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Inquérito Policial
Como o assunto “Inquérito Policial” foi apurado em várias aulas de
Legislação Penal Especial do nosso curso para o concurso de Agente da
Polícia Federal – 2014, eu resolvi fazer alguns apontamentos sobre o assunto.
1. Histórico
1.1 Conceito
Procedimento administrativo inquisitório e preparatório, consistente
em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa para apuração da infração penal e de sua autoria, a fim de que o
titular da ação penal possa ingressar em juízo.
Em suma, visa apurar indícios de autoria e prova da
materialidade.
O inquérito policial, após encerrado, possui destinatários imediatos e
mediato:
A. Imediatos
Ação Penal Pública MP.
Ação Penal Privada vítima ou seu representante legal.
B. Mediato: Juiz
É importante considerarmos, ainda, que o legislador atribuiu menor
ofensividade a certas condutas típicas. Para esses casos, será lavrado um Termo Circunstanciado, isto é, um procedimento mais célere que
o utilizado na confecção do Inquérito Policial.
Termo Circunstanciado:procedimento reservado às infrações de
menor potencial ofensivo.
Infração de menor potencial ofensivo: todas as contravenções
penais e os crimes cuja pena máxima não seja superior a dois anos,
cumulada ou não com multa, submetidos ou não a procedimento especial (ex.: crime praticado por Deputado Federal). Veja-se o artigo
61 da Lei nº 9.099/95.
“Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial
ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os
crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois)
anos, cumulada ou não com multa.”
1.2 Natureza jurídica
Procedimento administrativo.
Se o delegado cometer uma irregularidade, esse vício é capaz
de contaminar todo o processo? Não, pois IP é apenas um procedimento.
Logo. Como o inquérito policial é mera peça informativa, eventuais vícios dele constantes não têm o condão de contaminar o processo
penal a que der origem. Havendo, assim, eventual irregularidade em
ato praticado no curso do inquérito, mostra-se inviável a anulação do processo penal subsequente. Afinal, as nulidades processuais
concernem, tão somente, aos defeitos de ordem jurídica que afetam os atos praticados ao longo da ação penal condenatória1.
Eventuais vícios constantes do IP não afetam a ação penal a que der origem.
1.3 Finalidade
De acordo com Fernando Capez, “a finalidade do inquérito policial é a apuração de fato que configure infração penal e a respectiva autoria,
para servir de base à ação penal ou às providências cautelares” 2.
Guilherme de Souza Nucci, a seu turno, aponta que a finalidade do
inquérito policial é “evitar acusações levianas, garantindo a dignidade da pessoa humana, bem como agilizar o trabalho do Estado na busca
das provas da existência do crime”.
Da lição dos eminentes doutrinadores, podemos resumir a finalidade do IP da seguinte forma: colheita de elementos de
informação relativos à autoria e à materialidade do delito.
Elementos de informação ≠ prova
Artigo 155, CPP: o juiz formará sua convicção pela livre apreciação
da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos colhidos
na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
1 Nesse sentido: STF, 1º Turma, HC 94.034/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 10/06/2008, DJe 167
09/04/2008. E ainda: STF, 2º Turma, HC 85.286/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 29/11/2005, DJ
24/03/2006. Também é entendimento dominante no STJ que eventual nulidade do inquérito policial não
contamina a ação penal superveniente, vez que aquele é mera peça informativa, produzida sem o crivo do
contraditório: STJ, 6º Turma, RHC 21.170/RS, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do
TRF 1º Região), j. 04/09/2007, DJ 08/10/2007 p. 368. 2 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
Elementos de informação Provas
Produzidos na fase investigatória. Em regra, são produzidas na fase
judicial.
Produzidos sem a participação dialética
das partes (não há contraditório e ampla defesa)
Produzidas com a participação
dialética das partes (há contraditório e ampla defesa).
Não são produzidos na presença do
juiz, pois pode prejudicar sua imparcialidade (garante das regras do
jogo).
Devem ser produzidas na
presença do juiz (presença direta ou presença remota -
videoconferência).
“Exclusivamente”: elementos de
informação, isoladamente
considerados, não podem fundamentar uma decisão, porém, não devem ser
completamente desprezados, podendo se somar à prova produzida em juízo,
servindo como mais um elemento na formação da convicção do juiz.
Princípio da identidade física do
juiz (artigo 399, § 2º, CPP – o
juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença). A
doutrina afirma que se aplica subsidiariamente o artigo 132 do
CPC (o juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará
a lide, salvo se estiver convocado, licenciado,
afastado por qualquer motivo, promovido ou
aposentado, casos em que passará os autos ao seu
sucessor).
Finalidade: prestam-se à fundamentação das medidas
cautelares e para a formação da convicção do titular da ação
penal(opinio delicti).
Como provas cautelares, temos o exemplo da interceptação
telefônica, Já as provas não repetíveis são aquelas que não têm como serem feitas em outro momento, como exemplo um depoimento de
uma testemunha em leito de morte, ou coleta de lesões corporais, que com o tempo venha desaparecer.
