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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 2653 INTELECTUAIS, IDÉIAS E SUJEITOS: UM ESBOÇO DO ITINERÁRIO INTELECTUAL DE CARRINGTON DA COSTA E A ESCOLA NOVA Jean Carlo de Carvalho Costa 1 Mucho me agradaria tener um conocimeniento más perfecto de lãs cosas, mas no quiero compralo a cualquier precio. Mi pryecto ES pasar dulcemente, que no laboriosamente, lo que me queda de vida. Nada hay que quiera romperme La cabeza, ni siquiera por el saber, cualquiera que sea su valor. Em los libros solo busco deleitarme mediante sano entretenimiento; o si estudio, solo busco com ello el saber que trata del conocimiento de mi mismo, y que pued instruirme para bien morir y bien vivir (MONTAIGNE, 2015, p. 114-115) As relações entre História e Educação não são recentes e se encontram nas próprias mudanças e procedimentos que instituíram a nossa primeira modernidade (MAGALHÃES, 2016). Ainda que se perceba, na literatura, esforço, por vezes, tímido, para enfrentar esse problema na modernidade e talvez nos auxiliar na compreensão desse encontro e, a partir daí, nos conduzir a um entendimento mais profícuo sobre as aproximações entre ambas, esse tem nos permitido aprender a distinguir exercícios particulares e localizados de investigação e esboços de objetivação de experiências educacionais mais amplas, porém, que, em certos momentos de observação da escrita da Educação, parece nos distanciar da reflexão mais densa e substanciosa sobre a constituição de uma área ou forma de pensamento muito particular e recente na modernidade que é a História da Educação. Abordar esse problema a partir de um sujeito em particular, ainda que pareça um exercício localizado de investigação, cujo centro é um indivíduo, é, na verdade, uma oportunidade percebida, em função de sua trajetória singular, de ensino e de investigação, de estabelecer não apenas aproximações entre universos relativamente distintos, Brasil e Portugal, mas também de introduzir em nossa literatura um conjunto de elementos importantes para apreender como aspectos do ideário da Escola Nova são assimilados e de certo modo até mesmo redefinidos por esse sujeito. 1 Professor Associado III da Universidade Federal da Paraíba. É professor pesquisador do Programa de Pós- Graduação em Educação (Centro de Educação) na Universidade Federal da Paraíba na Linha de História da Educação. Desenvolve pesquisas sobre História Intelectual e dos Intelectuais, História dos Conceitos e as suas interfaces com a História da Educação e as Ideias Educacionais.

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ISSN 2236-1855 2653

INTELECTUAIS, IDÉIAS E SUJEITOS: UM ESBOÇO DO ITINERÁRIO INTELECTUAL DE

CARRINGTON DA COSTA E A ESCOLA NOVA

Jean Carlo de Carvalho Costa1

Mucho me agradaria tener um conocimeniento más perfecto de lãs cosas, mas no quiero compralo a cualquier precio. Mi pryecto ES pasar dulcemente, que no laboriosamente, lo que me queda de vida. Nada hay que quiera romperme La cabeza, ni siquiera por el saber, cualquiera que sea su valor. Em los libros solo busco deleitarme mediante sano entretenimiento; o si estudio, solo busco com ello el saber que trata del conocimiento de mi mismo, y que pued instruirme para bien morir y bien vivir (MONTAIGNE, 2015, p. 114-115)

As relações entre História e Educação não são recentes e se encontram nas próprias

mudanças e procedimentos que instituíram a nossa primeira modernidade (MAGALHÃES,

2016). Ainda que se perceba, na literatura, esforço, por vezes, tímido, para enfrentar esse

problema na modernidade e talvez nos auxiliar na compreensão desse encontro e, a partir

daí, nos conduzir a um entendimento mais profícuo sobre as aproximações entre ambas, esse

tem nos permitido aprender a distinguir exercícios particulares e localizados de investigação

e esboços de objetivação de experiências educacionais mais amplas, porém, que, em certos

momentos de observação da escrita da Educação, parece nos distanciar da reflexão mais

densa e substanciosa sobre a constituição de uma área ou forma de pensamento muito

particular e recente na modernidade que é a História da Educação. Abordar esse problema a

partir de um sujeito em particular, ainda que pareça um exercício localizado de investigação,

cujo centro é um indivíduo, é, na verdade, uma oportunidade percebida, em função de sua

trajetória singular, de ensino e de investigação, de estabelecer não apenas aproximações

entre universos relativamente distintos, Brasil e Portugal, mas também de introduzir em

nossa literatura um conjunto de elementos importantes para apreender como aspectos do

ideário da Escola Nova são assimilados e de certo modo até mesmo redefinidos por esse

sujeito.

1 Professor Associado III da Universidade Federal da Paraíba. É professor pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação (Centro de Educação) na Universidade Federal da Paraíba na Linha de História da Educação. Desenvolve pesquisas sobre História Intelectual e dos Intelectuais, História dos Conceitos e as suas interfaces com a História da Educação e as Ideias Educacionais.

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Essa intervenção, nesse sentido, é uma possibilidade de reflexão, a partir de um sujeito

em particular, sobre elementos muitíssimo singulares que nos permitem compreender uma

faceta da História da Educação que envolve um esforço de articulação entre áreas

aparentemente distintas como, por exemplo, Psicologia, Medicina, Psiquiatria, Psicanálise,

Matemática e a Cibernética. Como ver-se-á mais adiante, a trajetória de Rui Carrington da

Costa tende a nos permitir perspectivar de forma mais radical e ampliada sobre as relações

complexas que envolvem as preocupações com a condução da educação e os seus

procedimentos institucionais, bem como a natureza das ideias e o seu processo de

produção/transformação, concentrando-se, em especial, no ideário escolanovista.

Seguindo nessa esteira, essa intervenção objetiva apresentar alguns dos elementos que

guiaram o itinerário intelectual, nas palavras de MAGALHÃES (1996), do “pedagogo,

autodidata e cientista” Rui Carrington Simões da Costa (1894-1964), professor português

natural de Azoia de Baixo (Santarém), mas cuja atividade profissional se desenvolveu

primordialmente nos seus anos de atuação no Liceu Nacional de Sá Miranda, na cidade de

Braga, a intitulada Roma portuguesa, a partir do ano letivo 1932-1933, período de

efervescência intelectual e de transição/tensão em torno de ideias novas que, no contexto

educacional, emergem associadas à ideia de escola ativa somadas a uma conjuntura política

não democrática em Portugal que acaba por também nos chamar a atenção em função do

modo por meio do qual esse sujeito atravessa esse período conturbado, o Estado Novo, sendo

ao mesmo tempo crítico, porém, não sendo afastado de suas atividades profissionais.

