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Informativo 831-STF (30/06/2016) Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante Processo excluído deste informativo esquematizado por não ter sido concluído em virtude de pedido de vista: ADPF 219/DF. Julgado excluído por ter menor relevância para concursos públicos: RE 729884/RS ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL IMUNIDADE PARLAMENTAR Deputado que, em entrevista à imprensa, afirma que determinada Deputada "não merece ser estuprada" não está protegido pela imunidade material. MINISTÉRIO PÚBLICO Ilegitimidade ativa do MP para impetrar MS questionando decisão administrativa que reconheceu a prescrição em processo administrativo. DIREITO PROCESSUAL CIVIL HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Não é possível fixar honorários recursais quando o processo originário não preveja condenação em honorários. DIREITO PENAL CRIMES CONTRA A HONRA Deputado que, em entrevista à imprensa, afirma que determinada Deputada "não merece ser estuprada" pratica, em tese, injúria (art. 140 do CP). INCITAÇÃO AO CRIME Deputado que, em entrevista à imprensa, afirma que determinada Deputada "não merece ser estuprada" pratica, em tese, incitação ao crime (art. 286 do CP). EVASÃO DE DIVISAS Dinheiro mantido no exterior integrando trust revogável cujo instituidor e beneficiário é a mesma pessoa deverá ser declarado ao Banco Central. DIREITO PROCESSUAL PENAL PROVAS Legitimidade da prova obtida por meio de cooperação jurídica internacional. A tradução dos documentos em idioma estrangeiro só será realizada quando for necessário. COLABORAÇÃO PREMIADA Forma de registro das declarações do colaborador premiado. PRISÃO Novas hipóteses de prisão domiciliar trazidas pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016).

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Informativo 831-STF (30/06/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante Processo excluído deste informativo esquematizado por não ter sido concluído em virtude de pedido de vista: ADPF 219/DF. Julgado excluído por ter menor relevância para concursos públicos: RE 729884/RS

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

IMUNIDADE PARLAMENTAR Deputado que, em entrevista à imprensa, afirma que determinada Deputada "não merece ser estuprada" não está

protegido pela imunidade material. MINISTÉRIO PÚBLICO Ilegitimidade ativa do MP para impetrar MS questionando decisão administrativa que reconheceu a prescrição em

processo administrativo.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Não é possível fixar honorários recursais quando o processo originário não preveja condenação em honorários.

DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA A HONRA Deputado que, em entrevista à imprensa, afirma que determinada Deputada "não merece ser estuprada" pratica,

em tese, injúria (art. 140 do CP). INCITAÇÃO AO CRIME Deputado que, em entrevista à imprensa, afirma que determinada Deputada "não merece ser estuprada" pratica,

em tese, incitação ao crime (art. 286 do CP). EVASÃO DE DIVISAS Dinheiro mantido no exterior integrando trust revogável cujo instituidor e beneficiário é a mesma pessoa deverá

ser declarado ao Banco Central.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS Legitimidade da prova obtida por meio de cooperação jurídica internacional. A tradução dos documentos em idioma estrangeiro só será realizada quando for necessário. COLABORAÇÃO PREMIADA Forma de registro das declarações do colaborador premiado. PRISÃO Novas hipóteses de prisão domiciliar trazidas pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016).

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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

PRESCRIÇÃO Inadmissibilidade da prescrição em perspectiva. COMPETÊNCIA Civil que saca indevidamente benefício de pensão militar comete crime militar. PROCEDIMENTOS Não aplicação do art. 396-A do CPP ao processo penal militar.

DIREITO CONSTITUCIONAL

IMUNIDADE PARLAMENTAR Deputado que, em entrevista à imprensa, afirma que determinada Deputada

"não merece ser estuprada" não está protegido pela imunidade material

A imunidade parlamentar material (art. 53 da CF/88) protege os Deputados Federais e Senadores, qualquer que seja o âmbito espacial (local) em que exerçam a liberdade de opinião. No entanto, para isso é necessário que as suas declarações tenham conexão (relação) com o desempenho da função legislativa ou tenham sido proferidas em razão dela.

Para que as afirmações feitas pelo parlamentar possam ser consideradas como "relacionadas ao exercício do mandato", elas devem ter, ainda de forma mínima, um teor político.

Exemplos de afirmações relacionadas com o mandato: declarações sobre fatos que estejam sendo debatidos pela sociedade; discursos sobre fatos que estão sendo investigados por CPI ou pelos órgãos de persecução penal (Polícia, MP); opiniões sobre temas que sejam de interesse de setores da sociedade, do eleitorado, de organizações ou grupos representados no parlamento etc.

Palavras e opiniões meramente pessoais, sem relação com o debate democrático de fatos ou ideias não possuem vínculo com o exercício das funções de um parlamentar e, portanto, não estão protegidos pela imunidade material.

No caso concreto, as palavras do Deputado Federal dizendo que a parlamentar não merecia ser estuprada porque seria muito feia não são declarações que possuem relação com o exercício do mandato e, por essa razão, não estão amparadas pela imunidade material.

STF. 1ª Turma. Inq 3932/DF e Pet 5243/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 21/6/2016 (Info 831).

A situação analisada, com adaptações, foi a seguinte: O Deputado Federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), durante uma discussão no plenário da Câmara, afirmou que a também Deputada Federal, Maria do Rosário (PT-RS), “não merece ser estuprada”. No dia seguinte, em entrevista concedida em seu gabinete ao jornal "Zero Hora", Bolsonaro reiterou as declarações, dizendo que Maria do Rosário “não merece ser estuprada por ser muito ruim, muito feia, não faz meu gênero”. E acrescentou que, se fosse estuprador, "não iria estuprá-la porque ela não merece". Denúncia e queixa-crime O Procurador-Geral da República ofereceu denúncia contra o parlamentar afirmando que ele, ao fazer essas declarações, teria incentivado o crime de estupro, incorrendo, portanto, no delito do art. 286 do CP:

Incitação ao crime Art. 286. Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

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Além disso, a Deputada ajuizou contra ele queixa-crime sob a alegação de que teria sido vítima de injúria:

Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Defesa do Deputado A defesa argumentou que o parlamentar não cometeu qualquer crime com seu comentário, considerando estar acobertado pela imunidade material prevista no art. 53 da CF/88:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

A denúncia e a queixa-crime foram recebidas pelo STF? Existem elementos indiciários para se prosseguir com a ação penal? SIM.

A imunidade parlamentar material (art. 53 da CF/88) protege os Deputados Federais e Senadores, qualquer que seja o âmbito espacial (local) em que exerçam a liberdade de opinião. No entanto, para isso é necessário que as suas declarações tenham conexão (relação) com o desempenho da função legislativa ou tenham sido proferidas em razão dela. Para que as afirmações feitas pelo parlamentar possam ser consideradas como "relacionadas ao exercício do mandato", elas devem ter, ainda de forma mínima, um teor político. Exemplos de afirmações relacionadas com o mandato: declarações sobre fatos que estejam sendo debatidos pela sociedade; discursos sobre fatos que estão sendo investigados por CPI ou pelos órgãos de persecução penal (Polícia, MP); opiniões sobre temas que sejam de interesse de setores da sociedade, do eleitorado, de organizações ou grupos representados no parlamento etc. Palavras e opiniões meramente pessoais, sem relação com o debate democrático de fatos ou ideias não possuem vínculo com o exercício das funções de um parlamentar e, portanto, não estão protegidos pela imunidade material. No caso concreto, as palavras do Deputado Federal dizendo que a parlamentar não merecia ser estuprada porque seria muito feia não são declarações que possuem relação com o exercício do mandato e, por essa razão, não estão amparadas pela imunidade material. STF. 1ª Turma. Inq 3932/DF e Pet 5243/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 21/6/2016 (Info 831).

Existe uma posição jurisprudencial no sentido de que as declarações proferidas pelo parlamentar dentro do Congresso Nacional seriam sempre protegidas pela imunidade parlamentar ainda que as palavras não tivessem relação com o exercício do mandato. Esse entendimento existe mesmo? SIM. Há diversos julgados do STF afirmando que a imunidade parlamentar material (art. 53 da CF/88) é absoluta quando as afirmações do Deputado ou Senador sobre qualquer assunto ocorrem dentro do Congresso Nacional. A situação poderia ser assim resumida:

Ofensas feitas DENTRO do Parlamento: a imunidade é absoluta. O parlamentar é imune mesmo que a manifestação não tenha relação direta com o exercício de seu mandato.

Ofensas feitas FORA do Parlamento: a imunidade é relativa. Para que o parlamentar seja imune, é necessário que a manifestação feita tenha relação com o exercício do seu mandato.

Veja um precedente do STF neste sentido: “A palavra 'inviolabilidade' significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. (...) Assim, é de se distinguir as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada 'conexão com o exercício do mandato ou com a condição parlamentar' (Inq 390 e 1.710). Para os

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pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário da Assembleia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material.” (STF. Plenário. Inq 1.958, Rel. p/ o ac. Min. Ayres Britto, julgado em 29/10/2003). No mesmo sentido: STF. 1ª Turma. RE 463671 AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 19/06/2007.

Este entendimento não poderia ser aplicado ao caso concreto, considerando que as palavras e a entrevista foram dadas dentro das dependências da Câmara dos Deputados? O STF afirmou que as declarações prestadas pelo Deputado dentro do plenário até poderiam estar abarcadas por este entendimento. No entanto, no dia seguinte ele deu uma entrevista na qual reafirmou as palavras. Portanto, neste momento, a imunidade não é absoluta.

Mas a entrevista foi dada dentro do gabinete no Deputado... Mesmo assim. Para o STF, o fato de o parlamentar estar em seu gabinete no momento em que concedeu a entrevista é um fato meramente acidental, de menor importância. Isso porque não foi ali (no gabinete) que as ofensas se tornaram públicas. Elas se tornaram públicas por meio da imprensa e da internet, quando a entrevista foi veiculada. Dessa forma, tratando-se de declarações prestadas em entrevista concedida a veículo de grande circulação não incide o entendimento de que a imunidade material seria absoluta. É necessário avaliar, portanto, se as palavras proferidas estavam ou não relacionadas com a função parlamentar. E, como, no caso concreto não estavam, ele não estará protegido pela imunidade material do art. 53 da CF/88.

A defesa do Deputado alegou, ainda, que a conduta por ele praticada não configurou o crime do art. 286 do CP porque as afirmações feitas foram genéricas e não incentivaram que pessoas praticassem estupro. Afirmou, ainda, que não teve a intenção de incentivar o crime de estupro. O STF acolheu estes argumentos? NÃO.

A manifestação do Deputado tem o potencial de incitar outros homens a expor as mulheres à fragilidade e à violência física, sexual, psicológica e moral, considerando que foi proferida por um parlamentar, que não pode desconhecer os tipos penais. O crime de estupro tem consequências graves, e sua ameaça constante mantém todas as mulheres em situação de subordinação. Portanto, discursos que relativizam essa gravidade e a abjeção do delito contribuem para agravar a vitimização secundária produzida pelo estupro. O parlamentar, ao utilizar o vocábulo “merece” transformou o estupro em algo como se fosse um prêmio, um favor, uma benesse à mulher. Além disso, transmitiu a ideia de que as vítimas podem merecer os sofrimentos a elas infligidos pelo estupro. Essa fala reflete os valores de uma sociedade desigual, que ainda tolera e até incentiva a prática de atitudes machistas e defende a naturalidade de uma posição superior do homem, nas mais diversas atividades. Para que se consuma o tipo penal do art. 286 do CP não é necessário que o agente incentive, verbal e literalmente, a prática de determinado crime. Este delito pode ser praticado por meio de qualquer conduta que seja apta a provocar ou a reforçar em terceiros a intenção da prática criminosa. Ademais, o delito do art. 286 do CP é crime formal, de perigo abstrato, e independe da produção de resultado. Além disso, não exige o fim especial de agir, mas apenas o "dolo genérico", consistente na consciência de que o comportamento do agente instigará outros a praticar crimes. No caso, a frase do parlamentar tem potencial para estimular a perspectiva da superioridade masculina e a intimidação da mulher pela ameaça de uso da violência. Assim, a afirmação pública do Deputado tem, em tese, o potencial de reforçar a ideia eventualmente existente em outros homens de praticarem violência contra a mulher. STF. 1ª Turma. Inq 3932/DF e Pet 5243/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 21/6/2016 (Info 831).

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Não se pode subestimar os efeitos de discursos que reproduzem o rebaixamento da dignidade sexual da mulher, que podem gerar perigosas consequências sobre a forma como muitos irão considerar o crime de estupro, podendo, efetivamente, encorajar sua prática. O desprezo demonstrado pela dignidade sexual reforça e incentiva a perpetuação dos traços de uma cultura que ainda subjuga a mulher, com o potencial de instigar variados grupos a lançarem sobre a própria vítima a culpa por ser alvo de criminosos sexuais. Depois das declarações do Deputado, surgiu uma campanha na internet no qual várias pessoas postaram a seguinte frase: "eu não mereço ser estuprada". A defesa do parlamentar afirmou que, se as palavras dele incentivaram o estupro, então as mulheres que aderiram a esse movimento também o teriam praticado porque o contexto seria o mesmo. O STF acolheu este argumento? NÃO. Esta campanha se trata de uma crítica e repúdio às declarações do parlamentar. O sentido conferido, na referida campanha, ao verbo “merecer” revela-se oposto ao empregado pelo acusado nas manifestações que externara publicamente. Essas mensagens buscaram restabelecer o sentimento social de que o estupro é uma crueldade intolerável. Injúria Por fim, o STF afirmou que as declarações do Deputado atingiram a honra subjetiva da Deputada, porque rebaixaram sua dignidade moral, expondo sua imagem à humilhação pública, além de associar as características da mulher à possibilidade de ser vítima de estupro. Tese da retorsão imediata Vale ressaltar que o Deputado ainda não foi condenado. Na verdade, agora que se inicia o processo criminal e, após toda a instrução, o mérito das acusações ainda será analisado. Importante destacar, ainda, que o STF ainda não se manifestou sobre um dos argumentos do Deputado, qual seja, o de que ele teria apenas se defendido de prévias agressões verbais praticadas pela Deputada (tese da "retorsão imediata" ou da "reação a injusta provocação"). O STF afirmou que esta alegação somente deveria ser apreciada ao final do processo, após a instrução.

