Intervenção de Carlos César

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Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Escola de Psicologia e Ciências da Vida Sessão Solene de Abertura do Ano Académico – Aula Magna …sobre os nossos factores de desenvolvimento UM CONTRIBUTO ESSENCIAL DO PORTUGAL INSULAR, O MAR Por Carlos César* *presidente do Governo dos Açores 1996/2012 1

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Sessão Solene de Abertura do Ano Académico – Aula Magna …sobre os nossos factores de desenvolvimento UM CONTRIBUTO ESSENCIAL DO PORTUGAL INSULAR, O MAR Por Carlos César*

Transcript of Intervenção de Carlos César

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Escola de Psicologia e Ciências da Vida

Sessão Solene de Abertura do Ano Académico – Aula Magna

…sobre os nossos factores de desenvolvimento

UM CONTRIBUTO ESSENCIAL DO PORTUGAL INSULAR, O MAR

Por Carlos César*

*presidente do Governo dos Açores 1996/2012

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Autoridades universitárias

Senhor Diretor da Escola de Psicologia e Ciências da Vida,

Docentes e alunos

Minhas Senhoras e meus senhores

Começo, naturalmente, por saudar os presentes no início de mais um

ano letivo. A todos aproveito para augurar os melhores sucessos

académicos e pessoais.

Agradeço também, vivamente, o convite que me foi formulado pelo

Professor Doutor Carlos Alberto Poiares - que muito me honra, sendo

ele um distinto docente e investigador -, para vos falar neste momento

tradicionalmente solene na vida das instituições de ensino superior.

Nasci, como devem saber, nos Açores. Sou, afinal, um descendente

dos portugueses e de muitos outros povos europeus com os quais

fomos estabelecendo relações. Desde sempre, pois, a nossa geografia

colocou-nos como região associada à comunicação civilizacional e à

globalização.

O diálogo entre a terra e o mar é a constante da história açoriana e da

sua condição física. Raul Brandão, referindo-se ao cenário natural das

terras dos Açores com que se confrontou nas suas viagens em 1924

escreveu que “O que completa a beleza desse grande panorama de

trabalho e de luz é a colaboração do oceano e da serra”. Como

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também referenciou Vitorino Nemésio, "As ilhas são o efémero e o

contingente: só o mar é eterno e necessário".

É, justamente, dessa maresia e da consciência do seu valor como um

dos elementos estratégicos para o benefício do nosso país que vos

falarei mais adiante, com maior detalhe, no âmbito dos fatores de

sustentabilidade do desenvolvimento que Portugal procura.

Os Açores dos finais dos anos cinquenta, quando nasci, ou mesmo

dos primeiros anos da democracia, eram muito diferentes, para pior,

dos de hoje, mesmo considerando os efeitos atuais da crise que se

dissemina por todas as regiões do país, quer nos planos económico e

social quer na qualidade da sua inserção nos níveis nacional e

europeu.

Éramos então a região mais atrasada do país quando este era o mais

atrasado da Europa. Representávamos cerca de 40% da média do PIB

nacional per capita, o que contrasta bem com os quase 95% atuais e

com a boa aproximação que fizemos à média europeia por habitante

(11 pp nos últimos 15 anos). Tudo isso aconteceu ao mesmo tempo

que a dívida dos Açores pouco nos últimos anos sendo de 19% face

ao PIB da Região contra os 124% de Portugal em relação ao PIB em

Dezembro passado.

Os Açores não só não contribuem actualmente para o desiquilibrio

orçamental do país como realizaram uma consolidação orçamental

real. Quando por vezes alguns falam das transferências financeiras

para as regiões autónomas atente-se que, no caso dos Açores, estas

hoje já não chegam a metade do que por exemplo o Estado gastaria

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se detivesse na Região a administração dos setores da Saúde e da

Educação.

A extraordinária mudança que ocorreu não foi alheia à instauração do

regime autonómico que conferiu amplos poderes políticos e

legislativos às regiões insulares. De outro modo não teria sido

possível.

As autonomias, pese embora os incidentes processuais e os seus

resultados últimos na Madeira, são experiências bem sucedidas que

reforçaram a unidade nacional e a coesão económica e social entre o

Portugal continental e insular. Podemos dizer que foi e é uma das mais

relevantes reformas político-administrativas na organização do Estado

português, depois do colonialismo, e só é pena que não se tenham

desenvolvido, entretanto, processos semelhantes descentralizadores

de reforço das competências da administração local e ou das regiões

no território continental.

Ainda recentemente, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa,

António Costa, salientava com muita oportunidade que, no âmbito da

reforma do Estado de que o País carece, “a descentralização deve ser

a pedra angular” desse processo. Uma reforma do Estado assente,

como ele diz, “na simplificação e modernização administrativa, que

transmita eficiência e diminua custos de contexto, que poupe na

burocracia, nas redundâncias, nos desperdícios e na ostentação”, em

síntese que reoriente de forma adequada, racional e produtiva a

despesa. Em sentido semelhante falou Silva Peneda afirmando que

“falar de Reforma do Estado sem falar da regionalização não tem

sentido”.

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Não há, estou convicto, nada a temer - em matéria de eficiências, ou

de multiplicação de efeitos burocráticos e na despesa, ou de desbulhe

do Estado ou de efeitos desagregadores -, de uma descentralização

inteligente, qualquer que seja a sua intensidade.

A realidade tem provado que esses processos são virtuosos se e

quando o seu enquadramento e condicionalidades não são

desacautelados, podendo resultar numa redistribuição eficaz de

recursos, numa transferência de serviços periféricos de proximidade

para as regiões, num modelo de estabilização demográfica, em

sinergias que melhoram a integração, tal como na superação de

gritantes ausências de planeamento à escala regional que têm

acentuado descontinuidades e desigualdades no desenvolvimento do

país e menorizado e excluído regiões, pessoas e empresas.

As vantagens, pois, da dispersão organizada de núcleos de

responsabilização e de autogoverno são muitas e, ao contrário do que

a politicagem centralista propaga, os perigos são conhecidos,

escassos e, sobretudo, controláveis. Portugal é um exemplo flagrante:

quando centralizado não evitou a decomposição e descentralizado, no

que toca aos Açores e à Madeira, não tem riscos de fragmentação.

Num período de transição entre paradigmas de gestão, de

desenvolvimento e de exercícios de cidadania, como aquele que ora

se vive, os apelos justificados à Reforma do Estado são, neste caso,

uma boa oportunidade para reequilibrar o âmbito competencial dos

diversos níveis de poder, facilitar a rapidez das decisões e para

melhorar a participação cívica (participação que, diga-se, conjugada

com a sensação de revolta e desconfiança que se vai generalizando

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no país, é a melhor alternativa à instabilidade incontrolada em que,

como avisa Adriano Moreira, “o imprevisível está à espera de uma

oportunidade”).

