica a teoriaestruturalista no Brasil; Anfbal Villela e W. Siuzigan, "Polftica de governo e cresci-mento da economia brasileira, 1889-1945", Monografia.

26. Albert Fishlow, "Origins and Consequences of Import Substitution in Brazil",in Luis DiMarco (org.), International Economic Development.

27. Marcelo de Paiva Abreu, "A missao Niemayer", Revista de Administraqao deEmpresas; Stanley Hilton, "Vargas and Brazilian Economic Development, 1930-1945:A Reappraisal of His Attitude Toward Industrialization and Planning", Journal ofEconomic History.

28. Jose Murilo de Carvalho, "Political Elites and State Building: The Case ofNineteenth Century Brazil", Comparative Studies in Society and History; AlexandreBarros, "The Brazilian Military: Professional Socialization, Political Performance, andState Building", Tese de Doutorado.

29. Relatorio do DASP-1941, Presidencia da Republica, p.84 e 100.30. Fitzgerald, p.132.31. Eric Baklanoff, "Development and International Economy", in John Saunders

(org.), Modern Brazil.32. Marcelo de Paiva Abreu, "A missao Niemayer"; Maria Lucia Oliveira, "A

tendencia a centralizac,ao e o fenomeno do autoritarismo", Dados.

A CONSTRUgAO DO INSULAMENTO BUROCRATICO 65

33.0 LondonTimes msistiu em que Sir Otto Niemeyer foi convidado a vir ao Brasil.

H ,f M T! n°"C10U qUC 6le fora enviado ao Brasil pelos Rothschild Otrabalho de Marcelo de Pa.va Abreu confirma a notfcia do New York Times. Ver aindaOtavio lanm, Estado e planejamento no Brasil, p.15.

34. Stanley Hilton, "Vargas and Brazilian Economic Development, 1930-1945- AReappraisal of His Attitude Toward Industrialization and Planning", Journal of Eco-nomic History, p.767-8. J

35. Simon Schwartzman, Bases do autoritarismo brasileiro, p.147.

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CAPITULO 4

CAPITALISMO, PARTIDOS POLITICOS EINSULAMENTO BUROCRATICO

NO REGIME Pos-45

O processo de constnujao institucional que cobre o periodo 1930-45 naofoi desmantelado na democracia pos-45. O governo democratico acaboucom as medidas e a legislacao que cerceavam os direitos civis, mas naoextinguiu o recem-criado aparato de Estado. O DASP foi totalmente esva-ziado, mas nao extinto, pelo presidente Jose Linhares, a despeito de suaantipatia pela agenda e de muitas sugestoes para que ele o fechasse. Nofim, o aparato estatal provou ser crucial para a constitui§ao dos partidos epara a competigao politica.

Linhares encarava o DASP e seus funcionarios como uma criagao doregime anterior; desrespeitou sistematicamente as tentativas de universa-lismo de procedimentos implantadas pelo DASP e fez um grande numerode nomeaqSes clientelistas. Alem disso, aumentou os niveis salariais dosfuncionarios subalternos do Ministerio da Educagao e nomeou amigos eparentes para o servkjQ publico.

Finalmente, atraves do Decreto-lei ns 8.323, de 7 de dezembro de 1945,Linhares despojou o DASP de seu papel central no planejamento, terminan-do com o "sistema centralizador" criado por inspiragao daspiana; maistarde, o presidente Eurico Dutra eliminou as Comissoes de Eficiencia. Emsuma, o papel do DASP foi drasticamente reduzido, como uma reagao aopassado autoritario que ele encarnava. Ate 1961 nao mais de 12% de todoo funcionalismo publico tinha sido admitido por concurso.

Em flagrante contraste com o destino do DASP, os arranjos corporativis-tas surgidos nos anos 30 jamais foram desativados. Ao contrario, provaramser instrumentos poderosos para a construqao partidaria nas maos do PTBe do Ministerio do Trabalho.

A democratizagao de 1945 nao rompeu — tampouco a de 1930 o fez— a gramatica personalista do clientelismo. O novo regime emergiu das

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68 A GRAMATICA POLITICA DO BRASILCAPITALISMO, PARTIDOS POLITICOS E INSULAMENTO 69

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entranhas da ditadura que ele ousou substituir, e as elites que adminis-traram a transiqao e que, em ultima analise, controlaram o periodo cons-titucional e democratico pos-45 eram compostas pelas mesmas pessoasque apoiaram o regime anterior ou que dele se beneficiaram. A rede deinterventores e prefeitos nomeados constituiu a base para a funda§ao dopartido conservador, o PSD, que foi criado com os recursos para patronagema disposiqao da ditadura e controlou o Congresso na eleigoes de 1945.Assim, o clientelismo que cresceu a sombra da estrutura social brasileiratornou-se um instrumento de engenharia politica astuciosamente manipu-lado por aqueles que se encontravam no poder.

No meu entendimento, tanto a institucionalizaqao do clientelismo quan-to muitas das tensoes e dilemas que marcaram o Brasil nos ultimos anostern sua origem e explicable nas caracteristicas da transi^ao para a demo-cracia, ocorrida apos 1945.

As transicjoes sao importantes porque e durante os anos iniciais de umregime que se forja a redefiniqao do instrumental institucional. Sua confi-guragao e formato dependerao do tipo de transigao que venha a ocorrer:que forgas o sustentam e que forqas o manipulam.1 Em tal contexto, muitosaspectos sao cruciais: como foram organizados os partidos politicos e quaiseram suas metas? Ate que ponto a nova Constituiqao refletiu e influencioua redefinic_ao institucional, e ate que ponto ela refletiu o legado do regimeanterior? As proximas se§6es irao explorar estas questoes.

PARTIDOS MOBILIZADOS INTERNAMENTE

Apersistencia e o fortalecimento do clientelismo originaram-se no proces-so de democratizaqao que sucedeu o Estado Novo e nas caracteristicas dospartidos e das liderangas politicas que emergiram na epoca.

Tomo emprestado a Martin Shefter um modelo para se compreendercomo funciona o clientelismo nos partidos politicos. Segundo o autor, umacombinaqao de fatores forja a "experiencia critica" que define o estilo deacjao politica de organizagoes partidarias: a) os valores e as preferenciasdos eleitores; b) os recursos a disposic_ao do partido; c) os interesses doslideres e dos militantes partidarios.

Ja as transigoes para a democracia, de acordo com Giuseppe Di Palma,variam de acordo com: a) a natureza do regime anterior (se autoritario outotalitario); b) a maneira como ocorreu o colapso do regime (comoresultado de revoluc.ao, evolugao ou forga externa); c) o tipo de atorespoliticos que fundam a democracia (se sao nacionais, e de que tipo, oufor<ja de ocupac.ao).

Apesar de fatores externos terem influido na queda do Estado Novo,em virtude do clima internacional de democratizagao que sucedeu aSegunda Guerra Mundial, o novo regime inaugurado no Brasil evoluiu deuma situacjao autoritaria, cuja falencia resultou de fatores endogenos. Ademocracia instalada em 1945 foi controlada pelo mesmo aparelho poli-tico e pelos mesmos atores que estiveram no poder durante a ditadura.

O Partido Social Democratico (PSD) foi constituido em torno de prefei-tos e interventores e se beneficiou dos recursos para patronagem a dis-posigao das administrates estaduais e municipais. Alem dos interven-tores, todas as figuras mais importantes da administraqao do Estado Novoparticiparam de sua criac,ao.2 Mais ainda, o candidate do PSD, generalEurico Dutra, venceu a primeira eleigao presidencial do novo regime,tendo recebido forte apoio politico de Getulio. E importante notar queDutra foi ministro da Guerra durante todo o periodo do Estado Novo.

O PSD constituiu o prototipo do que Shefter denomina de "partidomobilizado internamente" ou "partido de dentro" para utilizar a expressaode Thomas Skidmore.3 Ele permaneceu como o partido mais forte noBrasil desde sua criagao ate 1964.

Partidos que se originam dentro do regime cujo lugar vao ocupar —uma vez que a mudanga nao e resultado da criagao revolucionaria de umanova ordem — nascem com um estoque de recursos para patronagem quepodem ser manipulados por elites identificadas com o status quo, queprecisam de apoio popular para permanecer no poder apos a mudanga deregime. Partidos mobilizados internamente sao organizacjoes politicasnascidas no interior doAncien Regime, com o controle sobre seus recursos.A estrategia inicial de conseguir apoio em troca de patronagem fomecidapelo tesouro, acrescida a logica de coalizoes politicas entre elites partida-rias, constitui a "experiencia critica" desses partidos, uma experiencia deque os partidos tern tido muitas dificuldades para se libertar, pelo menosno curto intervalo de uma unica geragao.4

O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) foi outro partido gestado dentrodo Estado. Criado apartir do Queremismo—movimento orquestrado paraeleger Getulio como o primeiro presidente democratico —, o partidoabsorveu a face do getulismo que nao estava representada no PSD. O PTBfoi organizado por aliados de Vargas como Marcondes Filho (ministro doTrabalho de 1941 a 1945) e Alberto Pasqualini, com o estimulo do proprioVargas. Apesar de a base de sua estrutura formal ser menor que a do PSD,o PTB contava com o carisma de Getulio e com a "base organizacionalindustrial urbana" da estrutura sindical criada por ele.5 Se em 1945 o PTBapresentou candidates em apenas 14 estados, ja em 1947 estava repre-

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70A OR AM ATICA POLITICA DO BR ASIL CAPITALISMO, PARTIDOS POLITICOS E INSULAMENTO 71

1

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sentado em todas as 21 unidades da federaqao. Cedo o partido podedispensar recursos oriundos do governo; os recursos para patronagemconcedidos ao PTB foram utilizados para fortalecer a mobilizac,ao operaria.6

No inicio da decada de 50, o partido cresceu como resultado da elei§aode Getulio a presidencia da Republica. Mais tarde, Joao Goulart, comoministro do Trabalho e depois vice-presidente da Republica, passou amanipular recursos estatais para fortalecer ainda mais o partido.

A epoca de sua formacao, o PSD e o PTB dispunham de recursos parapatronagem que as elites partidarias decidiram utilizar para obter apoio viaclientelismo. Os seguidores e os membros dos partidos reconheciam eaceitavam essa troca como legitima e desejavel para os partidos.

A Uniao Democratica Nacional (UDN), ao contrario, foi criada a partirde uma base politica diferente, com pelo menos um potencial para ser umpartido "mobilizado externamente". Aqueles que nao tinham aderido aestrategia de Getulio, os que esposavam valores diferentes, ou mesmo osesquerdistas, juntaram-se para formar a UDN. Segundo Maria VitoriaBenevides, a UDN reuniu cinco tipos de autores: a) oligarcas desalojadospela Revoluqao de 30; b) antigos aliados de Vargas que tinham sidomarginalizados depois de 1930 ou 1937; c) aqueles que participaram doEstado Novo mas se afastaram antes de 1945; d) grupos liberais com forteidentificagao regional; e) esquerdistas.7

Originalmente, o discurso universalista era uma caracteristica de fra-5oes da elite nacional da UDN. Sua retorica publica era marcada pelocombate a corrupQao administrativa, pelo cultivo do individualismo uni-versalista e pelo horror ao paternalismo de Getulio. No Congresso, a UDNapoiou todos os projetos que defendiam a moralizaqao administrativa.8

Entretanto, o discurso universalista da elite nacional do partido nao refletiaa mentalidade de toda a UDN e seus eleitores. Como aponta Maria VitoriaBenevides, havia varias UDNS dentro da mesma estrutura partidaria: emgeral, os autenticos e ospragmdticos constituem os polos mais relevantes.Os primeiros propunham permanecer fieis a gramatica do universalismode procedimentos, enquanto os pragmaticos (ou adesistas) desejavamjuntar-se ao fisiologismo. Isto gerou um distanciamento entre as duasfaccjoes: "a eterna vigildncia e o eterno compromisso, sendo que a ultimaparticipou do governo de uniao nacional de Dutra e ate do segundo governo

Vargas".1'Em seu estudo classico sobre o lacerdismo no estado da Guanabara,

Glaucio Ary Dillon Scares mostra que Carlos Lacerda e suas ideias eramapoiadas basicamente (73%) por profissionais liberais, gerentes, supervi-sores e funcionarios em cargos administrativos, concluindo que o "lacer-

dismo e predominantemente liberal, nao-intervencionista e favoravel aocapital estrangeiro". Entretanto, o autor enfatiza que a Guanabara era umestado moderno e politizado, e nao representava o pais como todo.10

Lacerda, por sua vez, opunha-se ferozmente a coalizoes com o PSD ouo PTB. Em 1958, por exemplo, na conven^ao da UDN no antigo estado doRio de Janeiro, que iria aprovar a coalizao com o PTB para enfrentar o PSDnas elei§5es para governador, Lacerda deslocou-se para Niteroi para lutarpessoalmente contra a coalizao. O que aconteceu naquela convengao eilustrativo das contradiQoes que coexistem dentro do partido. Embora osvelhos udenistas fossem contraries a alianga, a decisao de formar umacoliga$ao com o PTB foi tomada a partir de consideracoes pragmaticas.11

Na realidade, alguns dos quadros da elite udenista procuravam seguiros principles universalistas defendidos pelo partido. Na poderosa Comis-sao de Orgamento da Camara dos Deputados, por exemplo, os seismembros conhecidos como defensores do conservantismo fiscal e dasrestricoes or^amentarias eram Adauto Lucio Cardoso, Pedro Aleixo, Alio-mar Baleeiro, Hebert Levy (todos udenistas), Gustavo Capanema e Wag-ner Estelita (estes do PSD).

Mas o discurso e o comportamento moralista da lideranga nacionalconviviam com uma estrategia local e estadual de coalizoes com o PTBe/ou o PSD. Sufocada pela logica "realista", a UDN perdeu a chance de setornar um bastiao do universalismo. Mesmo no perfodo que se seguiuimediatamente a restauracjao da democracia, ela ja havia comegado acolaborar com o governo Dutra e com o PSD. Como a UDN foi fundada emabril de 1945 e Dutra foi eleito em dezembro do mesmo ano, isto significaque ela so foi um partido de oposigao durante oito mesesl12

A participate da UDN nos ministerios esteve fortemente circunscrita apastas com menores recursos para patronagem e provavelmente menosinteresse para o PSD, que geralmente dividia com o PTB as pastas maisimportantes. ATabela 1 mostra fortes relagoes entre partidos e ministerios:os ministros do Trabalho do perfodo 1945-63 eram em geral do PTB; a UDNtinha maior acesso ao Ministerio das Relacoes Exteriores, que obviamentetinha pouco ou nada a oferecer em termos de patronagem conversivel emvotos.

No piano estadual a ala pragmatica firmou coalizoes com partidosclientelistas, objetivando participar do governo, e afastou-se do universa-lismo de procedimentos e da "eterna vigilancia" das elites nacionais dopartido, estas mais intelectualizadas. Ja em 1947 a UDN se aliava com osmesmos partidos combatidos em sua retorica nacional. ATabela 2 revela

a UDN, de fato, aliou-se ao PSD, ao PTB, ao PRP, ao PDC, ao PL, ao PTN e

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72 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

TABELA1Filiacao Partidaria de Ministros

1945-1963Ministerios

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11

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17

1719

16

14

14

21

Fonte: Lucia Lippi, "O Partido Social Democratico", p.60. Segundo Lucia Lippi, os dados,embora incompletos, sao suficientes para mostrar uma afinidade eletiva entre certospartidos e certos ministerios.

ao PR em diferentes estados. Asitua5ao nao se modificou com o tempo; aocontrario, a Tabela 3 mostra que, a partir de 1947, as coalizoes para adisputa dos governos estaduais so fizeram aumentar.

No Congresso, o padrao de votaqao da UDN como um todo era erratico:votava a favor de medidas que propunham a diminuiqao da participac.aodo Estado na economia e, igualmente, a favor de projetos que propunhama criacjao de empresas estatais. Sua coesao interna so era particularmentealta quando a questao era fortemente ideologizada em termos de esquerdaversus direita, ocasi5es em que o partido votava com a direita.13

Em 1966 foi extinto o sistema partidario. O regime militar pos-1964,contudo, beneficiou-se daqueles formalmente filiados a UDN: a analise daorigem partidaria dos govemadotes nomeados pelo o executive central em1978 (Tabela 4) mostra que, durante o regime autoritario pos-1964, a UDNconseguiu ganhar, nas elei5oes indiretas, sem coalizao e sob controlemilitar, um substancial numero de posicjoes governamentais. Ainterpreta-O.ao da Tabela 4 requer cautela por ausencia de conjunto similar de dadospara as eleicoes entre 1966 e 1978. Nao obstante, analistas do periodo ternfreqiientemente salientado que a UDN e mais proxima dos militares do queos outros partidos, e que os udenistas autenticos foram os vencedores em1964.14

A UDN nao conseguiu transformar-se em porta-voz da modernizacaouniversalista da vida brasileira por muitas razoes que podem ser derivadasda abordagem de Shefter, ja enunciada neste trabalho: a) algumas fraqoes

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76 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

TABELA4Filia^ao Partidaria de Governadores Eleitos em 1978•"• •""" 3 ~

Estado Nome

Acre Joaquim Macedo

Amazonas Jose Lindoso

Para Alacid Nunes

Maranhao Joao Castelo

Piaui Luci'dio Portela

Ceara Virgflio Tavora

Rio Grande do Norte Lavoisier Maia

Parafba Tarcisio Buriti

Pernambuco Marco Maciel

Alagoas Guilherme Palmeira

Sergipe Augusto Franco

Bahia Antonio Carlos Magalhaes

Minas Gerais Francelino Pereira

Espirito Santo Eurico Rezende

Rio de Janeiro Chagas Freitas

Sao Paulo Paulo Maluf

Parana Ney Braga

Santa Catarina Jorge Bomhausen

Rio Grande do Sul Jose Augusto Amaral

Mato Grosso do Norte Frederico Campos

Mato Grosso do Sul Harry da Costa Amorim

Goias Ary Valdao

* Seu pai era li'der do PSD.** Seu pai era lider da UDN.Fonte: "Arquivo de Dados Sobre Elites Politicas Brasileiras",

Filiacao Partidariaantes do Golpe

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de suas elites, mesmo em ambito nacional, optaram pelo fisiologismodesde o im'cio da vida do partido; b) as liderangas partidarias mais univer-salistas nao foram capazes de disciplinar o partido dentro de limites uni-versalistas, a despeito de terem sido capazes de fazer com que o programado partido espelhasse esses limites; c) apenas alguns segmentos do eleito-rado udenista adotaram princfpios universalistas; d) muitos dos liderespartidarios que se identificavam com o universalismo de procedimentostambem cortejavam os militares, e finalmente apoiaram golpes militaresque pudessem guinda-los ao poder.

