IGREJA CATÓLICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM SÃO PAULO: A ESCOLA...
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IGREJA CATÓLICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM SÃO PAULO: A ESCOLA
NORMAL LIVRE SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS (1943)
Leila Maria Inoue
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho
Faculdade de Filosofia e Ciências, Campus de Marília
Programa de Pós-Graduação em Educação
Palavras-Chave: Formação de Professores, Escola Normal, Escolas Católicas.
Neste texto pretendo discutir os resultados parciais de minha pesquisa de Doutorado
em Educação, intitulada A expansão do ensino normal na região oeste paulista (1927-
1946), cujo tema central é a “História da formação docente no Estado de São Paulo”. Esta
pesquisa pretende estudar, compreender e analisar a expansão do ensino normal da região
oeste paulista a partir da Reforma da Instrução Pública de 1927 até 1946, quando é publicada
a Lei Orgânica do Ensino Normal que reorganiza o ensino normal no Brasil.
Este estudo é documental e bibliográfico texto e tem o objetivo de refletir sobre a
contribuição da Escola Normal Livre Sagrado Coração de Jesus para a formação dos
professores na região oeste do Estado de São Paulo, na primeira metade do século XX, por
meio da legislação do ensino, do arquivo permanente e outros documentos que possam dar
indícios da prática pedagógica na escola.
Segundo Tanuri (1979, p. 181), a Reforma de 1927 (tida como medida de emergência),
implantada pelo Diretor Geral da instrução Pública Amadeu Mendes, equiparou as escolas
normais livres (municipais e particulares), que se fundassem no Estado, às escolas oficiais.
Essa medida expandiu as escolas normais para o interior e litoral do Estado com a finalidade
de formar professores para atender as localidades mais distantes e a zona rural levando a
escola a um maior número de crianças.
Tal medida resultou em um incentivo, para diversas instituições de ensino e
municípios implantarem o ensino normal nas diversas localidades onde não haviam essas
escolas. Com essa Reforma, houve a expansão do ensino normal para todo o Estado e a
Escola Normal Livre Sagrado Coração de Jesus foi uma delas implantada na cidade de
Marília, em 1943.
Tal reforma “tinha diretrizes semelhantes àquelas que nortearam os legisladores de
1920” (TANURI, 1979, p. 180), no que diz respeito à expansão do ensino primário para o
maior número de crianças à custa de sua qualidade. O então governador do Estado Julio
Prestes ressaltou que era necessário formar professores para atender a demanda nas escolas
das regiões mais distantes e, é possível ver as revindicações e iniciativas para a criação de
escolas normais nos Relatórios dos Inspetores Escolares das Diretorias de Ensino da região1.
O fundamento da reforma de 1927 calcava-se na alegação de que não havia
professores diplomados em número suficiente para preenchimento das vagas nas escolas
rurais e que urgia reorganizar o ensino de modo a satisfazer as necessidades imperiosas do
Estado referente à escolarização primária. Era novamente a tentativa de resolver o problema
do analfabetismo, que voltava a ser questionado na década de vinte, como se apenas as
modificações nos padrões de ensino e nas estruturas escolares fossem suficiente para dar ao
problema o devido equacionamento e solução a fim de que se estendesse a escolarização a
todos os habitantes das zonas rurais e urbanas. Colocava-se na formação rápida de um
professorado e numeroso, o cerne do problema do analfabetismo na zona rural. (TANURI,
1979, p. 180).
Foi a partir dessa ideia, o Congresso aprovou a Lei nº. 2269, de 31/12/1927, que
reformou a Instrução Pública Paulista atingindo principalmente o ensino normal. Segundo
Tanuri (1979, p. 181), em relação ao ensino normal, além da equiparação das escolas normais
livres às escolas normais oficiais, a Reforma de 1927 trouxe as seguintes alterações:
- simplificação do currículo das escolas normais, com redução do curso para três anos, com
exceção da Escola Normal da Praça (Escola Normal de São Paulo) que manteve a organização
anterior e,
- ampliação do curso das escolas complementares para três anos, atribuindo-lhes o regime de
professores especializados por matéria, de acordo com a organização que foi dada em 1920.
