INDULTO NATALINO DE 20021: UMA PERSPECTIVA CRÍTICA … · remédio milagroso outro não é senão...

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1 INDULTO NATALINO DE 2002 1 : UMA PERSPECTIVA CRÍTICA DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS PELO STF Patricia Fonseca Carlos Magno de Oliveira 2 ”Não há criminosos, mas homens. Não há homens predestinados ao crime, mas homens e mulheres, normais ou anormais, que cometem crimes. O anormal não é louco. E o louco não é criminoso, mesmo no sentido legal. O homem fica ou está criminoso. Não é criminoso.” 3 O MOVIMENTO DA LEI E ORDEM COMO VIOLADOR DOS DIREITOS HUMANOS Direitos humanos são direitos da pessoa humana. São aqueles direitos estreitamente conectados com a idéia de dignidade humana e com as condições de desenvolvimento desta idéia. Têm o papel garantidor contra tudo o que for indigno do homem. São os direitos, repita-se, de todos: da mulher espancada, do trabalhador explorado, de quem for reduzido à condição análoga à de escravo, do usuário do SUS que não consegue acesso à saúde, do aluno que não consegue estudar por falta de professores, do consumidor frente aos grandes fornecedores, da mãe que não tem como alimentar seus filhos, do inocente que deve ser protegido do erro judiciário pelas garantias processuais, da vítima que precisa ter voz e, dentre outros, do preso condenado que faz jus a uma justa execução da pena. Rememorar que os presos condenados ou provisórios também são seres humanos, nesses tempos em que impera uma atmosfera de pânico, a supostamente autorizar que se lhe sejam negadas as garantias do sistema protetivo defluente dos direitos humanos, poderia ser para alguns inconveniente. Contudo, se não nos mantivermos na defesa das conquistas já alcançadas, permitiremos retrocessos que nos façam acordar diante de uma sociedade mais cruel que a atual. Assim, a luta pelo progresso e oxigenação do sistema jurídico deve ser incansável. Esta foi a inspiração maior do presente trabalho, um tanto pretensioso, vez que se propõe a indicar as razões de infeliz posicionamento adotado por nossa Corte Constitucional ao julgar liminar em ação direta de inconstitucionalidade (ADI 2795) ajuizada pelo PTB em face do Decreto Federal n.º 4.495, 04/12/2002 (Anexo Legislativo). 1 Vide anexo legislativo ao final deste trabalho. 2 A autora é Defensora Pública, mestranda em Direito da Cidade na UERJ e Professora de Execução Penal na FESUDEPERJ. 3 LYRA, Roberto. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 4 a . ed. atualizada por João Marcello de Araújo Jr, 1995. p. 53.

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INDULTO NATALINO DE 20021: UMA PERSPECTIVA CRÍTICA DA VIOLAÇÃO

DOS DIREITOS HUMANOS PELO STF

Patricia Fonseca Carlos Magno de Oliveira2

”Não há criminosos, mas homens.

Não há homens predestinados ao crime, mas homens e mulheres,

normais ou anormais, que cometem crimes.

O anormal não é louco. E o louco não é criminoso,

mesmo no sentido legal.

O homem fica ou está criminoso. Não é criminoso.” 3

O MOVIMENTO DA LEI E ORDEM COMO VIOLADOR DOS DIREITOS HUMANOS

Direitos humanos são direitos da pessoa humana.

São aqueles direitos estreitamente conectados com a idéia de dignidade

humana e com as condições de desenvolvimento desta idéia. Têm o papel garantidor contra

tudo o que for indigno do homem. São os direitos, repita-se, de todos: da mulher espancada,

do trabalhador explorado, de quem for reduzido à condição análoga à de escravo, do

usuário do SUS que não consegue acesso à saúde, do aluno que não consegue estudar por

falta de professores, do consumidor frente aos grandes fornecedores, da mãe que não tem

como alimentar seus filhos, do inocente que deve ser protegido do erro judiciário pelas

garantias processuais, da vítima que precisa ter voz e, dentre outros, do preso condenado

que faz jus a uma justa execução da pena.

Rememorar que os presos – condenados ou provisórios – também são seres

humanos, nesses tempos em que impera uma atmosfera de pânico, a supostamente autorizar

que se lhe sejam negadas as garantias do sistema protetivo defluente dos direitos humanos,

poderia ser – para alguns – inconveniente. Contudo, se não nos mantivermos na defesa das

conquistas já alcançadas, permitiremos retrocessos que nos façam acordar diante de uma

sociedade mais cruel que a atual. Assim, a luta pelo progresso e oxigenação do sistema

jurídico deve ser incansável.

Esta foi a inspiração maior do presente trabalho, um tanto pretensioso, vez

que se propõe a indicar as razões de infeliz posicionamento adotado por nossa Corte

Constitucional ao julgar liminar em ação direta de inconstitucionalidade (ADI 2795)

ajuizada pelo PTB em face do Decreto Federal n.º 4.495, 04/12/2002 (Anexo Legislativo).

1 Vide anexo legislativo ao final deste trabalho.

2 A autora é Defensora Pública, mestranda em Direito da Cidade na UERJ e Professora de Execução Penal na

FESUDEPERJ. 3 LYRA, Roberto. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 4

a. ed. atualizada por João Marcello de Araújo Jr,

1995. p. 53.

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O Supremo Tribunal Federal – em Sessão Plenária – proferiu decisium

contaminado pela ideologia da Lei e Ordem, nascida como reação ao fenômeno da

criminalidade e que, infelizmente, tem adquirido força e cada vez mais adeptos no Brasil.

Para JOÃO MARCELLO DE ARAUJO JUNIOR4, “a propaganda maciça de

fatos assustadores provoca na população um verdadeiro estado de pânico, do qual se

aproveitam movimentos políticos, geralmente autoritários, para se apresentarem como

detentores da fórmula infalível contra a onda criminosa, que querem inculcar existir. O

remédio milagroso outro não é senão a ideologia da repressão, fulcrada no velho regime

punitivo-retributivo, que recebe, agora, o enganoso nome de Movimento de Lei e Ordem.

Alegam seus defensores que os espetaculares atentados terroristas, o

gangsterismo e a violência urbana somente poderão ser controlados através de leis severas,

que imponham a pena de morte e longas penas privativas de liberdade. Estes seriam os

únicos meios eficazes para intimidar e neutralizar os criminosos e, além disso, capazes de

fazer justiça às vítimas e aos homens de bem, ou seja, aos que não delinqüem.

Afirma-se, ainda, que a política criminal deve ser orientada no sentido de

justificar a pena através das idéias de retribuição pelo castigo. A pena, assim fundamentada,

seria aquela que é conhecida pelo povo, que a respeita, teme e considera justa, pois sua

execução é igual para todos, sendo proporcional à gravidade do crime cometido.

Essas idéias, que são rechaçadas pelos intelectuais, liberais, são tentadoras

para o povo, que reclama, sem muita racionalidade, solução imediata para o angustiante

problema da segurança pública.”

Causa espécie que a Corte Suprema de nosso país, a responsável pela guarda

da Constituição, nos moldes do preconizado pelo art. 102, caput, da C.R.F.B., em controle

concentrado de constitucionalidade do Decreto Federal concessivo de indulto e comutação

de penas, deixou-se inebriar pela ideologia da repressão e distorceu norma constitucional

inserida dentre as garantias fundamentais do indivíduo.

Considerando que não foi decidido o mérito da ADI 2795 ajuizada pelo

PTB, este estudo crítico pode tornar-se – quem sabe – uma resistência corajosa às forças

recrudescentes e reacionárias que visitam o Direito Penal de tempos em tempos.

Some-se a tudo isso que – como apregoa EUSEBIO FERNANDEZ5 –

defender os direitos humanos se apresenta como um autêntico referencial moral de nosso

tempo, a pedra de toque da justiça do direito e da legitimidade do poder, assim como o

procedimento garantidor da dignidade dos seres humanos contra todo tipo de alienação e

manipulação (política, cultural e econômica).

4 Ibidem idem a nota 3. p. 158.

5 FERNANDEZ, Eusébio. Teoria de la Justicia y Derechos Humanos. Madrid: Editorial Debate, 2ª.

reimpressión da 1ª. edición, 1991.

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DA NORMATIVIDADE PRIMÁRIA DO DECRETO PRESIDENCIAL DE INDULTO

A competência privativa do Presidente da República de conceder indulto e

comutar penas, prevista no art. 84, XII, da C.R.F.B. exterioriza-se através de Decreto

Federal.

O Decreto Presidencial de Indulto, por outorga do Constituinte originário,

consiste em espécie normativa primária, que deve haurir seu fundamento de validade

diretamente da Constituição, limite do exercício do direito de graça ou indulgentia

principis.

Trata-se, é verdade, de medida excepcional dentro do Estado Democrático

de Direito, vez que, em regra, os decretos se prestam para regulamentar a fiel execução da

lei. Contudo, o traço de primariedade normativa do Decreto de Indulto já pôde ser

confirmado pela Corte Suprema, quando da análise sobre a constitucionalidade do Decreto

n.º 4.011, de 13.11.20016, que inovou a ordem jurídica trazendo o instituto do indulto

condicional.

A decisão em sede do HC n.º 82.296-AM, relatado pelo Min. Celso de Mello

e proferida em 03.12.2002 foi veiculada no Informativo n.º 293, cuja notícia é a seguinte: “Indulto Condicional e Período de Prova.

A Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava constrangimento ilegal pela

circunstância de o art. 4o do Decreto 4.011/2001 do Presidente da República ter

concedido indulto condicional vinculando a extinção da punibilidade ao

cumprimento de certas condições num período de prova de vinte e quatro meses.

Entendeu-se que, por ser a outorga de indulto ato discricionário do Presidente da

República, é possível a concessão de indulto condicionado ao implemento de

obrigações futuras – tais como boa conduta social, obtenção de ocupação lícita,

não-cometimento de qualquer delito –, declarando-se extinta a punibilidade em

caráter definitivo quando findo o período de prova fixado no Decreto.”

6 Decreto n.º 4.011, 13/01/2001

“Art. 1o. É concedido indulto condicional:

I – ...

....

Art. 4o. O indulto aperfeiçoar-se-á após vinte e quatro meses a contar da expedição do termo de que trata o

art. 6o, devendo o beneficiário,nesse prazo, não praticar qualquer delito, bem como manter bom

comportamento.

Parágrafo único. Se o beneficiário vier a ser processado por outro crime, praticado no período previsto no

caput deste artigo, considera-se prorrogado o prazo para o aperfeiçoamento do indulto, até o julgamento

definitivo do processo.