CAPITALISMO, PARTIDOS POUTICOS E INSULAMEi,NTO 77

No piano nacional a UDN nao possufa recursos para patronagem. Alemdisso, parcelas substanciais de suas lideranc.as desaprovavam o clientelis-mo como um meio para obter apoio politico. A "experiencia crftica" daUDN poderia te-la alienado permanentemente das praticas clientelistasEntretanto, como sabemos, isto nao aconteceu. Como resultado de de-cisoes oportunistas de suas liderangas, a UDN terminou aprisionada pelalogica dos outros partidos e por sua ala pragmatica.

Antes de terminar esta se§ao, e necessario fazer um registro. O univer-salismo de procedimentos e a honestidade politica que caracterizaraminicialmente o discurso udenista ficaram inteiramente desacreditados noBrasil. A despeito de sua retorica, a UDN embarcou no fisiologismo e,atraves da corte a intervengao militar, foi transformada num partidogolpista e inconfiavel. Udenismo, ou muitas vezes puritanismo, passou aser entendido como urna atitude irrealista e hipocrita, porque todos osgrupos que permaneceram fora do poder acabaram tendo de cair nestalinguagem moralista como uma estrategia para angariar apoio politico.Pode-se argumentar que o carater hipocrita da UDN como partido contri-buiu fortemente para a nao implementacjao do universalismo de procedi-mentos no Brasil. O comportamento da UDN transformou o sentido douniversalismo de procedimentos em algo suspeito.

IMPLICATES DA MOBILIZACAO DE DENTRO:A iNSTITUCIONALIZAgAO DO CLIENTELISMO

Vamos voltar a nogao de experiencia critica. Uma vez que a estrategia maisbenefica para o partido foi decidida, a relagao estabelecida entre liderangaspartidarias e simpatizantes tende a consolidar e a definir as caracteristicasda organizacjao. Quando um partido sem recursos para patronagem per-manece fora do poder por um longo perfodo, seu unico meio de conseguirapoio passa a ser o apelo de suas propostas, a promogao da constru§aoinstitutional do partido e a critica aqueles que estao no poder. Nestes casos,as relagoes entre as liderangas partidarias e os simpatizantes nao podemser baseadas na expectativa de ganho privado para os simpatizantes.Assim, o universalismo de procedimentos acaba sendo o mais poderosoinstrumento daqueles que ficam fora do governo e nao tern outros recursosque nao a opiniao politica e a forga organizacional. Sob essas condicjoes,lideres partidarios, tanto quanto seguidores, tornam-se "seguidores douniversalismo", em contraste com seguidores de partidos mobilizados de"dentro" que transformaram-se em "seguidores do clientelismo."15

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78 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

QUADRO 4

Partidos Politicos Comparados Segundo a Base Social e os Tiposde Incentives Partidarios

Migrantes, CamponesesDesenraizados

Classe Media e Operariado

Particularistas(patronagem)

Universalistas(polfticaspublicas,ideologia)

Filipinas: NacionalistasGana: Partido de ConvengaoPopularChicago, Filadelfia: MaquinaDemocraticaIndiana, Ohio: PartidoDemocratico

Bolonha: Partido Comunista (PCI)Espanha Republicana: PartidoSocialista (PSOE),Anarco-Sindicalista (CNT)Michigan, Wisconsin: PartidoDemocratico

Franga: Partido RadicalNova York, Pensilvania:Partido RepublicanoNassau Country: MaquinaRepublicanaItalia: Democracia Crista

EUA: Progressistas eReformadoresInglaterra: Trabalhistas eConservadoresAlemanha: Social Democratas(SPD), Democratas Cristaos(CDU/CSU)

Extraido de Martin Shefter, "Patronage and Its Opponents: A Theory and some European

Cases".

Uma outra possibilidade logica para um partido mobilizado externamentee a tentativa de conseguir acesso a alguns segmentos de recurso para apatronagem, atraves de coalizoes. Este foi o caminho seguido pela UDN nopassado. Teoricamente, o problema crucial envolve a tomada de decisoes arespeito do uso do clientelismo e da patronagem, quando o partido de oposigaoque advogava o universalismo chega ao poder. A utilizaeao do clientelismopara manter apoio politico torna-se um ato sujeito a um calculo racional.

Varies fatores podem restringir os limites dentro dos quais um partidode oposiqao que esta ocupando o poder pode recorrer a patronagem comoum instrumento politico racional. Martin Shefter ressalta que as propriaslideranqas podem atuar como checks and balances do clientelismo. Alemdisso, os simpatizantes do partido, leais aos ideais da organizagao emarcados pela luta na oposi^ao, nao esperam que o partido recorra apatronagem para manter sua base de apoio. Finalmente, o partido teravencido uma elei$ao baseado em seu programa, e por conseguinte ja terauma solida base de apoio. Evidentemente, apoio para limitar o uso doclientelismo nao se desenvolve em partidos que chegam rapidamente aopoder sem tempo para consolidar uma solida base de sustentaqao. Portanto,chegando ao poder, podem transformar-se em partidos de mobilizagao

CAPITALISMO, PARTIDOS POLl'TICOS E INSULAMENTO 79

interna e decidir utilizar a patronagem como uma forma de consolidar suabase politica que ainda nao parece estar assegurada.16

Em paises de grandes dimensoes, como o Brasil, a aplicacao destemodelo torna-se complexa, em grande parte por causa das disparidadesregionais. Diferentes setores dopartido terao experiencias diferentes comoresultado de diferen^as regionais do eleitorado, das lideran§as partidariase da disponibilidade de recursos.

Ha um outro fator complicador: a dicotomia clientelismo versus uni-versalismo de procedimentos nao e igual a dicotomia, esta mais discutivel,entre partidos pragmaticos versus partidos ideologicos. As praticas clien-telistas sao perfeitamente compativeis com partidos ideologicos, como jaconcluiram varios pesquisadores.17 A realidade e sempre menos "preta ebranca" do que os argumentos academicos.

As posturas clientelistas nao constituiram as unicas justificativas paraa atividade politica durante o periodo 1945-64 no Brasil. Facgoes do PTBestavam genuinamente voltadas para objetivos mais a esquerda e engaja-das em campanhas ideologicas e reformistas. A UDN tambem possuiafacgoes com genufnos compromissos ideologicos liberals e direitistas.Politica ideologica e politica clientelista e fisiologica nao sao mutuamenteexcludentes. Tanto os partidos ideologicos como os fisiologicos utilizaramo clientelismo como instrumento de consolida^ao partidaria.

QUADRO 5Partidos Politicos no Brasil:

Tipos de Mobilizacao e OrientagaoMobilizagao Interna Mobilizagao Externa

Clientelistas

Nao-Clientelistas

PSDPTB (periodo populista)MDB (Chagas Freitas)

PDS

UDN (Fluminense, perfodo populista)

UDN (Minas Gerais, periodopopulista)

PTB (nos anos 1980)

UDN (Rio, perfodo populista)

UDN (Sao Paulo, periodo populista)

PCB (1945-1947)

PT (nos anos 1980)

PMDB (Montoro)

Nome dos Partidos:PSD - Partido Social Democratico; MDB - Movimento Democratico Brasileiro; PDS -Partido Democratico Social; UDN - Uniao Democratica Nacional; PTB - PartidoTrabalhista Brasileiro; PDT-Partido Democratico Trabalhista; PCB-Partido Comu-nista Brasileiro; PT — Partido dos Trabalhadores; PMDB — Partido do MovimentoDemocratico Brasileiro.

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80 A GRAMAT1CA POLITICA DO BRASIL

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AUDN, por exemplo, produziu diferentes perfis em diferentes estados.18

A adogao de mais ou menos universalismo de procedimentos nao e fungaoexclusiva da base social do partido ou mesmo das tendencias ideologicasde seus quadros, mas depende de uma combinagao de fatores, sendo asmais cruciais as decisoes racionais tomadas pelas elites partidarias. Aomenos no Brasil, enquanto os partidos mobilizados externamente sucum-bem a tentagao de utilizar a patronagem, os partidos mobilizados interna-mente quase invariavelmente o fazem.

Em sintese, a adogao de estrategias universalistas ou clientelistas de-pende da combinagao de tres fatores: decisoes da lideranga, orientagoesdo eleitorado e existencia de recursos. Estes fatores diferem, dependendose o partido se mobilizou inicialmente de dentro ou de fora do regime.Finalmente, a cristalizagao de uma "experiencia crftica" capaz de conso-lidar a orientagao de um partido depende da rapidez com que o partidochega ao poder.

Os tres maiores partidos pollticos brasileiros entre 1945 e 1964 podemser assim caracterizados: o PTB e o PSD cristalizaram-se como clientelistase se distanciaram tanto do universalismo de procedimentos quanta douniversalismo instrumental. A UDN, apesar da possibilidade inicial de seinstitucionalizar como um porta-voz do universalismo, foi afetada pelaspeculiaridades regionais que a levaram ao poder em coalizao com partidosclientelistas e que pressionaram a logica partidaria na diregao do cliente-lismo. Os tres maiores partidos acabaram constituindo uma coalizao defato para patronagem.

EM BUSCADA RACIONALIDADE: POLITICOS VERSUS TECNICOS

No regime democratico instalado em 1945 a politica partidaria e eleitoralestava acima de todas as questoes importantes. Primeiro houve eleigoespresidenciais e parlamentares, e em 1947 as eleigoes estaduais e munici-pals. Este periodo inicial e controlado pelo PSD. Aimportancia das velhaselites neste periodo pode ser avaliada pela centralidade do PSD no Congres-so: o partido conquistou 52,3% das cadeiras em 1945 e tinha cerca de 35%em 1963. Aproveitando-se de disposigoes legais que permitiam que umcandidate concorresse a mais de um cargo em mais de um estado, o proprioGetulio Vargas, o simbolo mais forte da velha ordem, foi eleito senadorem dois estados (Sao Paulo e Rio Grande do Sul) e deputado federal emsete (Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, Parana, Distrito Federal etambem em Sao Paulo e Rio Grande do Sul). Escolheu assumir a cadeirade senador pelo PSD do Rio Grande do Sul.

CAPITALISMO, PARTIDOS POLITICOS E1NSULAMENTO 81

Os constituintes, preocupados com a centralizagao executiva do regimeautoritario, prescreveram um papel importante para o Congresso no novoregime. Primeiro, "a Constituigao de 1946 garantia ao Congresso brasilei-ro o poder da bolsa", atraves do controle do orcamento da Uniao.19 O textoconstitucional era liberal e nao deixava muito espago para o Estado, istoe, o Executive, intervir na economia.211 Segundo, deixava "pouca margemde manobra para o Executive". Na medida em que as agoes do Executivedependiam das leis escritas, estariam sujeitas a contmua inspegao peloLegislative. Mesmo politicas de curto prazo tinham de ser autorizadas peloLegislative antes de entrar em vigor, e a execugao de politicas era seguidade perto por atentas comissoes do Legislative."21

Como mostrou a perspicaz analise de Maria do Carmo Campello deSouza, as provisoes constitucionais remontavam a construcao partidariatradicional. Primeiro, estados menos populosos receberam uma super-re-presentagao no Congresso, enquanto os mais populosos eram subrepre-sentados22, o que beneficiava uma estrutura partidaria conservadora edificultava a penetragao dos conflitos industrials nos partidos. Este arranjoera instrumental para que as elites tradicionais, tanto dos estados maisatrasados como dos mais modernos, pudessem manter controle sobre osistema partidario, mas tambem subtraia representatividade aos partidospollticos. Segundo, o controle sobre o processo orgamentario permitiu aprodugao de politicas distributivas desagregadas, que foram cruciais paraa politica eleitoral, como mostram as variagoes nos itens do orgamentoanalisados por Barry Ames.23

A forqa dos partidos politicos e do Congresso era mais aparente queverdadeira. O Executivo era freqiientemente mais progressista que o Legis-lative — o governo Dutra constitui uma excec_ao conspicua—e mais voltadopara a industrializacjio e a intervengao do Estado na economia. Isto resultouna necessidade de driblar os partidos durante o segundo governo Vargas(1951-54), e mais claramente durante o governo Kubitschek (1956-61).

Em smtese, o processo constituinte reforgou o poder dos partidos, reins-talou valores e provisoes liberals e moldou os anos seguintes de uma maneiraque conduziu a morte involuntaria dos principios constitucionais liberals. Istoaconteceu porque o desenvolvimento economico e a industrializagao, queestavam na agenda do Executivo, dos tecnoburocratas e dos empresariosforam implementados por outros canais que nao os dos partidos.

Desde a decada de 40 existia uma aparente divisao de trabalho nointerior do sistema politico brasileiro. Os partidos pollticos controlavamgovernos estaduais, ministerios e o orgamento federal. Apatronagem eraresponsavel por milhares de nomeagoes na burocracia estatal tradicional

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82 A GRAMATICA POLITICA DO BRAS1L

e tornou impossivel qualquer reforma administrativa no ambito do funcio-nalismo, o que levou a caracterizacao do Estado brasileiro como urn"Estado cartorial".24

Entretanto, os partidos politicos nao tinham controle sobre o nucleotecnico do Estado, representado por organismos como a SUMOC, o BNDE eos Grupos Executives e composto por tecnoburocratas politizados. Politi-zados mas sem filia§ao partidaria, estes tecnoburocratas desprezavam ospoliticos e o Congresso e promoveram um serio processo de insulamentoburocratico, com o objetivo de driblar a arena controlada pelos partidos.

No Brasil os politicos eram frequentemente vistos pelas elites moder-nizantes como um empecilho ao progresso. Na decada de 30 Vargasextinguiu os partidos e promoveu a centralizacao administrativa, sob asupervisao tecnica do DASP. Nos anos 60 o governo militar extinguiu ospartidos, criou novos, cassou mandates e produziu uma legislaqao "revo-lucionaria". No perfodo decorrido entre estes dois momentos de ataqueradical aos partidos e aos representantes eleitos, outras tentativas foramfeitas para neutralizar sua influencia no processo de formula§ao politica,atraves do insulamento burocratico.

Os politicos nao eram censurados apenas porque eram consideradosresponsaveis pelo atraso do pais nos anos que precederam a Revolugao de30, ja que representavam as oligarquias. Eram tambem vistos comoaqueles que promoviam a redistribuicao irresponsavel e a corrupcjao nadecada de 50 e inicio dos anos 60, por causa de sua politica eleitoralpopulista e demagogica.

Especializagao e universalismo de procedimentos eram entendidoscomo os meios para conter o spoils system promovido pelos politicos. Nosanos 30 esta busca da racionalidade levou a adocao do corporativismo dapolitica tradicional.

Depois da redemocratiza^ao em 1945 politicos, partidos e Congressomoveram-se para o primeiro piano da cena politica. Os dados a respeitodas origens politicas de governadores e ministros, apresentados a seguir,mostrarao ate que ponto os politicos ocuparam as principals posicoes natomada de decisoes durante o periodo democratico. Uma comparaqao como periodo militar pos-64 vai demonstrar ate que ponto os politicos foramremovidos das posicpes que tinham ocupado no periodo democratico.25

Entre 1947 e 1962 a grande maioria (70%) dos governadores eleitos eracomposta por homens com experiencia legislativa, como se pode ver naTabela 6. Ja durante o governo militar pos-64, percebe-se claramente umainversao nesse perfil. Em 1970, no governo Medici e, em 1974, no governoGeisel, inumeros tecnoburocratas foram escolhidos para governar os es-

CAPITALISMO, PARTIDOS POLITICOS E INSULAMENTO 83

GRAFICO 2

Brasil: Origem dos Governadores por Eleicao1946-1978

Anos

tados. O metodo de eleicao indireta imposto naquela epoca permitiu defato que o presidente controlasse o processo de escolha. As eleicoes de1965 e 1966 ainda nao refletiam nitidamente a busca da racionalidadeobservada no pos-64, por duas razoes: primeira, em 1965 as eleicoesainda foram diretas; segunda, embora o sistema de eleicoes indiretasja estivesse em vigor em 1966, o processo de barganha politica aindaera muito forte, mais forte que no pos-68, quando o regime militarconsolidou o seu controle sobre o sistema politico e adquiriu umainspiracao mais claramente ditatorial. Neste sentido, importantes aspec-tos do periodo "burocratico-autoritario" tern seu marco inicial em 1968,e nao em 1964.

As alteragoes nas origens dos ministros refletem mais adequadamentea tendencia a racionalizacao, atraves da exclusao dos politicos profis-sionais dos postos cruciais. Ate 1964, quase 60% dos ministros civistinham experiencia legislativa anterior, enquanto 26% tinham origens maistecnicas. Este padrao inverteu-se claramente depois de 1964: apenas 21%das pastas civis foram ocupadas por homens com experiencia parlamentar,enquanto a especializagao tecnoburocratica passou a ser responsavel pelaocupagao de 55% das pastas. Alem disso, individuos com origem militar

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84 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

TABELA5Origem dos Governadores de Estado, 1946-1978

Ano*

194619501954/51958/60

196219651966

197019741978

LegislativeFederal Estado

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Burocracia

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* Anos em que os governadores foram eleitos.

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GRAFICO 3Origem Politica dos Ministros por Periodo Presidencial

1945-1982

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86 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

Os Quadros 6 e 7 forara derivados da Tabela 6 e dividem os Ministeriosentre os politicos e os tecnoburocraticos antes e depois de 1964 NosMinisterios politicos, 50% ou mais dos ministros possuem origem (expe-riencia) legislative Nos tecnoburocratas-militares, mais de 50% dos mi-nistros sao comprometidos com carreiras burocraticas ou mihtares.

Em comparagao com os governos estaduais, houve uma mudanca maisdramatica no ambito dos ministerios. Isto porque varios ministerios setornaram muito mais importantes para a formulacao de politicas do quemuitos govemos estaduais, apos a implantacao de urn "sistema nacionade planejamento", que representava na verdade um esforco consideravelde enfraquecimento do federalismo. Alem disso, com o aumento donumero de agendas federals encarregadas do planejamento regional, osgovernadores perderam muito poder. For estas razoes, o governo mihtarestava mais atento aos ministerios. Nao obstante, durante os governosMedici e Geisel governadores "tecnoburocraticos" fizeram sua estreia no

cenario politico.Especialmente apos a promulgate da Constituicao de 1967, e de

acordo com o decreto da Reforma Administrativa (Decreto-lei nQ 200, de1967), a Presidencia da Repiiblica passou a ter um papel mais forte naformu'lagao de politicas, ao mesmo tempo que aumentava o seu poder dearbitrio e passava a governar um grande numero de orgaos admimstrativose tecnicos cruciais.26 O Decreto-lei nQ 200 aumentou o numero de minis-terios diretamente ligados a Presidencia. Somente individuos com origemmilitar ou tecnoburocratica desempenham um papel importante nestenucleo politico — os "ministros da casa". Politicos profissionais foramtotalmente banidos dos altos postos de governo durante o periodo pos-64.

