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1 INDÍCIOS DE LEITURAS NA FORMAÇÃO DE UMA NORMALISTA: UM OLHAR SOBRE ARQUIVO DE MARIA EULÁLIA CANTALICE CAVALCANTI (1934) Tatiana de Medeiros Santos 1 – PPGE/UFPB [email protected] Maria Lúcia da Silva Nunes 2 – PPGE/UFPB [email protected] Resumo O presente artigo é um recorte de uma pesquisa de doutorado em desenvolvimento junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas, História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR – GT/PB). O objetivo da pesquisa é desvelar as histórias e memórias da educadora Maria Eulália Cantalice Cavalcanti a respeito de sua trajetória educacional, da formação á atuação em várias escolas no município de Guarabira/PB, por mais de meio século. Neste texto, objetiva-se destacar indícios de leituras empreendidas no período de sua formação na Escola Normal, localizada na capital paraibana. Neste caso, contamos com a primeira revista da Escola Normal de João Pessoa, intitulada Revista Vagas (1934). Buscou-se apoio nos pressupostos da História Cultural, que permitem não apenas compreender uma época, através da configuração da atmosfera da respectiva sociedade analisada, mas também considerar, historicamente, sua escolarização e atuação profissional no debate educacional na Paraíba. Trata-se de uma educadora que estudou em duas escolas particulares e na Escola Normal em João Pessoa. Sua atuação profissional ocorreu exclusivamente em Guarabira/PB, sua cidade natal Sua atuação profissional teve início em 1932 e durou cerca de 65 anos; embora continue atuando, aos 99 anos, como secretária de uma escola particular do município referido. Em seu acervo particular constam diversos livros e revistas do período de sua formação, atuação profissional, até sua aposentadoria. Após apreciação da Revista Vagas, encontrada no acervo particular de Maria Eulália, foi perceptível, um repertorio de escritas de alunas normalistas, que certamente fizeram parte das discussões em sala de aula da escola Normal de João Pessoa. Leituras estas que contemplam homenagem a morte de João Pessoa, exaltam poetas como Olavo Bilac e Castro Alves. Também é perceptível a preocupação dessas alunas em escrever desde o verde do jardim das casas e do Parque Solón de Lucena até como deve ser conduzida uma boa aula. Foram expostas preocupações com a educação de crianças. As práticas educacionais condizentes com estas leituras de Maria Eulália, foi a sua preocupação com a educação de modo em geral, e da constituição do Jardim de Infância em seu Colégio Santa Terezinha. Palavras chave: Leitura. Educadora. Escola Normal. 1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba. 2 Vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba.

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INDÍCIOS DE LEITURAS NA FORMAÇÃO DE UMA NORMALISTA: UM OLHAR SOBRE ARQUIVO DE MARIA EULÁLIA CANTALICE

CAVALCANTI (1934)

Tatiana de Medeiros Santos1 – PPGE/UFPB [email protected]

Maria Lúcia da Silva Nunes2 – PPGE/UFPB [email protected]

Resumo

O presente artigo é um recorte de uma pesquisa de doutorado em desenvolvimento junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas, História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR – GT/PB). O objetivo da pesquisa é desvelar as histórias e memórias da educadora Maria Eulália Cantalice Cavalcanti a respeito de sua trajetória educacional, da formação á atuação em várias escolas no município de Guarabira/PB, por mais de meio século. Neste texto, objetiva-se destacar indícios de leituras empreendidas no período de sua formação na Escola Normal, localizada na capital paraibana. Neste caso, contamos com a primeira revista da Escola Normal de João Pessoa, intitulada Revista Vagas (1934). Buscou-se apoio nos pressupostos da História Cultural, que permitem não apenas compreender uma época, através da configuração da atmosfera da respectiva sociedade analisada, mas também considerar, historicamente, sua escolarização e atuação profissional no debate educacional na Paraíba. Trata-se de uma educadora que estudou em duas escolas particulares e na Escola Normal em João Pessoa. Sua atuação profissional ocorreu exclusivamente em Guarabira/PB, sua cidade natal Sua atuação profissional teve início em 1932 e durou cerca de 65 anos; embora continue atuando, aos 99 anos, como secretária de uma escola particular do município referido. Em seu acervo particular constam diversos livros e revistas do período de sua formação, atuação profissional, até sua aposentadoria. Após apreciação da Revista Vagas, encontrada no acervo particular de Maria Eulália, foi perceptível, um repertorio de escritas de alunas normalistas, que certamente fizeram parte das discussões em sala de aula da escola Normal de João Pessoa. Leituras estas que contemplam homenagem a morte de João Pessoa, exaltam poetas como Olavo Bilac e Castro Alves. Também é perceptível a preocupação dessas alunas em escrever desde o verde do jardim das casas e do Parque Solón de Lucena até como deve ser conduzida uma boa aula. Foram expostas preocupações com a educação de crianças. As práticas educacionais condizentes com estas leituras de Maria Eulália, foi a sua preocupação com a educação de modo em geral, e da constituição do Jardim de Infância em seu Colégio Santa Terezinha. Palavras chave: Leitura. Educadora. Escola Normal.