As escolas normais particulares e municipais eram denominadas de “livres”, mas
apesar da denominação eram submetidas à fiscalização do governo através de inspetores
nomeados para cada uma delas. Segundo Tanuri (1979, p. 207-208), tais escolas deveriam
atender as seguintes condições para que fosse concedida a equiparação:
- terem sido fundadas e serem mantidas por nacionais, com corpo docente também de
nacionais;
- serem seus cursos e programas organizados de acordo com o regime adotado nas escolas
normais oficiais;
- possuírem um patrimônio mínimo de duzentos contos de réis;
- estarem situadas em municípios que não possuíssem escola normal oficial, exceto no caso de
escolas com regime de internato; apenas uma escola normal livre no regime de externato seria
equiparada em cada município;
- ser o professor de Pedagogia e Didática de nomeação do Governo, com os mesmos
vencimentos de seus pares das escolas normais oficiais.
De acordo com Tanuri (1979, p. 183-184), algumas disciplinas de cultura geral foram
excluídas do currículo da escola normal e não houve inovação e nem enriquecimento da
formação de caráter profissional. Mas essas mudanças não atingiram a Escola Normal da
Capital, que conservou a estrutura implantada em 1925. Com isso, os professores formados
nessa escola gozavam de algumas regalias como: preferência para os cargos de diretores das
escolas normais primárias, profissionais, e secundárias, professores de escolas
complementares e normais e inspetores de ensino.
Com essa nova estrutura pode-se dizer que na impossibilidade de expandir escolas
normais do mesmo nível das existentes, os reformadores buscaram manter a superioridade da
Escola Normal da Capital e reduzir todas as outras.
Para Tanuri (1979, p. 188), a redução do curso normal foi um dos pontos mais
criticados da Reforma de 1927. “Aliás, a nova organização dada às escolas normais não
correspondia às tendências gerais das sugestões oferecidas pelos participantes do Inquérito de
1926, nem parecia satisfazer as aspirações e expectativas dos educadores em geral”. Desse
modo, segundo Tanuri (1979, 191), a Reforma de 1927 não contribuiu para o enriquecimento
da formação técnico-pedagógica do professor.
Para Tanuri (2000, p. 72), devido às críticas ao ensino normal nos anos 20 pela sua
pouca formação pedagógica, nos anos 30 foram tomadas algumas medidas para transformar a
escola normal numa instituição de caráter estritamente profissional. Dentre essas medidas, foi
exigido como condição para o ingresso nos cursos de formação de professores o ensino
secundário fundamental2.
Com a Reforma Fernando de Azevedo (1933), o curso normal sofre algumas
transformações. O curso que era de 4 anos, precedido pelo complementar de 3 anos, passa a
ser constituído por um curso de formação profissional de duas séries e a exigir para o
ingresso a integralização do curso secundário fundamental, organizado de acordo com a
legislação federal. De forma semelhante ao Distrito Federal, a Escola Normal da Capital,
denominada Instituto de Educação Caetano de Campos, passa ministrar em sua Escola de
Professores cursos de formação de professores primários, cursos de formação pedagógica para
professores secundários, bem como curso de especialização para diretores e inspetores. Todas
as outras escolas normais do estado, inclusive as denominadas livres ou equiparadas,
ministrariam apenas cursos de formação profissional do professor com duração de 2 anos
(TANURI, 2000, p. 73).
Então, dando continuidade ao movimento renovador da educação que a Reforma
Fernando de Azevedo, sistematizada no Código de Educação de 1933, criou os Institutos de
Educação (IE), destinados à formação de professores, com a finalidade de melhorar a
preparação pedagógica, porém, o processo de expansão desses institutos pelo o interior e
litoral do Estado iniciou-se apenas em 1951, havendo a criação (ou transformação) deles até
1967. Tais escolas permanecem como Institutos de Educação até 1975. (LABEGALINI,
2005, p. 14). Com isso, as escolas normais oficiais do Estado foram sendo transformadas em
IEs e, onde não havia escolas normais oficiais foram criados “novos” IEs para a formação dos
professores nas determinadas regiões.