MINISTÉRIO PÚBLICO Ilegitimidade ativa do MP para impetrar MS questionando decisão administrativa

que reconheceu a prescrição em processo administrativo

Importante!!!

O Procurador-Geral da República não possui legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com o objetivo de questionar decisão que reconheça a prescrição da pretensão punitiva em processo administrativo disciplinar.

A legitimidade para impetrar mandado de segurança pressupõe a titularidade do direito pretensamente lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade pública.

O Procurador-Geral da República não tem legitimidade para a impetração, pois não é o titular do direito líquido e certo que afirmara ultrajado.

Para a impetração do MS não basta a demonstração do simples interesse ou atuação como custos legis, uma vez que os direitos à ordem democrática e à ordem jurídica não são de titularidade do Ministério Público, mas de toda a sociedade.

STF. 2ª Turma. MS 33736/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 21/6/2016 (Info 831).

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Imagine a seguinte situação hipotética: O CNJ instaurou procedimento de controle administrativo para apurar a conduta de um magistrado. Alguns meses depois, o processo administrativo disciplinar foi arquivado pelo CNJ em virtude do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva administrativa. O Procurador-Geral da República, que oficia junto ao CNJ (art. 103-B, § 6º, da CF/88), não concordou com a decisão do Conselho e contra ela impetrou mandado de segurança no STF alegando que a conduta do magistrado deveria ser enquadrada em uma infração disciplinar mais grave, o que faria com que não houvesse a referida prescrição. O Procurador-Geral da República sustentou ter legitimidade para impetrar mandado de segurança, diante de sua atuação no feito como custos legis (fiscal da lei), que visa garantir a observância e a correta aplicação do ordenamento jurídico vigente. O mandado de segurança impetrado pelo PGR foi aceito pelo STF? NÃO. O STF não conheceu do writ por entender que:

O Procurador-Geral da República não possui legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com o objetivo de questionar decisão que reconheça a prescrição da pretensão punitiva em processo administrativo disciplinar. STF. 2ª Turma. MS 33736/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 21/6/2016 (Info 831). A legitimidade para impetrar mandado de segurança pressupõe a titularidade do direito pretensamente lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade pública. O Procurador-Geral da República não tem legitimidade para a impetração, pois não é o titular do direito líquido e certo que afirmara ultrajado. Para a impetração do MS não basta a demonstração do simples interesse ou atuação como custos legis, uma vez que os direitos à ordem democrática e à ordem jurídica não são de titularidade do Ministério Público, mas de toda a sociedade. E o § 6º do art. 103-B da CF/88? Quando o § 6º do art. 103-B da CF/88 prevê que o Procurador-Geral da República oficiará junto ao CNJ, esta atuação restringe-se ao âmbito interno do conselho, não significando que ele tenha legitimidade para impetrar mandado de segurança contra as decisões ali proferidas.

DIREITO ADMINISTRATIVO

MINISTÉRIO PÚBLICO Ilegitimidade ativa do MP para impetrar MS questionando decisão administrativa

que reconheceu a prescrição em processo administrativo

Importante!!!

O Procurador-Geral da República não possui legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com o objetivo de questionar decisão que reconheça a prescrição da pretensão punitiva em processo administrativo disciplinar.

A legitimidade para impetrar mandado de segurança pressupõe a titularidade do direito pretensamente lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade pública.

O Procurador-Geral da República não tem legitimidade para a impetração, pois não é o titular do direito líquido e certo que afirmara ultrajado.

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Para a impetração do MS não basta a demonstração do simples interesse ou atuação como custos legis, uma vez que os direitos à ordem democrática e à ordem jurídica não são de titularidade do Ministério Público, mas de toda a sociedade.

STF. 2ª Turma. MS 33736/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 21/6/2016 (Info 831).

Veja comentários em Direito Constitucional.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Não é possível fixar honorários recursais quando o

processo originário não preveja condenação em honorários

Importante!!!

Não cabe a fixação de honorários recursais (art. 85, § 11, do CPC/2015) em caso de recurso interposto no curso de processo cujo rito exclua a possibilidade de condenação em honorários. Em outras palavras, não é possível fixar honorários recursais quando o processo originário não preveja condenação em honorários.

Assim, suponha que foi proposta uma ação que não admite fixação de honorários advocatícios. Imagine que uma das partes, no bojo deste processo, interponha recurso extraordinário. O STF, ao julgar este RE, não fixará honorários recursais, considerando que o rito aplicável ao processo originário não comporta condenação em honorários advocatícios.

Como exemplo desta situação, podemos citar o mandado de segurança, que não admite condenação em honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/2009, súmula 105-STJ e súmula 512-STF). Logo, se for interposto um recurso extraordinário neste processo, o Tribunal não fixará honorários recursais.

STF. 1ª Turma. ARE 948578 AgR/RS, ARE 951589 AgR/PR e ARE 952384 AgR/MS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgados em 21/6/2016 (Info 831).

Nos recursos em geral, se a parte recorrente perde, ela deverá ser condenada em honorários advocatícios mesmo já tendo sido condenada em 1ª instância? SIM. Agora, com o novo CPC, em regra, existe condenação em honorários advocatícios para a parte que interpôs recurso, mas sucumbiu. Esta previsão encontra-se no § 11 do art. 85 do CPC/2015:

§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.

Ex: João ajuizou ação contra Pedro, sendo o pedido julgado improcedente. O juiz condenou João a pagar 10% de honorários advocatícios (§ 2º do art. 85). O autor não se conformou e interpôs apelação, tendo o Tribunal de Justiça mantido a sentença e aumentado a condenação em honorários para 15%, na forma do § 11 do art. 85. Veja o que diz a doutrina sobre este importante § 11 do art. 85 do novo CPC:

"Esta é uma das principais inovações do CPC/2015. No CPC/1973, em cada processo, havia uma única condenação em honorários. No novo sistema, a cada recurso, há a majoração na

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condenação em honorários – além daqueles já fixados anteriormente. 13.1. O teto para a fixação dos honorários é o limite previsto no § 2º (20%, no caso de particulares) e § 3º (3% a 20%, conforme a faixa, no caso da Fazenda Pública). Ou seja, mesmo com a sucumbência recursal, o teto de 20% de honorários não poderá ser ultrapassado. (...) 13.3. Ao julgar o recurso, de ofício, o tribunal irá aumentar os honorários. Assim, é possível que, no cotidiano, ocorra o seguinte: condenação em 10% quando da sentença, majorada para 15% quando do acórdão da apelação e para 20% quando do acórdão do recurso especial (por ser esse o teto legal, como visto). Mas o mais provável é que ocorra o seguinte: condenação em 10% quando da sentença, majorada para 20% quando do acórdão da apelação e mantida nesses 20% quando do acórdão de eventual recurso especial (exatamente por ser o teto legal). 13.4. Em virtude de quais recursos deve ser aplicada a sucumbência recursal? Seriam todos os recursos previstos no artigo 994 do CPC/2015? Como o § 11 destaca “tribunal”, é de se concluir que não há a aplicação em 1º grau. Assim, quando dos embargos de declaração da interlocutória ou sentença, descabe aplicar honorários recursais." (DELLORE, Luiz. Comentários ao art. 85 do CPC. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015 - Parte Geral. São Paulo: Método, 2015, p. 298-299).

Essa nova previsão tem dois objetivos principais: 1º) Remunerar o trabalho do advogado que terá que atuar também na fase de recurso; 2º) Desestimular a interposição de recursos, considerando que, agora, se eles forem improvidos, o recorrente terá que pagar honorários advocatícios, o que não existia antes. Nesse sentido:

O § 11 do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015 tem dupla funcionalidade, devendo atender à justa remuneração do patrono pelo trabalho adicional na fase recursal e inibir recursos provenientes de decisões condenatórias antecedentes. (...) STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 370.579/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 23/06/2016.

Alguns enunciados doutrinários a respeito dos honorários recursais: Enunciado 241-FPPC: Os honorários de sucumbência recursal serão somados aos honorários pela sucumbência em primeiro grau, observados os limites legais. Enunciado 242-FPPC: Os honorários de sucumbência recursal são devidos em decisão unipessoal ou colegiada. Enunciado 243-FPPC: No caso de provimento do recurso de apelação, o tribunal redistribuirá os honorários fixados em primeiro grau e arbitrará os honorários de sucumbência recursal. Enunciado 16-ENFAM: Não é possível majorar os honorários na hipótese de interposição de recurso no mesmo grau de jurisdição (art. 85, § 11, do CPC/2015). Não é possível fixar honorários recursais quando o processo originário não preveja condenação em honorários Não cabe a fixação de honorários recursais (art. 85, § 11, do CPC/2015) em caso de recurso interposto no curso de processo cujo rito exclua a possibilidade de condenação em honorários. Em outras palavras, não é possível fixar honorários recursais quando o processo originário não preveja condenação em honorários. Assim, suponha que foi proposta uma ação que não admite fixação de honorários advocatícios. Imagine que uma das partes, no bojo deste processo, interponha recurso extraordinário. O STF, ao julgar este RE, não fixará honorários recursais, considerando que o rito aplicável ao processo originário não comporta condenação em honorários advocatícios. Como exemplo desta situação, podemos citar o mandado de segurança, que não admite condenação em honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/2009, súmula 105-STJ e súmula 512-STF). Logo, se for interposto um recurso extraordinário neste processo, o Tribunal não fixará honorários recursais. STF. 1ª Turma. ARE 948578 AgR/RS, ARE 951589 AgR/PR e ARE 952384 AgR/MS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgados em 21/6/2016 (Info 831).

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Majorar honorários já fixados O § 11 do art. 85 do CPC/2015 fala que “o tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente”. Dessa forma, para que haja condenação em honorários recursais é necessário que tenha havido condenação anterior em honorários. Assim decidiu o STJ:

(...) Não cabe a majoração dos honorários advocatícios nos termos do § 11 do art. 85 do CPC de 2015 quando o recurso é oriundo de decisão interlocutória sem a prévia fixação de honorários. (...) STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1507973/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 19/05/2016.

DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA A HONRA Deputado que, em entrevista à imprensa, afirma que determinada Deputada

"não merece ser estuprada" pratica, em tese, injúria (art. 140 do CP)

O Deputado Federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) afirmou que a também Deputada Federal Maria do Rosário (PT-RS), “não merece ser estuprada por ser muito ruim, muito feia, não faz meu gênero”. E acrescentou que, se fosse estuprador, "não iria estuprá-la porque ela não merece".

O STF entendeu que a conduta do parlamentar configura, em tese, para fins de recebimento de denúncia, o crime de injúria: "Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa."

As declarações do Deputado atingiram a honra subjetiva da Deputada porque rebaixaram sua dignidade moral, expondo sua imagem à humilhação pública, além de associar as características da mulher à possibilidade de ser vítima de estupro.

STF. 1ª Turma. Inq 3932/DF e Pet 5243/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 21/6/2016 (Info 831).

Para maiores detalhes, veja explicação em Direito Constitucional.

INCITAÇÃO AO CRIME Deputado que, em entrevista à imprensa, afirma que determinada Deputada

"não merece ser estuprada" pratica, em tese, incitação ao crime (art. 286 do CP)

O Deputado Federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) afirmou que a também Deputada Federal, Maria do Rosário (PT-RS), “não merece ser estuprada por ser muito ruim, muito feia, não faz meu gênero”. E acrescentou que, se fosse estuprador, "não iria estuprá-la porque ela não merece".

O STF entendeu que a conduta do parlamentar configura, em tese, para fins de recebimento de denúncia, o delito do art. 286 do CP (incitação ao crime): "Art. 286. Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa."

A manifestação do Deputado tem o potencial de incitar outros homens a expor as mulheres à fragilidade e à violência física, sexual, psicológica e moral, considerando que foi proferida por um parlamentar, que não pode desconhecer os tipos penais.

O crime de estupro tem consequências graves, e sua ameaça constante mantém todas as mulheres em situação de subordinação. Portanto, discursos que relativizam essa gravidade e a abjeção do delito contribuem para agravar a vitimização secundária produzida pelo estupro.

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O parlamentar, ao utilizar o vocábulo “merece” transformou o estupro em algo como se fosse um prêmio, um favor, uma benesse à mulher. Além disso, transmitiu a ideia de que as vítimas podem merecer os sofrimentos a elas infligidos pelo estupro. Essa fala reflete os valores de uma sociedade desigual, que ainda tolera e até incentiva a prática de atitudes machistas e defende a naturalidade de uma posição superior do homem, nas mais diversas atividades.

Para que se consuma o tipo penal do art. 286 do CP, não é necessário que o agente incentive, verbal e literalmente, a prática de determinado crime. Este delito pode ser praticado por meio de qualquer conduta que seja apta a provocar ou a reforçar em terceiros a intenção da prática criminosa.

Ademais, o delito do art. 286 do CP é crime formal, de perigo abstrato, e independe da produção de resultado. Além disso, não exige o fim especial de agir, mas apenas o "dolo genérico", consistente na consciência de que o comportamento do agente instigará outros a praticar crimes.

No caso, a frase do parlamentar tem potencial para estimular a perspectiva da superioridade masculina e a intimidação da mulher pela ameaça de uso da violência. Assim, a afirmação pública do Deputado tem, em tese, o potencial de reforçar a ideia eventualmente existente em outros homens de praticarem violência contra a mulher.