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba.

2 Vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba.

2

O inventário de uma vida

O presente artigo faz parte de uma pesquisa de doutorado em desenvolvimento junto

ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba. Tem

como objetivo desvelar as histórias e memórias da educadora Maria Eulália Cantalice

Cavalcanti a respeito de sua trajetória educacional, da formação á atuação em várias

escolas no município de Guarabira/PB3, por mais de meio século. Neste artigo, o objetivo

é destacar indícios de leituras empreendidas no período de sua formação na Escola

Normal de João Pessoa.

Maria Eulália é uma educadora que acumulou diversos impressos em sua biblioteca,

desde a sua formação inicial até sua aposentadoria. Neste artigo, a opção foi por trabalhar

com a primeira edição da Revista Vagas (1934), produzida por alunas da Escola Normal

de Joao Pessoa.

De acordo com Darton (1992), o estudo com impressos pode permitir ao pesquisador

estabelecer relações entre as preferências por certos gêneros literários e o contexto social

nos quais foram produzidos e lidos. Também é importante identificar o que e onde foram

lidos e quem sabe até compreender por que tais livros foram disponibilizados para esta

pesquisa.

Conforme as novas discussões do fazer historiográfico e das novas possibilidades de

se abordar diferentes fontes de pesquisas, optamos por trabalhar com a Revista Vagas

disponibilizada por Maria Eulália. Estes impressos podem revelar particularidades da

composição desta biblioteca e possíveis leituras que foram apropriadas e propaladas em

suas práticas educacionais.

Os impressos, que se encontram na biblioteca particular de Maria Eulália, podem

trazer subsídios para entender o que representaram, ilustraram e mapearam os modos

diferentes de conceber a leitura, em um determinado período de formação e atuação

profissional.

Chartier (2011, p.95) informa que examinar as condições possíveis para uma história

das práticas da leitura, geralmente é “[...] dificultada tanto pela raridade dos vestígios

diretos quanto pela complexidade da interpretação dos indícios indiretos. (p.77) Dessa

forma, “Reconstituir leituras ordinárias não é algo fácil, pois são raros os que, não sendo

profissionais da escrita confidenciaram a sua prática do livro” (p.95).

Cortez e Souza (2000, p.51) afirmam que “[...] a produção dos sujeitos não deriva

harmoniosamente do funcionamento regrado das instituições. Os indivíduos não se

formam na escola, apenas como atores de papéis sociais sucessivos a ele proposto[...]”.

3 Conforme Martinho Alves, Guarabira foi emancipada em 26/11/1887. Localizada no Piemonte da Borborema, Estado da Paraíba, em região de Depressão. É zona de transição entre o Agreste e o Brejo. Disponível em: http://www.guarabira.pb.gov.br/portal.php/institucional/historia-da-cidade/Acesso em: 21/08/2010.

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Assim sendo, os sujeitos são históricos e não meros atores sociais. É no cotidiano da

escola que se particularizam as ações dos sujeitos que a constituem.

Mignot (2000) afirma que a guarda de documentos de algo vivido também é uma

forma de autobiografar-se. Assim, a escolha de livros, revistas, jornais, cadernos,

fotografias, cartas, papéis avulsos para serem guardados está marcada por uma

intencionalidade de deixar para a posteridade algo que nos represente, como nos vemos

diante da sociedade e/ou como gostaríamos que os outros nos vissem.

Estaria Maria Eulália acreditando que seus impressos poderiam ser revisitados

posteriormente, dando mostras de sua relação com o saber? Por que tão grande

qunatidade de livros e revistas de temáticas diversas foram guardadas por tantas décadas?