Inversamente, isso se dá com algumas outras figuras importantes do pensamento português

àquele momento, entre elas, o próprio Faria de Vasconcelos, como ver-se-á mais adiante, ao

tratarmos das relações entre Carrington e o ideário escolanovista.

De modo geral, é possível discernir três dimensões de ação para abordar esse itinerário:

a atividade docente e as implicações ao nível pedagógico; a investigação, especialmente no

âmbito da psicologia e da psicometria, com preocupação voltada ao jovem e ao seu

crescimento físico, psicológico, afetivo e intelectual; e, finalmente, em sua produção científica

do ponto de vista institucional. Esse texto introduz Carrington da Costa ao leitor brasileiro,

primeiro, a partir de uma discussão sobre a importância da área de investigação intitulada

História Intelectual, procurando situá-la na atualidade em um diálogo existente entre Brasil e

Portugal com o objetivo de orientar o leitor sobre o olhar que orienta essa intervenção;

segundo, através do esboço do itinerário de Carrington da Costa, em especial, argumentando

em torno da indissociabilidade existente entre as suas atividades nos âmbitos do ensino e da

pesquisa e do lugar desse sujeito nas grandes vertentes de evolução do pensamento

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pedagógico no século XX, finalmente, com especial atenção a sua relação com as suas

posições/diálogos em torno do ideário da Escola Nova a partir de sua própria produção e de

sua apreensão posterior por estudiosos de sua obra e trajetória.

A natureza das discussões em torno da História Intelectual

O desenvolvimento e a diversidade de estudos, em particular, na área de História da

Educação no Brasil e em Portugal, cujo centro de investigação é a preocupação por

compreender as trajetórias, os itinerários, o pensamento e as redes de sociabilidade sobre as

quais circulam e circularam os intelectuais, tanto os que se destacaram de forma ampliada

como também aqueles que, por razões várias, atuaram em contextos locais, tem se

consolidado na historiografia contemporânea e a minha própria trajetória de pesquisa na

área de História da Educação é tradução disso.

Isso pode ser observado de forma expressiva tanto nos Congressos da área,

especialmente, o Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação e o Congresso Brasileiro

de História da Educação (CBHE), nas Revistas e livros organizados por especialistas, bem

como no conjunto de Dissertações e Teses que tem sido produzido no âmbito dos principais

Programas de Pós-Graduação em Educação (Lisboa, Porto e Coimbra). Essa produção, aos

poucos, tem se deslocado desde um modo de tratar esses sujeitos, e o passado, no qual se

privilegiava ideias e o caráter protagonista de suas obras a partir de uma compreensão

conduzida pelas noções de predestinação e causalidade (SIRINELLI, 1986) para uma forma

mais complexa guiada por um interesse sobre as condições de produção, a circulação dessas

ideias e obras assim como a sua apropriação crítica por gerações posteriores.

De todo modo, o consenso, nessa área de reflexão, como já foi ressaltado, é precário,

ainda que seja possível mapear as discussões e os pontos de vista relativamente distintos.

Assim, partimos do suposto de que a História Intelectual contemporânea nos apresenta pelo

menos três vertentes metodológicas. A primeira se distingue pelo apego a uma noção

historicista de contexto, a “entender-se no sentido da redução do significado dos textos a seu

valor documental, de expressão ou resposta a uma situação histórica particular” (LACERDA;

KIRSCHENER, 2003, p. 32). Historiadores da Escola de Cambridge como Quentin Skinner,

J. G. Pocock e John Dunn são os mais conhecidos dessa variante em função da busca por

reconstruir os universos comunicativos em que se originaram os escritos elaborados por

esses pensadores clássicos. A segunda vertente, intitulada New Intellectual History aglutina

duas tendências, a hermenêutica, especialmente aquela derivada de Hans-Georg Gadamer e o

desconstrucionismo de Jacques Derrida, o primeiro se centrando na ideia de unidade do

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texto e o segundo privilegiando a polissemia e os elementos contraditórios dos processos

textuais.2Também é possível introduzir aqui a História dos Conceitos de Reinhart Koselleck e

a introdução das categorias espaço de experiência e horizonte de expectativa (KOSELLECK,

2006), isso em função do legado da hermenêutica existencial de Gadamer e de sua ideia de

narrativa histórica sobre a obra desse historiador alemão (KOSELLECK, 2014).

Nessa perspectiva, destaca-se a discussão da natureza da experiência hermenêutica e

de seu elemento central, cujas consequências sobre a experiência educacional são várias, qual

seja a ideia de abertura e, finalmente, uma análise da estrutura da abertura: a pergunta e a

resposta. A despeito de sua diversidade originária, a expressão hermenêutica, refere-se ao

problema da compreensão e/ou interpretação do significado de textos, ações humanas e

produtos culturais. Aqui as implicações sobre a História Intelectual são várias. Em Portugal,

mas em especial, no Brasil, considerando a expansão do esforço por articular essa área com o

estudo de sujeitos, homens e/ou mulheres, Associações, Clubes de Leitura etc. as questões

são várias. Como é possível pensar o papel do investigador do presente? Qual é o lugar,

afinal, desse investigador que urge pensar o passado acreditando em seu contributo para o

entendimento de seu próprio presente e quiçá o futuro? É possível pensar em alguma

unidade interpretativa e qual seria o elemento guia dessa procura? Uma ética?3

Finalmente, Michel Foucault e a sua ideia de um intelectual específico é tratado por

muitos como uma terceira perspectiva de análise na história intelectual. A figura do

intelectual específico aparece em Foucault a partir do momento em que ele é convidado por

Daniel Defert a participar como coordenador, no início dos anos 70, de uma comissão de

pesquisa sobre as condições de prisão, isso em função de seu envolvimento com alguns

2A ideia de unidade, do nosso ponto de vista, na hermenêutica, tende a ser complexa. Por vezes, as interpretações sobre a ideia de círculo hermenêutico são nem sempre correspondentes ao pensamento gadameriano e o tratam como círculo vicioso, no qual a leitura das partes sempre conduz a uma ideia de totalidade, desconsiderando, contudo, o caráter espiralar da interpretação e o certo elemento de precariedade a ela associada em função da linguagem e das circunstâncias nas quais a interpretação é elaborada.