Posteriormente, em 1946, o Decreto-Lei nº. 8530 (Lei Orgânica do Ensino Normal),
de 02 de janeiro, reorganiza o ensino normal no Brasil e com isso, o Estado de são Paulo,
publica o Decreto nº. 17 698, de 26 de novembro de 1947 para adequar o ensino normal
paulista as novas medidas.
Diante disso, está pesquisa pretende estudar, compreender e analisar a expansão do
ensino normal na região oeste paulista (1927-1946) voltando o olhar para contribuição das
escolas normais que foram criadas e instaladas no período.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, tomo como referência a acepção de “operação
historiográfica” para Certeau (2008, p. 66).
Encarar a história como uma operação será tentar, de maneira
necessariamente limitada, compreendê-la como uma relação entre um lugar
(um recrutamento, um meio, uma profissão, etc.), procedimentos de análise
(uma disciplina) e a construção de um texto (uma literatura). É admitir que
ela faz parte da realidade da qual trata, e que essa realidade pode ser
apropriada ‘enquanto atividade humana’, enquanto prática”. (grifos do
autor).
O desenvolvimento desta pesquisa será realizado sob as perspectivas da História
Cultural com base nos estudos de Marta Carvalho, Michel de Certeau e Roger Chartier. Para
Chartier (1990 p.16-17), “a história cultural, tal como entendemos, tem por principal objetivo
identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social
é construída, pensada, dada a ler”.
Carvalho (1998) ressalta a importância do uso de documentos e impressos como fonte
de estudos em educação, tendo em vista que a investigação dos impressos de destinação
pedagógica e seus usos escolares dão suporte para a história cultural dos saberes pedagógicos,
interessada na materialidade dos processos de difusão e imposição de saberes e na
materialidade das práticas que deles se apropriam. Por isso, a ênfase da nova historiografia na
materialidade das práticas, dos objetos e de seus usos produz um novo modo de olhar e
interrogar as fontes históricas.
A partir da História Cultural, os livros, as revistas, os guias curriculares, os programas,
os regulamentos etc. não são apenas fontes de informação historiográfica, mas passam a
interessar como objeto, “no duplo sentido de objeto de investigação e de objeto material,
cujos usos, em situações específicas, se quer determinar” (CARVALHO, 1998, p. 34). A
materialidade desses objetos passa a ser o suporte do questionário que orienta o investigador,
no estudo das práticas que se formalizam nos usos escolares. Assim, configura-se o campo de
uma história cultural dos saberes pedagógicos, interessada na materialidade dos processos de
produção, circulação, imposição e apropriação dos saberes. Nessa perspectiva, o documento é
tomado como objeto de investigação, como dispositivo de normatização pedagógica
(CARVALHO, 1998, p. 34-35). Isso implica tomá-lo em sua materialidade de objeto cultural,
prestando atenção nos dispositivos textuais e tipográficos que dão suporte aos textos,
modelizam a leitura e permite que os textos cheguem a seus leitores. A materialidade
considerada pela História Cultural como forma produtora de sentido.
Em casos específicos, como o de reformas educacionais, os documentos podem
fornecer informações sobre medidas normativas.
[...] análise de situações específicas, como por exemplo, as delimitadas por
iniciativas circunscritas de reforma escolar pode pôr em evidência a
complexidade das relações entre as concepções pedagógicas e estratégias
editoriais. Na situação de uma reforma educacional, a relação entre
pedagogia como discurso normativo e usos do impresso é explicada pelas
inúmeras justificativas que o reformador apresenta de suas iniciativas. Tal
explicação é importante, pois nela se configuram representações sobre as
relações ensino/aprendizagem que funcionam como regras que regem o uso
que a Reforma faz do impresso, pondo-o em circulação. Regras que também
prescrevem usos do impresso para destinatários visados. Com isso vêm à
tona questões cruciais, relativas a representações sobre a prática docente e
sobre o papel do professor como usuário do impresso, seja este material
destinado ao aluno ou ao professor. Pondo em cena essa interrelação entre
usos do impresso e modalidades de concepção e intervenção pedagógica que
regem as estratégias de difusão, imposição e apropriação dos saberes
pedagógicos. (CARVALHO, 1998, p. 37).