Merece destaque, que até esta fase da pesquisa, não foram encontrados neste acervo

nenhum caderno, diário, caderneta ou cartas produzidas pela educadora. Por isso, também

questiona-se qual o sentido da ausência de textos produzidos pela própria educadora. Ou

a prática da leitura não era acompanhada pela escrita? Pode-se pensar numa não

valorização de sua própria escrita em oposição a uma supervalorização do

“conhecimento” registrado por outrem? Será que esses livros e revistas desempenharam a

função de manuais para sua prática pedagógica sem nenhum questionamento por parte da

educadora? São perguntas que os indícios provocam, mas que não se pretende responder

nesta ocasião.

A preservação destes materiais impressos também pode ter ocorrido com a

intencionalidade de “escrever” o percurso de uma vida educacional pública. São

elementos que dão notícia de uma prática educativa que se desenvolveu por várias

décadas do século XX, em espaços educativos diversos na cidade de Guarabira/PB; são

indícios de memória de uma educadora que decide o que dar a conhecer sobre si; são

escritos produzidos por outros sujeitos, mas selecionados pela educadora como material

de leitura, como “marcas” de uma prática que se permite ler. Maria Eulália está

construindo o arquivo de sua vida, como uma forma de não deixar sua memória

extinguir-se.

Sobre a constituição de bibliotecas particulares e as leituras que se pode encontrar

nela, Darton (1992, p. 203) adverte que nem sempre se pode afirmar que a biblioteca

resulta de escolhas e aquisições do seu dono, mas, de alguma forma, pode difundir as

pretensões ou como estas pessoas convivem ou conviveram com seus livros.

Maria Eulália não falou sobre como constituiu sua biblioteca, mas informou que

comprou muitos livros e revistas com recurso próprio.

Darton orienta que em livros e revistas pesquisados, deve-se observar as marcas de

leituras deste período. Os estudos realizados em bibliotecas particulares proporcionam a

possibilidade de escrever uma faceta da história da leitura e também uma teoria da reação

deste leitor frente às leituras realizadas, algo que considera: “Possível, mas não fácil; pois

os documentos raramente mostram os leitores em atividade, moldando o significado a

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partir dos textos, e os documentos são, eles próprios, textos, o que também requer

interpretação [...]”.

A biblioteca particular de Maria Eulália apresenta diversidade de material de leituras,

algo que não era comum nas educadoras de seu tempo, em Guarabira. Em entrevista

realizada em 08/02/2013, foi questionado a educadora: Maria Eulália de onde herdou esta

mania de guardar materiais impressos e colecionar revistas? A educadora mencionou que

“[...] valorizo o livro e não tenho coragem de me desfazer deles, ali tem muita coisa boa.

Colecionar revistas era mania minha, comecei na Escola Normal, com minhas amigas.

Meu marido era Guarda livros e também seguiu esta linha de colecionar muita coisa."

Maria Eulália ainda explica que seu marido era quem organizava seus livros, informou

que: “Quando eu precisa de um livro ou revista, era só pedir a meu merido que ele ia lá

direto no livro, pegava e pedia devolta para colocar no mesmo lugar”.

A biblioteca particular de Maria Eulália apresenta diversidade de material de leituras,

algo que não era comum nas educadoras de seu tempo, em Guarabira. Em entrevista

realizada em 08/02/2013, foi questionado a educadora: Maria Eulália de onde herdou esta

mania de guardar materiais impressos e colecionar revistas? A educadora mencionou que

“[...] valorizo o livro e não tenho coragem de me desfazer deles, ali tem muita coisa boa.

Colecionar revistas era mania minha, comecei na Escola Normal, com minhas amigas.

Meu marido era Guarda livros e também seguiu esta linha de colecionar muita coisa."

Maria Eulália ainda explica que seu marido era quem organizava seus livros, informou

que: “Quando eu precisa de um livro ou revista, era só pedir a meu merido que ele ia lá

direto no livro, pegava e pedia devolta para colocar no mesmo lugar”. Neste momento

indagamos como constituiu seu acervo particular, a mesma, apenas informou: “Comprei

muita coisa com meu próprio dinheiro”.

Merece destaque, neste acervo particular a quantidade e variedade de livros, revistas

e almanaques. Algo que não é comum encontrar nas casas das educadoras de sua cidade.

