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INSTITUTO SUMARÉ DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – ISESFACULDADE SUMARÉ
O GÊNERO MEMÓRIA LITERÁRIA E O ESTUDO DA HISTÓRIA
Cristina Soares da FonsecaFabiana de Souza Bispo DominguesMaria Hildete da Silva Santos Bastos
Nilza Soares de Oliveira
São Paulo2012
INSTITUTO SUMARÉ DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – ISESFACULDADE SUMARÉ
O GÊNERO MEMÓRIA LITERÁRIA E O ESTUDO DA HISTÓRIA
Cristina Soares da FonsecaFabiana de Souza Bispo DominguesMaria Hildete da Silva Santos Bastos
Nilza Soares de Oliveira
Trabalho Apresentado à Faculdade Sumaré, como exigência parcial para obtenção do título de Especialista em Alfabetização e Letramento
Orientadora: Profª Nancy Aparecida Arakaki
São Paulo2012
Agradecimentos
Agradecemos especialmente a todos os nossos familiares pelo incentivo,
apoio e paciência conosco nos momentos em que precisávamos encontrar
nossas companheiras para discutir sobre o trabalho, quando nos
debruçávamos em leituras e pesquisas para elaborar nossa monografia, enfim,
por nossas ausências em nome de um bem maior: o estudo, o conhecimento,
nosso crescimento como profissionais e como pessoas.
Agradecemos imensamente a nossa orientadora, Professora Nancy
Aparecida Arakaki pela paciência, apoio e sugestões, iluminando sempre nossa
jornada em busca de uma boa pesquisa e acima de tudo, do conhecimento.
Somos gratas também aos nossos professores, que muito nos
auxiliaram em nossa busca pelo saber, em nosso crescimento. Da mesma
forma agradecemos as nossas colegas de classe, que também muito
contribuíram com sua amizade, incentivos e na troca de experiências e de
saberes.
Assim, temos a boa sensação de sairmos desse Curso pessoas muito
melhores do que quando nele ingressamos.
RESUMO
O presente estudo busca abordar duas áreas do conhecimento em um
mesmo objeto de estudo: leitura e gêneros textuais e a história.
Mais especificamente trouxemos uma abordagem do gênero textual
memória literária, através da análise da obra “Anarquistas, Graças a Deus”, de
Zélia Gattai. Para tanto, iniciamos com uma introdução aos gêneros textuais e
sua importância, especialmente no que se refere a cidadania. Depois, antes de
fazer uma análise da obra à luz do gênero memória literária, fizemos um estudo
sobre o Brasil da época que a obra retrata (principalmente 1920-1930) e
depois, de quando a autora resolve escrever o livro: 1979 e alguns anos antes
e depois.
Com esse estudo nos propusemos a conhecer o contexto histórico, para
assim melhor conhecer a obra que optamos por estudar e observar os
elementos do gênero memória literária presentes no livro: a São Paulo do início
do século XX e o cotidiano de uma família anarquista.
Especialmente nos propusemos a trabalhar o letramento, abordando a
memória. Assim, nosso trabalho conversa com as disciplinas de língua
portuguesa e história numa proposta que entrelaça essas áreas do
conhecimento.
Palavras-chave: Gêneros Textuais, Leitura, Memória, História do Brasil, Anarquismo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................5
1.CONHECER A HISTÓRIA ATRAVÉS DO GÊNERO MEMÓRIA
LITERÁRIA..........................................................................................................8
1.1 Gêneros Textuais...........................................................................................8
1.2 Memória Literária ........................................................................................10
2. CONTEXTO HISTÓRICO .............................................................................13
2.1 O Brasil no início do século XX ...................................................................13
2.2 A decadência da oligarquia .........................................................................15
2.3 Cultura e sociedade no início do século XX................................................19
2.4 Finais da década de 1970 e início dos anos 1980: Brasil – da ditadura
militar à democracia ......................................................................................... 23
2.5 A década de 1990 – novas mudanças ....................................................... 26
3. A RELEITURA DE ANARQUISTAS GRAÇAS A DEUS, SOB O OLHAR DO GÊNERO MEMÓRIA LITERÁRIAS............................................................28
3.1 Zélia Gattai – Vida e Obra ......................................................................... 32
3.1.1 As motivações para escrever Anarquistas, Graças a Deus ................... 34
CONCLUSÃO....................................................................................................36
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................37
INTRODUÇÃO
Nosso objeto de estudo é apresentar um gênero textual denominado de
memória literária, mais especificamente a obra Anarquista Graças a Deus, de
Zélia Gattai e suas possibilidades de compreender o gênero e também o
cotidiano de uma família anarquista no Brasil e a São Paulo do início do século
XX e possibilitar um novo olhar hoje para as disciplinas de História e literatura.
Pensamos em como promover uma maior consciência no ensino e
aprendizagem de história, com o auxílio da literatura, de maneira conjunta e
intrínseca. E na possibilidade de trazer um olhar mais crítico sobre o nosso
país e sua história, através dessa proposta.
Acreditamos que o gênero memória literária leva o aluno a se identificar,
muitas vezes, com o narrador, os personagens e os lugares rememorados.
Pode ser um grande recurso a ser utilizado no ensino da história, pois traz a
possibilidade de levar o estudante a desenvolver o conceito de sujeito histórico,
especialmente quando buscamos compreender o presente através do estudo
da história.
Devido ao caráter político da obra em questão – “Anarquistas, Graças a
Deus” - seu estudo pode também ser uma boa estratégia para vislumbrar
outras possibilidades de organização social que não somente as presentes na
atualidade.
Geralmente nas escolas, encontramos um ensino segmentado em
disciplinas. Mas, fora dela o conhecimento não está dividido por matérias, pelo
contrário, ele é múltiplo, complexo e diverso, sem separações. Este é um dos
motivos de abordar a possibilidade de trabalho com gênero literário e história.
É também fato que práticas totalmente segmentadas e o ensino da
história exaltando somente as figuras heróicas, com datas determinadas para
mudanças e acontecimentos, não condizem com a realidade e carecem de
significância.
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Entendemos, portanto, que a aprendizagem requer reflexão e criticidade
para que os alunos se sintam sujeitos da história, capazes de conhecer e
compreender a trajetória da humanidade e ao mesmo tempo se conscientizar
que hoje, no presente, estamos fazendo história, porque esta é feita,
sobretudo, por sujeitos comuns.
Para melhor compreender a história podemos utilizar vários recursos e
materiais, pois esta é escrita por homens e tudo o que ele produz pode ser
objeto de estudo. Em especial a arte, que traz em si as marcas pessoais do
artista e ao mesmo tempo, está inserida em um contexto maior, pode nos
revelar muito sobre determinado período histórico, o homem e suas questões
nesse contexto.
Dentre tantas manifestações artísticas, optamos por abordar a literatura
no ensino de história, pois ela tem a característica da ludicidade e do prazer da
leitura e ao mesmo tempo, por tratarmos do gênero memória literária, revela
aspectos históricos na visão de quem viveu um determinado período histórico.
Assim, acreditamos que a literatura traz uma visão mais global da
história ao mesmo tempo em que carrega as marcas da sensibilidade – tão
necessária ao ser humano e pode, portanto, ser um grande recurso para o
ensino e aprendizagem de história. No entanto, esse projeto não tem a
intenção de trazer propostas puramente didáticas, embora possa abordá-las.
Queremos abordar uma leitura crítica, que coloca a questão do gênero textual,
apreende alguns aspectos do passado e faz uma comparação com o presente,
num movimento crítico e analítico, em especial sobre o movimento anarquista e
outras possibilidades de organização social.
Com a presente pesquisa buscamos alguns objetivos como abordar
novas perspectivas e olhares para o ensino da história, através do estudo de
um gênero textual, uma obra literária e seu contexto.
Almejamos ainda promover a conscientização de que somos sujeitos
históricos, portanto responsáveis por nossas atitudes e escolhas e pelas
conseqüências por elas provocadas, ou seja, estamos inseridos em uma
sociedade maior e que nossas atitudes fazem parte do complexo mundo em
que vivemos.