3 As consequências também sobre as ideias de presente e passado, método e as categorias de compreensão e explicação são várias e sobre elas se debruçaram os críticos. Jürgen Habermas argumenta que Gadamer aceita acriticamente o significado tradicional porque ele negligencia o poder da razão de revelar a gênese dos preconceitos e sequestra daí aqueles cuja autoridade é derivada da força e não da razão; nele há ausência de crítica do poder e da ideologia. Em Paul Ricoeur, herdeiro contemporâneo dessa tradição, encontramos a afirmação da necessidade do que ele denomina de uma hermenêutica da desconfiança, cujo eixo central é a afirmação da possibilidade de análise estrutural da obra, possibilitando um reencontro entre as ideias de compreensão e explicação. Finalmente, em Derrida, para além das críticas metodológicas anteriores, há a acusação mais radical qual seja a ideia de que Gadamer permanece atrelado às ideias de verdade e de significado em torno da linguagem e do círculo hermenêutico. Em Derrida há a consideração fundamental de que a linguagem é um sistema descentrado de significantes em que nada é significado transcendental. As consequências dessas críticas são, por um lado, salvaguardar o caráter originário do método em História qual seja a sua proximidade com certa concepção de ciência interpretativa e, por outro, desdobrar-se em um relativismo radical ou em uma visão neopragmática da História próxima do pensamento de Richard Rorty que, por seu turno, é mais próxima da virada retórica de Skinner.

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personagens militantes de esquerda na França. A preocupação dele ao abordar a prisão é

deixar os outros falarem, não impondo limites àqueles que têm o direito de falar. É aquele

que como em Sartre, portador de uma forma de universalidade ou porta-voz, mas, antes de

tudo, “passa a ser um ‘conhecedor especializado’ que alimenta sua crítica de maneira local, a

partir de uma politização dos problemas cotidianos” (BERT, 2013, p. 46).

Ora, essas mudanças na recente historiografia da educação produzida no Brasil têm se

dado tanto por um retorno mais cuidadoso ao tema dos intelectuais, mas também

consequência da diminuição das distâncias entre estudiosos impulsionados por trocas

existentes nos diversos contextos institucionais nos quais circulam pesquisadores brasileiros

e estrangeiros. Uma espécie de transnacionalização da produção como condição a um

entendimento mais amplo e apropriado dos processos educacionais, sendo aqui a História

intelectual uma das referentes metodológicas que tem participado de modo gradativo e

constante nas atividades de pesquisa de investigadores brasileiros.

A partir daí, observa-se que nesse processo de transição e de redefinição metodológica

dessa subárea da História da Educação, que é aquela que se destina ao estudo desses sujeitos,

por um lado, a existência de narrativas interessadas na ação dos intelectuais que, todavia, não

traduz de um exercício de exploração mais cuidadosa sobre os instrumentos teóricos e

metodológicos utilizados nas investigações, ainda que seja possível observar nos anos dois

mil a continuidade do debate sobre o tema dos intelectuais do campo educacional e a

abrangência do mapa intelectual (VIEIRA, 2008). Isso implicou, do nosso ponto de vista, no

fato de que algumas pesquisas talvez não tenham sistematizado conceitos e teorias que

problematizassem o papel desses personagens na História da Educação. Daí que tenham

fundamento as críticas a certo psicologismo associado a esses sujeitos e ao seu lugar

enquanto protagonistas da história a partir de abordagens mais descritivas do que

propriamente históricas.

Mas, por outro, estudos recentes, tanto no contexto europeu (RÉMOND, 2003;

SIRINELLI, 1998, 2003), como também em solo nacional, alguns inspirados nesse retorno

do político a partir da História Cultural ou inspirados na tradição inglesa de Cambridge

(VIEIRA, 2011, 2015; ALVES, 2011, 2012; COSTA, 2015), estão preocupados com a

introdução de novas perspectivas de olhar esses indivíduos a partir, por exemplo, das

mutações da linguagem quando deslocadas de seus contextos de origem (VIEIRA, 2011,

2015). Uma investigação que se dedica ao estudo de um sujeito partícipe de uma linguagem

aparentemente distinta da sua o conduz inevitavelmente a refletir sobre o que há de não

familiar em seus processos de assimilação e de produção do conhecimento. O caso de

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Carrington da Costa é peculiar nesse sentido, considerando tanto as questões familiares que

envolvem os problemas de seu tempo em torno das idéias novas como também no modo

como ele as aborda a partir de sua biblioteca de sua intensa vida escolar. Esses são alguns dos

elementos que instigam pensar a partir de diálogos possíveis com, por exemplo, a História da

Educação produzida em Portugal e no Brasil e a circulação das ideias nesse cenário.

As idas e vindas da figura do intelectual na História da Educação

Ao longo dos últimos anos, tem sido possível observar uma espécie de invasão da

importância atribuída ao estudo dos intelectuais, as ideias educativas e ao pensamento

pedagógico, ainda que de modo por vezes difuso e não consistente, no entanto, presente nos

diversos fóruns de investigação e divulgação. O diálogo entre as produções derivadas de

orientações com outros trabalhos já desenvolvidos tem trazido à baila muitas questões. É

possível perceber que, no Brasil, apesar de haver uma profícua produção na História da

Educação que parte de certos elementos da História Intelectual, poucas são as produções que

se debruçam sobre o conceito de intelectual (VIEIRA, 2011), gerando, por vezes, uma

dubiedade na abordagem teórico-metodológica do problema. Obviamente, trata-se de área

vasta que aglutina profissionais e interesses os mais variados, talvez daí certa

heterogeneidade interna. Muitas vezes, o termo intelectual aparece no Brasil como uma

adjetivação dos sujeitos pesquisados e não como um conteúdo a ser investigado na pesquisa,

algo que trás profundos problemas do ponto de vista metodológico em função das questões se

voltarem ao passado a partir de um olhar do presente. Perceber como isto se dá no

pensamento português, tomando um sujeito em particular, pode ser útil na compreensão da

configuração do nosso campo/área de estudo e pesquisa.

