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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: COMO SE CONSTITUIU A JUVENTUDE NA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL DO PAÍS (1940 2012) 1 Luani de Liz Souza 2 [email protected] UDESC/PPGE Celso João Carminati 3 [email protected] UDESC/PPGE Palavras-chave: História da Educação; Movimento Escolanovista; Legislação Educacional; Juventude; INTRODUÇÃO Quem elegeu a busca, não pode recusar a travessia... Guimarães Rosa Neste texto, pretendemos apresentar um conjunto de reflexões que desenvolvemos a respeito de uma elaboração conceitual de “juventude” presente na História da Educação Brasileira a partir de princípios conceituais contidos na legislação educacional. Assim buscamos identificar nas definições conceituais desta categoria as diferentes maneiras que tem levado a uma definição dos sujeitos escolares, estando estas diretamente relacionadas às formas e às práticas sociais e políticas que constituem historicamente as relações de poder na educação. O foco desta discussão sobre a categoria “juventudeno contexto da História da Educação é um desdobramento dos estudos da pesquisa realizada no Curso de Mestrado em Educação, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina. Tal discussão objetivava ir para além dos apontamentos em torno das forças sociais e políticas que estão pontualmente indicadas nas legislações das políticas educacionais voltadas para o mundo do trabalho e particularmente para a formação dos jovens com objetivos de inserção no mundo produtivo desde a metade do último século XX. Esta situação equivale a remeter a uma discussão sobre a imersão da juventude na contemporaneidade nessa relação entre educação e trabalho. E, tomando a epígrafe acima que nos reporta ao pensamento de Guimarães Rosa quem elege a busca não pode recusar a travessia, indica que podemos observar como havia diferentes delimitações dos sujeitos “jovens” nos percursos educativos e na sociedade.

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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: COMO SE CONSTITUIU A

JUVENTUDE NA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL DO PAÍS (1940 – 2012)1

Luani de Liz Souza2

[email protected]

UDESC/PPGE

Celso João Carminati3

[email protected]

UDESC/PPGE

Palavras-chave: História da Educação; Movimento Escolanovista; Legislação Educacional;

Juventude;

INTRODUÇÃO

Quem elegeu a busca, não pode recusar a travessia...

Guimarães Rosa

Neste texto, pretendemos apresentar um conjunto de reflexões que desenvolvemos a

respeito de uma elaboração conceitual de “juventude” presente na História da Educação

Brasileira a partir de princípios conceituais contidos na legislação educacional. Assim

buscamos identificar nas definições conceituais desta categoria as diferentes maneiras que tem

levado a uma definição dos sujeitos escolares, estando estas diretamente relacionadas às

formas e às práticas sociais e políticas que constituem historicamente as relações de poder na

educação.

O foco desta discussão sobre a categoria “juventude” no contexto da História da

Educação é um desdobramento dos estudos da pesquisa realizada no Curso de Mestrado em

Educação, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa

Catarina. Tal discussão objetivava ir para além dos apontamentos em torno das forças sociais

e políticas que estão pontualmente indicadas nas legislações das políticas educacionais

voltadas para o mundo do trabalho e particularmente para a formação dos jovens com

objetivos de inserção no mundo produtivo desde a metade do último século XX. Esta situação

equivale a remeter a uma discussão sobre a imersão da juventude na contemporaneidade nessa

relação entre educação e trabalho.

E, tomando a epígrafe acima que nos reporta ao pensamento de Guimarães Rosa

“quem elege a busca não pode recusar a travessia”, indica que podemos observar como

havia diferentes delimitações dos sujeitos “jovens” nos percursos educativos e na sociedade.

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Além disso, podemos afirmar que as produções sobre história da educação não

coincidem com as produções sobre a história da juventude. Aliás, as preocupações com a

juventude que apareciam desde a metade do último século foram tomando maior visibilidade

a partir das últimas décadas do século passado. A partir de então, a categoria juventude vêm

sendo discutida mais intensamente, se tornando uma atenção central dos legisladores e do

governo federal, e aos poucos se constituindo numa marca e numa preocupação social e

cultural como movimento necessário a inserção no mundo produtivo.

Na perspectiva da educação e trabalho percebe-se um imaginário social ainda que

rebuscado por outras nomeações em torno das ideias de progresso e desenvolvimento

vinculado ao grupo social da juventude, todavia nesse momento a educação aloca um poder

de entusiasta para com este grupo social, ou seja, é a invenção do sujeito escolar, por outras

categorias ou grupos sociais, e instituições que ao estar em discurso e práticas nesse caso,

com os jovens, estabelecem formas de viverem em sociedade.

As formas como tem sido entendidos os grupos de jovens tem indicado situações e

vivências que parece estarmos naturalizando a existência e as suas práticas culturais de

consumo e de produção. Por isto é que pensamos no sentido e na importância da discussão

dos conceitos de juventude no âmbito da História da Educação.