Art. 5o. Decorrido o prazo previsto no art. 4

o. e cumpridos os requisitos do benefício, o Juiz, ouvido o

Conselho Penitenciário e o Ministério Público, declarará extinta a pena privativa de liberdade.

Parágrafo único. O descumprimento das condições de que trata a parte final do art. 4o. torna sem efeito o

indulto condicional, retornando o beneficiário ao regime em que se encontrava ao tempo da concessão da

liberdade, excluído, para novo cálculo de pena, o prazo fruído nos limites do mesmo artigo.”

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O Decreto n.º 1.8607, de 11.04.1996 e Decreto n.º 3.667

8, de 21.11.2000 têm

dispositivos muito similares e igualmente não foram declarados inconstitucionais.

Sublinhe-se o fato de que o detalhamento do indulto na legislação

infraconstitucional se limita a definir sua natureza jurídica (Código Penal, art. 107, II) ou o

procedimento judicial (Código de Processo Penal, arts. 734/742 e Lei de Execuções Penais,

arts. 187/193; art. 70, I), sendo certo que o conteúdo material do instituto fica legado à

discricionariedade do Presidente da República (C.R.F.B., art. 84, XII). Não há nenhuma

referência às hipóteses de revogação do indulto, que foi integralmente disciplinada nos

Decretos já mencionados. Se nada impede que o Presidente crie novo instituto jurídico,

como é o do indulto condicional, inovador da ordem jurídica, é porque exerce,

anomalamente, atividade legislativa plena.

Sendo a normatividade primária do decreto presidencial de indulto, a

premissa maior do raciocínio, e considerando que todas as espécies normativas primárias

devem buscar fundamento de validade tão-só na Constituição, a única conclusão possível é

a de que nenhuma norma infraconstitucional poderá limitar o exercício da clementia

principis, dentre elas está a Lei de Crimes Hediondos.

A expressão indulto no art. 2o., I, da Lei 8.072/90 não chega às raias da

inconstitucionalidade, mas é ineficaz porque o Decreto é espécie normativa primária e não

busca fundamento de validade na Lei infraconstitucional. Dessa forma, se no decreto

presidencial não houver explícita exclusão dos referidos fatos delituosos, a causa extintiva

7 Decreto n.º 1.860, de 11.04.1996:

“Art. 1o. É concedido indulto especial e condicional:

I – ...

....

Art. 3o. O indulto aperfeiçoar-se-á após vinte e quatro meses a contar da expedição do termo de que trata o

art. 5o, devendo, nesse prazo, subsistir a primariedade e o bom comportamento do condenado.

Art. 4o. Decorrido o prazo do artigo anterior e cumpridos os requisitos do benefício, o Juiz, ouvido o

Conselho Penitenciário e o Ministério Público, declarará extinta a pena privativa de liberdade.

Parágrafo único. O descumprimento das condições de que trata a parte final do art. 3o. torna sem efeito o

indulto condicional, retornando o beneficiário ao regime em que se encontrava ao tempo da concessão da

liberdade, excluído, para novo cálculo de pena, o prazo fruído nos limites do mesmo artigo.” 8 Decreto n.º 3.667, de 21.11.2000:

“Art. 1o. É concedido indulto condicional:

I – ...

....

Art. 4o. O indulto aperfeiçoar-se-á após vinte e quatro meses a contar da expedição do termo de que trata o

art. 6o, devendo o beneficiário,nesse prazo, não praticar qualquer delito, bem como manter bom

comportamento.

Parágrafo único. Se o beneficiário vier a ser processado por outro crime, praticado no período previsto no

caput deste artigo, considera-se prorrogado o prazo para o aperfeiçoamento do indulto, até o julgamento

definitivo do processo.

Art. 5o. Decorrido o prazo previsto no artigo anterior e cumpridos os requisitos do benefício, o Juiz, ouvido o

Conselho Penitenciário e o Ministério Público, declarará extinta a pena privativa de liberdade.

Parágrafo único. O descumprimento das condições de que trata a parte final do artigo anterior torna sem efeito

o indulto condicional, retornando o beneficiário ao regime em que se encontrava ao tempo da concessão da

liberdade, excluído, para novo cálculo de pena, o prazo fruído nos limites do mesmo artigo.”

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de punibilidade pelo indulto e a causa de abrandamento de pena pela comutação terão

ampla abrangência.

Entendendo pela inconstitucionalidade do art. 2o., I, da Lei de Crimes

Hediondos, elenca-se o balizado entendimento do Ministro ASSIS TOLEDO, citado por

ALBERTO SILVA FRANCO9, que considera inaceitável a proibição de indulto por meio

de lei ordinária: “No art. 84, XII, a Constituição prevê expressamente o indulto e o atribui à

competência discricionária do Presidente da República. Ora, esse poder

discricionário do Chefe do Executivo encontra seus limites no próprio texto

constitucional, não podendo sofrer restrições pelo legislador ordinário. E a

Constituição, quando quis fazer restrições, mencionou a anistia e a graça, deixando

de fora o indulto, por ela previsto expressamente no citado art. 84, XII. Assim é,

porque nos parece ilógico tomar, no art. 84, XII, a palavra indulto como abrangente

da graça e, logo adiante, no mesmo texto constitucional (inc. XLIII do art. 5o.),

inverter o raciocínio para entender que a graça é que abrange o indulto. Por outro

lado, se o legislador tivesse empregado, neste último preceito, a palavra graça, em

sentido amplo, com o significado de ‘direito de graça’, ou ‘poder de graça’, ou

indulgentia principis, não teria certamente mencionado a ‘anistia’, que é uma das

modalidades de exercício do mesmo poder de graça o de clemência. Por último,

cabe, aqui relembrar-se a observação de Aloysio de Carvalho Filho (– não há

sinonímia entre graça e indulto –) para concluir que não seria compreensível

sustentar-se que o legislador constitucional tivesse empregado duas expressões

‘graça (art. 5o., XLIII) e indulto (art. 84, XII)’ com o mesmo ou com sentido

invertido, estabelecendo uma enorme confusão, inexistente na legislação e na

doutrina brasileira. Aliás, o próprio legislador ordinário, na mesma Lei de Crimes

Hediondos, parece ter repelido, contraditoriamente, a sinonímia, ao mencionar no

inc. I do art. 2o. ‘anistia, graça e indulto’, pois não teria sentido a menção ao

indulto, se o julgasse abrangido pela graça. Sendo assim, se entender que a lei

ordinária não poderia ter oposto restrição ao exercício de um poder constitucional,

exclusivo e irrenunciável do Presidente da República, a lei em exame, no tocante à

proibição do indulto, será passível de impugnação por inconstitucionalidade.”

Acrescentando mais um colorido à pintura já esboçada, chamemos à colação

a decisão do Plenário do STF datada de 08.05.2003, que se manifestou em sede de ação

direta de inconstitucionalidade em face de decreto de 2002. Ora, se o decreto presidencial

não fosse espécie normativa primária, seria impossível cogitar de controle concentrado de

constitucionalidade. Assim, mais força ganha a tese de que decreto tem que buscar

fundamento de validade única e exclusivamente na Constituição.

9 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. São Paulo: RT, 4

a. ed., 2000. p. 142.

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DO DIREITO SOCIAL À SEGURANÇA: DAS FINALIDADES RETRIBUTIVA E

PREVENTIVA DO ORDENAMENTO JURÍDICO PENAL E AS PROVÁVEIS RAZÕES

DE POLÍTICA CRIMINAL INSPIRADORAS DO DECRETO DE 2002

A efetivação do indulto e da comutação, concedidos através de decreto

presidencial, ocorre na fase executiva ou de cumprimento da pena, quando entra em cena a

finalidade preventiva especial do ordenamento jurídico penal, em relação ao sentenciado,

conforme ensino de FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO10

, para quem “a característica do

ordenamento jurídico penal que primeiro salta aos olhos é a sua finalidade preventiva: antes

de punir, ou com o punir, quer evitar o crime. (...) Com efeito, por meio da elaboração dos

tipos delitivos – modelos de comportamento humano – revela o legislador penal, de modo

nítido e visível, aos que estejam submetidos às leis do País aquilo que lhes é vigorosamente

vedado fazer ou deixar de fazer. (...) Por outro lado, por meio da cominação de penas, para

o comportamento tipificado como ilícito penal, visa o legislador atingir o sentimento de

temor (intimidação) ou o sentimento ético das pessoas, a fim de que seja evitada a conduta

proibida (prevenção geral). Falhando essa ameaça, ou esse apelo, transforma-se a pena

abstratamente cominada, com a sentença criminal, em realidade concreta, e passa, na fase

de execução, a atuar sobre a pessoa do condenado, ensejando sua possível emenda ou

efetiva neutralização (prevenção especial)”.

Com a mesma nitidez de raciocínio, temos a definição correlacionada dos

conceitos de prevenção geral e especial com o conceito de Política Criminal, trazido por

ROBERTO LYRA11

. O professor ensina que a Política Criminal constituirá o traço de

união entre a Criminologia e o Direito Penal. “Assim como a Sociologia será a alma da

Criminologia, a Criminologia será a alma do Direito Penal.” Por isso, a Criminologia deve

orientar a Política Criminal na prevenção especial e direta dos fatos socialmente relevantes,

assim como deverá orientar a Política Social na prevenção geral e indireta daqueles fatos.

Nesse diapasão, acertado é o conceito expresso por HELENO CLÁUDIO

FRAGOSO12

, no sentido de que “a Política Criminal não é ciência, mas apenas técnica”.

O Chefe do Poder Executivo, ao exercer a competência constitucional

privativa prevista no art. 84, XII, da C.R.F.B., produzindo o ato administrativo

discricionário veiculado por Decreto Federal, estriba-se em critérios de Política Criminal,

cujo conteúdo não nos é dado perscrutar, vez que a discricionariedade foi exercida dentro

dos limites constitucionais.

É importante analisar, como alerta ANDRÉ COPETTI 13

, “o custo do delito,

a divisão social de seu pagamento, as alocações orçamentárias estatais para o combate ao

10

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 5a. ed., 6

a. tiragem,

1999. p. 3. 11

LYRA, Roberto. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 4a. ed. atualizada por João Marcello de Araújo Jr.;

Forense, 1995. pp. 64 e 21. 12

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 15a. ed., revista

e atualizada por Fernando Fragoso, 1994. p. 18. 13

COPETTI, André; Direito Penal e Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado

Editora, 2000. p. 17.

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crime em relação a outras inversões financeiras do Estado para o atendimento de outros

direitos sociais muito mais fundamentais para o bem-estar da população. Tudo isto se

agrega a uma demonstração do crescimento da criminalidade nos tempos de globalização,

inobstante o aumento dos aportes financeiros para o combate às atividades criminosas,

conjunto todo que atinge parcialmente as possibilidades de concretização de um Estado

Social”.