Portugal está, assim, a meu ver, incompleto na sua reconstrução

democrática e penalizado nas suas eficiências com a falta de

oportunidades que as suas regiões continentais têm para dispor, com

maior autodeterminação, sobre aspetos específicos dos seus destinos.

O mesmo, sem dúvida, acontece, ou devia acontecer nos contextos

europeus. Na verdade quanto mais associadas estiverem as

representações democráticas nacionais e europeias às aspirações e

sensibilidades regionais e locais mais robustas ficarão as nossas

democracias e menor será o temor da desconstrução europeia que

paira sobre todos nós como uma ameaça quase civilizacional.

Na verdade, para além da necessidade absoluta que Portugal hoje

tem de ser parte de uma Europa providente e reguladora, o nosso

destino também não poderá deixar de estar associado, na evolução

que ambicionamos positiva, a uma Europa exigente, que arrepie

caminho da debilitação e disfuncionalidade da sua governação e da

desilusão e da sugestão de deliquescência da solidariedade entre

Estados, governos e Povos.

Não é um apelo serôdio o de aspirar a uma verdadeira União, que

recupere do debilitamento do que designarei como “o espírito de

necessidade de Europa”, que animava Jacques Delors ou mesmo

Helmuth Kohl. Mesmo uma Europa que, na esteira de Maurice

Shumann, se estruture com “realismo sem ideologia” serviria. Ao

contrário, o prevalecimento das razões de uma advocacia patrona da � 6

renacionalização de alguns poderes – que pode, é certo, satisfazer a

visão do Reino Unido de coexistência mínima europeia, a proverbial

suspeita alemã ou os avanços da direita populista –, o prevalecimento

dessa tendência, dizia, liquidará por muitos anos um projeto europeu e

destruirá progressivamente a competitividade de cada um dos seus

atuais estados membros, inclusive os agora mais fortes.

Só institucionalmente unida, também, a Europa poderá diminuir a

probabilidade futura de eclosão novos conflitos internos fatais para as

pessoas e para a sua economia. Sem um espaço europeu dotado de

uma coordenação económica e financeira central e efetiva, de

coordenadas de caracterização da Europa Social e da centralização

de políticas conducentes ao redesenho dos poderes europeus em

matéria de segurança e defesa, vai ser iminente e doloroso para os

povos a destruição do ideal europeu sob a ilusão do honorifico

beneficio da renacionalização de poderes. E, com isso, todos ficarão

expostos a todos os perigos.

A incorporação de preocupações de uma estratégia de crescimento

para a zona euro, que parece animar o novo compromisso partidário

do governo alemão, pode ser um sinal animador de inversão da

deterioração que temos visto, goradas que foram as principais

espectativas que haviam acompanhado a ascensão dos socialistas em

França.

Sabemos que só uma Europa socialmente mais forte e

economicamente mais coesa poderá dar uma resposta mais eficaz

aos desafios de desigualdade e de desemprego que alastram na

União Europeia, pelo que não devemos temer uma reacção negativa

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dos que são hoje contribuintes líquidos do Tesouro da União quando

lhes reiteramos que a Europa só se preservará como espaço de paz e

tolerância e só vencerá no concerto da competitividade mundial e da

modernidade se tiver um Governo efetivo e com um poder fundado

numa legitimidade democrática, direta e verdadeira que trate os

cidadãos europeus com a equidade necessária.

Minhas Senhoras e meus Senhores

Num momento em que tudo entre nós se parece confinar ao deve e

haver do dia seguinte e em que cresce a convicção de que não

sabemos o que fazer de Portugal, para além das práticas cruéis de

confiscação e das políticas de cronometria “orçamentalista” que nos

atingem, é fundamental perscrutar outras dimensões que podem

ajudar a romper com esse imediatismo político conservador e

restringente.

A descentralização interna, por um lado, e uma governação europeia

efectiva e provedora, por outro, são, seguramente, factores de

sustentabilidade da autonomia e do progresso do país e informadores

da reforma do Estado.

É verdade que Portugal atravessa uma crise gravíssima que tem uma

fortíssima componente estrutural. Mas, podendo ser uma das mais

graves, não é única na nossa História nem na dos países com que

convivemos, nem é irreversível. Não refaremos certamente o nosso

futuro apenas com sobreviventes de uma epidemia de fome e miséria;

todos deveremos superar estas dificuldades. E isso é possível.

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Como dizia Roosevelt em 1936, ao referir-se aos desafios com que a

sua geração de compatriotas se confrontava, “Há um ciclo misterioso

nos eventos humanos. Para algumas gerações muito é dado. De

outras gerações muito é esperado.” Roosevelt iniciou e concretizou o

tenso e delicado processo de construção do pacto entre Estado,

trabalho organizado e capital, que, no pós-guerra, fundamentaria o

Estado de Bem-Estar americano e um longo período de prosperidade.

E logo avisou que “ A Humanidade veio primeiro”, ou seja que para

equilibrar o orçamento no pico do desemprego e da grande depressão

ele teria “de virar a … cara com indiferença ao sofrimento humano” e

isso não faria.

São convicções de impressionante incisão na conjuntura portuguesa

penosa que atravessamos, e porventura difíceis de seguir, no

enquadramento europeu e internacional que temos e no humanismo

que infelizmente escasseia. A alternativa, porém, tem sido

depauperadora.

Tenho pesar nesta constatação, mas não vale a pena negar as

evidências. A verdade é que o País não conseguiu superar bem,

nestes quase quarenta anos de democracia, os seus maiores défices

estruturais, que condicionaram e condicionam os principais fatores de

desenvolvimento: falo, por exemplo, da qualificação, da produtividade,

dos desequilíbrios no consumo de recursos do Estado, do continuado

mau funcionamento das funções judiciais, da inconstância nas

prioridades económicas do investimento público, do contínuo

desequilíbrio na balança de pagamentos, ou da falta de massa crítica

do sector privado estabelecido para ser um motor de crescimento.

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Simultaneamente, temos que reconhecer que falhámos na criação de

um enquadramento propício estável para o investimento privado, pois,

se revisitarmos todo este período antecedente verificamos que, para

além da profusão burocrática, há uma marca profunda de instabilidade

legislativa e insegurança jurídica, de alterações constantes nas

políticas fiscais, de incentivos ao investimento, na lei laboral, no

licenciamento industrial empresarial, entre outros aspetos.

Outro exemplo, ainda é o do Sector Empresarial do Estado: apesar de

necessário como potenciador de investimento, de crescimento

económico e de correção de falhas de mercado, na verdade,

mantivemo-lo sobredimensionado, com empresas inúteis em alguns

casos e funcionando noutro como veículos do Estado para contornar

limites de endividamento. O seu endividamento, hoje, absorve parte

importante da capacidade de crédito do país e prejudica o tecido

empresarial tendo em conta o valor da sua dívida a fornecedores.

Alimentados por conjunturas económicas em que o acesso à liquidez

externa – ou seja, ao crédito facilitado – era grande e estimulado,

obtiveram-se, todavia, níveis significativos de crescimento e de

emprego ainda que numa base de sustentabilidade provisória.