As taxas de estabilidade ministerial no periodo pos-45 ilustram umoutro aspecto do processo de busca da racionalidade e da despolitrzagaodo aparelho de Estado e da burocracia para-estatal. Em conformidade como procedimento adotado por Wanderley Guilherme dos Santos, a Tabela 7mostra o numero de ministerios e de ministros para todos os governos entre1946 e 1980 e apresenta a media de ocupacao do cargo por periodo, sendoa taxa real de estabilidade ministerial baseada na dura?ao de cada gover-no27 Uma vez que nem todos os governos tiveram a mesma durac,ao, emrazao de crises politicas, a Tabela apresenta tambem a taxa de estabilidadepossivel isto e, a taxa de estabilidade que certos govemos teriam se suaduracao fosse igual a determina?ao constitucional. Esta ultima medidaassume que todos os governos tiveram a mesma duracao e que a taxa deestabilidade observada permaneceria constante para todo o periodo. Quan-to mais alto o valor inscrito nas colunas 5 e 6, mais estavel foi o governo.

CAPITALISMO, PARTIDOS POLITICOS E INSULAMENTO 87

QUADROS 6 E 7

Ministerios Politicos vs. Ministerios Tecnocratico-MilitaresClassificados Segundo a Origem dos Ministros

Antes e Depois de 1964

Ministerios Politicos

Antes de 1 964 Depois de 1964

Agricultura

Educagao

Industria e Comercio

Justic,a

Minas e Energia

Relacjoes Exteriores

Saude

Trabalho

++ Educacjao

+ Justiga

Minister! os Tecnocratico-Militares

Antes de 1964 Depois de 1964

Transportes ++ Agricultura

Comunicacjio

Finanga

Industria e Comercio

Interior

Justiga

Minas e Energia

Planejamento

Relagoes Exteriores

Saude

Transporte

+ = Proporgao igual a ou maior do que 50%.++ = Proporgao igual a ou maior do que 65%.+++ = Proporgao igual a 100%.Nota: O Ministerio do Bem-Estar Social nao foi considerado.

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90 A GRAMATICA POLITICADO BRASIL

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na administra^ao indireta, isto e, nas empresas estatais e autarquias encar-regadas de politicas economicas importantes. Tomando-se a carreira anteriorde 1.976 tecnoburocratas de um conjunto de 98 empresas estatais estudadaspor Wanderley Guilherme dos Santos, e cruzando-se seus dados com as listasde deputados federais, senadores e deputados estaduais publicadas pelo tri-bunal Superior Eleitoral (TSE) em apenas 168 casos os ocupantes de postos natecnoburocracia possuem experiencia legislativa anterior.28

Uma leitura mais detida das biografias destas 61 pessoas reforcja aconclusao de que uma divisao de trabalho estava acontecendo no interiordas instituigoes politicas. No periodo anterior a 1964, 40 individuos noconjunto ocuparam postos na tecnoburocracia, e o maior contingenteestava no Banco do Brasil, mais precisamente na Carteira de CreditoAgricola e Industrial (Creai). Adistribui£ao e a seguinte: Banco do Brasil,13; IPASE, seis; Institute do Acucar e do Alcool (IAA), cinco; CompanhiaVale do Rio Doce (CVRD), tres; Banco Nacional de Credito Educativo(BNCC) dois; Banco nacional da Borracha (BNB), dois; Companhia Side-rurgica Nacional (CSN), dois; Petrobras, Institute Brasileiro do Cafe (IBC),Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS), Institute Bra-sileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), Secretaria de Assuntos Culturaisdo Ministerio da Educagao e Cultura, Carbonifera Prospera, um.

Com exceQao da Vale do Rio Doce, da Petrobras e da CompanhiaSiderurgica Nacional — agendas fundamentals para o esforqo de indus-trializagao —, todos os outros cargos localizavam-se em agendas envol-vidas com a promocjao do desenvolvimento regional, rural e credito emgeral. Um traqo peculiar revelado pelos dados e o de que aqueles queocuparam cargos em agendas cruciais como a Vale do Rio Doce e aPetrobras tendiam a ser da UDN (na Vale do Rio Doce, dois em tres eram

udenistas).No periodo pos-64 os dados dfsponiveis alcangam 21 individuos: tres

no Banco do Brasil, dois no IPASE, dois no BNB, dois no IBC, dois no Bancoda Amazonia, um em Itaipu, Eletrobras, Usiminas, Companhia Hidreletri-ca do Vale de Sao Francisco, CAEEB, Secretaria de Assuntos Culturais doMEC, Institute de Resseguros do Brasil (IRB), Vale do Rio Doce, Cobal,Cibrazem, Carbonifera Prospera, IBC. Mais uma vez, aqueles que ocupa-ram importantes cargos como as presidencias de Itaipu, Eletrobras eUsiminas eram ex-udenistas, um deles oriundo da carreira militar.

Na verdade, a Tabela 9 subestima a diminuigao da importancia dospoliticos no aparelho tecnoburocratico, porque nao e possivel controlar osdados a partir do numero de agendas que existiram em cada periodo; umcerto numero delas e de criaqao recente.

CAPITALISMO, PARTIDOS POLITICOS E INSULAMENTO

TABELA9Tecnoburocratas com Experiencia Legislativa

Numero com Experiencia Legislativa*

91

PRESIDENTSEurico Dutra

Getulio VargasCafe Filho

Juscelino Kubitschek

Janio QuadrasJoao Goulart

Castelo BrancoCosta e Silva

Emflio MediciErnesto Geisel

Joao Figueiredorr/~\T\ T1U1AL

3620172417201.310g

12

168*Amostragem de 98 agendas de Bstado; 1.976 posigoes.

Wanderley Guilherme documenta dois outros fatos que podem seracrescentados a este quadro.29 Primeiro, as taxas de estabilidade anterioresa 1964, para os cargos mais altos de 15 importantes agendas estatais,atingem seu nivel mais baixo durante o governo Goulart e o seu nivel maisalto durante o segundo governo Vargas. Segundo, no conjunto de 98agendas e 1.976 cargos na tecnoburocracia, mencionado acima, os maisaltos niveis de estabilidade foram alcangados nos governos Kubitschek eMedici, e os mais baixos ocorreram no governo Goulart. Alem disso, oestudo do autor mostra que a estabilidade tecnoburocratica nao estavaassociada a mandatos parlamentares, o que indica que a logica clientelistados partidos politicos nao invadiu os escaloes tecnicos de muitas agendasimportantes. Apatronagem parece ser mais influente na burocracia tradicionale no ambito de governos estaduais e prefeituras. No periodo entre 1950- e1973 a burocracia federal cresceu a uma taxa anual de 1%, enquanto a taxade crescimento nos estados foi de 5,4% e nos municipios, de 5%.30

Esta discussao aponta para uma divisao do trabalho entre o clientelismoe o insulamento burocratico. Alem disso, reconcilia o argumento sobre aexistencia de um Estado cartorial com o argumento que a nega. O Estadocartorial realimentou a construgao partidaria, enquanto o insulamentoburocratico serviu como um importante meio de agio rumo ao desenvol-vimento economico.

Os dados apresentados nesta sec.ao mostram que o papel dos politicosprofissionais diminuiu com o tempo. Primeiro, em razao da busca da

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92 A GRAMATICA POLITICA DO BRAS1LCAPITALISMO, PARTIDOS POLITICOS EINSULAMENTO 93

1feII!

racionalidade patrocinada pela tecnoburocracia, e segundo, em razao dogolpe militar de 1964. Entretanto, os dados tambem indicam que ospoliticos nao ocuparam cargos cruciais alem dos cargos de governo e deum numero decrescente de ministerios. A maioria dos postos tecnoburo-craticos ocupados por politicos profissionais possuia largo potencial parapatronagem politica, como certos cargos no Banco do Brasil (a Creai, porexemplo) e institutos de previdencia social; o nucleo mais tecnico doEstado foi insulado contra a patronagem. Mais uma vez esse processo deinsulamento foi mais dramatico durante o regime militar. Nao obstante, foiastuciosamente utilizado por Getulio e Juscelino, com o objetivo deimplementar politicas desenvolvimentistas. O governo Goulart, segundoos dados de Wanderley Guilherme dos Santos, violou esta regra, utilizouo nucleo tecnoburocratico como moeda politica e patrocinou as mais aliastaxas de instabilidade para o nucleo tecnico em todo periodo pos-45.

Se o clientelismo era influente em muitos niveis, o insulamento buro-cratico era central em muitos outros. Afusao destas tendencias frequente-mente contraditorias num conjunto de instituicpes politicas hibridas foiorquestrada por dois magistrais politicos profissionais eleitos para a Pre-sidencia da Republica: Getulio Vargas e Juscelino Kubitschek. Este e oassunto do proximo capitulo.

NOTAS

1. Giuseppe Di Palma, "Italy: Is There a Legacy and Is It Facist?", in John Herz(org.), From Dictatorship to Democracy: Copying with Legacies of Authoritarianism

and Totalitarism.2. Lucia Lippi de Oliveira, "Partidos politicos brasileiros: o Partido Social Demo-

cratico", Disserta^ao de Mestrado.3. Thomas Skidmore, Brasil: De Getulio a Castelo.4. A noc,ao de "experiencia critica" e usada aqui no mesmo sentido aplicado por

Shefter, em conformidade com Selznick e Ira Katznelson. Experiencia critica, nestecaso, refere-se a fatos que formam estruturas organizacionais desde sua origem. Ct".Martin Shefter, "Patronage and Its Opponents: ATheory and Some European Cases",Conferencia The Scope of Social Sciences History; Selznick, "Institutional Vulnerabi-lity in Mass Society", American Journal of Sociology; e Ira Katznelson e MarkKesselman, The Politics of Power.

5. Glaucio Ary Dillon Soares, Sociedade e politica no Brasil: desenvolvimento,classe e politica durante a Segunda Republica.

6. "One of the Principal activities of Labor leaders in the relatively free years before1964 (...) was to seek favors or services from government agencies for themselves andtheir constituencies (...) Labor leaders applied their leverage through connections with

deputies, ministers, and administrators. In some cases they campaigned for office andbecame deputies themselves, enhancing their own ability to provide for their constituents."Ver Kenneth P. Erickson, The Brazilian Corporate State and Working Class Politics.

7. Maria Vitoria Benevides,/! UDN e o udenismo, p.29.8. Ibid., p.267.9. Robert Wesson e David Fleischer, Brazil in Transition, p.99.10. Glaucio Ary Dillon Soares, "As bases ideologicas do lacerdismo", Revista

Civilizagao Brasileira.11. Prado Kelly foi contra o acordo (...) e eles trouxeram Lacerda para criar

problemas (...) Lacerda e um politico da Guanabara que nao conhece o Estado do Riode Janeiro; ele veio aqui trazido por outros (...) Eu era a favor do acordo e eu estavapleno de razoes (mais cedo) quando fui a Petropolis com Paulo Araujo, no apartamentode Prado Kelly. Prado Kelly ao inves de encorajar a UDN a langar um candidate - eleque havia sido derrotado por Amaral Peixoto -, disse: "Nos precisamos fazer um acordoa fim de entrar no governo e atender as necessidades de nossas campanhas no interior."Nesta epoca, no Rio de Janeiro, ser um membro da UDN significava nao ter a filhaescolhida como professora, significava nao possuir uma estrada que mantivesse suafazenda. Era realmente uma tremenda perseguicjao ser um membro da UDN (entrevistacom Lacerda por Marcia Silveira, em 11/11/1979).

12. Carlos Lacerda, Depoimento, p.65.13. Wanderley Guilherme dos Santos, "The Calculus of Conflict: Impass in

Brazilian Politics and the Crisis of 1964", Tese de Doutorado, p.5; Maria Izabel Valadaode Carvalho, "Conflito e consenso no Legislative", in Candido Mendes (org.), OLegislativo e a tecnocracia.

14. Maria Vitoria Benevides, A UDN e o udenismo..., op. cit., p.136; ThomasSkidmore, De Getulio a Castelo, p.368 e seg.

15. Martin Shefter, "Patronage and Its Opponents...", op. cit., p.21.16. Idem.17. Judith Chubb, "Naples under the Left: The Limits of Local Change" e "The

Social Bases of an Urban Political Machine: the DC in Palermo"; Jacek Tarkowski,"Patrons and Clients in a Planned Economy", in S.N. Eisenstadt e R. Lemarchand(orgs.), Political Clientelism, Patronage and Development.

18. Maria Vitoria Benevides, A UDN e o udenismo.19. Barry Ames, "What a Difference Does a Congress Make: The Structure of

Politics and the Distribution of Public Expeditures in Brazil's Competitive Period",p.12.

20. Alberto Venancio Filho,/4 intervenqdo do Estado no dominio economico, p.55.21. W.G. dos Santos, "The Calculus of Conflict...", op. cit., p.55.22. Miguel Reale calculou, baseado nas estimativas do IBGE relativas a populagao

brasileira em 1959, que varios estados estavam sub-representados. Sao Paulo possufa22 .congressistas a menos do que deveria possuir; Minas Gerais tinha menos 15congressistas; Bahia menos 7; Rio Grande do Sul menos 5; Pernambuco menos 3;Parana menos 1; e Ceara menos 1. Cf. Miguel Reale, "O sistema de representa$aoproporcional e o regime presidencial brasileiro", RBEP.

23. Barry Ames, "What Difference Does a Congress...".24. A expressao "Estado cartorial" foi cunhada por Helio Jaguaribe e refere-se a

uma situagao em que as agendas e funcoes publicas nao tern como missao principal aexecucao de tarefas orientadas para o publico. No estado cartorial, a burocracia publica

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e controlada por mandates clientelistas sob dominio de partidos polfticos e "caciques".Cartorio e uma repartic,ao publica notoria que cumpre vaiias fungoes na vida cotidianados individuos e nos procedimentos judiciaries. Ao lado de reconhecer (subscrever,endossar) documentos, os cartorios arquivam tftulos de propriedade, certificados denascimento e casamento, testamento etc. Desde os tempos imperials, os cartorios eramconcebidos como agendas auxiliares do poder judiciario. Os cartorios, ademais,cobram taxas por seus services e, por esse aspecto, sao lucrativos. O estabelecimentode cartorio em geral correspondia ao pagamento por uma lealdade de patronagempolftica dado a membros de uma familia e amigos. O cartorio podia ser na verdadepropriedade de uma pessoa indicada como seu "titular" (isto e, o principal funcionario).

I,,, Essas pessoas seriam em geral capazes de indicar seus sucessores, significando,II "' portanto, posse por toda vida. Os cartorios realizavam funcpes publicas e geravam

beneffcios privados. Para uma mais detalhada analise do "Estado cartorial", verAlexandre Barros, "O Estado cartorial: An Attempt to Investigate the Political Role ofBrazilian Bureaucracy", Dissertagao de Mestrado. Um outro estudo sobre cartoriospode ser encontrado em Rosa Maria B. Araujo, "Cartorios na cena polftica do Brasil",Dados. A estrutura conceitual da nocjio pioneira do cartorialismo, desenvolvida porHelio Jaguaribe e similar aos estudos posteriores de Fred Riggs, Administration inDeveloping Countries: The Theory of Prismatic Society.

25. Sao muitas as fontes usadas para a geraqao dos dados sobre elites politicasbrasileiras. Os dados estao organizados no "Arquivo de dados sobre elites politicasbrasileiras" do luperj. O projeto do "Arquivo", foi juntamente coordenado por Wan-derley Guilherme dos Santos, Marcus Figueiredo e Edson Nunes. Aavaliac.ao prelimi-nar do material existente no "Arquivo" pode ser encontrada na pesquisa desenvolvidapor Eleonora Guandelman e Monica Barbirato, "Arquivo elite polftica brasileira:descricjio e avalia$ao", luperj, mimeo, 1980. As principals fontes sao: Dados Estatfs-ticos do Tribunal Superior Eleitoral, todos os volumes; Anuarios do Ministerio dasRelacpes Exteriores, varios anos; Dados Biograf icos dos Ministros, 1861 -1961; Minis-terio da Aviaqao e Obras Publicas, 1961; Afranio Coutinho, "Brasil e Brasileiros deHoje; Quern e Quem no Brasil", Revista FEFF; Perfil da Administrate Federal, variosanos; Sumula dos Cidadaos Prestantes; Ministros da Fazenda, 1822-1972; Enciclope-dia Mirador Internacional. Em adigao, dados biograficos foram obtidos por departa-mentos de relacpes publicas de muitos estados e por ministerios. Colecpes de jornal eobituaries foram igualmente consultados. Levantamento conduzido por WanderleyGuilherme dos Santos contribuiu £om dados sobre padroes de carreira para umaamostra de agendas e empresas estatais.

|i| llj 26. Antes da implantacao do regime militar, a Presidencia estava sobrecarregada com|jll Jj a supervisao de um grande numero de agendas de pouca importancia. A reforma adminis-

trativa eliminou os gargalos da Presidencia, destinando a ela somente aquelas funcpesconsideradas importantes. O regime militar promoveu a expansao de um certo numero deministerios e elevou algumas agendas (como o SNI ou a Casa Civil) ao status ministerial.

27. Wanderley Guilherme dos Santos, "Exploracpes sobre a tecnocracia federalbrasileira", Revista do Servidor Publico.

28. Idem.29. Wanderley Guilherme dos Santos, "Centralizagao burocratica e renovacjao das

elites".30. Sebastiao Velasco e Cruz, "Expansao do Estado e intermediac.ao de interesses

no Brasil", p.151.

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CAPITULO 5

MUDANQA DENTRO DA CONTINUIDADE:VELHAS E NOVAS ARENAS POLITICAS NO

PERIODO POS-GUERRA

Na decada de 50 varios fatores contribuiram para produzir no Brasil ainstitucionalizagao de um sistema sincretico. O insulamento burocraticoemergiu como uma estrategia crucial para deslanchar um ambicioso pianoindustrial: agendas burocraticas insuladas tiveram um papel central nessepiano, gerando, desencadeando e supervisionando o processo, em meio auma forte coalizao que se sustentava em uma ampla ideologia desenvol-vimentista. Estas questoes serao analisadas neste capitulo. Inicialmente,vamos abordar o contexto em que o insulamento burocratico foi persegui-do, como forma de acao racional em diregao a industrializacao. Emseguida, como foram criadas algumas agendas insuladas. Finalmente,serao analisados os fatores responsaveis pela institucionalizacjao do sis-tema.

VELHAS E NOVAS ARENAS: PREPARANDO o CENARIOPARA A MODERNIZACAO LlDERADAPELO ESTADO

Se o primeiro governo Vargas (1937-45) foi um periodo de construcao doEstado, o governo Dutra (1946-51), sob a dominacao do conservador PSD,foi uma epoca de construgao partidaria e de politicas economicas liberais.Nao foi criada qualquer agenda ligada a polftica economica, ao controleou financiamento daprodugao industrial, nem mesmo a regulacao econo-mica. Aintervengao na economia ficou restrita ao controle sobre o comer-cio exterior.1 Neste periodo inicial de reconstrugao democratica prevale-ceram politicas economicas liberais, com efeitos devastadores sobre obalango de pagamentos.