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que subsidia com

dados técnicos a legislação sobre indulto e comutação de penas, talvez tenha sido instigado

pela brutal superpopulação carcerária e seu alto custo social, assim como pelo fato de nunca

antes terem se visto tantas rebeliões como no ano de 2002. Talvez, receando que os efeitos

danosos da prisão fossem determinantes sobre a personalidade de sentenciados de bom

comportamento, estabeleceu no Dec. 4.495/02 regras mais acerbas no tocante aos requisitos

subjetivos, já que passou a exigir a inexistência de condenação por falta grave nos últimos 2

anos (24 meses)14

, ao passo que ampliou a incidência em abstrato pela flexibilização de

requisitos objetivos.

A conquista da extinção da punibilidade pelo indulto ou a redução da pena

pela comutação, depende da satisfação de requisitos objetivos gerais (espécie delitiva,

tempo de condenação e lapso temporal), assim como igualmente se subordina ao mérito do

condenado, requisito subjetivo que influencia sobremaneira a decisão do juízo da execução.

A jurisprudência é harmônica15

no sentido de que a indulgentia principis está

por inteiro subordinada ao poder discricionário do chefe do Poder Executivo, a quem cabe

examinar a conveniência e a oportunidade da medida e estendê-la a quem quisesse ou

limitá-la a determinados crimes, inclusive explicitar a base de cálculo do benefício. Por

oportuno, trazemos à colação trechos do voto do Min. Relator SYDNEY SANCHES,

proferido no HC 74132-1/SP: “O indulto, coletivo ou individual, é ato privativo do Presidente da República, a

quem compete, com exclusividade, estabelecer, os requisitos a serem preenchidos

pelos sentenciados (CF - art. 84, XII).”.

No mesmo sentido é o voto proferido também pelo Min. SYDNEY

SANCHES, nos autos do HC 77.528-0/SP: "Registre-se, preliminarmente, que sendo o indulto medida administrativa

de política judiciária, da competência exclusiva do Presidente da República, da

esfera de suas atribuições constitucionais e discricionárias, e exteriorizado através

de decreto presidencial, não alcança a todos indistintamente, mas, tão-somente,

àqueles compreendidos nas condições para a sua concessão.

(...) não é auto-executável, dependendo, para sua efetivação, de prévia

verificação se os apenados atendem ou não aos requisitos propostos pelo decreto

para a concessão dos benefícios.”.

14

Nos decretos natalinos dos últimos anos, em regra, o requisito subjetivo se perfazia com a exigência de bom

comportamento nos últimos 12 meses. 15

STJ. RHC 11230/PR. 6a. Turma. Rel. Min. Hamilton Carvalhido. DJ 25/02/2002, p. 0443. TJMG. Agravo

000174929-0/00. Rel. Des. Gudesteu Biber. j. 09/06/2000 (fonte: Internet).

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O Decreto de Indulto de 2002, portanto, longe de ser levianamente

abrangente, acena uma vontade política de renovar os rumos da lei em matéria penal,

tornando-a mais sensível aos reclames sociais.

TÉCNICA DE CONTROLE PELA INTERPRETAÇÃO CONFORME A

CONSTITUIÇÃO PARA SALVAR A COMPATIBILIDADE DA NORMA DO ART. 1o,

X, DEC. 4495/02 COM O PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Merece aplausos o requisito objetivo introduzido no ordenamento jurídico

pelo Decreto de 2002, no inciso X, do art. 1o., concessivo de indulto aos condenados que,

cumulativamente, estiverem cumprindo pena no regime semi-aberto e já tenham usufruído,

no mínimo, de cinco saídas temporárias previstas no art. 122, incisos I e III, combinado

com o art. 124, caput, da LEP.

Conforme nos esclarece o estudo dos dispositivos infraconstitucionais16

que

regulamentam as saídas temporárias, verificamos que há rígido controle para a concessão

das aludidas saídas, as quais se submetem ao atendimento de requisito temporal e também

de ordem subjetiva, além de terem o número máximo de 05 (cinco) por ano. Apenas no

caso de freqüência a curso é que esse número seria superior, mas igualmente limitado, no

caso, pelo período necessário ao cumprimento das atividades discentes.

Desse modo, apenas aquele: que cumpriu ¼ da pena (se reincidente) ou 1/6

(se não reincidente), que tem adequado comportamento, que foi autorizado no máximo a 5

saídas anuais para visitas à família ou para participar de atividades que concorram para o

retorna ao convívio social, sem ter praticado nenhum fato definido como crime doloso, sem

ter sido punido por falta grave, sem ter desatendido nenhuma das condições da autorização

de prazo máximo de 7 (sete) dias, é que pode ser agraciado – em tese – pelo indulto do art.

1o., X, do Decreto de 2002.

16

Lei de Execuções Penais, arts. 122 usque 125:

“Art. 122. Os condenados quer cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída

temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:

I – visita à família;

II – freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do segundo grau ou superior, na

comarca do Juízo da Execução;

III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e

a administração penitenciária, e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:

I – comportamento adequado;

II – cumprimento mínimo de um sexto da pena, se o condenado for primário, e um quarto, se reincidente;

III – compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

Art. 124. A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais

quatro vezes durante o ano.

Parágrafo único. Quando se tratar de freqüência a curso profissionalizante, de instrução de segundo grau ou

superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes.

Art. 125. O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime

doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de

aproveitamento do curso.”

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Ora, é mais que razoável que a análise acerca do mérito do condenado, pelo

prazo de 1 ano (art. 124, LEP c/c art. 1o., X, do Decreto 4.495/02), com demonstração de

responsável e gradual retorno à sociedade, culmine com a extinção da punibilidade pelo

indulto.

Inovador do ordenamento jurídico, aqui o poder discricionário do Presidente

da República manifestado no clementia principis foi exercido dentro dos limites impostos

pela razoabilidade. Imiscuir-se em seu conteúdo seria afrontar a harmonia do princípio

federativo da separação dos poderes, agredindo o princípio do estado democrático de

direito17

.

Há que se fazer – contudo – um reparo à redação do art. 1o., inciso X, do Dec

4.495/02, no que tange à hipótese de condenado que cumpre pena no regime semi-aberto e

que freqüenta curso profissionalizante, de 2o. grau ou curso superior. Esse caso está tratado

no inciso II, do art. 122, da Lei de Execuções Penais, dispositivo omitido no Decreto de

2002.

Feriria o princípio da igualdade interpretar a norma no sentido de que apenas

os condenados que não estudam gozariam de indulto, caso tivessem cumprido o número

mínimo de 05 saídas temporárias com duração de 7 (sete) dias cada uma. Também

ofenderia o princípio da isonomia a aplicação do mesmo critério do número mínimo de 05

saídas temporárias aos condenados estudantes, que lograriam preencher o critério em

apenas uma semana de aulas de segunda a sexta-feira, com duração limitada às atividades

discentes18

.

Assim, utilizando a técnica de controle da constitucionalidade consistente na

interpretação conforme a Constituição, sem redução de texto, para salvar a norma, dever-

se-á entender que o requisito objetivo do número mínimo de 05 saídas temporárias

alcançável apenas no período de 1 (um) ano, conforme referência expressa do art. 1o., X, do

Decreto/02 ao art. 124, da LEP, é regra que só se aplica para os condenados não estudantes;

ao passo que o prazo de 1 (um) ano, referenciado no mesmo dispositivo legal, deve ser o

critério aplicado para os condenados em regime semi-aberto que freqüentam curso

profissionalizante e – por óbvio – lograram obter muito mais do que 05 (cinco) saídas

temporárias.

17

C.R.F.B., arts. 1o e 2

o.

18 Quanto ao período de cada saída para freqüentar curso, a jurisprudência é harmônica. Para ilustrar, citamos

a posição do STF esposada no RHC 65.884-9, relatado pelo Min. Carlos Madeira, publicado na RT 630/384:

“Execução Penal – Saída temporária de detento para freqüentar curso profissionalizante – Art. 122, II,

da Lei 7.210/84. ‘Sendo primário o condenado e já tendo cumprido mais de 1/6 da pena de reclusão em

regime semi-aberto, observando comportamento adequado, concede-lhe autorização para freqüentar

curso profissionalizante, limitada ao tempo necessário ao cumprimento das atividades discentes, uma

vez que a medida se compatibiliza com os objetivos as pena. Recurso de habeas corpus provido’”. No

mesmo sentido: RSTJ 29/116 (RHC 1.590, Rel. Min. Vicente Cernicchiaro); RT 687/355 (RHC 1.617, Rel.

Min. Luiz Costa Lima); RSTJ 40/108 (RHC 1621, Rel. Min. Costa Lima); RSTJ 29/124 (RHC 1.615, Rel.

Min. Vicente Cernicchiaro); RSTJ 30/145 (RHC 1.706, Rel. Min. José Cândido); RSTJ 36/152 (RHC 1.720,

Rel. Min. Edson Vidigal); RSTJ 36/134 (RHC 1.643, Rel. Min. Vicente Cernicchiaro);RT 595/313 (HC

4.814/RJ, Rel. Min. Vicente Leal).

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10

Assim teremos o seguinte quadro de requisitos objetivos: os condenados

estudantes, pelo prazo de 1 ano, deverão freqüentar curso profissionalizante, superior ou 2o.

grau, com o número de saídas necessárias às atividades discentes, pela duração restrita à

freqüência às aulas; enquanto os condenados não estudantes deverão gozar de 5 saídas

temporárias, somente realizáveis em um período de 1 ano, por prazo de 7 dias cada uma.

Desse modo, faz-se mister seja declarada a interpretação constitucional para

a norma do art. 1o., X, do Decreto 4.495/02, sob pena de ofensa ao princípio da igualdade.

DA COMPATIBILIDADE DO DECRETO DE INDULTO COM O ART. 5O., XLIII, DA

C.R.F.B. – DO DIREITO DE GRAÇA E ANÁLISE DA EXPRESSÃO NO

ORDENAMENTO JURÍDICO PENAL

Como leciona o professor ANÍBAL BRUNO19

, a aplicação e execução da

medida penal, segundo dispõe a lei nos casos por ela definidos, é condição de prestígio do

Direito e, portanto, de ordem e estabilidade social. Mas outros importantes interesses do

Estado podem ocasionalmente contrapor-se ao dever de punir. E a isso é que atende o

direito de graça.

A clementia principis constitui, como aponta ROBERTO LYRA20

, resíduo

do absolutismo, mas, adaptada à evolução supre as restrições, ainda vigentes, do arbítrio

judicial.