A análise dos documentos normativos contribui para o resgate de elementos da
História da Educação Brasileira, visto que revelam as transformações políticas e culturais
emergentes em determinados momentos e locais e as tendências pedagógicas propostas para a
formação de professores. E ainda, permite analisar os “projetos pedagógicos e modelos
culturais” que circulavam pelas escolas normais da região. Portanto, os acervos das escolas
normais são de natureza ímpar e reveladores de aspectos talvez ignorados pela história. Para
Carvalho (1998, p. 35), os documentos de arquivos de escolas normais podem ser analisados
como dispositivo de normatização pedagógica.
Desse modo, os arquivos das escolas normais são fontes de estudos muito importantes
que guardam informações importantes sobre os modelos culturais que formavam os
professores em diferentes momentos da História da Educação no Brasil que ainda não foram
exploradas.
Para mapear as Escolas Normais paulistas instaladas no período delimitado (1927-
1946) consultei a tese de Leonor Tanuri (1979) e a Poliantéia Comemorativa do centenário
do Ensino Normal em São Paulo (1946). Segundo o mapa abaixo, com a equiparação das
escolas normais livres houve um aumento no número de Escolas Normais Livres. Observa-se
também que, em grande parte da região ainda não havia nenhuma escola de formação de
professores e com isso, é possível considerar que a expansão das escolas normais nessa região
ocorreu tardiamente em relação às outras regiões do Estado.
Fonte: TANURI, L. M. O Ensino Normal no Estado de São Paulo (1890-1930). São Paulo: FEUSP, 1979.
Ao observar o mapa acima, com o ano de 1934 como base , observo que as poucas
escolas que haviam na região oeste eram todas Escolas Normais Livres, ou seja, escolas
normais particulares ou municipais, não há ainda, no momento, nenhuma escola normal
oficial (estaduais).
O “Colégio Sagrado Coração de Jesus”, da cidade de Marília.
O Colégio Sagrado Coração de Jesus é uma escola confessional e particular de
Marília, de orientação católica que se localiza na Avenida Nelson Spilman, nº 700. O prédio
foi construído em 1933 e inaugurado em 24 de janeiro de 1934, pelas “Irmãs Apóstolas do
Sagrado Coração de Jesus3” sob a direção da Revdª. Irmã Ângela Micheletto. Porém, o curso
Normal iniciou apenas em 1944. Segundo alguns documentos e fotografias encontrados na
escola, por ser uma escola de orientação católica, houve durante a inauguração a celebração
de uma missa na capela do próprio colégio e a benção das instalações pelo então bispo da
Diocese (sede em Cafelândia).
De acordo com Castilho (2000), foi Bento de Abreu Sampaio Vidal4 que doou o
terreno para a Construção do Colégio. Em fevereiro do mesmo ano, o colégio iniciou suas
atividades com a matrícula total de 1500 alunos entre o “Curso Primário”5, de 4 anos, e
também, os cursos Artístico-Liberal e Técnico-Profissional, reconhecidos pelo Governo do
Estado.
Em 1937, o colégio passou a oferecer o curso ginasial com regime de internato e
externato apenas para meninas e sua denominação passou a ser “Ginásio Sagrado Coração de
Jesus” (CASTILHO, 2000, p. 88), o que contribuiu para a educação feminina na região.
As escolas particulares poderiam funcionar no estado de São Paulo somente após
inspeção realizada por inspetores de ensino nomeados pelo Diretor Geral da Instrução
Pública. Assim, em 1º de dezembro de 1937 foi concedida a inspeção preliminar do colégio e,
anos mais tarde, o Decreto nº 18. 743, de 19 de maio, de 1945, concedeu a inspeção federal
permanente. Em setembro de 1938, o Ministério da Educação e Saúde designou o Profº.
Benjamim Ribeiro de Castro para inspecionar no colégio.
Em 1943, a diretora do Ginásio requereu a criação de uma Escola Normal Livre para a
formação de professoras primárias, pois a escola privilegiava a formação feminina. No fim do
mesmo ano, foi então noticiado a obtenção da escola normal, anexa ao Ginásio Sagrado
Coração de Jesus.
