Palestra: Fisco Digital - uma visão empreendedora - Barra do Garças/MT
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Às horas de maior calor, algumas garças não resistem e refrescam-se em lagoas do Parque Nacional Marinho João Vieira e Poilão. As zonas húmidas desta área protegida são vitais para a saúde çio ecossistema.
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Entre 88 ilhas e ilhéus, a biodiversidade do arquipélago de Bijagós permanece parcialmente escondida. Nos'últimos
cinco,anos, investigadores locais e 6olegas éstrangeiros têm estudado o
que as aves têm para contar.
As aves no paraíso
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Texto de Gonçalo Pereira Rosa Fotografias de Pedro Narra
N. ão há números absolutos
quando se discute a biodiver-sidade da Guiné-Bissau ou a do arquipélago de Bijagós, que comemorou no ano pas-sado o vigésimo aniversário de classificação pelaUNESCO
como Reserva da Biosfera. Mas há indicadores animadores. E, sobretudo, há histórias que só po-deriam ter acontecido aqui - com tudo o que isso implica de paixão, responsabilidade ambiental e esperança. Comecemos pela história do Bananas.
No início de 2014, Manjaco, um colaborador do Parque Nacional Marinho João Vieira e Poilão (PNMJVP), trepou a uma árvore alta com algu-ma apreensão. Ele e os biólogos no solo temiam o. pior: um dos ninhos instalados entre os ramos parecia manipulado e, efectivamente, depois de vistoriado, verificou-se que a cria de papagaio-de--timneh desaparecera. Esta espécie, recentemente separada pelos especialistas do papagaio-cinzento mais comum, tem na ilha de João Vieira um dos escassos territórios identificados como local de re-produção. No âmbito de um apaixonante projecto de conservação do Instituto de Biodiversidade e Áreas Protegidas (IBAP) da Guiné-Bissau, de cien-tistas portugueses do ISPA - Instituto Universitário e do World Parrot Trust, a espécie está a ser pela primeira vez monitorizada cientificamente. Ni-nhos artificiais foram igualmente criados e, com extraordinário simbolismo, antigos caçadores furti-vos foram recrutados para esforços de conservação. Agora, porém, existia um problema - a predação de ninhos regressara.
Os funcionários do parque promoveram de ime-diato reuniões com líderes das comunidades bija-gós. "Essas reuniões desencadearam uma série de acontecimentos inesperados que levaram à recupe-ração da cria de papagaio", conta Mohamed Henri-ques, um biólogo guineense apaixonado por aves,
às quais dedicou a investigação do seu mestrado. Cinco dias depois da detecção do roubo do papa-gaio, a cria foi devolvida anonimamente - numa caixa de cartão abandonada numa palmeira. Vigi-lantes, biólogos e curiosos tiveram de aprender de repente cuidados básicos para papagaios. Alimen-taram a cria com amendoins torrados previamente mastigados pelos membros da equipa, arroz cozido com óleo de palma e bananas, fruto que a ave mos-trou adorar e que lhe valeu rapidamente a alcunha.
Bananas recuperou e, cerca de três semanas de-pois do desaparecimento, foi devolvido aos cuidados parentais. Uma câmara instalada no ninho mostrou que os progenitores o aceitaram após a aventura e, em breve, a família afastou-se e retomou a norma-lidade. Hoje, será urna entre as poucas centenas de papagaios que nidificam no arquipélago. Ave difícil de acompanhar, a sua população tem sido estimada através de observações directas e de estimativas em corredores de passagem, mas sabe-se, com certeza, que se a espécie tiver alguma hipótese de futuro, essa hipótese terá de materializar-se nas pequenas ilhas de João Vieira e Meio.
GUINÉ-BISSAU • Bissau
AULA EM DESTAQUE
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O tecelão (Ploceus cucullatus) constrói afincadamente ninhos em forma de bolsa, utilizando matérias vegetais disponiveis.
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O guarda-rios-de-poupa (Corythornis cristatus) é particularmente exuberante em comparação com outros membros da família de latitudes mais frias. A plumagem berrante distingue-o durante o comportamento de corte.
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O papagaio-de-timneh (Psittacus timneh) foi recentemente separado do papagaio-cinzento pelos especialistas.