Vivemos em uma sociedade escolarizada que cada vez mais se inscreve nos valores da

educação formal cujos degraus dizem respeito a uma constituição da vida pela via do trabalho

e pela via da organização social pela educação. A educação básica oferecida no período criou

ao longo de seu processo uma dupla formação entre escola pública voltada para os filhos das

classes empobrecidas e uma escola privada voltada para os filhos das elites. Notadamente os

filhos das elites tem galgado os melhores postos e vem recebendo as melhores remunerações.

A conclusão dos estudos desde nível de ensino conforme dados gerais divulgados é que

apenas 1/3 dos jovens que estudam em escolas públicas conseguem concluir estes estudos,

sendo os demais 2/3 excluídos do sistema de ensino ou absorvidos pelo mercado de trabalho,

sem contarmos é claro, que nas piores posições ou ocupações e remunerações salariais. No

nível superior a pirâmide se complexifica mais, pois parcelas diminutas da população da

juventude pobre ou vinda das escolas públicas chegam a entrar e a concluir este grau de

ensino e a ocupar posições e ocupações de trabalho importantes.

Diante deste quadro, parece estar dada a condição de existência desse sujeito escolar –

o jovem na educação. O que se aponta nas produções bibliográficas são uma ausência e

presença oscilante da juventude na educação, ou mesmo, se considerarmos o termo “aluno”

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passamos a um coletivo que faz desaparecer as singularidades de formação para esse grupo

social.

Afinal, quem é o jovem na História da Educação do Brasil recente? Porque iniciar esse

estudo de definição da juventude através da legislação educacional? Diferentemente de outros

momentos históricos, numa tentativa de atender a estas demandas, hoje, temos uma Política

Nacional de Juventude, mediante a Lei nº 11.129 de 2005, que delimita, constitui diretrizes e

legisla sobre esse grupo social. Porém, por muito tempo as modalidades ou os níveis de

ensino que faziam essa delimitação e diretrizes, além das leis que constituem o sujeito

trabalhador, a faziam como o homem adulto.

Neste sentido, eleger a parte dos documentos oficiais como fonte para analise não é

desconsiderar outras formas de abordar as representações e constituição da juventude, mas

com essa abordagem nas legislações da educação não queremos reafirmar a condição de onde

não há documento não há história, mas partirmos para o princípio de que os homens são

regidos no cotidiano por suas práticas sociais que estão delimitadas através dos direitos e

deveres que se constituem na legislação de um país. Desse modo, a operação historiográfica

que propomos é uma leitura crítica para identificar como se representou na história da

legislação da educação esse jovem, uma vez que a educação como princípio de socialização

configura e reconfigura esse sujeito, conforme o projeto cultural legitimado nas instâncias e

estruturas políticas.

UM LUGAR NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Afirmar que há um lugar para a juventude na História da Educação é algo complexo

tendo em vista, a ordem transitória instalada sobre esses sujeitos, a marcação do seu tempo

histórico relacionado diretamente ao sistema de ensino, que coloca-os nesse entre-lugar,

símbolo constante de um país em modernização.

Entenderíamos que nesse caso, estamos tratando efetivamente da educação de jovens e

dos jovens só a partir do último ano do ensino fundamental e no ensino médio, haja vista a

Política Nacional da Juventude, que orienta a sociedade a considerar jovem a população entre

15 a 29 anos de idade a partir de 2005, tendo havido a inserção do termo jovem na

Constituição Federal através da Emenda Constitucional nº 65 de 2010. É bem curiosa a

redação do texto, pois refere-se a mudança do artigo 227 que indica “para cuidar dos

interesses da juventude”.

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Dentre as alterações significativas pode-se dizer que a juventude passou a contar com

certa proteção da família, do Estado e da sociedade, como rege o texto abaixo:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao

adolescente ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, a liberdade e à convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão.

Este artigo da ementa constitucional dá indicativos de responsabilidades de toda

sociedade, com o objetivo de cuidar das crianças, adolescentes e jovens, qualificando-os

como os destinatários das atenções de todos com vistas a formação de seu futuro. Tais

preceitos se coadunam com a preocupação da sociedade para com assuntos em torno de

programas de formação e de proteção da juventude, como encontrado na redação a seguir: “O

Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do

jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas

específicas”.

Ora, as definições sobre juventude estão atreladas ao seu fracasso escolar, momento

que o sistema de ensino abre uma modalidade/nível específico para atender a distorção

série/idade no processo de escolarização, surgindo a educação de jovens e adultos4,

salientando a eminência do afastamento dos jovens em idade escolar para o trabalho, focando

a educação nos jovens e adultos para atender e formar o trabalhador. Notadamente, hoje, isso

está demarcado na Legislação das Diretrizes e Bases da Educação nº 9394/96 no Art. 37º:

§ 1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos

adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades

educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus

interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.