STF. 1ª Turma. Inq 3932/DF e Pet 5243/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 21/6/2016 (Info 831).

Para maiores detalhes, veja explicação em Direito Constitucional.

EVASÃO DE DIVISAS Dinheiro mantido no exterior integrando trust revogável cujo instituidor e beneficiário é a

mesma pessoa deverá ser declarado ao Banco Central

Foi encontrada conta bancária em nome de um Deputado Federal no exterior na qual estavam depositados milhões de dólares. Vale ressaltar que o Parlamentar não comunicou a existência dessa conta ao Banco Central e que, na declaração que os candidatos a cargos eletivos devem prestar à Justiça Eleitoral sobre seus bens, ele também não mencionou a existência desse dinheiro no exterior.

Diante disso, ele foi denunciado pela prática de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98), evasão de divisas (art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86) e falsidade ideológica para fins eleitorais (art. 350 do Código Eleitoral).

Em sua defesa, o denunciado alegou que a conta bancária encontrada não está em nome dele. A sua titularidade pertence a um trust e, portanto, ele não teria obrigação de declará-la ao BACEN nem à Justiça Eleitoral.

Esta tese não foi aceita pelo STF no momento do recebimento da denúncia.

O Deputado Federal foi o instituidor do trust e figura como beneficiário. Além disso, o trust era revogável, de forma que a relação contratual poderia ser a qualquer momento desfeita e o patrimônio voltaria à sua titularidade. Logo, para o STF, ele detém a plena disponibilidade jurídica e econômica dos valores que integram o trust.

Assim, se ele não declarou a existência de tais valores ao Banco Central e à Justiça Eleitoral, praticou, em tese, os crimes de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98), evasão de divisas (art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86) e falsidade ideológica para fins eleitorais (art. 350 do Código Eleitoral).

O fato de as quantias não estarem formalmente em seu nome é absolutamente irrelevante para a tipicidade da conduta.

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A manutenção de valores em contas no exterior, mediante utilização de interposta pessoa ou forma de investimento (trust), além de não desobrigar o beneficiário de apresentar a correspondente declaração ao BACEN, revela veementes indícios do ilícito de lavagem de dinheiro.

STF. Plenário. Inq 4146/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22/6/2016 (Info 831).

Imagine a seguinte situação adaptada: Segundo o Ministério Público, "EC", Deputado Federal, teria recebido vantagem indevida para, valendo-se de sua condição de parlamentar, conseguir influenciar na indicação de determinada pessoa para o cargo de Diretor Internacional da Petrobrás. A suposta "propina" (equivalente a milhões de dólares) teria sido remetida ao exterior, onde foi identificada conta bancária oculta ligada ao parlamentar na qual estaria depositada a quantia. Vale ressaltar que o Deputado Federal não comunicou a existência dessa conta bancária ao Banco Central e que, na declaração que os candidatos a cargos eletivos devem prestar à Justiça Eleitoral sobre seus bens, ele também não mencionou a existência desse dinheiro no exterior. Quais crimes, em tese, praticou EC? corrupção passiva (art. 317 do CP); lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98); evasão de divisas (art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86); e falsidade ideológica para fins eleitorais (art. 350 do Código Eleitoral).

Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena. reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Obs: o STF, em uma hipótese parecida com esta, recebeu a denúncia contra o parlamentar reconhecendo que, em uma primeira análise, estariam previstos tais crimes, embora o mérito da ação penal ainda irá ser apreciado. O que a legislação exige para a MANUTENÇÃO de valores no exterior depositados em conta bancária? REGRA: Se a pessoa física ou jurídica domiciliada no Brasil possuir recursos, bens ou valores em outro país, ela ficará obrigada a informar essa situação ao Banco Central. Isso está previsto no Decreto-Lei nº 1.060/69:

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Art. 1º Sem prejuízo das obrigações previstas na legislação do imposto de renda, as pessoas físicas ou jurídicas ficam obrigadas, na forma, limites e condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, a declarar ao Banco Central do Brasil, os bens e valores que possuírem no exterior, podendo ser exigida a justificação dos recursos empregados na sua aquisição. Parágrafo único. A declaração deverá ser atualizada sempre que houver aumento ou diminuição dos bens, dinheiros ou valores, com a justificação do acréscimo ou da redução.

COMO É ESTA DECLARAÇÃO: 1) se a pessoa possui no exterior menos que 100 mil dólares no dia 31 de dezembro de cada ano: não precisa declarar ao Banco Central. 2) se a pessoa possui entre 100 mil e 100 milhões de dólares no dia 31 de dezembro de cada ano: precisará preencher declaração, destinada ao Banco Central, uma vez por ano, chamada "CBE Anual" 3) se a pessoa possui 100 milhões de dólares ou mais: precisará apresentar declaração trimestral ao Banco Central. É a chamada "CBE Trimestral". Os prazos para entrega da declaração e outras informações estão previstas na Circular nº 3.624/2013 do Banco Central. A Medida Provisória 2.224/2001 prevê o pagamento de uma multa para quem mantém dinheiro no exterior sem ter declarado ao Banco Central. A pessoa que remete ou mantém valores no exterior sem observar as exigências legais, comete crime? SIM. Essa pessoa, em tese, pratica o crime do art. 22 da Lei nº 7.492/86, em especial nas figuras do parágrafo único:

Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.

Além disso, a depender do caso concreto, essa pessoa também poderá ser acusada de cometer outros delitos em concurso formal ou material com o referido art. 22. Exemplos: Falsificação de documento público (art. 297 do CP), particular (art. 298) ou falsidade ideológica (art. 299). Uso de documento falso (art. 304 do CP). Crimes contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/90). Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98). Tese da defesa O denunciado alegou que não recebeu dinheiro indevido e que não influenciou na nomeação do Diretor. O que quero chamar a atenção, no entanto, é para outra tese levantada. Segundo a defesa, a conta bancária encontrada não está em nome de "EC". A sua titularidade pertence a um trust e, portanto, o denunciado não teria obrigação de declará-la ao BACEN nem à Justiça Eleitoral. O que é um trust? É um negócio jurídico por meio do qual um indivíduo (chamado de settlor ou instituidor) transfere um bem (ex: uma casa) ou um valor (ex: dinheiro) para que seja gerido por um administrador (trustee ou fiduciário) em favor de um beneficiário (que pode ser o próprio instituidor ou um terceiro). A partir do momento em que o bem ou valor é transferido e é instituído o trust, formalmente, este bem ou valor não mais pertence ao indivíduo que fez a transferência e passa a ser um patrimônio do trustee (administrador). Segundo o artigo 2º da Convenção de Haia sobre reconhecimento de trusts, os títulos relativos aos bens do trust ficam em nome do curador (administrador).

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O administrador, apesar de ter a propriedade formal desses bens, o faz apenas com o objetivo de administrá-los e/ou de conseguir rendimentos em favor de um (uns) beneficiário(s) que é(são) definido(s) pelo instituidor. Assim, este valor será administrado em favor de uma pessoa (chamada de beneficiário ou beneficial ownership), que pode ser o próprio instituidor ou um terceiro (ex: um filho, uma mãe, um amigo etc.). A forma de administração, o beneficiário e demais aspectos do trust são definidos no contrato firmado entre o instituidor e o administrador.

Personagens Instituidor (settlor): quem transfere a propriedade dos bens e valores; Administrador (trustee ou fiduciário): é quem ficará com a propriedade dos bens e valores com o

objetivo de administrá-los em favor de uma outra pessoa. Em geral, o trustee é uma empresa, quase sempre uma instituição financeira;

Beneficiário (beneficial ownership): é a pessoa que será beneficiada com os bens e valores que estão sendo administrados pelo trustee. O tipo de benefício que ela irá receber irá depender das regras fixadas pelo instituidor e podem ser, por exemplo: receber os valores quando atingir certa idade, receber os rendimentos decorrentes da aplicação dessas quantias, utilizar os valores para pagar seus estudos ou despesas médicas etc.

Origem O trust surgiu na Inglaterra e a expressão poderia ser traduzida como "custódia e administração" de bens ou valores. Atualmente, existe a Convenção Internacional de Haia sobre a lei aplicável ao trust e a seu reconhecimento (1985), no entanto, o Brasil não é signatário. O artigo 2º da Convenção prevê:

Para os propósitos desta Convenção, o termo trust se refere a relações jurídicas criadas – inter vivos ou após a morte – por alguém, o outorgante, quando os bens forem colocados sob controle de um curador para o benefício de um beneficiário ou para alguma finalidade específica.

Natureza jurídica O trust não é uma pessoa jurídica (uma sociedade). Trata-se de um negócio jurídico (contrato).

Bens que compõem o trust Em tese, os bens que compõem o trust são autônomos e não se confundem com os bens que integram o patrimônio do administrador (settlor), do instituidor (trustee) e do beneficiário. Em outras palavras, apesar de estar no nome do administrador e de estar sendo gerido em favor de uma pessoa (beneficiário), os bens que integram o trust não poderiam responder por dívidas de nenhuma dessas pessoas, mas apenas por débitos do próprio trust. Digo que isso ocorre, em tese, porque no país estrangeiro onde o trust foi instituído esta realidade é respeitada. No entanto, perante o direito brasileiro, o tema gera polêmica e não existe uma segurança jurídica de que esta autonomia será aceita. A depender do caso concreto, é possível que as instituições brasileiras, Receita Federal, Banco Central, Poder Judiciário considerem que os valores que compõe o trust sejam de propriedade do seu beneficiário. A dificuldade, nesta hipótese, será trazer de volta para o Brasil estes valores, considerando que os países onde normalmente são instituídos os trusts possuem requisitos muito rígidos para aceitaram a "desconsideração" da relação contratual do trust.

O direito brasileiro prevê a figura do trust? NÃO. Não existe na legislação brasileira a figura do trust, tal qual ocorre em outros países.

Brasileiros instituem trust? Alguns brasileiros que possuem maior patrimônio fazem a instituição de trust no exterior, sendo isso realizado em outros países, em geral lugares considerados "paraísos fiscais" (países com tributação favorecida).

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Lugares onde comumente são instituídos trusts: Bermudas, Bahamas, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Caymans, Barbados, entre outros. O instituidor remete os recursos para o país e, nestes locais, existem profissionais ou empresas especializados neste tipo de negócio e eles ficam responsáveis pela administração dos valores.

Quais são os motivos que levam a sua instituição? O trust, ao contrário do que muitas pessoas pensam, não é, necessariamente, um negócio realizado com objetivos ilícitos ou escusos. Trata-se de uma forma de planejamento e de proteção patrimonial. Algumas razões que levam a pessoa a instituir um trust: Proteger parte de seu patrimônio para o exterior com medo de incertezas que existam no país de

origem (exs: risco de confisco, instabilidade política e econômica, perigo de que ocorra um golpe etc.); Realizar, em vida, a partilha dos bens entre os herdeiros (ex: a pessoa transfere 30 milhões de dólares

ao exterior para serem divididos em três trusts, tendo cada uma como beneficiário cada um dos seus três filhos);

Servir como forma de investimento ou planejamento tributário para pessoas que vivam boa parte do tempo no exterior (ex: a tributação em caso de transferência causa mortis de bens nos EUA é muito alta para pessoas físicas estrangeiras. Por causa disso, alguns brasileiros que compram imóvel naquele país, colocam-no em nome de um trust a fim de pagar menos impostos);

Investir em caridade (ex: um milionário resolve instituir um trust com 20 milhões de dólares determinando que o administrador utilize os recursos para amparar crianças na África).

Obviamente que algumas pessoas também utilizam o trust com fins ilícitos. É o caso, por exemplo, do indivíduo que remeteu ou possui recursos não declarados no exterior e que, para esconder que é o real titular desses valores, institui um trust e transfere a ele a administração de tais quantias, prevendo que ele ou alguma pessoa interposta ("laranja") será o beneficiário. O trust, como regra, é irrevogável. No entanto, na maioria das vezes em que ele é utilizado para fins ilícitos, é prevista uma cláusula de revogabilidade do trust. Trata-se da figura do trust revogável, que não é muito bem visto por transmitir a ideia de que o instituto está sendo utilizado apenas para esconder o real proprietário dos bens e não para a real atividade nele declarada.

Voltando ao nosso exemplo. O denunciado alegou que a conta bancária encontrada não está em nome de "EC". A sua titularidade pertence a um trust e, portanto, ele não teria obrigação de declará-la ao BACEN nem à Justiça Eleitoral. Esta tese foi aceita pelo STF? Em princípio, NÃO. O STF, ao decidir se recebia ou não a denúncia contra o parlamentar, entendeu, em um primeiro momento, que esta tese não poderia ser acolhida.

O Deputado Federal foi o instituidor do trust e figura como beneficiário. Além disso, o trust era revogável, de forma que a relação contratual poderia ser a qualquer momento desfeita e o patrimônio voltaria à sua titularidade. Logo, para o STF, ele detém a plena disponibilidade jurídica e econômica dos valores que integram o trust. Assim, se ele não declarou a existência de tais valores ao Banco Central e à Justiça Eleitoral, praticou, em tese, os crimes de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98), evasão de divisas (art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86) e falsidade ideológica para fins eleitorais (art. 350 do Código Eleitoral). O fato de as quantias não estarem formalmente em seu nome é absolutamente irrelevante para a tipicidade da conduta. A manutenção de valores em contas no exterior, mediante utilização de interposta pessoa ou forma de investimento (trust), além de não desobrigar o beneficiário de apresentar a correspondente declaração ao BACEN, revela veementes indícios do ilícito de lavagem de dinheiro. STF. Plenário. Inq 4146/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22/6/2016 (Info 831).

Obs: vale ressaltar que o STF ainda não terminou o julgamento e pode ser que, em tese, mude seu entendimento ao final. No momento, contudo, a tese foi rechaçada sem grande polêmica.

