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Informativo 609-STJ (13/09/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 609-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL IMUNIDADE PARLAMENTAR Deputado que, em entrevista à imprensa, afirma que determinada Deputada "não merece ser estuprada" deve pagar indenização por danos morais. DIREITO ADMINISTRATIVO CONTROLE DE ATOS ADMINISTRATIVOS Judiciário pode determinar que Estado implemente plantão em Delegacia de Atendimento ao adolescente infrator. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA MP pode instaurar inquérito civil para apurar ato de improbidade praticado por magistrado e solicitar seu depoimento pessoal. DIREITO CIVIL RESPONSABILIDADE CIVIL Ofensas proferidas por Rita Lee contra policiais militares em show geraram dano moral in re ipsa. Responsabilidade civil por abandono material do pai em relação ao filho. UNIÃO ESTÁVEL Em caso de sucessão causa mortis do companheiro deverão ser aplicadas as mesmas regras da sucessão causa mortis do cônjuge. O casal não é obrigado a formular pedido extrajudicial antes de ingressar com ação judicial pedindo a conversão da união estável em casamento. Partilha dos direitos de concessão de uso para fins de moradia de imóvel público. DIREITO EMPRESARIAL DIREITOS AUTORAIS Termo inicial do prazo prescricional para reparação civil decorrente de plágio. FALÊNCIA A incidência de juros e correção monetária sobre os créditos habilitados deve ocorrer até a data em que a sentença é prolatada. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ATO INFRACIONAL Judiciário pode determinar que Estado implemente plantão em Delegacia de Atendimento ao adolescente infrator. DIREITO PROCESSUAL CIVIL EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO Conceito de documento comum do art. 844, II, do CPC/1913.

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Informativo 609-STJ (13/09/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 609-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

IMUNIDADE PARLAMENTAR Deputado que, em entrevista à imprensa, afirma que determinada Deputada "não merece ser estuprada" deve

pagar indenização por danos morais.

DIREITO ADMINISTRATIVO

CONTROLE DE ATOS ADMINISTRATIVOS Judiciário pode determinar que Estado implemente plantão em Delegacia de Atendimento ao adolescente infrator. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA MP pode instaurar inquérito civil para apurar ato de improbidade praticado por magistrado e solicitar seu

depoimento pessoal.

DIREITO CIVIL

RESPONSABILIDADE CIVIL Ofensas proferidas por Rita Lee contra policiais militares em show geraram dano moral in re ipsa. Responsabilidade civil por abandono material do pai em relação ao filho. UNIÃO ESTÁVEL Em caso de sucessão causa mortis do companheiro deverão ser aplicadas as mesmas regras da sucessão causa

mortis do cônjuge. O casal não é obrigado a formular pedido extrajudicial antes de ingressar com ação judicial pedindo a conversão da

união estável em casamento. Partilha dos direitos de concessão de uso para fins de moradia de imóvel público.

DIREITO EMPRESARIAL

DIREITOS AUTORAIS Termo inicial do prazo prescricional para reparação civil decorrente de plágio. FALÊNCIA A incidência de juros e correção monetária sobre os créditos habilitados deve ocorrer até a data em que a sentença

é prolatada.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

ATO INFRACIONAL Judiciário pode determinar que Estado implemente plantão em Delegacia de Atendimento ao adolescente infrator.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO Conceito de documento comum do art. 844, II, do CPC/1913.

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DIREITO PENAL

PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS Não é possível a execução provisória de penas restritivas de direito. LESÃO CORPORAL Lesão corporal contra irmão configura o § 9º do art. 129 do CP não importando onde a agressão tenha ocorrido. LEI DE DROGAS O interrogatório, na Lei de Drogas, é o último ato da instrução.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COLABORAÇÃO PREMIADA Descumprimento de colaboração premiada não justifica, por si só, prisão preventiva. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA Não é possível a execução provisória de penas restritivas de direito.

DIREITO CONSTITUCIONAL

IMUNIDADE PARLAMENTAR Deputado que, em entrevista à imprensa, afirma que determinada Deputada

"não merece ser estuprada" deve pagar indenização por danos morais

O Deputado Federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) afirmou que a também Deputada Federal Maria do Rosário (PT-RS), “não merece ser estuprada por ser muito ruim, muito feia, não faz meu gênero”. E acrescentou que, se fosse estuprador, "não iria estuprá-la porque ela não merece".

O STJ entendeu que a conduta do parlamentar não está abrangido pela imunidade parlamentar e que, portanto, ele deveria ser condenado a pagar indenização por danos morais em favor da Deputada. Decidiu o Tribunal:

As opiniões ofensivas proferidas por deputados federais e veiculadas por meio da imprensa, em manifestações que não guardam nenhuma relação com o exercício do mandato, não estão abarcadas pela imunidade material prevista no art. 53 da CF/88 e são aptas a gerar dano moral.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.642.310-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/8/2017 (Info 609).

A situação analisada, com adaptações, foi a seguinte: O Deputado Federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), durante uma discussão no plenário da Câmara, afirmou que a também Deputada Federal, Maria do Rosário (PT-RS), “não merece ser estuprada”. No dia seguinte, em entrevista concedida em seu gabinete ao jornal "Zero Hora", Bolsonaro reiterou as declarações, dizendo que Maria do Rosário “não merece ser estuprada por ser muito ruim, muito feia, não faz meu gênero”. E acrescentou que, se fosse estuprador, "não iria estuprá-la porque ela não merece". Ação de indenização Maria do Rosário ingressou, então, com ação de indenização por danos morais contra Bolsonaro. Defesa do Deputado A defesa argumentou que o parlamentar não poderia ser responsabilizado civilmente por suas palavras em razão da imunidade parlamentar material prevista no art. 53 da CF/88:

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Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

A questão chegou até o STJ. O que decidiu o Tribunal a respeito da indenização? Bolsonaro foi condenado a indenizar Maria do Rosário? SIM. O STJ determinou que Bolsonaro pague a Maria do Rosário R$ 10 mil a título de indenização por danos morais. Imunidade parlamentar A imunidade não é um privilégio pessoal dos parlamentares. Trata-se de uma garantia dos parlamentares para o desempenho de suas funções. Uma das funções típicas do Poder Legislativo é a de fiscalizar. Para isso, é indispensável a existência da imunidade a fim de que o Deputado ou Senador tenha independência para bem desempenhar esse papel. Por esse motivo, as imunidades parlamentares são, inclusive, irrenunciáveis. Imunidade parlamentar não é absoluta e está ligada ao exercício das funções Apesar da sua importância, a imunidade parlamentar material não pode ser considerada absoluta. A inviolabilidade parlamentar deve ser limitada em razão da colisão com outros princípios igualmente assegurados pela Constituição. O limite da imunidade parlamentar é a própria atuação do congressista no exercício de seu mandato. Dessa feita, a imunidade material é inaplicável a situações que não tenham relação com o exercício do mandato. Em outras palavras, manifestações que não guardam nenhuma relação com a função de representante legislativo não são abrangidas pela imunidade parlamentar. Para que as manifestações do parlamentar possam ser consideradas como exercício do mandato, devem conter um teor minimamente político, ou seja, devem estar relacionadas com fatos que estejam sob o debate público, sob a investigação dos órgãos estatais ou, ainda, que seja de interesse da sociedade e do eleitorado. No caso concreto, o STJ considerou que as manifestações de Bolsonaro a respeito de Maria do Rosário não tinham nenhuma relação com a atividade parlamentar de ambos e, portanto, não deveria incidir a imunidade prevista no art. 53 da CF/88. Existe uma posição jurisprudencial no sentido de que as declarações proferidas pelo parlamentar dentro do Congresso Nacional seriam sempre protegidas pela imunidade parlamentar ainda que as palavras não tivessem relação com o exercício do mandato. Esse entendimento existe mesmo? SIM. Há diversos julgados do STF afirmando que a imunidade parlamentar material (art. 53 da CF/88) é absoluta quando as afirmações do Deputado ou Senador sobre qualquer assunto ocorrem dentro do Congresso Nacional. A situação poderia ser assim resumida:

Ofensas feitas DENTRO do Parlamento: a imunidade é absoluta. O parlamentar é imune mesmo que a manifestação não tenha relação direta com o exercício de seu mandato.

Ofensas feitas FORA do Parlamento: a imunidade é relativa. Para que o parlamentar seja imune, é necessário que a manifestação feita tenha relação com o exercício do seu mandato.

Veja um precedente do STF neste sentido: “A palavra 'inviolabilidade' significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. (...) Assim, é de se distinguir as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada 'conexão com o exercício do mandato ou com a condição parlamentar' (Inq 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos

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no interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário da Assembleia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material.” (STF. Plenário. Inq 1.958, Rel. p/ o ac. Min. Ayres Britto, julgado em 29/10/2003). No mesmo sentido: STF. 1ª Turma. RE 463671 AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 19/06/2007.

Este entendimento não poderia ser aplicado ao caso concreto, considerando que as palavras e a entrevista foram dadas dentro das dependências da Câmara dos Deputados? Ocorre que no dia seguinte o Deputado deu uma entrevista na qual reafirmou as palavras. Portanto, neste momento, a imunidade não é absoluta.