É bom notar que mudámos a realidade do país em várias dimensões

com enormes benefícios e disso somos beneficiários e não nos

devemos arrepender. Mesmo assim, atente-se, os governos

desaproveitaram fundos europeus, que receberiam a fundo perdido,

deixando por concretizar várias infraestruturas necessárias em

sectores como a ferrovia e os aeroportos ou na economia do mar, na

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modernização da agricultura, na ciência e na reestruturação do sector

secundário.

Gerámos, pois, progressos indiscutíveis mas não gerámos riqueza

suficiente para assegurar a maior longevidade desse percurso.

Permanecemos vulneráveis à conjuntura externa de referência que tal

como nos beneficiou agora nos prejudica, que tal como nos incentivou

para o aumento do investimento público com dívida inverte

subitamente o critério e, para usar a expressão mais popular, retira-

nos o tapete tal como a outros países que seguiram percursos

semelhantes. A crise, também nesse sentido, é europeia…e não só!

O país vive com défices orçamentais há décadas, que ora foram

cobertos por remessas de emigrantes, ora por fundos comunitários,

ora por receitas extraordinárias, ora por recurso à dívida. Uns anos

mais, outros menos, sempre assim foi possível prosseguir. Não foi um

problema criado em 2009 ou 2010, nem agravado com este governo.

Foi sim um problema que passou a ter outro enquadramento externo

que tornou difícil ou irrepetível essa trajetória.

As consequências foram inevitáveis: a economia frágil não se mostra

capaz de reerguer sem assistência, a banca tem como prioridade

salvar-se antes de acudir à economia, o Estado debilita-se com a

quebra de receita e com os estabilizadores automáticos no máximo, a

dívida e a desconfiança externa crescem de mãos dadas favorecendo

o impasse.

Talvez por lembrança do recurso ao FMI nos anos oitenta foram feitas

várias tentativas para reverter a situação da dívida. Lembro que já em

2001 o governo Guterres equacionou um plano de redução de � 11

despesa que não foi concretizado nem seguido pelo governo posterior,

aumentando-se, como se sabe, em cerca de 60%, a despesa pública

primária nos dez anos seguintes. O mesmo foi conseguido numa

primeira fase pelo governo Sócrates e tentado de novo com o

desfecho conhecido do PEC 4. Enfim, como dizia Eça de Queirós,

“Todo o ministro que entra – deita reforma e coupé. O ministro cai – o

coupé recolhe à cocheira e a reforma à gaveta. (…)”.

E aqui chegámos. Em matéria de austeridade, de 2011 para cá

passámos a fazer de objectivo aquilo que quisemos sem sucesso

várias vezes fazer de adjuvante. E assim tudo para todos ficou pior.

Um olhar sobre o que poderemos chamar de ação de superfície do

actual governo, não nos leva além da verificação das várias formas de

austeridade e de recurso a receitas extraordinárias. Porém, a despesa

do Estado cresceu, a receita na maior parte dos impostos desceu, o

desemprego atingiu um valor aflitivo, a restruturação da banca ainda é

uma incerteza e o endividamento público subiu para valores nunca

antes esperados pela Troika. A única boa notícia é o facto das

empresas produtoras de bens transacionáveis terem continuado a

aumentar as suas exportações, para onde se reorientam em maior

parte e em consequência do estrangulamento no mercado interno.

O caminho que estamos a fazer tem agravado problemas conjunturais,

como o défice e o endividamento, sem corrigir desequilíbrios

estruturais nem ativar fatores de sustentabilidade de crescimento e de

desenvolvimento como os que resultariam de uma correta reforma do

Estado.

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Economistas de várias tendências apontam, com contas feitas, para a

forma negligenciada como se tem avaliado os chamados “efeitos

multiplicadores” da austeridade intensiva: um corte salarial que gere

uma poupança imediata de 100 na despesa do Estado pode induzir,

por via do prejuízo sobretudo no consumo, uma diminuição ad riqueza

do país em 150, com consequências óbvias na receita fiscal direta e

indireta e no crescimento das prestações sociais como no subsídio de

desemprego, penalizando assim afinal o Estado em 50. Se juntarmos

ao efeito real das medidas o clima económico que resulta da

antecipação do comportamento das empresas e das pessoas face à

possibilidade de penalizações futuras o efeito multiplicador negativo é

ainda maior. Estranhamente é um tribunal, neste caso o

Constitucional, um dos fatores momentaneamente mais importantes

de melhoria no clima económico.

O caso da Reforma do Estado, que todos reclamam como necessária,

é outro dos impasses incompreensíveis. Faz-se afinal o que é

económica e socialmente mais oneroso e não o que seria mais

necessário e reformador, ou seja reduz-se a alocação de meios para

as mesmas estruturas com as mesmas funções, que é como quem diz

– aposta-se apenas no definhamento do Estado. Por exemplo, com os

cortes efetuados e a redução do número de funcionários públicos –

como escreveu Daniel Oliveira, para níveis face à população ativa três

vezes inferiores aos da Dinamarca ou da Noruega - as análises de

projetos de investimento e a obtenção de determinadas licenças e

certificados passaram a levar o dobro do tempo.

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Cumulativamente, a realidade mostra-nos, pesem embora alguns

borrifos de indicadores de conjuntura, que a recessão está para ficar

face à reincidência dos métodos e instrumentos que têm sido

utilizados com insucesso, o que nos levará, com muita probabilidade,

a um segundo resgate.

Com este ou outro governo não vejo outra via racional, na óptica dos

credores como na dos devedores, do que o reconhecimento da

impreteribilidade da reestruturação da dívida pública portuguesa com a

dilatação dos respetivos prazos de pagamento. Basta verificar as

nossas necessidades de financiamento até 2017 e os custos que

gerarão, ainda que sob assistência no recurso ao mercado (o

chamado programa cautelar), para percebermos como seriam

insuportáveis para o erário público, proibitivos de quaisquer funções

úteis do Estado de previdência social como de impulso ao

crescimento. Recordo que só em 2013 o montante de juros pagos

atingirá um valor equivalente a 4,4% do PIB.

Obama referiu num discurso que o seu papel “não é representar

Washington junto das pessoas, mas sim representar as pessoas em

Washington”. Importa, pois, colhendo esse espirito e adotando outra

atitude, garantir junto das instituições internacionais o financiamento

até 2017 em conexão com uma travagem da austeridade e uma folga

para o investimento, ao mesmo tempo do compromisso de reformas

estruturais com enfoque na eficiência e não no corte simples da

despesa.

A alternativa a esse rumo é o perdão parcial da dívida que se seguirá

ao incumprimento, com a destruição da credibilidade e de uma

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autonomia mínima de decisão política do Estado português e com o

prejuízo dos credores.