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96 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

Entretanto, o liberalismo economico do pos-guerra imediato era de umaextra^ao muito peculiar, pois nao veio acompanhado de valores compatf-veis e instituigoes formais na esfera politica. Nas relaqoes entre governo eo movimento sindical, por exemplo, a estrutura corporativa do periododitatorial permaneceu em vigor, e o sindicalismo foi fortemente reprimido.A Confederate dos Trabalhadores Brasileiros foi declarada ilegal, e ogoverno interveio em inumeros sindicatos, com o objetivo de removerliderangas consideradas radicais.2 Tal como em outros paises, na mesmaepoca, o Partido Comunista Brasileiro foi banido do cenario politico edeclarado ilegal, por adotar principles considerados contraditorios com aConstituigao brasileira.

Quanto aos outros partidos politicos, mesmo aqueles que, como a UDN,lutavam pela causa do universalismo de procedimentos e do cosmopoli-tismo, nao solucionaram as contradicoes que caracterizaram o novo perio-do democratico. Alias, a despeito de seu programa e de sua retorica piiblica,a UDN juntou-se a coalizao de patronagem liderada pelo PSD.

Embora o Congresso discutisse os problemas mais importantes, a lutadiaria por politicas e valores basicos a serem implementados, de acordocom umaperspectiva mais nacionalista e estatizante, iria acontecer em umanova arena politica: o aparelho de Estado. Foram lutas travadas por tec-noburocratas com claras e fortes orientacoes politicas e nenhuma filia<jaopartidaria. Estes tecnicos, em importantes e influentes posigoes, des-prezavam os partidos politicos por sua irracionalidade e apoiavam inicia-tivas administrativas que driblassem os partidos atraves da aqao executiva.De fato, o intense crescimento economico e a industrializagao dos anos 50foram largamente influenciados pela lideranca do Executive, e apesar daforqa politica do PSD o processo de planejamento economico entao desen-cadeado nao confiou nos partidos e nao foi controlado pelo Congresso.

Como um novo locus para o debate politico, a arena estatal tornou-secrucial para as decisoes relativas ao caminho a ser seguido pelo desenvolvi-mento economico e pela industrializacao. Nao e facil, no entanto, determi-nar o que era velho e o que era novo no cenario nacional. Comparado coma arena estatal, por exemplo, o Congresso e o emergente sistema pluripar-tidario representavam uma arena nova. Todavia, se o sistema partidario eranovo, e o Congresso tambem representava um novo locus para o debatepolitico apos tantos anos de ditadura, a logica da a§ao partidaria — comovimos no capitulo anterior — nao tomou um caminho que a diferenciasseclaramente daquela que existira durante a Republica Velha.

De outro lado, a politizacao das estruturas do Estado destinadas aintervir na economia nao eram novas no pos-45. Entretanto, eram novas

MUDANgA DENTRO DA CONTINUIDADE 97

tanto a rela^ao com um sistema democratico regido por partidos politicoscomo a existencia de um piano industrial. Equilibrar esta relacao com ospartidos iria constituir um importante desafio nos anos seguintes. Se aarena estatal permaneceu mais ou menos inerte no primeiro governopos-45, as estruturas estatais politizadas, que iriam desempenhar um papelcrucial nos anos 50, teriam de driblar e superar o sistema partidario e oCongresso.

Driblar os partidos foi a principal formula utilizada pelas elites desen-volvimentistas. Apos a redemocratizagao, funcionarios piiblicos pro-de-senvolvimento enfrentaram um sistema partidario baseado no clientelismoe uma burocracia que aparentemente tinha resistido com sucesso aosesforgos universalistas de reforma. Durante o governo Dutra o DASP foiesvaziado e quase extinto. A industrializa§ao e o desenvolvimento naofaziam parte da agenda principal, largamente ultrapassados pela cons-trugao dos partidos.

Enquanto o Congresso e os partidos estavam ocupados com questoesgerais, embora ligadas ao debate politico nacional, as politicas redis-tributivas ou a temas fundamentals, como o problema fundiario, a buro-cracia insulada dedicava-se a formulagao e administrate de politicasvinculadas ao processo de industrializagao. Este processo, no entanto, socomegou nos anos 50.

A decada de 50 foi um periodo contraditorio no Brasil. Ao lado dapolitica do clientelismo, que atingiu seu apogeu com a coalizao PSD-PTB,perfeitamente complementada pela UDN, mecanismos alternatives paracanalizar interesses industriais e desenvolvimentistas foram criados eescaparam ao controle da maquina politica tradicional. Ao lado de umaideologia nacionalista quase universal entre as elites, expandiu-se a inter-nacionalizagao de fato da economia brasileira, bem ilustradapela industriaautomobilistica.

Uma vez que o sistema partidario e a burocracia tradicional naopareciam dispostos a implementar uma estrategia concertada de desenvol-vimento nacional, criou-se um grupo de agendas especiais para gerar eadministrar politicas desenvolvimentistas.

Aburocracia insulada produziu incentives para a importa$ao de capitalse delineou medidas fiscais para expandir a capacidade de investimento doEstado. Investimentos estrangeiros crescentes e gastos piiblicos, combi-nados com inflagao, forneceram os meios materials para sustentar odesenvolvimento economico baseado num conjunto sincretico de ins-tituigoes politicas. Este sincretismo resultou na permanencia do clientelis-mo em certas arenas politicas, no insulamento de outras (de modo que

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pudessem funcionar a distancia do sistema politico tradicional) e namanutengao da estrutura corporativa.3

O uso extensive de agendas estatais insuladas foi uma resposta aodilema criado pelo imperative da lideranga estatal no desenvolvimentoeconomico, associado a incapacidade de reformar o aparelho de Estadotradicional, para que ele pudesse desempenhar a funqao desenvolvimen-tista. Dadas as circunstancias concretas do periodo pos-45, o clientelis-mo gerou um espacjo para o insulamento burocratico, solugao que as mo-dernas forgas capitalistas encontraram para fugir a dominagao politicado clientelismo. A administrate das pollticas economicas, assim comoas decisoes estrategicas, acabou sendo feita fora dos orgaos represen-tatives do sistema partidario. Paulo Roberto Motta denominou esta prati-ca de "estrategia escapista", atraves da qual setores dinamicos da burgue-sia nacional, associados a tecnoburocracia e aos interesses internacio-nais, viabilizaram um programa de alargamento da base industrial noBrasil.4

As elites desenvolvimentistas, incluindo aquelas que haviam trabalhadono DASP, acreditavam que a modernizagao economica seria impossivel, amenos que as agendas burocraticas de planejamento e implementagao daspollticas economicas fossem equipadas com pessoal recrutado a base decompetencia e nao de conexoes pollticas. Sua solugao para este dilema foia tentativa de criar agendas de formulagao de politica economica estavel,nao sujeita as freqiientes mudangas pollticas, e protegao da competencia eda especializagao. Alem disso, entendiam que as nomeagoes para estasagendas tinham de ser isentas de fisiologismo.

INSULAMENTO BUROCRATICO: A COMBINAQAO DE VELHOS ENovos ATORES PARA A MODERNIZAC, Ao LIDERADA PELOESTADO

Tal como ocorrera anteriormente com o DASP, a Superintendencia daMoeda e do Credito (SUMOC) — autoridade monetaria brasileira e embriaodo Banco Central, a ser criado depois de 1964, — era uma agendaidealizada conscientemente por seus criadores como uma instituigao auto-noma e com amplo poder de arbitrio. Pedro Correa do Lago realizou umtrabalho notavel ao demonstrar o processo de insulamento perseguido pelaSUMOC e as lutas pollticas e burocraticas associadas a tentativa da agendade conquistar maior autonomia.5

ASUMOC foi criada pelo Decreto-lei ns 7.293, de 2 de fevereiro de 1945,quando ja se tornava claro que a ditadura terminaria em breve e seria

MUDANCA DENTRO DA CONTINUIDADE 99

necessario criar instituigoes capazes de operar mini contexto democratico.Otavio Gouveia de Bulhoes, entao assessor do ministro da Fazenda, proposa criagao da agenda no final de 1946, tendo em mente a futura criagao deum banco central.

Os tecnicos associados a criagao da SUMOC relataram que Bulhoes tinhaconsciencia de que o clima de uma democracia bem-sucedida trariadificuldades para a criagao de uma agenda insulada, tendo em vista asprerrogativas do Congresso e a capacidade do Banco do Brasil de evitar osurgimento de agendas que pudessem diminuir seu duplo papel de bancocomercial e de autoridade monetaria central. BulhSes considerava o Bancodo Brasil invencivel no Congresso, dado o vasto numero de agendas quepossuia em todo pafs e os financiamentos que concedia.

Os criadores da SUMOC ja esperavam que o Congresso rejeitasse qual-quer projeto que parecesse prejudicial ao banco e a sua capacidade deimplementar programas de credito considerados cruciais para o podereconomico e politico das liderangas locals. Uma nova autoridade moneta-ria poderia, talvez, diminuir o poder dos varies escritorios especiais doBanco do Brasil e poderia dar ainda uma dimensao de centralizagao, queseria politicamente indesejavel pelo banco e pelos partidos politicos. Alemdisso, o Banco do Brasil possuia um grande trunfo politico: muitoscongressistas tinham sido seus funcionarios.

Bulhoes e o economista Eugenic Gudin, os principals arquitetos daSUMOC, acreditavam que a futura existencia de um banco central depen-deria de um longo processo de construgao institucional e geragao de apoio.Em alguns aspectos, a SUMOC teve como modelo o Federal Reserve Bankdos Estados Unidos, cuja autonomia em relagao as pressoes da politicaamericana tinha a admiragao de Bulhoes e de Gudin. O grupo de economis-tas que circulava em torno dos dois defendia uma "orientagao cientifica"para as pollticas economicas, que conferisse uma dimensao de estabilidadea logica instavel dos interesses politicos.6

O denominado "grupo da SUMOC" estava mais afinado com as ins-tituigoes financeiras internacionais, particularmente o Fundo MonetarioInternacional (FMI). Bulhoes e Gudin tinham participado da delegagaobrasileira a Conferencia de Breton Woods e apoiaram as propostas ameri-canas de liberalizagao do comercio internacional. De acordo com PedroMalan e Pedro Correa do Lago, o FMI considerava a SUMOC uma "ilha deracionalidade" dentro das instituigSes pollticas brasileiras.7

A SUMOC foi finalmente transformada em banco central pelo governomilitar em 1964, quando o grupo passou a ter mais poder. Tanto dentro doaparelho de Estado como a partir de sua base na Fundagao Getulio Vargas,

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o grupo da SUMOC desempenhou um papel crucial na formulagao depoliticas e na criagao de instituigoes economicas fundamentals no Brasil.Alias, a FGV era entao presidida por Luis Simoes Lopes, antigo diretor doDASP nos anos 30.8

A autonomia e o poder da SUMOC aumentaram e diminuiram durante osanos subseqiientes a sua criagao, dependendo basicamente do apoio dopresidente da Republica. Atendencia geral, entretanto, era a conquista de umpoder de arbitrio sempre crescente sobre areas cada vez mais vastas, a medidaque a SUMOC se tornava mais especializada e progressivamente independentedo Banco do Brasil. Aideologia economica da SUMOC e dos economistas quecompunham o cfrculo restrito de Bulhoes e Gudin era ortodoxa e com forteslagos com o FMI e com a comunidade economica international.9

O segundo governo Vargas (1951-54) trouxe para o primeiro piano apreocupagao com o desenvolvimento e a industrializagao. 0 DASP foireativado, embora com muito menos poder do que antes.10 Os primeirospassos para o fortalecimento da industrializagao comegaram a tomar formaa medida que o Estado adotava determinadas politicas.

Quando assumiu o poder em 1951, ao contrario do que acontecera em1930, Getulio tinha a sua disposigao inumeros diagnosticos dos problemaseconomicos brasileiros, assim como inumeras recomendagoes de comosuperar os gargalos ja detectados. Uma quantidade consideravel de docu-mentos havia sido produzida pelas missoes Cooke e Abbink (1942 e 1948),e seria produzida pela Comissao Mista Brasil-Estados Unidos (1951-53);em 1954 a Comissao Economica para a America Latina (CEPAL) comegouum processo de colaboragao com o Banco Nacional de DesenvolvimentoEconomico (BNDE).U

A criagao e a evolugao do BNDE seguiram um modelo em muitosaspectos similar ao da SUMOC: uma agenda separada da burocracia tradi-donal. Durante os primeiros anos, suas atividades ficaram limitadas porfalta de apoio adequado do Executivo e por uma incapacidade de controlarna pratica os recursos financeiros que Ihes foram legalmente alocados. Aolongo deste periodo de frustragao, o banco concentrou suas energias nacoleta de dados economicos e no desenvolvimento de sua propria es-pecializagao.12 Mais tarde, durante o governo Kubitschek, o BNDE desem-penhou um papel central no piano de desenvolvimento que consolidou oavango da industrializagao brasileira.

Tentativas de insulamento burocratico foram renovadas apos o iniciodo segundo governo Vargas, em 1951. Se na arena politica o presidenteera conciliador e tentou apaziguar a UDN com convites para participar deseu ministerio, em termos de planejamento economico Getulio instalou

um grupo de assessoramento, a Assessoria Economica, que participou daformulagao de politicas cruciais. Tal como o da SUMOC, o grupo daAssessoria Economica tinha especializagao tecnica e defendia o insula-mento burocratico como forma de conf erir maior competencia ao processode formulagao de politicas.

Nesta epoca os economistas da SUMOC nao mantinham contatos muitoestreitos com os da Assessoria Economica, conservando vinculos maisfortes com o grupo da Fundagao Getulio Vargas, composto por EugenicGudin, Bulhoes, Alexandre Kafka, entre outros. Ao contrario do grupo daSUMOC, a Assessoria Economica (Cleanto de Paiva Leite, Glycon de Paiva,Romulo de Almeida, Jesus Soares Pereira e outros) concentrava suasatengoes na estrutura economica e nos impactos sociais do crescimentoeconomico. Se o grupo da SUMOC era mais ortodoxo, monetarista e preo-cupado com temas financeiros, a Assessoria pensava em industrializagaoplanejada, politicas de investimento e desenvolvimento economico.13

A Assessoria influiu na formulagao de politicas fundamentals e nacriagao de agendas cruciais como a Petrobras, durante o segundo governoVargas. Alem disso, formulou varios outros programas e projetos impor-tantes, tais como a reforma administrativa, a CAPES (Coordenagao paraAperfeigoamento de Pessoal do Ensino Superior), o Conselho de Desen-volvimento Industrial (CDI), o Banco do Nordeste, o Fundo Nacional deEletrificagao etc.

Mas ainda, a Assessoria encarregou-se de dar os primeiros passos paraa criagao da industria automobilistica no Brasil, participando da implan-tagao, dentro do GDI, de um subcomite encarregado da preparagao deprojetos para a produgao de jipes, caminhoes e automoveis no pai's.14

Vargas iniciou dessa forma um processo de insulamento burocratico quealterou definitivamente a face do sistema politico brasileiro. A AssessoriaEconomica, por seu turno, constituiu o embriao da "administragao para-lela" do governo Kubitschek.

Ao final da decada de 40 e inicio dos anos 50, estas e outras agendas,mais ou menos insuladas, permaneceram como enclaves de especializagaoe bastioes de valores que as distinguiam do restante do sistema politico eadministrative. Elas partilhavam um compromisso com a eficiencia e como desenvolvimento economico nacional, alem de uma certa hostilidade aatividade politica.

Nao obstante, diferiam entre si com relagao a ideologia economicaespecifica, algumas com visoes mais ortodoxas e internacionalistas, outrascom posigoes mais nacionalistas. Essas agendas interferiam nas decisoessobre politicas em graus diferentes, conforme a epoca. Sua eficacia podia

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ser minada por f alta de apoio do Executive, pela utilizagao pelo presidenteda Republica das posi^oes de chefia nas agendas, como recompensapolitica, ou ainda pelo corte de verbas pelo Congresso ou por um ministeriodeterminado. Entretanto, as agendas insuladas desempenharam um papelcrucial no processo de desenvolvimento: sua experiencia critica foi forjadadefendendo-se contra a interferencia politica.

Se o inicio de uma utiliza§ao intencional do insulamento burocratico,como forma de deslanchar projetos industrials, remonta ao segundo go-verno Vargas, foi o governo Kubitschek (1956-61) que fez uso do insula-mento burocratico em larga escala, combinando-o com a patronagem, paraconsolidar o avancjo da industrializaqao brasileira.

O sucesso de Juscelino foi possivel em razao da combinacjao de:estabilidade politica na alianga PSD/PTB — fortemente baseada na patrona-gem — eventualmente suplementada pela UDN; existencia de um amploconsenso sobre a necessidade do desenvolvimento nacional; disposicjaogovernamental de investir pesadamente em infra-estrutura; decisoes ins-trumentais que tiraram vantagem da situagao economica favoravel, tantointerna quanta externamente.

Sincretismo politico, uma ideologia instrumental, decisoes instrumentaise recursos economicos adequados foram os quatro fatores principals quetornaram possivel a existencia de um sistema hibrido no Brasil. Nele, ocorporativismo nao desapareceu, o insulamento burocratico progrediu, e ouniversalismo de procedimentos foi enfatizado em certas areas e agendas.

E importante ressaltar que nenhum dos fatores mencionados era desco-nhecido da sociedade ou da politica brasileira. Investimentos estrangeirosestavam presentes no Brasil desde 1500; decisoes instrumentais voltadaspara a modernizagao do pais tambem tinham sido tomadas durante oprimeiro governo Vargas; estabilidade politica existira antes, e finalmenteo nacionalismo era uma realidade desde a decada de 20.

Se nenhum desses fatores era totalmente novo para a sociedade brasileira,sua maturagao e sua combinacjao em um sistema sincretico e integrado sofreuum lento processo de maturagao e transformacjio. E essa combinaqao, e naoeste ou aquele fator isolado, que constituiu a singularidade do periodo. E paradiscutir esse processo, o cenario historico ideal e o governo JK.

UMA IDEOLOGIA INSTRUMENTAL:o NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO

Acriagao de uma arena de insulamento burocratico deve ser compreendidano contexto da emergencia da ideologia do nacional-desenvolvimentismo.

MUDANCA DENTRO DA CONTINUIDADE103

A consciencia do atraso economico brasileiro ja existia ha longo tempo.Nas decadas de 20 e 30 varios autores afirmavam a necessidade de semodernizar o pais, de se criar uma ordem burguesa nao-particularista aolado de um sistema politico nao-oligarquico baseado no "dominio publi-co".15

O movimento em prol da modernizagao do pais ganhou um grandealento a partir da Revolugao de 30. Adespeito das freqiientes diividas sobreo processo — os mecanismos que deveriam ter sido utilizados —, e sobreos agentes da modernizacjao, ha um razoavel consenso de que a oligarquiarural e a ordem particularista por ela mantida impediam a moderniza$ao.

Ao mesmo tempo, a ausencia de uma burguesia ascendente tornavaespecialmente diffcil a proposta de criagao de uma nova ordem publicabaseada em valores burgueses. Freqiientemente, era sugerido que o Estadodeveria ser o "substitute funcional" da burguesia na cria§ao do Brasilmoderno. Com alguma freqiiencia, um "autoritarismo instrumental", paratomar emprestado a expressao de Wanderley Guilherme dos Santos, eraprescrito como o meip mais apropriado para se criar a nova ordem.16 Odilema vivido pelos intelectuais era intense, uma vez que eles advogavama cria§ao de uma ordem burguesa mesmo na ausencia de uma burguesiasolida.