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Além desses pontos, desejos apresentar um movimento hoje
praticamente extinto, mas que foi muito importante tanto no Brasil quanto em
outros países do mundo, especialmente nas conquistas das classes
trabalhadoras, numa nova proposta e visão de sociedade.
Por fim, objetivamos através da abordagem de um gênero literário,
buscar trazer maior significância para o ensino e o gosto pela leitura.
Nosso trabalho inclui no primeiro capítulo uma pesquisa sobre os
gêneros textuais, especialmente sobre a memória literária. No segundo
capítulo, uma pesquisa do contexto histórico que a obra Anarquistas, Graças a
Deus retrata e também da época em que foi escrita. Depois, no terceiro
capítulo, sob a luz do gênero memória literária, faremos uma análise de alguns
trechos da obra e por fim, temos a biografia da autora Zélia Gattai.
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CAPÍTULO I
CONHECER A HISTÓRIA ATRAVÉS DO GÊNERO MEMÓRIA LITERÁRIA
O presente capítulo trata de abordar os gêneros textuais, especialmente
sua função social. Em seguida, há um estudo mais detalhado sobre o gênero
que pretendemos abordar mais de perto, memória literária.
1.1 Gêneros Textuais
Os gêneros textuais estão presentes em nosso cotidiano, em várias esferas
e momentos. Nem sempre pensamos sobre eles, mas saber como utilizar os
gêneros para atender as diversas demandas sociais é imprescindível como
meio de exercer a plena cidadania. Assim,
Já se tornou trivial a idéia de que os gêneros textuais são fenômenos históricos,
profundamente vinculas à vida cultural e social. Fruto de trabalho coletivo, os gêneros
contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia.
São entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer
situação comunicativa. No entanto, mesmo apresentando alto poder preditivo e
interpretativo das ações humanas em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são
instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como
eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a
necessidades e atividades socioculturais, bem como na relação com inovações
tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros
textuais hoje existentes em relação a sociedades anteriores à comunicação escrita.
(Marcuschi – p. 1)
É bom lembrar que os gêneros servem sempre a uma ou mais
finalidades comunicativas e assim, é preciso além de conhecê-los,
compreender o seu mecanismo, como e quando utilizar e pra que empregar
determinado gênero.
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Em se tratando de ensino e gêneros textuais, é fato que uma função
muito importante da escola é abordar temas que fazem parte do cotidiano das
pessoas – não que seja esse exclusivamente o seu papel. Mas, no sentido de
trazer significância para o ensino mediante as práticas sociais, é muito
importante que a escola trabalhe com diversos gêneros textuais, suas
composições e principalmente, suas funções. Apresentar e propor a produção
de gêneros textuais é um grande recurso para o ensino da língua portuguesa,
atrelado a formação cidadã. Um trabalho com gêneros textuais pode expandir-
se e abordar não somente o ensino da língua portuguesa, mas também de
outras áreas do conhecimento. Em outras palavras, o trabalho com gêneros é
muito rico e pode contemplar também a interdisciplinaridade no ensino, que
bem planejado dá grande sentido à educação.
É por isso que não faz sentido pedir para os estudantes escreverem só para você ler (e
avaliar). Quando alguém escreve uma carta, é porque outra pessoa vai recebê-la.
Quando alguém redige uma notícia, é porque muitos vão lê-la. Quando alguém produz
um conto, uma crônica ou um romance é porque espera emocionar, provocar ou
simplesmente entreter diversos leitores. E isso é perfeitamente possível de fazer na
escola: a carta pode ser enviada para amigos, parentes ou colegas de outras turmas; a
notícia pode ser divulgada num jornal distribuído internamente ou transformado em
mural; o texto literário pode dar origem a um livro, produzido de forma coletiva pela
moçada. (Moço, 2009. p. 49)
O trabalho com gêneros textuais é muito significante, pois tem sempre
um destinatário, um propósito muito claro. Atrelado a esse viés, seu ensino
passa pelo estudo da língua portuguesa e também pode contemplar outras
áreas do conhecimento, num processo dinâmico e amplo.
Embora o nosso presente estudo não seja exclusivamente sobre
gêneros, mas sim uma proposta mais abrangente, é bom que se coloque as
mudanças dos gêneros textuais em razão de suas funcionalidades, que podem
se alterar com o decorrer do tempo.
Como afirmado, não é difícil constatar que nos últimos dois séculos foram as novas
tecnologias, em especial as ligadas à área da comunicação, que propiciaram o
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surgimento de novos gêneros textuais. Por certo, não são propriamente as tecnologias
per se que originam os gêneros e sim a intensidade dos usos dessas tecnologias e
suas interferências na atividades comunicativas diárias. Assim, os grandes suportes
tecnológicos de comunicação tais como o rádio, a televisão, o jornal, a revista, a
internet, por terem uma presença marcante e grande centralidade nas atividades
comunicativas da realidade social que ajudam a criar, vão por sua vez propiciando e
abrigando gêneros novos bastante característicos. Daí surgem formas discursivas
novas, tais como editoriais, artigos de fundo, notícias, telefonemas, telegramas,
telemensagens, teleconferências, videoconferências, reportagens ao vivo, cartas
eletrônicas (e-mails), bate-papos virtuais, aulas virtuais e assim por diante.
(Marcuschi, p. 1)
Esse dinamismo deve ser observado sempre quando trabalhamos com
gêneros textuais, pois os mesmos podem sofrer mudanças radicais,
especialmente em seu conteúdo. Em outras palavras, precisamos,
minimamente, estarmos atentos as novas tecnologias e até mesmo tendências
que podem modificar determinados gêneros ou mesmo trazer novos gêneros
textuais.
1.2 Memória Literária
Dentre os inúmeros gêneros textuais, optamos por abordar o trabalho
com o gênero memória literária. Para conhecer melhor esse gênero, além de
buscar referencial teórico, procuramos realizar a releitura da obra “Anarquistas,
Graças a Deus, de Zélia Gattai”, um livro do gênero memória literária.
O gênero memória literária é muito peculiar e traz uma narrativa contada
por quem viveu uma história. Podemos descrever esse gênero da seguinte
forma:
Memórias literárias são textos produzidos por escritores que dominam o ato de
escrever como arte e revivem uma época por meio de suas lembranças pessoais.
Esses escritores são, em geral, convidados por editoras para narrar suas memórias de
um modo literário, isto é, buscando despertar emoções estéticas no leitor, procurando
levá-lo a compartilhar suas lembranças de uma forma vívida. Para isso, os autores
usam a língua com liberdade e beleza, preferindo o sentido figurativo das palavras,
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entre outras coisas. Nessa situação de produção, própria do gênero memórias
literárias, temos alguns componentes fundamentais:
um escritor capaz de narrar suas memórias de um modo poético, literário
um editor disposto a publicar essas memórias;
leitores que buscam um encontro emocionante com o passado narrado pelo
autor, com uma determinada época, com os fatos marcantes que nela
ocorreram e com o modo como esses fatos são interpretados artisticamente
pelo escritor. (Altenfelder e Clara - O gênero memórias literárias)
Podemos afirmar que a memória faz parte do patrimônio da humanidade
e relatá-las através de uma obra é, em certo sentido, perpetuar a história. Com
o estudo de memórias podemos resgatar nossa própria identidade.
Nesse aspecto é possível também vislumbrar um trabalho com
memórias literárias onde os próprios alunos busquem as memórias de sua
família ou comunidade. Esse resgate pode ser através de entrevistas ou relatos
que podem ser transformados em textos impressos ou até mesmo em
palestras.