Segundo recortes de jornais encontrados na escola, infelizmente sem data, a imprensa
da cidade e região anunciou o início das matrículas para os cursos Pré-Normal6 e Normal de 2
anos, bem como outras atividades e comemorações cívicas e religiosas realizadas no colégio.
O Curso Normal então iniciou-se em 1944 - com a nomeação de Elza Mascellani
como professora de Educação -, em regime de internato apenas para moças. O diploma das
escolas normais livres era de valor idêntico ao das escolas normais oficiais que foi concedido
pela Reforma da Instrução Pública Paulista, de 1927 e pelo Código de Educação, de 1933,
que proporcionaram a criação e procura por Escolas Normais Livres com a equiparação dos
diplomas de todas as escolas normais do Estado de São Paulo. Porém, é preciso ressaltar que
as escolas normais livres e demais particulares deveriam ser fiscalizadas e cumprirem com as
exigências do Departamento de Educação para funcionarem.
Também em 1944, a Irmã Ida Franchin assumiu a direção da escola que recebeu a
visita do profº. Sud Mennucci, então Diretor do Departamento de Educação.
Em 15 de dezembro, de 1945, a Escola Normal Livre “Sagrado Coração de Jesus
“entrega à Pátria, à Deus e à família o primeiro grupo de professoras, formadas na íntegra do
ideal do verdadeiro mestre, sob a proteção do Mestre dos mestre: o Sagrado Coração de
Jesus” (documento manuscrito, 1945).
O primeiro grupo foi de 13 professoras residentes na cidade de Marília, como consta
no “Livro de Exames Finais” e “Livro de Matrículas” da Escola (1945) e, em 1946, 31
estudantes se formaram, algumas residentes em Marília e outras vindas de cidades da região
como Galia, Garça e Vera Cruz. Pelo “Livro de Matriculas” é possível observar a origem
dessas professoras. Há moças de origem italiana, portuguesa, espanhola, japonesa e libanesa
e, pelo menos nesse período de 1944 a 1946, todas são financeiramente favorecidas, pois no
Livro consta a profissão do pai, que geralmente são médicos, fazendeiros, comerciantes e
industriários.
Foi encontrado nos arquivos do Colégio um folhetim que divulgava a escola e suas
regras, valores e custos para as famílias das moças que pretendiam e tinham condições
financeiras de estudar, lembrando que o Colégio Sagrado Coração de Jesus sempre foi
particular. Pelo folhetim (em anexo) é possível conhecer os cursos oferecidos pelo Colégio, as
instalações (como dormitório e refeitório), já que o Colégio mantinha alunas em regime de
internato, regras disciplinares, condições de admissão e matrícula, enxoval e demais
contribuições a serem pagas. Tal “folder”, era o primeiro contato entre a escola e as famílias
das alunas e, de modo sutil, “revela” a rigorosa disciplina exigida às alunas, pois destacava
que, o colégio determinava que as alunas do internato não poderiam ter nenhum tipo de
correspondência (verbal ou escrita) com as alunas e alunos do regime de externato. As visitas
e saídas também eram restritas com datas pré-estabelecidas. Todas as pessoas que entravam
na escola deveriam assinar o livro de visitas e esclarecer os motivos que os levaram até a
escola. A administração, coordenação e demais cargos da escola sempre foi exercidos pelas
irmãs que faziam parte das “Apostolas do Sagrado Coração de Jesus” nomeados pela Madre
Provincial (Chefe da ordem no Brasil)7 e a formação oferecida pelo colégio era pautada nos
valores cristãos e na representação da mulher no meio sociocultural (do período) e religioso.
Professora seria a melhor profissão (ou formação) para a posição da mulher (mãe e esposa) na
sociedade desse período. E seria uma formação ainda mais adequada aos cuidados de freiras.
A escola também oferecia às alunas do regime de internato a formação religiosa (catecismo e
Crisma) e as celebrações ocorriam na Capela do próprio Colégio.