§ 2º. O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do

trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.

Outro momento que sugere a afirmação do jovem na legislação é quando direcionamos

o olhar para o ensino médio, educação profissional e técnica. Nesse momento, o jovem fica

em sua condição de estudante direcionado ao preparo para o trabalho, segundo o art. 35 e 36

da LDB nº 9394/96. Novamente há duas formas de indicativos para a presença do jovem na

legislação da educação, uma pela etapa final da educação básica – Ensino Médio, Educação

Profissional e Técnica, e a outra está incutida na própria formação, que é a destinação para o

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trabalho, pós-formação para a vida produtiva, conforme o seu art. 39. Não há nesses artigos

citados uma conceituação de quem é esse jovem, pois existem direcionamentos do sistema

escolar para a organização cíclica, seriação ou modalidades, que formam uma definição etária

sobre o jovem, ou seja, o período do ensino fundamental está para atendimento de crianças e

adolescentes, isto é, segundo a legislação do Estatuto da Criança e Adolescente – Lei nº 8.069

de 1990, o ensino obrigatório do ensino fundamental, de 0 a 5 anos; 6 a 15 anos e

extensivamente a obrigatoriedade do ensino médio dos 16 a 18 anos de idade, já com a

modificação do novo ensino fundamental em 9 anos.

A grande questão está em encontrar esse jovem na legislação da educação brasileira

para além, da enfática definição biológica. Um dos marcadores que nos conduz a outra

definição do jovem é a constituição da formação prevista no ensino médio, voltada para um

jovem, em um devir de trabalhador, ou na Educação Profissional que sinaliza para a vida

produtiva.

Pesquisas recentes demonstram que a população juvenil no Brasil é de 50 milhões de

jovens entre 15 a 29 anos, e que estes estão no sistema de ensino da educação básica do país,

distribuídos nos seguintes níveis de ensino:

CURSO QUE FREQUENTAVAM

Grupo Idade Alfabetização

de jovens e

adultos

Regular do

ensino

fundamental

Educação de

jovens e

adultos do

ensino

fundamental

Regular do

ensino médio

Educação de

jovens e

adultos do

ensino médio

15 a 19 anos 106.253 3.265.641 558.746 6.101.871 611.336

15 a 17 anos 75.984 2.837.094 443.674 4.895.712 251.963

18 ou 19 anos 30.269 428.547 115.072 1.206.159 359.372

20 a 24 anos 64.511 406.319 157.939 852.206 364.329

25 a 29 anos 67.630 231.106 129.562 383.682 217.092 Tabela 1 Número de jovens estudantes por nível

Fonte: Censo IBGE - 2010

Esses números e essa categorização da juventude dentro do sistema de ensino pode

evidenciar o que afirma Groppo (2000), que a juventude é constituída a partir das instituições

socializadoras criadas no final do século XIX e início do século XX. As definições etárias

estão estritamente vinculadas ao surgimento das Escolas, às políticas de Estado e às

exigências das indústrias, fatores que influíram na definição da padronização dos sujeitos que

devem estar na escola, dos que elegem os dirigentes do país e do sujeito que fomenta o

desenvolvimento econômico.

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A juventude, uma invenção social ou uma construção histórica ou então como uma

marcação etária dos tempos modernos se constitui enquanto uma categoria social que tem

despertado muita atenção nos últimos tempos de pesquisadores.

Para nos auxiliar nesta definição de tempo e marcação etária, podemos dizer que

segundo Bourdieu (1983, p. 1), as classificações por idade (mas também por sexo, ou, é claro,

por classe...) acabam sempre por impor limites e produzir a ordem onde cada um deve se

manter e em relação à qual cada um deve se manter em seu lugar.

Trata-se, então, de propor uma trajetória aos sujeitos, institucionalizar o curso da vida.

Isto é de fato evidente na definição da duração do tempo de escola, do momento de conclusão

e da presunção de aptidão para ingressar no mundo do trabalho. Para a juventude, porém, o

dilema é como adaptar-se a “esse lugar de cada um”, se as mudanças e transformações da

ordem social, como o aumento do tempo de serviço para aposentadoria ou a não-garantia de

educação para todos fazem com que o jovem permaneça no entre-lugar e não consiga

ascender à condição de sujeito produtivo como requer a sociedade. Ou seja, a juventude não

pode ser pensada apenas como uma etapa que separa a idade da infância e a da vida adulta.

Há neste debate quem considere que a juventude se coloque de fato como um

problema, pois, diferente da adolescência, a juventude se coloca como um novo problema

político para o país, por um lado se amplia a noção de juventude e, por outro surgem

possibilidades de distinguir segmentos nesta categoria ampliada. (Freitas, 2005, p. 7)

Além disto, Sacristán (2005) corrobora para pensarmos sobre essa estrutura que se

constrói socialmente para os jovens que devem ser o “aluno”, os seres escolarizáveis, que há

uma projeção de comportamento.