Mas a entrevista foi dada dentro do gabinete no Deputado... Mesmo assim. O fato de o parlamentar estar em seu gabinete no momento em que concedeu a entrevista é um fato meramente acidental, de menor importância. Isso porque não foi ali (no gabinete) que as ofensas se tornaram públicas. Elas se tornaram públicas por meio da imprensa e da internet, quando a entrevista foi veiculada. Dessa forma, tratando-se de declarações prestadas em entrevista concedida a veículo de grande circulação não incide o entendimento de que a imunidade material seria absoluta. É necessário avaliar, portanto, se as palavras proferidas estavam ou não relacionadas com a função parlamentar. E, como no caso concreto não estavam, ele não estará protegido pela imunidade material do art. 53 da CF/88. Em suma, o STJ decidiu que:

As opiniões ofensivas proferidas por deputados federais e veiculadas por meio da imprensa, em manifestações que não guardam nenhuma relação com o exercício do mandato, não estão abarcadas pela imunidade material prevista no art. 53 da CF/88 e são aptas a gerar dano moral. STJ. 3ª Turma. REsp 1.642.310-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/8/2017 (Info 609).

Sobre o tema, vale ressaltar que o STF já recebeu denúncia e queixa-crime contra Bolsonaro pelo mesmo fato. Para maiores informações, veja: STF. 1ª Turma. Inq 3932/DF e Pet 5243/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 21/6/2016 (Info 831).

DIREITO ADMINISTRATIVO

CONTROLE DE ATOS ADMINISTRATIVOS Judiciário pode determinar que Estado implemente plantão em

Delegacia de Atendimento ao adolescente infrator

A decisão judicial que impõe à Administração Pública o restabelecimento do plantão de 24 horas em Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e à Juventude não constitui abuso de poder, tampouco extrapola o controle do mérito administrativo pelo Poder Judiciário.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.612.931-MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/6/2017 (Info 609).

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A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: O Governo do Estado de Mato Grosso do Sul acabou com o plantão de 24 horas que existia na Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e Juventude, na cidade de Campo Grande/MS. O Ministério Público ingressou com ação civil pública pedindo o restabelecimento do plantão a fim de permitir que todo adolescente apreendido em flagrante de ato infracional seja ouvido e atendido, independentemente do dia e horário. A Fazenda Pública alegou que o remanejamento de Delegados de Polícia, principalmente no regime de plantão, é uma decisão ligada à conveniência e oportunidade administrativas, não cabendo a intervenção do Judiciário na formulação de políticas públicas. O pedido do MP foi acolhido pelo STJ? SIM. Ordenamento jurídico determina a proteção da criança e do adolescente O art. 227 da CF/88 dispõe ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Essa imposição é reforçada, no plano infraconstitucional, pelos arts. 4º, 18 e 125 da Lei nº 8.069/90 (ECA), ressaltando sempre a imprescindibilidade de proteção e amparo especializado à criança e adolescente, evidenciando a importância do bem jurídico aqui tutelado - a proteção ao menor, ainda que na condição de infrator. Discricionariedade administrativa não é absoluta O controle dos atos discricionários pelo Poder Judiciário deve ser visto com extrema cautela, para não servir de subterfúgio para substituir uma escolha legítima da autoridade competente. Assim, não cabe ao magistrado declarar ilegal um ato discricionário tão só por discordar dos valores morais invocados pela Administração, quando ambos são válidos e admissíveis perante a sociedade. Tomando-se esse cuidado, deve-se lembrar que a discricionariedade administrativa não é absoluta e seus abusos podem e devem ser submetidos à apreciação do Poder Judiciário, a quem cabe o controle de sua legalidade, bem como dos motivos e da finalidade dos atos praticados sob o seu manto. Estabelecimentos adequados para adolescentes infratores O art. 172 do ECA preconiza:

Art. 172. O adolescente apreendido em flagrante de ato infracional será, desde logo, encaminhado à autoridade policial competente. Parágrafo único. Havendo repartição policial especializada para atendimento de adolescente e em se tratando de ato infracional praticado em coautoria com maior, prevalecerá a atribuição da repartição especializada, que, após as providências necessárias e conforme o caso, encaminhará o adulto à repartição policial própria.

A doutrina, ao interpretar esse dispositivo, afirma que é extremamente importante a existência de Delegacias especializadas no atendimento do adolescente infrator. A especialização policial nestes casos é, inclusive, uma imposição das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (conhecidas como “Regras de Beijing”) e que foram incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 99.710/90. Confira:

12. Especialização policial

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12.1 Para melhor desempenho de suas funções, os policiais que tratem frequentemente ou de maneira exclusiva com jovens ou que se dediquem fundamentalmente à prevenção da delinquência de jovens receberão instrução e capacitação especial. Nas grandes cidades, haverá contingentes especiais de polícia com essa finalidade.

Conduta contrária à CF/88, à lei e ao tratado internacional Assim, o STJ considerou que, ao não se oferecer plantão 24 horas na Delegacia especializada de apuração dos atos infracionais, houve violação à CF/88, ao art. 172 do ECA e também ao item 12.1 das Regras de Beijing considerando que, fora do horário de funcionamento da Delegacia, os jovens infratores serão submetidos às unidades policiais comuns, onde estarão expostos ao contato com presos maiores de idade. A decisão governamental de encerrar o plantão na Delegacia não é uma escolha aceitável do Estado sob os aspectos moral e ético, representando induvidosa preterição de uma prioridade imposta pela Constituição Federal, além de conduta contrária à lei e ao tratado internacional, constituindo, portanto, hipótese na qual se admite que o Poder Judiciário intervenha legitimamente no caso mesmo em se tratando de um ato discricionário. A jurisprudência do STF entende que o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de Poderes (STF. 1ª Turma. ARE 886710 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 03/11/2015). Em suma:

A decisão judicial que impõe à Administração Pública o restabelecimento do plantão de 24 horas em Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e à Juventude não constitui abuso de poder, tampouco extrapola o controle do mérito administrativo pelo Poder Judiciário. STJ. 1ª Turma. REsp 1.612.931-MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/6/2017 (Info 609).

Comando Ante o exposto, o STJ deu provimento ao recurso especial interposto pelo MP e determinou que o Estado do Mato Grosso do Sul implementasse, no prazo máximo de 120 dias, o regime de plantão de 24 horas na Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e Juventude de Campo Grande/MS, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA MP pode instaurar inquérito civil para apurar ato de improbidade

praticado por magistrado e solicitar seu depoimento pessoal

Importante!!!

É possível a abertura de inquérito civil pelo Ministério Público objetivando a apuração de ato ímprobo atribuído a magistrado mesmo que já exista concomitante procedimento disciplinar na Corregedoria do Tribunal acerca dos mesmos fatos, não havendo usurpação das atribuições da Corregedoria pelo órgão ministerial investigante.

A mera solicitação para que o juiz preste depoimento pessoal nos autos de inquérito civil instaurado pelo Ministério Público para apuração de suposta conduta ímproba não viola o disposto no art. 33, IV, da LC nº 35/79 (LOMAN).

STJ. 1ª Turma. RMS 37.151-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Sérgio Kukina, julgado em 7/3/2017 (Info 609).

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Imagine a seguinte situação adaptada: O Procurador da República instaurou um inquérito civil para apurar suposto ato de improbidade administrativa que teria sido praticado por um Juiz Federal. O Procurador que conduzia a investigação encaminhou uma "solicitação" ao Juiz investigado para que este, respeitada a sua conveniência, informasse dia, hora e local para que prestasse depoimento nos autos do inquérito civil a respeito dos fatos que estavam sendo apurados. O magistrado alegou dois argumentos que iremos analisar se são ou não pertinentes: 1) A instauração do referido inquérito civil seria ilegal, tendo em vista que os fatos investigados já estão sendo apurados pela Corregedoria do TRF, órgão que detém a competência para conduzir a investigação contra juízes. Assim, o Ministério Público estaria usurpando as funções da Corregedoria, em violação ao parágrafo único do art. 33 da LC 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN):

Art. 33 (...) Parágrafo único - Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.

2) A referida notificação também seria ilegal considerando que teria violado o art. 33, IV, da LOMAN, que prevê:

Art. 33. São prerrogativas do magistrado: (...) IV - não estar sujeito a notificação ou a intimação para comparecimento, salvo se expedida por autoridade judicial;

Primeira pergunta: é possível que o Ministério Público instaure inquérito civil para apurar suposto ato de improbidade administrativa praticado por um magistrado mesmo que a Corregedoria do Tribunal já esteja conduzindo investigação sobre os mesmos fatos? SIM.

É possível a abertura de inquérito civil pelo Ministério Público objetivando a apuração de ato ímprobo atribuído a magistrado mesmo que já exista concomitante procedimento disciplinar na Corregedoria do Tribunal acerca dos mesmos fatos, não havendo usurpação das atribuições da Corregedoria pelo órgão ministerial investigante. STJ. 1ª Turma. RMS 37.151-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Sérgio Kukina, julgado em 7/3/2017 (Info 609).

Não há incompatibilidade porque o Ministério Público instaura o inquérito civil para apurar possível prática de improbidade e a Corregedoria deflagra o procedimento para investigar e impor eventual sanção disciplinar. Vale ressaltar, inclusive, que o art. 12 da Lei nº 8.429/92, ao listar o rol de sanções aplicáveis ao agente ímprobo, preconiza, de modo expresso, que tais penalidades serão impostas “independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica”. Segunda pergunta: há ilegalidade no fato de o MP expedir notificação para que o magistrado preste depoimento pessoal nos autos de inquérito civil? Essa prática viola o art. 33, IV, da LOMAN? NÃO.

A mera solicitação para que o juiz preste depoimento pessoal nos autos de inquérito civil instaurado pelo Ministério Público para apuração de suposta conduta ímproba não viola o disposto no art. 33, IV, da LC nº 35/79 (LOMAN). STJ. 1ª Turma. RMS 37.151-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Sérgio Kukina, julgado em 7/3/2017 (Info 609).