Ora, aos poucos parece ocorrer um retorno a esses sujeitos a partir de um olhar crítico

relativo à produção já existente, que privilegiou certa autonomia das ideias, bem como aquela

preocupada com substancializar melhor o modo por meio do qual se aborda tanto teórica

quanto metodologicamente os sujeitos e as suas trajetórias de ação na esfera pública. Aos

investigadores cabem avaliação e análise do porquê de certas escolhas em detrimento de

outras. A partir da recente expansão e consolidação da História da Educação, essas questões

têm sido atreladas a um processo de repensar a produção. Isso tem sido realizado por

diversas abordagens teóricas, como vimos acima, bem como a partir de novas fontes de

análise, levando às investigações a aspectos antes nublados da realidade social.

Na esfera acadêmica, percebe-se a emergência de diálogos, entre intelectuais maiores,

aqueles que passaram a ser considerados artífices no esculpir o Estado-nação. Outros,

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menores, sujeitos/lugares esquecidos, tratados em investigações situadas mais localmente,

como também partícipes dessa arquitetura secular que produziu e compartilhou uma história

entrecruzada que é a modernidade luso-brasileira. Esse projeto de investigação coletivo de

estudo e pesquisa sobre a produção do pensamento social se desenvolve em áreas diversas a

partir de dimensões interdependentes.

Um investimento relacionado a contribuições monográficas cuja característica

principal é o uso de fontes primárias e secundárias disponibilizadas pelos arquivos públicos e

particulares, intimamente associadas à produção da historiografia da educação na atualidade

que buscam diagnosticar o pensamento sobre o problema, bem como as peças do jogo

político que institui a memória (e produz o esquecimento) nas constantes lutas de

representação travadas no interior do campo (VIDAL; FARIA FILHO, 2005). Por outro lado,

há a reflexão crítica, guiada por abordagens teórico-metodológicas não convencionais, no

âmbito das ideias, de conceitos e teses fundamentais norteadoras das investigações sobre

sujeitos, textos clássicos, obras, e movimentos educacionais, como o Movimento da Escola

Nova.

Essas pesquisas, tanto se debruçam sobre esses sujeitos, intelectuais, como também são

guiadas pelo aprimoramento do olhar a diversidade e a variedade das gerações e instituições

envolvidas nesse dizer as relações entre Brasil e Portugal. Essa intervenção é sintoma desse

processo no contexto da historiografia da educação recente em que é possível identificar,

entre vários de seus desdobramentos, não apenas a eleição de novos objetos, métodos e

problemas não usualmente tratados (FONSECA, 2008), mas também a consideração da

participação de outros sujeitos, a sua circulação entre outras localidades e espaços de ação,

guiada por essa perspectiva comparativa que atravessa nossas histórias. Isso conduzido por

um olhar distinto daquele que privilegia o protagonismo de ideias ou sujeitos, mas sim que

procura compreender os seus itinerários de formação, as redes de sociabilidade que

engendram a projeção desses sujeitos e que envolvem instituições, publicações e espaços

educativos de diversos formatos, o seu papel no processo de escolarização, representações,

práticas entre tantos outros elementos (LEITE; ALVES, 2011).

Desse modo, como é possível observar acima, há uma interdependência que atravessa

as dimensões, sendo essa uma distinção muito mais didática, a qual nos permite pensar a

ideia de circulação e lugar social (CERTEAU, 2011) a partir dessas duas configurações que

são os espaços institucionais partilhados por Brasil e Portugal na produção de investigações

sobre a temática. Ou seja, é possível perceber nesse esforço investigativo recente a

preocupação por compreender como esses sujeitos interagiam com outros indivíduos e como

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assimilavam ideias e formas de pensar, procedimento que tem sido conduzido pelo uso de

categorias como as de sociabilidade, itinerário e geração (SIRINELLI, 1998, 2003), entre

outras derivadas de muitos dos autores acima citados e que se encontra na cena de discussão

em torno da História Intelectual e da natureza das idéias e de sua produção através tanto das

preocupações com a inserção desses sujeitos nos contextos de ação como também o uso e as

mudanças internas à linguagem utilizada nessa atuação.

Esboço de itinerário do bracarense Rui Carrington da Costa

Rui Carrington Simões da Costa nasceu em Azóia de Baixo (Santarém) em 25 de Agosto

de 1894. Filho de Joaquim Simões da Costa, que tinha seguido a carreira militar, e de

Eugênia Cook Carrington, senhora de ascendência inglesa.

Carrington da Costa foi educado no Colégio Militar, em Lisboa, frequentando a escola

do Exército. Afastou-se por volta de 1918, para alguns, em função de seu envolvimento em

atividades contrárias a tentativa do restabelecimento da Monarquia em Portugal.

Frequentou, a partir daí, o Instituto Superior Técnico e a Escola de Guerra, na Bélgica, onde

permaneceu por cerca de três anos. Lá, muito provavelmente, talvez tenha sido o lugar no

qual ele obteve os primeiros contatos com as ideias novas que perpassavam a pedagogia. Em

1915, não por acaso, é publicado Uma Escola Nova na Bélgica de A. Faria de Vasconcelos,

um dos maiores pedagogos portugueses e talvez aquele mais conhecido além das fronteiras

de Portugal. Recentemente, inclusive, livro, finalmente, traduzido ao português em função

das comemorações em torno do centenário de sua publicação. Esse livro trás a importante

experiência realizada por Faria de Vasconcelos no sentido de introduzir elementos do ideário

da Escola Nova em um estabelecimento de ensino belga. Em 1920, após essa passagem pela

Bélgica, Carrington da Costa foi para a Guiné, nomeado diretor dos Serviços de Agrimensura

daquela antiga colônia portuguesa, tendo também desempenhado as funções de Delegado do

Procurador da República e de Conservador do Registro Predial. Aqui é importante ressaltar

como a trajetória desse intelectual português transita em diferentes esferas de ação

pedagógica ao longo de sua trajetória de vida.

Ao regressar a Portugal, instala-se em Coimbra, frequentando o curso da Escola

Normal. Concluiu no Porto o Curso Superior de Letras. Inicialmente, foi ao Liceu da cidade

de Viseu, no ano de 1931, sendo logo a seguir efetivado na cidade de Vila Real, transitando daí

ao Liceu Nacional de Sá de Miranda, em Braga, no qual foi professor de Desenho e

Matemática de 1932 a 1964, aposentando-se nessa data. No liceu bracarense desempenhou os

cargos de Diretor de Ciclo, presidente do Conselho Administrativo e ainda de Vice-Reitor.