Consoante nos ensina Renato Brasileiro, “diante da nova redação do art. 155 do CPP, elementos de informação são aqueles colhidos na
fase investigatória, sem a necessária participação dialética das partes. Dito de outro modo, em relação a eles, não se impõe a obrigatória
observância do contraditório e da ampla defesa, vez que nesse momento ainda não há falar em acusados em geral na dicção do
inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. Apesar de não serem produzidos sob o manto do contraditório e da ampla defesa, tais
elementos informativos são de vital importância para a persecução penal, pois além de auxiliar na formação da opinio delicti do órgão da
acusação, podem subsidiar a decretação de medidas cautelares pelo magistrado ou fundamentar uma decisão de absolvição sumária (CPP,
art. 397).
De seu turno, a palavra prova só pode ser usada para se referir aos
elementos de convicção produzidos, em regra, no curso do processo
judicial, e, por conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório e da ampla defesa. O
contraditório funciona, pois, como verdadeira condição de existência e validade das provas, de modo que, caso não sejam produzidas em
contraditório, exigência impostergável em todos os momentos da atividade instrutória, não lhe caberá a designação de prova.
A participação do acusador, do acusado e de seu advogado é condição sine qua non para a escorreita produção da prova, assim como
também o é a direita e constante supervisão do órgão julgador, sendo que, com a inserção do princípio da identidade física do juiz no
processo penal, o juiz que presidir a instrução deverá proferir a sentença (CPP, art. 399,§ 2º). Funcionando a observância do
contraditório como verdadeira condição de existência da prova, só podem ser considerados como prova, portanto, os dados de
conhecimento introduzidos no processo na presença do juiz e com a
participação dialética das partes3”.
Quanto ao tema “elementos de informação”, vejamos algumas
decisões do Supremo Tribunal Federal:
RE 287.658
I. Habeas corpus: falta de justa causa: inteligência. 1. A previsão
legal de cabimento de habeas corpus quando não houver "justa
causa" para a coação alcança tanto a instauração de processo penal,
quanto, com maior razão, a condenação, sob pena de contrariar a
Constituição. 2. Padece de falta de justa causa a condenação que se
funde exclusivamente em elementos informativos do inquérito
policial. II. Garantia do contraditório: inteligência. Ofende a garantia
constitucional do contraditório fundar-se a condenação
exclusivamente em testemunhos prestados no inquérito policial, sob
o pretexto de não se haver provado, em juízo, que tivessem sido
obtidos mediante coação.
AgR 425.734
3 LIMA, Renato Brasileiro, Manual de Processo Penal. 2º ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. P. 109.
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA AO
ART. 5º,INCISOS LIV E LV. INVIABILIDADE DO REEXAME DE FATOS
E PROVAS. SÚMULA STF Nº 279. OFENSA INDIRETA À
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INQUÉRITO. CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO
DOS TESTEMUNHOS PRESTADOS NA FASE INQUISITORIAL. 1. A
suposta ofensa aos princípios do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa passa, necessariamente, pelo prévio
reexame de fatos e provas, tarefa que encontra óbice na Súmula
STF nº 279. 2. Inviável o processamento do extraordinário para
debater matéria infraconstitucional, sob o argumento de violação ao
disposto nos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição. 3. Ao
contrário do que alegado pelos ora agravantes, o conjunto
probatório que ensejou a condenação dos recorrentes não vem
embasado apenas nas declarações prestadas em sede policial, tendo
suporte, também, em outras provas colhidas na fase judicial.
Confirmação em juízo dos testemunhos prestados na fase
inquisitorial. 4. Os elementos do inquérito podem influir na
formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa
quando complementam outros indícios e provas que passam pelo
crivo do contraditório em juízo. 5. Agravo regimental improvido.
1.4 Valor Probatório do IP
A finalidade do inquérito policial é a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade do delito. Tendo em
conta que esses elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, deduz-se que o inquérito
policial tem valor probatório relativo.
Considerando que os elementos de informação são colhidos na fase
investigativa, sem a obrigatória observância do contraditório e da ampla defesa, questiona-se acerca da possibilidade de sua utilização
para formar a convicção do juiz em sede processual.
Tais elementos podem ser usados de maneira subsidiária,
complementando a prova produzida em juízo sob o crivo do
contraditório. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou, nos seguintes termos: “os elementos do inquérito podem influir na
formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo
crivo do contraditório em juízo4”.
Com o advento da Lei nº 11.690/08, ao inserir o advérbio
exclusivamente no corpo do art. 155, caput, do CPP, acaba por confirmar a posição jurisprudencial a qual vinha prevalecendo. Pode-
se dizer que, isoladamente considerados, elementos informativos não são idôneos para fundamentar uma condenação. Porém não devem
4STF, 2º Turma, RE-AgR 425.734/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 28/10/2005 p. 57.Em sentido
semelhante: STF, 1º Turma, RE 287.658/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 03/10/2003 p. 22; STF, 1º
Turma, HC 83.348/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 21/10/2003, DJ 28/11/2003.
ser completamente desprezados, podendo se somar à prova produzida em juízo e, assim, servir como mais um elemento na
formação da convicção do órgão julgador. Tanto é que a nova lei não prevê a exclusão física do inquérito policial (CPP, art. 12) dos autos do
processo5.