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O magistrado estava sendo investigado nos autos do inquérito civil presidido pelo Procurador da República. Este não poderia concluir a investigação sem dar oportunidade para que o magistrado, se assim desejasse, oferecesse sua versão dos fatos. Logo, ao se expedir solicitação para que o magistrado prestasse depoimento pessoal, o membro do MP quis, tão somente, garantir o direito do investigado de se defender. Não se pode conceber que, supostamente com o objetivo de preservar uma prerrogativa funcional (receber convocação somente através de outra autoridade judicial), acabe-se, em verdade, por suprimir do magistrado a faculdade de participar do processo no qual está sendo investigado. Vale ressaltar que o magistrado não tinha o dever de atender à solicitação do MP e assim, se quisesse, poderia simplesmente recusar o chamado. Deve-se, portanto, compatibilizar as garantias trazidas na LOMAN com a responsabilidade institucional do Parquet de oferecer ao investigado a possibilidade de dar a sua versão dos fatos apurados.

DIREITO CIVIL

RESPONSABILIDADE CIVIL Ofensas proferidas por Rita Lee contra policiais militares em show geraram dano moral in re ipsa

As ofensas generalizadas proferidas por cantora contra policias militares que realizavam a segurança do show atingem, de forma individualizada, cada um dos integrantes da corporação que estavam de serviço no evento e caracterizam dano moral in re ipsa, devendo a artista indenizar cada um dos policiais que trabalhavam no local.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.677.524-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 3/8/2017 (Info 609).

A situação concreta foi a seguinte: Durante um show realizado em Aracajú (SE), a cantora Rita Lee interrompeu a apresentação e passou a insultar os policiais militares que faziam a segurança do evento por considerar que eles estariam sendo truculentos com o público ao revistá-los em busca de drogas. A cantora, no palco, falou o seguinte aos policiais: “Seus cachorros! Coitados dos cachorros. Cafajestes! Vocês estão fazendo de propósito. Eu sou do tempo da ditadura, se pensa que eu tenho medo, p..! Venha aqui! Eu sou mulher. Mulher, queridos! Sou mãe, tive três filhos, tenho uma neta, 67 anos, que que vocês vão fazer? É isso que vocês querem? Chamar a atenção? Eles querem chamar a atenção, querem cantar? É horrível! Eu tenho paranoia com esse tipo de coisa, por que isso? Por quê? Eu queria saber. Cadê? Cadê por escrito que vocês têm que fazer isso? Cavalaria aqui não, filho. De cavalo. Cavalo é um bicho delicado. Que isso? Não. Eu não vou esperar, esse show é meu, as pessoas estão esperando eu cantar. Não é a gracinha de vocês. Seus f... da p.... Agora venha aqui me prender”. Ação de indenização por danos morais Os policiais militares que trabalhavam no evento ingressaram, então, com ação de indenização por danos morais contra a cantora. A ré defendeu-se afirmando que suas palavras foram ditas de forma genérica e foram motivadas pela arbitrariedade praticada pelos próprios policiais militares em frente ao palco, que agiram com truculência e de forma abusiva, enquanto procuravam substâncias entorpecentes com a plateia.

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A questão chegou até o STJ? O Tribunal entendeu que os policiais têm direito à indenização? SIM. Os militares estavam ali em exercício legítimo da atividade de policiamento ostensivo e preservação da ordem pública, próprias das atividades da Polícia Militar. Assim, a repressão de uma conduta ilegal (uso de drogas) não pode ser taxada como abusiva. A atitude da cantora de se contrapor ao trabalho da polícia proferindo injúrias contra todos os militares presentes ao show mostra-se como uma conduta antijurídica, primeiro pilar necessário para a caracterização do dano moral indenizável. Além disso, houve outros atos ilícitos por parte da cantora que passou a proferir injúrias contra os policiais. O fato de as críticas terem sido generalizadas não ajuda a cantora nem serve para melhorar a sua situação. Ao contrário, a partir do momento em que xingou todos os integrantes do policiamento que trabalhavam no evento, ela atingiu a cada um de forma individualizada, porque foram pessoalmente ofendidos no exercício de suas funções. O dano, neste caso, decorre da própria injúria proferida pela cantora sendo considerado como dano moral in re ipsa. Em suma:

As ofensas generalizadas proferidas por cantora contra policias militares que realizavam a segurança do show atingem, de forma individualizada, cada um dos integrantes da corporação que estavam de serviço no evento e caracterizam dano moral in re ipsa, devendo a artista indenizar cada um dos policiais que trabalhavam no local. STJ. 3ª Turma. REsp 1.677.524-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 3/8/2017 (Info 609).

RESPONSABILIDADE CIVIL Responsabilidade civil por abandono material do pai em relação ao filho

Importante!!!

A omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo MATERIAL do filho gera danos morais, passíveis de compensação pecuniária.

O descumprimento da obrigação pelo pai, que, apesar de dispor de recursos, deixa de prestar assistência MATERIAL ao filho, não proporcionando a este condições dignas de sobrevivência e causando danos à sua integridade física, moral, intelectual e psicológica, configura ilícito civil, nos termos do art. 186 do Código Civil.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.087.561-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 13/6/2017 (Info 609).

Imagine a seguinte situação hipotética: João e Maria viviam em união estável e tiveram um filho, Lucas. Quando a criança completou cinco anos de idade, João decidiu separar-se de Maria e saiu de casa. A partir daí nunca mais visitou o filho nem contribuiu para as despesas do garoto. Vale ressaltar que João possui outros filhos que ajuda financeiramente. O descaso do pai para com o filho está devidamente demonstrado tanto pelas testemunhas como pelos relatórios do Conselho Tutelar que comprovam que Lucas vive em situação de praticamente miséria e que as poucas vezes que o pai contribuiu foi em virtude de execução de alimentos quando ameaçado de prisão. A questão jurídica envolvendo esse caso é a seguinte: em tese, é possível a condenação de João a pagar indenização por danos morais a Lucas, seu filho, em razão do seu abandono material? É possível a condenação em danos morais do pai que deixa de prestar assistência material ao filho?

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Informativo 609-STJ (13/09/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10

SIM.

A omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo MATERIAL do filho gera danos morais, passíveis de compensação pecuniária. STJ. 4ª Turma. REsp 1.087.561-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 13/6/2017 (Info 609).

O dever de convivência familiar, compreendendo a obrigação dos pais de prestar auxílio afetivo, moral e psíquico aos filhos, além de assistência material, é direito fundamental da criança e do adolescente. O descumprimento voluntário do dever de prestar assistência MATERIAL, direito fundamental da criança e do adolescente, afeta a integridade física, moral, intelectual e psicológica do filho, em prejuízo do desenvolvimento sadio de sua personalidade e atenta contra a sua dignidade, configurando ilícito civil e, portanto, os danos morais e materiais causados são passíveis de compensação pecuniária. No julgado acima (REsp 1.087.561-RS) adotou-se a responsabilidade civil por abandono AFETIVO? O pai foi condenado a indenizar pelo fato de não ter dado afeto ao seu filho? NÃO. No julgado acima explicado o Min. Rel. Raul Araújo, assim como a Min. Maria Isabel Gallotti, deixaram claro que são contrários à tese da responsabilidade civil por abandono afetivo. Afirmou-se que a falta de afeto, por si só, não constitui ato ilícito. “A convivência e o afeto devem corresponder a sentimentos naturais, espontâneos, genuínos, com todas as características positivas e negativas de cada indivíduo e de cada família. Não é - nem deve ser - o cumprimento de dever jurídico, imposto pelo Estado, sob pena de punição (ou indenização punitiva).” (Min. Maria Isabel Gallotti) Assim, no REsp 1.087.561-RS, o STJ concedeu a indenização por danos morais em razão do pai não ter dado amparo MATERIAL ao filho. A partir desse julgado pode-se dizer que qualquer atraso na pensão alimentícia ou descumprimento do dever de alimentar gera dano moral? NÃO. No caso concreto, não houve um “mero descumprimento episódico de obrigação alimentar, mas de hipótese em que a reiterada falta de assistência material foi de tal ordem que revelou ter o autor sido vítima de humilhações, situações que o levaram ao ridículo, privações que prejudicaram o seu desenvolvimento, caracterizando o tratamento cruel e degradante ao qual ficou submetido em decorrência da conduta omissiva do genitor, que tinha, na época dessas ocorrências, conhecimento da situação de penúria e plenas condições de suprir suas necessidades.” (Min. Maria Isabel Gallotti). Existe algum julgado do STJ reconhecendo a responsabilidade civil por abandono afetivo? SIM. Há um precedente da 3ª Turma:

O abandono AFETIVO decorrente da omissão do genitor no dever de cuidar da prole constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral compensável. STJ. 3ª Turma. REsp 1.159.242-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/4/2012.

UNIÃO ESTÁVEL Em caso de sucessão causa mortis do companheiro deverão ser aplicadas

as mesmas regras da sucessão causa mortis do cônjuge

O STF fixou a seguinte tese:

No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil.

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STF. Plenário. RE 646721/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso e RE 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 10/5/2017 (repercussão geral) (Info 864).

O STJ acompanhou o entendimento do Supremo e também decidiu de forma similar:

É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.332.773-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/6/2017 (Info 609).