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Ao longo de sua vida, Carrington desenvolve uma intensa atividade de professor e

investigador, sendo docente no Liceu Nacional de Sá de Miranda, em Braga, durante mais de

30 anos e tendo a sua produção mais intensamente escrita a partir dos anos de 1940 a partir

de contribuições à Imprensa Pedagógica portuguesa.4 Entre 1936 e 1956, aplicou

sistematicamente o teste coletivo de desenvolvimento mental de Arthur Otis a fim de

conhecer os jovens portugueses. Para além desse Teste, realizou outros, como o Teste do

Desenho e o Teste de Representação mental criado por Decroly, Testes de vocabulário, Testes

de Redação, Testes de Representação Mental etc., aplicando-os em vários liceus do país, para

que se desenvolvesse uma pesquisa técnico-científica na área da orientação escolar e

profissional. Ou seja, “a sua preocupação constante em inovar e melhorar os processos de

ensino/aprendizagem e os processos educativos em geral, levam-no a tomar os seus alunos

objeto da sua investigação”, “investigando a sua aptidão para o desenho e o modo como se

desenvolvem as funções que lhe dão origem” (COSTA; ANTUNES, 1996, p. 24), mas também,

é preciso ressaltar aqui, a sua ação pedagógica também envolvia a preocupação com a

atuação do professor e daí a sua consequente investigação de sua função docente e de suas

ideias relativas à orientação escolar e do lugar do psicólogo (COSTA, 2002[1945]) bastante

distinta das práticas observadas na contemporaneidade que envolvem a ação desse

profissional, mais próximas talvez da medicalização e de suas consequências perniciosas em

sua sociedade intitulada por alguns de pós-moderna.

Esses testes, e outros tantos, forjados na Europa e/ ou Estados Unidos, foram

adaptados e aplicados em crianças ao longo de anos, e hoje se encontram arquivados na

Biblioteca Municipal de Braga, talvez a procura de perguntas sobre que utilização para o

presente, do ponto de vista historiográfico e arquivista, poderia essas centenas de testes? A

relação da atuação pedagógica de Carrington a partir de importância atribuída à aplicação de

testes psicológicos, sendo ele um pioneiro em Portugal, nos auxilia a compreender a

gradativa necessidade de articulação existente entre o processo educativo, guiado pelo

contributo da pedagogia, mas somada a outros igualmente relevantes. O debruçar-se sobre o

conjunto desses Testes, do ponto de vista historiográfico, talvez nos auxiliasse a olhar de

outro modo o século XX educacional português. Sobre Testes e o impacto em torno das

ideias de orientação escolar e o papel do psicólogo ele escreveu, por exemplo, Testes:

Limitações do Tempo Destinado à sua Aplicação (2002 [1941]), Da Necessidade da

4 Essa imprensa é configurada por várias publicações, no entanto, o envolvimento de Carrington em maior em torno dos Boletins publicados pelo Instituto de Orientação Profissional, esse tendo à frente em seu início o próprio Faria de Vasconcelos, e pelo Instituto António Aurélio da Costa Ferreira.

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Existência de Psicólogos Escolares no Ensino Secundário (2002 [1957]), entre outros

estudos.

Para além de suas preocupações específicas com a aplicação de Testes e ao papel da

ciência, a ideia de Medição, por exemplo, sobre as questões de ordem pedagógica, Carrington

produziu alguns estudos diretamente voltados à Pedagogia como, por exemplo, A Escola

Nova e o Pensamento Pedagógico de Ortega y Gasset (2002a [1943]), esse talvez sendo o

principal em termos originalidade em função de trazer para a discussão autor e ideias não

familiares ao ideário escolanista; escreveu também Vivência: uma idéia e uma palavra

(2002 [1945]), Será Possível predizer e avaliar a eficiência da função docente? (2002b

[1945]) e Acerca do Estudo Eficiente (2002c [1952]). Nesse último, ele se questiona sobre a

natureza do estudar refletindo a partir de contributos derivados da Psicologia de Stuart Hall

no século XIX, das discussões em torno da Psiquiatria e do envio de crianças a esses

profissionais derivados de observações em torno de sua aprendizagem que, ao final, eram

apenas dificuldades consequentes de ausência de educação psicomotora (COSTA, 2002c

[1952], p. 434)

De modo geral, o investigador distinguiu-se por ser o pioneiro na psicologia médica e

na aplicação de testes psicológicos e de inteligência, em Portugal. As suas preocupações,

nesse sentido, aglutinam elementos que envolvem a experimentação em psicologia, a

renovação dos métodos pedagógicos, em particular, com ênfase na categoria aprendizagem, a

orientação profissional e educacional e a metodologia científica (MAGALHÃES, 2003).

De fato, a atuação desse sujeito vai muito além de sua testolatria, como é possível

observar em alguns de seus leitores ou mesmo de alguns que o conheceram pessoalmente,

mas sim ela configura a conformação de um pedagogo para além da simples erudição ou do

abstrato uso de ferramentas científicas, mas sim no mais amplo significado da palavra.

Compreendo a partir de suas investigações, nas palavras de Oliveira e Antunes (1996, p. 11),

escrevendo no final do XX sobre Carrington, por exemplo, a importância da dimensão

emotivo-afetivo-volitiva da aprendizagem, “confirmadas pela ciência de ponta do fim deste

século – a neurofisiologia – e pela mão de um português: António Damásio” que com o seu

hoje clássico livro O erro de Descartes aponta para a compreensão das emoções-afetos e

volições humanas dentro da ciência, e mais concretamente, dentro da ciência experimental,

de que Carrington era um enorme entusiasta. É preciso anotar, desse modo, que essa nossa

compreensão de sua importância enquanto Pedagogo é derivada de sua erudição somada as

suas práticas e ações pedagógicas, que acabam por levá-lo a percepção positiva de si próprio

nesse lugar:

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ao sublinhar a definição de cultura geral do pedagogo com espírito científico, a quem atribui a superação de um certo ‘esoterismo’ do prático e de uma certa ‘misogenia’ do erudito (do pedagogo histórico) e ao cotejar e extrair para a margem, por outro lado, os conceitos de sábio e de erudito. Cultura geral do pedagogo com espírito científico é a atitude de o espírito se manter bem vivo e em contínua capacidade de aprender; um sentido cada vez mais apurado de inteligência intuitiva e da razão razoante; um enriquecimento das necessidades profundas de aprender; uma tendência mais viva para conhecer pelas causas; uma melhor capacidade de trabalho pessoal, um poder acrescido de se renovar, uma atitude melhorada de criação mental (MAGALHÃES, 1996a, p. 97).