É uma espécie rara e um dos últimos refúgios é o arquipélago de Bijagós. Um projecto de conservação tem
combatido a caça furtiva e o aprisionamento, facilitando igualmente a reprodução de casais.
Ausente do território continental da Guiné-Bis-sau, o papagaio-de-timneh tem o estatuto global de espécie ameaçada e este incidente, literalmente caído do céu, proporcionou um bom exemplo de demonstração de práticas de conservação que têm sido desenvolvidas pelo IBAP, através do seu direc-tor, Alfredo Simão da Silva, com impacte na popu-lação das ilhas. A conversão de antigos caçadores furtivos possui um forte simbolismo e introduz vantagens significativas: são eles que melhor co-nhecem os locais de nidificação (hoje em dia, bem mais longe do solo do que no passado) e que tre-pam, como acrobatas, pelos troncos acima. São eles igualmente que, ao regressarem à comunidade, in-troduzem uma nova sensibilidade face a estas aves.
Os bijagós praticam maioritariamente uma re-ligião animista, com forte componente ritual que, em boa medida, contribuiu para a salvaguarda de bolsas de biodiversidade no território que ocupam. Pouparam ilhas, ilhéus e florestas à humaniza-ção, considerando-as sagradas e exclusivas para
práticas rituais. A sua resistência face ao estrangei-ro no passado impediu ao mesmo tempo a acultu-ração e a integração de práticas exógenas que, no território continental, penetraram com mais faci-lidade. Mas, como rapidamente se percebe, essas divisórias culturais não chegam para proteger o seu modo de vida e os ecossistemas em que estão inse-ridos num mundo globalizado.
COORDENADO PELOS BIÓLOGOS Aissa Regalia (IBAP) e Paulo Catry (ISPA), o projecto de investiga-ção ao serviço da conservação no PNMJVP come-çou em 2013 com objectivos concretos: pretendia dotar a rede de áreas protegidas do país de conhe-cimento científico concreto sobre o qual pudesse depois ser alicerçada uma estratégia de gestão. Ao mesmo tempo, tal como o episódio do papagaio--de-timneh revelou, o IBAP pretendia integrar as comunidades locais no esforço de conservação, im-plicando-as na gestão do seu território e escutando os seus pontos de vista, reconhecendo que só assim
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O abutre-das-palmeiras (Gypohierax angolensis) é uma ave versátil. Tem uma dieta diversificada e adaptada às variações do ano. Quando as tartarugas desovam em Poilão, esta e outras aves lançam-se desenfreadamente sobre as crias. procurando capturá-las antes de estas atingirem a segurança do mar.
as áreas protegidas ganham efectivamente dimen-são real para lá dos mapas e das decisões de gabi-nete. Muitos planos de gestão, aliás, incorporaram práticas ancestrais dos bijagós, reconhecendo o seu mérito conservacionista avant la lettre.
Durante o projecto, que terminará em 2018 e foi financiado pela Fundação Mava, dois estudantes guineenses (Emanuel Dias e Mohamed Henriques) fizeram o seu mestrado em Lisboa com teses, res-pectivamente, sobre peixes e aves da Guiné-Bissau. Vários artigos têm sido publicados em revistas in-ternacionais nos últimos anos e estudantes portu-gueses tiveram igualmente acesso ao terreno em mestrados e doutoramentos - como o mestrado de Daniel Lopes sobre o papagaio-de-timneh.
O conhecimento da biodiversidade de Bijagós au-mentou exponencialmente. Foi no âmbito desta co-laboração que se fizeram descobertas importantes. "Descobriu-se que as tartarugas-verdes do arquipé-lago chegam à América do Sul durante a sua fase ju-venil", conta Paulo Catry, sobre um dos ícones mais
conhecidos do território, a par dos hipopótamos com hábitos marinhos e dos furtivos manatins. Mas tem sido no ar que as descobertas adquirem relevo.
Em Fevereiro de 2016, um grupo de biólogos guineenses e portugueses lançou-se à estrada no território continental da Guiné-Bissau. Durante três meses, os investigadores percorreram 1.711 qui-lómetros de estradas e caminhos, sempre de olhos nos céus. Pretendiam estabelecer o primeiro tijolo do edifício da biodiversidade das aves de rapina no país - quantas são e onde se encontram?