Estou convencido que uma renegociação naqueles termos permitirá

um acordo de incidência de médio prazo entre os principais partidos

portugueses e uma garantia de estabilidade, de cumprimento e de

interlocução com os credores. Paradoxalmente, ou não, uma decisão

negativa do Tribunal Constitucional nos casos mais significativos da

projeção orçamental para o próximo ano – pensões e remunerações

da função pública – ajudará fortemente o país nessa renegociação e

na construção de um novo compromisso nacional de que tanto

necessitamos. Se daí advier entretanto uma crise política, tanto

melhor: que seja rápida e contribua para o compromisso que nos falta

para o futuro!

Minhas senhoras e meus senhores

Já mencionei atrás que o nosso país não resolveu ainda muitos dos

seus mais importantes défices estruturais, que inquinam o nosso

desenvolvimento e competitividade: relevo as questões associadas à

qualificação, com destaque para a Universidade, e a reforma do

Estado na ótica da economia portuguesa, designadamente nos

segmentos da produtividade, da atratividade, da fiscalidade, da função

judicial, da burocracia e da seletividade do investimento no quadro do

cofinanciamento europeu até 2020.

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Uma breve nota, pois, sobre a prioridade na Educação e outras notas

seguintes sobre essas dimensões da reforma do Estado que se

constituem como fatores de desenvolvimento.

A prevalência da Educação entre os investimentos mais reprodutivos,

como aposta no capital humano, é dificilmente compaginável em

Portugal com os cortes de financiamento que têm ocorrido. Na

educação não pode vigorar a insolência liberal que clama “O Estado

que desampare a loja!”.

Se ao nível da escolaridade obrigatória cresce o incumprimento e no

ensino profissional eclodem as dificuldades, o decréscimo de

ingressos no ensino superior triplicou face ao ano anterior. Isto, num

país com uma taxa de diplomados de 26,5% no grupo etário dos 30

aos 34 anos face a uma média europeia que chega aos 40%.

A universidade é “alma-mater” da Investigação & Desenvolvimento.

Dela agora se exigiria os caminhos inversos que lhe estão a

proporcionar: a universidade – tal como, de resto, os politécnicos –

tem de aumentar a sua porosidade, em múltiplos campos, com as

empresas e instituições, com o corpo social, na sua pluralidade de

manifestações e necessidades, no relacionamento externo, fora das

fronteiras nacionais, na fluidez do relacionamento com o mundo da

economia. A universidade, porque o é, é abrangente: não é só

tecnológica. É por excelência o domínio das ciências sociais e

humanas e das artes. E isso tem tudo a ver com o desenvolvimento

dos povos e mentalidades.

Acredito que nesta casa em que estamos, bem gerida e pensada,

essa reflexão é permanente. � 16

Volto, pois, minhas senhoras e meus senhores, a algumas incidências

mais necessárias no âmbito da reforma do Estado com impacto direto

na economia portuguesa.

Portugal é um dos países da Europa onde menos se remunera o

trabalho e onde mais horas se trabalham, mas em que a produção por

cada trabalhador é das mais baixas. A produtividade é, portanto, um

dos problemas que temos que resolver, não por via da continuada

diminuição dos custos do trabalho mas através de um pacto social,

envolvendo sindicatos e partidos, que estabeleça metas e

compromissos para os próximos dez anos nos âmbitos da formação

profissional e da legislação laboral.

Sabemos que o investimento privado externo e interno é indispensável

nesta fase e que carece, para se processar, de estabilidade, de

segurança e de agilidade na resposta do Estado. Impõe-se,

igualmente com sentido alargado de compromisso, contratar com o

sector bancário para este desígnio, utilizar fundos europeus de forma

criteriosa e com a taxa de co-financiamento máxima possível e agir

com determinação e impacto imediato nos incentivos fiscais. Tal como

no caso da produtividade está em causa a aplicação de recursos

financeiros nacionais bem modestos.

A constante alteração no sistema fiscal português, tal como o excesso

de carga fiscal, é outro fator que mina a confiança e importa retificar. O

Pacto Fiscal que está a ser trabalhado ao nível do IRC deve ser

negociado como todos os intervenientes sociais e alargado a todos os

impostos, por forma a garantir uma estabilidade fiscal durante pelo

menos uma década. O Partido Socialista, por exemplo, não se deve

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excluir nem ser excluído desse esforço de consenso que deve ser

rapidamente concluído com êxito.

O caso da Justiça é um dos factores mais inibidores de um novo ciclo

de eficiência. Algumas alterações no sistema e no mapa judicial

provocaram alarde mas não contrariaram uma realidade: a Justiça é

cada vez mais cara, processualmente complexa, desigual no acesso,

lenta e um fator insegurança nas relações económicas e de

ineficiência no combate à corrupção. O mesmo acontece com a

burocracia onde até o programa Simplex, premiado a nível europeu,

foi suspenso. São reformas necessárias onde, uma vez mais, estamos

a falhar e não precisávamos nem precisamos de dinheiro para não

falhar.

Sabemos bem, por fim, como importa reverter a queda do

investimento privado interno e externo e do investimento público

ocorrida nos últimos dois anos. Estamos num momento em que

necessitamos de resolver uma contradição a favor do nosso

desenvolvimento: por um lado, avizinham-se novas e importantes

oportunidades com o novo Programa Operacional Comunitário

2014/20, que podem fazer-nos chegar recursos financeiros

extraordinários; por outro, são grandes as dificuldades em mobilizar a

comparticipação financeira própria para cativar e aproveitar esses

vultuosos fundos.

Temos que fazer alguma coisa para ganhar esse processo e, mais

uma vez, impõe-se concatenar e potenciar a influência externa dos

atores nacionais, com relevo para os partidos políticos, para obtermos

facilidades como a diminuição da componente necessária de

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investimento próprio para co-financiamento dos fundos, bem como,

por exemplo, a criação de Eurobonds, (títulos de dívida mutualizados),

para financiamento dessa componente, pelo menos nos 3 primeiros

anos. Isso é fundamental para alicerçar o crescimento económico de

que necessitamos.

E é fundamental, simultaneamente, que sejamos capazes de usando

esses fundos, aplicá-los como se fossem os últimos: no apoio à

competitividade empresarial em função do emprego e dos bens

transacionáveis gerados; na sustentação de postos de trabalho em

empresas exportadoras; na requalif icação profissional de

desempregados; no apoio à construção de acessibilidades

enquadradas nas redes europeias e transatlânticas de transportes; na

redução da balança energética do país.

Minhas senhoras e meus senhores

A experiência de governo ensinou-me que a nossa ambição legítima

nem sempre é realizável e que os compromissos que assumimos com

muita seriedade encontram, por vezes, obstáculos imprevistos que se

mostram inultrapassáveis para a concretização do pretendido. Todavia,

o tempo que vivemos é de desvalorização da palavra dada e de quase

indiferença perante o compromisso. Não creio que seja possível

superar o descrédito no exterior, o desânimo e a indignação

crescentes das pessoas e manter a paz social que ainda temos sem

que termine o turbilhão de incumprimento político que nos persegue e

a incapacidade de compromisso que nos desenraíza.