A categorização demonstrada na Tabela 1, em cinco módulos formou-se por uma

ordem social, considerando que em alguns momentos as trajetórias de cada sujeito não a

oportunizou ou que o mesmo no alçou êxito nessa classificação social de base na

escolarização, um atraso no processo de produtividade que segue a lógica social.

Porém, durante o percurso da História da Educação nem sempre a vigência de

classificação etária foram essas, tal como hoje consideramos infância, tendo sido já

considerado parte da juventude brasileira no período de 1940.

As oscilações entre a classificação etária e a obrigatoriedade do ensino e, por

conseguinte a ausência de conceitos claros para discutir o sujeito jovem, sem ser por

marcadores escolares e, ou por definição de quem é o trabalhador, fez com que buscássemos

nas propostas de (re) organização do sistema de ensino do Brasil a partir do Manifesto dos

Pioneiros de 19325, a fim de buscarmos um redimensionamento histórico do jovem na

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legislação da educação. É natural afirmarmos que há uma presença da educação do jovem no

Brasil, porém, é frequente não encontrá-los nas discussões sobre as reformas educacionais, ou

mesmo na própria Constituição, pois somente no ano de 2010, colocou-se em evidência esse

sujeito na legislação do país.

UM PASSADO PARA A JUVENTUDE?

O lugar que pretendemos percorrer para discutirmos o lugar da juventude na legislação

educacional brasileira no período indicado é o da legislação educacional. Este lugar muitas

vezes é marcado por uma ausência de marcadores legais que indicam uma certa

desterritorialidade do sentido de sua marca ou de sua identidade social. Estes aspectos dão

indicativos de que há traços indicativos de um certo lugar na história da educação a partir da

estruturação do sistema de ensino no Brasil, principalmente a partir do Manifesto dos

Pioneiros.

As legislações apontam para um passado em que a juventude vem sendo mergulhada

em um labirinto em que o desafio é de lançar-se nas reflexões e buscas por formação que se

coloque como central o espírito científico, sem envolver-se na

Nostalgia que pode, ingenuamente, levar a leituras conservadoras da

realidade educacional. Mas, de outra parte, podemos perguntar se nos

voltaremos para o passado com o propósito de demonizá-lo e, em oposição

endeusar o presente, como se estivéssemos vivendo as benesses de uma

inovação espetacular da educação. Hannah Arendt sugere trabalhar com os

“fragmentos do pensamento” apanhados do passado e, diante de sua riqueza,

lançar-se ao estranhamento.

(Stephanou, Bastos & Camara, 2005, p. 416-17)

Nos anos de 1920-306 no Brasil a hierarquia dos problemas nacionais elevava as

questões educacionais a um estatuto de emergência, a preocupação com o desenvolvimento,

com o progresso nas relações econômicas de imbuir um sistema de cultura do país, pois

estava imbricado aos problemas da educação do país.

O que parece estar em discussão de forma premente não era somente uma

(re)formulação do sistema escolar, mas a constante necessidade de alcançar a modernidade

impelida ao espírito público do país. Operava-se na constituição da sociedade uma expansão

de territorialidade, a urbanidade; o aumento da jornada de trabalho, a necessidade de homens

modernos para operacionalizar uma vivência moderna em sociedade.

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E neste contexto de um modelo por se implantar, que se colocava em jogo a realidade

das escolas cuja perspectiva metodológica dicotomizava a situação real dos estudantes.

Imbuídas por um modelo ideal de formação, percebe-se que um dos desafios deste período e

que se encontrava colocada como uma da questão premente, era o lugar dos jovens que até

então estavam excluídos das dinâmicas de formação e dos processos culturais.

Nos jogos de falácias, ora explícitas ora implícitas na sociedade, mesmo assim

doravante a escola se vinculava ao pressuposto da modernização, alinhando-se as perspectivas

de estruturação escolar visando desenvolver o país economicamente, através da inserção dos

jovens no horizonte produtivo, designados então como sujeitos. É claro, que esta situação não

se colocava como de fácil decisão, uma vez que todo o período ainda era dominado por um

tipo de pensamento católico que ora era provocado e perdia sua hegemonia, mas continuava

presente na cultura social.

As políticas educacionais desse período eram operadas por modelos pedagógicos

pensados na Europa e/ou Estados Unidos, e a ideia que a modernização indicava alçar certa

similitude aos aparelhos educacionais espelhados desses países, fez que tanto o sistema da

cultura escolar brasileira quanto a própria cultura brasileira, mantivesse e replicasse um

quadro de segregação social alarmante, não obstante as iniciativas em torno da renovação dos

métodos e modelos de ensino já presentes em algumas instituições de ensino. Como nos diz

Gadotti,

Depois da ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), abre-se um período de

redemocratização no país que é brutalmente interrompido com o golpe

militar de 1964. Nesse curto espaço de tempo, em que as liberdades

democráticas respeitadas, o movimento educacional pegou novo impulso,

distinguindo-se por dois grandes movimentos: o movimento por uma

educação popular e o movimento em defesa da educação pública, o primeiro

predominante no setor da educação informal e na educação escolar formal.