Há, pois, uma acepção ampla da graça, abrangendo as três modalidades de

clementia principis, e, portanto, também a graça, no sentido de perdão público concedido

ao condenado, distinto do indulto e da anistia.21

Teríamos então que o direito de graça ou indulgentia principis abraça as

seguintes modalidades: a) anistia; b) indulto. Certo é que o indulto define-se como gênero

do qual a graça em sentido estrito é espécie, tendo em vista que esta é também nominada de

indulto individual. Tem-se, portanto, que o indulto se divide em indulto coletivo (pode ser

parcial – comutação – ou total) e em indulto individual (sinônimo de graça em sentido

estrito que também pode ser parcial ou total).

A análise das expressões graça, anistia, indulto e comutação no ordenamento

jurídico não induz a conclusão diversa da supra aludida.

19

BRUNO, Aníbal. Direito Penal, parte geral, tomo III. Rio de Janeiro: Forense, 3a. ed., 1967. p. 200.

20 LYRA, Roberto. Comentários ao Código de Processo Penal, vol. VI. Rio de Janeiro: Revista Forense;,

1944, p. 350. 21

FILHO, Eduardo Espínola. Código de Processo Penal Anotado, vol. VIII. Rio de Janeiro: Editor Borsoi,

6a.ed., 1965. p. 280.

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11

A expressão anistia é prevista sempre com o mesmo sentido na C.R.F.B., art.

21, XVII; art. 48, VIII e art. 5o., XLIII; no Código Penal, art. 107, II, 1

a. figura e na Lei

8.072/90, art. 2o., I, 1

a. figura.

O art. 742, do Código de Processo Penal foi tacitamente revogado pelo art.

187, da LEP, lei posterior que alterou o procedimento da anistia apenas no que tange à

oportunidade do requerimento e quanto à legitimidade para o pleito. Na regra antiga do

CPP, só se admitia anistia após transitar em julgado a sentença condenatória. Hoje, ela é

possível a qualquer tempo, cabendo, ainda, a iniciativa do petitório à autoridade

administrativa que não era parte legítima nos moldes da regra revogada.

No que tange à denominação indulto, o uso legal é um pouco mais

promíscuo. É diretamente referenciada no art. 84, XII, da C.R.F.B., assim como no art. 107,

II, 3a. figura, do Código Penal e no art. 2

o., I, 3

a. figura, da Lei n.º 8.072/90. Na LEP é

utilizado ora no sentido de indulto individual, como no art. 189, ora é especificado como

indulto coletivo, como no art. 192, que equivale ao revogado art. 738, do CPP.

Enxergaremos o nome comutação na C.R.F.B., no art. 84, XII; no art. 739,

do CPP, que continua vigente, e no art. 192, da LEP, não havendo referência expressa no

Código Penal.

Quanto à expressão graça, em sentido estrito, o ordenamento jurídico não é

tão harmônico na sua utilização, o que poderia conduzir a alguma confusão. Ora utiliza a

expressão “graça” (para indicar a modalidade do direito de graça ou indulgentia principis,

como se verifica no art. 5o., XLII, da C.R.F.B.; no art. 107, II, 2

a. figura, do C.P.; no art. 2

o.,

I, 2a. figura, da Lei n.º 8.072/90 e nos dispositivos revogados do CPP), ora opta por adotar a

expressão “indulto individual”, nos moldes do que é possível aferir nos artigos 188 e

seguintes da Lei de Execução Penal.

Os artigos 734 usque 738, do Código de Processo Penal foram tacitamente

revogados pela Lei de Execuções Penais que disciplinou integralmente a matéria, restando

íntegro na validade tão-só o art. 740, do CPP. No item 172, da Exposição de Motivos da

Lei de Execução Penal22

, os autores do anteprojeto explicam – em nítida interpretação

autêntica – que “as disposições em torno da anistia e do indulto (art. 187 e ss.) aprimoraram

sensivelmente os respectivos procedimentos e se ajustam também à orientação segundo a

qual o instituto da graça foi absorvido pelo indulto, que pode ser individual ou coletivo. A

Constituição Federal, aliás, não se refere à graça, mas somente à anistia e ao indulto (arts.

8o., XVI; 43; 57, VI; 81, XXII).”

A referência que a Exposição de Motivos da LEP faz em relação à

Constituição, o faz para a Emenda Constitucional n.º 1, de 17 de outubro de 1969, cujos

dispositivos citados correspondem quase que integralmente a dispositivos previstos na

C.R.F.B., de modo a indicar que a nova ordem jurídica instaurada em 1988 utilizou a

22

Exposição de Motivos n.º 213, de 09 de maio de 1983, subscrita pelo então Ministro da Justiça Ibrahim

Abi-Ackel.

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12

mesma lógica, nesta seara, já adotada pela ordem antiga, de modo que a LEP foi

recepcionada in totum pela C.R.F.B./88.

O seguinte quadro comparativo será importante para definir os rumos da

discussão constitucional que se trava na ADI 2795, em especial, porque desvenda as raízes

históricas das expressões interpretadas promiscuamente pelo STF e porque busca delinear

os alicerces da argumentação garantidora dos direitos humanos densificados no direito

fundamental à reserva legal, em matéria penal, proibitiva da analogia in malam partem.

E.C. n.º1, 17/10/1969 C.R.F.B., 05/10/1988 Dispositivo Texto Dispositivo Texto

Art. 8o., XVI “Compete à União:

...

conceder anistia;”.

Art. 21, XVII “Compete à União:

...

conceder anistia;”.

Art. 43, VIII “Cabe ao Congresso Nacional,

com a sanção do Presidente da

República, dispor sobre todas as

matérias de competência da União,

especialmente:

...

concessão de anistia;”

Art. 48, VIII “Cabe ao Congresso Nacional, com a

sanção do Presidente da República,

dispor sobre todas as matérias de

competência da União,

especialmente:

...

concessão de anistia;”

Art. 57, VI “É da competência exclusiva do

Presidente da República a

iniciativa de leis que:

...

concedam anistia relativa a crimes

políticos, ouvido o Conselho de

Segurança Nacional”

Não há dispositivo idêntico, vez que a Constituição de

1988 não diferencia a anistia para crimes políticos e

comuns, própria de regimes ditatoriais, de modo que

aplica-se ao tema a regra geral do art. 61, § 1o.

Art. 81, XXII “Compete privativamente ao

Presidente da República:

...

conceder indulto e comutar penas

com audiência, se necessário, do

órgãos instituídos em lei.”

Art. 84, XII “Compete privativamente ao

Presidente da República:

...

conceder indulto e comutar penas

com audiência, se necessário, do

órgãos instituídos em lei.”

Não há paralelo na antiga ordem jurídica.

Art. 5o., XLIII “A lei considerará inafiançáveis e

insuscetíveis de graça ou anistia a

prática de tortura, o tráfico ilícito de

entorpecentes e drogas afins, o

terrorismo e os definidos como

crimes hediondos, por eles

respondendo os mandantes, os

executores e os que, podendo evita-

los, se omitirem”.

Considerando esses elementos instrumentalizadores da interpretação da

norma insculpida no art. 5o., XLIII, da C.R.F.B, podemos concluir que a referência

constitucional é ao termo graça, no seu sentido estrito, qual seja, o de indulto individual.

Ora, se a regra se refere à espécie, ela tem incidência mais restrita. Entendê-

la de forma abrangente, de modo a alcançar também o gênero equivalerá a aplicar o método

integrativo da analogia in malam partem, inadmissível na seara do direito penal, por ofensa

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ao princípio da reserva legal, previsto também no art. 5o, da C.R.F.B., no seu inciso

XXXIX.

Apenas se a regra tivesse se referido ao gênero, o que não é o caso, hipótese

criada para mero exercício argumentativo, é que seria possível falar em interpretação

extensiva, já que o gênero englobaria as espécies que o compõem.

Na própria Carta Magna temos um bom exemplo de interpretação extensiva,

docemente acatado pela doutrina e pela jurisprudência, qual seja, a do art. 84, XII, da

C.R.F.B. Este dispositivo se refere apenas ao indulto e à comutação, mas ninguém discute

que a expressão indulto, por ser gênero, obviamente, açambarca as espécies de indulto

coletivo e individual (graça em sentido estrito) e que cabe ao Presidente, privativamente,

conceder graça aos condenados.

Matematicamente, teríamos 2 conjuntos sem intersecção: o conjunto A,

composto da graça ou indulto individual com suas subespécies total e parcial, assim como o

conjunto B, composto do indulto coletivo, também com suas subespécies total e parcial. O

conjunto C seria formado pelos conjuntos A e B.

Repare que excluir o conjunto A (A1 e A2) não significa – de forma lógica –

excluir o conjunto B (B1 e B2).

No mais, a exceção de que se trata é norma jurídica inserta no Título II –

Dos Direitos Fundamentais, de modo que a regra de interpretação constitucional que a rege

é a da maior efetividade desses direitos. Neste caso, o direito fundamental à liberdade foi

restringido apenas quanto à concessão de anistia e graça, no que tange aos crimes

hediondos ou equiparados. Portanto, a efetividade do ditame não pode alargar-se e

comprometer outros direitos constitucionais, como o do art. 5o., XXXIX, que veda a

aplicação da analogia in malam partem em matéria penal.

Não há que se argüir que seria um contra senso que a Constituição tivesse

proibido a indulgência individual e permitido o favor coletivo. Em primeiro lugar, porque

não é dado ao intérprete distinguir onde o legislador não o fez. A duas, porque são institutos

diversos.

Ao vedar apenas a concessão de graça, espécie do gênero indulto, que tem

caráter individual, dirigindo-se a pessoa determinada, isentando-a da pena a que fora

condenada, por crime certo, o constituinte originário, no inc. XLIII, art. 5o., expressou

orientação no sentido de impedir que houvesse qualquer tipo de manipulação favoritista da

norma penal. O Presidente não pode agraciar individualmente aquele que foi condenado

pela prática de conduta prevista na Lei 8.072/90, de molde a evitar que sejam concedidos

privilégios direcionados, com protecionismo de um indivíduo em detrimento de outros.

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14

Contudo, essas restrições não se aplicam ao indulto, que é medida de caráter

coletivo23

e não extingue o crime, impedindo, tão-só, a execução da pena. Sendo genérico,

afasta a desconfiança quanto a privilégios concedidos na surdina do poder e se presta ao

abrandamento da condenação, inspirado por conveniências políticas e por espírito de

humanidade, já que visa a atenuar a severidade da lei em casos concretos, corrigir eventuais

erros judiciários e recompensar o apenado, por sua emenda24

.

Também não pode prosperar a tese de que se a Constituição vedou a anistia,

de competência do Poder Legislativo, igualmente não caberia permitir o indulto coletivo.