1.5 Presidência do IP
A presidência do IP é reservada à Autoridade Policial no exercício de
funções de polícia investigativa.
Nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete, “a Polícia, instrumento da Administração, é uma instituição de direito público, destinada a
manter e a recobrar, junto à sociedade e na medida dos recursos de que dispõe, a paz pública ou a segurança individual6”. Segundo a
doutrina majoritária, são atribuídas duas funções precípuas: 1) Polícia Administrativa; 2) Polícia Judiciária.
1) Polícia Administrativa: trata-se de atividade de cunho preventivo, ligada à segurança, visando impedir a prática de atos
lesivos à sociedade;
2) Polícia Judiciária: cuida-se de função de caráter repressivo,
auxiliando o Poder Judiciário.
Nesse momento, é oportuno diferenciar polícia investigativa de polícia
judiciária (Artigo 144, § 1º, incisos I a IV, CF/88).
Polícia investigativa: é a polícia quando atua na apuração de
infrações penais e de sua autoria.
Polícia judiciária: é a polícia quando atua no cumprimento de ordem do Poder Judiciário.
Essa diferença é adotada em alguns julgados do STJ, porém, o STF só usa a expressão “polícia judiciária”, com base no artigo 4º do CPP.
Com o mesmo entendimento, Renato Brasileiro explica: “Como se percebe, a própria Constituição Federal estabelece uma distinção
entre as funções de polícia judiciária e as funções de polícia investigativa. (Art. 144, §1º, I, II, e IV e §4º, da CF). Destarte, por
funções de polícia investigativa devem ser compreendidas as atribuições ligadas à colheita de elementos informativos quanto à
autoria e materialidade das infrações penais. A expressão polícia judiciária está relacionada às atribuições de auxiliar o Poder
Judiciário, cumprindo as ordens judiciárias relativas à execução de mandados de prisão, busca e apreensão, condução coercitiva de
testemunhas, etc. Por se tratar de norma hierarquicamente superior,
5 Com mesmo entendimento LIMA, Renato Brasileiro de, Manual de Processo Penal. 2º ed. Salvador:
Editora JusPodivm, 2014. P. 110. 6 Processo penal. 18º ed. São Paulo: Atlas, 2006. P. 57.
deve, então, a Constituição Federal, prevalecer sobre o teor do Código de Processo Penal (art. 4º, caput7).
Veja-se, então, que uma mesma Polícia pode exercer diversas funções. A título de exemplo, quando um Policial Militar anda fardado
pelas ruas, age no exercício de funções de polícia administrativa, já que atua com o objetivo de evitar a prática de delitos. Por sua vez,
supondo a prática de um crime militar por um policial militar do Estado de São Paulo, as investigações do delito ficarão a cargo da
própria Polícia Militar em questão, cujo encarregado do Inquérito
Policial Militar agirá no exercício de função de polícia investigativa. Por último, segundo o art. 8º, “c”, do CPPM, incumbe à polícia judiciária
militar cumprir os mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar, atribuição esta inerente às funções de polícia judiciária militar8”.
Somos obrigados a admitir que prevalece na doutrina e na jurisprudência a utilização da expressão polícia judiciária para se
referir ao exercício de atividades relacionadas à apuração da infração penal.
Veja-se o teor da Súmula Vinculante nº 14:
“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos
elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado
por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do
direito de defesa9”.
O seguinte quadro ajudará a estabelecer os principais tópicos que
diferenciam os institutos:
POLÍCIA ADMINISTRATIVA POLÍCIA JUDICIÁRIA
Classificam-se em: Polícia Militar
(PM), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Ferroviária Federal
(PFF), Corpo de Bombeiros Militar
(CBM) e Guarda Municipal – (GM).
Classificam-se em: Polícia Civil
(PC) e Polícia Federal (PF).
Rege-se pelo Direito
Administrativo.
Rege-se pelo Direito Penal e
pelo Direito Processual Penal.
7 Nesse sentido: FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 7º ed. Niterói/RJ:
Editora Impetus, 2010. P.173. A Lei nº 12.830/13, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida
pelo Delegado de Polícia, parece acolher essa terminologia ao dispor em seu art. 2, caput: “As funções de
polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza
jurídica, essenciais e exclusivas de estado”. 8 LIMA, Renato Brasileiro de, Manual de Processo Penal. 2º ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. P.