Nesse sentido, Ana Lima afirma:
É esse resgate das lembranças de pessoas mais velhas passadas
continuamente às gerações mais novas, por meio de palavras e gestos, que
liga os moradores de um lugar. O fato de entender que a história de alguém
mais velho é nossa própria história desperta um sentimento de pertencer a
determinado lugar e época e ajuda na percepção de um passado que foi
realmente vivido e não está morto nem enterrado. (Lima, 2009, p.22)
Podemos dizer que ao resgatar a memória dos mais velhos, de uma
certa maneira o jovem também está se enxergando e entende melhor o
conceito de tempo histórico pois esse resgate pode levá-lo a pensar que
também será um dia mais velho e terá histórias para contar e irá se lembrar
das mudanças de seu tempo vivido. Assim, o trabalho com memórias é
também um trabalho filosófico, pois pode fazer surgir tantas outras questões
relacionadas ao tempo e as mudanças e estabilidades.
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Por fim, gostaríamos de colocar outras características importantes desse
gênero tão característico:
Alguns elementos normalmente presentes nos textos de memórias literárias
são as comparações entre passado e presente, a presença de palavras e
expressões que transportam o leitor para uma certa época do passado
(“antigamente”, “naquele tempo” etc.), referência a objetos, lugares e modos de
vida do passado, descrições de lugares ou pessoas e explicação do sentido de
certas expressões antigas ou de palavras em desuso. (Lima, 2009, p.23)
Nos deteremos então ao trabalho com o gênero literário memórias e o
retomaremos mais adiante no capítulo 3, em uma releitura da obra que
pretendemos estudar.
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CAPÍTULO II
CONTEXTO HISTÓRICO
Para contextualizar a obra, optamos por abordar a história do Brasil e de
São Paulo, da época aproximadamente 10 anos antes e depois dos fatos
narrados no livro.
Mas, a história não é feita por fatos isolados, há sempre um processo,
por mais que existam datas para determinados acontecimentos. Por isso,
muitas vezes nesse contexto do país que procuramos mostrar, pode ser que
nos situemos alguns anos antes ou mesmo após do que pretendemos abordar,
especialmente a década de 1920.
Também compreendemos em nosso estudo os finais dos anos 1970 e
as décadas de 1980 e 1990, pois a obra foi escrita no ano de 1979.
2.1 O Brasil no início do século XX
Nosso estudo sobre história do Brasil se inicia nos primeiros anos do
século XX, percebemos por nossas pesquisas um Brasil marcado por um povo
que trabalhava muito, mas não era respeitado em seus direitos. Por isso, no
início do século XX, ainda sem muitos dos direitos adquiridos hoje, os
trabalhadores, rurais (em grande número) e urbanos, reivindicavam melhores
condições de trabalho e sobrevivência e é através de revoluções e muita luta
que se conquistam alguns direitos. Mas é também um país marcado pela
miséria de muitos e pelas injustiças, especialmente nesse começo do século
XX, como pudemos perceber.
Durante a primeira guerra mundial o presidente do país era Venceslau
Brás. E o Brasil declara guerra à Alemanha e seus aliados em outubro de 1917
13
após o afundamento de quatro navios mercantes, próximos ao litoral francês,
por submarinos alemães.
Mas, o principal meio de participação na guerra pelo Brasil foi através do
fornecimento de matérias-primas e alimentos às nações da Tríplice Aliança.
Assim, diminui as importações e aumentam as exportações. Como
conseqüência é preciso aumentar a produção do país e com isso cresceu a
exploração dos trabalhadores. Assim, ocorrem as greves operárias que
reivindicavam melhores condições de vida e de trabalho nas fábricas. Além
disso, o custo de vida aumentava e os salários não correspondiam a esse
aumento.
Dessa maneira, os operários viviam cada vez mais em péssimas
condições e moradias e como os salários não acompanhavam o aumento do
custo de vida, as famílias inteiras eram obrigadas a trabalhar, inclusive as
crianças. Uma das principais greves no país, nesta época, foi em uma fábrica
na Mooca, um bairro de São Paulo, em 1917. Podemos ter uma idéia geral
sobre o montante de greves e a crítica situação dos trabalhadores no Brasil, no
trecho a seguir:
A greve se propagou por várias cidades do interior do Estado e por outros estados do
Brasil, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia, Paraná, Santa Catarina
e Rio Grande do Sul. Os operários reivindicavam 20% de aumento salarial. Voltaram ao
trabalho após 30 dias de greve, mediante a promessa dos empresários e do governo de
atenderem as suas reivindicações.
Essa greve não foi a última. De 1917 a 1921 ocorreram 196 greves no Estado de São
Paulo e 84 no Rio de Janeiro”. (Silva; Bastos, 1983, p.238)
Em 1921, já no governo de Epitácio Pessoa, foi criada uma lei para
sufocar as revoltas operárias, com o nome de Lei de Repressão ao
Anarquismo.
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2.2 A decadência da oligarquia
Com a Primeira Guerra Mundial, o país aumenta sua produção industrial,
especialmente a fabril. Também com o aumento da produção, sem melhores
condições para os trabalhadores ocorrem as greves em todo o país. Mas não
são somente os trabalhadores que estão insatisfeitos com o governo. A classe
média industrial também reclama por mais direitos, especialmente os direitos
políticos. Ela exige então o voto secreto e a moralização das eleições, pois
desejava também chegar ao poder. Assim,
As contestações e pressões destes grupos, somadas aos movimentos armados da
juventude militar do Exército (Tenentismo) e às dissidências no seio da classe
dominante, provocaram, no campo político, o declínio do poder das oligarquias,
notadamente o das oligarquias cafeeiras. (Silva, Bastos, 1983, p.238)
Dessa maneira, o governo se vê pressionado por vários setores da
sociedade, pois também tem a pressão dos jovens militares que queriam
derrubar o governo pelo meio de movimentos armados. Esse movimento ficou
conhecido como tenentismo.
Embora não fossem ligados a uma única classe social, esses militares
tinham interesses que coincidiam em alguns aspectos, com a vontade da
classe média industrial, ou seja, lutavam por uma reforma política e eram
contra o domínio oligárquico.
O movimento revolucionário dos tenentes marcou toda a década de 20. Iniciou-se com
a revolução do Forte de Copacabana, ocorrida a 5 de julho de 1922. Depois desta, uma
série de outras revoluções tenentistas ocorreram em todo território nacional, das quais
destacamos a Revolução Paulista de 1924 e a Coluna Prestes que, liderada por Miguel
Costa e Luís Carlos Prestes, percorreu o interior do Brasil entre 1925 e 1927, lutando
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contra o governo e tentando trazer para si o apoio das camadas humildes. (Silva;
Bastos, 1983, p.238)
Entre os anos de 1922 e 1926 o presidente do país foi Artur Bernardes.
Foi apoiado pelos estados de São Paulo e Minas Gerais, na política do café
com leite. Mas sua candidatura aconteceu em meio a muitos protestos e
opositores que queriam reformas políticas.
Artur Bernardes tinha o apoio das oligarquias, mas governava um país
em crise, econômica e social. Além de grandes descontentamentos de diversas
camadas da sociedade. Por isso, havia ainda muitas agitações operárias e o
movimento tenentista.
Porém era um governo de muita censura, pois o presidente utilizava-se
da Lei de Imprensa.
Sucessor de Artur Bernardes, Washington Luís governa o Brasil de 1926
a 1930. Esse governo enfrentou a crise cafeeira, mas se negou a prestar
auxílio ao setor. Como as oligarquias cafeeiras já vinham em decadência e
tinha o clamor de várias classes da sociedade para o fim do predomínio dessa
oligarquia e com a crise mundial de 1929, acabou perdendo seu prestígio e
poder.
Quando Washington Luís resolve apoiar o paulista Júlio Prestes à
presidência ao invés do mineiro, o então governador de Minas Gerais, Antônio
Carlos Ribeiro de Andrade, promove o fim da política do café com leite e dessa
maneira também chegava ao fim a República Velha.
Em oposição a candidatura de Júlio Prestes, os estados de Minas
Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul formam um acordo, denominado de
Aliança Liberal, que tinham como nome à presidência o gaúcho Getúlio Vargas,
já então um poderoso político em seu Estado. Porém, mesmo com a disputa
acirrada, Júlio Prestes é eleito o novo presidente da República. Mas, devido a
vários conflitos que culminaram na Revolução de 1930, ele nem chegou a
tomar posse.