Esse argumento é de todo falho quando se aprofunda a análise dessas

modalidades de exercício do direito de graça.

A anistia, ato de competência do Congresso Nacional (art. 48, VIII, da

C.R.F.B.), não se limita a excluir a pena, extingue o crime em todos os seus efeitos penais.

Dirige-se propriamente a determinados fatos, não a determinados indivíduos. Assim, a

análise é sempre objetiva, não se aferindo o mérito do sujeito ativo da relação criminal.

O Constituinte originário, ao vedar a possibilidade de anistia para os réus e

sentenciados pela prática de figura típica prevista na Lei de Crimes Hediondos, consignou

posicionamento no sentido de que uma vez praticado aquele comportamento, o evento

criminoso não pode ser apagado, o que não se confunde com a possibilidade de ser

genericamente extinta tão-só a execução da pena. Se a regra não se referisse à anistia, seria

possível que o Congresso Nacional burlasse a orientação constitucional segundo a qual

essas espécies de crimes merecem tratamento mais severo do ordenamento jurídico, posto

que poderia anistiar os crimes hediondos, encerrando-se os processos em curso e apagando-

se os crimes, nos casos em que tivesse havido condenação.

Contudo, a severidade do tratamento está adstrita aos rígidos limites do que

foi preconizado no art. 5o., XLIII, da C.R.F.B., não podendo a restrição se estender,

analogicamente, in malam partem, de molde a impedir o exercício do direito de graça em

qualquer de suas modalidades.

Um passeio pela história do Direito Penal nos indica que a clementia

principis é tão antiga quanto o crime, verdadeira sombra sinistra, que acompanha o homem

desde os primórdios dos tempos.

RUI BARBOSA, citado por ROBERTO LYRA25

, em conferência nominada

“As Ruínas da Constituição”, proferida em Belo Horizonte, disse: “Nenhum poder mais

augusto confiou a nossa lei fundamental ao Presidente do que o indulto. É a sua

colaboração na justiça. Não se lhe deu, para se entregar ao arbítrio, para se desnaturar em

23

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 15a. ed., 1994.

p. 402. 24

FILHO, Aloysio de Carvalho. Comentários ao Código Penal, vol. 4. Rio de Janeiro: Forense, 4a. ed, 1958.

p. 165. 25

RUI BARBOSA apud LYRA, Roberto. Comentários ao Código de Processo Penal, vol. VI. Rio de

Janeiro: Revista Forense, 1944. p. 357.

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15

atos de vandalismo, para contrariar a justa expiação dos crimes. Pelo contrário, é o meio,

que se faculta ao critério do mais alto magistrado nacional, para emendar os erros

judiciários, reparar as iniqüidades da rigidez da lei; acudir os arrependidos, relevando,

comutando, reduzindo as penas, quando se mostrar que recaem sobre inocentes, exageram a

severidade com os culpados, ou torturam os que regenerados, já não merecem o castigo,

nem ameaçam com a reincidência a sociedade. Todos os chefes de Estado exercem essa

função melindrosíssima com o sentimento de uma grande responsabilidade, cercando-se de

todas as cautelas, para não a converter em valhacouto dos maus e escândalo dos bons”.

Portanto, o art. 5o., XLIII, da C.R.F.B. não vedou a possibilidade de

concessão de indulto nos casos relacionados aos crimes hediondos, desde que o exercício

do poder de graça encontre respaldo em critérios razoáveis de Política Criminal.

No que tange ao Decreto n.º 4.495/02, não há que se falar sequer em afronta

finalística à Constituição, a despeito do que diversamente já decidiu em sede cautelar o

Pleno do STF, uma vez que, na esteira do sistema inaugurado pelo constituinte originário, o

Decreto, como regra geral, o Decreto, como regra geral, excluiu de sua incidência os

condenados pelos crimes hediondos ou equiparados. Contudo, em nível de exceção, cuidou

de conferir tratamento mais brando àqueles que foram sentenciados ao cumprimento de

penas de até 4 anos, fazendo incidir sobre eles o indulto coletivo (total ou parcial).

Portanto, houve densificação do princípio geral de indulgência, expressão do

valor justiça, explicitado na tábua axiológica da C.R.F.B., no art. 3o., I

26, afeta aos critérios

razoáveis de Política Criminal, defluem do princípio do estado democrático de direito.

DOS FUNDAMENTOS CASUÍSTICOS DA CONSTITUCIONALIDADE DE

CONCESSÃO DE INDULTO (PARCIAL OU TOTAL) AOS CONDENADOS A PENAS

ATÉ 04 ANOS PELO COMETIMENTO DE CRIMES HEDIONDOS OU

EQUIPARADOS

Se por um lado o Decreto não precisa buscar fundamento de validade na Lei

de Crimes Hediondos, por outro lado, nela socorre-se o intérprete, a fim de afastar a idéia

tendenciosa e alarmista propagada pelos partidários do Movimento da Lei e Ordem e

esposada pelo STF, no sentido de que a sociedade sofreria imensamente com a salvação da

regra do art. 7o., § 2

o., do Dec. 4.495/02.

Se faz imprescindível uma análise acurada sobre todos os tipos penais

catalogados pelo legislador como hediondos ou equiparados a eles em matéria de regime

jurídico, com o fito de se estabelecer a real proporcionalidade entre o comportamento

proibido e o sujeito que o praticou e de demonstrar que os tipos definidos na Lei 8.072/90

não podem se tornar rotuladores das pessoas, impedindo a individualização da pena, na fase

executória, conforme critérios razoáveis de política criminal.

26

C.R.F.B.: “Art. 3o. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;”

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16

FERRAJOLI27

aponta que “o caráter convencional e legal do nexo

retributivo que liga a sanção ao ilícito penal exige que a eleição da qualidade e da

quantidade de uma seja realizada pelo legislador e pelo juiz em relação à natureza e à

gravidade do outro. O princípio da proporcionalidade expressado na antiga máxima poena

debet commensurari delicto é, em suma, um corolário dos princípios de legalidade e de

retributividade, que tem nestes seu fundamento lógico e axiológico”.

Desse modo, vislumbramos que há uma diferença fundamental entre o juízo

de reprovabilidade da conduta abstratamente considerada, expresso pelo legislador na pena

cominada (escala penal) e aquele juízo de reprovabilidade da conduta concretamente

analisada, consignado pelo juiz. É justamente essa diferença que respalda o exercício da

clementia principis através do Decreto ora impugnado.

LUIZ FLÁVIO GOMES28

identifica que “se pode admitir que três são as

funções (e os significados) da palavra culpabilidade no sistema jurídico-penal brasileiro:

(a) ela é fundamento da pena (porque esta no sistema brasileiro tem também finalidade

retributiva; CP, art. 59, in fine); (b) é fator de graduação da pena (CP, art. 59: “o juiz levará

em conta, para a fixação da pena, a culpabilidade, os antecedentes etc”) e (c) é seu limite

máximo (CP, art. 29: cada um deve ser punido nos limites da sua culpabilidade = a pena

deve ser proporcional ao fato cometido e seu agente). Nesta terceira acepção, a

culpabilidade encontra-se com a proporcionalidade.”

Na mesma sintonia é a lição de SALO e AMÍLTON BUENO DE

CARVALHO29

ao alertarem que “instrumentalmente, a culpabilidade, além de ser categoria

imprescindível para constatação e aferição do delito, adquire importância fundamental na

aplicação (limitação) da sanção como critério dosimétrico. Possibilita, em primeiro lugar,

adjetivar a conduta como delituosa, vinculando-a a um sujeito, para, em momento posterior,

estabelecer a devida retribuição penal – pena proporcional (razoável) à violação do bem

jurídico tutelado”.

Restará, portanto, cristalino que através de uma análise casuística, levando

em conta as penas concretamente aplicadas pelo órgão julgador, a norma do Decreto é

absolutamente razoável (art. 1o., da C.R.F.B.).

Adiante está organizado o rol dos tipos penais que se submetem ao regime

jurídico da hediondez e sua análise casuística.

27

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. Tradução de: Ana Paula Zomer, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares, Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2002. p. 320. 28

GOMES, Luiz Flávio. Proporcionalidade e a Tríplice Função da Culpabilidade no Direito Penal. In

Boletim IBCCrim. A. 9. N. 107, outubro/2001. p. 11/12. 29

DE CARVALHO, Amílton Bueno e Salo. Aplicação da Pena no Estado Democrático de Direito e

Garantismo: Considerações a partir do Princípio da Secularização. Rio: Lúmen Juris, 2a. ed., 2002. p. 47/48

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17

Dispositivos Legais

da Lei n.º 8.072/90

Crimes Hediondos

Ou Equiparados

Escala

Penal art. 1

o., I Homicídio praticado por grupo de extermínio

(art. 121, CP)

Reclusão de 6 (seis)

a 20 (vinte) anos

Homicídio qualificado

(art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V, CP)

Reclusão de 12 (doze)

a 20 (vinte) anos

art. 1o., II Latrocínio

(art. 157, § 3 o, in fine, CP)

Reclusão de 20 (vinte)

a 30 (trinta) anos

art. 1o., III Extorsão qualificada pela morte

(art. 158, § 2 o, CP)

Reclusão

de 20 (vinte)

a 30 (trinta) anos

art. 1o., IV Extorsão mediante seqüestro

(art. 159, caput, CP)

Reclusão

de 8 (oito)

a 15 (quinze) anos

Extorsão qualificada pela menoridade da

vítima ou pela duração da conduta

(art. 159, § 1O., CP)

Reclusão

de 12 (doze)

a 20 (vinte) anos

Extorsão qualificada pelo resultado lesão

corporal grave

(art. 159, § 2O., CP)

Reclusão

de 16 (dezesseis) a

24 (vinte e quatro) anos

Extorsão qualificada pelo resultado morte (art.

159, § 3O., CP)

Reclusão de 24 (vinte e

quatro) a 30 (trinta) anos

art. 1o., V Estupro simples (polêmico) Reclusão de 6 (seis)

A 10 (dez) anos

Estupro qualificado pelo resultado lesões

corporais de natureza grave

Reclusão de 8 (oito)

a 12 (doze) anos

Estupro qualificado pelo resultado morte Reclusão de 12 (doze) a 25

(vinte e cinco) anos

art. 1o., VI Atentado violento ao pudor simples (polêmico) Reclusão de 6 (seis)

A 10 (dez) anos

Atentado violento ao pudor qualificado pelo

resultado lesões graves

Reclusão de 8 (oito)

a 12 (doze) anos

Atentado violento ao pudor qualificado pelo

resultado morte

Reclusão de 12 (doze) a 25

(vinte e cinco) anos

Art. 1o., VII Epidemia com resultado morte

(art. 267, § 1o, CP)

Reclusão de 20 (vinte) a 30

(trinta) anos

art. 1o., VII-B Falsificação, Corrupção, Adulteração ou

Alteração de Produto destinado a fins

terapêuticos e medicinais

(art. 273, caput, § 1o., §1

o-A, §1

o-B)

Reclusão de 10 (dez) a 15

(quinze) anos

art. 1o., parágrafo único (Lei

n.º 2.889/56,

arts. 1o., 2

o. e 3

o.)