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LEI DE DROGAS O crime de tráfico privilegiado de drogas não tem natureza hedionda

Importante!!!

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O chamado "tráfico privilegiado", previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), não deve ser considerado crime equiparado a hediondo.

STF. Plenário. HC 118533/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 23/6/2016 (Info 831).

O STJ possui um enunciado em sentido contrário (Súmula 512-STJ). Vejamos o que o Tribunal irá decidir depois desta mudança de entendimento do STF.

Súmula 512-STJ: A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas.

Tráfico de drogas O delito de tráfico de drogas está previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/2006:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Tráfico privilegiado A Lei de Drogas prevê, em seu art. 33, § 4º, a figura do “traficante privilegiado”, também chamada de “traficância menor” ou “traficância eventual”:

Art. 33 (...) § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Qual é a natureza jurídica deste § 4º? Trata-se de uma causa de diminuição de pena.

Surgiu uma tese defensiva sustentando que o art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006 não seria tão grave e, por isso, não poderia ser equiparado a hediondo. A jurisprudência atual do STF acolhe esta posição? SIM.

O chamado "tráfico privilegiado", previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), não deve ser considerado crime equiparado a hediondo. STF. Plenário. HC 118533/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 23/6/2016 (Info 831). Principais argumentos: Para que um crime seja considerado hediondo ou equiparado, é indispensável que a lei assim o

preveja. Ao se analisar a Lei nº 11.343/2006, percebe-se que apenas as modalidades de tráfico de entorpecentes definidas no art. 33, caput e § 1º são equiparadas a crimes hediondos.

O art. 33, § 4º não foi incluído pelo legislador como sendo equiparado a hediondo. O legislador entendeu que deveria conferir ao tráfico privilegiado um tratamento distinto das demais modalidades de tráfico previstas no art. 33, caput e § 1º.

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A redação dada ao art. 33, § 4º demonstram que existe um menor juízo de reprovação nesta conduta e, em consequência, de punição dessas pessoas. Não se pode, portanto, afirmar que este crime tem natureza hedionda.

Os Decretos 6.706/2008 e 7.049/2009 beneficiaram com indulto os condenados pelo tráfico de entorpecentes privilegiado, a demonstrar inclinação no sentido de que esse delito não é hediondo.

Vale ressaltar, ainda, que o crime de associação para o tráfico, que exige liame subjetivo estável e habitual direcionado à consecução da traficância, não é equiparado a hediondo. Dessa forma, afirmar que o tráfico minorado é crime equiparado a hediondo significaria concluir que a lei conferiu ao traficante ocasional tratamento penal mais severo que o dispensado ao agente que se associa de forma estável para exercer a traficância de modo habitual.

Houve uma mudança de entendimento do STF? SIM. Houve um overruling, ou seja, a superação de um entendimento jurisprudencial anterior da Corte. Antes deste julgamento, o STF decidia que o § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 era também equiparado a hediondo. O argumento do STF era o de que a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º não constituía tipo penal distinto do caput do mesmo artigo, sendo o mesmo crime, no entanto, com uma causa de diminuição. Em outras palavras, o § 4º não era um delito diferente do caput. Logo, também deveria ser equiparado a hediondo. Nesse sentido: STF. 1ª Turma. RHC 114842, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 18/02/2014.

E o STJ? O STJ seguia o mesmo caminho do entendimento anterior do STF, ou seja, também decidia que o § 4º do art. 33 seria equiparado a hediondo. A posição era tão consolidada que o STJ editou um enunciado:

Súmula 512-STJ: A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 11/06/2014.

O que acontece agora com a Súmula 512 do STJ? Fica SUPERADA e, certamente, será cancelada em breve. A decisão do STF foi tomada em um habeas corpus e, por isso, não possui eficácia erga omnes e efeitos vinculantes. Apesar disso, como foi proferida pelo Plenário, na prática, tem uma força de persuasão enorme e, por isso, é extremamente provável que o STJ acompanhe o novo entendimento do Supremo e cancele a súmula passando a também decidir que o § 4º do art. 33 não é equiparado a hediondo.

Na prática, o que muda para o réu condenado por tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da LD)? Podemos apontar três mudanças principais:

Segundo a posição anterior Conforme o entendimento ATUAL Não tinha direito à concessão de anistia, graça e indulto.

Passa a ter, em tese, direito à concessão de anistia, graça e indulto, desde que cumpridos os demais requisitos.

Para a concessão do livramento condicional, o condenado não podia ser reincidente específico em crimes hediondos ou equiparados e teria que cumprir mais de 2/3 da pena.

Para a concessão do livramento condicional, o apenado deverá cumprir 1/3 ou 1/2 da pena, a depender do fato de ser ou não reincidente em crime doloso.

Para que ocorresse a progressão de regime, o condenado deveria cumprir: 2/5 da pena, se fosse primário; e 3/5 (três quintos), se fosse reincidente.

Para que ocorra a progressão de regime, o condenado deverá cumprir 1/6 da pena.

Vale ressaltar, por fim, que a tese defensiva acolhida pelo STF e acima explicada foi levada à Corte pela DPU.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVA Legitimidade da prova obtida por meio de cooperação jurídica internacional

A utilização pelo Ministério Público de documentos enviados por outros países para fins de investigação por meio de cooperação jurídica internacional é legítima mesmo não havendo ainda legislação específica no Brasil regulamentando o tema. Isso porque a transferência de procedimento criminal encontra abrigo em convenções internacionais sobre cooperação jurídica, cujas normas, quando ratificadas, assumem status de lei federal.

Dessa forma, é legítima a providência da autoridade brasileira de, com base em material probatório obtido da Confederação Suíça, por sistema de cooperação jurídica internacional, investigar e processar o congressista em questão pelo delito de evasão de divisas, já que se trata de fato delituoso diretamente vinculado à persecução penal objeto da cooperação, que tem como foco central delitos de corrupção e lavagem de capitais.

STF. Plenário. Inq 4146/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22/6/2016 (Info 831).

Documentos encaminhados ao MPF por autoridade estrangeira Determinado Deputado Federal foi denunciado no STF por inúmeros crimes, dentre eles a prática de evasão de dividas (art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86). O MPF obteve das autoridades suíças diversos documentos que fundamentaram a denúncia e foram juntados aos autos.

O procedimento para obtenção desses documentos ocorreu, com adaptações, da seguinte forma: O STF autorizou a quebra do sigilo bancário deste parlamentar, inclusive de contas que ele possuísse fora do país. O Ministério Público Federal do Brasil enviou, por meio do Ministério da Justiça, pedido formal de cooperação ao Ministério Público da Suíça. No pedido, o MPF requereu o envio de documentos bancários que seriam relacionados com o parlamentar investigado. O pedido foi recebido pela autoridade central da Suíça, responsável por receber estes pedidos naquele país, e encaminhado ao Ministério Público suíço. Atendidos os requisitos, o pedido foi aceito e os documentos solicitados foram encaminhados pela autoridade central suíça para a autoridade central brasileira (Ministério da Justiça). O Procurador-Geral da República ofereceu denúncia contra o referido Deputado Federal por inúmeros crimes, dentre eles a prática de evasão de dividas (art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86), utilizando os documentos suíços para fundamentar a acusação.

A defesa alegou que este procedimento de obtenção dos documentos não tem previsão no CPP e em nenhuma outra lei, de forma que seria ilegítimo. Esta tese foi acolhida pelo STF? NÃO.

A utilização pelo Ministério Público de documentos enviados por outros países para fins de investigação por meio de cooperação jurídica internacional é legítima mesmo não havendo ainda legislação específica no Brasil regulamentando o tema. Isso porque a transferência de procedimento criminal encontra abrigo em convenções internacionais sobre cooperação jurídica, cujas normas, quando ratificadas, assumem status de lei federal. Dessa forma, é legítima a providência da autoridade brasileira de, com base em material probatório obtido da Confederação Suíça, por sistema de cooperação jurídica internacional, investigar e processar o congressista em questão pelo delito de evasão de divisas, já que se trata de fato delituoso diretamente vinculado à persecução penal objeto da cooperação, que tem como foco central delitos de corrupção e lavagem de capitais. STF. Plenário. Inq 4146/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22/6/2016 (Info 831).

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Informativo 831-STF (30/06/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 18

Decreto nº 6.974/2009 No caso da relação entre o Brasil e a Suíça, existe um tratado bilateral que autoriza o procedimento. Este tratado foi celebrado em 2004 e promulgado pelo Decreto nº 6.974/2009. O artigo 1º do tratado prevê o seguinte:

1. Os Estados Contratantes comprometem-se a conceder um ao outro, conforme as disposições do presente Tratado, a mais ampla cooperação jurídica em qualquer investigação ou procedimento judiciário relativos a delitos cuja repressão é da jurisdição do Estado Requerente. 2. Os Estados Contratantes trocarão, por suas Autoridades Centrais, a lista das autoridades competentes para apresentar pedidos de cooperação jurídica para os fins do presente Tratado. 3. A cooperação jurídica abrange as seguintes medidas, tomadas em favor de um procedimento penal no Estado Requerente: (...) b) entrega de documentos, registros e elementos de prova, inclusive os de natureza administrativa, bancária, financeira, comercial e societária; (...)

O artigo 23 estabelece quem são consideradas as Autoridades Centrais:

ARTIGO 23 Autoridades Centrais 1. Para os fins do presente Tratado, as Autoridades Centrais são, para o Brasil, a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério de Justiça, e, para a Suíça, o Departamento Federal da Justiça do Ministério Federal de Justiça e Polícia, por intermédio das quais serão apresentados e recebidos os pedidos de cooperação jurídica dos seus tribunais e das suas autoridades. 2. As Autoridades Centrais dos Estados Contratantes comunicam-se diretamente entre si. A tramitação por via diplomática poderá, no entanto, ser utilizada, caso necessário.

PROVAS A tradução dos documentos em idioma estrangeiro só será realizada quando for necessário

A tradução para o vernáculo de documentos em idioma estrangeiro juntados aos autos só deverá ser realizada se tal providência for absolutamente “necessária”.

É o que prevê o CPP: "Art. 236. Os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada imediata, serão, se necessário, traduzidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela autoridade."

A decisão sobre a necessidade ou não da tradução dos documentos cabe ao juiz da causa.

STJ. Corte Especial. AgRg na APn 675/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/06/2015.

STF. Plenário. Inq 4146/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22/6/2016 (Info 831).

Não tradução de determinados documentos juntados aos autos Determinado Deputado Federal foi denunciado no STF por inúmeros crimes, dentre eles a prática de lavagem de dinheiro. O MPF obteve das autoridades suíças diversos documentos que foram juntados aos autos. Ocorre que estes documentos vieram escritos na língua inglesa e o MPF providenciou a tradução de apenas alguns deles. Não se realizou a tradução, por exemplo, dos extratos das contas e dos cartões de crédito. O denunciado, no momento do recebimento da denúncia, alegou que haveria aí nulidade e cerceamento de defesa.

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Informativo 831-STF (30/06/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 19

O STF acolheu a argumentação da defesa? É indispensável a tradução de todos os documentos estrangeiros juntados aos autos? NÃO. A tradução para o vernáculo de documentos em idioma estrangeiro juntados aos autos só deverá ser realizada se tal providência for absolutamente “necessária”. STF. Plenário. Inq 4146/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22/6/2016 (Info 831). É o que prevê o art. 236 do CPP:

Art. 236. Os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada imediata, serão, se necessário, traduzidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela autoridade.

Este também é o entendimento do STJ:

A norma inserta no art. 236 do CPP não impõe que sejam necessariamente traduzidos os documentos em língua estrangeira, autorizando a juntada dos mesmos, mesmo sem tradução, se a crivo do julgador esta se revele desnecessária, ressalvando-se, obviamente, que tal medida não pode cercear a defesa dos acusados (...) STJ. 6ª Turma. REsp 1561021/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Min. Nefi Cordeiro, julgado em 03/12/2015.

E quem deve avaliar se a tradução é ou não necessária? O juiz (ou Tribunal), que é o destinatário da prova. "A aferição de eventual desnecessidade da tradução de documentos redigidos em idioma estrangeiro, que justificariam, na espécie, a viagem ao exterior pretendida pelo denunciado, é cabível ao Juiz, sendo a ele dirigida a regra prevista no art. 236 do CPP." (STJ. Corte Especial. AgRg na APn 675/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/06/2015). Caso concreto No caso concreto, o STF concordou com o PGR e considerou que era desnecessária a tradução dos extratos bancários e de cartão de crédito, já que se trata, em sua essência, de documentos que trazem basicamente informações numéricas, que não exigem qualquer tradução. Tais documentos são compostos de números e alguns avisos e informações padronizadas, sem qualquer relevância no contexto criminal.

COLABORAÇÃO PREMIADA Forma de registro das declarações do colaborador premiado

Não existe obrigatoriedade legal absoluta de que as declarações do colaborador premiado sejam registradas em meio audiovisual.

O § 13 do art. 4º da Lei nº 12.850/2013 prevê que "sempre que possível, o registro dos atos de colaboração será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações".

Desse modo, existe sim uma recomendação da Lei no sentido de que as declarações sejam registradas em meio audiovisual, mas isso não é uma obrigação legal absoluta a ponto de gerar nulidade pelo simples fato de o registro não ter sido feito dessa forma.

STF. Plenário. Inq 4146/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22/6/2016 (Info 831).

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Colaboração premiada Colaboração premiada é um instituto previsto na legislação por meio do qual... - um investigado ou acusado da prática de infração penal - decide confessar a prática do delito - e, além disso, aceita colaborar com a investigação ou com o processo - fornecendo informações que irão ajudar, - de forma efetiva, - na obtenção de provas contra os demais autores dos delitos e contra a organização criminosa, - na prevenção de novos crimes, - na recuperação do produto ou proveito dos crimes ou - na localização da vítima com integridade física preservada, - recebendo o colaborador, em contrapartida, determinados benefícios penais (ex: redução de sua pena).