(Gadotti, 2008, 233)

Porém, para não ficarmos aqui apenas como entusiastas de uma possível atenção aos

jovens já a partir do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, é necessário lembrar o que

observou Alberto Torres apud Xavier (2002, p.89), “princípios e ideias não passam, entre nós,

de bandeira de discussão, ornatos de polêmica ou simples meio de êxito pessoal e políticos”.

Encontramos no Manifesto de 1932 indicativos e prerrogativas sociais e intenções para

com os sujeitos escolares – educandos, ou seja, o do desenvolvimento da educação na sua

função e concepção de mundo que deveria ser o que é uma educação com qualidade

socialmente útil, Xavier (2002), ora “o fim da educação não é, como observou G. Davy,

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desenvolver de maneira anárquica as tendências dominantes dos educandos; se o mestre

intervém para transformar, isto implica nele a representação de um certo ideal à imagem do

qual se esforça por modelar os jovens espíritos”.

Segundo o texto de Fernando Azevedo, e assinado pelos signatários um dos pontos

nevrálgicos da educação nesse período, era a organização do sistema educacional do país, mas

também, ao nível do ensino secundário que atendia aos jovens de 12 a 18 anos; ou seja,

segundo o Manifesto o jovem desse período era compreendido por essa faixa etária, e ficava

evidente a necessidade de intervir na formação do espírito do jovem, para desenvolver

experiências escolares, mas que no ensino secundário por vezes destituía de sentido a

formação humana, enfatizando especificamente a formação prática. Assim, acentua-se no

Manifesto da Educação (1932, p. 54) a preocupação com a organização do ensino para

atender aos jovens.

(...) à formação da personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de

sua faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola,

para a aquisição ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação,

pesquisa e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações

científicas. A escola secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os

trabalhadores manuais e intelectuais, terá uma sólida base comum de cultura

geral (3 anos), para a posterior bifurcação (dos 15 aos 18 anos), em seção de

preponderância intelectual (com os três ciclos de humanidades modernas;

ciências físicas e matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em seção

de preferência manual, ramificada por sua vez, em ciclos escolas ou cursos

destinados à preparação às atividades profissionais, decorrentes da extração

de matérias primas (escolas agrícolas, de mineração e de pesca) da

elaboração das matérias-primas (industriais e profissionais) e da distribuição

dos produtos elaborados (transportes, comunicações e comércio).

O que se buscava nessa reorganização era amenizar a distinção do acesso aos

diferentes níveis de ensino da escola marcados por questões de classe social a que pertencia o

jovem. Pode-se compreender a partir do Manifesto que a finalidade educativa estava

imbricada na necessidade de uma concepção de vida, porém cada grupo social, ou classe

possuem ângulos distintos sobre essa “qualidade socialmente útil” segundo a organização da

sociedade, em que cada sujeito deveria desenvolver no processo educacional.

Nesse contexto acresce-se um complexo eixo de discussão, qual a concepção de vida e

de mundo que alicerçava as definições dos projetos culturais da educação nesse período? A

modelação da educação para atender e desenvolver esse estado de qualidade social útil nos

jovens, faz referências principalmente na questão do ensino secundário desse período, que

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segundo um reduto de interesse de classe, dificultava o acesso das classes populares a

processos de formação não atrelados à condições de produtiva para o trabalho.

Ainda que o movimento tenha procurado renovar, verifica-se que a Constituição

Federal de 1934, no capítulo “Educação e Cultura”, definia que a educação era destinada “a)

ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos adultos; b)

tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a fim de o tornar mais

acessível”.

Nessa organização escolar, está assegurado o ensino até o fim do ensino primário, ou

seja, se o ingresso no sistema escolar ocorre aos 7 anos de idade acrescido o período de ensino

primário, encontramos um sujeito escolar com 11 anos que não tem mais assegurado a

gratuidade de ensino e nem o acesso a escolas para esse outro nível de ensino.

Se tomarmos a presença da juventude no sistema escolar a partir do período citado,

verificaremos que há uma ausência de acesso ao direito à educação, mesmo estando presente

na Constituição Federal como um direito de todos. Dado o distanciamento do ensino

secundário da população, principalmente a mais jovem, no país era uma apropriação para

poucos, como aparece configurado no Decreto nº 19.890 de 1931, que institucionaliza o

ensino secundário a uma única instituição em um país nas dimensões territoriais como o

Brasil. Tal realidade se constituiu como uma manobra das elites para controlar o acesso ao

ensino superior, haja vista que para ingresso no ensino superior era necessário realizar a

formação do curso complementar.