Rui Carrington da Costa faleceu a 9 de novembro de 1964, em Braga, poucos meses

depois de sua aposentadoria. Após a sua morte, os filhos doaram à Biblioteca Pública de

Braga, vinculada à Universidade do Minho, a sua biblioteca particular, homenageando-o

inclusive atribuindo o seu nome a uma das salas da biblioteca.

A biblioteca, com cerca de quatro mil obras, nas áreas de filosofia, epistemologia,

ciências exatas e da natureza, biologia, matemática, ciências humanas, mas, em especial, a

Biologia e a Psicologia, entre tantas outras, nos auxilia a entender o percurso um tanto

quanto complexo e heterogêneo desse sujeito. A biblioteca aglutina livros em línguas as mais

variadas, contendo inclusive dezenas de títulos brasileiros. Entre eles, por exemplo, apenas

para aludir aos interesses que o conduzem a enxergar para além da racionalidade mais

estreitamente compreendida e do uso de ferramentas científicas adequadas à ação

pedagógica, podemos mencionar autores como Bastos de Avila e o seu Questões de

antropologia brasileira, publicado em 1935, Sylvio Rabello e o seu livro Psicologia do desenho

infantil, de 1935, Arthur Ramos e o seu Educação e Psychoanlise, 1934, Medeiros e

Albuquerque, livro intitulado Testes, Adauto Botelho com o seu Os males da emoção, escrito

em 1934, Maria Junqueira Schmidt Educação pela recreação (para pais e educadores), 1958,

e, finalmente, Irene Melo Carvalho, Introdução à Psicologia das Relações Humanas, entre

tantos outros títulos.

Os livros manuseados, as anotações nesses livros, dúvidas, certezas entre outros

elementos que se inscrevem nas obras convidam a certa reflexão sobre o modo como o seu

próprio pensamento foi elaborado e como nos auxilia a nos ver do outro lado do espelho,

sendo esse nosso lugar um tanto quanto distinto do ponto de vista de nossas práticas

investigativas contemporâneas. Ao mesmo tempo nos chamando a atenção para o fato de o

elemento novo em seu itinerário, no sentido atribuído por Koselleck, algo dificilmente

observado no âmbito das humanidades, no pensamento de Carrington, deriva exatamente

dessa complexidade e heterogeneidade na leitura, bem como de certa disciplina em torno dos

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problemas por ele percebidos ao longo de sua trajetória de pesquisador tanto de seus alunos

como também dos professores.5

A biblioteca, assim como a figura desse sujeito, trazem à baila certas impressões

relativas à ideia da atividade intelectual. Em parte, lembrando a figura de nosso Oliveira

Vianna e a sua biblioteca, ambos expostos de forma belíssima no texto de Giselle Martins

Fernandes (2015) intitulado Oliveira Viana entre o Espelho e a Máscara. Magalhães

(1996a), escrevendo a partir de suas impressões sobre Carrington e a sua biblioteca,

argumenta que ela

retoma, em parte a integridade de um scriptorium humanista, com caldeirões episcopais, forrados de veludo/púrpura, uma mesa central, as paredes inteiramente revestidas de livros, apoiados numa estantaria em madeira de castanho, situada num salão terminal, com janelas, em duas paredes a que não falta a providencial lareira, assalta-se uma representação do Senhor de Montaigne, deambulando no torreão da sua casa da Gasconha, acompanhado dos ‘seus livros’, exorcizando as verdades e as efabulações que não tinham tradução na realidade, deixando para depois os livros que constituíam uma dificuldade acrescida, porque ou ainda os não podia entender, ou seguramente jamais os entenderia, numa sobranceira intelectual sobre a complexa e animada realidade envolvente (MAGALHÃES, 1996a, p. 95).

A partir dessa brevíssima apresentação de alguns elementos de seu itinierário

intelectual, com especial atenção a esse elemento que envolve a sua biblioteca e práticas de

leitura e as consequências em sua ação pedagógica, esboçaremos a seguir um conjunto não

exaustivo de questões relativas à natureza do ideário escolanovista em Brasil e Portugal nos

voltando ao contributo desse sujeito a partir de seus leitores como também de sua produção

sobre o tema.

Carrington da Costa e a Escola Nova

Entre fins do XIX e início do XX, personagens, escritos, instituições científicas e novos

conceitos proliferam para dizer do homem, da criança, da escola e da educação. Durkheim,

Freud, Dewey, Spencer, Montesori, Binet, Claparède, Decroly entre outros; expressões como

pedagogia científica (Montessori), psicologia pedagógica (Claparède), antropologia

pedagógica (Pizzoli) ou a ideia uma escuta educativa, inspirada na Psicanálise, se tornam

5 A aplicação dos testes psicológicos por Carrington tanto era realizado sistematicamente com seus alunos, mas também com os seus colegas professores. À luz das idéias novas em circulação àquele momento, essa prática investigativa derivava de sua crença na necessidade de se conhecer o aluno, em primeiro lugar, para daí sim saber como proceder pedagogicamente em relação ele. Ou seja, uma consequência de sua crítica à pedagogia praticada no século XIX, considerada por ele como “essencialmente intelectualista e individualista. As crianças, consideradas como seres abstratos, não eram integradas no todo social”, (COSTAa, 2002 [1943]), p. 109)

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comuns em determinados espaços. Todo um movimento que, de alguma forma, traduz um

conjunto de preocupações sobre como formar ou instituir esse homem novo para esse novo

passado presente que se anuncia. E todos e alguns mais transitam na biblioteca Carrington

da Costa e vão gradativamente forjando o seu pensamento.

Ora, do nosso ponto de vista, parece ser impossível tratar sobre a Escola Nova,

Carrington da Costa e os anos 20 e 30, período de sua efervescência social e política em

ambos os países, sem argumentar que esse novo já se encontra presente, nos mais diversos

espaços, ao longo do século XIX, sendo esse considerado por muitos “o século da escola”

(MAGALHÃES, 1995, p 35). Mas será que o XX poderia ser chamado de o “século do

estudar”? Carrington, em um de seus escritos, argumenta sobre os longos anos passados na

escola e, aludindo às “ideias novas”, nos diz: “aprende-se tudo, excepto a estudar” (COSTA,

2002b, p. 431). Não deixa de ser irônica essa afirmação na atualidade. Como nos diz a

professora Diana Vidal, retomando a importância dos dois últimos séculos, nos diz:

O século XIX e o início do XX passaram a atrair a atenção dos historiadores. Contrariamente ao diagnóstico traçado no Manifesto de um vazio de iniciativas, o período despontou como profícuo em ações educacionais promovidas pelo Estado e pela sociedade civil, e como relevante para a compreensão do debate educativo (VIDAL, 2013, p. 581).