Genocídio

Art. 1o., “a” Reclusão de 12 (doze)

a 30 (trinta) anos

Art. 1o., “b” Reclusão de

2 (dois) a 8 (oito) anos

Art. 1o., “c” Reclusão de 10 (dez)

a 15 (quinze) anos

Art. 1o., “d” Reclusão de

3 (três) a 10 (dez) anos

Art. 1o., “e” Reclusão de

1 (um) a 3 (três) anos

Arts. 2 o. c/c 1

o., “a” Reclusão de 6 (seis)

a 15 (quinze) anos

Arts. 2 o. c/c 1

o., “b” Reclusão de

1 (um) a 4 (quatro) anos

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Arts. 2 o. c/c 1

o., “c” Reclusão de

5 (cinco) anos a

7 (sete) anos e 6 (seis)

meses

Arts. 2 o. c/c 1

o., “d” Reclusão de 1 (um) ano e 6

(seis) meses a 5 (cinco)

anos

Arts. 2 o. c/c 1

o., “e” Reclusão de

6 (seis) meses a 1 (um) ano e 6

(seis) meses

Arts. 3 o. c/c 1

o., “a” Reclusão de 6 (seis)

a 15 (quinze) anos

Arts. 3 o. c/c 1

o., “b” Reclusão de

1 (um) a 4 (quatro) anos

Arts. 3 o. c/c 1

o., “c” Reclusão de 5 (cinco) anos

a 7 (sete) anos

e 6 (seis) meses

Arts. 3 o. c/c 1

o., “d” Reclusão de 1 (um) ano e 6

(seis) meses a 5 (cinco)

anos

Arts. 3 o. c/c 1

o., “e” Reclusão de 6 (seis) meses a 1

(um) ano e

6 (seis) meses

art. 2 o.

(Lei n.º 9.455/77)

Tortura

Art. 1o, caput e § 1

o:

Forma simples

Reclusão de 2 (dois)

a 8 (oito) anos

Art. 1o, § 2

o: Forma omissiva Detenção de 1 (um)

a 4 (quatro) anos

Art. 1o, § 3

o: Forma qualificada

pelo resultado lesões corporais

graves

Reclusão

de 4 (quatro)

a 10 (dez) anos

Art. 1o, § 4

o: Forma qualificada

pelo resultado morte

Reclusão

de 8 (oito)

a 16 (dezesseis) anos

art. 2 o.

(Lei n.º 6.368/76)

Tráfico

Ilícito de

Entorpecente

e Drogas Afins

Art. 12 Reclusão de 3 (três)

a 15 (quinze) anos

Art. 13 Reclusão de

3 (três) a 10 (dez) anos

art. 2 o.

(art. 20, da Lei 7.170/83)

Terrorismo

Forma simples Reclusão de

3 (três) a 10 (dez) anos

Forma qualificada pelo

resultado lesão grave

Reclusão de

6 (seis) a 20 (vinte) anos

Forma qualificada pelo

resultado morte

Reclusão de 9 (nove)

a 30 (trinta) anos

A análise comparativa das penas cominadas aos crimes que foram objeto da

Lei n.º 8.072/90 indica que NENHUM dos tipos penais etiquetados como HEDIONDOS

tem limite mínimo igual ou inferior a 04 (quatro) anos, de modo que o § 2o., do art. 7

o., do

Decreto n.º 4.495/02 não teria incidência prática sobre nenhum indivíduo condenado pela

prática de homicídio, ou de estupro, ou de atentado violento ao pudor, ou de extorsão

qualificada pelo resultado morte, ou de extorsão mediante seqüestro, ou de epidemia

qualificada pelo resultado morte, ou do tipo do art. 273, do CP em qualquer de suas

modalidades.

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19

Apenas no que tange aos crimes cujo REGIME LEGAL É O MESMO DOS

CRIMES HEDIONDOS é que encontraremos ALGUNS CASOS em que a pena mínima

cominada é igual ou inferior a 04 (quatro) anos.

Teremos a forma simples de terrorismo, alguns comportamentos tipificados

como genocídio, algumas modalidades de tortura e o tráfico ilícito de entorpecentes, que

nos interessará mais diretamente.

Análise Casuística do Genocídio

Quanto ao crime de genocídio previsto na Lei n.º 2.889/56, arts. 1o., 2

o. e 3

o.,

há um dado bastante interessante, qual seja, os preceitos secundários das normas penais

incriminadoras estão relacionados com figuras típicas previstas na Parte Geral do Código

Penal. Há, portanto, coincidência de valoração quanto à lesividade ao bem jurídico penal

tutelado pelo legislador de 1956 que se aproveitou do critério utilizado pelo legislador da

codificação penal (1940).

Nos casos cuja escala penal é mais severa, temos o bem jurídico vida (art.

121, §2o) e saúde pública (art. 270). Os casos cuja pena mínima é igual ou inferior a 4

(quatro) anos relacionam-se: com o tipo penal das lesões corporais gravíssimas (escala

penal de 2 a 8 anos), ou com o tipo do aborto provocado por terceiro (escala penal de 3 a 10

anos), ou com o tipo de cárcere privado (pena de 1 a 3 anos).

Apenas no caso do tipo equivalente ao de cárcere privado (Lei de Genocídio,

art. 1o, “e” c/c art. 148, do CP) é que temos uma hipótese tratada de forma branda pelo

ordenamento jurídico penal. Se não se constatasse a existência de elemento subjetivo do

tipo consistente na intenção de destruir no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial

ou religioso, ter-se-ia o tipo do art. 148, do CP sobre o qual incidiriam as normas

despenalizadoras da suspensão condicional do processo (art. 89, da Lei no. 9.099/95), assim

como uma eventual condenação, poderia sempre redundar em substituição da pena

privativa de liberdade por pena restritiva de direitos (art. 44, do CP), ou, então, poderíamos

ter um caso de suspensão da execução da pena (art. 77, do CP).

Nos demais casos de comportamentos catalogados como genocidas,

observamos escalas penais que variam da pena mínima menor que 4 anos (2 anos e 3 anos)

para limites máximos bem altos, de 8 anos e 10 anos. Assim, nos moldes da teoria penal de

aplicação da pena, só seria condenado a uma pena menor ou igual a 4 anos aquele indivíduo

que contasse com circunstâncias judiciais favoráveis (art. 59, e seguintes, do CP) e cujo ato

não tivesse revestido-se de requintes de crueldade (circunstâncias agravantes/causas de

aumento de pena).

Em relação aos tipos dos arts. 2o. e 3

o., da Lei de Genocídio, que tratam das

hipóteses de associação para a prática dos comportamentos do art. 1o., e de incitação ao seu

cometimento, a técnica legislativa foi a de utilizar a redução pela metade das escalas penais

do art. 1o., sem – contudo – ferir a lógica de tratar mais energicamente os tipos

correlacionados com o homicídio e à lesão do bem jurídico saúde pública, com limites

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mínimos de 6 anos e 5 anos, (portanto, nunca inferiores a 4 anos) e de forma mais suave as

demais lesões.

Análise Casuística da Prática de Tortura

No que tange à prática de tortura prevista na Lei no. 9.455/97, observamos

que alguns comportamentos são apenados mais severamente e outros têm uma escala penal

mais elástica, de molde a permitir que o juiz aplique a pena sopesando as circunstâncias

judiciais, as circunstâncias atenuantes e agravantes e, por fim, as causas de aumento e de

diminuição da pena. Na forma simples, a condenação por tortura poderia redundar em uma

condenação igual ou inferior a 4 (quatro) anos, uma vez que a pena mínima é de 2 (dois)

anos. Contudo, se o juiz realizar, sobre o comportamento do sujeito ativo da relação

criminal, um juízo de maior reprovabilidade da conduta, sempre lhe será lícito fixar –

justificadamente – a pena em patamar acima do mínimo legal, e acima dos 04 (quatro)

anos.

Na modalidade omissiva, a figura típica expressa menor grau de lesividade

ao bem jurídico tutelado, considerando que nenhuma condenação seria maior que 04

(quatro) anos – limite máximo cominado no preceito secundário da norma penal

incriminadora.

Nas figuras qualificadas pelo resultado lesão corporal grave ou morte, a

situação é bem diversa. Se resultar morte, a pena mínima é de 8 (oito) anos, de molde que

jamais é tratada de forma branda. Contudo, se a figura em questão for a do crime de tortura

qualificado pelo resultado lesões corporais graves e o sujeito ativo da relação criminal for

pessoa de excelentes antecedentes, que mereça ser condenado a pena mínima de 4 anos,

teríamos uma hipótese de incidência benéfica do ordenamento jurídico. Apesar disso,

qualquer valoração negativa, que acrescesse um dia de pena, excluiria o indivíduo do

regime jurídico mais suave inaugurado pelo Decreto de Indulto de 2002.

Análise Casuística do Terrorismo

No que tange ao caput, do art. 20, da Lei de Segurança Nacional, não há a

referência ao tipo penal específico nominado terrorismo. O que temos é um tipo de

conteúdo variado que elenca 11 (onze) comportamentos que deverão ser guiados por

especial fim de agir, qual seja, o inconformismo político ou a obtenção de fundos

destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

Dentre as condutas do art. 20, da Lei n.º 7.170/83, está a de praticar atos de

terrorismo, que é comportamento extremamente aberto, de efetividade questionável face ao

limite garantista imposto pelo art. 5o., XXXIX, da C.R.F.B. (princípio da legalidade da lei

penal) e trazido aqui à colação por mero esforço argumentativo, a fim de não corrermos o

risco da incompletude.

De qualquer modo, supondo que a referida norma legal tenha sido

recepcionada pela Constituição de 1988, apenas quando do comportamento finalístico não

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resultasse lesão corporal de natureza grave ou morte é que se teria, em tese, a possibilidade

de uma condenação igual ou inferior a 4 (quatro) anos. Observe-se que a escala penal é de

03 (três) a 10 (dez) anos de reclusão. Assim, só seria possível cogitar da pena mínima ou

próxima do mínimo legal (até 4 anos), caso se tratasse de um réu primário, de bons

antecedentes, de boa conduta social, cuja culpabilidade fosse reduzida, relativa a evento de

conseqüências menos graves, tudo conforme as regras de aplicação da lei penal elencadas

nos arts. 59 e seguintes, do Código Penal.