Assim, podemos afirmar que ainda não tínhamos garantida a preocupação para atender

a juventude brasileira de modo sistemático nesse ensino secundário público, pois a

organização exposta no referido Decreto.

Decorrido de outras intervenções políticas, movidas por lutas dos movimentos de

intelectuais na educação e na própria Constituição Federal, torna-se mais evidente os traços da

juventude, tanto na História do país, como na História da Educação.

Já na Constituição Federal de 1937 o termo “juventude” aparece mais explícitom

competindo a União, “IX - fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional,

traçando as diretrizes a que deve obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e

da juventude”; e a preocupação com o acesso a educação a essa categoria social de forma

evidente no seu capítulo sobre Educação e Cultura

Art. 129 - A infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à

educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos

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Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em

todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às

suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais. O ensino pré-vocacional

profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de

educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever,

fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos

Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e

profissionais. É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na

esfera da sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de

seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse

dever e os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os

auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo Poder Público.

Verificamos aqui uma premissa em torno do conceito “juventude” que leva em conta a

necessidade de desenvolver aptidões em um ensino vocacional profissional para as classes

menos favorecidas, e a condição de acesso à educação a juventude aos filhos da classe

operária, através das escolas de aprendizes assistidas por uma relação direta com as indústrias,

um projeto legitimado por parte do sistema industrial no país.

A construção da identidade ou configuração da juventude no Brasil passou por esse

vinculo anunciado na educação com o desenvolvimento de aptidões e a legitimação de sua

qualidade social útil para o trabalho, presente na Constituição de 1937:

Art 132 - O Estado fundará instituições ou dará o seu auxílio e proteção às

fundadas por associações civis, tendo umas; e outras por fim organizar para a

juventude períodos de trabalho anual nos campos e oficinas, assim como

promover-lhe a disciplina moral e o adestramento físico, de maneira a

prepará-la ao cumprimento, dos seus deveres para com a economia e a

defesa da Nação.

Explicita-se desse modo, o que Pollak (1992, p.5) afirma: “A construção da identidade

é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de

aceitabilidade, da admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação

direta com os outros”. Isto parece claro diante dessa organização da educação do país, para ser

reconhecido como parte da juventude brasileira, sendo necessário o comprometimento moral,

físico para com os seus deveres, com a economia e com a Nação. Desse pleito, emergente da

participação do sujeito escolar jovem no envolvimento com a Nação, entre 1938 e 1942 cria-

se a Organização Nacional da Juventude.

Não se trata de uma organização direta e espontânea da juventude, mas trata de um

movimento político, social e cultural do país, eminentemente associada aos ideais de

movimentos exteriores como a juventude militarista, do governo de Hittler e outros. O Projeto

Organização Nacional da Juventude surge no Ministério da Justiça com Francisco de Campos

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e após diversas reformulações e discussões sobre o caráter de milícia por momentos alçados

no projeto, em 1940 através do Decreto-lei nº 2.072, onde estabeleceu a organização de uma

instituição nacional denominada Juventude Brasileira, vinculada ao Ministério da Educação.

Neste mesmo decreto assinala-se o entrelaçamento entre a criação dessa instituição com a

disciplina da educação cívica, moral e física da infância e da juventude.

A fundação do movimento Juventude Brasileira primava pela expansão da educação

moral, cívica e física para além dos espaços escolares, e ressalta-se no decreto a alta vigilância

dirigida a juventude do país por parte da Presidência da República. A definição de quem

participaria como jovem da instituição Juventude Brasileira está explicito no Art. 10.

A Juventude Brasileira fará o enquadramento de toda a infância

compreendida entre 7 e 11 anos de idade e de toda a juventude incluída em

idade de 11 a 18 anos. Parágrafo único. A inscrição será obrigatória para as

crianças e os jovens, de ambos os sexos, que estejam matriculados nos

estabelecimentos de ensino oficiais ou fiscalizados. Será facultativa para as

crianças e os jovens, de ambos os sexos, não matriculados nesses

estabelecimentos. (Decreto-lei nº 2.072 de 1940)

Outra importante característica dessa organização da Juventude Brasileira, presente na

legislação educacional, indicava diretamente para um ordenamento social de parâmetros

cívicos e morais a serem ensinados a juventude, ainda que restrita a juventude escolar,

segundo o Decreto-lei nº 4.101 de 1942. Ou seja, somente poderia fazer parte da Organização

Nacional da Juventude aqueles jovens pertencentes as instituições escolares.

Segundo dados do Censo demográfico de 1940, o Brasil tinha 8.246.733 jovens com

idades entre 15 a 24 anos de idade. Na Tabela a seguir é possível constatar o crescimento da

população jovem no país entre os anos 1940 e 1996.