Sucessão legítima Sucessão legítima é a transmissão do patrimônio do falecido para os seus herdeiros, segundo uma ordem, que é chamada de ordem de vocação hereditária, sendo prevista no art. 1.829 do Código Civil. O cônjuge vai ter direito à herança se o falecido deixou descendentes? Ex: João, casado com Maria, morreu e deixou dois filhos (Pedro e Tiago). Maria terá direito à herança? O cônjuge é herdeiro necessário (art. 1.845 do CC). Assim, se a pessoa morrer e for casada, em regra, seu cônjuge terá direito à herança. Vale ressaltar, no entanto, que, se o falecido tiver deixado descendentes (filhos, netos etc.), a viúva poderá não ter direito à herança, a depender do regime de bens. A regra está no art. 1.829, I, do CC:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

Esse inciso é muito confuso e mal redigido, o que gera bastante polêmica na doutrina e jurisprudência. O que se pode extrair dele é o seguinte: o cônjuge é herdeiro necessário, mas há situações em que a lei deu primazia (preferência) para os descendentes do morto. Assim, foram previstos alguns casos em que o cônjuge, a depender do regime de bens, não irá ter direito à herança, ficando esta toda com os descendentes. Vejamos:

1) Situações em que o cônjuge herda em concorrência com os descendentes

2) Situações em que o cônjuge não herda em concorrência com os descendentes

Regime da comunhão parcial de bens, se existirem bens particulares do falecido.

Regime da separação convencional de bens (é aquela que decorre de pacto antenupcial).

Regime da comunhão parcial de bens, se não havia bens particulares do falecido.

Regime da separação legal (obrigatória) de bens (é aquela prevista no art. 1.641 do CC).

Regime da comunhão universal de bens.

Voltando ao exemplo: João, casado com Maria, morreu e deixou dois filhos Pedro e Tiago. Se, por exemplo, Maria era casada com João sob o regime da separação convencional de bens, ela terá direito, juntamente com Pedro e Tiago, à herança deixada pelo marido. Por outro lado, se Maria era casada com João sob o regime da comunhão universal de bens, ela não terá direito à herança. Neste caso, ela será meeira, mas não herdeira. Se os consortes são casados no regime da comunhão universal, isso significa que, quando a pessoa morre, seu cônjuge tem direito à meação, ou seja, metade dos bens do falecido já pertencem obrigatoriamente ao cônjuge supérstite. A outra metade é que será a herança.

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Ora, o legislador pensou o seguinte: “se o cônjuge já vai ter direito à metade dos bens pelo fato de ser meeiro, não é justo que ele também tenha parte da outra metade em prejuízo dos descendentes; vamos excluir o cônjuge da herança para que ela fique toda para os descendentes.” O cônjuge vai ter direito à herança se o falecido não deixou descendentes, mas deixou ascendentes? Ex: João, casado com Maria, morre sem deixar filhos ou netos, mas deixou pai e mãe. Como será feita a divisão da herança? Neste caso, o cônjuge sobrevivente herdará em concorrência com os ascendentes. Logo, em nosso exemplo, Maria receberá 1/3 da herança, o pai de João 1/3 e a mãe o 1/3 restante. Vale ressaltar que aqui não importa qual era o regime de bens do casal. E se o falecido morreu sem deixar descendentes e ascendentes, o cônjuge terá direito à herança? Ex: João, casado com Maria, morreu sem deixar filhos, netos, nem pais ou avós. SIM. Nesta hipótese Maria terá direito à integralidade da herança. Regras da sucessão do cônjuge Essas regras acima explicadas envolvendo a sucessão causa mortis do cônjuge estão previstas no art. 1.829 do Código Civil:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.

E o companheiro do falecido (união estável), tem direito à herança? O que o Código Civil previu sobre o tema? O Código Civil de 2002 trouxe as regras sobre a sucessão do companheiro no art. 1.790:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Ao se comparar este art. 1.790 com o art. 1.829 do CC veremos que o legislador trouxe regras muito mais desvantajosas para o companheiro do que para o cônjuge do falecido. Um exemplo ilustra bem essa diferença de tratamento: pelo art. 1.790 do CC, se o falecido deixar a companheira e um tio, por exemplo, esse tio iria herdar 2/3 da herança e a companheira apenas 1/3. Tese da inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC Diversos doutrinadores de Direito Civil sempre defenderam que o art. 1.790 do CC seria inconstitucional. Isso porque a Constituição Federal protege a união estável como entidade familiar (art. 226, § 3º). Dessa forma, não existe uma superioridade do casamento sobre a união estável, devendo os dois institutos serem equiparados.

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Essa tese foi acolhida pelo STF? O art. 1.790 do CC, que trata sobre a sucessão do companheiro, é inconstitucional? SIM. O STF entendeu que o art. 1.790 do Código Civil de 2002 é inconstitucional. Mudanças na noção tradicional de família O regime sucessório sempre buscou proteger a família do falecido. A noção tradicional de família esteve ligada durante muito tempo à ideia de casamento. Vale ressaltar, no entanto, que esse modelo passou a sofrer alterações, principalmente durante a segunda metade do século XX, quando o laço formal do matrimônio passou a ser substituído pela afetividade e por um projeto de vida em comum. CF/88 protege diferentes modalidades de família A CF/88 prevê não apenas a família decorrente do casamento (família matrimonial), sendo protegidas outras modalidades de família. Uma das espécies de família protegidas pela Constituição é a família derivada da união estável, seja ela hetero ou homoafetiva. Isso está expresso no § 3º do art. 226 do Texto Constitucional:

Art. 226 (...) § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Código Civil de 2002 regrediu no tratamento do tema O legislador, cumprindo a vontade constituinte, editou duas leis ordinárias que equiparavam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável (Lei nº 8.971/94 e Lei 9.278/96). O Código Civil de 2002, no entanto, regrediu no tratamento do tema e “desequiparou”, para fins de sucessão, o casamento e a união estável, fazendo com que o(a) companheiro(a) do falecido tivesse uma proteção bem menor do que aquela que é conferida ao cônjuge. Dessa forma, o CC-2002 promoveu verdadeiro retrocesso, criando uma hierarquização entre as famílias, o que não é admitido pela Constituição, que trata todas as famílias com o mesmo grau de valia, respeito e consideração. Princípios constitucionais violados Dessa forma, o art. 1.790 do CC é inconstitucional porque viola:

o princípio da igualdade;

a dignidade da pessoa humana;

o princípio da proporcionalidade (na modalidade de proibição à proteção deficiente) e

o princípio da vedação ao retrocesso. Já que o art. 1.790 é inconstitucional, o que se deve fazer no caso de sucessão de companheiro? Quais as regras que deverão ser aplicadas caso um dos consortes da união estável morra? O STF entendeu que a união estável deve receber o mesmo tratamento conferido ao casamento. Logo, em caso de sucessão causa mortis do companheiro, deverão ser aplicadas as mesmas regras da sucessão causa mortis do cônjuge, regras essas que estão previstas no art. 1.829 do CC. O STF apreciou o tema em sede de recurso extraordinário submetido à repercussão geral e fixou a seguinte tese:

No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil.

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STF. Plenário. RE 646721/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso e RE 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 10/5/2017 (repercussão geral) (Info 864).

Assim, no art. 1.829 do CC, onde se lê: “cônjuge”, deve-se agora ler: “cônjuge ou companheiro(a)”. Como consequência dessa decisão, o companheiro passa a ser considerado herdeiro necessário. O STJ acompanhou o entendimento do STF e também decidiu da mesma forma:

É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002. STJ. 3ª Turma. REsp 1.332.773-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/6/2017 (Info 609).

UNIÃO ESTÁVEL O casal não é obrigado a formular pedido extrajudicial antes de ingressar com ação judicial

pedindo a conversão da união estável em casamento

Importante!!!

O art. 8º da Lei nº 9.278/96 prevê a possibilidade de que a conversão da união estável em casamento seja feita pela via extrajudicial. No entanto, este dispositivo não impõe a obrigatoriedade de que se formule o pedido de conversão na via administrativa antes de se ingressar com a ação judicial.

O art. 8º da Lei nº 9.278/96 deve ser interpretado como sendo uma faculdade das partes. Dessa forma, o ordenamento jurídico oferece duas opções ao casal:

a) pode fazer a conversão extrajudicial, nos termos do art. 8º da Lei 9.278/96; ou

b) pode optar pela conversão judicial, conforme preconiza o art. 1.726 do CC.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.685.937-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/8/2017 (Info 609).

Imagine a seguinte situação hipotética: João e Maria vivem em união estável. Depois de alguns anos eles resolvem fazer a conversão desta união estável em casamento. Para isso, contrataram um advogado e ajuizaram, na vara de família, ação de conversão de união estável em casamento. O juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito alegando falta de interesse de agir (art. 485, VI, do CPC/2015). Isso porque, segundo o magistrado, o casal, antes de ingressar com a ação judicial, deveria ter formulado pedido extrajudicial de conversão da união estável em casamento. Somente se esse pedido fosse indevidamente negado é que eles teriam interesse processual de ingressar com ação judicial pedindo a referida conversão. O argumento do magistrado foi, portanto, o seguinte: ora, se é possível que a conversão seja feita extrajudicialmente, não há interesse de agir para a propositura de ação judicial. Veja a redação do art. 8º da Lei nº 9.278/96, que autoriza a conversão pela via administrativa (extrajudicial):

Art. 8º Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio.

O argumento do magistrado foi corroborado pelo STJ? NÃO.