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É verdade que, como diz Tarso Genro – um dos intelectuais brasileiros

que mais e melhor tem refletido sobre o destino da esquerda

democrática na Europa – “ …há uma visão consolidada em grande

parte da população da inutilidade da política”, a que se soma a ideia

de que “Os partidos têm uma margem decisória muito pequena porque

a lógica financeira dos orçamentos foi capturada pelas necessidades

do pagamento da dívida…”. Porém, para evitar essa incompatibilidade

que se aprofunda entre a democracia representativa e as aspirações

dos cidadãos de equidade e de direitos é urgente a criação de um

bloco político e social, no país como na Europa, que proclame essa

conciliação e recupere das algemas que lhes impuseram os direitos

sociais mínimos que incorporam os valores de segurança e dignidade

das pessoas.

Estamos, pois, no tempo certo para acertar as nossas obrigações face

ao estado de emergência do país, o que deverá ser facilitado com a

atualização da vontade democrática do povo português e, assim, do

modo e da medida em que nos devemos conjugar – e isso é

irrecusável - para vencer tantos e tão difíceis desafios.

Minhas Senhoras e meus Senhores

Volto, justamente, a propósito das questões de sustentabilidade sobre

as quais tenho estado a ponderar, a recorrer ao contributo essencial

do Portugal Insular, para vos falar, finalizando, da importância do Mar

como fator do nosso desenvolvimento e afirmação.

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Os Açores europeus, situados no encontro das plataformas tectónicas

americana e europeia, são um valor acrescentado, sem par, na

comunidade nacional e especialmente numa perspetiva de

qualificação da afirmação portuguesa no Atlântico.

Pelos Açores passaram, obrigatoriamente – por cobiça, ou para

abrigo, descanso e aprovisionamento –, desde as primeiras viagens

marítimas intercontinentais, os que demandavam a Europa, a África e

as Américas.

Graças às suas regiões insulares, o nosso País, o centésimo primeiro

em dimensão territorial, é o oitavo no Mundo, o segundo na Europa e

o primeiro na União Europeia em área marítima exclusiva. É por causa

disso que a Portugal cabe, por exemplo, a maior responsabilidade

europeia no controlo do espaço aéreo e da segurança e salvamento

marítimos.

Acresce que todos esperamos que o território nacional seja ampliado

proximamente resultando avolumada a sua massa crítica, geográfica e

estratégica com a fixação pelas Nações Unidas dos novos e muito

mais latos limites da plataforma continental portuguesa. E, note-se,

isso acontece por causa dos Açores, cuja dispersão pelo oceano gera

desde logo uma zona económica exclusiva com cerca de um milhão

de quilómetros quadrados. Se a essas águas acrescentarmos a

imensa área de fundos oceânicos que – nos termos da Convenção

das Nações Unidas sobre o Direito do Mar – pode ser considerada

como extensão da plataforma continental em torno dos Açores,

teremos, já não um, mas quase três milhões de quilómetros quadrados

e, no total, quatro milhões, o que quer dizer 43 vezes a área terrestre

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do país. Isso alerta-nos para o facto de que, independentemente da

decisão da ONU, todos já deveríamos estar numa fase mais adiantada

de preparação minuciosa para esse novo enquadramento e de

organização das parcerias indispensáveis.

A esse respeito quero salientar, também, outro aspeto pouco

conhecido do contributo açoriano. Na verdade, os Açores conseguiram

ver classificadas 41 áreas marinhas que abrangem uma área superior

a 11,2 milhões de hectares, que na sua maior parte passaram a

constituir formalmente o Parque Marinho dos Açores, integrado por

diversos montes submarinos e fontes hidrotermais. A grande maioria

desta área encontra-se fora das 200 milhas da ZEE, em águas

internacionais, mas propostas no âmbito do alargamento da

plataforma continental, exatamente por influência dessa classificação

no âmbito da Convenção de Paris da OSPAR. Essa classificação,

aliás, abrange não apenas o solo e o subsolo, mas toda a coluna de

água. Trata-se pois de um trabalho bem sucedido nos planos científico

e político, que projetou a Região e o País para uma posição de

liderança, a nível europeu e mundial, não só no que à salvaguarda

ambiental marinha diz respeito mas também aos interesses

económicos, nacionais e regionais, que estavam em presença. E estes

são muitos.

Em vários outros domínios a relevância da componente insular

portuguesa é evidente e do senso comum, com são os casos que

resultam do seu potencial geográfico de localização de centros

reguladores, tecnológicos ou de investigação desde as áreas da

climatologia às das ciências do espaço. Mais dominante no debate

� 22

político tem sido o seu papel nos planos da segurança internacional:

de facto, considerando apenas o caso dos Açores estes são um ativo

português em consideração constante - os Açores são a fronteira de

segurança próxima da América, o lugar geométrico da relação

transatlântica e, subsequentemente, a mais relevante fronteira

europeia de cooperação internacional em matéria de segurança do

mundo ocidental.

Neste caso não resisto a, por oposição à inércia de muitos

governantes, fazer aqui um registo da observação voluntariosa da

deputada europeia Ana Gomes que, a propósito do tema da dimensão

marítima da Política Comum de Segurança e de Defesa que deverá

estar em análise no Conselho Europeu de Dezembro, questionava:

“Porque é que o governo português não começa a pôr a Base das

Lajes, sem prejudicar os acordos que temos com os Estados Unidos,

no centro de uma política europeia de segurança e defesa por

exemplo para a vigilância de toda a zona do golfo da Guiné e da

imensa zona que passará a ter implicações com o alargamento do

Canal do Panamá?”. Na verdade, esta postura questionadora tem

desde logo o mérito de lembrar potenciais centralidades e

capacidades portuguesas que não devem ser negligenciadas e muito

menos em tempo de uma crise que é também de desvalorização

nacional.

É, pelo menos por tudo isso mas não só, uma urgência a

compreensão, pelos políticos nacionais e pelos diferentes actores, da

evidência da necessidade do investimento e da valorização nacional e

perante terceiros dos territórios portugueses insulares atlânticos.

� 23

Sem estes, sem a correta consideração dos Açores e da Madeira, a

afirmação portuguesa no processo de construção europeia, e no

Mundo, confinada à sua insuficiente faixa continental, ficaria

drasticamente diminuída. Tenho dito várias vezes e há vários anos: é

esse o dever de perceção e de ação de um país que se conheça a si

mesmo, que tenha consciência das vantagens competitivas da sua

geografia. Uns por ignorância, outros por preconceito forjado na

babugem centralista, não compreendem o país assim e não vão além

do imediato e do transitório. Infelizmente o país está a abarrotar de

políticos e de decisores assim.