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O descontentamento com a oligarquia cafeeira era grande e partia de
diferentes grupos sociais. Porém, não havia uma organização mesmo entre as
pessoas da mesma classe, para um movimento que efetivamente derrubasse
essa política. Mas, com o rompimento entre paulistas e mineiros e com a
derrota da Aliança Liberal, jovens tenentes que não se conformavam com a
situação, se uniram para através da luta armada por fim nessa situação.
Mesmo com muitos obstáculos, após o assassinato de João Pessoa, houve o
estopim da revolta.
O movimento cresceu, várias tropas se juntaram na Revolução e poucas
ficaram neutras ou mesmo resistiram. Assim:
Quando se esperava em Itararé um choque de grandes proporções entre as tropas
revolucionárias que vinham do Sul e as legalistas que procediam do Norte, na iminência
de uma guerra civil que colocava em risco as oligarquias, um golpe militar derrubou
Washington Luís e foi formada uma Junta Pacificadora, composta pelos generais Tasso
Fragoso, Mena Barreto e o almirante Isaías Noronha.
Vargas e os tenentes marcharam gloriosamente sobre o Rio de Janeiro e, a 3 de
novembro de 1930, a Junta Pacificadora entregou-lhe o poder.
A Revolução de 1930 mudou os rumos da nossa história política, pois aniquilou as
velhas instituições políticas da República Velha, e a Era de Vargas (1930-1945), que
nasceu com a Revolução, foi o período em que se criaram as bases de um Brasil
moderno, vigoroso e mais capacitado para se compor nos quadros da política
internacional. (Silva; Bastos, 1983 pps.251-252)
Getúlio Vargas foi o líder da revolução. Após assumir o governo,
conquistou muito prestígio e aos poucos foi conquistando cada vez mais um
poder pessoal e governou até o ano de 1945.
O governo de Vargas contou com o apoio de poderosos militares, que
foram compensados com altos cargos e ministérios.
A crise capitalista de 1929 fez com que os países imperialistas
repassassem às nações agrárias políticas de redução de empréstimos e
sobretaxas paras as importações. Assim, os países mais pobres sofreram
também as conseqüências da crise capitalista. No Brasil, que tinha como base
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da economia o café, houve uma grande crise e superprodução, além disso, o
preço caiu consideravelmente.
Para evitar um colapso maior, que interferisse em outros mercados, o
governo cria um departamento chamado de Conselho Nacional do Café, onde
foi tomada a decisão de destruir as sacas de café estocadas. Assim,
De 1931 a 1944, foram queimadas ou jogadas ao mar, aproximadamente, 80 milhões
de sacas. Proibiram-se novas plantações por um prazo de três anos e reduziram-se as
despesas de produção através da redução dos salários e dos débitos dos fazendeiros
em 50%.
Por ter perdido o poder político e pelo fato de ter de se submeter às decisões
econômicas do governo federal, as oligarquias cafeeiras se opuseram à política agrária
de Vargas.(Silva, Bastos, 1983, p 259)
Vargas aumentava cada vez mais seu poder pessoal com o apoio de
uma parte dos militares, que não queriam eleições, pois acreditavam que essas
trariam a possibilidade da volta das oligarquias tradicionais. Mas,
Do outro lado, os constitucionais liberais defendiam as eleições urgentes.
Vargas manobrava inteligentemente os dois grupos. Ora fazendo concessões aos
tenentes, permitindo-lhes uma influencia política, como João Alberto, nomeado
interventor em São Palo, ora acenando com eleições, como a publicação do Código
Eleitoral de fevereiro de 1932 e o decreto de 15 de março, que marcava para 3 de maio
de 1933 as eleições para uma Assembléia Constituinte. (Silva; Bastos, 1983, pps.259-
260)
Vimos que Vargas assumiu o poder no dia 03 de novembro de 1930 e
em 11 de novembro passou a ter direitos de poderes Executivos e Legislativos
até uma nova Constituição. Assim, governou até 1934.
No ano de 1932 começa, portanto, movimento para a
reconstitucionalização do país que se inicia em São Paulo. Vários grupos
pediam uma constituição, dentre eles a aristocracia paulista, que derrotada na
Revolução de 1930 desejava retornar ao poder.
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Na data de 23 de maio de 1932, uma reação contra um grupo de
estudantes (Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo) resulta em suas mortes.
Assim, suas iniciais formaram a sigla revolucionária: MMDC. Em 9 de julho de
1932 a revolução armada eclodiu, mas São Paulo, mesmo com o apoio de
Minas Gerais e Rio Grande do Sul, perde suas forças e se rende às forças
federais.
Embora derrotado no campo militar, a revolução foi importante para a
promoção de eleições para Assembléia Constituinte, que foi responsável pela
Constituição de 1934, promulgada em 16 de julho.
A constituição estabelecia entre outros, regime presidencial e federativo;
voto secreto e feminino, pela primeira vez; ensino primário gratuito e
obrigatório; três poderes: Executivo, Judiciário e Legislativo; obrigação às
empresas estrangeiras de manterem, no mínimo, dois terços de empregados
brasileiros. (Cf. Silva; Bastos, 1983 pps.251-252)
2.3 Cultura e sociedade no início do século XX
Com o término da primeira guerra (1918), aumentou a procura por uma
identidade nacional brasileira, pois até então, geralmente tudo o que era
considerado bom, vinha dos modelos europeus, mas com a guerra, a visão que
se tem da Europa é de decadência e a América é então a nova civilização.
Procura-se, nesse aspecto, trazer uma identidade autenticamente brasileira à
nação, que será buscada no interior do país:
[...] No fim da década de 1910 prospera uma literatura regionalista que se
dedica à vida rural e à cultura caipira paulista. Monteiro Lobato foi um dos mais
importantes autores que se ocuparam com a questão do verdadeiro brasileiro,
o homem do interior. Criara o personagem Jeca Tatu como símbolo do atraso
das populações do interior, mas ele próprio se assume como jeca e passa a
lutar pela recuperação dos valores rurais e regionais do país. (Ferreira;
Delgado, 2007, p.327)
19
Essa busca pelo novo e, sobretudo pela identidade nacional é também o
que move muitos artistas da época. Em São Paulo, no ano de 1922 foi
realizada a Semana de Arte moderna que teve inspiração européia, mas nas
novas tendências, diferente do que já se tinha produzido em artes, no Brasil,
até então. Procurava-se novas experiências, novas tendências.
Também na literatura, especialmente a partir da década de 1930 vários
autores escreveram sobre o nosso país, muitas vezes através da
regionalidade. Houve um grande aumento no número de editoras, revistas,
livros e publicações de grande valor Assim, o Brasil era contado e recontado,
era também redescoberto. Sobre o sucesso do universo literário da época,
temos o exemplo de várias editoras, por exemplo, a editora José Olympio, que
de acordo com Ferreira e Delgado, opta por publicar literatura nacional. Ainda
sobre a editora e sua publicações, os autores seguem:
Desde 1934 essa editora muda-se de São Paulo para o Rio de Janeiro, onde
passa a ficar próximo aos autores nordestinos que ali viviam e também do
poder central. Veio a se tornar o maior editor nacional, publicando todos os
escritores importantes de seu tempo, à exceção de Érico Veríssimo, que
continuou sendo publicado pela Editora Globo, de Porto Alegre. Vários autores
deixam outras editoras e vão para a José Olympio, onde passam a desfrutar da
consagração que a editora confere. Em 1935, edita Jubiabá, de Jorge Amado,
além de autor da casa, também trabalha na editora, entre 1934 e 1936, como
gerente de propaganda. Em 1938 sai a primeira edição de Vidas Secas, de
Graciliano Ramos. Para dimensionar o prestígio da editora pode-se mencionar
que, em 1939, todos os principais prêmios literários do Brasil foram ganhos por
autores publicados pela José Olympio.” (Ferreira; Delgado, 2007, p. 332)
O cinema chega ao Brasil e tem muita força. Recebe um grande público
que no início assistia a documentários e ao cinema mudo. Já no final da
década de 1920, o Brasil passa a exibir filmes nacionais, falado em português.