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Informativo 609-STJ (13/09/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15

Para o STJ, o art. 8º da Lei nº 9.278/96 deve ser interpretado em conjunto com o art. 226 § 3º da Constituição Federal, que estabelece os objetivos e princípios que deverão pautar o processo de conversão de união estável em casamento e levando em consideração o art. 1.726 do Código Civil, que também trata do tema no âmbito infraconstitucional. O art. 226, § 3º da CF/88 prevê que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento. Logo, o art. 8º da Lei nº 9.278/96 deve ser interpretado como sendo uma faculdade das partes, uma opção a mais. Dessa forma, o ordenamento jurídico oferece duas opções ao casal: 1) pode fazer a conversão extrajudicial, nos termos do art. 8º da Lei 9.278/96; ou 2) pode optar pela conversão judicial, conforme preconiza o art. 1.726 do CC:

Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.

Ademais, o entendimento de que os artigos não criam a obrigatoriedade de formulação pela via administrativa harmoniza-se, ainda, como o art. 5º, XXXV, da CF/88, que prevê a inafastabilidade jurisdicional e a acessibilidade à justiça. Em suma:

O art. 8º da Lei nº 9.278/96 prevê a possibilidade de que a conversão da união estável em casamento seja feita pela via extrajudicial. No entanto, este dispositivo não impõe a obrigatoriedade de que se formule o pedido de conversão na via administrativa antes de se ingressar com a ação judicial. O art. 8º da Lei nº 9.278/96 deve ser interpretado como sendo uma faculdade das partes. Dessa forma, o ordenamento jurídico oferece duas opções ao casal: a) pode fazer a conversão extrajudicial, nos termos do art. 8º da Lei 9.278/96; ou b) pode optar pela conversão judicial, conforme preconiza o art. 1.726 do CC. STJ. 3ª Turma. REsp 1.685.937-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/8/2017 (Info 609).

UNIÃO ESTÁVEL Partilha dos direitos de concessão de uso para fins de moradia de imóvel público

Na dissolução de união estável, é possível a partilha dos direitos de concessão de uso para moradia de imóvel público.

Ex: João e Maria viviam em união estável. No curso dessa união eles passaram a residir em uma casa pertencente ao Governo do Distrito Federal sobre o qual receberam a concessão de uso para fins de moradia. Depois de algum tempo decidem por fim à relação. Deverá haver uma partilha sobre os direitos relacionados com a concessão de uso.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.494.302-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/6/2017 (Info 609).

Imagine a seguinte situação hipotética: João e Maria viviam em união estável. No curso dessa união eles passaram a residir em uma casa pertencente ao Governo do Distrito Federal sobre o qual receberam a concessão de uso para fins de moradia. Depois de 17 anos convivendo juntos, João e Maria decidem por fim à relação. Para tanto, João ingressa com ação de reconhecimento e dissolução de união estável.

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Se duas pessoas estão vivendo em união estável, a lei prevê regras para disciplinar o patrimônio desse casal? SIM. O Código Civil estabelece que, na união estável, as relações patrimoniais entre o casal obedecem às regras do regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725). Em outras palavras, é como se as pessoas que vivem em união estável estivessem casadas sob o regime da comunhão parcial de bens. Como funciona o regime da comunhão parcial? O regime da comunhão parcial é tratado pelos arts. 1.658 a 1.666 do CC. Nessa espécie de regime, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com exceção dos casos previstos no Código Civil. Dito de outro modo, os bens adquiridos durante a união passam a ser de ambos os cônjuges, salvo em algumas situações que o Código Civil determina a incomunicabilidade. Veja o que diz a Lei:

Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.

O art. 1.660 lista bens que, se adquiridos durante o casamento, pertencem ao casal:

Art. 1.660. Entram na comunhão: I — os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; II — os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; III — os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; IV — as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; V — os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

O art. 1.659, por sua vez, elenca aquilo que é excluído da comunhão:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: I — os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II — os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; III — as obrigações anteriores ao casamento; IV — as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; V — os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; VI — os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; VII — as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Situação da casa João, que havia saído do lar, pediu para ter direito à metade da casa onde viviam. Maria argumentou que não há que se falar em divisão da casa considerando que se trata de bem público que não está na sua esfera de disponibilidade, pois ela é mera detentora da concessão precária (não definitiva) e personalíssima oferecida pelo Governo para a habitação de pessoas carentes. João terá algum direito sobre a casa? É possível a partilha dos direitos relacionados com a concessão de uso de imóvel público decorrente de programa habitacional voltado à população de baixa renda? SIM.

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Concessão de uso especial para fins de moradia Pela concessão de uso, a Administração Pública outorga o uso privativo de determinado bem público ao particular. A concessão de uso especial para fins de moradia foi prevista inicialmente pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001, art. 4º, V, h), como uma espécie do gênero “concessão de uso”. Foi uma forma pensada pelo legislador para regularizar áreas públicas que eram ocupadas por possuidores de baixa renda e por suas famílias. A fim de detalhar melhor como funcionaria a concessão de uso para fins de moradia, o Presidente da República editou a MP 2.220/2001 regulamentando o instituto e prevendo, em seu art. 1º:

Art. 1º Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.

A concessão de uso especial para fins de moradia é um ato administrativo vinculado, ou seja, preenchidos os requisitos, o titular possui direito subjetivo à concessão. Vale ressaltar que essa espécie de concessão possui uma única finalidade: a moradia do concessionário e sua família. Em caso de desvirtuamento, haverá a perda da concessão (art. 8º). Características dessa espécie de concessão a) gratuita (art. 1º, § 1º); b) de simples uso (e não de exploração), já que o beneficiário só pode utilizar o bem para fins de moradia, sob pena de extinção da concessão (art. 8º, I); c) perpétua (o direito subsiste enquanto o concessionário respeitar a sua finalidade); d) de utilidade privada, considerando que o uso se faz em seu interesse e no de sua família; e) obrigatória, porque o Poder Público não pode indeferir a concessão se o particular preencher os requisitos; f) autônoma, porque não vinculada a qualquer outra modalidade de concessão; g) transferível, porque o direito de concessão de uso especial para fins de moradia pode ser transferível por ato inter vivos ou causa mortis (art. 7º).

Nesse sentido: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Concessão de uso especial para fins de moradia. In Estatuto da Cidade, Adilson Abreu Dallari e Sergio Ferraz (coords). São Paulo: Malheiros, 2014, p. 167.

Quanto à sua natureza jurídica, trata-se de direito real sobre coisa alheia, oponível erga omnes, nos termos do art. 1.225, XI, do Código Civil:

Art. 1.225. São direitos reais: (...) XI - a concessão de uso especial para fins de moradia;

Expressão econômica A concessão de uso de bens destinados a programas habitacionais, apesar de não se alterar a titularidade do imóvel e ser concedida, em regra, de forma graciosa, possui expressão econômica. O beneficiário da concessão goza, de alguma forma, de um benefício econômico. No caso concreto, foi concedido ao casal o direito de morar em um imóvel (público) e, por conseguinte, eles ficaram livres do ônus de ter que comprar ou alugar uma casa. Isso geral um ganho patrimonial extremamente relevante. Assim, o STJ reconheceu que os direitos sobre a concessão de uso deveriam ser divididos entre o ex-casal.

Na dissolução de união estável, é possível a partilha dos direitos de concessão de uso para moradia de imóvel público.

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STJ. 3ª Turma. REsp 1.494.302-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/6/2017 (Info 609).

E como fazer isso na prática? O STJ afirmou que a melhor forma de se efetivar a meação deveria ser decidida pelo juiz de 1ª instância, existindo algumas alternativas, dentre elas: a) convocar a entidade cedente (Governo do DF) para dividir a concessão; b) autorizar a alienação judicial da concessão; c) permitir que um dos dois permaneça na casa e que pague ao outro uma indenização proporcional por estar utilizando o bem de forma exclusiva.

DIREITO EMPRESARIAL

DIREITOS AUTORAIS Termo inicial do prazo prescricional para reparação civil decorrente de plágio

O termo inicial da pretensão de ressarcimento nas hipóteses de plágio se dá quando o autor originário tem comprovada ciência da lesão a seu direito subjetivo e de sua extensão, não servindo a data da publicação da obra plagiária, por si só, como presunção de conhecimento do dano.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.645.746-BA, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 6/6/2017 (Info 609).

Imagine a seguinte situação hipotética: Em 2008, João lançou um livro na editora “X” tratando sobre o tema “acesso à justiça”. Em 2010, Pedro publicou uma obra pela editora “Y” versando sobre o mesmo assunto. Em 2015, João foi alertado por um dos seus alunos que o livro de Pedro era uma cópia (“plágio”) da sua obra lançada em 2008. João comprou o livro de Pedro e constatou que realmente se tratava de plágio. Diante disso, em 2016, João ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra Pedro e a editora “Y”. Pedro contestou a demanda arguindo a ocorrência da prescrição considerando que o seu livro foi publicado em 2010 e a ação de ressarcimento ajuizada em 2016. Qual é o prazo prescricional neste caso? 3 anos, nos termos do art. 206, § 3º, V, do Código Civil:

Art. 206. Prescreve: (...) § 3º Em três anos: (...) V - a pretensão de reparação civil;

O Código Civil não prevê um prazo prescricional específico para a violação de direitos do autor, de sorte que deve ser aplicado o art. 206, § 3º, V, dispositivo de caráter amplo, em que se inclui a reparação dos danos suportados pelo autor de obra intelectual. A partir de quando começou a contar o prazo prescricional? Qual é o termo inicial do prazo prescricional para reparação civil decorrente de plágio? O termo inicial é a data em que o autor originário toma conhecimento de que sua obra foi plagiada.