111. 9 Perceba-se que a súmula não preza por uma terminologia muito apurada. Afinal, faz menção à
competência de órgão de polícia judiciária, quando se sabe que competência é a medida limite da
jurisdição, parcela do poder de julgar outorgada aos juízes. Trata-se, portanto, de expressão inapropriada
para se referir à parcela de poder distribuída ás autoridades administrativas, tecnicamente chamada de
atribuição. No sentido da distinção entre função de polícia judiciária – qual seja, a de auxiliar do Poder
Judiciário -, e a de função investigatória, isto é, a de apurar infrações penais, confira-se: STJ, 6º Turma,
REsp 332.172/ES, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Dje 04/08/2008
É preventiva. Eventualmente, é repressiva.
É repressiva. Eventualmente, é preventiva.
Atua sobre bens e direitos e,
eventualmente, sobre pessoas.
Atua sobre pessoas e,
eventualmente, sobre bens e direitos.
Usam fardamento, pois são polícia ostensiva.
Art. 4º, CPP: é exercido por autoridade policial (delegado de
polícia).
O PM, quando prende alguém, está agindo na exceção de suas
atribuições.
Só preside inquérito
administrativo, e não policial.
Art. 4º, CPP
Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais
no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a
apuração das infrações penais e da sua autoria.
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a
de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a
mesma função.
Art. 144, CF/88
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente,
organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-
se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em
detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas
entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras
infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou
internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em
lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação
fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de
competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de
fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da
União.
Crime de competência da Justiça Militar da União Forças
Armadas (IPM) encarregado (oficial que conduz as investigações).
Crime de competência da Justiça Militar Estadual Polícia Militar
ou Corpo de Bombeiros (IPM).
Crime de competência da Justiça Federal Polícia Federal.
Crime de competência da Justiça Eleitoral Polícia Federal.
Crime de competência da Justiça Estadual Polícia Civil. Todavia, será de competência da Polícia Federal a apuração das
infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme (artigo 144, § 1º, inciso I, CF/88 e Lei nº
10.446/2002).
2. Características do Inquérito Policial
2.1 Procedimento escrito (artigo 9º, CPP)
Todas as informações, diligências e procedimentos realizados
deverão estar descritos expressamente e por escrito nos autos do IP,
de forma que a autoridade que o receba, quando verificar da
possibilidade e da necessidade da ação penal, possa analisar se todos
os procedimentos necessários foram realizados.
Art. 9º Todas as peças do inquérito policial serão, num só
processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso,
rubricadas pela autoridade.
Pode ser usado, subsidiariamente, o artigo 405, § 1º, CPP:
“sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado,
indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou
recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica
similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das
informações.”
2.2 Procedimento dispensável
O próprio Código de Processo Penal, em vários dispositivos, deixa
claro o caráter dispensável do inquérito policial. De acordo com o art. 12 do CPP, “o inquérito policial acompanhará a denúncia ou a queixa,
sempre que servir de base a uma ou outra”. A contrario sensu10, se o inquérito policial não servir de base à denúncia ou queixa, não há
necessidade de a peça acusatória ser acompanhada dos autos do procedimento investigatório.
Por sua vez, o art. 27 do CPP dispõe que qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que
caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de
convicção. Ora, se qualquer pessoa do povo for capaz de trazer ao Ministério Público os elementos necessários pra o oferecimento da
denúncia, não haverá necessidade de se requisitar a instauração de inquérito policial. Por fim, o art. 46, §1º, do CPP, acentua que quando
o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o
oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação11.
Se o titular da ação penal contar com peças de informação (fonte autônoma) capazes de ministrar elementos quanto à autoria e à
materialidade poderá dispensar o IP. Vejamos os Artigos 29 e 39, § 5º, ambos do CPP.
Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se
esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público
aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir
em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova,
interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do
querelante, retomar a ação como parte principal.
Art. 39. (...)
§ 5º O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se
com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a
10
Utiliza-se a regra da interpretação a contrario sensu quando, a partir de uma disposição legal clara sobre
uma espécie, conclui-se que a espécie contrária está implicitamente excluída e deve ser regida por
princípios igualmente contrários. 11
LIMA, Renato Brasileiro de, Manual de Processo Penal. 2º ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. P.
114, 115.
promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no
prazo de quinze dias.
2.3 Procedimento sigiloso
A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Se na própria fase processual é possível a restrição, o que dizer,
então,dos atos praticados no curso de uma investigação policial? Se o inquérito policial objetiva investigar infrações penais, coletando
elementos de informação quanto à autoria e materialidade dos delitos, de nada valeria o trabalho da polícia investigativa se não fosse
resguardado o sigilo necessário durante o curso de sua realização. Deve-se compreender, desse modo, que o elemento da surpresa é, na
grande maioria dos casos, essencial à própria efetividade das investigações policiais12.
Em tese, o IP tem a característica de ser sigiloso, de forma que somente as partes envolvidas teriam acesso a ele.
Tal característica tem sua importância no fato de que diversas pessoas podem ser consideradas suspeitas em um IP e somente uma,
por exemplo, vir a ser indiciada e, mesmo indiciada, pode não ser denunciada.
Dessa forma, ser sigiloso tem a função de proteger pessoas que
estejam presumivelmente envolvidas, a fim de evitar qualquer julgamento.