Em relação à inspeção escolar, foi encontrado no acervo do Colégio um único relatório
de Inspeção Escolar com data de 14 de outubro de 1946, elaborado pelo Inspetor Waldemar
da Rocha Barros e destinado à Diretoria Geral da Divisão do Ensino Secundário, no Rio de
Janeiro. O relatório não traz muitas informações sobre do funcionamento do ensino normal,
mas o Colégio foi aprovado nas 7 divisões avaliadas pela inspetor (1-situação; 2-edifício; 3-
instalações; 4-salas de aula; 5-salas especiais; 6-instalações para educação física; 7-
instalações para semi-internato e internato) (BARROS, 1946). Isso pode ser um indício de
que o Colégio também estava apto para o funcionamento do ensino normal.
Atualmente, a escola tem a mesma localização e continua sendo administrada pelas
Irmãs oferecendo Ensino Infantil, Fundamental e Médio em regime de externato para ambos
os sexos.
É importante destacar a ação das “Irmãs Apostolas do Sagrado Coração de Jesus”
para a educação, tanto na região Oeste Paulista, como em todo o estado de São Paulo e Brasil.
O “Instituto das Apostolas do Sagrado Coração de Jesus” foi fundado em 1894, pela Irmã
Clélia Merloni (1861-1930) na Itália com a missão de educar sob os valores morais católicos
e auxiliar os necessitados.
As primeiras missionárias foram enviadas para o Brasil em1900. Com a unificação do
Estado Italiano, no final do século XIX. As classes populares se encontravam em péssimas
condições sócio-econômicas, assim, devido á crise e a falta de emprego na Itália, a solução
encontrada foi a emigração para a América (CASTILHO, 2000, p. 35).
Então, foi devido à preocupação com os emigrantes italianos que o Papado e os Bispos
italianos organizaram e enviaram missões para o Brasil para ajudar moral, social e
espiritualmente os italianos. Foi assim que o primeiro grupo das “Irmãs Missionárias do
Sagrado Coração de Jesus” vieram para o Brasil para amparar os órfãos italianos e trabalhar
em hospitais no Paraná e em São Paulo (CASTILHO, 2000, p. 37-38).
Diante disso, é preciso destacar que a Escola Normal Livre “Sagrado Coração de
Jesus” foi a primeira escola de formação de professoras da cidade de Marília (capital da Alta
Paulista) e contribuiu para a expansão do ensino normal na região, pois muitas jovens tiveram
a oportunidade de continuar os estudos com a criação da escola. A criação da Escola Normal
também contribuiu para formar professoras e atender a demanda na região, o que pode ter
possibilitado a criação de grupos escolares e escolas isoladas, aumentando o atendendo de
alunos da zona urbana e rural8. Além disso, seus documentos e fotografias guardam algo
maior que memórias, guardam as marcas culturais e formas de pensar de um grupo e de uma
sociedade. As fotografias do Colégio, marcam o início da chegada dos imigrantes, bem como
o desenvolvimento social, cultural e econômico da região de Marília. No acervo, há
fotografias de normalistas de origem oriental, cuja comunidade ainda é muito presente na
cidade.
No decorrer da pesquisa, verifiquei que as Irmãs Apostolas do Sagrado Coração de
Jesus foram responsável pela criação de outras escolas, inclusive escolas normais livres, como
a Escola Normal Livre São José9 (1927), de Bauru; Externato Santa Maria (1928), em
Pirajuí, Colégio Sagrado Coração de Jesus (1929), em Cafelândia; Colégio Nossa Senhora
Aparecida (1935), em Araçatuba; Colégio Sagrado Coração de Jesus (1937), em São Paulo,
Colégio Sagrado Coração de Jesus (1950), em Birigui; Ginásio Madre Clélia (1951), em
Adamantina; Faculdade de Filosofia Ciências e Letras – FAFIL – (1953), em Bauru.
No quadro abaixo, aponto todas as Escolas normais mapeadas inicialmente.
Ano
Cidade
Nome da Instituição
1928 Bauru Escola Normal Livre Guedes de
Azevedo
1928 Jau Escola Normal Livre São José
1929 Lins Escola Normal Livre Municipal
Nossa Senhora Auxiliadora
1941 Araçatuba Colégio Estadual e Escola
Normal de Araçatuba
1928 Sta. Cruz do Rio
Pardo
Escola Normal Livre de Sta.