Análise Casuística do Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Drogas Afins

Se por um lado as estatísticas judiciais apontam a raridade de persecuções

penais deflagradas contra fatos típicos definidos como genocídio, tortura e terrorismo, a

situação é radicalmente diversa quando se tem em análise os comportamentos tipificados

como tráfico de entorpecentes, hoje tido como a grande celeuma social. Portanto, em

termos práticos, o § 2o., do art. 7

o., do Decreto de Indulto de Natal de 2002 terá como

maioria de destinatários os indivíduos condenados pela prática de tráfico, desde que suas

condenações não excedam 04 (quatro) anos de reclusão.

Aprofundar as raízes sócio-antropológicas do tráfico ilícito nos afastaria um

pouco do objeto sub examen, mas é importante registrarmos que inúmeros adolescentes e

crianças são arregimentados como peões de um jogo de xadrez pelo poderio dos grandes

traficantes de drogas, que exercem atividade organizada e perturbadora. Ainda: há aqueles

indivíduos que descambam pelo tortuoso caminho do vício, e, sem recursos econômicos

para continuarem alimentando-se de entorpecentes, travam contato com outros indivíduos à

margem da lei e de passado mais comprometido. É essa a história de centenas de pessoas

condenadas pela prática de tráfico por venderem substância entorpecente para conseguirem

a sua cota da droga. São aqueles que eram meros usuários de tóxico e, depois, adquiriram a

terrível pecha de “traficantes”. São mais vítimas do que culpados.

Percorrendo desta forma mais analítica a realidade social, é possível

compreender a razão de o tipo de conteúdo variado do art. 12 da Lei n.º 6.368/76 (18

modalidades diferentes de conduta) ter preceito secundário tão elástico, variável da pena

mínima de 3 (três) até a pena máxima de 15 (quinze) anos. Fato igualmente constatável

quando se tem sob os olhos outro tipo misto, insculpido no art. 13 da Lei de Tóxicos, que

prevê 06 comportamentos variados e uma escala penal de 03 (três) a 10 (dez) anos de

reclusão.

É óbvio que o legislador deixou larga margem de arbítrio ao juiz para que

este diferenciasse o grande traficante, que ocupa alto cargo no escalão do crime e que

detém os meios de produção da droga, daquele outro indivíduo que praticou

comportamento descrito no art. 12, da Lei Mena Barreto para saciar o próprio vício, ou

porque tinha poucas oportunidades sociais de livrar-se das garras do poderio paralelo, que

remunera por semana o jovem o que o mercado legal não é capaz de pagar ao fim de um

mês.

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Desse modo, no momento de individualização da pena, o julgador, atento às

diretrizes do art. 59, do CP, fixaria a pena base no seu mínimo legal ou próximo dele, até 04

anos, apenas nos casos em que verificasse circunstâncias judiciais favoráveis, isto é, para as

hipóteses em que fosse possível exercer juízo de reduzida reprovabilidade social da

conduta, porque as circunstâncias de cometimento do fato teriam sido favoráveis, assim

como os motivos do crime não teriam sido agravantes, mas até certo ponto, justificadores

da conduta, que, por sua vez, não teria maiores conseqüências sociais que aquelas que

recairiam sobre o próprio autor do fato. Apenas seria condenado a pena próxima do mínimo

legal o indivíduo que tivesse bons antecedentes e conduta social adequada, assim como

personalidade mais equilibrada.

Do exame das circunstâncias atenuantes e agravantes, e ainda o das causas

de aumento ou diminuição de pena, nas fases seguintes de individualização judicial da

pena, o resultado jamais seria superior a 04 (quatro) anos se o indivíduo guardasse o traço

da menor reprovabilidade social de sua conduta.

Assim, apenas após a sentença, que analisará as condições concretas da

prática do delito e a personalidade do sujeito ativo da relação criminal, será possível

diferenciar os condenados, a fim de sopesar a razoabilidade do critério geral de Política

Criminal adotado pelo Presidente da República ao criar uma norma permissiva no art. 7o, §

2o, do Decreto n.º 4.495/02 (porque excepcionou a exceção) para os condenados a penas

privativas de liberdade iguais ou inferiores que 04 (quatro) anos pela prática de crimes

hediondos ou equiparados.

Note-se que na esteira dos decretos de indulto anteriores30

, mesmo aqueles

expedidos antes da lei de crimes hediondos, foram também excluídos da incidência do

30

Como exemplo podemos citar o Decreto n.º 95.290, de 25.11.1987 e o Decreto n.º 98.389, de 13.11.1989.

Este, no seu art. 6o., exclui os seguinte condenados dos benefícios do Decreto/89:

“Art. 6. Este Decreto não beneficia:

I – os condenados que, embora solventes, hajam deixado de reparar o dano causado pela infração penal;

II – os sentenciados por crimes tentados ou consumados:

a) relativos ao tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, que causem dependência física ou

psíquica, quando reconhecida na sentença a condição de traficante;

b) referentes à prática de racismo;

c) cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado

Democrático;

d) de abuso de autoridade (Lei n.º 4.898, de 9 de dezembro de 1965);

e) estupro e atentado violento ao pudor;

f) roubo simples e qualificado, ressalvadas as hipóteses previstas no artigo 2o, incisos I a IV, e nos

artigos 3o. e 4

o;

g) latrocínio;

h) extorsão qualificada pela morte;

i) extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada;

j) epidemia com resultado morte;

k) envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte;

l) de quadrilha ou bando;

m) contra a economia popular (Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de 1951);

n) de sonegação fiscal (Lei n. 4.729, de 14 de julho de 1965);

o) genocídio (Lei n.º 2.889, de 1o. de outubro de 1956).”

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clementia principis os crimes que carregam alta carga de repúdio social. A diferença, no

Decreto de 2002, está na permissividade de tratamento mais brando àqueles condenados a

penas de até 04 anos.

A gravidade do crime, para todos os efeitos legais, se traduz na escala penal

cominada ao tipo.

Se, contudo, nos limites dela, a pena imposta na sentença comporta o

benefício do indulto (porque concretamente, face, à culpabilidade reduzida do agente, foi

aplicada pena privativa de liberdade de até 04 anos), não cabe, para negar o benefício,

parcial ou totalmente, considerar, novamente, e como única razão determinante, aduzir a

gravidade em abstrato da infração cometida: o regime de estrita legalidade que rege o

direito penal não admite este odioso bis in idem. Até porque o caso concreto possui

contornos que a norma objetivamente considerada não tem como especificar.

Ponderando todos esses elementos, o Chefe do Executivo entendeu que seria

razoável distinguir dentre os que foram condenados por crimes hediondos ou equiparados.

Contudo, não o fez de forma leviana. Não. Criou um limite fulcrado na condenação

imposta, vez que sentença condenatória não superior a 4 (quatro) anos expressa um

reduzido juízo de reprovabilidade. Com isso, na prática, afastou a possibilidade de

incidência sobre todos os crimes etiquetados como hediondos pelo art. 1o., da Lei n.º

8.072/90, como pode se conferir no quadro acima, e ainda limitou a aplicação no que tange

aos crimes equiparados aos hediondos, porque fez depender a incidência da exceção apenas

nos casos em que os indivíduos tenham recebido uma condenação menos rigorosa.

Não se pode, ademais, perder de vista que a análise ora realizada está restrita

à fotografia do requisito objetivo. Isso porque para a aquisição do direito subjetivo de

requerer o indulto, há que se preencher também os requisitos subjetivos, mais acerbos neste

Decreto de 2002, comprobatórios do mérito do condenado.

Do Indulto Humanitário

Para enriquecer a argumentação, ainda devemos trazer à colação o instituto

do indulto humanitário31

, figura jurídica que sempre esteve presente no ordenamento

jurídico brasileiro e nunca foi considerado viciado com a eiva da inconstitucionalidade.

É assim denominado pela doutrina a expressão do direito de graça dirigida

àquele condenado que está doente, nos últimos dias de vida, ou que ficou deficiente após a

prisão. Por razões humanitárias e inspiradas na razoabilidade, distingue-se estes

condenados dos demais, sendo certo que o único requisito que precisam preencher é aquele

que inspira a comiseração pública e que deve ser provado por laudo médico. Para os

beneficiários do indulto coletivo, em regra, não se questiona qual o total das penas a que

31

CARVALHO, Pedro Armando Egydio de. Indulto Humanitário e Crime Hediondo. In Revista do Conselho

Nacional de Política Criminal e Penitenciária. N. 8, jul-dez/1996. p. 145-161.

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foram condenados, qual seriam os crimes que cometeram ou mesmo se teriam mérito para

regressar ao convívio social.

O Decreto 4.495/02, art. 1o., V, “a” e “b”, c/c art. 7

o., § 1

o. e o Decreto

2838/98, art. 1o., VI c/c art. 3

o., parágrafo único são bons exemplos disso.

O princípio que inspira a constitucionalidade dos dispositivos supra

mencionados é o mesmo que aponta no sentido da congruência do art. 7o., § 2

o., Dec/2002

com a C.R.F.B., qual seja: o da razoabilidade.

Portanto, não há que se falar em incompatibilidade material do dispositivo

em comento (art. 7o., § 2

o, do Dec. n.º 4.495/02) com a C.R.F.B.. Antes, há densificação do

princípio da razoabilidade, subprincípio densificador do estado democrático de direito (art.

1o, da C.R.F.B.).

CONCLUSÕES

Os fundamentos relativo à suposta vedação constitucional de indulto para os

condenados por crimes hediondos ou equiparados e declinados na ação direta de

inconstitucionalidade foram acolhidos pelo STF, mas esmorecem após uma análise

legislativa-histórica, casuística dos tipos e penas e constitucional-comparativa.

O inciso XLIII, do art. 5o., da C.R.F.B. refere-se à espécie de indulto

nominada graça – que é indulto individual – sem fazer nenhuma alusão ao indulto (gênero).

Desse modo, a regra excepcionadora do direito fundamental à liberdade não pode receber

amplitude que restrinja inautorizadamente o exercício desse direito fundamental, devendo

ser interpretada restritivamente, conforme regra de que ao intérprete é vedado distinguir

onde o legislador não o fez. Ainda: a restrição aplicável à espécie não pode se ampliar para

alcançar o gênero (integração pelo método analógico), apenas a restrição imposta ao gênero

poderia ser estendida às espécie (interpretação extensiva), sob pena de se aplicar a

integração analógica in malam partem na seara do direito penal.