A Segunda Guerra Mundial acentuou a consciencia da vulnerabilidadedo pais. Adependencia da exportagao de produtos primaries gerou enormeincerteza sobre o futuro e novas discussoes sobre a necessidade de seindustrializar o pais. Alguns anos mais tarde, a Guerra da Coreia, quemuitos temiam se transformasse em uma nova guerra mundial, aumentoua ansiedade sobre o futuro do pais. A consciencia do atraso economico eda necessidade de se alterarem os rumos economicos do Brasil atingiramuma massa critica.17

Getiilio e sua Assessoria Economica constituiram um foco centralinicial de preocupacjoes nacionalistas e desenvolvimentistas. Vera Alice C.Silva, por exemplo, estabelece uma distincao entre o nacionalismo comoideologia e como estrategia para sustentar op$6es desenvolvimentistas. Autilizagao de uma estrategia nacionalista por Getulio e por Juscelinogarantiu amplo apoio politico para o processo de mudanga economica eindustrializagao intensiva, desencadeado nos anos 50. Vargas e seus conse-Iheiros economicos adotaram um programa de nacionalismo pragmaticocomo estrategia basica para o desenvolvimento economico.18

O desenvolvimentismo tornou-se uma questao central, tanto para aesquerda como para a direita. Mesmo economistas liberals como RobertoCampos (um dos "desenvolvimentistas cosmopolitas" discutidos adiante),

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a epoca no BNDE, defendia a utilizagao do Estado como agente economicopara sustentar a industrializa^ao.19

O nacional-desenvolvimentismo que constituiu a base doutrinaria dogoverno Kubitschek era baseado numa visao de mundo que pode sersintetizada nas palavras do proprio Juscelino:

O nacionalismo que nos temos em vista esta fundamentado em nosso desenvolvi-mento (...) e nosso nacionalismo nao e uma paixao fanatica, bruta, deformada,imoderada mas, antes, uma consciencia clara (...) Nosso nacionalismo nao e umaarma polftica, mas um elevado estado da mente, um impulse construtivo tal comoeste que forma, por exemplo, o Piano de Metas que e, esse sim, uma forc.anacionalista, uma cruzada cujos objetivos, multiples em aparencia, sao na realidadebaseados num grande e unico objetivo do desenvolvimento.20

Discursando no Clube Militar, em 21 de julho de 1959, Juscelinoempregou a mesma retorica nacionalista para explicar as razoes do rom-pimento das negotiates com o FMI. Na ocasiao, o presidente afirmou queo Brasil recebia muito bem os investimentos estrangeiros, mas estabeleciauma distingao clara entre colaboragao e exploracjao. Explicou que os"objetivos nacionais" (isto e, industrializac,ao e desenvolvimento econo-mico) constituiam a maior prioridade do seu governo.21

O nacional-desenvolvimentismo tornou-se a estrategia polftica domi-nante nos anos 50 e encontrou em Juscelino, e em seu governo, sua maisforte expressao. Defensores do desenvolvimentismo podiam ser tambemidentificados entre militares, grupos profissionais, setores da burocraciaestatal e classes medias urbanas.

Aoposigao ao nacionalismo tambem estava presente em muitos lugares,e acalorados debates e acusa$6es contra os "entreguistas" aconteciam eminumeros foruns. O mais interessante, entretanto, era a ausencia de visoesalternativas de igual forc;a.22

Durante os anos 50, muitos daqueles que tinham tido experienciapreviatrabalhando com a Comissao Mista Brasil-Estados Unidos, com a MissaoAbbink, com o grupo CEPAL/BNDE, com a Assessoria Economica e emmissoes diplomaticas comegaram a ocupar posiqoes cruciais no aparelhode Estado e a buscar estrategias racionais de desenvolvimento.23

A despeito do consenso existente a respeito da percepcjao de que odesenvolvimento era a meta principal, as opinioes se dividiam quando setratava de escolher uma estrategia de desenvolvimento a ser seguida. Ogrupo concentrado na SUMOC privilegiava a liberalizac.ao do comercio,estimulando investimentos estrangeiros e limitando a intervencao doEstado na economia. Outros, incluindo Celso Furtado, tecnicos do BNDE eantigos membros da Assessoria Economica, defendiam a intervengao

estatal, controles mais rfgidos sobre o capital estrangeiro e estimulo aindustria nacional.

Na verdade, um amalgama destes dois pontos de vista antagonicosconstituiu a base do processo de formulacjao da polftica economica, namaior parte da decada de 50. Mais importante ainda, as discrepanciasderam lugar a um resultado mais estatizante durante a intensa indus-trializagao dos anos JK. 0 sincretismo politico dos governos Vargas eKubitschek incluiu a habilidade em juntar tecnicos com visoes antagonicase faze-los funcionar a contento sob o guarda-chuva dominante do nacio-nal-desenvolvimentismo.

Este sincretismo no interior do nucleo tecnico do aparelho de Estadofoi brilhantemente analisado por Ixmrdes Sola. Seu estudo demonstravarios pontos cruciais para o meu argumento. Primeiro, documenta aemergencia do que denominei "nova arena para a polftica", a arena estatal,onde tecnicos disputavam concepgoes polfticas e implementa§6es depolfticas alternativas. Os tecnicos nao constituent um grupo de pressao nosentido tradicional, tampouco constiruem uma tecnocracia. Suas a§6es"tecnicas" eram totalmente politizadas dentro desta nova e "nao conven-cional arena polftica".24

Segundo, utilizando entrevistas pessoais com varios tecnicos importantes,Ixmrdes Sola demonstra que a politizagao do nucleo tecnico da arena estatalexcluta, explicitamente, qualquer filiagao a partidos polfticos, em razao danarureza clientelista e elitista da estrutura partidaria. Tal como afirmavam osentrevistados, como "tecnicos em fins" eles perseguiam certos objetivos, istoe, o desenvolvimento, enquanto que os partidos estavam mais interessadosnos meios para exercer o controle politico e a patronagem.

Os tecnicos eram profissionais bem-sucedidos em seus proprios cam-pos e evitavam ligacjoes com empresarios, militares e jornalistas. A des-peito do consenso sobre o desenvolvimento como meta, existiam profun-das diferengas nas concepgoes dos tecnicos. Aprofundando a discussao deuma tipologia elaborada por Helio Jaguaribe em 1962, Lourdes Soladistingue entre "desenvolvimentistas cosmopolitas" e "nacional-desen-volvimentistas". Os primeiros enfatizavam a necessidade de colabora^aocom o capital estrangeiro em grau maior do que faziam os "nacionalistas".Inicialmente, os nacionalistas se reuniam em torno da Assessoria Econo-mica, com a qual eram mais identificados. Ja os cosmopolitas se agrupa-vam em torno da SUMOC e da Comissao Mista Brasil-Estados Unidos eeram mais identificados com esses dois organismos.

Cosmopolitas e nacionalistas discordavam, tambem, acerca do grau deinterferencia do Estado no processo de desenvolvimento economico. Mas

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os cosmopolitas estavam divididos internamente: aqueles que defendiama estrategia de uma taxa acelerada de crescimento e de industrializagao, os"cosmopolitas desenvolvimentistas", apoiavam tambem uma presencamais forte do Estado no processo.

Concluindo, o nacional-desenvolvimentismo forneceu uma base para aformula§ao de politicas e para um sentido de designio, sob a dominagaodos "nacionalistas pragmaticos". Esta estrategia nacionalista nao excluiao capital estrangeiro, na medida em que este contribuiu para a verticaliza-

do processo de industrializaqao no Brasil.

DECISOES INSTRUMENTAL ERECURSOS ECONOMICOS CRESCENTES

A despeito do torn nacionalista, as politicas governamentais estimularamos investimentos estrangeiros na industria, basicamente atraves da regula-mentanao das taxas de cambio e das tarifas alfandegarias, alem daspoliticas comerciais.

As politicas comerciais do pos-guerra sofreram variances consideraveise sao caracterizadas por varios estagios. Ate 1947 nao houve qualquerrestrigao as importances; as reservas cambiais eram abundantes e dis-poniveis para transagoes. O cruzeiro estava supervalorizado e manteve-seno mesmo patamar de antes da guerra, ou seja, Cr$ 18,50 por dolar. A taxade cambio vigente nao estimulava as exportagoes e acentuou a demandapor produtos importados. A guerra da Coreia (1950-53) funcionou comoum estimulo adicional a demanda maciqa por importances, enquanto umsistema de controle administrado pela Carteira de Exportanao e Importance(CEXIM) do Banco do Brasil tentava frea-las.

Os controles sobre as importances foram impostos por causa dosdesequilibrios gerados pela supervalprizagao do cruzeiro e a conseqiientedissipaqao das reservas cambiais. Estes controles tinham como objetivoconter os desequilibrios.

Embora os problemas do balanno de pagamento nao tivessem sidoresolvidos pelo controle sobre a importanao, esta polltica teve comoconseqiiencia inesperada o favorecimento da industrializagao por subs-tituigao de importances: No entanto, a industrializagao ainda nao era umameta, uma vez que a polltica comercial daquele periodo refletia apenas asreaches governamentais aos problemas do balango de pagamentos.

Como estes problemas persistissem, em 1953 foi implantado um novosistema, que consistia em multiplas taxas de cambio aplicadas a dif erentesprodutos. A moeda estrangeira tornou-se disponivel para importances

atraves de leiloes semanais. Criado pela Instrunao 70 da SUMOC, estesistema funcionou como uma desvalorizagao de fato do cruzeiro paraimportances. "Ele tambem carreou para o governo os lucros inesperadosoriundos das importances e eliminou as pressoes para corrupnao adminis-trativa na concessao de licennas."25

De acordo com o novo sistema, os principais produtos importadosforam divididos em cinco categorias, atraves dos leiloes; outras clausulastambem beneficiavam a importance de maquinaria. Este novo sistemaconsolidou mais adiante uma reserva de mercado para a industrializanaopor substitute de importances, porque taxou pesadamente as impor-tances nao cruciais. O sistema tambem funcionou como um subsidioimplfcito aos bens de capital e aos insumos industriais basicos, dadas astaxas de cambio mais baixas atribuidas a estes itens.26

Os primeiros passes verdadeiros na direnao de uma politica industrialso foram tornados depois que Getulio Vargas assumiu o poder pela segundavez, em 1951. De 1952 em diante foram feitos varios ajustes fiscais, quegeraram recursos adicionais para o Estado e criaram melhores conducespara o investimento em infra-estrutura.27

Apos o suicidio de Vargas, e antes da eleinao de Juscelino, houve umbreve periodo de politicas de estabilizanao mais ortodoxas, sob a liderannade Eugenio Gudin e do grupo da SUMOC. Este grupo estava mais claramenteligado ao FMi e impos politicas recessivas a fim de controlar a infianao eadministrar os problemas do balanno de pagamentos. Terminado este curtointerregno, a estabilizanao tornou-se um objetivo secundario no governoJK. A sustentanao da atividade economica pelo Estado transformou-senuma pedra de toque e a redunao da demanda foi desestimulada.

Juscelino, entretanto, foi beneficiado por uma medida formulada eimplementada pelo grupo da SUMOC: a famosa instrunao 113 de 1955, quepermitia as empresas estrangeiras a importanao de bens de capital eequipamentos sem cobertura cambial, mas a permissao so era dada paraconjuntos completos de equipamentos. As condic/aes criadas pela ins-trunao 113 foram consideradas mais favoraveis pelos investidores que asda instrunao 70. Se estes escolhessem os termos da instrunao 70, deveriaminjetar dolares no Brasil, a taxas do mercado paralelo, para adquirirlicennas de importanao nos leiloes, a taxas mais altas.28 Segundo PedroCorrea do Lago, apos a instrunao 113 aumentou drasticamente a entradade capital estrangeiro no Brasil.29

Exceto pela curta passagem de Gudin pelo Ministerio da Fazenda(25.08.54 — 12.04.55), os anos 50 consagraram politicas economicasnao-ortodoxas e conflitos com o FMI, finalmente repudiado por Juscelino.

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Segundo Carlos Lessa, a pergunta crucial a ser feita e por que o Brasildecidiu perseguir o desenvolvimento ao inves da estabilidade, distancian-do-se de outros paises latino-americanos neste particular.30 Lessa apontarazoes subjetivas e objetivas: a) a consciencia do atraso; b) as politicasfiscais adotadas para financiar programas nao sofreram a oposkjao daburguesia, e o interesse dos capitalistas nacionais ( a burguesia industrialainda nao era bastante forte para impor o seu proprio projeto, mas ja podiarepresentar um aliado poderoso); c) a industrializagao e desenvolvimentoanteriores tornaram possfvel optar pelo planejamento economico e pelaexpansao, em lugar da retracjao.

Durante os vinte anos anteriores ao Programa de Metas, e ate 1973, osuprimento de produtos industrializados (importagao mais produqao na-cional) cresceu a uma taxa anual de 8% (quando alguns "anos ruins" saoexcluidos, a taxa sobe para 10,5% no periodo 1937-39 a 1954-56, e para11,2% no periodo 1954-56 a 1971-73).31 O crescimento industrial foiespecialmente rapido durante a decada de 40, periodo em que o Brasilatingiu o apice da denominada easy phase da substituigao de importances;o PIB cresceu a uma taxa anual de 7,1% no periodo 1947-61.32 Nos anos50, "e particularmente entre 1956 e 1961, foi completada uma partesubstancial da 'fase dificu" da industrializac.ao por substituiqao de impor-

tagoes".

SlNCRETISMO POLITICO NO GOVERNO JK

O impressionante processo de desenvolvimento deslanchado no governoJK deve ser entendido no contexto de uma situa^ao politica na qual as variasgramaticas que caracterizaram o sistema politico brasileiro foram habil-mente combinadas.

A coalizao entre o PSD oligarquico e o PTB populista resultou na elekjaode Juscelino Kubitschek para a presidencia da Republica em 1955. Adespeito de pertencer ao PSD, conhecido por seus vinculos rurais, Juscelinoiniciou um ambicioso programa, sob a egide do Programa de Metas queenf atizava a energia eletrica, a constru<jao de rodovias, o desenvolvimentoda industria automobilfstica, a construgao naval, a criaqao de uma novacapital e a auto-suficiencia em petroleo. O piano concentrava-se empropostas que tinham como objetivo aumentar o crescimento economicoe garantir o controle nacional sobre a exploraqao dos recursos naturals.Medidas de bem-estar social vinham em segundo piano.

O PTB estava representado na coalizao pelo vice-presidente Joao Gou-lart. Embora originalmente organizado pelo Estado, basicamente como um

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mecanismo para controlar e cooptar a classe operaria, o PTB criou umaserie de conflitos com o PSD, em razao de seu apoio constante e promo§aoda mobilizagao operaria como forma de veicular demandas populares.Atraves do vice-presidente e do controle sobre o Ministerio do Trabalho,o partido pode enriquecer a agenda de vantagens sociais para os traba-Ihadores, por meio da mobilizagao e da pressao politica, mas tambem deuma continua troca de favores politicos com a elite nacional.

Joao Goulart controlava a politica trabalhista, como parte do acordoentre PSD e PTB, atraves do Ministerio do Trabalho e de uma rede corpora-tivista que unia sindicatos, institutes de previdencia social e dispositivoslegais.33 O PSD controlava outras redes clientelistas na administragao,atraves de ministerios como Viagao e Obras Publicas, Justiga, Agriculture,Fazenda. Ja a UDN, embora apoiasse o programa de Juscelino no Congres-so, nao ocupou uma unica pasta. Este foi o governo em que o PSD ocupouo maior numero de ministerios.34

Uma vez obtida a aprovagao do Piano de Metas no Congresso, opresidente conseguiu criar um espac,o de manobra para sua implementa-c;ao, precisamente em razao do bom funcionamento da coalizao partidaria.Sua estrategia consistiu em evitar negociacoes sobre varies detalhes paraa execugao do programa; nao obstante, inumeras questoes especificasiriam requerer aprovacjao do Congresso, uma vez que nem todos os recur-sos estavam reservados e dependiam do or$amento anual. "Alem disso,um certo numero de outras importantes medidas tinham de ser votado pelolegislative em areas como creditos especiais, taxagao e outras."35

O apoio do Congresso foi obtido atraves de coalizoes entre os quatromaiores partidos: PSD, PTB, UDN e PSP. Wanderley Guilherme dos Santosverificou que em 42% de todas as votagoes os quatro maiores partidosvotaram juntos; quando se coloca o PSD no centro da coalizao de apoio,em 84% dos casos ele contou com a adesao de pelo menos dois dos maiorespartidos; e "para decisoes que concediam creditos especiais ao Executive,indispensaveis para a implementacao do Programa de Metas, 72% foramapoiadas pelos quatro partidos."36

Em contexto de intensa mobilizagao economica, o clientelismo era aprincipal forga e a principal fraqueza do sistema partidario. O clientelismofortalecia o sistema na medida em que, dada a interpenetragao das agendasburocraticas tradicionais e os partidos, estes sempre tinham acesso arecursos para trocar por apoio. Mas o clientelismo era tambem umafraqueza porque, dada a insistencia na manutencao da politica clientelistae sua gramatica estabilizadora da troca generalizada, os partidos naochegaram a lidar efetivamente com a area crucial da politica economica

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110 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

basica, criando assim urn espago no qual o Executive pode manobrarautonomamente e promover o insulamento burocratico para atingir suasmetas de desenvolvimento.

As agendas encarregadas do desenvolvimento economico precisavamde dois recursos para levar seus pianos efetivamente adiante: pessoalcompetente e capital suficiente. JK imaginou maneiras de providenciarambos e utilizou o privilegio do Executive para preencher os cargos naburocracia insulada sem adotar qualquer procedimento formal. Os GruposExecutives foram compostos com pessoal requisitado a SUMOC, a CACEX,ao BNDE, ao DASP, aos ministerios etc. O BNDE participou da preparagao doPrograma de Metas sob a diregao de Roberto Campos, seu superintendentea epoca, e de Lucas Lopes.37 Em parte, ao requisitar os funcionarios maiscompetentes dos varios orgaos, Juscelino contornou nao so a burocraciatradicional, mas tambem qualquer tipo de universalismo de procedimentosporventura existente.38

Do ponto de vista economico, o piano altamente vitorioso de Juscelinorepousa em quatro pontos fundamentals: a) um tratamento favoravel aocapital estrangeiro; b) a participate da administrate publica direta noprocesso de formagao de capital interno; c) a canalizacjao de investimentosprivados para areas pouco atraentes, mas consideradas estrategicas peloPrograma, atraves de incentives fiscais e emprestimos sob condigoesespeciais; d) uma forma nao-ortodoxa de tratar a estabilizagao economica,pela manipulagao de alias taxas de inflagao (20%), o que levou o Programaa absorver a poupanc,a.3y

O governo JK criou instrumentos altamente flexiveis para gerir o Pro-grama de Metas. Recursos financeiros nao sujeitos a cortes orgamentariosforam alocados a agendas governamentais semi-autarquicas, para facilitara realizagao das metas propostas.40 Aquelas que dependiam dos esforgosdo setor privado foram sustentadas por uma combinagao de varios es-timulos e subsidies, sob a coordenagao dos Grupos Executives,, queanalisavam projetos, tomavam decisoes e providenciavam financiamentorapido. Esses grapes eram compostos por representantes de varias agen-das governamentais e dos interesses privados.