Escarafunchando este acervo, encontramos pistas que nos conduziram a compreender,

ainda mais, como este acervo foi constituído. Inicialmente, observamos que alguns

impressos tinham assinaturas ou carimbos com nomes de pessoas diferentes, tais como:

Felinto Cavalcante, Luiz de França C., Doação para o Grupo Escolar Antenor Navarro,

Teresa Lemos etc. Algo que nos levar a compreender que parte deste acervo pode ter sido

contituido a partir de doações de algumas pessoas à educadora.

Sobre as assinaturas encontradas nos materiais impressos de Maria Eulália, seu filho

Marlinto José Cantalice Cavalcanti, informou que iriamos encontrar “[...] muita coisa

com o nome Fenelón Câmera, Inspetor Técnico do Ensino, que ofertava muita coisa às

escolas de Guarabira”, e em relação a “Luiz de França era irmão de meu pai.”

Em entrevista realizada em 08/02/2013, a educadora em meios aos seus papéis, pega

o livro com o carimbo Luiz de França e menciona: “Estes eram livros de meu cunhado,

quando faleceu, seus livros vieram para cá.”

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A nossa pesquisa na biblioteca particular de Maria Eulália transcorre no sentido de

compreender os seus diferentes usos e apropriações dos materiais impressos. Neste artigo,

o nosso foco será na Revista Vagas, que foi publicada a primeira edição em julho de

1934. Mas não é interesse deste artigo focar na ideia que todo o material presente nesta

biblioteca particular revela tudo de sua prática educacional. Mas, ao mesmo tempo,

também pode representar o que a educadora gostaria que fosse perpetuado de sua

trajetória profissional, uma vez em que ainda os guarda em sua casa.

Desse modo, trabalhar com esta biblioteca particular, significa trabalhar com a

redução de escala independentemente da dimensão do objeto analisado. O foco se

manterá nas possíveis práticas de leitura da educadora, na possibilidade de apreender

elementos novos e usos diferentes dos existentes. (GUINZBUG, 2006).

Escolarização e formação profissional na cidade de João Pessoa/PB

Maria Eulália Cantalice Cavalcanti nasceu em 1913, na cidade Guarabira/PB. Sua

escolarização foi iniciada após o falecimento de sua mãe, quando foi morar com seus

avós maternos em João Pessoa. Inicialmente estudou por pouco tempo no Colégio Nossa

Senhora Neves (CNSN) e logo foi para o Grupo Escolar Isabel Maria das Neves.

Sobre sua breve permanência no Colégio Nossa Senhora das Neves, Maria Eulália

não soube informar muita coisa: “Eu não me lembro. Quem pagava era minha avó. Não

sei de nada, só sei que sai logo, que era muito distante da minha casa.” Sobre o Grupo

escolar Isabel Maria, informa que era “[...] ali na Av. João Machado, para ir pra o

Colégio das Neves, era distante demais. [...] Ai meu avô me tirou de lá”. A educadora

explicou que sua mudança do Colégio Nossa Senhora das Neves para o Grupo Escolar

Isabel Maria se deu em decorrência da admissão de sua tia como professora desta escola.

No período de sua formação profissional, optou por estudar na Escola Normal de João

Pessoa. Em seu depoimento, narrou que ao final deste curso, seu avô almejou que a neta

fosse estudar no Lyceu Paraibano, a fim de cursar, mais tarde, Direito em Recife, mas,

Eulália decidiu voltar para a sua cidade natal e atuar como educadora, o que fez por mais

de meio século.

Até a fase final deste artigo, a educadora não esclareceu exatamente qual o período

em de ingresso e conclusão do Curso Normal; apenas informou que começou a trabalhar,

após a conclusão de sua formação na Escola Normal, em 1932. Em outro momento da

entrevista narrou que concluiu o seu curso em 1934. Em suas entrevistas, esta educadora

narrou muitos acontecimentos de sua vida de forma lúcida, mas, o mesmo não aconteceu

quando interrogada sobre datas precisas de alguns acontecimentos importantes em sua

vida, informando não lembrar. Os lapsos de memória podem estar relacionados a própria

idade da entrevistada, mas podem também revelar o grau de importância atribuído ao

acontecimento

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No sentido de elucidar essa questão do período em que cursou o curso normal e o

ingresso na vida profissional, duas fotografias foram identificadas, mas não esclarecem: a

fotografia de sua colação de grau, na qual consta a data 1934, e a fotografia da placa de

colação de grau, na qual constam na frente o ano 1932, algo que podemos visualizar

melhor no verso 1932, conforme a seguir:

Imagem 1: Colação de grau, 1934. Fonte: Arquivo do Centro de Documentação Cel. João Pimentel.4

Imagem 2: Frente e verso, 1932 da placa de conclusão de curso. Fonte: Arquivo pessoal de Maria de Betânia, filha de Maria Eulália. (2012).