Interessante notar que na época, a exibição de filmes mudos contava
20
também com a participação ao vivo de músicos. Era, por assim dizer, um duplo
espetáculo e garantia emprego a muitos músicos que animavam as sessões.
Na mesma linha de procura por identidade nacional, o rádio se consolida
no país e muitas vezes o governo o utiliza como meio de propaganda. O rádio
foi introduzido no Brasil no ano de 1922 e é um grande meio de comunicação
de massa, aliás e sua importância cresce nas próximas décadas:
A importância da Rádio Nacional, que continua crescente nas décadas de 1940
e 1950, pode ser avaliada por ter sido ela a escolhida para a transmissão do
Repórter Esso, iniciada em agosto de 1941. A agência de publicidade McCann-
Erickson foi contratada pela multinacional de petróleo Standard Oil para
produzir esse programa de radio jornalismo no Brasil, que, mais tarde, passou
a ser transmitido também em ondas curtas. Seguindo os padrões do radio
jornalismo norte-americano, o Repórter Esso tinha quatro emissões diárias,
com cinco minutos de duração, e teve como marca registrada os slogans: “O
primeiro a dar as últimas” e “Testemunha ocular da história”. O rigor com a hora
de transmissão e com a duração criaram a fama de que esse noticiário permitia
que as pessoas acertassem por ele seus relógios. O programa e a voz de seu
locutor passavam segurança e otimismo mesmo no mundo inseguro e
apreensivo da guerra. (Ferreira, Delgado, 2007, p. 341)
Em se tratando de esportes, o futebol, esporte mais popular do Brasil
atualmente, já começava a despontar como um esporte popular desde o início
do século XX, como vemos a seguir.
A partir da segunda metade da década de 10, no século XX, e ao longo da
década de 20, o futebol começa a ganhar fama de esporte popular dentre as
classes mais baixas e torna-se hábito cotidiano. Torcer e praticar o esporte
eram práticas iguais, ao contrário das corridas de cavalo ou do remo, esportes
com os quais o espectador vibrava, mas não encontrava meios de praticá-lo no
dia-a-dia.
Essa mudança gradual é detectada nesse período (10-20) através da
construção de estádios de futebol com grande capacidade de público, do
aumento numérico dos campos de várzea nos subúrbios das cidades, da
incrível quantidade de times espalhados pelos bairros cariocas e paulistas e,
culminando esse processo, da incorporação quase forçada nos times da cidade
21
de jogadores oriundos das populações pobres em geral. Times como os
Corinthians (fundado por populares em 1910), o Bangu e o Vasco da Gama
(formando o primeiro time vitorioso do Rio com um elenco de jogadores negros,
mulatos e de baixa renda em geral) já se destacavam na democratização do
esporte”. (Silva; Santos, 2006. pps. 28-29)
Interessante notar que o trecho também aponta outros esportes como
populares na época, como o remo e as corridas de cavalo.
Também é bom que se destaque que o boxe era muito popular no início
do século XX, assim como também começava a despontar o automobilismo,
como nos conta em seu livro Anarquistas, Graças a Deus, a autora Zélia Gattai.
Sobre educação, podemos destacar que a autora Zélia Gattai freqüentou
a escola primária, na década de 1920. Porém, a escola era privilégio de poucos
ainda, na época. E ela chega a comentar um episódio em que com muito
sacrifício conseguiu uma bolsa para continuar seus estudos, pois sua família
não teria condições de pagar um estudo secundário, um luxo, na época.
A década de 1920 é marcada por conflitos sociais e políticos. Também
no campo da educação, é preciso reformas e renovação. Assim,
Além disso, no que se refere à educação, foram realizadas diversas reformas
de abrangência estadual, como as de Lourenço Filho, no Ceará, em 1923, a de
Anísio Teixeira, na Bahia, em 1925, a de Francisco Campos e
Mario Casassanta, em Minas, em 1927, a de Fernando de Azevedo, no Distrito
Federal (atual Rio de Janeiro), em 1928 e a de Carneiro Leão, em
Pernambuco, em 1928. (Bello, 2001)
Depois dos movimentos para promover a reforma na educação na
década de 1920, outros movimentos se seguiram nos anos posteriores, muitas
propostas foram feitas no sentido de modernizar e ampliar a oferta de
educação no país.
22
2.4 Finais da década de 1970 e início dos anos 1980: Brasil – da ditadura militar à democracia
Para conhecer melhor a obra Anarquistas, Graças a Deus, se faz
necessário contextualizar a história de nosso país nos anos tratados nesse livro
de memória, década de 1920 e início de 1930. Mas também é importante
conhecer a época em que a obra foi escrita, ou seja, o ano de 1979. Também
ampliamos a pesquisa para a década de 1980 e um pouco da década de 1990,
para uma visão mais abrangente.
Em 1979, sob a presidência de João Figueiredo, o país tem a
continuidade do processo de abertura política, que já vinha acontecendo
gradualmente. Assim a lei da anistia dava continuidade a um processo de
redemocratização, num movimento que já acontecia desde 1978:
Desse modo, gradualmente os presos políticos forma sendo libertados e os
exilados pouco a pouco puderam retornar ao país. A Lei de Anistia de 1979
serviu para dar continuidade a este processo, mas ela desagradou os
movimentos de oposição que reivindicavam uma anistia “ampla, geral e
irrestrita. (Cancian)
Conforme Cancian, havia nessa época um movimento de
democratização do país. O partido oposicionista era o MDB (movimento
democrático brasileiro) que depois se tornaria o PMDB. O partido do governo
era o ARENA (Aliança Nacional Renovadora), também extinto deu lugar ao
PDS (Partido Democrático Social). Gradualmente houve abertura para a
criação de outros partidos como PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e o PDT
(Partido Democrático Trabalhista). Já os partidos comunistas continuavam na
clandestinidade, mas surgiu como novidade o PT (Partido dos Trabalhadores),
que defendia a bandeira do socialismo e era liderado por Luis Inácio Lula da
Silva, destaque na luta sindical do ABC paulista.
23
O governo de João Figueiredo enfrentou muitas greves, inicialmente do
setor metalúrgico, no ABC paulista, mas posteriormente
Outras categorias de trabalhadores do setor industrial e do funcionalismo
público também deflagraram greves. O governo reprimiu com violência os
movimentos grevistas, principalmente dos operários do ABC paulista. Mas já
não era possível ao governo manter sob rígido controle estatal e policial os
sindicatos e impedir a reorganização da classe trabalhadora. (Cancian)
Ainda de acordo com Cancian, o processo de abertura política no país
foi um movimento marcado por conflitos e inclusive retrocessos. Havia um
grupo de militares extremistas ligados a órgãos de repressão que agiam por
conta própria, com atos terroristas, tentando assim impedir a democratização
do país. Esses militares radicais queriam assustar o povo a e oposição
governista e provocar um endurecimento do governo. Mas, o povo não se calou
e exigiu penalidade aos culpados por atentados terroristas. Assim, o autor
segue:
O ato terrorista mais grave ocorreu em abril de 1981, no Rio de Janeiro.
Antecipando uma comemoração do Dia do Trabalho, trabalhadores estavam
realizando um show no Centro de Convenções do Riocentro. Um sargento e
um capitão do Exército planejaram detonar uma bomba no local, mas um
acidente provocou a explosão da bomba quando eles ainda estavam de posse
do artefato.
O atentado do Riocentro provocou uma grave crise militar devido às pressões
das oposições para o governo investigar o caso. Figueiredo, porém, cedeu aos
interesses dos militares ao impedir que o inquérito policial aberto chegasse a
apontar os responsáveis. Não houve punições e nem mesmo investigações.
Porém, o atentado do Riocentro foi o último ato terrorista praticado por militares
radicais. O episódio ocasionou um maior desgaste e perda de legitimidade
política e social do governo e do regime. (Cancian)
24
O ano de 1979 era, portanto, um ano de transição do fim da ditadura
militar e o processo de democratização do país. Além disso, com as
concessões de anistia (mesmo com suas restrições), muitas pessoas puderam
voltar ao país.