Antes da criagao dos Grupos Executives, um projeto industrial erainterminavelmente retido, enquanto tramitava pelos canais burocraticos.Segundo Paulo Roberto Motta, o projeto de uma nova fabrica tinha de seranalisado pela CACEX para se verificar a existencia ou nao de similarnacional; ern seguida, o Ministerio da Guerra avaliava suas implicagoespara a seguranga nacional e, finalmente, a Carteira de Cambio do Bancodo Brasil verificava a disponibilidade de moeda estrangeira e o que mais

MUDANgA DENTRO DA CONTINUIDADE 111

fosse necessario, dada a natureza do projeto.41 Alem do longo tempoperdido no atoleiro burocratico, os projetos nao eram examinados comoum todo pelas agendas interessadas em sua execugao. Mais ainda, aselecao dos projetos a serem apoiados era muito dificil, porque cadaagencia utilizava diferentes criterios para avalia-los. A ausencia de umaperspectiva unica e global entre as agendas tornava extremamente com-plicada a implementagao de um projeto nacional de desenvolvimentoindustrial.

As mais importantes decisoes instrumentais do governo JK, do pontode vista da administrate economica, envolveram a criagao dos GruposExecutives e do Conselho de Desenvolvimento, este instalado por Jusce-lino no dia seguinte a posse, com a tarefa de coordenar os esforgos deplanejamento; na verdade, a criagao deste conselho visava contornar asineficiencias da burocracia tradicional.

Uma das mais serias insuficiencias da maquina administrativa era ainexistencia de um orgao nao-burocratico capaz de coordenar as medidaseconomicas exigidas pelo Programa de Metas. As atividades de rolinapodiam ser realizadas pela administrate, mas um piano inovador comoaquele requeria estruturas mais dinamicas, e este papel foi destinado aoConselho de Desenvolvimento. Era composto por ministros de Estado, oschefes dos Gabinetes Civil e Militar, os presidentes do Banco do Brasil edo BNDE, e era assessorado por uma Secretaria-Executiva, "nao-burocra-tica", que tinha a sua disposigao especialistas do setor publico e do setorprivado.42

"Um fator crucial para o sucesso dos Grupos Executives foi o de que oplanejamento era feito pelas mesmas pessoas que teriam de implementa-lo."43 Para qualquer projeto, se houvesse necessidade de concessoestarifarias, de construgao de estradas ou de facilidades de qualquer especie,todas as agendas relevantes estavam a mao para uma decisao rapida. Asempresas participantes negociavam diretamente com aqueles que deti-nham o real poder de decidir e implementar. Um ponto que deve serenfatizado e o de que os Grupos Executives foram criados por decreto, "oque alijava a intervengao do Congresso."44

O Grupo Executive para a Industria de Construgao Naval (GEICON)ilustra bem a eficiencia e a rapidez com que se moviam estas novas buro-cracias insuladas. O GEICON foi criado por decreto em 13 de junho de 1958,depois que o Congresso aprovou a criacjao do Fundo de Marinha Mercante(Lei ne 3.381, de 24.04.1958); um segundo decreto, de 9 de julho, estabe-lecia as diretrizes basicas para a implementagao de uma industria deconstrugao naval. Dois dias depois, o GEICON comegou a expedir resolugoes,

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112 A GRAM ATICA POLITICA DO BRASIL

fixando normas para a nacionalizagao da construgao naval, para a elabo-ragao de projetos de estaleiros, para estimular a constmgao naval e para aconcessao de subsidies cambiais para a importagao de equipamentos.

Em 30 de agosto, a Resolugao 4/58 do GEICON estabelecia um crono-grama para a apresentagao de projetos especificos. Em 25 de novembro ogrupo ja tinha aprovado o projeto de expansao do estaleiro da CompanhiaComercio e Navegagao (Estaleiro Maua), de Niteroi (RJ), e o projeto deconstituigao do Estaleiro Ishikawajima, no Rio de Janeiro, entao DistritoFederal. Em 27 de Janeiro de 1959 foi aprovada a instalagao do EstaleiroVerolme, em Angra dos Reis (RJ); nos seis meses seguintes foram aprova-dos sete novos projetos. Esta velocidade na aprovagao e implementagaode projetos de desenvolvimento nao tinha precedentes no Brasil.45

Ao mesmo tempo que se apoiava nas agendas insuladas para realizaras taref as do desenvolvimento, Juscelino utilizava a politica tradicional deempreguismo para consolidar apoio politico: protegia as agendas insula-das e Ihes garantia acesso aos recursos, enquanto geria o resto do sistemapolitico de modo a reduzir potenciais contestagoes as metas desenvolvi-mentistas e as suas formas de alcanga-las.

Juscelino impediu que o DASP realizasse concursos para o servicepublico, com a justificativa de que era um processo muito caro, mas eleproprio e acusado de ter feito perto de sete mil nomeagoes politicas, apenasno primeiro ano de governo. Entretanto, a maior parte delas foi feita porJoao Goulart nos ministerios do Trabalho e da Agricultura e em suasautarquias, principalmente os institutes de previdencia, beneficiando prin-cipalmente o PTB.

No final de seu mandato, JK tentou assegurar a presenca de seus aliadosna administracao, garantindo assim sua lealdade politica, atraves de umgrande numero de nomeagoes apressadas. A imprensa estimou em 15 milessas nomeagoes, enquanto o governo, atraves do Ministerio do Trabalho,afirmou que nao passaram de 4.436, sendo 1.657 por concurso; as restantes2.779 eram nomeagoes clientelistas.46

CONCLUSAO: A COMBINAQAO DAS GRAMATICASCOMO UM ATO DE MALABARISMO

Acombinagao de fatores analisada nas segoes anteriores explica a criagaode uma "janela" historica para o processo de construgao institucional eacumulagao de capital no Brasil. A definigao de uma trajetoria para ocapitalismo moderno, baseada no avango da industrializagao, teve lugarnum contexto governado pela logica da troca generalizada. As tentativas

MUDANCA DENTRO DA CONT1NUIDADE 113

de substituigao desta logica pelos canones da troca especifica, que carac-terizam as modernas economias de mercado, dependeram da intervencaodo Estado e do insulamento burocratico.

O insulamento burocratico forneceu ao pais uma administragao econo-mica racional, gerida por elites profissionais modernizantes associadas agrupos empresariais internacionalizados. Embora essas elites se percebes-sem como portadoras legftimas de valores modernos e universalistas, oresultado de sua agao nao foi absolutamente a criagao de um "dominiopublico". Suas atividades nao tinham por objetivo a expansao das basespara uma cidadania universalista no pais; ao inves disso, contribuiram paramanter inalteradas as bases da "cidadania regulada" da Republica Velha.Ao ocupar o espago deixado pelo sistema clientelista, as burocraciasinsuladas provaram sua eficiencia em gerir a economia, mas nao sepreocuparam em criar formas de controle do aparelho burocratico peloCongresso ou por outras agendas.

Os "aneis burocraticos" que ligam a burocracia tecnica a burguesiainternacional foram intensificados, e a burocracia insulada se distanciouda respublica, tal como as instituicoes politicas clientelistas tinham feitono passado.

Amanutengao de um sistema como aquele era um ato de malabarismo.Primeiro, o sistema era complexo e caro. Complexo, porque requeriacapacidade organizacional para se comunicar de maneira igualmenteeficaz em gramaticas politicas conflitantes. Isto e, diferentes organizagoespublicas tinham de ser capazes de se comunicar com grupos e forgassociais com interesses muito distintos e que se comportavam de acordocom logicas diferentes e freqiientemente contraditorias. Ao mesmo tempoem que o PTB, o Ministerio do Trabalho e o vice-presidente Joao Goulartcontrolavam a politica trabalhista e a mobilizagao operaria, tornando-semais nacionalistas, esquerdistas, pressionando pela adogao de politicasredistributivas, os Grupos Executives fortaleciam seus lagos com capita-listas nacionais e estrangeiros e davam passes concretes para a internacio-nalizagao da economia brasileira e a acumulagao de capital.

Mas o sistema de patronagem era caro. Sua manutengao envolviafreqiientemente a alocagao de recursos piiblicos em investimentos combaixa taxa economica de retorno, mesmo que pudessem gerar beneficiossociais e certamente beneficios eleitorais. Era ainda caro, porque o inves-timento rapido e concentrado em gigantescos projetos de infra-estruturademandavam maiores gastos publicos.

Segundo, tratava-se de um ato de malabarismo porque os atores cruciaisenvolvidos no planejamento e na implementagao do piano de desenvolvi-

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114 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

mento concordavam sobre a meta geral a ser atingida—a industrializacjao— mas discordavam sobre as premissas de valor — isto e, as ideologias

— e tecnologias a serem utilizadas.A soluqao encontrada por Juscelino e por Getulio foi evitar que a

politizagao das questoes gerasse uma paralisia decisoria na parte executi-va: ambos mantiveram os tecnicos discordantes em diferentes agendas,garantindo assim a eficiencia e a consistencia interna de cada agenda. Osdois presidentes puderam manipular as agendas e reconciliar suas ativi-dades em foruns maiores como o Conselho de Desenvolvimento, osGrupos Executivos ou o BNDE, onde as decisoes eram baseadas em pre-missas mais pragmaticas e menos ideologicas. Assim, o debate ideologicopodia prosseguir, tanto no Congresso como entre tecnicos e agendas, sem

efeitos particulares nas decisoes.

J1GURA2Mudanca na Continuidade:

Clientelismo e Insulamento Burocratico no Brasil ContemporaneoTrntrtf0£. Hf nriap.m t

Clientelismo/Corporativismo

PTB-PSD Coalizao(mais UDN)Populismo: Papel doMinisterio do Trabalho

Fatores de origem Estrategia "Escapista"

Administraoio "Indireta""Ilhas de Eficiencia"

Fatores Cataliticos

Sistema Sincretico:Clientelismo e InsulamentoBurocratico

RecursosEconomicos

Investimento Externo DiretoGastos PublicosIndustrializacjio PreviaIncentives EconomicosInflacjio

Nacional-DesenvolvimentismoAntitradicionalismoIndustrializaqao

MUDANCADENTRO DA CONTINUIDADE 115

NOTAS

1. Pedro S. Malan, et al., Politico economica externa e industrializaqao no Brasil,1939-1952, p.368-9; L.C. Bresser Pereira, Desenvolvimento e crise no Brasil.

2. Maria Celina D'Araujo, O segundo Governo Vargas, 1951-1954; ThomasSkidmore, Brasil: De Getulio a Castelo; Francisco C. Weffort, "Participaoio e conflitoindustrial: Contagem e Osasco, 1968", Cadernos Cebrap; Kenneth Erickson, TheBrazilian Corporate State and Working Class Politics.

3. "O resultado (...) foi o aparecimento, no corpo administrativo do Estado, debolsoes de eficiencia, que tiveram condigSes, dadas as caracterfsticas do modeloeconomico, de assegurar, operacionalmente, o papel do Estado no controle da econo-mia." Cf. Celso Later, O sistema politico brasileiro, p.67.

4. Paulo Roberto Motta, "O grupo executive como instrumento administrativo deimplementacjio economica".

5. Pedro Lago, "A SUMOC como embriao do Banco Central: sua influencia naconduc.30 da polftica economica, 1945-1965", Dissertacjao de Mestrado.

6. Ibid., p.9 e seg.7. Ibid., p.12. A fonte e "Foreign Relations of the us", p.368.8. Rene A. Dreifuss,/l conquista do Estado: aqao, politica, poder e golpe de classe,

p.77.9. Ibid., p.73 e seg.10. Lawrence Graham, "Civil Service Reform in Brazil: Principles versus Practice",

Latin American Monographs, p.270-1.11. Pedro Lago, "A Sumoc como embriao do Banco Central...".12. Rogerio F. Pinto, "The Political Ecology of the Brazilian National Bank for

Development (BNDE)"; Luciano Martins, Pouvoir et developpement economique:formation et evolution des structures politiques au Bresil.

13. "(...) Pela primeira vez um governo brasileiro criava um orgao permanente deplanejamento encarregado de estudar e formular projetos sobre os principais aspectosda economia do pafs. (...) Agindo fora das vistas publicitarias e com independencia emrelacjio aos interesses polftico-partidarios, esse orgao consegue levar a cabo umtrabalho permanente que acaba porconferir ao Governo uma orientagao administrativaque nao poderia ser obtida atraves de composicpes partidarias. Enquanto estas refletiamo mundo da barganha e do conflito, a Assessoria expressava uma diregao definidaquanta ao planejamento economico e quanta a uma forma de atuagao do Estado nasquestoes de economia." Maria Celina D'Araujo, O segundo Governo Vargas..., op. cit.,p.134.

14. Ibid., p.135; Jose Almeida, A implantagao da industria automobilistica noBrasil, p.15.

15. Wanderley Guilherme dos Santos, Ordem burguesa e liberalismo politico.16. Ibid., p.103.17. Quanta a importancia da consciencia do atraso economico para o processo de

desenvolvimento, a referenda obrigatoria e: Alexander Gerschenkron, EconomicBackwardness in Historical Perspective. No contexto latino-americano, com amplareferenda ao Brasil, ver Albert Hirschman, A Bias for Hope. Para o contexto brasileirosao uteis as seguintes referencias: Caio Navarro Toledo, ISEB: fdbrica de ideologias;Gabriel Cohn, Petroleo e nacionalismo; Helio Jaguaribe, O nacionalismo na atuali-

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Vjm

116 A GRAMATICA POL1TICA DO BRASIL

dade brasileira; Nathaniel Leff, Economic Policy-Making and Development in Brazil;Monica Pimenta Velloso, "O mito da originalidade brasileira", Dissertagao de Mes-trado; W.G. dos Santos, Ordem burguesa...; Sergio Miceli, Intelectuais e classedirigente no Brasil, 1920-1945; Miriam L. Cardoso, Ideologia do desenvolvimento:Brasil, JK-JQ.

18. Vera Alice C. Silva, "Os tecnicos no governo Vargas, 1951-1954: desenvolvi-mento e nacionalismo", p.3 e 11.

19. Ver Roberto Campos, Ensaios de historia economica e sociologia. Em palestrasproferidas durante a decada de 50, Roberto Campos denomina a si proprio um"nacionalista pragmatico". Em outro trabalho, Economia, planejamento e nacionalis-mo, Campos discorre, em varies artigos escritos entre o final da decada de 40 e o inicioda decada de 60, sobre o papel do Estado no desenvolvimento do piano nacional.

20. Juscelino Kubitschek.A marcha do amanhecer.21. Resenha do governo do presidente Juscelino Kubitschek, 1956-1961, Rio de

Janeiro, Servicp de Documentagao da Presidencia da Republica, 1960.22. Nathaniel Leff, Economic Policy-Making and Development..., op. cit., p.141-2.

Dilemas existiam, porem. Para uma descrigao do dilema ideologico dentro das ForcjasArmadas e a luta interna que este dilema causou no Clube Militar, ver Antonio CarlosPeixoto, "Le Clube Militaretles affrontementsau sein des Forces Armees, 1945-1964",in Alain Rouquie (org.), Les parties militaires au Bresil. No geral, a visao de mundodominante no periodo pode ser resumida atraves da seguinte expressao de ErnaneGalveas, claramente "ajustada" a ideologia do momento: "No Brasil, como na maiorparte dos pafses subdesenvolvidos, esta perspectiva protecionista, esta rea§ao que noschamamos defesa contra as forces que vem de fora, tem se tornado sut'icientementedefinitiva. Este e, em nossa visao, o ponto principal da logica do nacionalismo (...) Nosestamos convencidos que o mais significative conteudo do nacionalismo e o que trataa polftica de industrializagao (...) Nos estamos convencidos que um conjunto deprinciples doutrinarios que em algum sentido governa as relagoes economicas nomundo sao, como o padrao ouro, um instrumento a service das economias dominantes(...) Organizacpes como o GATT usam esse conjunto de principles como base de suaspolfticas e acjoes em relagao aos membros- pafses, especialmente os subdesenvolvidos(...) Nos chegamos, desse modo, ao entendimento de que o nacionalismo e uma correntede pensamento unida ao desenvolvimento economico." Ver Ernane Galveas, "Nacio-nalismo e desenvolvimento economico", Revista Economica Brasileira.

23. Rene A. Dreifuss, A conquista do Estado....24. Lourdes Sola, "The Political and Ideological Constraints to Economic Mana-

gement in Brazil, 1945-1963", Tese de Doutorado, p.130-1.25. Lincoln Gordon, "United States Manufacturing Investment in Brazil: The

Impact of Brazilian Government Policies"; Dreifuss, A conquista do Estado..., docu-menta este processo de uma maneira crftica. Outras referencias a este ponto deveriamincluir Maria Vitoria Benevides, A UDN e o udenismo; Luciano Martins, Pouvoir etdeveloppement.... Uma lista de participantes na Missao Abbink e nas ComissoesConjuntas Brasil-EUA encontra-se em Pedro Malan et al., Politico economica externae industrializagdo no Brasil, 1939-1952; Pedro Lago, "A SUMOC como embriao doBanco Central: sua influencia na condugao da polftica economica, 1945-1965", Dis-sertaqao de Mestrado, detalha as atividades dos grupos de economistas que circulavamem torno de Gudin e Bulhoes desde a decada de 40; Maria Celina D'Araujo, O segundoGoverno Vargas, apresenta informa$6es sobre a "Assessoria Economica". Talvez a

MUDANQA DENTRO DA CONTINUIDADE 117

melhor e mais completa analise sobre o papel dos tecnicos, e da busca por estrategiasde desenvolvimento, encontra-se em Lourdes Sola, "The Political and the IdeologicalConstraint...".

26. Carlos Lessa, "Quinze anos de polftica economica", Cadernos do Instituto deFilosofia e Ciencias Humanas.

27. Desde 1952 varies ajustes fiscais foram feitos: elevagao dos impostos sobrecombustfveis, que provia recursos para pianos de estradas de ferro; o adicional sobreImposto de Renda promovia as bases para acria§ao do BNDE; e a re forma da substituigaoda Instrucjao 70 da SUMOC e a retomada pelo governo dos ganhos sobre importances.Para maiores detalhes ver Carlos Lessa, "Quinze anos..." e Lincoln Gordon, "UnitedStates Manufacturing Investment...".