Sobre a formação de Maria Eulália na Escola Normal de João Pessoa, a educadora

informou que: “Sempre fui muito estudiosa, entrei na Escola Normal muito nova, estava

com 13 anos. Se não me engano saí de lá com aproximadamente 19 anos. Lá eu cursei o

normal e a escola de aperfeiçoamento” (08/02/2013). cursou o complementar, o normal e

a escola de aperfeiçoamento. Eulália mencionou: “Fiz até o último grau de estudo em que

havia na Escola Normal”.5

4 Esta imagem faz parte do acervo de uma exposição de fotografias, em homenagem a Maria Eulália, realizado pelo Centro de Documentação Cel. João Pimentel, no ano 2000. 5 De acordo com Tanuri (2000, p.9) “A reforma, iniciada na Escola Normal, foi estendida a todo o ensino público pela Lei n. 88, de 08/09/92, alterada pela Lei n. 169, de 07/08/1893, as quais consubstanciam as

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Em meio aos arquivos de Maria Eulália, a educadora nos mostra a primeira edição da

Revista Vagas (1934) e menciona que: “Esta resvista eu adquiri quando era aluna na

Escola Normal de João Pessoa. Só quem escrevia nela eram as alunas. Eu também escrevi

nesta revista. Escrevi sobre a educação, educação moderna. Este era o título do que

escrevi, mas não me lembro de mais nada não.” Ainda sobre a sua escrita para a revista

Vagas a educadora mencionou que: “Foi em outra edição, tenho mais não”. Maria Eulália

ainda reveleu que adorava ler e que frequentava “[...] demais a biblioteca da Escola

Normal de João Pessoa.”

Sobre o inicio de sua atuação profissional, mencionou que não era comum professor

com a formação do Curso Normal em Guarabira, afirmando ser a única com o seu grau de

instrução. Afirmou que foi professora de português e professora fundadora de diversas

escolas de sua cidade e proprietária da escola Santa Terezinha por 35 anos. Também

fundou o curso pedagógico, ensino comercial e supletivo em sua cidade natal e explica:

“Quem dava o curso de professor era eu, dava na prefeitura, a convite do prefeito. Aqui

tem tudo agora”. Sobre o seu primeiro emprego, informou que: “Foram me buscar lá no

meu sítio, a cavalo. [...], Ferreira de Melo6, prefeito atual da época. O ano era mais ou

menos 1934 para 1935”. Sobre este transporte, a sua filha Betânia narrou que “[...]

geralmente era o burro mulo”. (Betânia, 10/02/2012)

Ao ser interrogada sobre como desenvolvia suas aulas, mencionou que era “de

acordo com a época”. Esta resposta indica que Maria Eulália vivenciou na sua trajetória

educacional diversos períodos de transição na educação. Também informou que “Se

baseava lendo muito, estudando muito para dar aula” Afirmou que é contra o livro do

professor com respostas, pois assim qualquer um dá aulas. Sobre o seu método para

ensinar, afirmou: “O meu método? Eu mesmo criava. Porque a questão é... ter paciência

pra levar o batente que é pesado, né? Encontramos muita gente inteligente e encontramos

os que estavam zero. (na escola) [...] Pra ajudar todo mundo (alunos).”

Repertório de leituras de Maria Eulália durante sua formação para o magistério

No Brasil, no início do século XX, São Paulo e Rio de Janeiro presenciaram o

surgimento de revistas com apresentação gráficas semelhantes ao padrão de revistas estrangeiras.

principais idéias das elites republicanas paulistas para a instrução pública. Merecem especial destaque: a criação de um ensino primário de longa duração (8 anos), dividido em dois cursos (elementar e complementar); a criação dos “grupos escolares”, mediante a reunião de escolas isoladas, com o ensino graduado e classes organizadas segundo o nível de adiantamento dos alunos; a criação de um curso superior, anexo à Escola Normal, destinado a formar professores para as escolas normais e os ginásios. 6 José Tertuliano Ferreira de Melo atuou como prefeito no período de 1932 à1935. Suas principais obras foram a construção da antiga Praça João Pessoa e o prédio da Prefeitura Municipal. Blog História da Paraíba. Site: http://historiadaparaiba.blogspot.com.br/2007/12/guarabira_21.html Acesso em: 14/10/2012.