É verdade que o nosso país, ao contrário do que se repete com

frequência- neste caso, sim, com masoquismo – não é um território

desprovido de recursos que podem contribuir para a melhoria dos

níveis de cobertura da sua sustentabilidade económica e da geração

de riquezas. Pena é que não estejam a ser aproveitados.

No mundo em que vivemos, recursos como a água, a produção

alimentar e agrícola em geral, os combustíveis e os minerais, tal como

a adequação das infraestruturas e a qualidade dos recursos humanos

são essenciais.

Já me referi nesta comunicação a fatores fundamentais como o da

qualificação e emprego dos nossos recursos humanos e, em

particular, no que toca à Universidade. Também já referi que o país

dispõe de uma rede de infraestruturas físicas com uma razoável

distribuição pelo território mas ainda incompleta na cobertura das

funcionalidades económicas e sociais mais reprodutivas.

� 24

O potencial de alguns outros recursos pode ser genericamente

avaliado por considerações como estas: temos uma extensa área de

solo arável, sendo que na sua maior parte não tem exploração

económica; possuímos boas reservas de água doce, quer subterrânea

quer de superfície; temos, com maior ou menor interesse, reservas de

ferro, cobre, tungsténio, lítio, urânio; também de ouro, prata e de

carvão mineral de boa qualidade; desenvolvem-se trabalhos de

prospecção avançados de petróleo e gás natural, tanto na costa

ocidental como no Algarve, que se têm revelado muito promissores,

que se alude serem suficientes para as nossas necessidades de

abastecimento ao longo deste século.

Se nuns casos isso será compreensível ou mesmo inevitável noutros

casos corremos riscos desnecessários de redução drástica da nossa

capacidade de retenção do seu valor por causa da sua entrega por

omissão a meios de investigação, ciência e empresas exteriores, que

se deve ora à nossa falta de capacidade de investigação em meio

empresarial ora à governação de salvação do imediato e de

comprometimento do futuro que tomou conta do país. Salvaguardo,

claro, por um lado a impreteribilidade e ou as vantagens de se agir em

cooperação internacional e, por outro, o esforço e os resultados de

algumas, poucas, instituições, que têm casos de sucesso na criação

de spin-offs nessas áreas como é o caso do DOP da Universidade dos

Açores actualmente dirigido pelo Professor Doutor Helder Marques da

Silva.

É, justamente, nessa ordem de razões e preocupações, que devemos

e podemos também reforçar a consideração do Mar e, na origem

� 25

disso, o carácter essencial do contributo do Portugal insular para o

nosso crescimento, desenvolvimento e autonomia.

Como relembrava Avelino Meneses – um historiador prestigiado que já

foi Reitor da Universidade dos Açores – “Todas as épocas da história

de Portugal, do nascimento ao apogeu, à decadência e às tentativas

de regeneração, dependeram (…) da influência do Mar, isto é, da

conquista ou da perda de predomínio nos mares”. Podemos e temos

de tornar o Mar, para utilizar a expressão utilizada na proposta de

Estratégia Nacional para o Mar para 2013/20 “um activo com

benefícios económicos, sociais e ambientais permanentes”

Há quem ainda olhe o Mar, infelizmente, quase só como se de um

território inculto se tratasse, onde a principal novidade é a ameaça dos

efeitos desastrosos da subida do nível das águas em um metro até ao

final do século por causa das alterações climáticas.

É verdade que há trabalho avulso feito em Portugal na área do Mar,

particularmente a partir da segunda metade dos anos noventa e com a

formação sucessiva de instâncias e organismos na periferia dos

governos, por impulso das universidades e em cooperação com

entidades internacionais, mas nunca esse trabalho foi devidamente

integrado ou sequer considerado num plano de ação mensurável e

objetivo como se exige estando nós em presença de um vetor

estratégico. Continua a não haver uma alocação planeada, ou sequer

uma linha de perceção dos meios humanos, informativos, financeiros e

técnicos necessários.

Possuímos, como já salientei, a maior Zona Económica Exclusiva da

UE, que é tão grande como todo o continente europeu. Sensivelmente � 26

metade diz respeito ao mar dos Açores. Os interesses económicos

associados crescem diariamente e reportam-se sucessivamente aos

mais variados domínios de recursos e de exploração.

Mesmo face a tal diversidade, ou então talvez por isso, emergem por

vezes disputas e contenciosos internos que retardam o

aproveitamento deste potencial. Falo, por exemplo, face à área de mar

contida na sub-área Açores – que é, afinal, parte integrante da unidade

ecossistémica da Macaronésia –, do relacionamento jurídico complexo

entre o Estado e a Região Autónoma dos Açores, do qual têm

resultado sucessivas dúvidas que acabam por lesar o investimento

nesta área, tanto ao nível económico como científico. O caso da

prospeção de minerais nos Açores é um dos exemplos dessa

incapacidade das autoridades nacionais trabalharem construtivamente

com as administrações regionais autónomas na gestão partilhada

desses espaços e não persistirem numa atitude suspeitosa e, em

consequência, contenciosa e paralisadora.

A clarificação e o bom relacionamento entre entidades intervenientes

são assim muito importantes e deverão conhecer um novo ciclo mais

produtivo. Aliás, a nível europeu, os fundos a disponibilizar até ao

Horizonte 2020 contemplam um volume considerável de recursos para

cofinanciamento para a designada economia azul que Portugal tem

que aproveitar na íntegra e da melhor maneira. Trata-se assim de uma

oportunidade, mais uma, promissora para se avançar nos

investimentos prioritários de base nacional que se incluem na aposta

decidida no Mar que não deve ser retardada.

� 27

Ao nível do mar a pesca surge como um setor relevantíssimo. É

verdade que o é, porventura, desde sempre, para as populações e

territórios com orlas marítimas, mas ao longo das duas últimas

décadas teve uma revalorização considerável por razões que se

prendem com a apreciação da qualidade e a imagem de

sustentabilidade ambiental e com a procura seletiva mas crescente do

produto de pescado selvagem cada vez menos disponível.

Considerando que 50% da produção mundial de pescado é

processada em regime de aquacultura e que nos próximos anos e

décadas essa percentagem aumentará muito significativamente em

resultado da escassez de recursos selvagens e da regulação

internacional de direitos de pesca, é seguro prever (aliás, como o

dizem a FAO e a OCDE) uma grande valorização do produto no mar

se for bem dirigido, apoiado técnica e cientificamente, fiscalizado e

monitorizado e se for mantida na produção nacional a frota pesqueira

modernizada nos últimos anos. Isso, não falando da sua procura para

efeitos de transformação, sobretudo para conserva, e do que pode

representar de contributo para a atividade exportadora.

Infelizmente, porém, o Estado português – tão frequentemente

empenhado em missões internacionais de natureza humanitária de

segurança ou no âmbito da NATO –, é, ao invés, condenado em

tribunal por omissão do dever de fiscalização das águas dos Açores o

que tem permitido, especialmente para além das 100 milhas e por

embarcações estrangeiras, importantes danos de natureza ecológica e

económica. A nossa Marinha procura, é certo, dentro dos seus

escassos meios cumprir as suas missões o melhor possível, mas,

� 28

como já a propósito dizia o Almirante Fernando Melo Gomes, com

candura diplomática, “é imperioso que se faça o muito que há a fazer”.