A colaboração premiada possui natureza jurídica de "meio de obtenção de prova" (art. 3º, I, da Lei nº 12.850/2013). Chamo atenção para esse fato: a colaboração premiada não é um meio de prova propriamente dito. A colaboração premiada não prova nada (ela não é uma prova). A colaboração premiada é um meio, uma técnica, um instrumento para se obter as provas. “Enquanto os meios de prova são aptos a servir, diretamente, ao convencimento do juiz sobre a veracidade ou não de uma afirmação fática (p. ex., o depoimento de uma testemunha, ou o teor de uma escritura pública), os meios de obtenção de provas (p. ex.: uma busca e apreensão) são instrumentos para a colheita de elementos ou fontes de provas, estes sim, aptos a convencer o julgador (p. ex.: um extrato bancário [documento] encontrado em uma busca e apreensão domiciliar). Ou seja, enquanto o meio de prova se presta ao convencimento direto do julgador, os meios de obtenção de provas somente indiretamente, e dependendo do resultado de sua realização, poderão servir à reconstrução da história dos fatos” (BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Rio de Janeiro. Campus: Elsevier. 2012, p. 270).

Declarações do colaborador O investigado (ou acusado), assistido por advogado, negocia o acordo de colaboração premiada com o Delegado de Polícia ou com o Ministério Público. Caso as negociações tenham êxito, as declarações do colaborador serão registradas e será elaborado um termo de acordo de colaboração premiada, a ser assinado por todas as partes e, então, remetido ao juiz para homologação (art. 4º, §§ 6º e 7º, da Lei nº 12.850/2013). Depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo Delegado de Polícia responsável pelas investigações (art. 4º, § 9º, da Lei nº 12.850/2013).

Determinado Deputado Federal foi citado nas declarações de um colaborador premiado que apontou que o parlamentar teria cometido diversos crimes. As declarações do colaborador foram registradas apenas em meio físico (ditadas e transcritas). A defesa arguiu a nulidade deste ato sob o argumento de que as declarações do colaborador deveriam ter sido filmadas a fim de se garantir a plena confiabilidade de suas palavras e a ampla defesa. Esta tese foi aceita pelo STF? NÃO.

Não existe obrigatoriedade legal absoluta de que as declarações do colaborador premiado sejam registradas em meio audiovisual. O § 13 do art. 4º da Lei nº 12.850/2013 prevê que "sempre que possível, o registro dos atos de colaboração será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações". Desse modo, existe sim uma recomendação da Lei no sentido de que as declarações sejam registradas em meio audiovisual, mas isso não é uma obrigação legal absoluta a ponto de gerar nulidade pelo simples fato de o registro não ter sido feito dessa forma. STF. Plenário. Inq 4146/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22/6/2016 (Info 831).

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PRISÃO Novas hipóteses de prisão domiciliar trazidas pelo

Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016)

O Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016), ao alterar as hipóteses autorizativas da concessão de prisão domiciliar, permite que o juiz substitua a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for gestante ou mulher com filho até 12 anos de idade incompletos (art. 318, IV e V, do CPP).

STF. 2ª Turma. HC 134069/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/6/2016 (Info 831).

Lei de Proteção à Primeira Infância A Lei n.º 13.257/2016 prevê a formulação e implementação de políticas públicas voltadas para as crianças que estão na “primeira infância”. A Lei nº 13.257/2016 promoveu alterações no Código de Processo Penal, em especial no regime de prisão domiciliar. Prisão domiciliar O CPP, ao tratar da prisão domiciliar, prevê a possibilidade de o réu, em vez de ficar em prisão preventiva, permanecer recolhido em sua residência. Trata-se de uma medida cautelar que substitui a prisão preventiva pelo recolhimento da pessoa em sua residência.

Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.

As hipóteses em que a prisão domiciliar é permitida estão elencadas no art. 318 do CPP. A Lei nº 13.257/2016 promoveu importantíssimas alterações neste rol. Veja: Inciso IV - prisão domiciliar para GESTANTE independente do tempo de gestação e de sua situação de saúde

CPP ANTES DA LEI 13.257/2016 ATUALMENTE

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (...) IV - gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (...) IV - gestante;

Desse modo, agora basta que a investigada ou ré esteja grávida para ter direito à prisão domiciliar. Não mais se exige tempo mínimo de gravidez nem que haja risco à saúde da mulher ou do feto. Inciso V - prisão domiciliar para MULHER que tenha filho menor de 12 anos A Lei nº 13.257/2016 acrescentou o inciso V ao art. 318 com a seguinte redação:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (...) V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

Esta hipótese não existia e foi incluída pela Lei nº 13.257/2016.

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Inciso VI - prisão domiciliar para HOMEM que seja o único responsável pelos cuidados do filho menor de 12 anos A Lei nº 13.257/2016 acrescentou o inciso VI ao art. 318 com a seguinte redação:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (...) VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

Esta hipótese também não existia e foi incluída pela Lei nº 13.257/2016. Decisão do STF Determinada mulher estava presa preventivamente na penitenciária acusada da prática do crime de tráfico de drogas, quando teve um filho. Este caso chegou até o STF e a Corte, com base na alteração promovida pela Lei nº 13.257/2016 no inciso V do art. 318 do CPP, concedeu, de ofício, a ordem em “habeas corpus” para determinar que a prisão preventiva da mulher seja substituída por prisão domiciliar. A impetração alegava que, pelo princípio da dignidade da pessoa humana, a criança e a mãe têm o direito de permanecer juntas em ambiente que não lhes cause danos. Ressaltava, ainda, que a paciente possui condições favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes e idade inferior a 21 anos. Resumindo: O Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016), ao alterar as hipóteses autorizativas da concessão de prisão domiciliar, permite que o juiz substitua a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for gestante ou mulher com filho até 12 anos de idade incompletos (art. 318, IV e V, do CPP). STF. 2ª Turma. HC 134069/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/6/2016 (Info 831). As hipóteses de prisão domiciliar previstas nos incisos do art. 318 do CPP são sempre obrigatórias? Em outras palavras, se alguma delas estiver presente, o juiz terá que, automaticamente, conceder a prisão domiciliar sem analisar qualquer outra circunstância? NÃO. O art. 318 do CPP, que traz as hipóteses de prisão domiciliar, deve ser aplicado de forma restrita e diligente, verificando-se as peculiaridades de cada caso (Min. Gilmar Mendes, no HC 134069/DF, julgado em 21/6/2016). Existem julgados do STJ afirmando isso expressamente:

(...) 1. A Lei n. 13.257/2016, conhecida por Estatuto da Primeira Infância, prevê a formulação e a implementação de políticas públicas para as crianças que estejam nos seis anos completos de vida. 2. A referida lei estabelece amplo conjunto de ações prioritárias que devem ser observadas na primeira infância (0 a 6 anos de idade), mediante "princípios e diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano" (art. 1º), em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. A alteração e os acréscimos feitos ao art. 318 do Código de Processo Penal encontram suporte no próprio fundamento que subjaz à Lei n. 13.257/2016, notadamente a garantia do desenvolvimento infantil integral, com o "fortalecimento da família no exercício de sua função de cuidado e educação de seus filhos na primeira infância" (art. 14, § 1º). 4. A presença de um dos pressupostos do art. 318 do Código de Processo Penal constitui requisito mínimo, mas não suficiente para, de per si, autorizar a substituição da custódia preventiva por prisão domiciliar, devendo o magistrado avaliar se, no caso concreto, o recurso à cautela extrema seria a única hipótese a afastar o periculum liberatis. (...) STJ. 6ª Turma. HC 354.608/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 24/05/2016.

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A doutrina majoritária também defende que as hipóteses do art. 318 do CPP não são sempre obrigatórias. Veja o que diz Renato Brasileiro:

"(...) a presença de um dos pressupostos indicados no art. 318, isoladamente considerado, não assegura ao acusado, automaticamente, o direito à substituição da prisão preventiva pela domiciliar. O princípio da adequação também deve ser aplicado à substituição (CPP, art. 282, II), de modo que a prisão preventiva somente pode ser substituída pela domiciliar se se mostrar adequada à situação concreta. Do contrário, bastaria que o acusado atingisse a idade de 80 (oitenta) anos para que tivesse direito automático à prisão domiciliar, com o que não se pode concordar. Portanto, a presença de um dos pressupostos do art. 318 do CPP funciona como requisito mínimo, mas não suficiente, de per si, para a substituição, cabendo ao magistrado verificar se, no caso concreto, a prisão domiciliar seria suficiente para neutralizar o periculum libertatis que deu ensejo à decretação da prisão preventiva do acusado." (Manual de Direito Processual Penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 998).

Esta é a posição também de Eugênio Pacelli e Douglas Fischer (Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 645-646) e de Norberto Avena (Processo Penal. 7ª ed., São Paulo: Método, 2012, p. 487) para quem é necessário analisar as circunstâncias do caso concreto para saber se a prisão domiciliar será suficiente. Desse modo, segundo o entendimento doutrinário acima exposto, não basta, por exemplo, que a investigada ou ré esteja grávida (inciso IV) para ter direito, obrigatoriamente, à prisão domiciliar. Ela estando grávida, será permitida a sua prisão domiciliar, mas para tanto é necessário que a concessão desta medida substitutiva não acarrete perigo à garantia da ordem pública, à conveniência da instrução criminal ou implique risco à aplicação da lei penal. Assim, além da presença de um dos pressupostos listados nos incisos do art. 318 do CPP, exige-se que, analisando o caso concreto, não seja indispensável a manutenção da prisão no cárcere. De igual modo, no caso do inciso V, não basta que a mulher presa tenha um filho menor de 12 anos de idade para que receba, obrigatoriamente, a prisão domiciliar. Será necessário examinar as demais circunstâncias do caso concreto e, principalmente, se a prisão domiciliar será suficiente ou se ela, ao receber esta medida cautelar, ainda colocará em risco os bens jurídicos protegidos pelo art. 312 do CPP.

EXECUÇÃO PENAL Calendário de saídas temporárias (saídas temporárias automatizadas)

Importante!!!

Pela literalidade da Lei de Execução Penal, a cada saída temporária deve ser formulado um pedido ao juiz que, então, ouve o MP e a administração penitenciária, e, após, decide.

Em algumas partes do Brasil, no entanto, como é o caso do RJ, os juízes da execução penal adotaram um procedimento para simplificar a concessão dessas saídas temporárias.

Quando o condenado formula o primeiro pedido de saída temporária, o juiz ouve o MP e o diretor do Presídio, e, se estiverem preenchidos os requisitos, concede o benefício. No entanto, nesta primeira decisão o juiz já fixa um calendário de saídas temporárias.

Desse modo, após o juiz deferir o benefício para o apenado nesta primeira vez, as novas saídas temporárias deste mesmo reeducando não mais precisarão ser analisadas pelo juiz e pelo MP, sendo concedidas automaticamente pela direção do Presídio, desde que a situação disciplinar do condenado permaneça a mesma, ou seja, que ele tenha mantido o comportamento adequado no cumprimento da pena. Se cometer falta grave, por exemplo, é revogado o

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benefício. A esse procedimento simplificado deu-se o nome de “saída temporária automatizada” ou “calendário de saídas temporárias”.

O calendário de saídas temporárias é permitido? A prática da saída temporária automatizada é válida?

• STJ: NÃO. O benefício de saída temporária no âmbito da execução penal é ato jurisdicional insuscetível de delegação à autoridade administrativa do estabelecimento prisional (Súmula 520-STJ).

• STF: SIM. É legítima a decisão judicial que estabelece calendário anual de saídas temporárias para visita à família do preso.

STF. 1ª Turma. HC 130502/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 21/6/2016 (Info 831).

STF. 2ª Turma. HC 128763/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4/8/2015 (Info 793).

NOÇÕES GERAIS

O que é a saída temporária? Saída temporária é... - uma autorização concedida pelo juiz da execução penal - aos condenados que cumprem pena em regime semiaberto - por meio da qual ganham o direito de saírem temporariamente do estabelecimento prisional - sem vigilância direta (sem guardas acompanhando/sem escolta) - com o intuito de:

a) visitarem a família; b) frequentarem curso supletivo profissionalizante, de ensino médio ou superior; ou c) participarem de outras atividades que ajudem para o seu retorno ao convívio social.

Obs: o juiz pode determinar que, durante a saída temporária, o condenado fique utilizando um equipamento de monitoração eletrônica (tornozeleira eletrônica).

Obs2: os presos provisórios que já foram condenados (ainda sem trânsito em julgado) e estão cumprindo a pena no regime semiaberto podem ter direito ao benefício da saída temporária, desde que preencham os requisitos legais que veremos abaixo.

Previsão

A saída temporária encontra-se disciplinada nos arts. 122 a 125 da Lei n. 7.210/84 (LEP).

Quem concede a saída temporária? A autorização para saída temporária será concedida por ato motivado do Juiz da execução, devendo este ouvir antes o Ministério Público e a administração penitenciária, que irão dizer se concordam ou não com o benefício.

Requisitos A concessão da saída temporária dependerá da satisfação dos seguintes requisitos (art. 123 da LEP):

I - comportamento adequado do reeducando; É chamado de requisito subjetivo. Normalmente isso é provado por meio da certidão carcerária fornecida pela administração penitenciária. II - cumprimento mínimo de 1/6 da pena (se for primário) e 1/4 (se reincidente). Trata-se do requisito objetivo. Deve-se lembrar que o apenado só terá direito à saída temporária se estiver no regime semiaberto. No entanto, a jurisprudência permite que, se ele começou a cumprir a pena no regime fechado e depois progrediu para o semiaberto, aproveite o tempo que esteve no regime fechado para preencher esse requisito de 1/6 ou 1/4. Em outras palavras, ele não precisa ter 1/6 ou 1/4 da pena no regime semiaberto.