Ainda que, como ver-se-á, o discurso de alguns intelectuais da Escola Nova no Brasil,

como Lorenço Filho, que inclusive manteve uma curta correspondência com o professor

Carrington da Costa, apontam a década de 20 não como um novo começo, mas como um

começo de fato para o Brasil.6 Afirmação muitíssimo comum àquele período, mas que, por

vezes, deixa de lado elementos de continuidade e de descontinuidade que guiam a produção

do conhecimento e a escrita da história. Em Portugal, a mensagem do surgimento de um

“homem novo, um homem não belicista, um homem libertado” também ecoou

(MAGALHÃES, 1996a, p. 35), mas encontrou adversidades àquele momento por razões

políticas e sociais e não tiveram os desdobramentos esperados por alguns de seus principais

sujeitos.7 No entanto, a despeito disso, Rodrigues (1996) nos diz que há, na Primeira

6 Pensava-se com essas ideias práticas empreender uma radical reconstrução da sociedade e cicatrizar as feridas individuais e coletivas pelo saneamento das relações humanas, fazendo-se necessário um conhecimento profundo do ser individual. Surgindo quase de súbito, a proclamada éducation nouvelle (MONARCHA, 2009, p. 44).

7 De forma inversa, alguns dos principais sujeitos que traduzem o ideário escolanovista em Portugal são afastados precocemente de suas atividades durante o período do Estado Novo. Algumas das figuras que procuraram se esforçar em Portugal para implementar certos elementos do ideário escolanovista foram Adolfo Lima, que centra a sua intervenção no plano sociológico; Faria de Vasconcelos, cujas preocupações básicas se concentram no plano psicológico; António Sérgio, que, discutindo os fundamentos da educação a partir de seus aspectos filosóficos, apresentou um plano de ação concertado, articulando o sistema educativo e a sociedade e, finalmente, Álvaro Viana de Lemos, procurou estabelecer conexões ao nível pedagógico, mas especificamente,

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República, certa sensibilidade às novas realidades educativas expressas na proposta de lei de

abril de 1913 para a criação das Escolas Novas Portuguesas e é nesse contexto que Carrington

da Costa retorna de sua temporada na Bélgica embevecido com a evolução das ideias novas e

dos experimentos em torno das novas metodologias e práticas pedagógicas envolvendo o seu

entendimento do lugar do aluno nesse processo e levando-o também à reflexão sobre a

docência o impacto concomitante existente entre a dimensão genética e o meio social. Sobre

o ensino e a figura do professor ele nos diz:

O professor de Matemática, o professor de Português, etc., não ensinam, como é vulgar julgar-se, só a matéria da sua disciplina. Por associação ou concomitância, as crianças aprendem atitudes para com o professor, para com o estabelecimento em que recebe o ensino, para com a matéria que lhe é ensinada, etc. que, muitas vezes, são mais importantes do que o conteúdo da própria disciplina (COSTA, 2002b [1952], p. 251)

Ora, Brasil e Portugal, em fins dos oitocentos, já compartilham uma série de elementos

que indicavam uma espécie de desejo de ruptura com o seu passado recente e alguns desses

elementos que se desdobram no movimento da Escola Nova. A intitulada Geração de 1870, de

forma explícita, traduziu esse conjunto de inquietações e de proposições materializadas

inclusive em Regulamentos, Decretos e Leis, ainda que de forma ambígua e heterogênea,

característica da própria forma de organização do campo intelectual nesse período. No

entanto, é possível dizer que muitas das mudanças afirmadas como novidades pelo

escolanovismo nos anos 20 já povoavam o imaginário da escola e eram reproduzidas, como

prescrição, nos textos e relatórios de inspetores, bem como nos preceitos legais ainda no

século XIX, ressaltando, de forma positiva, as relações complexas entre as temporalidades

passado, presente e futuro e colocando em dúvida a própria ideia de ruptura enquanto

radicalidade. Por exemplo, no Brasil, Manoel Bomfim, em Conferência na ABE em princípio

da década de 30, nos apresenta uma crítica à ideia de Escola Ativa argumentando que o seu

novo já se encontra em Rousseau, nos Ensaios de Montaigne e em Comenius. De fato, já se

encontram no palco dos debates:

Elementos como a centralidade da criança nas relações de aprendizagem, o respeito às normas higiênicas na disciplinarização do corpo do aluno e de seus gestos, a cientificidade da escolarização de saberes e fazeres sociais e a exaltação do ato de observar, de intuir, na construção do conhecimento do aluno (VIDAL, 2000, p. 497).

“na área artística” (NÓVOA, 1994, p. 211). Todos eles foram, nesse período ditatorial, presos e/ou aposentados de suas atividades.

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Do ponto de vista epistemológico, o universo oitocentista inventa a si próprio e, a partir

disso, podemos observar, nesse sentido, uma série de transformações em torno da natureza

do modo por meio do qual lidamos com a própria produção do conhecimento que exercerão,

nas primeiras décadas do século XX, profundo impacto no pensamento e nas práticas

educacionais. Assim, por exemplo, a fundação e o desenvolvimento da psicologia infantil

como ciência, a especificidade do mundo infantil, preocupações com o ensino primário, por

exemplo, atravessam o XIX e se encontram em efervescência nas práticas de leitura de

Carrington e na introdução singular em seu cotidiano de inúmeras ferramentas cujo objetivo

era conhecer o aluno e o seu processo de crescimento individual, ou seja, colocar em

evidência a concepção genética apreendida. O que nos diz Carrington sobre Piaget em seu

texto seminal sobre a Escola Nova intitulado A Escola Nova e o pensamento pedagógico de

Ortega Y Gasset:

Dos trabalhos de Piaget infere-se quão diferentes são a estrutura, a mentalidade e a moral das crianças, quando confrontadas com as dos adultos. Desta forma, a educação deixa de preparar para a vida, para ser uma vida; as crianças deixam de ser adultos em miniatura, - homúnculos -, e a infância, como período do desabrochar físico, intelectual e moral, começa a ter um valor próprio e uma razão de existência (COSTA, 2002a [1943], p 116).