Nesse cenário encontra-se a autora Zélia Gattai, frente a sua primeira
produção literária, depois de ter assessorado em muito o já consagrado autor e
seu companheiro, Jorge Amado.
O regime da ditadura militar no Brasil começava a perder suas forças no
final da década de 1970. Mas o fim dessa forma de governo foi um processo
que levou alguns anos para acontecer e deixou marcas no povo brasileiro, pois
foi um regime muito duro e mais do que isso, de grande opressão, que não
aceitava opinião diversa, excluía assim, qualquer possibilidade de liberdade de
expressão, por exemplo.
Porém, ao extinguir-se o bipartidarismo, novos partidos puderam se
organizar e já desgastada a ditadura militar vai enfraquecendo.
Em 1980 o governo autoriza as eleições diretas para governadores de
estado. Em 1983 inicia-se o movimento das Diretas Já, onde o povo pedia as
eleições diretas também para Presidente da República, a se realizar em 1985.
O início dessa campanha acontece quando na época, o deputado federal
Dante de Oliveira apresenta uma emenda propondo as eleições diretas para
presidente.
O Movimento Diretas Já então, mobiliza diversos setores da sociedade,
como organizações estudantis, entidades sindicais, artistas, entre outros e
mesmo com grande envolvimento popular, a emenda não consegue os votos
necessários na Câmara, ou seja, 2/3 do total de votos. Dessa maneira:
(...) Em 1985, dois candidatos disputaram a Presidência da república no
Colégio Eleitoral: o PDS apresentou Paulo Maluf como seu candidato ao
cargo; seu oponente era Tancredo Neves, do PMDB. Na chapa de Tancredo,
concorrendo ao cargo de vice-presidente, estava José Sarney. Tancredo
venceu, mas não pode assumir o cargo porque ficou doente e morreu. Assim, o
primeiro presidente civil a assumir o Estado brasileiro desde a deposição de
João Goulart, em 1964, foi José Sarney. (Petta, 2005, p.318)
25
Como podemos observar, a década de 1980 foi muito importante, com
grandes conquistas, como a democracia do Brasil. Além disso, em 05 de
outubro de 1988 foi promulgada a constituição brasileira, que substituía a então
realizada no governo militar e que garantia direitos abrangentes, inclusive aos
mais pobres. Se bem que a igualdade de direitos determinada na constituição
nem sempre é praticada e existe ainda um abismo social muito grande no país.
2.5 A década de 1990 – novas mudanças
Não é exagero afirmar que junto com a democracia, especialmente a
conquista do direito ao voto, existe também o crescimento da responsabilidade
dos cidadãos de uma nação. Com o Brasil não foi diferente. É na década de
1990 que os brasileiros elegem diretamente o presidente da República.
Também não é exagero dizer que cidadania também é uma aprendizagem, que
exige exercício. Assim, o povo brasileiro vai aprendendo (ou não) a escolher
seus representantes para governar o país, ou seja, aprendendo a votar.
Em 1989 o povo elege para presidente Fernando Collor de Melo, com
promessas como a de acabar com a corrupção e trazer desenvolvimento para
o país. Logo depois de tomar posse, Collor anuncia medidas econômicas
drásticas, como o confisco provisório por dezoito meses, de poupanças e
também criou uma nova moeda, com o propósito de acabar com a inflação. O
povo, no entanto, pagou um preço alto com tais medidas:
O maior prejuízo, porém, veio do abandono da taxa inflacionária que deveria
reajustar os salários. Ao desprezar a inflação do mês anterior ao lançamento
do plano e congelar os salários pelo que eles valiam trinta dias antes, o
governo Collor confiscou cerca de 80% do valor dos salários e a pressão
econômica pesou para as classes de baixa renda. Além disso, avolumavam-se
as denúncias de corrupção envolvendo colaboradores de confiança do
presidente. A sociedade começou a se mostrar insatisteita com a gestão de
Fernando Collor de Mello. (Petta, 2005, p.330)
26
Com a grande insatisfação da maioria da população do Brasil, Fernando
Collor é pressionado a deixar o governo e renuncia ao seu mandato. Mas o
processo de impeachment havia sido votado no Senado Federal um dia antes e
dessa forma a votação continuou mesmo após a renúncia do presidente e o
impeachment (impedimento), foi aprovado mesmo assim. Após esses
acontecimentos, Itamar Franco, o então vice-presidente, assume o governo do
país.
O então ministro da Fazendo Fernando Henrique Cardoso foi
responsável durante o governo de Itamar Franco, pelo plano Real, um plano
econômico que conseguiu estabilizar a moeda nacional. Por esse grande feito,
Fernando Henrique Cardoso é eleito presidente da República, em 1994. Com a
aprovação, durante o seu mandato de uma lei que permitisse sua reeleição,
ganha novamente a disputa para a presidência e permanece no comando do
Brasil por oito anos (1995-2002)
O governo de Fernando Henrique teve as marcas do neoliberalismo,
com muitas privatizações de estatais. Mas, tal medida afeta diretamente a
população, pois
A política econômica neoliberal pretende que o mercado volte a ser governado
por suas próprias leis, sem a intervenção do Estado. Todavia, em países
pobres como o Brasil, em que o trabalho é uma mercadoria desvalorizada, os
trabalhadores tem pouca força política para lutar por melhores salários nesses
mercado livre. As altas taxas de desemprego agravam essa situação, tornando
o preço do trabalho ainda mais baixo. (Petta, 2005, p.331)
O segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso sofre com a
desvalorização do real e com grandes crises econômicas e desempregos. Seu
principal opositor no governo, Luís Inácio Lula da Silva, vence as eleições para
presidente da República, em 2002, sua quarta tentativa de ocupar esse cargo.
27
CAPÍTULO III
A RELEITURA DE ANARQUISTAS GRAÇAS A DEUS, SOB O OLHAR DO GÊNERO MEMÓRIAS LITERÁRIAS
Nossa pesquisa se pauta em estudar os gêneros, sobretudo memórias
literárias, para à partir desse estudo realizar uma releitura da obra Anarquistas
Graças a Deus, de Zélia Gattai.
Expomos nossos estudos sobre gêneros no capítulo I e no presente
capítulo iremos abordar alguns trechos do livro e compará-lo ou analisá-lo de
acordo com as características do gênero memórias literárias. Por exemplo:
A viagem da família Gattai começara, em realidade, dois anos antes de
embarcarem no “Citá di Roma”, em Gênova. Meu avô tivera a oportunidade de
ler um livreto intitulado: “I Comune in Riva al Maré”, escrito por um certo Dr.
Giovanni Rossi – que assinava com o pseudônimo de Cárdias - , misto de
cientista, botânico e músico. No folheto que tanto fascinara meu avô, Cárdias
idealizava a fundação de uma “Colônia Socialista Experimental”, num país da
América Latina – não especificava qual - , uma sociedade sem leis, sem
religião, sem propriedade privada, onde a família fosse constituída de forma
mais humana, assegurando às mulheres os mesmos direitos civis e políticos
que aos homens. (Gattai, 1979, p. 151)
Neste trecho, por exemplo, os verbos - tivera, assinava, fascinara,
especificava fosse – exprimem a idéia de passado, de algo acontecido, típico
do gênero.
Outro trecho que caracteriza o livro como um gênero memória literária é:
Era difícil a papai explicar detalhes de fatos que ele mesmo ignorava. Titio
Guerrando, que viveu esses episódios e ainda se lembrava de muita coisa,
também pouco sabia sobre os motivos que levaram ao fracasso da experiência.
(...) Havia ainda a versão anticlerical de tio Guerrando: ele contava que, bem
próximo à “Colônia” fora construída uma igreja católica com o objetivo exclusivo
de hostilizar e boicotar os anarquistas, e que, já na época da colheita, o padre
28
vizinho soltou suas vacas, que rapidamente destruíram todas as plantações,
liquidando assim a última esperança dos remanescentes da “Colônia Cecília”.