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Poderá se valer do tempo que cumpriu no regime fechado para preencher o requisito objetivo. Com outras palavras, foi isso o que o STJ quis dizer ao editar a Súmula 40: “Para obtenção dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de cumprimento da pena no regime fechado.” III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

Ressalte-se que o simples fato de o condenado que cumpria pena no regime fechado ter ido para o regime semiaberto não significa que, automaticamente, ele terá direito ao benefício da saída temporária. Isso porque o juiz deverá analisar se ele preenche os demais requisitos do art. 123 da LEP (STJ. 6ª Turma. RHC 49.812/BA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 06/11/2014). Quantidade de saídas por ano e tempo de duração

Regras gerais:

Cada preso terá o máximo de 5 saídas temporárias por ano (1 mais 4 renovações).

Cada saída temporária tem duração máxima de 7 dias. Em outras palavras, o preso receberá a autorização para ficar 7 dias fora do estabelecimento prisional.

Entre uma saída temporária e outra deve haver um intervalo mínimo de 45 dias.

Peculiaridade: no caso da saída temporária para estudo, o prazo da saída temporária será igual ao necessário para as atividades discentes (ex: pode ser autorizada a saída temporária todos os dias).

Recomendo ler o art. 124 porque as vezes ele é cobrado literalmente nas provas:

Art. 124. A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano. (...) § 2º Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante, de instrução de ensino médio ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes. § 3º Nos demais casos, as autorizações de saída somente poderão ser concedidas com prazo mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias de intervalo entre uma e outra.

Prazo máximo de 35 dias divididos em menos tempo, com mais saídas por ano: Vimos acima que, como regra, por ano, o apenado tem direito a 5 saídas temporárias, cada uma de, no máximo, 7 dias. Isso significa que, somando todas as 5, a pessoa tem direito a, no máximo, 35 dias de saída temporária por ano. Diante disso, surgiu a seguinte dúvida: seria possível que o condenado tivesse mais que 5 saídas por ano, se fosse respeitado o prazo máximo de 35 dias por ano? A jurisprudência entendeu que sim. Para o STJ, podem ser concedidas mais que 5 saídas temporárias ao longo do ano, desde que seja respeitado o prazo máximo de 35 dias por ano (AgRg no REsp 1406883/RJ, julgado em 18/12/2014). Ex: o juiz pode autorizar que o condenado saia 7 vezes por ano, desde que em cada uma dessas saídas ele só fique até 5 dias fora, com o objetivo de não extrapolar o limite anual de 35 dias por ano.

Condições Ao conceder a saída temporária, o juiz imporá ao beneficiário as seguintes condições legais (obrigatórias): I – o condenado deverá fornecer o endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício; II – o condenado deverá se comprometer a ficar recolhido na residência visitada, no período noturno; III – o condenado não poderá frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres.

Além dessas, o juiz pode fixar outras condições que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal do condenado. Nesse caso, chamamos de condições judiciais (ou facultativas).

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Revogação O benefício da saída temporária será automaticamente revogado quando o condenado: 1. praticar fato definido como crime doloso (não se exige condenação; basta a notícia); 2. for punido por falta grave (aqui se exige que o condenado tenha recebido punição disciplinar); 3. desatender as condições impostas na autorização; ou 4. revelar baixo grau de aproveitamento do curso. Recuperação do direito após ter sido revogado: Se o benefício for revogado por uma das causas acima listadas, o condenado só poderá recuperar o direito à saída temporária se: a) for absolvido no processo penal (hipótese 1); b) for cancelada a punição disciplinar imposta (hipótese 2); ou c) se ficar demonstrado seu merecimento a novo benefício (hipóteses 3 e 4). CALENDÁRIO DE SAÍDAS TEMPORÁRIAS (SAÍDAS TEMPORÁRIAS AUTOMATIZADAS):

Em que consiste o calendário de saídas temporárias (saídas temporárias automatizadas)? Pela literalidade da Lei de Execução Penal, a cada saída temporária deve ser formulado um pedido ao juiz que, então, ouve o MP e a administração penitenciária, e, após, decide. Em algumas partes do Brasil, no entanto, como é o caso do RJ, os juízes da execução penal adotaram um procedimento para simplificar a concessão dessas saídas temporárias. Quando o condenado formula o primeiro pedido de saída temporária, o juiz ouve o MP e o diretor do Presídio, e, se estiverem preenchidos os requisitos, concede o benefício (segue, portanto, todo o rito previsto na LEP). No entanto, nesta primeira decisão o juiz já fixa um calendário de saídastemporárias. Veja um exemplo de decisão nesse sentido: “Ante o exposto, preenchidos os requisitos previstos nos arts. 122, I, e 123, da LEP,CONCEDO ao apenado JOÃO DA SILVA autorização para 5 (cinco) saídas temporárias por ano, com duração de 7 (sete) dias cada, para visita à família, que deverá ser realizada nas seguintes datas: I – Páscoa; II – dia das mães; III – dia dos pais; IV – Natal; V – Ano Novo.

Verificando-se a prática de quaisquer das hipóteses do art. 125 da LEP, ficamautomaticamente revogadas as autorizações para as saídas subsequentes.” Desse modo, após o juiz deferir o benefício para o apenado nesta primeira vez, as novas saídas temporárias deste mesmo reeducando não mais precisarão ser analisadas pelo juiz e pelo MP, sendo concedidas automaticamente pela direção do Presídio, desde que a situação disciplinar do condenado permaneça a mesma, ou seja, que ele tenha mantido o comportamento adequado no cumprimento da pena. Se cometer falta grave, por exemplo, é revogado o benefício. A esse procedimento simplificado deu-se o nome de “saída temporária automatizada” ou “calendário de saídas temporárias”. Insurgência do Ministério Público Alguns Ministérios Públicos pelo país têm se insurgido contra este procedimento e interposto recursos que chegam aos Tribunais Superiores. Segundo argumenta o Parquet, ao adotar essa saída temporária automatizada, o juiz da execução penal está transferindo (delegando) para a autoridade administrativa do estabelecimento prisional a decisão de conceder ou não a saída temporária, o que viola frontalmente o art. 123 da LEP (“Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução...”).

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Além disso, para alguns Promotores, essa prática seria vedada porque cada saída temporária, para ser autorizada, deve ser individualmente motivada com base no histórico do sentenciado. O que entendem os Tribunais Superiores? O calendário de saídas temporárias é permitido? A prática da saída temporária automatizada é válida?

STJ: NÃO

STF: SIM

A autorização das saídas temporárias é ato jurisdicional da competência do Juízo das Execuções Penais, que deve ser motivada com a demonstração da conveniência de cada medida.

Desse modo, não é possível delegar ao administrador do presídio a fiscalização sobre diversas saídas temporárias, autorizadas em única decisão, por se tratar de atribuição exclusiva do magistrado das execuções penais, sujeita à ação fiscalizadora do Parquet.

Assim, não é legítima a prática de se permitir saídas temporárias automatizadas. Para cada pedido de saída temporária, deverá haver uma decisão motivada do Juízo da Execução, com intervenção do MP. STJ. 3ª Seção. REsp 1166251/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 14/03/2012 (recurso repetitivo) (Info 493).

A fim de deixar bem evidente esse entendimento, o STJ editou um enunciado:

Súmula 520-STJ: O benefício de saída temporária no âmbito da execução penal é ato jurisdicional insuscetível de delegação à autoridade administrativa do estabelecimento prisional.

É legítima a decisão judicial que estabelece calendário anual de saídas temporárias para visita à família do preso.

Para o STF, um único ato judicial que analisa o histórico do sentenciado e estabelece um calendário de saídas temporárias, com a expressa ressalva de que as autorizações poderão ser revistas em caso de cometimento de infração disciplinar, mostra-se suficiente para fundamentar a autorização de saída temporária.

O Min. Gilmar Mendes apontou que, em regra, os requisitos das saídas temporárias são os mesmos, independentemente do momento do ano em que ocorrem. “A saída do Natal não tem requisitos mais brandos do que a saída da Páscoa, por exemplo. Não há razão funcional para afirmar que uma única decisão que a ambas contemple é deficiente de fundamentação”.

Além disso, essa prática não exclui a participação do MP, que poderá se manifestar sobre seu cabimento e, caso alterada a situação fática, pedir sua revisão.

A exigência feita pelo STJ no sentido de que haja uma decisão motivada para cada saída temporária coloca em risco o direito do sentenciado ao benefício, em razão do grande volume de processos nas varas de execuções penais.

STF. 1ª Turma. HC 130502/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 21/6/2016 (Info 831). STF. 2ª Turma. HC 128763, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 04/08/2015.

A Súmula 520 foi editada há pouco tempo (25/03/2015), mas é possível que seja cancelada pelo STJ diante do entendimento acima manifestado pelo STF.

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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

PRESCRIÇÃO Inadmissibilidade da prescrição em perspectiva

A prescrição em perspectiva (ou prescrição virtual) não é admitida nos crimes militares, assim como ocorre também nos crimes comuns.

STF. 2ª Turma. HC 125777/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/6/2016 (Info 831).

O que é a chamada prescrição virtual? Ocorre quando o juiz, verificando que já se passaram muitos anos desde o dia em que o prazo prescricional começou ou voltou a correr, entende que mesmo que o inquérito ou processo continue, ele não terá utilidade porque muito provavelmente haverá a prescrição pela pena em concreto. Para isso, o juiz analisa a possível pena que aplicaria para o réu se ele fosse condenado e, a partir daí, examina se, entre os marcos interruptivos presentes no processo, já se passaram mais anos do que o permitido pela lei. Exemplo: João foi denunciado por furto simples, tendo a denúncia sido recebida em 2010 (marco interruptivo da prescrição). A pena para o furto simples vai de 1 a 4 anos (art. 155 do CP). O juiz novo chega na vara em 2015 e verifica que até agora o processo de João praticamente não evoluiu. Nem se marcou ainda a audiência de instrução. Diante disso, ele pensa:

Ainda que João seja condenado e mesmo que receba o dobro da pena mínima (2 anos) haverá prescrição. Isso porque se a pena for de até 2 anos, a prescrição pela pena em concreto será em 4 anos (art. 109, V do CP). Já se passaram mais de 5 anos desde o último dia da interrupção da prescrição. Logo, a instrução e a sentença condenatória “não servirão para nada”, já que, mesmo condenado, o crime estará prescrito.

Para que o crime não esteja prescrito, é necessário que a pena imposta a João seja superior a 2 anos, porque aí a prescrição subiria para 8 anos (art. 109, IV, do CP).

Ocorre que, na visão do juiz, não existem circunstâncias judiciais, agravantes nem causas de aumento. Logo, não há motivos para que a pena de João (se ele for condenado) saia do mínimo legal (1 ano). Mesmo que seja maior que o mínimo, não existem razões para que ela supere 2 anos.

Depois de fazer todo esse prognóstico, o juiz conclui que é inútil marcar instrução, expedir mandados de intimação, gastar recursos com oficial de justiça, ouvir testemunhas e o réu, sabendo (ou tendo praticamente certeza) que, mesmo se condenado, o réu não irá cumprir pena. Diante disso, ele profere uma sentença julgando extinta a punibilidade com base na “prescrição virtual” afirmando que não existe interesse de agir do Estado, já que o processo penal não terá utilidade. Sinônimos A prescrição virtual é também chamada de prescrição “em perspectiva”, “por prognose”, “projetada” ou “antecipada”. A prescrição virtual possui previsão na lei? NÃO. Apesar de ser comum na prática, a prescrição virtual não tem previsão na lei, sendo considerada uma “criação” dos juízes e Tribunais.

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A prescrição virtual é admitida pelo STF e pelo STJ? NÃO. O STF e o STJ afirmam que é inadmissível a prescrição virtual por dois motivos principais:

em virtude da ausência de previsão legal;

porque representaria uma afronta ao princípio da presunção de não-culpabilidade. '

Em suma: A prescrição em perspectiva (ou prescrição virtual) não é admitida nos crimes militares, assim como ocorre também nos crimes comuns. STF. 2ª Turma. HC 125777/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/6/2016 (Info 831).

COMPETÊNCIA Civil que saca indevidamente benefício de pensão militar comete crime militar

Importante!!!

Compete à Justiça Militar julgar a conduta de civil que saca valores oriundos de pensão militar depositados na conta bancária de ex-militar que faleceu e a Administração Militar, por desconhecer a morte, continuou depositando, por engano, o valor da pensão durante meses após o óbito.

O saque indevido por civil de benefício de pensão militar afeta bens e serviços das instituições militares, estando justificada a competência da Justiça Militar.

STF. 2ª Turma. HC 125777/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/6/2016 (Info 831).

Imagine a seguinte situação hipotética: João recebia pensão militar, paga pelo Exército brasileiro. Esta pensão era pessoal e intransferível. João faleceu e sua filha (Isabel) pegou o cartão e a senha do banco onde os depósitos eram efetuados e permaneceu sacando os valores da pensão por alguns meses, até que o Exército soube do falecimento e interrompeu os pagamentos. O Ministério Público Militar ofereceu denúncia contra Isabel imputando-lhe a prática do crime de furto em continuidade delitiva, nos termos do art. 240 c/c art. 80 do CPM:

Furto simples Art. 240. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, até seis anos.

Crime continuado Art. 80. Aplica-se a regra do artigo anterior, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser considerados como continuação do primeiro. Parágrafo único. Não há crime continuado quando se trata de fatos ofensivos de bens jurídicos inerentes à pessoa, salvo se as ações ou omissões sucessivas são dirigidas contra a mesma vítima.