Tabela 2: Dados IBGE “A População Jovem no Brasil: a dimensão demográfica” (1940-1996)

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É importante destacar que há uma diferenciação entre o que configura o jovem no

Brasil na legislação educacional com a Organização Nacional da Juventude no período de

1940. Mas isto não coincidia com a definição de população jovem, que segundo o IBGE eram

os que tinham entre 15 e 24 anos. Esta realidade também se incorpora na definição do que é

ser jovem, característica do sujeito escolar. Porém, o Código Civil Brasileiro, determina como

incapazes de assumir atos civis, os menores de 16 anos e como também a definição de

trabalhador a partir da Consolidação das Leis Trabalhistas em 1943 que organiza como

trabalhador o maior de 18 anos de idade, com exceção para a contratação como aprendiz aos

maiores de 14 anos de idade.7

Estabelecidas como legislação que regiam toda uma orientação para o jovem

brasileiro, como afirmava Anísio Teixeira (2007, p. 101),

A legislação sobre educação deverá ter características de uma legislação

sobre a agricultura, a indústria, o tratamento da saúde, etc., isto é uma

legislação que fixe condições para sua estimulação e difusão, e indique

mesmo processos recomendáveis, mas não pretenda defini-los, pois a

educação, como cultivo da terra, as técnicas da indústria, os meios de cuidar

da saúde não são assuntos de lei, mas da experiência e da ciência.

O autor destaca em seus estudos da década de 1950 que, “a educação, hoje, é uma

educação por decreto, uma educação que para valer, somente precisa de ser legal, isto é,

oficial ou oficializada” (Teixeira, 2007, p. 100), ora se fosse pela definição de decretos, já

teríamos encontrado a democracia do ensino e o lugar do sujeito escolar – jovem. Nesse

momento histórico, conforme dados da Tabela 2 o grupo de população jovem no país alcança

até 1970 um crescimento de 3,3%.

Foram criados no interim desse período histórico, a Lei de Diretrizes e Bases nº

4.024, de 1961, onde define que o jovem passa a ser concebido como “adolescente” para estar

no 2º Grau, deixando em aberto todas as demais manifestações quanto ao ensino secundário

ou técnico, não havendo nenhuma definição de quem é esse sujeito escolar, mesmo com a

reestruturação da organização do sistema de ensino. Já não há uma definição etária delimitada

na legislação e sabe-se que diante da obrigatoriedade do ensino a quem se destina, que pra

além da obrigatoriedade há um apagamento do sujeito escolar.

Se a definição de juventude é construída socialmente ao estar institucionalizada no

sistema escolar, esse apagamento na legislação, ou modificação da possibilidade de acesso a

escolarização, tende a subsumir o conceito do sujeito escolar jovem e do próprio jovem na

sociedade.

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Ampliando um pouco mais o período para compreendermos como a juventude passou

a ser definida nas legislações posteriores, vemos que a Lei de Diretrizes e Bases nº 5.692 de

1971, período da Ditadura Militar, onde as instituições de ensino privadas alcançam

favorecimentos por parte do Governo Federal e foca-se num conceito de juventude que indica

que os parâmetros psicológicos da educação tomam a cena para definir o sujeito escolar,

considerando jovem o adolescente e o pré-adolescente.

As questões de desenvolvimento de aptidões e iniciação ao trabalho se destacam já na

intencionalidade do ensino do 1º grau, e o desenvolvimento de habilitação profissional no 2º

grau. Na vigência dessa legislação, retoma a cena também a educação moral e cívica, “Art. 7º

Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística

e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de lº e 2º graus, observado

quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro de 1969”. É possível

elencar através da oficialidade educacional, um reordenamento político para o jovem em

formação para a moralidade e civismo; como também a conjuntura dos aspectos de formação

para o trabalho em aninhamento com a educação pública. Não há na lei 5.692 de 1971,

nenhuma consideração ou critério específico sobre a educação profissional, ficando incutida

em seu discurso, esse caráter eminente de preparatório para o trabalho.

O grande problema ao definirmos esse jovem desse período encontra-se no

atrelamento direto dos níveis de ensino e a associação para o trabalho, isto é, com a

competição acirrada para o ingresso no Ensino Superior por não haver vagas suficientes no

âmbito público, esse sujeito escolar, vindo do 2º grau, tem suas aspirações frustradas, pois as

vagas insuficientes do ensino superior e o número elevado de sujeitos em idade de população

economicamente ativa, passa a ser crescente o espaço transitório entre a vida escolar para

adulta, ou mesmo a transitoriedade do sujeito escolar para trabalhador, não ocorre. Deste

modo, ainda que sucinto, o Estado contribui para a constituição de um aglomerado de sujeitos

em trânsito social, sem lugar social, e para amenizar tais questões o governo começa os

investimentos nas políticas sociais para solucionar essa distorção social causada pelo próprio

sistema de ensino, e pela nevrálgica situação de relacionar a função da educação como acesso

ao trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para Groppo (2000, p. 47) “os grupos juvenis modernos conseguem apenas outorgar

papéis sociais com características meramente preparatórios”, assim há uma ausência de

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definição do sujeito jovem no âmbito educacional, porém, é da presença desses na escola que

se assegura o desenvolvimento econômico do país, como também o projeto educativo

legitimado por forças do setor produtivo.