Hoje, o produto da pesca, embora se perca muito valor na fileira até ao

consumidor final e se deprecie incompreensivelmente os recursos

humanos envolvidos na atividade, tem importância no rendimento e na

exportação. Se parece muito provável que o produto da pesca

continue a diminuir não subsistem razões, todavia, para que as

capturas não venham a ser muito melhor remuneradas e o produto

extraordinariamente revalorizado.

Refiro, aqui, também, o que representa, na dimensão do Portugal

ibérico como no do Portugal insular, o nosso potencial próprio e

logístico no que concerne ao transporte marítimo de passageiros de

cargas quer nos modelos em uso quer, sobretudo, nos esforços

inovadores que estão em curso.

Recentemente, o coordenador do projeto europeu das “Autoestradas

do Mar”, defendeu, no quadro desse cometimento, a realização

urgente de estudos para a criação nos Açores de uma plataforma “de

reabastecimento dos navios a gás natural liquefeito, cujo uso será

intensificado”. Valente de Oliveira, partindo da perceção da posição

privilegiada dos Açores e da prioridade que está a ser dada ao preço e

ao impacto ambiental dos efluentes da combustão no transporte

marítimo, sobretudo entre os lados americano e europeu, tornou claro

que esta posição geográfica única tem que ser aproveitada.

Na verdade estamos já hoje ligados, desde o seu início, ao chamado

projecto europeu COSTA , que surge no âmbito da Estratégia 2020 e

da nova política da rede de transportes transeuropeias, visando � 29

desenvolver as condições necessárias para a utilização de gás natural

como combustível de navios, o que poderá vir a revolucionar o

transporte marítimo mundial, e cuja área de atuação inicial será a

consolidação de um masterplan centrado no eixo Mar Negro, Mar

Mediterrâneo e Oceano Atlântico.

É sabido que de entre todos os segmentos do transporte marítimo

internacional, que se processa em regime de grande concorrência, é o

transporte da chamada “carga geral”, geralmente produtos

industrializados, que absorve cerca de 2/3 dos custos dos fretes

marítimos internacionais e que gerou uma utilização intensiva do

contentor, sobretudo depois da última década de oitenta. Essa

inovação alterou profundamente as características dos serviços de

transporte marítimo, designadamente com o surgimento e a

necessidade de portos concentradores onde se realizam operações de

transbordo e de terminais próprios.

Concomitantemente, a conclusão do alargamento do Canal do

Panamá em 2015 acentuará a circulação transatlântica, como parece

que só há dias, para espanto geral, os mais altos responsáveis

portugueses constataram extasiados por ocasião dos trabalhos da

Cimeira Ibero-Americana. Impõe-se, pois, uma intensa preparação,

que já devia estar muito mais adiantada e não interrompida, da nossa

infraestrutura marítimo-portuária de Sines liderando e organizando a

oferta na fachada continental atlântica. Ao mesmo tempo, é igualmente

importante deter uma posição no cruzamento das rotas (este-oeste e

norte-sul) do tráfego marítimo atlântico centrada nos Açores.

� 30

A criação do Hub Atlântico dos Açores, no porto oceânico da Praia da

Vitória é outro investimento do qual a administração central e a própria

UE devem, a meu ver, ser partes investidoras. O projeto consiste no

desenvolvimento de um terminal portuário de contentores que possa

servir de suporte para a organização desse novo tipo de serviço de

transporte marítimo no Atlântico. Este tipo de serviço permitirá também

descongestionar o tráfego terrestre, nos portos europeus e norte-

americanos, dado que o acesso a esses portos será efetuado através

da utilização de navios porta-contentores de médio porte, com maior

agilidade operacional em comparação com os designados “mega

carriers”. Estão identificados como potenciais clientes os gestores de

terminais de contentores, os armadores de linhas marítimas e os

Estados/regiões.

Como curiosidade note-se que em 2011 foram registados 1570 navios,

que passaram a menos de 80 milhas das ilhas do arquipélago.

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Falo-vos também aqui de outras três áreas emergentes relacionadas

com o mar que são muito desconhecidas das pessoas em geral e

frequentemente negligenciadas pelos decisores e até, com raras

excepções, ainda não adotadas pelos investidores nacionais. São

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elas: a biotecnologia azul; as fontes hidrotermais; e, os montes

submarinos.

A biotecnologia marinha está em crescimento significativo,

representando hoje o mar cerca de 4% das fontes de biotecnologia.

Embora os oceanos constituam 70% da superfície da terra, apenas

menos de 5% da diversidade marinha é incorporada em serviços e

produtos. Estes indicadores mostram bem o potencial inexplorado do

mar.

Sobretudo nestes últimos anos, a biotecnologia marinha tem-se

desenvolvido em conexão com as fontes hidrotermais no oceano

profundo. No caso dos mares dos Açores já foram identificadas seis

zonas hidrotermais de grande importância em cerca de duas décadas

de missões cientificas, a primeira das quais em 1992 designada por

Lucky StriKe. Nestas comunidades têm sido encontrados organismos

quimiosintéticos que estão adaptados a ambientes extremos e que

têm desvendado compostos cuja atividade metabólica representa uma

fonte para a descoberta de novos produtos de interesse

biotecnológico, como sejam enzimas de utilização industrial,

farmacêutica, agro-alimentar, bioenergética, de bio-remediação e para

a investigação científica em geral.

O potencial associado a esses ecossistemas é reconhecido pela

comunidade científica internacional, conforme o demonstram as

sucessivas expedições exploratórias de grupos estrangeiros às fontes

hidrotermais de ambiente marinho profundo na Zona Económica

Exclusiva dos Açores, ou mesmo o crescendo associado de atividades

de serviços de informações públicos e privados e, pelo menos assim o

� 32

espero, dos nossos serviços de informação da República. Nos últimos

anos em que presidi ao governo dos Açores todos os diplomatas

estrangeiros que recebi procuraram de forma mais ou menos

explícitas informações concretas nestes domínios.

Nestes campos hidrotermais, como se conclui de relatos vários mais

ou menos reservados, bactérias extremófilas e comunidades

faunísticas são objeto de coletas para estudos científicos posteriores

em que se caracterizam os mecanismos fisiológicos e moleculares de

adaptação a ambientes extremos.

Só em mexilhões de fontes hidrotermais, de acordo com a informação

disponível nos meios científicos, foram detetados inúmeros genes com

possível aplicação biotecnológica em domínios como o dos

anticoagulantes, antitumorais, antibacterianos, antifúngicos e

antivirais, proteínas alimentares com fortes propriedades adesivas,

manipuladores de células humanas, hemoglobina (transportador de

ferro e de oxigénio), fatores de formação e crescimento de tecidos

epidérmicos e de desenvolvimento dos ossos, entre outros potenciais

já identificados.