Cruz do Rio Pardo
1943 Birigui Escola Normal Livre do
Instituto Noroeste
1943 Marília Escola Normal Livre Sagrado
Coração de Jesus
1943 Penápolis Escola Normal Livre Coração
de Maria
1944 Assis Escola Normal e Ginásio
Estadual Anhaia Melo
1944 Lins Escola Normal Livre do
Instituto Americano
1945 Piraju Escola Normal Oficial de Piraju
1945 São Manuel Escola Normal de S. Manuel
1945 Bauru Escola Normal Livre São José
1945 Jau Escola Normal Livre Horacio
Berlinck
1945 Bauru Colégio Estadual e Escola
Normal de Bauru
1946 Presidente Prudente Escola Normal Municipal de
Presidente Prudente
Pela observação do quadro acima, verifico há mais Escolas Normais Livres e do que
Escolas Normais Oficiais no período estudado. Com isso, é possível dizer que as Escolas
Normais Livres (particulares ou municipais) tiveram importante papel na formação de
professores para região oeste paulista. Ainda não é possível dizer quais escolas também eram
confessionais ou não. Porém, a denominação de tais escolas (Escola Normal Livre São...
Escola Normal Livre Nossa Senhora...) mostram a forte influência da Igreja Católica na
educação do período, o que deixa indícios da representação de educação (ou de boa educação)
da sociedade naquele período. E ainda, mesmo que tais escolas não sejam confessionais, pode
ser que grupos católicos contribuíram e influenciaram a criação das escolas nessas
localidades.
As Escolas Normais não contribuíram apenas para ampliar a formação intelectual dos
estudantes, mas também, representam os anseios e conflitos ideológicos de uma sociedade e,
no caso da educação feminina, representa uma formação social ideal para a mulher (mãe e
esposa) e seu papel nessa sociedade.
Pela leitura dos Relatórios dos Inspetores de Ensino (1928-1946), do Arquivo Público
do Estado de São Paulo, pude ver que a maior dificuldade apontada pelos Inspetores
Escolares era os pedidos de transferência dos professores primários para outras localidades,
pois tais professores não eram da região e pretendiam se transferir para sua região de origem.
As classes de alfabetização trocavam e professor várias vezes ao ano e isso dificultava a
alfabetização dos alunos nas cidades e principalmente nas zonas rurais. Em decorrência desse
problema, os Inspetores solicitavam em seus relatórios a criação de Escolas Normais para a
formação de professores e professoras que tivessem algum vínculo (residência) com a região
oeste paulista. Com isso, a criação das Escolas Normais eram uma preocupação do período
em questão. Pode-se dizer que era uma instituição necessária para o desenvolvimento social,
cultural, econômico e político da região. Assim, a criação da Escola Normal Livre Sagrado
Coração de Jesus em Marília ampliou a oportunidades educacionais e contribuiu para o
aumento do número de professores primários formados na região.
Referências
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São Paulo (1933 a 1945). 2005. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Filosofia e
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de educação escolar. n. 14 (especial) – mai/jun/jul/ ago. SP: Autores Associados p. 61-88,
2000.
1 Tais Relatórios podem ser consultados no site do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
2 Segundo o art. 711, da Reforma Fernando de Azevedo, o curso Secundário Fundamental foi mantido pela
Escola Secundária e teve duração de 5 anos. 3 Também denominadas Irmãs Missionárias Zeladoras do Sagrado Coração de Jesus.
4 Fazendeiro e político da cidade.
5 O curso Primário era oferecido para ambos os sexos em regime de externato.
6 De acordo com a lei 2.269, de 31 de dezembro de 1927, o curso Pré-Normal funcincionava como curso
preparatório para o ingresso no curso Normal e era anexo às Escolas Normais. 7 Para fazer parte da Ordem, as Irmãs deveriam seguir regras disciplinares que eram orientadas pelos superires de
Roma. Há no Colégio publicações (sem referências) que orientam a “missão” das Irmãs. 8 Nesse período, o café era a base da economia da região, por isso havia muitas fazendas produtoras de café que
mantinham colônias de trabalhadores e seus filhos estudavam em escola isoladas nas próprias fazendas. 9 A Escola Normal Livre São José de Bauru foi inicialmente mapeada no projeto de pesquisa.