Bourdieu (1978, p.114), menciona: “oposições entre as juventudes de diferentes

classes é o fato de diferentes classes sociais terem tido acesso de forma proporcionalmente

maior ao ensino secundário”, claro que oposições e diferentes formas de acesso configuram a

juventude brasileira ao estudarmos a legislação, pois é marcado para quem se destina aos

níveis mais elevados de educação, conforme, houve estabelecimento de níveis maiores de

ensino.

Assim, procuramos mostrar como a juventude veio sendo marcada ao longo da

legislação educacional do país, ora presente ora ausente. A categorização da juventude como

uma etapa da vida é uma marcação social, presente em grupos sociais organizados. Assim

como a juventude, Sacristán (2005) diz que o aluno é uma invenção articulada pela

obrigatoriedade da educação, como um direito social de todos.

A prática escolar enfatizada na legislação educacional de produção de sujeitos

escolares com qualidade social útil, ou como os nomeamos atualmente de população

econômica ativa, cria uma identidade social da juventude associada diretamente a produção e

ao consumo.

No que diz respeito a legislação educacional, não há uma definição da identidade do

jovem, ficando evidente que para legitimar um determinado projeto de modelo escolar e de

práticas educativas que pertença as regras emanadas de forças políticas do setor produtivo,

evoca-se uma identificação e uma constituição desses sujeitos jovens ou o (re) conhecimento

dessa categoria social como elementos pertencentes a uma força produtiva do país, isto é, não

temos um visibilidade direta do jovem como sujeito escolar, mas se evocarmos os critérios de

instituições econômicas e políticas que homologam o projeto educacional de cada tempo da

História da Educação, notaremos uma balização entre o sujeito produtivo e o jovem.

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1Esse trabalho é parte do desdobramento dos estudos da dissertação de Mestrado “Formação para o Trabalho?

Projeto Escola de Fábrica em Santa Catarina”, defendida em 2012 e compõe a parte inicial dos estudos da Tese

de Doutoramento em Educação. 2 Doutoranda em Educação – Linha de Pesquisa História e Historiografia da Educação na Universidade do

Estado de Santa Catarina, Bolsista Promop/UDESC. 3 Doutor em Educação. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade do Estado de

Santa Catarina. 4Os primeiros movimentos de educação para jovens e adultos ocorrem a partir de 1915, onde se priorizava nesse

momento a questão da alfabetização de adultos, através da Liga Brasileira contra o Analfabetismo. Estudos

mostram que o Plano Nacional da Educação de 1934 que estendia o ensino primário obrigatório e gratuito às

pessoas adultas, é na história da educação o documento que previa um tratamento específico para o ensino do

adulto. Cf.: Manfredi, 1981. 5 “O Manifesto dos pioneiros da educação nova, assinado por 27 educadores em 1932, seria o primeiro grande

resultado político e doutrinário de 10 anos de luta da ABE em favor de um Plano Nacional de Educação.”

(Gadotti, 2008, p.232) 6 Para melhor entender o contexto histórico anterior ao Manifesto de 32 a leitura do texto de Clarice Nunes,

(Des) encantos da modernidade pedagógica, 2010, [371-398] pode auxiliar na complexa visualização da

estrutura escolar anterior as manifestações e intervenções feitas pelos intelectuais no período de 1930 para a

modificação e organização do sistema escolar brasileiro. 7 A aceleração do processo histórico em direção ao progresso e modernização do país, e do crescimento da

população jovem no país, fazem crescer a necessidade de articulação entre a cultura escolarizada para o

desenvolvimento produtivo, como também estabelecem um campo na História da Educação de articulação com o

setor produtivo mas que posiciona em relação a formação de mão de obra dos jovens. Indicamos os seguintes

documentos, leis e decretos leis: Lei Orgânica do Ensino Industrial – Decreto-Lei n. 4.048 de janeiro de 1942;

Lei Orgânica do Ensino Secundário – Decreto-Lei n. 4.244 de abril de 1942; Lei Orgânica do Ensino Comercial

– Decreto-Lei n. 46.141 de dezembro de 1943; Lei Orgânica do Ensino Agrícola – Decreto-Lei n. 9.613 de

agosto de 1946; Neste espírito, destacam-se, ainda, o Decreto-lei 4.048, de janeiro de 1942, que cria o Serviço

Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e os Decretos-leis 8.621 e 8.622 de janeiro de 1946, que

instituem o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).