A questão chegou até o STF. A Justiça Militar é competente para julgar esta conduta? A ré, mesmo sendo civil, deverá ser julgada pela Justiça Militar? SIM.

Compete à Justiça Militar julgar a conduta de civil que saca valores oriundos de pensão militar depositados na conta bancária de ex-militar que faleceu e a Administração Militar, por desconhecer a morte, continuou depositando, por engano, o valor da pensão durante meses após o óbito. O saque indevido por civil de benefício de pensão militar afeta bens e serviços das instituições militares, estando justificada a competência da Justiça Militar. STF. 2ª Turma. HC 125777/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/6/2016 (Info 831).

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Em regra, o civil não é julgado pela Justiça Militar. No entanto, existem algumas situações excepcionais em que isso ocorre. O caso em análise é uma delas, considerando que a conduta praticada amolda-se à previsão do art. 9º, III, letra “a” do CPM:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: (...) III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

O crime foi cometido não contra o falecido, mas sim contra patrimônio que estava “sob a administração militar”, tendo em vista que, por já ter morrido o beneficiário, não cabia mais o pagamento da pensão, devendo os valores depositados ser devolvidos ao Exército.

Mutatis mutandis, pode-se aplicar ao caso os seguintes precedentes do STF:

(...) Estelionato praticado por pessoa que, mediante assinatura falsa, se fez passar por pensionista falecida para continuar recebendo os proventos de pensão militar depositados no Banco do Brasil. Recursos sob a administração militar. Competência da Justiça Militar para processar e julgar a respectiva ação penal (artigo 9º, III, "a" do Código Penal Militar). (...) STF. 1ª Turma. HC 84735, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 17/05/2005.

(...) Paciente denunciada pelo Ministério Público Militar pelo crime de estelionato (art. 251, caput, do Código Penal Militar), praticado em detrimento do Fundo de Pensionistas do Exército Brasileiro. (...) Apesar da tendência de limitar a atuação da Justiça Castrense em tempos de paz, o saque indevido por civil de benefício de pensão militar afeta bens e serviços das instituições militares, estando justificada a competência da Justiça militar. Precedentes. (...) STF. 1ª Turma. HC 113423, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 05/02/2013.

(...) Ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal já se pronunciaram no sentido de que compete à Justiça Militar processar e julgar civil acusado da prática do crime de estelionato (art. 251, caput, do Código Penal Militar) cometido mediante saque de pensão de beneficiário falecido. STF. 2ª Turma. HC 115013, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 24/06/2014.

Observação quanto à tipificação oferecida na denúncia: No caso concreto, o MPM denunciou a ré pela prática do crime de furto (art. 240 do CPM). No entanto, existem inúmeras outras situações análogas em que a Justiça Militar reconheceu que o delito praticado nesta hipótese seria o estelionato (art. 251 do CPM). O STF não ingressou na análise deste ponto e se limitou a examinar a questão da competência. Em outras palavras, não se afirmou que a conduta em tela seria realmente furto ou estelionato.

PROCEDIMENTOS Não aplicação do art. 396-A do CPP ao processo penal militar

O art. 396-A do Código de Processo Penal não se aplica ao rito do processo penal militar.

STF. 2ª Turma. HC 125777/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/6/2016 (Info 831).

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JULGADO NÃO COMENTADO

Discussão de matéria infraconstitucional em recurso extraordinário e ausência de repercussão geral O Plenário, por maioria, não conheceu de recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de imposição ao INSS, nos processos em que figurasse como parte ré, do ônus de apresentar cálculo de liquidação do seu próprio débito. A Corte reputou que a pretensão deduzida repousaria apenas na esfera da legalidade. Desse modo, assentou a inexistência de questão constitucional e, por conseguinte, de repercussão geral. De início, destacou que, embora o presente recurso extraordinário tivesse sido apregoado para julgamento conjunto com a ADPF 219/DF (acima noticiada), a ótica no âmbito da ADPF, que é ação objetiva, diferiria da ótica no âmbito do recurso extraordinário. Essa espécie recursal teria por base os fundamentos do acórdão recorrido na via extraordinária, que, no caso, teria apenas realizado interpretação de regras infraconstitucionais (Lei 10.259/2001, Lei 9.099/1995, CPC) e do Enunciado 52 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Desse modo, concluir de forma diversa do que decidido pelo tribunal de origem demandaria o reexame da legislação infraconstitucional. Seria assente no STF o entendimento segundo o qual a contrariedade aos princípios da legalidade genérica ou administrativa, ou do devido processo legal — como alegado no recurso comento —, quando depende de exame de legislação infraconstitucional para ser reconhecida como tal, configuraria apenas ofensa constitucional indireta. Nesse sentido, encontrar-se-ia sob o pálio da Constituição tão somente a garantia desses direitos, mas não seu conteúdo material, isoladamente considerado. Assim, não havendo controvérsia constitucional a ser dirimida no recurso extraordinário, seria patente a ausência de repercussão geral, uma vez que essa, indubitavelmente, pressuporia a existência de matéria constitucional passível de análise pelo STF. Vencido o Ministro Edson Fachin, que conhecia do recurso extraordinário e negava-lhe provimento por entender que seria lícito ao magistrado, atendendo às peculiaridades do caso concreto e aos princípios que regem as causas em tramitação perante os juizados especiais, exigir não só os elementos materiais mantidos sob a guarda do INSS e que fossem necessários à elaboração dos cálculos necessários, como também a apresentação do próprio discriminativo apto a instruir a fase executória do processo. RE 729884/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 23.6.2016. (RE-729884)

OUTRAS INFORMAÇÕES

R E P E R C U S S Ã O G E R A L DJe de 20 a 24 de junho de 2016

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 965.627-PA

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ESTADO DO PARANÁ. POLICIAL MILITAR. VERBA

DEVIDA EM RAZÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO EXTRAORDINÁRIO. REAJUSTE. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL.

AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. É de natureza infraconstitucional a controvérsia relativa ao direito a reajuste da verba paga aos policiais militares do Estado do Paraná em razão da

prestação de serviço extraordinário, porque fundada na interpretação da Lei Estadual 13.280/2011.

2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608-RG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009).

3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 1.035 do CPC/2015.

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE 970.082-SC

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. RECURSO INOMINADO NÃO CONHECIDO POR

DESERÇÃO. DEFINIÇÃO DAS DESPESAS PROCESSUAIS QUE COMPÕEM O PREPARO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL.

AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. É de natureza infraconstitucional a controvérsia relativa à definição das despesas processuais que compõem o preparo.

2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando

eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608-RG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009).

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3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 1.035 do CPC/2015.

REPERCUSSÃO GERAL EM AI N. 864.188-SP

RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA PROPORCIONAL. CRITÉRIO DE CÁLCULO. ART. 53, I E II, DA LEI 8.213/1991. MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO

GERAL.

I – A controvérsia relativa à validade do critério de cálculo da aposentadoria proporcional previsto no art. 53, I e II, da Lei 8.213/1991 está restrita ao âmbito infraconstitucional.

II – O exame da questão constitucional não prescinde da prévia análise de normas infraconstitucionais, o que afasta a possibilidade de reconhecimento

do requisito constitucional da repercussão geral. III – Repercussão geral inexistente.

Decisões Publicadas: 3

C L I P P I N G D O D JE 20 a 24 de junho de 2016

EMB. DIV. NOS EMB. DECL. NO AG. REG. NO RE N. 299.605-PR

RELATOR: MIN. EDSON FACHIN

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

DIREITO TRIBUTÁRIO. CRÉDITO PRÊMIO DE IPI. RESSARCIMENTO SOLICITADO NA VIA ADMINISTRATIVA. RESISTÊNCIA

INJUSTIFICADA DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA. ADIMPLEMENTO INTEMPESTIVO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que há o direito à correção monetária dos créditos de IPI referentes aos valores

não aproveitados na etapa seguinte da cadeia produtiva, desde que fique comprovada a estrita hipótese de resistência injustificada da Administração

Tributária em realizar o pagamento tempestivamente. Precedentes. 2. A verificação, em concreto, da injustificada resistência do Fisco e da adequação dos termos da correção monetária cingem-se ao contencioso

infraconstitucional.

3. Fixação de tese: “A mora injustificada ou irrazoável do fisco em restituir o valor devido ao contribuinte caracteriza a ‘resistência ilegítima’ autorizadora da incidência da correção monetária.”

4. Embargos de divergência a que se dá provimento.

*noticiado no Informativo 820

HC N. 123.698-PE

RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL MILITAR. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. PERÍODO DE PROVA. EQUIPARAÇÃO À PENA CUMPRIDA: IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. INDULTO NATALINO. ART. 1º, INC. XIII, DO DECRETO N.

8.172/2013. REQUISITO DE ORDEM OBJETIVA NÃO ATENDIDO. ORDEM DENEGADA.

1. O adimplemento do período de prova do sursis não se equipara à pena cumprida: Precedentes. 2. Inexistindo efetivo cumprimento de pena, incabível a concessão do indulto coletivo do art. 1º, inc. XIII, do Decreto n. 8.172/2013 por falta de

atendimento ao requisito de ordem objetiva.

3. Ordem denegada. *noticiado no Informativo 808

RMS N. 31.538-DF

REDATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. MARCO AURÉLIO

CONCURSO PÚBLICO – MANDADO DE SEGURANÇA – LIMINAR – ORDEM INDEFERIDA – FATO CONSUMADO – IRRELEVÂNCIA. O indeferimento de ordem, em mandado de segurança, revogada a liminar, implica condição resolutiva considerada nomeação, não cabendo

potencializar fato que foi consumado sob o ângulo precário e efêmero.

*noticiado no Informativo 808

EMB. DECL. NO HC N. 117.338-BA RELATOR: MIN. LUIZ FUX EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. ELEITORAL E CONSTITUCIONAL.

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CRIMES CONTRA A HONRA, PRATICADOS CONTRA SERVIDOR PÚBLICO – ARTS. 324 E

326, C/C ART. 327, II, DO CÓDIGO ELEITORAL. DEPUTADO ESTADUAL. DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NO SENTIDO DA SUSPENSÃO

DA AÇÃO PENAL. NÃO ACOLHIMENTO PELO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. OFENSA AO ART. 53, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

INEXISTÊNCIA. CRIME PRATICADO NO CURSO DE MANDATO PRETÉRITO. SUSPENSÃO NEGADA NA VIGÊNCIA DO MANDATO SEGUINTE.

ENTENDIMENTO HARMÔNICO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STF. COMPETÊNCIA DO STF. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. HC SUBSTITUTIVO DO

RECURSO CABÍVEL. INADMISSÃO. ANÁLISE DAS RAZÕES DA IMPETRAÇÃO NO AFÃ DE VERIFICAR A POSSIBILIDADE DE HABEAS CORPUS DE

OFÍCIO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL QUE NÃO ATACA TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO

AGRAVADA. SÚMULA Nº 283 DO STF. INCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. A comunicação ao parlamento sobre o recebimento da denúncia contra parlamentar (§ 3º do art. 53 da Constituição da República, com a

alteração da Emenda Constitucional n. 35/2001) é obrigatória somente quanto a crimes cometidos durante a vigência do mandato em curso,

tomando-se como parâmetro cada diplomação.

2. Os embargos de declaração opostos objetivando reforma da decisão do relator, com caráter infringente, devem ser convertidos em agravo

regimental, que é o recurso cabível, por força do princípio da fungibilidade. Precedentes: ARE 704.011-ED, Primeira Turma, de que fui Relator, DJe

de 17.10.13; ARE 684.535-ED, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 04.09.13; ARE 694.535-ED, Primeira Turma, Relatora a

Ministra Rosa Weber, DJe de 15.05.13; ARE 732.028-ED, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 26.03.13; AC 3.160-EI-ED,

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Informativo 831-STF (30/06/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 33

Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 06.06.13; RMS 28.194-ED, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de

25.02.13.

3. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, em rol taxativo, no artigo 102, inciso I,

alíneas d e i , da Constituição Federal.

4. O Supremo Tribunal Federal sufraga o entendimento de que a possibilidade de suspensão do curso da ação penal promovida contra parlamentar

pressupõe fatos ocorridos após a diplomação e no curso do mandato atual.

5. A ausência de impugnação de todos os fundamentos da decisão recorrida atrai, mutatis mutandis, o enunciado da Súmula nº 283 do STF: “é

inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos

eles”.

6. In casu, O paciente não está arrolado em nenhuma das hipóteses sujeitas à jurisdição originária desta Corte, o que inibe a concessão de habeas

corpus de ofício, posto ausentes teratologia ou flagrante ilegalidade.

7. Agravo Regimental a que se nega provimento.

AP N. 932-RR

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

EMENTA: AÇÃO PENAL. MAUS-TRATOS DE ANIMAIS (ART. 32 DA LEI 9.605/98) E APOLOGIA DE CRIME (ART. 287 DO CÓDIGO PENAL): PRESCRIÇÃO.

FORMAÇÃO DE QUADRILHA. AUSENTE DEMONSTRAÇÃO DAS ELEMENTARES DO TIPO PENAL. ABSOLVIÇÃO.

1. O crime de quadrilha ou bando compõe-se dos seguintes elementos: a) concurso necessário de, pelo menos, quatro pessoas; b) finalidade específica

dos agentes de cometer crimes indeterminados (ainda que acabem não cometendo nenhum); c) estabilidade e permanência da associação criminosa.

2. A formação de quadrilha ou bando exige, para sua configuração, união estável e permanente de criminosos voltada para a prática indeterminada de vários crimes. Doutrina e jurisprudência.