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Mas isso não gera insegurança jurídica? O ideal não seria considerar a data em que a obra plagiadora foi publicada? O STJ prestigiou, neste caso, a defesa e a reparação do direito do autor lesado. Isso porque o plágio tem como um dos seus elementos caracterizadores a dissimulação. Em outras palavras, o plágio é feito de forma enrustida justamente para não ser descoberto ou para que isso, se um dia o for, demore a acontecer. Assim, o plágio é uma lesão de difícil constatação, muitas vezes não sendo identificado senão após a leitura e análise da integralidade da obra. Por essa razão, se fosse considerado como termo inicial a data da publicação, o autor plagiado, para poder defender seu direito, teria que acompanhar todos os demais livros que fossem lançados e que tratassem sobre o mesmo assunto e, além disso, teria que lê-los na íntegra para tentar identificar se ocorreu plágio. Isso faria com que a defesa de seu direito fosse praticamente impossível, especialmente se considerarmos que o prazo prescricional de 3 anos não é muito grande. Desse modo, o STJ entendeu que o termo inicial do prazo prescricional não é necessariamente o dia em que a obra plagiadora foi publicada, mas sim a data em que o autor copiado teve efetiva ciência do plágio. Em suma:

O termo inicial da pretensão de ressarcimento nas hipóteses de plágio se dá quando o autor originário tem comprovada ciência da lesão a seu direito subjetivo e de sua extensão, não servindo a data da publicação da obra plagiária, por si só, como presunção de conhecimento do dano. STJ. 3ª Turma. REsp 1.645.746-BA, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 6/6/2017 (Info 609).

Uma última pergunta: foi correta a inclusão da editora no polo passivo da demanda? A editora que publicou a obra plagiária tem legitimidade passiva para figurar na ação de indenização proposta pelo autor originário? SIM. A editora, nos termos do art. 104 da Lei nº 9.610/98, pode ser considerada solidariamente responsável pela prática de plágio. Com efeito, o mencionado art. 104 estabelece que aquele que vender, expuser à venda, distribuir e/ou tiver em depósito obra reproduzida com fraude, com finalidade de obter lucro, condutas nas quais se insere a do editor, responderá solidariamente com o contrafator.

FALÊNCIA A incidência de juros e correção monetária sobre os créditos habilitados

deve ocorrer até a data em que a sentença é prolatada

A Lei de Falências afirma que o credor terá direito de receber seu crédito do falido com juros e correção monetária que são calculados até a “data da decretação da falência”.

Quando a lei fala em “decretação da falência” deve-se considerar a data em ela foi prolatada (não importando quando ocorreu a sua publicação).

Assim, no processo de falência, a incidência de juros e correção monetária sobre os créditos habilitados deve ocorrer até a decretação da quebra, entendida como a data da prolação da sentença (e não sua publicação).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.660.198-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 3/8/2017 (Info 609).

Conceito Falência é o processo coletivo de execução forçada de um empresário ou sociedade empresária cuja recuperação mostra-se inviável.

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Finalidade A falência tem como objetivo reunir os credores e arrecadar os bens, ativos e recursos do falido a fim de que, com os recursos obtidos pela alienação de tais bens, possam os credores ser pagos, obedecendo a uma ordem de prioridade estabelecida na lei. Legislação aplicável Atualmente, a falência do empresário e da sociedade empresária é regida pela Lei nº 11.101/2005. Procedimento

I — PROCEDIMENTO PRÉ-FALIMENTAR II — PROCESSO FALIMENTAR

O procedimento pré-falimentar vai do pedido de falência até a sentença do juiz. Engloba, resumidamente, três atos principais: 1) pedido de falência; 2) resposta do devedor; 3) sentença. Ao final desta fase, a sentença pode ser: • denegatória: o processo se extingue sem a instauração da falência; • declaratória: hipótese em que se iniciará o processo falimentar propriamente dito.

O processo falimentar vai da sentença declaratória de falência até a sentença de encerramento. É no processo falimentar propriamente dito que ocorre a verificação e habilitação dos créditos e o pagamento dos credores.

Habilitação dos créditos Depois que a falência é decretada ocorre a habilitação dos créditos que deverão ser pagos pelo falido. Assim, as pessoas que tiverem créditos para receber do falido deverão apresenta-los ao administrador judicial da falência na forma do art. 9º da Lei nº 11.101/2005. Valor do crédito atualizado O credor deverá apresentar ao administrador judicial da falência o valor do seu crédito, atualizado com juros e correção monetária, nos termos do art. 9º, II, da Lei nº 11.101/2005:

Art. 9º A habilitação de crédito realizada pelo credor nos termos do art. 7º, § 1º, desta Lei deverá conter: (...) II – o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial, sua origem e classificação;

Vale ressaltar que o termo final da incidência dos juros e correção monetária é a “data da decretação da falência”, conforme prevê o art. 124 da Lei:

Art. 124. Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar para o pagamento dos credores subordinados. Parágrafo único. Excetuam-se desta disposição os juros das debêntures e dos créditos com garantia real, mas por eles responde, exclusivamente, o produto dos bens que constituem a garantia.

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Assim, o credor terá direito de receber seu crédito do falido com juros e correção monetária que são calculados, contudo, até a data da decretação da falência. Após a decretação, em regra, não correm mais juros e correção monetária mesmo que o pagamento efetivo ainda demore para ser realizado. A falência é decretada por meio de sentença. A dúvida que surgiu, no entanto, foi a seguinte: quando a lei fala em “decretação da falência”, ela está se referindo à data em que a sentença foi prolatada ou à data em que ela foi publicada? Isso porque entre a data da prolação da sentença e a sua efetiva publicação pode ser que tenham decorridos alguns dias. Logo, essa diferença pode influenciar no cPnos juros e correção monetária. E aí, qual é o termo final: a data em que foi prolatada ou publicada? A data em que a sentença foi prolatada.

No processo de falência, a incidência de juros e correção monetária sobre os créditos habilitados deve ocorrer até a decretação da quebra, entendida como a data da prolação da sentença e não sua publicação. STJ. 3ª Turma. REsp 1.660.198-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 3/8/2017 (Info 609).

A lei falimentar não condicionou os efeitos da falência à publicação da sentença de quebra. Sérgio Campinho ensina que “os seus efeitos materiais são de imediato produzidos, a partir, portanto, da assinatura pelo juiz, dadas as consequências que de logo acarreta. A sua publicação no órgão oficial, além de servir à sua publicidade, tem por fim a produção de efeitos de ordem processual, como a contagem do prazo recursal e do prazo de habilitação dos credores.” (Falência e Recuperação de Empresa. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2015, p. 311).

ECA

ATO INFRACIONAL Judiciário pode determinar que Estado implemente plantão em

Delegacia de Atendimento ao adolescente infrator

A decisão judicial que impõe à Administração Pública o restabelecimento do plantão de 24 horas em Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e à Juventude não constitui abuso de poder, tampouco extrapola o controle do mérito administrativo pelo Poder Judiciário.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.612.931-MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/6/2017 (Info 609).

Veja comentários em Direito Administrativo.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO Conceito de documento comum do art. 844, II, do CPC/1913

O conceito de documento comum, previsto no art. 844, II, do CPC/1973, não se limita àquele pertencente a ambas as partes, mas engloba também o documento sobre o qual elas têm interesse comum, independentemente de o solicitante ter participado de sua elaboração.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.645.581-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 8/8/2017 (Info 609).

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Exibição judicial O CPC/1973 disciplinava uma série de ações cautelares específicas, dentre elas o procedimento de exibição, previsto nos arts. 844 e 845:

Art. 844. Tem lugar, como procedimento preparatório, a exibição judicial: I - de coisa móvel em poder de outrem e que o requerente repute sua ou tenha interesse em conhecer; II - de documento próprio ou comum, em poder de co-interessado, sócio, condômino, credor ou devedor; ou em poder de terceiro que o tenha em sua guarda, como inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios; III - da escrituração comercial por inteiro, balanços e documentos de arquivo, nos casos expressos em lei. Art. 845. Observar-se-á, quanto ao procedimento, no que couber, o disposto nos arts. 355 a 363, e 381 e 382.

Imagine agora a seguinte situação: A empresa 1 ajuizou ação de indenização contra a empresa 2. Vale ressaltar que a empresa 1 havia celebrado, com a empresa 3, contrato cedendo 10% do que ela iria conseguir obter de indenização no processo. Em outras palavras, a empresa 1 fez um contrato de cessão com a empresa 3 dizendo o seguinte: 10% do que eu conseguir no processo são seus. As empresas 1 e 2 fizeram um acordo no processo judicial, tendo a empresa 1 (autora) renunciado ao direito de ação, o que ocasionou a extinção do processo. Diante disso, a empresa 3 ingressou com ação cautelar de exibição de documentos pedindo que fosse exibido o termo de acordo firmado entre as empresas 1 e 2. O pedido foi formulado com base no art. 844, II, do CPC/1973:

Art. 844. Tem lugar, como procedimento preparatório, a exibição judicial: (...) II - de documento próprio ou comum, em poder de co-interessado, sócio, condômino, credor ou devedor; ou em poder de terceiro que o tenha em sua guarda, como inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios;

O juiz extinguiu a ação cautelar afirmando que afirmando que o acordo celebrado entre as empresas 1 e 2 não constitui “documento próprio do autor ou comum” às partes, de forma que não se enquadraria no inciso II acima transcrito.