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[...] Algumas voltaram a sua atenção para contribuição intelectual da mulher e nomes como o de Júlia Lopes de Almeida, Francisca Júlia da Silva, Priscilliana Duarte de Almeida, entre outras, passaram a ser prestigiados como escritoras e poetisas. Deste grupo de revistas eram representativas: A vida moderna (antiga ‘Sportman’), Fon-Fon! Eu sei tudo, A avenida, A cigarra, A garoa, e outras mais que, ao lado da notícia, da reportagem, do humor e da publicidade, ofereciam ao grande público uma leitura mais acessível, através da prosa e da poesia dos novos escritores que surgiam a cada dia. (LIMA, 1985, p.14)

Dentre as revistas citadas, identificamos no acervo particular da educadora coleções

de revistas como Fon Fon, Eu sei tudo e A cigarra.

Também encontramos no acervo particular de Maria Eulália a primeira edição da

Revista Vagas, publicada pelas alunas da Escola Normal de João Pessoa em 1934. É uma

revista simples, com poucos recursos tipográficos, publicada em preto e branco, possui

letras trabalhadas. Como gerente consta Marlinda Falcão. A diretoria é composta por

Didi Botêlho, Nair Machado e Idá Amstein. As redatoras eram: Djanira Henriques, Iraci

Mororô e Durvalina Falcão. Os textos publicados7 nesta revista estão assinados

exclusivamente por mulheres.

Na capa da revista consta a fotografia de João Pessoa (única imagem da revista). O

primeiro artigo desta revista trata-se do aniversário do aniversário da morte de João

Pessao, intitulado: 26 de Julho. Este artigo, não tem o seu autor identificado. Destaca

João Pessoa como vulto “[...] de estadista, de orientador e de HOMEM ÚNICO [...]”

digno de ser capa da primeira Revista Vagas da Escola Normal de João Pessoa. A seguir,

temos a imagem da capa da Revista Vagas:

Imagem 1: Revista Vagas. Fonte: Arquivo pessoal de Maria Eulália Cantalice (2012).

7 Na sequencia há os títulos e autores dos artigos, alguns identificados, outros não: Na capa “26 de Julho”, em seguida Castro Alves (Denise Paiva), Vagas (Américo Falcão), Narração de um incêndio no Mar (Antônio Gomes), Olavo Bilac (Maria das Mercês Rossi), Recordar (Jandyra Pinto), Abel da Silva, recitado por Durvalina Falcão, Saudade (L.B.), Uma lágrima: a Ivonete (Rinaura Polari), Maestro Gazzi de Sá, Máximas sobre o casamento, Para rir, Ivonete, para as meninas da Escola Normal (autor ilegível), Descrição do Parque Solon de Lucena (Yolanda Lopes), José de Alencar (Durvalina Falcão), Máximas, Pensamentos, A caridade (Maria das Mercês Mariz) Saber interrogar é saber ensinar (Isaura Gama), Narração de um cão (Eunice Medeiros), Charadas, Descrição de um Jardim (Clarice de Araújo).

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26 de Julho. Data Fatidica que assignala a perda irreparável de João Pessôa – O grande Presidente – que sacrificou até a própria vida em prol da dignidade e honradez de seu torrão natal. Ainda sentimos vulnerado o nosso peito pela agitação e pela justa revolta que causou. Tão nefando atentado. De João Pessôa é que o Brasil Precisa. Homem de pulso tinha verdadeira concepção do complicado mecanismo administrativo [...] luto.