3. In casu, as testemunhas de acusação apenas confirmaram a presença do réu em um evento onde se realizava rinha de galo, nada informando sobre

sua possível associação com três ou mais pessoas para o fim de praticar indeterminadamente referido delito. 4. A presença das elementares típicas do crime de formação de quadrilha não restou demonstrada, à míngua de indício dos demais agentes com quem

o réu se teria associado para prática de delitos, tampouco havendo indicação da existência de uma associação estável e permanente com fim de

executar crimes. 5. Extinção da punibilidade dos crimes de maus-tratos de animais (art. 32 da Lei 9.605/98) e de apologia do crime (art. 287 do Código Penal), por

terem sido alcançados pela prescrição, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal.

6. Absolvição da acusação de formação de quadrilha, por não haver prova da existência do fato, nos termos do art. 386, II, do Código de Processo Penal, e do parecer do Ministério Público.

ADI N. 2.295-RS

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

PROCESSO NORMATIVO – INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. Em se tratando de disciplina da atuação do próprio Poder Executivo, quanto

à criação de conselho de acompanhamento, bem como de consequências jurídicas alusivas a relações mantidas com particulares, incumbe a

iniciativa do projeto ao Chefe do Poder Executivo.

*noticiado no Informativo 830

Acórdãos Publicados: 292

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais

aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham

despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Prisão em Flagrante - Pessoa Pobre - Requisitos de Cautelaridade - Ausência - Fiança Criminal

- Desnecessidade - Liberdade Provisória - Concessão (Transcrições)

HC 134508-MC/SP*

RELATOR: Ministro Celso de Mello

EMENTA: Prisão em flagrante. Furto simples (CP, art. 155, “caput”) e direção ilegal de veículo automotor (CTB, art. 309). Paciente que, por

ser pobre, não tem condições de prestar fiança criminal (CPP, art. 325, § 1º, I). Manutenção, mesmo assim, de sua prisão cautelar. Ausência dos

requisitos de cautelaridade. Existência, contra o paciente, de procedimentos penais em curso: Irrelevância. Presunção constitucional de inocência. Direito fundamental que assiste a qualquer pessoa. Caráter excepcional da prisão cautelar. Incongruência de manter-se

cautelarmente preso alguém que, se condenado, sofrerá a execução da pena em regime aberto (CP, art. 33, § 2º, “c”), caso o magistrado

sentenciante não opte por substituir a pena de prisão por penas meramente restritivas de direitos (CP, art. 44, I). A prevalência da liberdade como valor fundamental que se reveste de condição prioritária (“preferred position”) no plano das relações entre o indivíduo e o Estado.

Precedentes. A clamorosa situação do sistema penitenciário brasileiro como expressão visível e perversa de um estado de coisas

inconstitucional (ADPF 347-MC/DF). Concessão de liberdade provisória ao paciente. Medida cautelar deferida.

DECISÃO: A Defensoria Pública do Estado de São Paulo postula a concessão de liberdade provisória em favor do ora paciente, por ela qualificado como “lavrador”, por tratar-se de pessoa que “não tem condições financeiras de arcar com a fiança”, eis que se cuida de pessoa

“pobre”.

A fiança foi inicialmente arbitrada em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) pela autoridade policial com fundamento no art. 322 do CPP, em razão de a prisão em flagrante haver ocorrido pela suposta prática do delito de furto simples (CP, art. 155, “caput”).

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Informativo 831-STF (30/06/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 34

O magistrado, no entanto, houve por bem elevar esse valor para 20 (vinte) salários mínimos, fazendo-o com apoio no art. 325, I, do CPP,

em ordem a que o “quantum” majorado sirva “como garantia real para assegurar que o investigado, em liberdade, não venha a praticar atos

criminosos no transcorrer do processo”. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, ao deduzir a presente impetração, pôs em destaque um dado que se me afigura extremamente

relevante, pois sustenta que, embora a decisão judicial tenha considerado “ausentes os requisitos da prisão”, manteve preso, mesmo assim, o ora

paciente, que “permanece segregado pelo simples fato de ser pobre”. O exame de todos esses elementos convence-me de que não pode subsistir, no caso, a prisão do ora paciente, ainda mais se considerar o

estado de pobreza que caracteriza a sua presente situação econômico-financeira, tal como alegado pela ilustre Defensora Pública estadual da

comarca de Barretos/SP. Não assume qualquer relevo o fato – destacado pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no acórdão denegatório da ordem de

“habeas corpus” (peça de que tomei conhecimento mediante acesso aos registros eletrônicos que a Corte paulista mantém na “Internet”) – de que “o

paciente já teve instaurado contra si processo por crime da mesma espécie, além de outro por posse de entorpecente para uso próprio”. E a razão é uma só: ninguém pode ser despojado do direito fundamental de ser considerado inocente até que sobrevenha o trânsito em

julgado de sentença penal condenatória (CF, art. 5º, inciso LVII).

A consagração constitucional da presunção de inocência como direito fundamental de qualquer pessoa – independentemente da gravidade ou da hediondez do delito que lhe haja sido imputado – há de viabilizar, sob a perspectiva da liberdade, uma hermenêutica

essencialmente emancipatória dos direitos básicos da pessoa humana, cuja prerrogativa de ser sempre considerada inocente, para todos e

quaisquer efeitos, deve prevalecer até o superveniente trânsito em julgado da condenação criminal. Na realidade, a presunção constitucional de inocência qualifica-se como uma importantíssima cláusula de insuperável bloqueio à imposição

prematura de quaisquer medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica das pessoas em geral.

É por isso que ninguém, absolutamente ninguém, pode ser tratado como se culpado fosse antes que sobrevenha contra ele condenação penal transitada em julgado, tal como tem advertido o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte:

“O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE

CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.

– A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais que culminem por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias

fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem.

Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) – presumir-lhe a culpabilidade.

Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que

exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes consequências,

uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao

réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes.” (HC 96.095/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Disso resulta que a mera existência de inquéritos policiais em curso e a tramitação de processos penais em juízo não autorizam que se

atribua a qualquer pessoa, só por isso, a condição de portadora de maus antecedentes nem permitem que se lhe imponha medidas restritivas de direitos ou supressivas da liberdade.

Sempre sustentei esse entendimento no Supremo Tribunal Federal (RTJ 136/627 – RTJ 139/885 – RTJ 187/646, v.g.), apoiando-me, para

tanto, em minhas decisões, na orientação firmada em antiga e valiosa jurisprudência estabelecida pelos Tribunais em geral (RT 418/286 – RT

422/307 – RT 572/391 – RT 586/338, v.g.) e, também, no magistério da doutrina (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código Penal Anotado”, p.

199/200, 11ª ed., 2001, Saraiva; CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR e FÁBIO M. DE ALMEIDA

DELMANTO, “Código Penal Comentado”, p. 107, 5ª ed., 2000, Renovar; ROGÉRIO GRECO, “Curso de Direito Penal – Parte Geral”, vol. I/626, item n. 11.3.2, 5ª ed., 2005, Editora Impetus, v.g.).

As circunstâncias subjacentes a esta impetração impõem uma observação que reputo pertinente e necessária, tendo presente o contexto em

análise. Não há razão em manter-se na prisão alguém que, além de impossibilitado de prestar fiança por ser pobre, também não teve convolada em

prisão preventiva a sua prisão em flagrante, eis que o próprio magistrado de primeiro grau, ao reconhecer inviável a conversão pretendida pela

Promotoria de Justiça da comarca de Guaíra/SP, destacou, quanto a referido pleito, a ausência dos necessários requisitos de cautelaridade. Há a considerar, ainda, o fato, juridicamente relevante, de que o ora paciente, na pior das hipóteses, sendo eventualmente condenado,

sofrerá pena não superior a 04 (quatro) anos em razão de sua própria primariedade, o que lhe ensejará a conversão, em pena restritiva de direitos,

da sanção privativa de liberdade, em face da ausência de violência na perpetração dos delitos pelos quais está sendo processado (furto simples e direção ilegal de veículo automotor).

Vê-se, daí, que se revela gravemente contraditório manter-se cautelarmente preso aquele que, mesmo em cenário completamente

desfavorável, venha a sofrer, quando muito, punição legalmente substituível por sanções alternativas à prisão (CP, art. 44, I), salvo se o magistrado sentenciante lhe impuser o cumprimento da pena em regime aberto (CP, art. 33, § 2º, “c”).

Demais disso, e consideradas as circunstâncias do caso concreto – possibilidade de o paciente, se condenado, ter acesso ao regime aberto

ou, então, de sofrer pena restritiva de direitos –, torna-se incongruente, quando não cruel, a efetivação de sua prisão cautelar e consequente recolhimento prisional ao sistema penitenciário brasileiro, que foi qualificado pelo Supremo Tribunal Federal, em importante julgamento plenário

(ADPF 347-MC/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO), como expressão perversa de um visível e lamentável “estado de coisas inconstitucional”.

Na verdade, o sistema penitenciário brasileiro tem-se caracterizado por uma situação de crônico desaparelhamento material, o que culmina por viabilizar a imposição de inaceitáveis condições degradantes aos que se acham a ele recolhidos, traduzindo, em sua indisfarçável realidade

concreta, hipótese de múltiplas ofensas à Constituição, em clara atestação da inércia, do descuido, da indiferença e da irresponsabilidade do Poder

Público em nosso País. Não foi por outro motivo que esta Suprema Corte reconheceu existir, no Brasil, um claro e indisfarçável “estado de coisas inconstitucional”

resultante da omissão do Poder Público em implementar medidas eficazes de ordem estrutural que neutralizem a situação de absurda patologia

constitucional gerada, incompreensivelmente, pela inércia do Estado, que descumpre a Constituição Federal, que ofende a Lei de Execução Penal e

que fere o sentimento de decência dos cidadãos desta República.

O quadro de distorções revelado pelo clamoroso estado de anomalia de nosso sistema penitenciário desfigura, compromete e subverte, de

modo grave, a própria função de que se acha impregnada a execução da pena, que se destina – segundo determinação da Lei de Execução Penal – “a proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (art. 1º).

Aquele que ingressa no sistema prisional, mesmo em razão de prisão cautelar (como sucede na espécie), sofre punição que a própria

Constituição da República proíbe e repudia, pois a omissão estatal na adoção de providências que viabilizem a justa execução da pena ou o

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Informativo 831-STF (30/06/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 35

respeito efetivo ao ordenamento positivo cria situações anômalas e lesivas à integridade de direitos fundamentais do prisioneiro, culminando por

subtrair-lhe o direito – de que não pode ser despojado – ao tratamento digno.

Os sentenciados que cumprem condenações penais a eles impostas ou os presos cautelares recolhidos ao sistema penitenciário continuam à margem do sistema jurídico, pois ainda subsiste, quanto a eles, a grave constatação – feita por HELENO CLÁUDIO FRAGOSO – de que as

condições intoleráveis e degradantes em que vivem os internos nos estabelecimentos prisionais constituem a pungente e dramática revelação de que

“os presos não têm direitos”. Todas as razões que venho de expor levam-me a superar o obstáculo fundado em restrição sumular (Súmula 691/STF), sob pena de

subsistir contra o paciente situação de injusto constrangimento ao seu “status libertatis”.

Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a conceder, cautelarmente, liberdade provisória

ao ora paciente, independentemente de prestação de fiança criminal, seja em face do que prescreve o art. 325, § 1º, I, do CPP, seja, ainda, por

entender insubsistente a sua prisão em flagrante, em razão da ausência dos requisitos de cautelaridade.

Expeça-se, em consequência, alvará de soltura em favor de Wagner Francisco Magalhães, se por al não estiver preso. Comunique-se, com urgência, encaminhando-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 355.579/SP, Rel. Min.

NEFI CORDEIRO), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC 2081362-34.2016.8.26.0000, Rel. Des. HERMANN HERSCHANDER) e

ao MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de Guaíra/SP (Processo-crime nº 0000843-58.2016.8.26.0210). Intime-se, mediante ofício, a ilustre impetrante, Dra. Mariana Teixeira Zequini, que atua na 3ª Defensoria Pública da comarca de

Barretos/SP, sem prejuízo de pessoal e regular cientificação do representante da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Brasília. Publique-se.

Brasília, 22 de junho de 2016 (22h25).

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

*decisão publicada no DJe de 27.6.2016

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS 20 a 24 de junho de 2016

Lei nº 13.299, de 21.6.2016 - Altera a Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, a Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, a

Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, a Lei nº 12.111, de 9 de dezembro de 2009, a Lei nº 12.783, de 11 de janeiro de 2013,

que dispõe sobre as concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, e a Lei nº 13.182, de 3 de novembro

de 2015; e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção nº 1, Edição nº 118, p. 1, em 22.6.2016.

Lei nº 13.300, de 23.6.2016 - Disciplina o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo e dá

outras providências. Publicada no DOU, Seção nº 1, Edição nº 120, p. 1, em 24.6.2016.

Medida Provisória nº 734, de 21.6.2016 - Dispõe sobre a prestação de apoio financeiro pela União ao Estado do

Rio de Janeiro para auxiliar nas despesas com Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro decorrentes dos Jogos

Olímpicos e Paraolímpicos - Rio 2016. Publicada no DOU, Seção nº 1, Edição Extra nº 117, p. 1, em 21.6.2016.

OUTRAS INFORMAÇÕES 20 a 24 de junho de 2016

Decreto nº 8.787, de 20.6.2016 - Altera o Decreto nº 8.758, de 10 de maio de 2016, que regulamenta a Lei nº 7.565,

de 19 de dezembro de 1986, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica, para estabelecer procedimentos a serem

observados com relação a aeronaves suspeitas ou hostis durante os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016. Publicada no

DOU, Seção nº 1, Edição nº 117, p. 9, em 21.6.2016.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) - Emenda Regimental nº 51, de 22.6.2016 – Acrescenta dispositivos ao

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal para permitir o julgamento por meio eletrônico de agravos internos e

embargos de declaração. Divulgada no DJe/STF, nº 133, p. 1, em 24.6.2016.

O Informativo STF voltará a circular em agosto de 2016.

Secretaria de Documentação – SDO Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

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