De fato, a própria invenção da infância enquanto lugar de aprendizado instituíram

elementos de inovação da educação e dos processos educativos que antecedem em muito o

movimento do escolanovismo e da intitulada Educação Nova, mas adquirem uma nova

configuração nesse período que se desdobra em uma série de ferramentas produzidas por

variadas áreas e que gradativamente impulsionam novas ações e novos procedimentos

educativos não apenas em relação à criança mas a outros atores que com ela interagem no

ambiente escolar. Daí a preocupação desse autor não apenas com a criança, mas também

com a formação e a função de professores (COSTA, 2002b [1952]). É preciso ressaltar que a

escola, no pensamento de Carrington tem uma dimensão relevante, no entanto, as suas

inquietações e práticas investigativas, conduzidas por sua crença nas contribuições da

psicologia, psicanálise, sociologia entre outras fontes de saber, apontam para uma

compreensão não ingênua dessa instituição, algo muitíssimo interessante de observar àquele

momento.

A escola é o lócus educativo, cuja legitimidade Carrington da Costa nunca contesta, mas cuja ação pretende ver renovada. Consciente do papel da Escola, afetando decisivamente o crescimento (maturação) dos alunos e podendo exercer influências muito negativas, fazendo-os, nomeadamente detestar e abandonar certos domínios do saber, vêmo-lo denunciar a ação

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dos docentes que se confinam às funções de instrutores e vêmo-lo pugnar acintosamente pela existência de psicólogos escolares, psicólogos que todavia não deixem de ter uma formação pedagógica (MAGALHÃES, 1996b).

Ora, algumas dessas preocupações e consequências não necessariamente positivas com

os elementos da escola moderna são derivadas do período oitocentista e podem ser

relativamente sintetizadas pensamento de Carrington da Costa. Inquietações em torno da

necessidade de figuras como o médico escolar, o psicólogo escolar e o pedagogo introduzem

dimensões que forjariam uma Psicopedagogia que, em sua compreensão, proporcionaria esse

olhar mais ampliado dos diversos fatores que envolvem o processo educativo. A ideia de uma

medicina pedagógica e de uma ciência psicológica iniciam no XIX os seus primeiros passos

até a própria fundação do primeiro laboratório de Psicologia, no Rio de Janeiro, no início do

século XX. As ideias que subjazem ao experimentalismo já se apresentam em fins do XIX e,

gradativamente, tendem a se fortalecer e a retornar como enunciados novos na década de 20

do século XX. Além disso, o impacto do pensamento liberal e republicano tende a indicar

novos rumos e reinventar ideias e perspectivas futuras relativas a um novo homem guiado,

agora, por ideais libertários inspirados, entre tantos outros, na antiga herança de Comenius,

Rousseau e o seu Emílio, mas também presentificadas em uma nova ideia de técnica e um

novo papel para o Estado. Carrington alude a Rousseau; diz ele: “Já Rousseau verberava o

desconhecimento da infância e o defeito de se procurar ver sempre nas crianças a imagem do

homem, esquecendo-se o que elas são antes de serem homens” (COSTA, 2002a [1943], p.

114).

É curioso, no entanto, o fato de que o professor Carrington da Costa apresentava certas

reservas em relação ao uso da expressão Educação Nova. Diz o próprio: “Empregamos a

designação de Escola Nova por ser a mais frequentemente usada, ainda que não a julguemos

a mais feliz” (COSTA, 2002a [1943], p. 110), aludindo inclusive a Lourenço Filho e Anísio

Teixeira acerca da impropriedade dessa designação. Em parte, isso porque considerava que

os seus principais contributos derivavam da Psicologia, bem como da Sociologia e, atrelada a

essas o intitulado vitalismo identificado por ele na obra de Ortega y Gasset que ao seu

pensamento introduz um elemento de singularidade, considerando a articulação criativa

realizada por ele entre elementos derivados de uma certa concepção genética e inata, a ideia

de meio social e uma concepção de mundo e de vida que antecede ambas.

Ou seja, ainda que, para nós, essa abordagem não seja familiar, articulação entre o uso

da medida, o entendimento do contexto, do meio no a qual a criança se encontra, isso em

articulação com uma certa compreensão humanista de saber que implica em uma formação

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mais ampliada e constante, não se deixem conduzir por pré-concepções nem sempre as mais

adequadas. Em Carrington, como foi ressaltado acima, não há ingenuidade, como inclusive

aquela que muitas vezes identificamos na Academia, mas um certo entendimento de

educação que parece se aproximar da semântica atual do conceito de life long learning

(OLIVEIRA, ANTUNES, 1996). Além disso, para finalizar, é preciso também insistir em certo

cuidado ao pensar nele e em sua ação pedagógico e sua crença na escola, ambas assentadas

em uma sólida disciplina cientifica, isso porque:

Carrington e todos os psicopedagogos, educadores e professores que se reclamavam do paradigma da Educação Nova obedeciam ao princípio da necessidade da cientificação da pedagogia e do ensino. Mas, apesar de afirmar, na linha de um certo positivismo epistemológico, que só deve ser considerado conhecimento científico ‘o saber que se submetesse à medida e ao número’, não perfilha uma concepção dogmática, fechada, reducionista ou imperialista do conhecimento científico, nomeadamente quanto ao valor dos testes mentais. Avalia estes últimos, antes como meios ou instrumentos, se bem que necessários, na escola, na clínica, na oficina, sem os considerar o critério absoluto de diagnóstico e prognóstico de avaliação das capacidades fisiológica, fisio-psicológicas e psicológicas (FERNANDES, 1996, p. 150).

Para concluir, retomando a epigrafe de Montaigne a partir de uma inspiração do

professor Justino Magalhães, ressalto que conhecer a figura desse intelectual bracarence,

algumas de suas ideias, rever categorias (medida, testes, vitalismo) e metodologias há muito

deixadas de lado, no entanto, guiado por Koselleck e pela natureza relativamente transitória

dos conceitos e de nossas verdades históricas, tornou-se um exercício bom de aprendizado

sobre o nosso passado presente que, se não produziu um retrato minimamente próximo

desse importante personagem do pensamento pedagógico português, pelo menos estimo que

essa busca pelo conhecimento, como diz Montaigne escrevendo sobre os seus livros, através

de Carrington, tenha contribuído com a minha própria autoeducação e me tenha instruído a

mais vida como espero que a vocês também.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 2671

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