Vale informar que o sigilo do IP não abrange o advogado, em relação aos documentos e às diligências anexadas aos autos do IP.
Para a presente situação, importante a leitura do artigo 20 do CPP:
“Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à
elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que lhe forem
solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer
anotações referentes a instauração de inquérito contra os
requerentes, salvo no caso de existir condenação anterior.”
12
Exemplo interessante de situação em que a publicidade – e não o sigilo – passa a ser essencial à eficácia
das investigações policiais diz respeito à hipótese em que as autoridades policiais dispõem do retrato
falado do criminoso, porém não sabem sua real qualificação. Nesse caso, é evidente que a publicidade
dada ao retrato falado será extremamente importante, já que, com a divulgação de tais imagens, talvez seja
possível que a polícia venha a obter informações acerca da identificação do agente, assim como dados
relativos acerca de sua possível localização.
É o que se denomina de sigilo interno, que visa assegurar a eficiência da investigação, que poderia ser seriamente prejudicada com a
ciência prévia de determinadas diligências pelo investigado e por seu advogado13.
Nessa esteira, como já se pronunciou a 1º Turma do Supremo Tribunal Federal, “a oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria
uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a
assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se
lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações14”. Este é o motivo pelo
qual o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº14, cujo teor é o seguinte: “É direito do defensor, no interesse do
representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão
com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
Quem terá acesso aos autos do IP?
Juiz e MP: amplo e irrestrito.
Advogado: artigo 5º, LXIII, CF/88, e artigo 7º, XIV, Lei nº
8.906/94.
Artigo 5º (...)
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e
de advogado;
Artigo 7º São direitos do advogado:
(...)
XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer
natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los
pelos prazos legais;
O acesso do advogado é amplo e irrestrito? O acesso do
advogado está limitado às informações já introduzidas nos Autos do IP, mas não em relação às diligências em andamento.
13
STF, 1º Turma, HC 82.354/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 24/09/2004. 14
STF, 1º Turma, HC 82.354/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 24/09/2004. Em sentido semelhante:
STF, 1º Turma, HC 94.387/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 25 05/02/2009; STF, 1º Turma, HC
90.232/AM, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 02/03/2007; STJ, 5º Turma, HC 58.377/RJ, Rel. Min.
Laurita Vaz, DJe 30/06/2008.
Se o acesso aos Autos for negado pelo delegado?
- Reclamação: considerando a edição da Súmula Vinculante nº 14, que tem efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder
Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, é viável o ajuizamento de reclamação
ao Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja preservada sua competência e assegurada a autoridade de suas decisões. Afinal,
segundo o art. 103-A, §3º, da Constituição Federal, do ato
administrativo ou da decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo
Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará
que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. No mesmo sentido, vide art. 7º da Lei nº 11.417/06;
- Mandado de Segurança (MS): independentemente da Reclamação, como houve violação a um direito líquido e certo do
advogado, previsto no art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94, continua sendo cabível a impetração de mandado de segurança, apontando-se
como autoridade coatora, para os fins do art. 6º da Lei nº 12.016/09, a autoridade policial responsável pela negativa de acesso do
advogado aos autos do procedimento investigatório, daí porque a competência para o julgamento do writ será do magistrado da
primeira instância. Nesse caso, perceba-se que o que está em
discussão não é a liberdade de locomoção do investigado, mas sim o desrespeito ao exercício da defesa consubstanciado em violação à
prerrogativa profissional do advogado, o que autoriza a impetração de mandado de segurança, nos termos do art. 5º, LXIX, da CF, c/c art.
1º, caput, da Lei nº 12.016/0915;
- Habeas corpus (HC): para o STF, sempre que puder resultar,
ainda que de modo potencial, prejuízo à liberdade de locomoção, será cabível o HC. Nada impede que o acusado, seja pessoalmente, seja
por meio de seu advogado, mas sempre em seu benefício, possa se valer do remédio heróico do HC (CF, art. 5º, LXVIII), arguindo que a
negativa do acesso de seu advogado aos autos do procedimento
15
O cabimento de reclamação perante o Supremo não impede a impetração de mandado de segurança. A
uma porque a Lei nº 11.417/06, ao dispor sobre a edição, revisão e cancelamento de súmula vinculante,
prevê em seu art. 7º que a decisão judicial ou ato administrativo que contrariar enunciado de súmula
vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal
Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação. A duas porque, na medida
em que a reclamação tem natureza de ação de índole constitucional, e não de recurso, seu cabimento não
acarreta incidência do art. 5º, II da Lei nº 12.016/09, que veda o uso do mandado de segurança contra ato
judicial que caiba recurso com efeito suspensivo.
investigatório acarreta constrangimento ilegal a sua liberdade de locomoção16.