(Gattai, 1979, p. 159)
No trecho acima também podemos notar os verbos no passado e a
caracterização de uma história contada através da memória.
Ainda sobre esse gênero as autoras Anna Helena Altenfelder e Regina
Andrade Clara colocam a questão da necessidade do escritor escrever suas
memórias de forma poética, literária. Nesse ponto, podemos destacar a
maneira poética com que Zélia narra sua história. Tal perspectiva pode ser
observada durante toda a leitura, pois existe um cuidado literário muito grande.
Para ressaltar o cuidado com a narrativa literária, podemos destacar o trecho
abaixo:
A Alameda Santos, vizinha pobre da Paulista, herdava tudo aquilo que pudesse
comprometer o conforto e o status dos habitantes da outra, da vizinha famosa.
Os enterros, salvo raras exceções, jamais passavam pela Avenida Paulista.
Eram desviados para a Alameda Santos, nela desfilavam todos os cortejos
fúnebres que se dirigiam ao Cemitério do Araçá, não muito distante dali. Rodas
de carroças e patas de burros jamais tocaram no bem cuidado calçamento da
Paulista. Tudo pela Alameda Santos! Nem as carrocinhas da entrega do pão,
nem os burros da entrega do leite, com seus enormes latões pendurados em
cangalhas, um de cada lado, passando pela manhã muito cedo, tinham
permissão de transitar pela Avenida. (Gattai, 1979, p. 43)
Apesar de ser o primeiro livro de Zélia Gattai, ela se preocupou em
escrever de forma bela, poética, encontramos narrativas dessa natureza em
todo o livro, o que faz dessa obra uma leitura muito prazerosa, ao mesmo
tempo em que nos revela a história de nossa cidade, especialmente nas
décadas de 1920 e início de 1930.
29
Assim, sem se descuidar da forma literária, a autora narra como eram
alguns lugares de São Paulo nessa época. Sua escrita é típica do gênero
memórias literárias, com muita poesia, além de marcas como verbos no
passado:
Naquela manhã, os dois sumiram para os lados das “Águas Férreas”, lugar
deserto, perigoso – transformados mais tarde, muitos anos mais tarde, no
elegante bairro do Pacaembu. Atrações desses ermos eram a caça e uma
fonte de água cristalina que dava o nome ao lugar (...). Tanto as “Águas
Férreas” quanto a “Várzea” – localizadas em direções opostas, ambas nas
imediações de minha casa[...]
A “Várzea” era um pantanal deserto – hoje Jardim América -, reduto de
marginais perigosos. (Gattai, 1979 p. 122)
Dessa maneira, pudemos conhecer através de quem viveu essa época,
como era diferente a menos de cem anos atrás, o que viria a ser tornar hoje o
nobre bairro chamado Jardim América.
Dessa forma, é possível perceber as mudanças através dos tempos,
outra marca desse gênero literário. Especialmente em se tratando de uma
cidade como São Paulo que cresceu e se expandiu tão rapidamente no século
XX, ler essas memórias literárias traz uma visão da rapidez de muitas
mudanças ocorridas na cidade.
Em outro trecho, a autora relata como era o cinema, na época. Era uma
nova tecnologia, mas que já estava se tornando muito popular
O conjunto musical que acompanhava a exibição dos filmes compunha-se de
três figuras : piano, violino e flauta. Ano entra, ano sai, o repertorio dos músicos
era sempre o mesmo. Os primeiros acordes do piano, do violino ou da flauta
anunciavam ao publico o gênero da fita a começar. Ninguém se enganava. As
sessões eram iniciadas com um documentário ou o natural, como era chamado
por todos, que mostrava os acontecimentos relevantes da semana. Nós,
crianças, detestávamos o tal natural e, quando terminava, gritávamos em coro,
numa só voz, num imenso suspiro de alívio: "Graças a Deus". Em geral, logo
em seguida vinha a fita cômica. (Gattai, 1979, pps. 24 /25)
30
Embora de maneira diversa, o cinema ainda é uma atração muito
popular. Fazer essa leitura e perceber semelhanças e diferenças entre o
presente e o passado é uma boa forma de conhecer a história e de se perceber
no mundo.
No livro há capítulos sobre transporte e os meios de se viajar pela São
Paulo antiga, como no trecho abaixo:
[...]A volta era penosa. Cansada de tanto correr, tinha que ficar de pé no bonde,
assim não pagaria passagem. Mesmo que houvesse lugar no banco, mamãe
me punha sentada em seu colo ou mantinha-me de pé, caso o colo estivesse
ocupado com sacolas e embrulhos, o que não era raro. Não queria desperdiçar
dinheiro. Assim, até meus sete anos, nunca senti o contato da madeira
envernizada dos bancos dos bondes para não pesar no orçamento dos
transportes..(Gattai, 1979, pps. 39/40)
Neste trecho cabe levantar as diferenças dos bancos, que antigamente
eram de madeira, além do próprio transporte que ao invés do ônibus eram
bondes. Mas outros aspectos podem ser identificados como a criança que não
senta no banco para não pagar passagem. Até hoje algumas famílias viajam
ainda dessa forma, por questão de economia.
Em outro trecho do livro a autora nos conta sobre os esportes mais
conhecidos na época. Nesse aspecto cabe ressaltar que o futebol estava
começando a se popularizar. O automobilismo ganhava força. Mas o esporte
popular era o boxe. Também cabe a comparação com o presente onde a luta
ganha cada vez mais adeptos e se populariza com rapidez. Vale lembrar que
essa popularidade já ocorreu no Brasil. Assim,
O futebol ganhava importância. Repetíamos os nomes dos jogadores mais
conhecidos: Friencerenreich, Atiê, Bartô, Feitiço, Ministrinho, novos ídolos da
juventude[...] No Brás, os meninos de tia Margarida cantavam: “Juiz apita/ a
linha avança/ é o beque que não dá confiança...”
31
O box andava em pauta. Os jornais anunciavam a chegada de conhecido
boxeaur italiano, Erminio Spalla, famoso campeão europeu. Viria defrontar-se
com Benedito dos Santos, soldado da Guarda Civil de São Paulo, jovem e
promissor boxeaur porém de pouca experiência, pois participara apenas de
cinco lutas. O encontro seria no Estádio do “Palestra Itália”. Os bilhetes de
entrada foram vendidos rapidamente, as paredes da cidades, forradas de
cartazes, anunciavam a peleja [...]. (Gattai, 1979, pps.214/215).
É bom que se coloque as várias possibilidades de trabalho a partir da
leitura desta obra. Anarquistas Graças a Deus retrata a São Paulo do início do
século XX, especialmente as décadas de 1920 e 1930. É possível, em especial
perceber a cidade, seus bairros, costumes, como era a infância, a educação,
os entretenimentos, os transportes, além do cotidiano de uma família
anarquista. Mas é sempre bom lembrar que uma obra do gênero memória
literária é também permeada pela subjetividade de quem escreve. É também
por esse fato que uma obra desse gênero possui a beleza da poesia.
Em se tratando de uma proposta de ensino, cabe sempre essa ressalva,
a de que o gênero memória literária não é como um relato jornalístico, ou que
procura se apresentar como imparcial. Em um livro de memórias encontramos
também a emoção do autor, nesse caso, da autora. Então, se houver proposta
de uma análise científica de determinado fato ou aspecto, cabe também a
consulta de outras fontes. De maneira semelhante, o estudo do contexto
histórico auxilia para uma melhor compreensão da época retratada na obra.
3.1 Zélia Gattai – Vida e Obra
Para compreender melhor uma obra é preciso além de estudar seu
contexto histórico, conhecer a pessoa que a escreve e na medida do possível,
quais foram as motivações que a levaram a escrever.
Dessa forma, trouxemos a biografia de Zélia Gattai.