28. A"Instru5ao 70"culminou com a luta entre a CEXIM e a SUMOC. O enorme deficitde 1952 tornou claro que o comando nas maos da CEXIM nao foi suficiente para controlaro fluxo de importances. Gordon sugere que a CEXIM era mais liberal (Luis SimoesLopes, o primeiro homem do DASP, era o diretor). A SUMOC queria controles maiseficientes - algo como a Lei 1807 aprovada pelo Congresso em 1952. Em outubro de1953 a Instru$ao 70 era questionada. Alguns autores insistem que a CEXIM naocontrolou o deficit devido a corrupgao. Fishlow concorda que a corrupgao existia.Entretanto, ele argumenta que a extensao, segundo a qual a CEXIM seria a unicaresponsavel pelo deficit, tem sido exagerada. Fishlow argumenta, ainda, que a extingaoda CEXIM e a criagao da CACEX era uma indicagao de que o governo queria frear acorrupijao. Ver Pedro Lago, "A SUMOC como embriao do Banco Central..."; AlbertFishlow, "Foreign Trade Regimes and Economic Development: Brazil", SpecialConference Series on Foreign Trade Regimes and Economic Development; CarlosManoel Pelaez, Historia da industrializagao brasileira: critica a teoria estruturalistano Brasil.

29. Segundo Sochaczewski, citado em Pedro Lago, "A SUMOC como embriao doBanco Central...", op. cit., p.126, os dados sao os seguintes:

us Dollars (em milhoes)

19521953

19541955

1956

Entrada

129104160163370

Saida

3346

134140

187

19571958

1959

1960

1961

Entrada

497501597485676

Saida

242324377451

353

30. Carlos Lessa, "Quinze anos...", op. cit., p.15.31. Malan et al., Politico economica externa..., op. cit., p.293-4.32. Pedro Malan, Regis Bonelli et al., "Crescimento economico, industrializacjio e

balango de pagamentos: o Brasil dos anos 70 aos anos 80".33. Kenneth Erickson, The Brazilian Corporate State and Working Class Politics.34. Lucia Lippi de Oliveira, "Partidos polfticos brasileiros: o Partido Social Demo-

cratico", Dissertacjao de Mestrado, p.59. Mesmo incompletos, como a propria autoraassinala, os dados indicam um modelo altamente sugestivo de distribuigao de minis-terios por partidos. (Ver Tabela 2 no capftulo 4.)

35. W.G. dos Santos, "Centraliza<jao burocratica e renovagao das elites", p.140.36. Ibid., p.142-3.

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118 A GRAM ATICA POLITICA DO BRASIL

37. Rogerio Feital Pinto, "The Political Ecology of the Brazilian National Bank forDevelopment (BNDE)"; Celso Lafer, "The Planning Process and the Political System inBrazil: A Study of Kubitschek's Target Plan, 1956-1961".

38. "Se se examinar o governo Kubitschek, que e o ponto alto do processo desubstitute de importances e, por esta razao, pode ser visto como paradigmatico daspotencialidades da Republica Populista, chega-se a conclusao de que o Programa deMetas pode ser implementado, do ponto de vista administrativo, gragas ao uso que ogoverno fez de orgaos como o BNDE, o Banco do Brasil, a SUMOC—onde a diluiqao dosistema de merito nao tinha ocorrido - ou entao de novos orgaos, como por exemploos Grupos Executivos, para os quais se drenou, atraves da requisite, a competenciadisponivel no servic.o publico. Estes orgaos, que em conjunto se transformaram numa'administragao paralela', tiveram sucesso, conforme tentei demonstrarcom algum rigoranalitico em outras oportunidades, dada a sua situacjio e'strategica na manipulate dosincentives e instrumentos instituidos ou empregados pelo Programa de Metas, queampliou a racionalidade das experiencias anteriores do Estado no controle da econo-mia." Cf. Celso Lafer, O sistema politico brasileiro, p.67.

39. Ver Carlos Lessa, "Quinze anos...", passim, para o papel da infla§ao comorecurso economico. Ver tambem Albert Hirschman, Journeys Toward Progress, paraum argumento mais geral sobre o papel da inflacjio no piano de desenvolvimento.

40. Celso Lafer, "The Planning...", op. cit., p.117.41. Paulo Roberto Motta, "O grupo executivo como instrumento administrativo de

implementac.ao economica".42. Resenha do Governo do Presidents Juscelino Kubitschek..., tomo II, p.19.43. Bergsman, p.82.44. Maria Vitoria Benevides, O governo Kubitschek, p.229.45. As fontes usadas para as atividades do Geicom sao do arquivo do "Sindicato da

Industrie Naval" e do "Servic,o de Documentac.ao, Comissao da Marinha Mercante".Ver "Analises e perspectivas da industria naval" e "Grupo executivo da industria daconstrugao naval, um piano em marcha"; e "Sfntese cronologica do Governo Kubit-schek", Servigo de Documentac.ao da Presidencia da Republica.

46. Carlos Verfssimo Amaral, "As controvertidas nomeagoes para a PrevidenciaSocial em 1963: um estudo de caso", in Carlos V. Amaral e Kleber Nascimento,"Polftica de administraqao pessoal: estudos de dois casos", CadernosdeAdministragaoPublica; Lawrence Graham, "Civil Service Reform in Brazil: Principles versus Prac-tice", Latin American Monographs, p.284.

Adespeito das tentativas, durante anos, de reforma do servicp publico e da retoricamoralizadora de muitos governantes, somente 12% dos empregados de todo o servicepublico tinham sido admitidos sob as bases do merito no final da decada de 50. Segundoo Censo dos Servidores Publicos de 1966, somente 12,93% dos servidores tinham sidoadmitidos, ate 1966, sob as bases do merito. Cf. Alexandre Barros, "O Estado car-torial...", Tese de Mestrado; Celso Lafer, O sistema politico brasileiro, p.39; GilbertSiegel, "The Vicissitudes of Governmental Reform in Brazil: A Study of the DASP",Tese de Doutorado; Lawrence Graham, "Civil Service Reform in Brazil...", Latin

American Monographs.

CONCLUSAO

O SISTEMA EM QUESTAO: CONTINUIDADE,E PERSPECTIVAS

A agenda de problemas a serem enfrentados pelos paises de indus-trializacao tardia e, em muitos pontos, conhecida por eles atraves doexemplo dos paises mais desenvolvidos. Entretanto, os caminhos quelevam ao cumprimento da agenda sao tortuosos e precariamente mapea-dos: sao largamente desconhecidos e dependem da capacidade de produzir,ao mesmo tempo, coalizoes polftica's congruentes com os objetivos desen-volvimentistas, criar mecanismos para a incorporacao da popula$ao acomunidade politica e construir instituigoes adequadas.

Por oposigao aos paises que se industrializaram mais cedo, as ins-tituigoes formais dos recem-chegados estao sob pressao permanente, nummundo em que as conquistas dos paises mais avangados tendem a serpercebidas como o exemplo a ser seguido: "Uma vez iniciada a indus-trializa$ao, outras economias tornaram-se atrasadas. Uma vezproclamadaa ideia de igualdade perante um publico cada vez mais ample, a desigual-dade transformou-se numa carga pesada demais".1

Sob tais circunstancias, as instituigoes sao forgadas a participar daesfera produtiva e, ao mesmo tempo, expandir seu papel regulador naeconomia e nas relacjoes sindicais, e a definir direitos a participagaopolftica, supervisionar e criar organismo de bem-estar social, saude, edu-cagao e outras fung5es similares.

No contexto brasileiro, a percepgao desses desafios tem estado presentenos ultimos 50 anos. Nas palavras do Capitao Frederico Cristiano Buys,um dos participantes da Revolu§ao de 30, a construgao de uma nova ordemno Brasil iria requerer a canibalizagao de governantes e instituigoes ante-riores: "Vamos come-los. Devemos ser rudes como verdadeiros cani-bais."2 Como vimos nos capitulos anteriores, a canibalizagao da ordem

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120 A GRAMATICA POIJT1CA DO BRASIL

tradicional nao foi completa, ela jamais foi totalmente digerida. As novasinstituiqoes misturaram-se com as antigas, ao inves de substitui-las.

A despeito da progressiva institucionalizacjao das quatro gramaticasaqui analisadas, e ao mesmo tempo que muitos cientistas socials argumen-tavam que padroes diferentes de relaqoes socials sao elaboradamenteentrelacjados, politicos, tecnocratas e elites reformistas tern operado fre-quentemente com um modelo dicotomico, quando tentam modernizar opais. A mentalidade dualista dos reformadores desempenhou um impor-tante papel no estimulo a evolucjao das gramaticas.

Os criadores das burocracias insuladas, igualmente escravizados pelapercepgao da dualidade, trabalharam para criar no Brasil uma sociedademoderna que pudesse fugir precisamente dos constrangimentos criadospela ordem tradicional. O Brasil moderno teria de ser um pals industrial.Mas teria tambem de ser um pais onde reinasse a justiga publica, conformeo sonho dos tenentes de 30, da UDN por um curto periodo e dos militarese tecnocratas desenvolvimentistas da decada de 50.

As elites modernizantes freqiientemente encaravam o Congresso, ospoliticos e os partidos como obstaculos ao progresso. Esta perseguicjao foiforte na decada de 30, no inicio dos anos 50 e novamente apos o golpemilitar de 1964. 0 objetivo de superar a fragmentagao da politica tradicio-nal justificou a cria5ao de instituigoes corporativas nos anos 30. Astentativas de escapar a natureza clientelista do Congresso e dos partidospolfticos levou a institucionalizagao das burocracias insuladas na decadade 50. O objetivo de escapar a natureza esquerdista, populista, clientelistae corrupta dos partidos polfticos conduziu ao aprofundamento do insula-mento burocratico e ao banimento e a cassagao de direitos civis dospoliticos profissionais depois de 1964.

Se e impossfvel dizer que o clientelismo foi desalojado, e igualmenteimpossfvel afirmar que ele constitui a gramatica dominante a ligar o Estadoa sociedade no Brasil contemporaneo. O quadro e mais complexo, asquatro gramaticas possuem uma logica contextual.

INTERACAO ENTRE AS GRAMATICAS

As separatees que entrecruzam a formagao social brasileira sao verticalse horizontais. A integrate e conseguida atraves de uma combinacjiosincretica de tracjos aparentemente contraditorios, pertencentes as grama-ticas do clientelismo, do insulamento burocratico, do corporativismo e douniversalismo de procedimentos. Estes elementos permeiam a sociedadede alto a baixo, e estao simultaneamente presentes nas instituigoes formais.

CONCLUSAO 121

Representam gramaticas possfveis que podem ser colocadas em uso atepelo mesmo ator em diferentes contextos.

Os politicos, por exemplo, usam tanto a linguagem do clientelismo quantoa do universalismo, mas jamais endossam, mesmo retoricamente, a logica doinsulamento burocratico. Tecnocratas e militares empregam igualmente alinguagem do universalismo e a da "competencia tecnica", mas nunca a doclientelismo. Grupos de interesse das classes medias tendem a utilizar apenasa linguagem do universalismo, rejeitando tanto o clientelismo como o insu-lamento burocratico, por considera-los nao-democraticos.

Nao obstante, dependendo do contexto todos os atores podem utilizarestrategias que contradizem sua retorica publica. Polfticos podem manter-se fieis a logica do clientelismo e podem estabelecer coalizoes com aburocracia insulada, com o objetivo de obter lucres para si proprios oupara seus eleitores. Tecnocratas e militares podem utilizar o clientelismoe as redes pessoais, quando se trata de ampliar seus poderes e de criar maisespagos para seus acolitos. Grupos de pressao das classes medias farao usoda autoridade pessoal, da hierarquia, do "jeitinho" e do clientelismo paraatingir seus objetivos. Isto e possfvel apenas porque as quatro gramaticasestao sempre disponfveis, possuem expressao institucional em todas asinstancias e sao bastante conhecidas pelos atores sociais que podemtransitar de uma gramatica para outra, dependendo do contexto.

O novo -sindicalismo, por exemplo, tal como se desenvolveu em SaoPaulo, tentou expandir sua forga e seus ganhos politicos dissociando suasdemandas das estruturas corporativas do Estado e buscando espagos maissolidos para negociar diretamente com o capital. Fazendo isto, o novosindicalismo tentou fugir a "cidadania regulada" das leis trabalhistas eredefinir esta cidadania no ambito da logica universalista do mercado.

Entretanto, este novo sindicalismo e apenas uma fragao do sindicalismono Brasil (ainda que a mais significativa), e muitos sindicatos aindabuscam protecjao sob o guarda-chuva conservador das disposigoes corpo-rativas, o que contradiz a tendencia universalista do movimento. Natentativa de escapar ao corporativismo, o sindicalismo moderno, numdesenvolvimento paralelo, tambem tentou criar um partido politico, oPartido dos Trabalhadores (PT), que tinha como objetivo construir umaoposigao verdadeira e sem compromissos com a cidadania regulada estatalem todos os nfveis. Mas, a medida em que o partido passava a existir, umnovo conjunto de obstaculos emergiu: o sistema partidario absolutamentenao opera na base do universalismo de procedimentos. Este fato compeliuo PT a assumir certos compromissos para poder sobreviver e competir porescasso sucesso eleitoral.

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122 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

Apesar de estarem aparentemente abertas a negociagao fora da esferado corporativismo, muitas empresas enfrentaram a oposigao de outras, depoliticos e de governo. Os politicos argumentavam que sem as normascorporativas que garantiam os direitos basicos dos trabalhadores, muitasempresas iriam dominar e superexplorar os trabalhadores mais fracos etradicionais. Em linha com este argumento, ja se disse que os traba-lhadores, assim como outros habitantes das periferias pobres de Sao Paulo,realmente acreditam que esses direitos Ihes foram dados por GetulioVargas antes de seu suicidio, em 1954. Uma outra versao mitica da genesedos direitos civis dos trabalhadores diz que Getulio "deixou" todos essesdireitos na gaveta de sua mesa de trabalho, e estes direitos foram encon-trados e publicados apos sua morte.3

Atualmente o corporativismo emprega comandos universais e organizahorizontalmente varias instancias de unidades socials; o clientelismopermeia muitas instituigoes, fornece uma gramatica compreensivel para osistema de relagoes sociais e politicas, atravessa distingoes de classe eorganiza verticalmente a sociedade.

O universalismo de procedimentos confere uma aura de modernidadee de legalidade publica ao sistema politico e as instituigoes formais;representa a retorica dos intelectuais e jornalistas; e ainda confere legiti-midade a varies movimentos sociais de classe media.

O insulamento burocratico e uma forma de evitar o controle e oescrutmio publicos sobre as atividades do Estado; uma forma de perseguira eficiencia economica, o desenvolvimento e a privatizagao seletiva dasbenesses que provem do controle de parcelas substanciais do aparelhoprodutivo do Estado.

Agora ja epossivel retornar a ilustragao de como atores sociais relacio-nam-se com as varias gramaticas. O estudo de Teresa Caldeira sobre aperiferia industrial de Sao Paulo mostra que, apesar de entender o corpo-rativismo como crucial para a definigao de seus direitos civis, os traba-lhadores valorizam os politicos clientelistas principalmente porque estesencaram os trabalhadores como "povo real".4 Assim, dao seus votos a estespoliticos. Dentre os partidos de oposigao, preferem votar num candidatecom quern tenham lagos pessoais e que Ihes tenha feito um favor nopassado. Sao situagoes nas quais a gramatica clientelista e utilizada paramanter os dispositivos corporativistas, isto e, os direitos de cidadania, osdireitos de serem percebidos como "populagao real".

Quando um conflito cai num espago regulado por regras corporativas,mas os atores diretamente envolvidos desejam resolver a base de livrenegociagao no mercado — como durante as greves salariais em Sao Paulo,

CONCLUSAO 123

no final dos anos 70, quando o trabalho e o capital iniciaram um processodireto de negociagao salarial — o Estado pode intervir para regular oassunto e garantir a validade das instituigoes corporativas. Neste casoespecifico, utilizando dispositivos trabalhistas perfeitamente legais, ogoverno declarou a ilegalidade da greve liderada pelo novo sindicalismoe afastou seus principals h'deres da direcao do sindicato, a fim de enfra-quecer o movimento. Em situagoes como estas, ate mesmo empresariosque pretendam guiar-se pelas leis do mercado podem apoiar o controleestatal sobre a forga de trabalho.

A tentativa do novo sindicalismo de criar um partido politico indepen-dente e inovador e que fosse largamente baseado no universalismo deprocedimentos e na busca de uma "cidadania desregulada" abandonou esteprocedimento, porque o corporativismo e ainda considerado crucial pormuitos trabalhadores e por causa da necessidade de se adaptar a naturezapersonalista e clientelista do sistema politico."Em resume, o anti-es-tatismo e a desconfianga no sistema politico, a busca de autonomia, deafirmagao de classe e de uma democracia participativa contribuiram paraa estrategia politica que, nao obstante, entrou freqiientemente em conflitocom estes mesmos objetivos."5

Os acordos nucleares assinados entre o Brasil e a Alemanha, na epocaOcidental, e eventos relacionados com politicas de ciencia e tecnologiaapontam para um conjunto diferente de interse§5es. Nestes casos, politicasiniciadas no dominio do insulamento burocratico foram contestadas porgrupos que lutavam pelo universalismo; as tensoes aumentaram e assolugoes dependeram da forga relativa dos lados envolvidos.

O acordo nuclear pretendia dar ao Brasil controle sobre o ciclo nuclearcomplete. A comunidade cientifica protestou contra o segredo no qual foidecidido o acordo e contra a falta de consulta a especialistas ou aoCongresso. O Executive e o Ministerio das Relagoes Exteriores contra-ar-gumentaram que o sigilo era crucial para evitar a intervengao americanano processo. Os cientistas, por seu lado, revidaram, afirmando que o sigilolevou ao investimento de bilhoes de dolares numa tecnologia que naoestava totalmente controlada pelos alemaes. Cidadaos e politicos preocu-pados declararam ainda que um programa daquela magnitude e de amplasimplicates nao podia ter sido decidido em segredo. 0 insulamentoburocratico prevaleceu, o programa foi deslanchado e fracassou por muitasdas razoes citadas acima.

Numa reivindicagao separada, os cientistas protestaram tambem contraa interferencia do SNI no processo de concessao de bolsas de estudo poragendas como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e

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124 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

Tecnologico (CNpq). O argumento dos cientistas era o de que bolsas deestudo e de pesquisa deveriam ser concedidas pelas agendas federalsapenas com base em universalismo de procedimentos, e isto so poderia serconseguido atraves de uma avaliagao criteriosa das solicitacoes. 0 sistemaentao vigente era hibrido: a avaliafao era feita, mas o SNi investigava onome dos bolsistas, baseados em "razoes de seguran9a nacional". Oresultado foi que cientistas obtinham bolsas de estudos ou de pesquisa nasvarias agendas federals, apenas para ve-las negadas pelos servifos deinformacao, sob alega9ao de atividades suspeitas ou subversivas.