2.4 Procedimento inquisitorial
Apesar de o contraditório e a ampla defesa não serem aplicáveis ao
inquérito policial, que não é processo, não se pode perder de vista que o suspeito, investigado, ou indiciado possui direitos fundamentais
que devem ser observados mesmo no curso da investigação policial,
entre os quais o direito ao silêncio, o de ser assistido por advogado, etc. Aliás, como visto antes, do plexo de direitos dos quais o
investigado é titular, é corolário e instrumento de prerrogativa do advogado de acesso aos autos do inquérito policial (Lei nº 8.906/94,
art. 7º, XIV), tal qual preceitua a Súmula Vinculante nº 14 do Supremo17.
Não é obrigatória a observância do contraditório e da ampla defesa. Todavia, para parte da doutrina, sempre que houver a possibilidade
da prática de atos de violência e coação ilegal no curso do IP, deve se assegurar o contraditório e a ampla defesa (HC 69.405 – STJ).
HC 69.405 – STJ
Inquérito policial (natureza). Diligências
(requerimento/possibilidade). Habeas corpus (cabimento).
1. Embora seja o inquérito policial procedimento preparatório da
ação penal (HCs 36.813, de 2005, e 44.305, de 2006), é ele
garantia "contra apressados e errôneos juízos" (Exposição de
motivos de 1941).
2. Se bem que, tecnicamente, ainda não haja processo – daí que
não haveriam de vir a pêlo princípios segundo os quais ninguém
será privado de liberdade sem processo legal e a todos são
assegurados o contraditório e a ampla defesa –, é lícito admitir
possa haver, no curso do inquérito, momentos de violência ou de
coação ilegal (HC-44.165, de 2007).
3. A lei processual, aliás, permite o requerimento de diligências.
Decerto fica a diligência a juízo da autoridade policial, mas isso,
obviamente, não impede possa o indiciado bater a outras portas.
4. Se, tecnicamente, inexiste processo, tal não haverá de constituir
empeço a que se garantam direitos sensíveis – do ofendido, do
indiciado, etc.
5. Cabimento do habeas corpus (Constituição, art. 105, I, c).
16
No sentido de que o cerceamento à defesa do indiciado no inquérito policial pode refletir-se em prejuízo
de sua defesa e, em tese, redundar em condenação à pena privativa de liberdade ou na mensuração desta,
daí por que deve ser admitida a impetração de habeas corpus de modo a assegurar o acesso do advogado
aos autos: STF, 1º Turma, HC 82.354, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 24/09/2004. 17
STF, 1º Turma, HC 90.232, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 18/12/2006, DJ 02/03/2007.
6. Ordem concedida a fim de se determinar à autoridade policial que
atenda as diligências requeridas.
Por fim, há de se lembrar que a observância do contraditório é obrigatória em relação ao inquérito objetivando a expulsão de
estrangeiro. Regulamentando o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80), o Decreto nº 86.715/81 estabelece uma sequência de
etapas que devem ser observadas para que seja concretizado o ato de
expulsão, aí abrangida a possibilidade de ampla defesa e contraditório18.
2.5 Procedimento indisponível
O delegado não pode arquivar autos de IP. Uma vez que o IP é
instaurado, não poderá ser arquivado pela autoridade policial.
Esta deverá colher todas as informações que entender necessárias e
enviá-lo ao órgão competente. Nesse sentido, veja-se o artigo 17 do CPP:
“Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de
inquérito.”
2.6 Procedimento discricionário
O IP se movimenta por conveniência e oportunidade do delegado. A autoridade policial competente tem a discricionariedade de decidir
quais as diligências deverão ser realizadas a fim de se verificarem as informações do IP.
18
De acordo com o referido Decreto, o procedimento de expulsão do estrangeiro tem início com a
instauração de inquérito por meio de portaria do Departamento de Polícia Federal, a partir de
determinação do Ministro da Justiça. O expulsando será notificado da instauração do inquérito e do dia e
hora fixados para o interrogatório, com antecedência mínima de dois dias úteis. Comparecendo, o
expulsando será qualificado, interrogado, identificado e fotografado, podendo nessa oportunidade indicar
defensor e especificar as provas que desejar produzir. Ao expulsando e ao seu defensor será dada vista dos
autos, em cartório, para a apresentação de defesa no prazo único de seis dias, contados da ciência do
despacho respectivo. Encerrada a instrução do inquérito, deverá ser este remetido ao Departamento
Federal de Justiça, no prazo de doze dias, acompanhado de relatório conclusivo. Recebido o inquérito, será
este anexado ao processo respectivo, devendo o Departamento Federal de Justiça encaminhá-lo com
parecer ao Ministro da Justiça, que o submeterá à decisão do Presidente da República (Decreto nº
86.715/81, arts. 100 a 109).
Ressalta-se que a discricionariedade não é absoluta, tendo em vista que o próprio CPP informa que, no caso de fatos que deixem
vestígios, a autoridade policial é obrigada a proceder a diligências no sentido de sua comprovação.
“Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado
poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a
juízo da autoridade.”