Nestes casos, como noutros que já referi, pontuam as dificuldades de

colher para nós pelo menos uma boa parte das mais-valias da sua

utilização por terceiros, cujo poder científico, logístico, financeiro e

empresarial nos são impostos. Nos Açores, por exemplo, foi publicada

legislação específica para o efeito para regular o acesso a recursos

naturais para fins científicos mas, nesta como em outras situações, as

nossas omissões e insuficiências de meios e de investimento na

fiscalização já nos saíram e ainda nos sairão mais caras.

� 33

Uma outra área com forte potencial económico é a exploração mineral

de nódulos polimetálicos, crostas de ferro-manganês ricas em cobalto

e sulfuretos maciços polimetálicos muito abundantes nos fundos

submarinos dos Açores.

Nestes casos os interesses e os pedidos de prospeção e exploração

são já insistentes, especialmente por empresas com capacidade

demonstrada de exploração destes recursos em profundidade. O valor

de uma tonelada destes minerais no mercado, em bruto, atinge

montantes muito compensadores. Mas, se é verdade que o Estado é

por vezes acusado de agir frequentemente atrapalhando iniciativas e

resultados, era importante nestes casos, não descurar os interesses

dos Açores e do país na ilusão de um pequeno avanço ou

remuneração imediata.

Volto também a referir o caso da aquacultura para salientar um

aspecto alternativo do crescimento que tem tido. É que, também no

âmbito da economia do mar, é possível crescer aproveitando este

segmento emergente, pois grande parte desta produção é feita em

terra e em águas interiores (água doce e marinha) incorporando, em

regra, problemas envolventes de eutrofização. A chamada produção

offshore, é ainda pouco expressiva mas deverá ter um forte

incremento com os sistemas de produção que estão ainda em

desenvolvimento e que se deverão generalizar ao longo desta década.

Faço notar, por exemplo, que, apesar da enorme carência de pescado

no mercado europeu – do qual é tão fortemente deficitário que importa

mais de 60% do que consome (o nosso próprio país importa mais de

50%) – há mais de uma década que a escassa produção europeia

� 34

estagnou. Vastas zonas, incluindo o caso dos Açores (lembro que os

Açores e a Madeira têm uma orla marítima com uma extensão de 918

Km, ou seja praticamente igual à de Portugal Continental que é de

943Km), vastas zonas, dizia, poderão ser utilizadas neste novo

formato produtivo, desde que se estabeleça uma legislação positiva e

um plano adequado para esta atividade. Refira-se, a este propósito,

que só o arquipélago vizinho das Canárias produz anualmente cerca

de uma dezena de milhar de toneladas.

Estamos assim em presença de uma diversidade de oportunidades

que o país ainda não aproveita em parte ou no todo para gerar riqueza

em sectores onde tem certamente um potencial competitivo e de

recursos.

Mesmo em áreas de exploração mais tradicional temos muito caminho

a fazer e muitos benefícios em criação de valor e de riqueza a

procurar e a readquirir.

A readquirir, por exemplo, na área da reparação e construção naval

que tem sido destruída em Portugal pela incúria e pelo

desinvestimento das tutelas governamentais nos últimos anos, como o

documenta a incrível incompetência que o Ministério da Defesa e as

administrações da empresa têm demonstrado no caso dos Estaleiros

de Viana de Castelo, agora subconcessionados em termos que não

estão completamente clarificados.

A continuar a procurar, por exemplo, no caso das atividades marítimo-

turísticas que têm observado, ainda assim, um forte incremento

nacional, captando importantes nichos de mercados emissores de

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turismo e sustentando muitas iniciativas, economias e empregos

locais.

Nos Açores, como em outros lugares, a observação de cetáceos, a

pesca e outras práticas náuticas desportivas, a caça submarina, a

escala de grandes navios de cruzeiros e os pequenos cruzeiros

costeiros, o mergulho de lazer e mais recentemente também o

mergulho com tubarões e jamantas são alguns exemplos mais

chamativos destas atividades que convocam micromercados de

elevado potencial e retenção de valor. Saliento, ainda, as atividades

ligadas aos roteiros culturais associados à arqueologia e ao património

subaquático – nesta dimensão, recentemente, um especialista do

Centro de História Além-Mar, referindo-se igualmente aos Açores a

propósito do registo em fontes escritas de cerca de 700 naufrágios

relevantes entre os séculos XVI e XX, destacou não só o seu elevado

potencial científico como na vertente a explorar do turismo cultural. O

mesmo acontece por quase toda a costa e baías do território

continental.

A minha convicção como governante ao longo de 16 anos e a

demonstração que insisto em fazer são que: em todas essas

modalidades, podemos crescer e fazer melhor por todo o país e

ganhar mais usando concertadamente estas nossas vantagens

naturais comparativas. O que nos entristece é que, em regra, não se

ouve e ainda menos se sente – pese embora a reconhecida qualidade

do titular da Secretaria de Estado do Mar, Manuel Pinto de Abreu -

qualquer pensamento estratégico na ação governativa multissectorial

reportada ao Mar, nem na perspetiva nacional nem em âmbitos mais

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vastos, ou mesmo, como seria interessante fazê-lo, no quadro dos

países da CPLP – todos eles países marítimos. O que é estranho é

que isso é mais evidente neste governo do que nos anteriores e, dos

cinco primeiro ministros com os quais trabalhei como presidente do

governo dos Açores, é o atual o que menos adstrito ao tema parece

estar.

Minhas Senhoras e meus senhores

Fui mais exaustivo – e espero que não definitivamente cansativo – na

abordagem destas questões ligadas ao Mar, como o poderia ter sido

em outros casos que fui sumariando, porque pretendo chamar a

atenção, tal como o faço há muitos anos, para este lado

impropriamente negligenciado pelas políticas públicas de conjuntura

com que convivemos.

Ao longo desta exposição procurei, com prejuízo do ritmo e da

sonoridade que os “textos ao ataque” sempre favorecem, procurei,

dizia, demonstrar que o país político pode pensar o destino dos seus

cidadãos e do seu território para além da redução da despesa, da

vendagem do património público e da nacionalização e extorsão dos

rendimentos privados.

Há um país real pleno de recursos por aproveitar e fazer explorar e há

um saldo resultante do somatório dessas omissões persistentes que é

suficiente para trabalhar no presente e preparar com maior margem e

mais confiança o futuro. O potencial de desenvolvimento que esses

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recursos representam precisa de ser rapidamente apropriado pelo

país, sob pena de outros o fazerem. O caso do Mar é paradigmático.

Há um Portugal em Portugal que pode dar-nos as garantias da

sustentabilidade que outros têm ou alcançaram. Saibamos nós

governar hoje sem excluir o futuro.

Carlos César

Outubro de 2013

� 38