Agiu corretamente o magistrado? NÃO. De fato, a autora (empresa 3) não participou da elaboração do documento cuja exibição pretende que lhe seja deferida. No entanto, o conceito de “documento comum” não se limita àquele pertencente a ambas as partes, mas engloba também o documento sobre o qual as partes têm interesse comum. “Documento comum não é, assim, apenas o que pertence indistintamente a ambas as partes, mas também o que se refere a uma situação que envolva ambas as partes , ou uma das partes e terceiro”. (THEODOR JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 605)

Em suma:

O conceito de documento comum, previsto no art. 844, II, do CPC/1973, não se limita àquele pertencente a ambas as partes, mas engloba também o documento sobre o qual elas têm interesse comum, independentemente de o solicitante ter participado de sua elaboração. STJ. 3ª Turma. REsp 1.645.581-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 8/8/2017 (Info 609).

O CPC/2015 não repetiu esse dispositivo porque não mais tratou sobre procedimentos cautelares típicos (nominados).

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DIREITO PENAL

PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS Não é possível a execução provisória de penas restritivas de direito

Não é possível a execução da pena RESTRITIVA DE DIREITOS antes do trânsito em julgado da condenação.

Assim, é cabível execução provisória de penas privativas de liberdade, mas não de penas restritivas de direito.

STJ. 3ª Seção. EREsp 1.619.087-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Jorge Mussi, julgado em 14/6/2017 (Info 609).

Veja comentários em Direito Processual Penal.

LESÃO CORPORAL Lesão corporal contra irmão configura o § 9º do art. 129 do CP

não importando onde a agressão tenha ocorrido

Não é inepta a denúncia que se fundamenta no art. 129, § 9º, do CP – lesão corporal leve –, qualificada pela violência doméstica, tão somente em razão de o crime não ter ocorrido no ambiente familiar.

Ex: João agrediu fisicamente seu irmão na sede da empresa onde trabalham, causando-lhe lesão corporal leve. O agente deverá responder pelo art. 129, § 9º do CP. Sendo a lesão corporal praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, deverá incidir a qualificadora do § 9º não importando onde a agressão tenha ocorrido.

STJ. 5ª Turma. RHC 50.026-PA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 3/8/2017 (Info 609).

Lesão corporal qualificada pela violência doméstica O crime de lesão corporal é previsto no art. 129 do Código Penal:

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano.

O § 9º do art. 129 prevê uma qualificadora caso a lesão corporal seja decorrente de violência doméstica:

Violência Doméstica § 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340/06)

Obs: vale ressaltar que a pena prevista no § 9º (3 meses a 3 anos) somente se aplica em caso de lesão corporal leve. Se a lesão for grave, gravíssima ou seguida de morte, deverão ser aplicadas as penas dos §§ 1º, 2º e 3º, respectivamente, com a causa de aumento do § 10 do art. 129.

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Informativo 609-STJ (13/09/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24

Se um homem for vítima de lesão corporal decorrente de violência doméstica, incidirá esse § 9º do art. 129? Esse dispositivo é aplicado tanto para vítimas mulheres como homens? SIM.

A qualificadora prevista no § 9º do art. 129 do CP aplica-se também às lesões corporais cometidas contra HOMEM no âmbito das relações domésticas. STJ. 5ª Turma. RHC 27.622-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 7/8/2012.

A ideia do legislador ao incluir o § 9º ao art. 129 do CP foi a de ter coibir a violência nas relações domésticas independentemente de a vítima ser mulher ou homem. Assim, não há irregularidade em aplicar a qualificadora de violência doméstica às lesões corporais contra homem. Mas, por favor, não confunda: a Lei Maria da Penha, seus institutos e regras, não se aplicam quando a vítima for homem. A Lei Maria da Penha somente se aplica para vítimas mulheres.

Qualificadora do § 9º do art. 129 do CP: pode ser aplicado quando a vítima for mulher ou homem;

Lei Maria da Penha: somente pode ser aplicada quando a vítima for mulher.

Ex: filho empurrou seu pai que, com a queda, sofreu lesões corporais leves. Em tese, esse filho praticou o delito do art. 129, § 9º, do CP. Apesar disso, não se aplicará a Lei Maria da Penha neste caso porque a vítima é homem. Pode incidir a qualificadora do § 9º do art. 129 do CP mesmo que a lesão corporal tenha sido praticada fora do âmbito familiar (no ambiente de trabalho, p. ex.)? João agride fisicamente seu irmão na sede da empresa onde trabalham. João poderá responder pelo art. 129, § 9º do CP? SIM. Uma das formas de se praticar o crime do art. 129, § 9º do CP é simplesmente cometer lesão corporal contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro. Ocorrendo isso, configura-se o delito não importando onde a agressão tenha ocorrido. Assim, decidiu o STJ:

Não é inepta a denúncia que se fundamenta no art. 129, § 9º, do CP – lesão corporal leve –, qualificada pela violência doméstica, tão somente em razão de o crime não ter ocorrido no ambiente familiar. STJ. 5ª Turma. RHC 50.026-PA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 3/8/2017 (Info 609).

LEI DE DROGAS O interrogatório, na Lei de Drogas, é o último ato da instrução

Importante!!!

O art. 400 do CPP prevê que o interrogatório deverá ser realizado como último ato da instrução criminal.

Essa regra deve ser aplicada:

• nos processos penais militares;

• nos processos penais eleitorais e

• em todos os procedimentos penais regidos por legislação especial (ex: lei de drogas).

Essa tese acima exposta (interrogatório como último ato da instrução em todos os procedimentos penais) só se tornou obrigatória a partir da data de publicação da ata de julgamento do HC 127900/AM pelo STF, ou seja, do dia 11/03/2016 em diante. Os interrogatórios realizados nos processos penais militares, eleitorais e da lei de drogas até o dia 10/03/2016 são válidos mesmo que tenham sido efetivados como o primeiro ato da instrução.

STF. Plenário. HC 127900/AM, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/3/2016 (Info 816).

STJ. 6ª Turma. HC 397382-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 3/8/2017 (Info 609).

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Informativo 609-STJ (13/09/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25

A Lei nº 11.343/2006 tipifica os delitos envolvendo drogas. Além de prever os crimes, a referida Lei também traz o procedimento, ou seja, o rito que deverá ser observado pelo juiz. Desse modo, a Lei nº 11.343/2006 traz um procedimento especial que possui algumas diferenças em relação ao procedimento comum ordinário previsto no CPP. Uma das diferenças reside no momento em que é realizado o interrogatório do réu. Vejamos:

CPP (art. 400) Lei nº 11.343/2006 (art. 57)

O art. 400 do CPP foi alterado pela Lei nº 11.719/2008 e, atualmente, o interrogatório deve ser feito depois da inquirição das testemunhas e da realização das demais provas. Em suma, o interrogatório passou a ser o último ato da audiência de instrução (segundo a antiga previsão, o interrogatório era o primeiro ato).

O art. 57 da Lei de Drogas prevê que, na audiência de instrução e julgamento, o interrogatório do acusado seja feito antes da inquirição das testemunhas. Em suma, o interrogatório é o primeiro ato da audiência de instrução.

O que é mais favorável ao réu: ser interrogado antes ou depois da oitiva das testemunhas? Depois. Isso porque após o acusado ouvir o relato trazido pelas testemunhas poderá decidir a versão dos fatos que irá apresentar. Se, por exemplo, avaliar que nenhuma testemunha o apontou como o autor do crime, poderá sustentar a negativa de autoria ou optar pelo direito ao silêncio. Ao contrário, se entender que as testemunhas foram sólidas em incriminá-lo, terá como opção viável confessar e obter a atenuação da pena. Dessa feita, a regra do art. 400 do CPP é mais favorável ao réu do que a previsão do art. 57 da Lei nº 11.343/2006. Diante dessa constatação, e pelo fato de a Lei nº 11.719/2008 ser posterior à Lei de Drogas, surgiu uma corrente na doutrina defendendo que o art. 57 foi derrogado e que, também no procedimento da Lei nº 11.343/2006, o interrogatório deveria ser o último ato da audiência de instrução. Essa tese foi acolhida pela jurisprudência? SIM.

A exigência de realização do interrogatório ao final da instrução criminal, conforme o art. 400 do CPP, é aplicável: • aos processos penais militares; • aos processos penais eleitorais e • a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial (ex: lei de drogas). STF. Plenário. HC 127900/AM, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/3/2016 (Info 816).

Mudança de entendimento. Tese fixada com efeitos prospectivos. Vale ressaltar que, antes deste julgamento (HC 127900/AM), o entendimento que prevalecia era outro. Por conta disso, o STF, por questões de segurança jurídica, afirmou que a tese fixada (interrogatório como último ato da instrução em todos os procedimentos penais) só se tornou obrigatória a partir da data de publicação da ata deste julgamento, ou seja, do dia 11/03/2016 em diante. Os interrogatórios realizados nos processos penais militares, eleitorais e da lei de drogas até o dia 10/03/2016 são válidos mesmo que tenham sido o primeiro ato da instrução. E o STJ? O STJ acompanhou a posição do STF:

(...) 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 127.900/AM, deu nova conformidade à norma contida no art. 400 do CPP (com redação dada pela Lei n. 11.719/08), à luz do sistema constitucional acusatório e dos princípios do contraditório e da ampla defesa. O interrogatório passa a ser sempre o

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último ato da instrução, mesmo nos procedimentos regidos por lei especial, caindo por terra a solução de antinomias com arrimo no princípio da especialidade. Ressalvou-se, contudo, a incidência da nova compreensão aos processos nos quais a instrução não tenha se encerrado até a publicação da ata daquele julgamento (10.03.2016). In casu, o paciente foi sentenciado em 3.8.2015, afastando-se, pois, qualquer pretensão anulatória. (...) STJ. 6ª Turma. HC 403.550/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 15/08/2017 (Info 609).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COLABORAÇÃO PREMIADA Descumprimento de colaboração premiada não justifica, por si só, prisão preventiva

Importante!!!