Caso uma diligência requerida pela defesa à autoridade policial não tenha sido realizada, assiste ao advogado a possibilidade de reiterar
sua solicitação perante o juiz ou o Ministério Público, que poderão, então, requisitar sua realização à autoridade policial. Nessa linha, em
caso concreto em que o requerimento formulado pelo investigado para oitiva de testemunhas e quebra de seu sigilo telefônico foi
indeferido pela autoridade policial, conclui a 6º Turma do STJ ser
cabível a impetração de habeas corpus com o objetivo de assegurar o cumprimento das referidas diligências, até mesmo de modo a se
evitar apressado e errôneo juízo acerca da responsabilidade do investigado19.
2.7 Procedimento Oficial
Cabe ao Delegado a presidência do inquérito policial, com fulcro no
art. 144,§1º, I e §4º, da Constituição Federal, porquanto o inquérito policial fica a cargo de órgão oficial do Estado.
2.8 Procedimento oficioso
A característica da oficiosidade do inquérito não é incompatível com a
discricionariedade. A oficiosidade está relacionada à obrigatoriedade
de instauração do inquérito policial quando a autoridade policial toma conhecimento de infração penal de ação penal pública incondicionada;
a discricionariedade guarda relação com a forma de condução das investigações, seja no tocante à natureza dos atos investigatórios
(oitiva de testemunhas, acareações, etc.), seja em relação à ordem de sua realização.
3. Forma de instauração do IP
19
STJ, 6º Turma, HC 69.405/SP, Rel. Min. Nilson Naves, j. 23/10/2007, DJ 25/02/2008 p. 362. LIMA,
Renato Brasileiro, Manual de Processo Penal. 2º ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. P. 120.
3.1 Ação penal privada / Ação penal pública condicionada à
representação
Instaura-se o IP mediante requerimento da vítima ou de seu representante legal, ou à requisição do Ministro da Justiça. O Estado
não pode agir de ofício (ação penal pública condicionada - CPP, art. 5º, §4º).
Já na ação penal de iniciativa privada, o Estado também fica
condicionado, só que agora apenas ao requerimento do ofendido ou de seu representante legal (CPP, art.5º, §5º). O Delegado somente
poderá proceder ao inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentar a ação penal. No caso de ausência ou morte
do ofendido, o requerimento poderá ser formulado por seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (CPP, art. 31). O requerimento é
condição de procedibilidade do próprio inquérito policial, sem o qual a investigação sequer poderá ter início.
O prazo decadencial para ser formulado o requerimento é de 6 (seis) meses, contado, em regra, do dia em que se vier a saber quem é o
autor do crime. Portanto, se o Delegado verificar que esse prazo foi ultrapassado, deve se abster de instaurar o inquérito, pois se tornou
extinta a punibilidade (CP, art. 107, IV20).
Nos crimes de ação penal pública condicionada e de ação penal de
iniciativa privada, a instauração do inquérito policial também poderá
se dar em auto de prisão em flagrante, fazendo cessar a agressão. No entanto, a lavratura do auto de prisão em flagrante estará
condicionada à manifestação da vítima ou de seu representante legal. Se a vítima não puder imediatamente ir à delegacia para se
manifestar, poderá fazê-lo no prazo de entrega da nota de culpa, que é de 24 (vinte e quatro) horas.
3.2 Ação penal pública incondicionada (artigo 5º, CPP)
A. De ofício: Portaria21. Por força do princípio da obrigatoriedade (que também se estende à fase investigatória), caso a autoridade
20
Vale lembrar que o requerimento de instauração de inquérito policial não interrompe nem suspende a
fluência do prazo decadencial. 21
Ferrajoli define tal postulado como “a obrigação dos órgãos da acusação pública de promover o juízo
para toda notitia criminis que vier a seu conhecimento – ainda que para requerer o arquivamento ou a
absolvição caso considerem o fato penalmente irrelevante ou faltarem indícios de culpabilidade (Direito e
razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. P. 457).
policial tome conhecimento do fato delituoso a partir de suas atividades rotineiras, deve instaurar o inquérito policial de ofício, ou
seja, independentemente de provocação de qualquer pessoa.
B. Requisição do juiz ou do MP(CPP, art.5º, II): o inquérito será
iniciado, nos crimes de ação pública, mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público.
Nos casos de Ação Penal Pública Condicionada (quando acompanhada de representação) e de Ação Penal Pública Incondicionada, o delegado
fica obrigado a investigar.
A doutrina expressa uma crítica quanto ao fato de o juiz poder requisitar a instauração do IP, sob o argumento de que estar-se-ia
violando o princípio da imparcialidade e o sistema acusatório.O ideal, nesse caso, seria o magistrado encaminhar as informações e
documentos ao Ministério Público para a competente requisição. Nesse sentido, acosta-se o artigo 40 do CPP:
“Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes
ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública,
remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos
necessários ao oferecimento da denúncia.”
Requisição do MP e recusa do delegado: a recusa do delegado não caracteriza o crime de desobediência (delegado não é considerado
um particular). Em relação ao crime de prevaricação, responderá caso
fique comprovado que deixou de instaurar o IP para satisfação de interesse ou sentimento pessoal (artigo 319, CP). Em caso negativo,
será mero ilícito administrativo.