Diligentemente, durante o transecto, detecta-ram 4.989 aves, correspondentes a 33 espécies -três das quais desconhecidas para o país. Não foi inesperado: nunca um censo desta natureza tivera lugar no país e muitos dados de distribuição data-vam de meados do século XX, quando alguns inves-tigadores obstinados fizeram recolhas localizadas para obter espécimes para museus. Como seria de esperar, um censo de cariz científico mudou o pa-norama do conhecimento sobre o tema.
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Como indicadores de biodiversidade à escala lo-cal, as aves de rapina transmitem informação valio-sa sobre a saúde do ecossistema. E a descoberta de que a Guiné-Bissau ainda acolhe milhares de abu-tres de espécies criticamente ameaçadas, como o jugudé ou o grifo-africano, constituiu um indicador positivo. Outros abutres e águias foram igualmente detectados, embora em muito menor quantidade. De alguma maneira, o projecto do transecto forne-ceu elementos de esperança e de desânimo: há de facto bolsas de importância mundial para algumas espécies, mas a raridade de avistamento de muitas aves de rapina sugere que também na Guiné-Bissau a intervenção humana teve fortes impactes nas po-pulações selvagens.
Uma vez mais, a ciência forneceu a informação de base — o futuro será o que os decisores quiserem.
O ABUTRE-DAS-PALMEIRAS é uma ave muito espe-cial em Bijagós. Particularmente oportunista, adap-ta a sua dieta à sazonalidade. Um estudo publicado este ano pelo biólogo Camilo Carneiro e outros sete autores estudou o comportamento desta ave no arquipélago guineense e validou aquilo que os bi-jagós sabem há muito: o abutre come o que encon-tra, dependendo da época do ano. "Tanto consome matéria vegetal, como se alimenta de organismos marinhos e até de crias de tartaruga ou de caran-guejo", explica Mohamed Henriques. "Tudo depen-de da sua percepção da mudança entre a maré alta e a maré baixa, mas assistimos a alguns momentos de frenesi alimentar."
A população no PNMJVP foi estimada em 350 a soo indivíduos, um valor animador face a outros territórios vizinhos. Perseguido em muitos pontos de África, como vários outros membros da sua fa-mília, este abutre encontra em Bijagós um invulgar oásis que lhe permite atingir densidades inéditas em zonas costeiras e tirar partido do único delta arquipelágico activo na costa africana atlântica. No ciclo da sua vida, estudando as marés e as opor-tunidades que estas trazem e adaptando a dieta às disponibilidades da despensa insular, teremos algo a aprender com esta invulgar ave de rapina?
Na verdade, este paraíso ainda bravio e pouco afectado pela pressão turística tem pela frente al-gumas nuvens cinzentas — tão cinzentas como o papagaio-de-timneh.
h lá muito que se discute a oportunidade de ex-tracção de petróleo na região — já fora dos limites das áreas protegidas, mas com inevitáveis conse-quências sobre os ecossistemas das imediações. A extracção de bauxite, um minério cobiçado, tem igualmente um reverso ambiental doloroso. E a própria expansão territorial das comunidades lo-cais e dos pescadores estrangeiros, intensificando a extracção de recursos, incrementando queimadas e cultivando mais arroz de sequeiro, traz consigo um custo ambiental.
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Este é o debate que estará em curso na Guiné--Bissau sobre o seu arquipélago quase prísti-no que um artigo recente, publicado no Marine Pollution Bulletin, reconhece estar ainda pouco afectado pela poluição e pela contaminação de mercúrio, um dos sintomas das doenças do de-senvolvimento industrial e económico.
Mohamed Henriques tem unia visão muito lím-pida sobre Bijagós: "Não conheço muitos sítios do mundo, mas Bijagós é das coisas mais lindas que o mundo tem. Como cientista, quero contribuir." ❑
O jugudé (Necrosyrtes monachus) é uma espécie de abutre globalmente ameaçada, mas ainda abundante na Guiné-Bissau, onde desempenha um papel importante na limpeza de todo o tipo de lixos orgânicos, tanto na cidade como no campo.
O fotógrafo Pedro Narra já fez três campa-nhas de campo em Bijagós. Acompanhou igualmente para a revista a erupção do vulcão do Fogo, em Cabo Verde, em 2014.