Essa revista também sobressalta a vida e os feitos de outros poetas, como é o caso de

Castro Alves, que tem seu perfil biográfico escrito pela aluna Denise Paiva, que inicia sua

escrita, justificando a importância de estudar os diversos poetas do século XVII ao XIX;

afirma que os mesmos, enriqueceram a literatura brasileira e a cultura popular,

destacando José de Alencar, Antônio Castro Alves e as poesias de José Veríssimo. Na

sequência, comunica que Castro Alves é baiano e nasceu em 1947. Descreve de forma

minuciosa o seu semblante aos 19 anos, quando o poeta chega à Faculdade de Direito no

Recife “[...] a visão de um gênio, fonte alta, em forma de torre, bôcca expressiva e

voluntariosa, olhar brilhante, cheio de penetração e argucia - porta aberta ao cérebro à

concepção de grandes idéias; basta a revolta cabeleira, quase sempre agitada ao vento dos

tumultos da rua.” (1934, p.2). Também comunica que o mesmo ficou conhecido como o

poeta dos Escravos. Essa revista tem a característica de publicar perfis biográficos de

poetas ou pessoas que se destacaram na sociedade, contemplando os que tiveram vida

curta como João Pessoa e Castro Alves. Desse modo, Denise Paiva informa:

Em 1868, Castro Alves transferiu-se para S. Paulo, onde pretendia concluir os estudos jurídicos; mas desgraçadamente, não pode realizar o seu inteto: victima de um tiro que lhe atingiu o tendão de achilles numa das calçadas que costuma fazer na região de Paranápanema, veio a falecer em pleno viço da mocidade [...]

Na sequencia, Maria das Mercês escreve sobre Olavo Bilac, o poeta de Sarças de

Fogo e associa a preciosidade de seus poemas à beleza do Rio de Janeiro, sua cidade

natal.

A aluna Rinaura Polari escreve sobre a falta que sua colega Ivonete está fazendo em

sala de aula, após sua morte, mas não declara o motivo de seu falecimento.

Nessa revista, é perceptível o esmero das alunas pela poesia, poemas e biografia de

poetas inesquecíveis. Observando os textos dispostos na revista, podemos-se identificar

uma tendência da época em enaltecer figuras políticas e intelectuais considerados heróis

e/ou modelos para a sociedade.

O artigo sobre o Maestro Gazzi de Sá discorre sobre a sua ida para a “metrópole do

paiz” e a falta que este jovem vai fazer à cidade João Pessoa. Quem encreveu este artigo

não assinou.

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De acordo com Silva (2007) na Paraíba, houve um forte movimento do canto

orfeônico, semelhante ao do Rio de Janeiro e quando se fala no termo “canto orfeônico”,

em nosso estado, atribui-se logo a figura do maestro Gazzi de Sá. Este autor ainda afirma

que o Brasil desconhece este maestro que deixou a Paraíba e foi para o Rio de Janeiro, se

destacando como professor competente, com o seu método de musicalização. No entanto,

poucas pessoas sabem de sua amizade com Villa-Lobos. A partir de 1932, manteve

contato com Villa-Lobos, recebendo orientações para a realização do canto orfeônico na

Paraíba.

Ainda na Revista Vagas, O poema Saudade... assinado por L. B. se difere dos

demais, por se tratar da saudade de uma moça que amou intensamente um rapaz e

naquele momento, apenas desfruta de sua amizade. O uso das letras para identificar a

autoria podem ou não corresponder às iniciais do nome da autora; pode ter sido uma

forma de poder expressar os sentimentos, preservando sua identidade.

A Revista Vagas, além de discorrer sobre os poetas e personalidades consagrados na

sociedade, também enfatiza poemas e poesias que demonstram os sentimentos de

saudosos, de amores não correspondidos, de pessoas que irão viajar e pessoas que já se

foram. Nela, também há a descrição de como deve ser o casamento com rapazes de

diversas profissões na sociedade, o sentimento de contentamento com o lar e elementos

da natureza, a exemplo de explanar como é o belo jardim de uma casa e a beleza do

Parque Sólon de Lucena. Os sentimentos de caridade e piedade também se sobressaem,

mas não se confundem com o saber de como conduzir uma boa aula, Saber interrogar é

saber ensinar:

[...] A interrogação instiga a curiosidade infantil, prende atenção, excita o interesse, fazendo o menino raciocinar suas idéias, até liga-las entre si e formar respostas. [...] chega ao ponto de formar ideias próprias, idéias estas que são orientadas pelas perguntas feitas e que lhes ficam mais gravadas na mente. Pelas devidas respostas o menino descobre até mesmo as contradicções em que elle próprio cae. A imaginação e a memória tornam-se tão activas, que fazem o menino procurar as verdades e, descobrindo-as, formar as respostas [...] (ISAURA GAMA,1934, p.11)

Esta aluna escreve sobre a importância de saber interrogar as crianças em sala de

aula, e afirma que se for bem feito, este ato pode trazer benefícios para desenvolver da

aprendizagem da criança. Despertar a curiosidade da criança, a partir de seu interesse,

conduz o aluno (a) a formar ideias próprias. Esta publicação reflete a preocupação deste

período, sobre a educação destinada às crianças, assunto que se repete em outras revistas

de Maria Eulália, como é o caso das Revistas: O Beija Flôr, O Malho, Eu sei tudo. Sobre

seu entrosamento nesta questão, em sua prática educacional, destaca-se a abertura do

Jardim de Infância em sua Escola Santa Terezinha.