Ambos os casos refletem as tensoes entre o universalismo de procedi-mentos e o insulamento burocratico. Nos dois casos muitas associates deprofissionais e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciencia (SBPC)protestaram em encontros publicos e atraves da imprensa. No caso doprograma nuclear, o Executive manteve o acordo porque ele era crucialpor razoes de segurar^a e tambem porque um acordo com a Alemanharepresentava um meio de contornar as pressoes americanas a favor de umcontrole maior sobre materials nucleares e sobre as restrifoes a transferen-cia de tecnologia.

No caso da interferencia do SNI no processo de pedidos de bolsas, acomunidade cientifica saiu vitoriosa, e "razoes de seguran9a nacional" naoinfluenciam mais aconcessao de ajudafinanceira apessoas ou instituigoes.Hoje, o criterio do merito e o que prevalece. Isto quase deve ser enf atizado:o universalismo de procedimentos dos cientistas nao elimina conside-ragoes administrativas clientelistas na concessao de bolsas. As decisoesclientelistas nao sao tomadas pelos cientistas que trabalham como consul-tores e participam dos comites de avalia9ao, mas pelos administradoresdas organiza9oes, em razao de seus lacos com o mundo politico ou cominteresses regionais. Nestes casos, a administra9ao concede bolsas emresposta a solicita9oes especiais dejcninistros ou de agentes poderosos. Ouniversalismo de procedimentos defendido pela comunidade cientificavenceu a interferencia do SNI, mas nao foi suficientemente poderosa paraacabar com o clientelismo, que e igualmente considerado indesejavel.

Um exemplo final das complica9oes envolvidas na intera9ao das gra-maticas e fornecido pelos seguintes acontecimentos: a lei de reserva demercado para a industria de informatica, votada pelo Congresso emoutubro de 1984. O projeto foi enviado pelo Executive em regime deurgencia, o que significa que, de acordo com a heran9a legal do autorita-rismo, o Congresso so dispunha de 90 dias para apreciar e votar a materia.O projeto possufa uma clara inspira9ao militar, reservando as For9asArmadas o controle sobre a industria de informatica; alem disso, benefi-

CONCLUSAO 125

ciava diretamente aquelas industrias nacionais ja instaladas e conferia aogoverno o poder de definir quern poderia participar da produ^ao decomputadores e componentes. Assim procedendo, este projeto solicitavaaprova^ao do Congresso para o insulamento burocratico.

O Legislative alterou alguns termos basicos do projeto ao retirar dasForcjas Armadas o controle direto sobre a industria e ao criar um novoorganismo corporative, o Conselho Nacional de Informatica e Automatic(CONIN), ligado diretamente a Presidencia da Republica. "O Conselho com18 membros, incluira oito membros nao pertencentes do governo, repre-sentantes dos empresarios inclusive, e seus pianos trienais deverao seraprovados pelo Congresso."6

O projeto-de-lei obteve enorme apoio do Congresso, dado seu caraternacionalista, e reconciliou os interesses dos militares com os dos setoresde esquerda. Um antigo membro da SUMOC, o atual deputado RobertoCampos, foi a unica voz a discordar da lei, baseado no universalismo deprocedimentos das leis do mercado.

O quadro seguinte retrata tipos possiveis de combinagoes das quatrogramaticas no contexto das rela$6es Estado-sociedade. Agendas de Es-tado e politicas podem ser reguladas por quatro diferentes conjuntos deregras (normas) legalmente impostas ou institucionalizadas. O comporta-mento dos atores sociais pode tambem ser organizado segundo quatrodiferentes e significativas gramaticas. A intersecgao diagonal do quadromarca os pontos de congruencia e compatibilidade. Todas as outraspossiveis combina^Ses expressam simultaneamente tensoes e requeremcomplementariedades, podendo dar origem a acomodagao, sincretismo ouconflito. E necessario ter em mente que as quatro gramaticas operamsimultaneamente. Alguns grupos ou agendas podem ser mais claramenteaprisionados em um dos possiveis conjuntos de normas ou em umagramatica. Alguns outros podem ser capazes de mudar de um para outroconjunto de acordo com as circunstancias. De qualquer modo, todos osquatro conjuntos de normas ou de gramaticas tern sido traduzidos eminstituigoes formais e/ou em codigos legais que garantem sua coexistenciano Brasil.

UMA VISAO DA ABERTURA POUTICA

Os dados apresentados neste livro contribuem para o argumento de que nointerior do atual modelo de desenvolvimento capitalista e do atual regimepolitico mais ou menos liberal vigente no Brasil, as quatro gramaticas para

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126 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL CONCLUSAO 127

QUADRO 8Brasil: Compatibilidade das Relates entre Gramaticas na

Interagao Estado vs. SociedadeAgendas de Estado e Regulagoes

Clientelismo e Universalismo Corpora- InsulamentoPersonalismo de Procedimentos tivismo Burocratico

ATORES SOCIAIS

Clientelismo ePersonalismo

Universalismo deProcedimentos

Corporativismo

InsulamentoBurocratico

+

+

+

+

o comportamento social e institucional desempenham um importantepapel, embora em arenas distintas de polfticas publicas.

E curioso que os periodos politicamente mais tensos do Brasil contem-poraneo tenham sido aqueles em que o equilibrio entre as gramaticasesteve comprometido por governos que enfatizaram uma ou duas grama-ticas particulares. Como vimos no capitulo 3, durante a ditadura de GetulioVargas prevaleceram o corporativismo e o insulamento burocratico. Ocapitulo 4 mostrou que durante o govemo Joao Goulart o clientelismodesempenhou um papel crucial. Ao longo da ditadura militar no inicio dosanos 70 predominou o insulamento burocratico.

Em todos esses periodos uma ou duas gramaticas foram refor9adas,enquanto as outras foram seriamente negligenciadas. Nao e menos curiosoque o periodo de melhor desempenho em termos de liberdades democra-ticas, estabilidade e desenvolvimento economico—o governo Kubitschek— tenha sido um periodo no qual o clientelismo, o insulamento burocra-tico, o corporativismo e o universalismo de procedimentos foram combi-nados com grande sucesso como nos mostrou o capitulo 5.

A enfase excessiva em uma ou duas gramaticas especificas em detri-mento de outras teve o efeito de criar obstaculos nas comunicagoes entreo Estado e a sociedade, ao quebrar alguns dos lagos que ligavam certosgrupos de interesse ao Estado. A rejeigao de Goulart ao insulamentoburocratico, e aos aneis burocraticos que o acompanham, alienou umaconsideravel parcela dos tecnocratas do Estado e importantes setores do

empresariado em relagao ao processo de formulagao de politicas. Estesrepresentaram, juntamente com os militares, precisamente os setores queapoiaram o golpe militar desde o inicio e ajudaram a planejar a "reconquis-ta do Estado", 1964.7 Nos 20 anos anteriores a 1964 foram criadas 16agendas para a representagao corporativa dos interesses empresariaisjunto ao Estado, enquanto nos cinco primeiros anos do regime militar 24novos conselhos e agendas corporativas foram criados, estreitando os\aqos entre o Estado e o empresariado.8

Ao lado da enfase no corporativismo societal, o regime militar desen-cadeou um crescimento sem precedentes do insulamento burocratico. Semcontar universidade e agendas ligadas ao Ministerio do Trabalho, foramcriadas 124 agendas ou empresas autonomas entre 1964 e 1977, emcontraste com as quase 99 agendas autonomas criadas entre 1930 e 1964.9

A autonomia aumentou depois de 1964 por causa da reforma adminis-trativa e tambem tendo em vista que o governo militar nao estava cons-trangido pelo controle publico. O insulamento burocratico pos-64 foicombinado com o corporativismo societal, para efeito dos vinculos como empresariado, e com o corporativismo estatal, para efeito da repressaoao movimento sindical.

O universalismo de procedimentos foi desestimulado no ambito domacrossistema, mas mantido para o recrutamento de pessoal para muitasagendas (mantido, entretanto, o requisite do "certificado ideologico" emmuitos casos). O clientelismo foi desprezado na esfera nacional, maspermaneceu forte em algumas agendas no ambito dos estados. Ao inten-sificar o insulamento burocratico, o corporativismo social e a face repres-siva do corporativismo estatal, o regime militar pos-64 rornpeu seusvinculos com muitos atores sociais. A ordem dos advogados do Brasil(OAB), em defesa do universalismo de procedimentos e do controle publi-co, tornou-se um formidavel inimigo do governo militar, assim como feza comunidade cientifica.

Ja as classes mais baixas perceberam que o regime era mau, negava osdireitos civis, isto e, negava o lado nao-repressivo do corporativismo deEstado.10 A busca pelo regime de uma racionalizagao da res publicaconduziu a cheques com a classe politica e a incapacidade do regime dese legitimar atraves do voto popular. A falta de controle publico queacompanhou a intensificagao do insulamento burocratico gerou a impuni-dade e a corrupqjao em larga escala. Tudo isto, aliado a incapacidade delidar com a recessao economica e de se preocupar com a sorte das camadasmedias e baixas, contribuiu fortemente para a desmoralizagao do regimepos-64.

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128 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL

Nessa perspectiva, o retorno parcial da combinac,ao das quatro grama-ticas na atual experiencia de transic,ao democratica desde 1984 e es-pecialmente intrigante. Embora este livro fac.a referencias a acontecimen-tos mais recentes, sua pesquisa basica cobre o perfodo entre 1930 e o fimdo governo Kubitschek, em 1960. Entretanto, estou convencido de que omodelo aqui proposto pode ser aplicado ao periodo mais recente doautoritarismo militar. Pode contribuir tambem para a compreensao dascomplicates envolvidas na transic,ao para a democracia que ocorreu naprimeira metade da decada de 80, fornecendo uma base para a comparagaohistorica entre 1945 e 1984.

Tendo em vista que muitas regras e agendas criadas no passadopermanecem vigorando, incluindo as criadas pelo regime pos-64 — sendoas varias agendas estatais autonomas com seu potencial para o insulamen-to burocratico as mais dignas de registro —, a transigao politica levantoumuitas questoes, algumas delas similares as levantadas pelas mudanc.as deregime ocorridas em 1930,1937 e 1945, outras sendo mais comparaveisa 1945, porque se trata da unica outra transi$ao para a democracia.

Tal como em 1930, o Brasil de 1984 teve de enfrentar severos obs-taculos internacionais. Tal como em 1945, o Brasil da decada de 80 teveque enfrentar o desafio de criar um sistema partidario forte e representativee um Congresso forte. Tal como em 1964, o Brasil teve de enfrentar umaprofunda crise economica e uma insatisfagao popular. Num certo sentido,a transiqao dos anos 80, contem, em si propria — magnificada pela escalado pais —, um pouco de todas as crises e transigoes passadas.

Do ponto de vista do modelo interpretative proposto neste livro, variasquestoes poderiam ser respondidas em futures trabalhos. As centrais sereferem a como as gramaticas serao utilizadas em futures governos. Osgrandes malabaristas do passado, Getulio e Juscelino, mantiveram osistema em certo equilibrio. Entretanto, nos dias de hoje, ele adquiriu novase variadas formas: embora enfraquecido pelos varios cases de corrupcjao,o potencial para o insulamento burocratico continua forte como sempre;como nunca anteriormente, ha uma parte substantiva e visivel do movi-mento sindical buscando alternativas fora do dommio do corporativismo;e um potencial "constituency for universalism" pode estar baseado nosvarios movimentos socials, tanto quanto nas associates profissionais ecientfficas.

Tal como vimos no capitulo 3, transic,6es sao cruciais para definir ascaracteristicas dos partidos polfticos. Os tipos de partidos que emergiramcom a transigao, e sua interagao com as quatro gramaticas, vem sendocruciais para determinar a taxa de clientelismo e de universalismo de

CONCLUSAO 129

procedimentos existentes. A forma pela qual os partidos utilizam a mobi-lizagao de apoio, interna ou externa, determina largamente as escolhasdisponiveis. Em 1945 a transigao terminou sendo fortemente controladapelos "de dentro": quanto disto acontecera, ou ja esta acontecendo?

Agora chegou a hora de as elites reformistas preocupadas com agovernabilidade e a lisura reconhecerem que quatro importantes gramati-cas — lagos para as relaqoes entre Estado e sociedade — estao elaborada-mente interligadas no Brasil e que uma abordagem dualista tradicional naosera suficiente e nao respondera a todas as questoes importantes. Esperoque o modelo esbogado neste livro seja util para a exploraqao destasquestoes.

NOTAS

1. Reinhard Bendix, Nation-Building and Citizenship, p. 115.2. Citado em Helena M.B. Bomeny, "A estrategia de conciliajao: Minas Gerais e

a abertura polftica dos anos 30", in Angela M.C. Gomes (org.), Regionalismo ecentralizagao politica: partidos e Constituinte nos anos 30, p.145.

3. Lygia Sigaud, citada em Teresa Caldeira, A politica dos outros: o cotldiano dosmoradores da periferia e o que pensam dos outros e dos poderosos, p.226.

4. Tereza Caldeira, op. cit.5. Maria Hermmia Tavares de Almeida e Bernardo Sorj, Sociedade e politica no

Brasil pos-64.6. New York Times. 10.08.1984.7. Rene Armand Dreifuss,/\ conquista do Estado: agao, poder, politica e golpe de

classe.8. Cesar Guimaraes et al., "Expansao do Estado e intermediaijao de interesses no

Brasil", Relatorio de Pesquisa, p.112 e seg.9. Edson O. Nunes e Barbara Geddes, "Dilemas of State-Led Modernization",

Berkeley-Stanford Joint Center for Latin American Studies; Cadastro das empresasestatais-19S2, Presidencia da Repiiblica.

10. Teresa Caldeira, A politico dos outros...

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ANEXO*

1930

• Lei ns 19398 que institui o governo provisorio dos Estados Unidos doBrasil, em 11 de novembro de 1930, permite ao executive legislar.

• Monopolio do Cambio de Moedas Estrangeiras pelo Banco do Brasil.• Criagao do Ministerio do Trabalho, Industria e Comercio.• Criacao do Ministerio da Educagao e Saiide.• Criagao do Departamento de Propaganda: Reformado em 1934 e 1939

(Decreto-lei de 1915), quando foi transformado no Departamento deImprensa e Propaganda (DIP).

1931

• Conselho Nacional do Cafe.• Comissao de Estudo da Economia e Finances dos Estados e Municipios.• Comissao para Centralizacao de Compras: criada para centralizar e

racionalizar a compra de materiais e suprimentos pelas agendas estatais.• Comissao Legislativa: criada para o estudo e proposigao de modifi-

cagoes nos codigos legais.• Departamento Nacional de Estatistica, transformado no Instituto Brasi-

leiro de Geografia e Estatistica em 1936 (Decreto-lei n9 1200).• Codigo dos Interventores (Decreto-lei ne 20348).

*As fontes que originaram esta lista sao variadas e incluem os relatorios do DASP paravarios anos, o Didrio Oficial e diversas obras citadas na bibliografia.

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132 A GRAMATICA POLITICADO BRASIL

1932

• Caixa de Mobilizagao Bancaria (CAMOB).• Institute de Prote$ao ao Cacau.

1933

• Departamento de Produgao Mineral.• Departamento de Cacja e Pesca.• Institute de Aposentadoria e Pensao dos Maritimos.• Institute do Agucar e do Alcool.• Lei do Reajuste Economico (Decreto-lei nQ 25533), que reduziu em 50%

os debitos dos agricultores com os bancos e emitiu bonus federais comogarantia de pagamento aos devedores inadimplentes.

1934

• Institute de Aposentadoria e Pensao dos Bancarios.• Comissao dos Similares.• Codigos de Minas.• Conselho Federal de Comercio Exterior.• Conselho Tecnico de Economia e Finances.

1935

• Lei de Seguranga Nacional (de 38 de abril de 1935).• Institute de Aposentadoria e Pensao dos Comerciarios.• Carteira de Redescontos do Banco do Brasil: para revisar as operacoes

de teto da carteira de credito, e facilitar o acesso ao redesconto para aindustria e o comercio.

1936

Comissao de Eficiencia.Conselho Federal de Services Publicos.Lei de Reajuste (Servi§o Civil). Estabelecimento de exames publicos etestes de competencia para emprego no servigo publico (Lei ns 284); aLei ns 183 de 1936, havia previamente estabelecido parametros paraclassificac,ao e promo^ao no servigo publico.Institute Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE).

ANEXO 133

1937

• Carteira de Credito Industrial e Agricola, Banco do Brasil (CREAI), Lein2 454.

• Conselho Tecnico de Economia e Finan9as.• Lei abolindo todos os partidos pollticos, Decreto-lei ns 37, Decreto nB

2, 1937.

1938

• Conselho Nacional de Colonizacao e Imigra9ao.• Conselho Nacional do Petroleo.• DASP.• Institute de Aposentadoria e Pensionistas do Setor Publico (IPASE).• Institute dos Aposentados e Pensionistas do Transporte de Carga

(IAPTEC).• Reforma da Imprensa Nacional.• Reorganizafao do Instituto Nacional de Tecnologia.

1939

Comissao para a Defesa da Economia Nacional (esforgo de guerra).Comissao Nacional do "Gasogenio".Conselho Nacional de Aguas e Energia Eletrica.Instituto Brasileiro de Resseguro.Piano para os Funcionarios Publicos e Defesa Nacional.Departamento de Imprensa e Propaganda (Decreto-lei ns 1915).

1940

• Instituto para a Defesa do Sal.• Comissao de Siderurgia.• Departamento Nacional de Obras Publicas e Saneamento (DNOS).

1941

• Carteira de Importagao e Exportagao do Banco do Brasil (CEXIM).• Companhia Siderurgica Nacional.• Comissao de Combustfvel e Oleos Lubrificantes.

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134 A GRAMATICA POUTICA DO BRASIL

Comissao da Marinha Mercante.Companhia das Docas da Bahia.

i Departamento Nacional Ferroviario e Conselho National Ferroviario.i Institute de Defesa dos Pinheiros.

do Ministerio da Aeronautica.

1942

Banco da Amazonia.Banco de Credito da Borracha.Companhia Vale do Rio Doce.Comissao Executiva para a Industria Fruticultora.Comissao Executiva para a Industria da Mandioca.Comissao Executiva da Pesca.Coordenacao da Mobiliza9ao Economica (substitufda pela Comissao deDefesa da Economia Nacional).Fundafao de Saude Publica.Legiao Brasileira de Assistencia (LBA).

1943

Companhia de A9O e Ferro Vitoria.Companhia Nacional de Alcalis.Conselho Nacional de Polltica Industrial e Comercial.Fabrica Nacional de Motores,Comissao de Financiamento da Produ£ao.Fundagao Cristo Redentor.Servi9O de Navegagao da Bacia do Prata.Consolidacao das Leis Trabalhistas, CLT (Codigo do Trabalhador).

1944

• Companhia Itabira de Produtores de A?o.• Comissao de Planejamento Economico.• Conselho Nacional de Polltica Industrial.• Piano Nacional de Estradas e Rodovias.

1945

Companhia Hidroeletrica de Sao Francisco.Superintendencia de Moeda e Credito (SUMOC).

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