Diante da requisição do Ministério Público, com o mesmo pensamento
de Renato Brasileiro, pensamos que a autoridade policial está obrigada a instaurar o inquérito. Não que haja hierarquia entre
promotores e delegados, mas sim, em decorrência do princípio da obrigatoriedade, que impõe às autoridades o dever de agir diante da
notícia da prática de infração penal.
“De mais a mais, o art. 129, VIII, da Constituição Federal,
determina que são funções institucionais do Ministério Público
requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais. Na mesma linha o art. 13, II, do CPP, dispões que
incumbe à autoridade policial realizar as diligências requisitadas
pelo Ministério Público.
Logicamente, em se tratando de requisição ministerial
manifestamente ilegal, deve a autoridade policial abster-se de
instaurar o inquérito policial, comunicando sua decisão,
justificadamente, ao órgão do Ministério Público responsável pela
requisição, assim como as autoridades correcionais22”.
C. Requerimento da vítima ou de seu representante legal: recurso inominado para o Chefe de Polícia no caso de negativa de
requerimento da vítima pelo Delegado (Artigo 5º, § 2º, CPP).
Artigo 5º (...)
(...)
§ 2º Do despacho que indeferir o requerimento de abertura do
inquérito caberá recurso para o Chefe de Polícia.
Caso a autoridade policial, justificadamente, se recuse a instaurar inquérito policial, sob o argumento de que os fatos levados a seu
conhecimento são atípicos, não há falar em violação a direito líquido e certo a dar ensejo à impetração de mandado de segurança, sobretudo
se consideramos que há previsão legal de recurso inominado ao Chefe de Polícia23.
D. Auto de Prisão em Flagrante Delito: apesar de não constar expressamente no art. 5º do CPP, o auto de prisão em flagrante é
uma das formas de instauração do inquérito policial, funcionando o próprio auto como peça inaugural da investigação.
E. Delatio criminis: é a notícia oferecida por qualquer do povo. Qualquer do povo que tiver conhecimento da existência de infração
penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito,
comunicá-la à autoridade policial.
É possível uma delatio criminis inqualificada (anônima,
apócrifa)?
A denúncia anônima, por si só, não serve para fundamentar a
instauração de IP. Entretanto, a partir das informações nela prestadas, pode a polícia realizar diligências preliminares para
verificar a procedência das informações, para, então, instaurar o IP. Ex.: disque-denúncia.
HC 84.827 - STF
ANONIMATO - NOTÍCIA DE PRÁTICA CRIMINOSA - PERSECUÇÃO
CRIMINAL - IMPROPRIEDADE. Não serve à persecução criminal
notícia de prática criminosa sem identificação da autoria,
consideradas a vedação constitucional do anonimato e a
22
LIMA, Renato Brasileiro de, Manual de Processo Penal. 2º ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. P.
123. 23
STJ, 6º Turma, RMS 7.598/RJ, Rel. Min. William Patterson, j. 09/04/1997, DJ 12/05/1997.
necessidade de haver parâmetros próprios à responsabilidade, nos
campos cível e penal, de quem a implemente.
HC 64.096 – STJ
HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL, LAVAGEM DE DINHEIRO E
CORRUPÇÃO. DENÚNCIA ANÔNIMA. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO
POLICIAL. POSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.
IMPOSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS DA
ÁRVORE ENVENENADA. NULIDADE DE PROVAS VICIADAS, SEM
PREJUÍZO DA TRAMITAÇÃO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO.
ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Hipótese em que a instauração do inquérito policial e a quebra do
sigilo telefônico foram motivadas exclusivamente por denúncia
anônima.
2. "Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em
nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar
procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, conforme
contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e
desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à
identidade do investigado. Precedente do STJ" (HC 44.649/SP, Rel.
Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 8/10/07).
3. Dispõe o art. 2°, inciso I, da Lei 9.296/96, que "não será
admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando (...)
não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração
penal". A delação anônima não constitui elemento de prova sobre a
autoria delitiva, ainda que indiciária, mas mera notícia dirigida por
pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de
suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza,
inclusive, a sua responsabilização pela prática de denunciação
caluniosa (art. 339 do Código Penal).
(...)
4. Notitia criminis
4.1 Conceito
Conhecimento espontâneo ou provocado, por parte da Autoridade
Policial, acerca de um delito.
4.2 Espécies
A. De cognição imediata (ou espontânea)
Ocorre quando a Autoridade Policial toma conhecimento do fato delituoso por meio de suas atividades rotineiras. Ex.: jornal,
investigação.
B. De cognição mediata (ou provocada)
Ocorre quando a Autoridade Policial toma conhecimento do fato delituoso por meio de um expediente escrito. Ex.: representação,
requerimento da vítima, requisição do MP.
C. De cognição coercitiva
Ocorre quando a Autoridade Policial toma conhecimento do fato
delituoso por meio da apresentação de acusado preso em flagrante.