32
Descendente de imigrantes italianos, Zélia Gattai nasceu e cresceu na cidade de São
Paulo. Nas três primeiras décadas do século 20, a capital paulista sofria forte influência
da imigração europeia, especialmente a italiana. Italianos e espanhóis constituíam a
maior parte da mão de obra que atuava na cidade, que experimentava seu primeiro
surto de industrialização. Além do trabalho, esses imigrantes deram origem a um
movimento operário, influenciado por ideias socialistas e anarquistas.
Ainda jovem Zélia participou do movimento anarquista, juntamente com membros de
sua família. Aos 20 anos, ela se casou com Aldo Veiga, intelectual e militante
comunista, com quem teve um filho em 1942. No entanto, três anos mais tarde, já
separada de Aldo, conheceu o escritor baiano Jorge Amado, por quem se apaixonou.
Os dois se casaram e o relacionamento se estendeu até a morte do escritor, em 2001.
Jorge Amado também desenvolvia militância política, sendo membro do Partido
Comunista Brasileiro. Assim, ele e Zélia se conheceram na prática militante, quando os
dois trabalhavam pela anistia dos presos políticos, em 1945, no fim do Estado Novo. A
partir de então, Zélia passou a secretariar o trabalho do marido, cuidando da
preparação e da revisão dos originais de seus livros.
Em 1946, com o fim da ditadura de Getúlio Vargas e a restauração da democracia,
Jorge Amado elegeu-se deputado federal e o casal mudou-se para o Rio de Janeiro,
então a capital do país e sede do Congresso Nacional. Porém, um ano depois, o
Partido Comunista foi declarado ilegal, Amado não só perdeu o mandato, como teve
que exilar-se em Paris, juntamente com a família. Permaneceu na França três anos.
Durante esse período, Zélia fez cursos universitários na Sorbonne (civilização francesa,
fonética e língua francesa). Entre 1950 e 1952, a família viveu na Tchecoslováquia. Lá,
Zélia começou a fotografar, documentando momentos significativos da vida e da
carreira do escritor baiano. Durante sua permanência na Europa, o casal teve contato
com outras personalidades de destaque no panorama internacional da cultura, como o
poeta Pablo Neruda, o filósofo Jean-Paul Sartre e o pintor Pablo Picasso.
Jorge Amado e Zélia Gattai retornaram ao Brasil ainda em 1952, estabelecendo-se no
Rio de Janeiro. Em 1963, fixaram residência em Salvador, na Bahia. Neste ano, Zélia
lançou "Reportagem Incompleta", uma foto biografia do marido.
A escritora teve um filho do primeiro casamento e um casal do segundo.
Entretanto, Zélia Gattai se tornaria conhecida de um público mais amplo aos 63 anos,
com a publicação de "Anarquistas, Graças a Deus", livro de memórias que recebeu o
Prêmio Paulista de Revelação Literária de 1979 e foi adaptada para a TV em 1982,
numa minissérie dirigida por Walter Avancini.
No dia 6 de agosto de 2001, Jorge Amado morreu. No mesmo ano, Zélia foi eleita para
33
a Academia Brasileira de Letras, para a cadeira 23, anteriormente ocupada por seu
marido, numa eleição controversa. Houve quem a considerasse mais uma homenagem
ao escritor do que propriamente mérito literário de sua viúva.
De qualquer modo, a carreira literária de Zélia Gattai não parou no primeiro livro. A
escritora lançou ainda "Um Chapéu para Viagem", 1982 (memórias); "Jardim de
Inverno", 1988 (memórias); "Pipistrelo das Mil Cores", 1989 (infantil); "Crônica de uma
Namorada", 1995 (romance); "A Casa do Rio Vermelho", 1999 (memórias); "Vacina de
Sapo e Outras Lembranças", 2005 (memórias). Alguns desses livros foram traduzidos
para o francês, o italiano, o espanhol, o alemão e o russo.
Em 31 de março de 2008, a escritora foi internada com dores abdominais no Hospital
Aliança, em Salvador. A situação de Zélia se agravou e no dia 17 de abril a escritora foi
transferida para o Hospital da Bahia, onde passou por uma cirurgia de desobstrução do
intestino. Ao longo do procedimento, foi confirmada a existência de um tumor benigno,
que foi retirado.
Em 16 de maio desse ano, o estado de saúde da escritora, que respirava com a ajuda
de aparelhos, se agravou, com "piora hemodinâmica progressiva que evoluiu para o
quadro clínico de choque", além de "piora significativa da função renal", segundo o
boletim assinado pelos médicos Jadelson Andrade, Jorge Pereira e Izio Kowes, do
Hospital da Bahia. Segundo boletim divulgado na manhã do dia seguinte, Zélia,
sedada, apresentava quadro clinico de choque circulatório irreversível. Ao final da
tarde, foi divulgada sua morte. (http://educacao.uol.com.br/biografias/zelia-gattai.jhtm)
3.1.1 As motivações para escrever Anarquistas, Graças a Deus
Temos visto, através de um vídeo gravado por Zélia, que a motivação foi
primeiramente por solicitação de sua filha, que a ouvia contar as histórias de
sua infância e pediu para a mãe escrever a história da “serenata de Scheuber”,
pois gostaria de deixá-la registrada para mostrar as suas filhas. Inclusive a
autora disse que não sabia escrever e sua filha respondeu: quem sabe contar,
sabe escrever. E Zélia, como ela mesma relata no vídeo, era uma contadora de
histórias, cresceu ouvindo histórias de seus pais e avós. Então, para atender a
filha, ela escreveu esse episódio da infância, sobre a sereneta de Scheuber,
34
apenas uma das tantas histórias de sua meninice e disse que essa produção
que ela pensava escrever em duas páginas já estava com quinze e nem na
metade do que ela queria contar.
Assim, ela até se assustou com a quantidade que escreveu e mostrou o
texto para Jorge Amado, que a incentivou a escrever mais e publicar um livro
de memórias de sua infância. E foi o que ela fez, escreveu o livro, se espantou
e até se envergonhou de ter produzido um livro. Essas são declarações da
própria autora, disponível em um vídeo, na página da fundação Casa de Jorge
Amado, na internet.
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CONCLUSÃO
A literatura traz consigo uma visão de mundo, a visão de quem escreve.
Muitas obras são relatos de vida que irão nos revelar em maior ou menor grau
detalhes de um tempo histórico, o tempo em que o autor viveu. Em uma
narrativa podemos encontrar elementos muito ricos que podem nos mostrar
costumes, crenças, política, modos de vida, etc. de determinada época.
Assim, podemos ampliar a visão de mundo, pois percebemos que as
mudanças são processuais, não tem dia e horário para acontecer e muito
menos são feitas por heróis. Ao mesmo tempo em que temos o prazer da
leitura, pois a literatura tem a característica da ludicidade.
Escolhemos a obra “Anarquistas, Graças a Deus”, de Zélia Gattai, para
mostrar a possibilidade de trabalhar diversos temas em sala de aula – que
retratam a São Paulo do início do século XX - a partir dessa obra literária. Para
contextualizar, começamos com uma introdução do contexto histórico da época
retratada, início do século XX e também do momento em que a autora resolve
escrever esse livro de memórias publicado pela primeira vez no ano de 1979,
além de uma pesquisa do contexto histórico do Brasil nas décadas de 1980 e
1990. Também, para ampliar nosso conhecimento sobre o movimento
anarquista e até mesmo para dar ainda mais veracidade a obra de Zélia Gattai,
buscamos outras fontes, científicas, a respeito dos anarquistas e seu
movimento, especialmente no Brasil. Tal pesquisa veio de encontro às
memórias de Zélia, tão bem descritas no livro, em relação ao movimento
anarquista.
Após realizarmos a contextualização histórica e a pesquisa sobre o
gênero memória literária, pudemos ter uma visão mais ampla da obra. Depois,
em uma releitura conseguimos identificar pontos e aspectos que também foram
apontados na pesquisa sobre a história do Brasil e sobre o gênero literário.
Dessa maneira, entrelaçar as pesquisas foi de grande contribuição para
uma melhor compreensão da obra e também para vislumbrar novas
possibilidades de trabalho a partir do gênero memória literária.
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