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Segundo Nagle (2009, p.266), o movimento reformista que se apresenta na década de

1920, ocorre em meio à rejeição de determinados fundamentos psicopedagógicos da

“escola tradicional” ampliando os horizontes rumo à “nova escola”. Neste movimento

entra em discussão as “[...] mudanças dos elementos do ambiente escolar ou, melhor,

altera o conteúdo da escolarização, que [...] decorre de uma nova concepção de escola

primária e de uma nova concepção de infância. [...]”

A Revista Vagas, também traz à reflexão de seus leitores outras questões como

humildade, caridade, frases de incentivo ao próximo, a preocupação em zelar pela boa

moral e pelos bons costumes. Questões condizentes com outras leituras, deste período,

presentes em sua biblioteca particular.

Considerações Finais

A Revista Vagas fez parte do período de formação da educadora Maria Eulália.

Merece destaque o fato de ser toda produzida por alunas da Escola Normal; dessa forma

deve ter servido para o exercício tanto da prática da escrita quanto da leitura. A própria

educadora também teve a oportunidade de exercer a autoria na revista. Infelizmente não

tivemos acesso ao número no qual a mesma participou. Este fato nos chama a atenção,

pois reforça a constatação da ausência de textos escritos por Maria Eulália. Por que este

número da revista foi preservado e aquele no qual ela escreveu não foi?

Pelo que se pode observar a partir dos textos publicados na revista há uma

predominância dos textos biográficos de pessoas importantes na sociedade paraibana e

também de poetas de destaque nacional naquele contexto, assim como aspectos ligados à

educação infantil e a valores que devem ser incentivados em prol da moral e dos bons

costumes.

Na Revista Vagas destaca-se a preocupação com a educação em sala de aula e

com as crianças, algo que assemelha-se as práticas de Maria Eulália, na sua Escola Santa

Terezinha, com a fundação do Jardim de Infância.

Referências:

CHARTIER, Roger. Do livro a leitura. Trad. de Cristiane Nascimento. CHARTIER, Roger. Práticas da leitura. 5a ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2011.

CORTEZ, Maria Cecília & SOUZA, Christiano de Souza. Escola e Memória. Bragança Paulista: INFAN-CDAPH. EDUSF, 2000.

DARTON, Robert. História da leitura. In: Burke, Peter (Org). A escrita da história: novas perspectivas. Trad. de Magda Lopes. S. P. Editora da UNESP, 1992. (Biblioteca básica)

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. Trad. Maria Betânia Amoroso e José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. Editando o legado pioneiro: o arquivo de uma educadora. In: BASTOS, Maria T. Santos Cunha & MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. Refúgios do eu: educação, história e escrita autobiográfica. Florianópolis: mulheres, 2000.

NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. São Paulo, EDUSP, 2009.

SILVA, Lucieni Caetano. O canto orfeônico na Paraíba. Claves, n.3, maio de 2007, p. 41 a 53. Disponível em: <http://www.cchla.ufpb.br/claves/>. Acesso em: 17/02/2013.

TANURI, Leonor Maria. História da formação de professores. Revista Brasileira de Educação, n. 14, p. 61-88, maio/ago. 2000.

Fontes escritas: Revista Vagas. Órgão das Alunas da Escola Normal de João Pessôa. Ano I, N.1. PB, 1934.

Fontes Orais:

CAVALCANTI, Maria Eulália Cantalice. Educadora em Guarabira. 28/01/2010.

CAVALCANTI, Maria Eulália Cantalice. Educadora em Guarabira. 08/03/2013.

CAVALCANTI, de Betânia Cantalice. Filha da Educadora. João Pessoa, 10/02/2012.

CAVALCANTI, Marlinto José Cantalice. Filho da educadora. João Pessoa, 15/01/2012.