Vale aduzir, também, que entendemos despropositada a afirmação de que

pela incidência dos dispositivos impugnados com a suposta eiva da inconstitucionalidade,

reconhecida em sede cautelar pelo Pleno do STF, seriam indultados homicidas,

estupradores, atentadores ao pudor. Isso porque, como foi exaustivamente demonstrado, as

penas mínimas desses tipos penais é muito superior a 4 anos.

Quanto aos supostos “traficantes”, já foi sobejamente demonstrado que a

exceção do § 2o, do art. 7

o., do Decreto 4.495/02 não atingiria o condenado às penas do

tráfico por fazer parte de quadrilha armada, ou por ser gerente de boca de fumo, ou mesmo

alto comandante do poder paralelo de tráfico. Atingiria, tão-só o que praticou algum dos

comportamentos típicos do art. 12 ou 13 da Lei n.º 6.368/76 e foi condenado à pena não

superior a 4 anos. Há sintonia com o princípio constitucional da razoabilidade.

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Apenas no que tange ao art. 1o, X, do Dec. 4495/02, urge seja declarada, em

sede de controle difuso, a interpretação conforme a Constituição para abraçar com a

possibilidade de indulto também os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto

e que estejam gozando do benefício de saída temporária para freqüência a curso

profissionalizante, superior ou 2o. grau, pelo período de 1 ano, tendo em vista que feriria o

princípio constitucional da isonomia, deixar de integrar a omissão legislativa em relação ao

inciso II, do art. 122, da LEP, feita no aludido dispositivo do Decreto de 2002.

Pode-se concluir, então, que os argumentos inspirados na ideologia do terror,

para manipular direitos fundamentais deverão ser afastados, no julgamento do mérito, e

todos os dispositivos do Decreto devem receber a chancela da constitucionalidade, sob pena

de fazer tábula rasa de todo o sistema garantista de direitos humanos positivado na

C.R.F.B..

Se de alguma forma este trabalho puder fomentar mais discussão e mais

profundidade na análise da realidade sócio-jurídica brasileira, foi alcançado seu principal

objetivo. O Direito Penal deve sempre prevalecer como sistema de garantias irrenunciáveis

e não manipuláveis que a sociedade elegeu como base de sua Constituição, ainda que, em

certos momentos, esse Direito Penal não corresponda aos anseios sociais de punição,

atualmente sintonizados com o sentimento de pânico estimulado pelo Movimento de Lei e

Ordem.

Lutar pelos direitos e pela dignidade de todos os cidadãos é lutar pela

efetividade dos direitos humanos.

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a. ed., 1967. p. 200.

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Forense;, 1944, p. 350.

________. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 4a. ed. atualizada por João Marcello de Araujo

Jr.; Forense, 1995. pp. 64 e 21.

RUI BARBOSA apud LYRA, Roberto. Comentários ao Código de Processo Penal, vol. VI. Rio de

Janeiro: Revista Forense, 1944. p. 357.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 5a. ed., 6

a.

tiragem, 1999.

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ANEXO LEGILSATIVO

DECRETO Nº 4.495, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2002.

Concede indulto, comutação e dá outras

providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso

XII, da Constituição, tendo em vista a manifestação do Conselho Nacional de Política

Criminal e Penitenciária, acolhida pelo Ministro de Estado da Justiça, e considerando a

tradição de conceder, por ocasião das festividades comemorativas do Natal, perdão ao

condenado em condições de merecê-lo, proporcionando-lhe a oportunidade de retorno útil

ao convívio da sociedade, objetivo maior da sanção penal,

DECRETA:

Art. 1o É concedido indulto ao:

I - condenado à pena privativa de liberdade não superior a seis anos que, até 25 de

dezembro de 2002, tenha cumprido um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se

reincidente;

II - condenado à pena privativa de liberdade superior a seis anos que, até 25 de dezembro

de 2002, tenha completado sessenta anos de idade e cumprido um terço da pena, se não

reincidente, ou metade, se reincidente;

III - condenado à pena privativa de liberdade superior a seis anos que, ao tempo do crime,

contava menos de vinte e um anos de idade e, até 25 de dezembro de 2002, tenha cumprido

um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente;

IV - condenado à pena privativa de liberdade que, até 25 de dezembro de 2002, tenha

cumprido ininterruptamente quinze anos da pena, se não reincidente, ou vinte anos, se

reincidente;

V - condenado à pena privativa de liberdade que seja:

a) cego, paraplégico ou tetraplégico, desde que tais condições hajam ocorrido

supervenientemente à condenação; ou

b) acometido, cumulativamente, de doença grave, irreversível, em estado de incapacidade e

que exija contínuos cuidados, comprovado por laudo médico oficial ou, na falta deste, de

médico designado, nele devendo constar o histórico da doença, desde que não haja

oposição do beneficiado, mantido o direito de assistência nos termos do art. 196 da

Constituição;

VI - condenado beneficiado com suspensão condicional da execução da pena até 31 de

dezembro de 2001, ou que teve a pena privativa de liberdade substituída por pena restritiva

de direitos, desde que tenha cumprido metade do período de prova ou da pena;

VII - condenado à pena privativa de liberdade não superior a oito anos, beneficiado com

livramento condicional até 31 de dezembro de 2001, desde que tenha cumprido metade do

período de prova e que não tenha ocorrido sua revogação;

VIII - condenado que tenha obtido progressão a regime aberto até 31 de dezembro de 2001,

sem que tenha havido posterior regressão;

IX - condenado à pena privativa de liberdade a ser cumprida inicialmente em regime

aberto, desde que, em 31 de dezembro de 2001, já tenha cumprido metade da pena e não

tenha havido posterior regressão; e

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X - condenado que se encontre cumprindo pena no regime semi-aberto e já tenha usufruído,

no mínimo, de cinco saídas temporárias previstas no art. 122, incisos I e III, combinado

com o art. 124, caput, da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984.

§ 1o Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à

pessoa, a concessão do indulto ficará subordinada:

I - à constatação de inexistência da prática de falta grave nos últimos dois anos, contados

retroativamente da publicação deste Decreto; e

II - à avaliação pelo Juiz, por decisão motivada, de condições pessoais que façam presumir

que não voltará a delinqüir.

§ 2o O indulto de que cuida este Decreto não se estende às penas acessórias previstas no

Código Penal Militar e aos efeitos da condenação.

Art. 2o O condenado que, até 25 de dezembro de 2002, tenha cumprido um quarto da pena,

se não reincidente, ou um terço, se reincidente e não preencha os requisitos deste Decreto

para receber indulto terá comutada sua pena de um quarto, se não reincidente, e de um

quinto, se reincidente.

Parágrafo único. O agraciado por anterior comutação terá seu benefício calculado sobre o

remanescente da pena em 25 de dezembro de 2002, sem prejuízo da remição (art. 126 da

Lei no 7.210, de 1984).

Art. 3o Constituem também requisitos para concessão do indulto e da comutação que o

condenado:

I - não tenha sofrido sanção disciplinar por falta grave, apurada na forma do art. 59 e

seguintes da Lei no 7.210, 1984, durante os últimos doze meses de cumprimento da pena,

contados retroativamente a partir da publicação deste Decreto, computada a detração (art.

42 do Código Penal), ressalvado o disposto no art. 1o, § 1

o; e

II - não esteja sendo processado por outro crime praticado com violência ou grave ameaça

contra a pessoa ou por aqueles descritos no art. 7o deste Decreto.

Art. 4o Os benefícios previstos neste Decreto são aplicáveis, ainda que:

I - a sentença condenatória tenha transitado em julgado somente para a acusação, sem

prejuízo do julgamento de recurso da defesa na instância superior; ou

II - haja recurso da acusação que não vise a alterar a quantidade da pena ou as condições

exigidas para concessão do indulto e da comutação.

Art. 5o A inadimplência da pena pecuniária não impede a concessão do indulto ou da

comutação.

Art. 6o As penas correspondentes a infrações diversas devem somar-se para efeito do

indulto e da comutação.

Parágrafo único. Na hipótese de haver concurso com infração descrita no art. 7o, o

condenado não terá direito a indulto ou comutação, enquanto não cumprir, integralmente, a

pena correspondente ao crime impeditivo dos benefícios (art. 76 do Código Penal).

Art. 7o Os benefícios previstos neste Decreto não alcançam os:

I - condenados por crime hediondo, de tortura e terrorismo;

II - condenados por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins;

III - condenados que, embora solventes, tenham deixado de reparar o dano;

IV - condenados por crimes definidos no Código Penal Militar que correspondam às

hipóteses previstas nos incisos I, II e III deste artigo; e

V - condenados por crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei nº 7.492, de 16 de

junho de 1986).

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§ 1o As restrições deste artigo, do § 1

o do art. 1

o e do art. 3

o deste Decreto não se aplicam às

hipóteses previstas no inciso V do art. 1o.

§ 2o Aos condenados a pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, não

se aplicam as restrições deste artigo, cumpridas, todavia, as demais exigências (art. 1o,

inciso I, e art. 3o, incisos I e II).

Art. 8o A autoridade que custodiar o condenado ou que for responsável pelo

acompanhamento das condições do regime aberto, das penas restritivas de direito, da

suspensão condicional da pena, do livramento condicional e o Conselho Penitenciário

encaminharão ao juiz da execução penal a indicação daqueles que satisfaçam os requisitos

necessários para a concessão dos benefícios previstos neste Decreto, no prazo de trinta dias,

contados de sua publicação.

§ 1o O procedimento previsto no caput deste artigo poderá iniciar-se de ofício, a

requerimento do interessado, de quem o represente, de seu cônjuge, parente ou

descendente, do Ministério Público, do Conselho Penitenciário, da autoridade

administrativa e do médico que assiste o condenado que se enquadre nas situações previstas

no art. 1o, inciso V.

§ 2o O juiz da execução penal proferirá decisão no prazo de trinta dias, a contar do

recebimento da indicação ou do requerimento, dando prioridade aos processos de

condenados presos.

Art. 9o Os órgãos centrais da Administração Penitenciária preencherão o quadro estatístico,

de acordo com o modelo anexo a este Decreto, devendo encaminhá-lo, até 31 de março de

2003, ao Departamento Penitenciário Nacional da Secretaria Nacional de Justiça do

Ministério da Justiça.

Parágrafo único. O cumprimento do disposto neste artigo será fiscalizado pelo

Departamento Penitenciário Nacional e verificado nas oportunidades de inspeção ou de

estudo de projetos lastreados em recursos do Fundo Penitenciário Nacional - FUNPEN.

Art. 10. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 4 de dezembro de 2002; 181º da Independência e 114º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Paulo de Tarso Ramos Ribeiro