O descumprimento de acordo de delação premiada ou a frustração na sua realização, isoladamente, não autoriza a imposição da segregação cautelar.

Não se pode decretar a prisão preventiva do acusado pelo simples fato de ele ter descumprido acordo de colaboração premiada.

Não há, sob o ponto de vista jurídico, relação direta entre a prisão preventiva e o acordo de colaboração premiada. Tampouco há previsão de que, em decorrência do descumprimento do acordo, seja restabelecida prisão preventiva anteriormente revogada.

Por essa razão, o descumprimento do que foi acordado não justifica a decretação de nova custódia cautelar.

É necessário verificar, no caso concreto, a presença dos requisitos da prisão preventiva, não podendo o decreto prisional ter como fundamento apenas a quebra do acordo.

STJ. 6ª Turma. HC 396.658-SP, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 27/6/2017 (Info 609).

STF. 2ª Turma. HC 138207/PR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 25/4/2017 (Info 862).

Imagine a seguinte situação hipotética: João foi preso preventivamente sob a suspeita de que teria praticado os crimes de concussão e lavagem de dinheiro. João comprometeu-se com o Ministério Público que realizaria acordo de colaboração premiada. Diante disso, o MP manifestou-se favoravelmente à revogação da prisão preventiva. O investigado foi solto. Ocorre que as negociações não foram para frente e João recusou-se a celebrar o acordo. Em razão desse fato, o MP requereu novamente a prisão preventiva do investigado, que foi deferida pelo magistrado em decisão lavrada nos seguintes termos: “Frustrada a colaboração premiada entre o Ministério Público e o denunciado João, cumpre analisar a necessidade ou não do restabelecimento de sua custódia cautelar. É necessária a renovação do decreto de prisão preventiva do acusado. Isso porque ele foi beneficiado com a liberdade diante da real ou mesmo plausível possibilidade/probabilidade de sua colaboração premiada nos termos da Lei nº 12.850/2013. Ocorre que, após estar solto, essa possibilidade viu-se frustrada. Diante disso, nos termos do art. 312, do CPP, em especial como garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal, decreto a prisão preventiva do réu JOÃO”.

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Informativo 609-STJ (13/09/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27

Agiu corretamente o juiz? NÃO.

O descumprimento de acordo de delação premiada ou a frustração na sua realização, isoladamente, não autoriza a imposição da segregação cautelar. Não se pode decretar a prisão preventiva do acusado pelo simples fato de ele ter descumprido acordo de colaboração premiada. Não há, sob o ponto de vista jurídico, relação direta entre a prisão preventiva e o acordo de colaboração premiada. Tampouco há previsão de que, em decorrência do descumprimento do acordo, seja restabelecida prisão preventiva anteriormente revogada. Por essa razão, o descumprimento do que foi acordado não justifica a decretação de nova custódia cautelar. É necessário verificar, no caso concreto, a presença dos requisitos da prisão preventiva, não podendo o decreto prisional ter como fundamento apenas a quebra do acordo. STJ. 6ª Turma. HC 396.658-SP, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 27/6/2017 (Info 609). STF. 2ª Turma. HC 138207/PR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 25/4/2017 (Info 862).

EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA Não é possível a execução provisória de penas restritivas de direito

Importante!!!

Não é possível a execução da pena RESTRITIVA DE DIREITOS antes do trânsito em julgado da condenação.

Assim, é cabível execução provisória de penas privativas de liberdade, mas não de penas restritivas de direito.

STJ. 3ª Seção. EREsp 1.619.087-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Jorge Mussi, julgado em 14/6/2017 (Info 609).

SITUAÇÃO 1: Imagine a seguinte situação hipotética: João foi condenado a uma pena de 8 anos de reclusão, tendo sido a ele assegurado na sentença o direito de recorrer em liberdade. O réu interpôs apelação e depois de algum tempo o Tribunal de Justiça manteve a condenação. Contra esse acórdão, João interpôs recurso extraordinário. João, que passou todo o processo em liberdade, deverá aguardar o julgamento do recurso extraordinário preso? É possível executar provisoriamente a condenação enquanto se aguarda o julgamento do recurso extraordinário? É possível que o réu condenado em 2ª instância seja obrigado a iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade mesmo sem ter havido ainda o trânsito em julgado? SIM.

A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/88). Em outras palavras, é possível o início da execução da pena privativa de liberdade após a prolação de acórdão condenatório em 2º grau e isso não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência. STF. Plenário. HC 126292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/2/2016 (Info 814). STF. Plenário virtual. ARE 964246 RG, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 10/11/2016 (repercussão geral).

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Informativo 609-STJ (13/09/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28

SITUAÇÃO 2: Vejamos agora uma situação diferente: Pedro foi condenado em 1ª instância a 3 anos de detenção em regime aberto. A pena privativa de liberdade foi convertida (substituída) em duas penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária), nos termos do art. 44 do CP. O réu interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a condenação. Contra esse acórdão, Pedro interpôs recurso extraordinário. É possível executar provisoriamente a condenação enquanto se aguarda o julgamento do recurso extraordinário? É possível que o réu condenado em 2ª instância seja obrigado a iniciar o cumprimento da pena restritiva de direitos mesmo sem ter havido ainda o trânsito em julgado? NÃO.

Não é possível a execução da pena restritiva de direitos antes do trânsito em julgado da condenação. STJ. 3ª Seção. EREsp 1.619.087-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Jorge Mussi, julgado em 14/6/2017 (Info 609).

O STF, ao modificar sua jurisprudência, e decidir que cabe a execução provisória da pena (HC 126292/SP) analisou casos envolvendo penas privativas de liberdade, tratando exclusivamente sobre “prisão”. Assim, não existe ainda uma decisão do Plenário do STF afirmando que é possível a execução provisória de penas restritivas de direito. Diante da ausência de decisão do STF autorizando o cumprimento imediato, o STJ entendeu que se deveria continuar adotando a posição tradicional segundo a qual não cabe execução provisória de penas restritivas de direito. Vale ressaltar, inclusive, que existe expressa previsão na Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84) exigindo o prévio trânsito em julgado. Confira:

Art. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares.

Dessa forma, o STJ entende que, até que haja a declaração de inconstitucionalidade do art. 147 da LEP, não se pode afastar sua incidência, sob pena de violação literal à disposição expressa de lei (STJ. 5ª Turma. AgRg na PetExe no AREsp 971.249/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/03/2017).

Informativo comentado

Informativo 609-STJ (13/09/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Segundo já decidiu o STJ, as opiniões ofensivas proferidas por deputados federais e veiculadas por meio da

imprensa, em manifestações que não guardam nenhuma relação como o exercício do mandato, não estão abarcadas pela imunidade material prevista no art. 53 da CF/88 e são aptas a gerar dano moral. ( )

2) A decisão judicial que impõe à Administração Pública o restabelecimento do plantão de 24 horas em Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e à Juventude viola o princípio da separação dos Poderes por representar controle sobre o mérito administrativo pelo Poder Judiciário. ( )

3) A solicitação para que o juiz preste depoimento pessoal nos autos de inquérito civil instaurado pelo Ministério Público para apuração de suposta conduta ímproba viola o disposto no art. 33, IV, da LC nº 35/79 (LOMAN). ( )

4) As ofensas generalizadas proferidas por cantora contra policias militares que realizavam a segurança do show atingem, de forma individualizada, cada um dos integrantes da corporação que estavam de serviço no evento e caracterizam dano moral in re ipsa, devendo a artista indenizar cada um dos policiais que trabalhavam no local. ( )

5) A omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo material do filho gera danos morais, passíveis de compensação pecuniária. ( )

6) É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002. ( )

7) Os arts. 1726, do CC e 8º, da Lei 9.278/96 não impõem a obrigatoriedade de que se formule pedido de conversão de união estável em casamento exclusivamente pela via administrativa. ( )

8) Na dissolução de união estável, é possível a partilha dos direitos de concessão de uso para moradia de imóvel público. ( )

9) (PGM/Fortaleza 2017 CESPE) Conforme a medida provisória que dispõe sobre a concessão de uso especial, o direito de concessão de uso especial para fins de moradia pode ser transferido para terceiros. ( )

10) O termo inicial da pretensão de ressarcimento nas hipóteses de plágio se dá quando o autor originário tem comprovada ciência da lesão a seu direito subjetivo e de sua extensão, não servindo a data da publicação da obra plagiária, por si só, como presunção de conhecimento do dano. ( )

11) No processo de falência, a incidência de juros e correção monetária sobre os créditos habilitados deve ocorrer até a decretação da quebra, entendida como a data da publicação da sentença. ( )

12) Não é inepta a denúncia que se fundamenta no art. 129, § 9º, do CP – lesão corporal leve –, qualificada pela violência doméstica, tão somente em razão de o crime não ter ocorrido no ambiente familiar. ( )

13) O interrogatório deve ser sempre o último ato da instrução criminal, mesmo nos procedimentos penais regidos por lei especial. ( )

14) O descumprimento de acordo de delação premiada ou a frustração na sua realização, isoladamente, não autoriza a imposição da segregação cautelar. ( )

15) Conforme recente entendimento jurisprudencial, é possível a execução provisória da pena restritiva de direitos. ( )

Gabarito

1. C 2. E 3. E 4. C 5. C 6. C 7. C 8. C 9. C 10. C

11. E 12. C 13. C 14. C 15. E