Introdução_ Ao_ Direito_ Industrial_First Sale Doctrine

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  • CARLOS OLAVO

    (*) Trabalho publicado em Direito Industrial, Vol. IV, Almedina 2005

    INTRODUO AO DIREITO INDUSTRIAL (*)

    SUMRIO: 1. Relevncia do Direito Industrial; 2. Fontes Legislativas do Direito Industrial; 3. mbito do Direito Industrial; 4. Direitos Privativos da Propriedade Industrial e Concorrncia Desleal; 5. O Registo dos Direitos Privativos; 6. O Contedo dos Direitos Privativos; 7. Natureza Jurdica dos Direitos Privativos; 8. A Tipicidade dos Direitos Privativos; 9. A Internacionalizao da Proteco dos Direitos Privativos; 10. A Integrao Europeia e o Direito Industrial; 11. O Direito Industrial na Enciclopdia Jurdica.

    1. Relevncia do Direito Industrial

    O Direito Industrial reconduz-se, no essencial, proteco do valor da inovao e da capacidade distintiva.

    O princpio da liberdade de iniciativa econmica privada implica, ou pelo menos possibilita, a existncia de uma pluralidade de sujeitos econmicos que actuam em direco a um mercado.

    Como liberdade de iniciativa de um se contrape a liberdade de iniciativa dos demais, da liberdade de iniciativa econmica privada decorre, normalmente, a existncia de uma multiplicidade indiscriminada de empresrios actuando no mesmo mercado.

    Havendo, por parte de uma pluralidade de empresrios, a susceptibilidade de livremente intervirem num determinado mercado, todos eles estaro em igualdade de circunstncias no que toca ao acesso a esse mesmo mercado e, portanto, numa posio de concorrncia uns em relao aos outros.

    Subjacente concorrncia existe uma pluralidade de actuaes convergentes, na medida em que existe uma pluralidade indiscriminada de fornecedores de bens e servios que se dirigem a uma pluralidade indiscriminada de consumidores.

    Mas cada consumidor dispe de meios limitados para satisfazer as suas necessidades, teoricamente ilimitadas.

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    Da a importncia, para o consumidor, de poder escolher, de entre os produtos e servios que lhe so propostos, os que melhor satisfaam as suas necessidades.

    A concorrncia representa competio entre os vrios empresrios para atingirem a supremacia no mercado em relao aos demais, captando a preferncia dos consumidores, dada a possibilidade de flutuao de escolha por parte destes.

    O modelo de mercado concorrencial caracteriza-se por ser um mercado aberto, no qual as modificaes da oferta e da procura se reflictam nos preos, a produo e a venda no sejam artificialmente limitadas e a liberdade de escolha dos fornecedores, compradores e consumidores no seja posta em causa.

    Ora, num mercado cada vez mais competitivo e globalizado, a capacidade que cada empresrio tenha de inovar e de se distinguir dos demais constitui indiscutvel vantagem.

    E vantagem acrescida a circunstncia de os consumidores reconhecerem, com facilidade, essa capacidade de inovao e de distino.

    A Propriedade Intelectual representa a atribuio, a cada um, dos valores correspondentes s inovaes que fazem, bem como respectiva capacidade distintiva, em termos de tais valores poderem ser imediatamente apreendidos pelo mercado.

    Quando os mencionados valores so realidades susceptveis de utilizao empresarial, ou seja, de satisfazer necessidades econmicas, integram-se no Direito Industrial; quando esteja em causa essencialmente o aspecto criativo, a individualidade prpria da obra de arte, integram-se nos Direitos de Autor.

    A lei portuguesa faz assim a distino entre os direitos de propriedade industrial e os direitos de autor, ainda que certas realidades possam ser simultaneamente protegidas por ambos os institutos.

    2 Fontes Legislativas do Direito Industrial

    Em Portugal, o diploma inicial sobre propriedade industrial o Decreto de 16 de Janeiro de 1837 sobre a propriedade de novos inventos e de sua introduo, embora antes disso j se dessem privilgios a inventores, mas sem uma forma de processo normal.

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    Esse diploma foi substitudo pelo Decreto de 31 de Dezembro de 1852, o qual foi, em parte, revogado pelos artigos 613 a 640 do Cdigo Civil de 1867, mantendo-se em vigor o respectivo processo administrativo para a concesso da carta ou patente do privilgio, nos termos do Decreto de 17 de Maro de 1867.

    Posteriormente, a matria das marcas de fbrica e de comrcio foi objecto da Carta de Lei de 4 de Junho de 1883, regulamentada pelo Decreto de 23 de Outubro do mesmo ano.

    O servio completo da Propriedade Industrial foi organizado pela publicao do Decreto ditatorial de 15 de Dezembro de 1894, regulamentado em 28 de Maro de 1895, e substitudo pela Carta de Lei de 21 de Maio de 1896, que reproduz, com ligeirssimas diferenas, esse Decreto, e mantm em vigor o Regulamento.

    Por seu turno, a Lei de 21 de Maio de 1896 foi substituda pelo Cdigo de Propriedade Industrial, elaborado e publicado ao abrigo da Lei n. 1.972, de 21 de Junho de 1938, e aprovado pelo Decreto n. 30.679, de 4 de Agosto de 1940.

    A legislao especial em que o Cdigo da Propriedade Industrial consistia foi ressalvada aquando da entrada em vigor do Cdigo Civil de 1966, cujo artigo 1303 preceitua:

    1. Os direitos de autor e a propriedade industrial esto sujeitos a legislao especial.

    2. So todavia, subsidiariamente aplicveis aos direitos de autor e propriedade industrial as disposies deste cdigo, quando se harmonizem com a natureza daqueles direitos e no contrariem o regime para eles especialmente estabelecido.

    O mencionado Cdigo foi substitudo pelo Cdigo de Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto Lei n. 16/95, de 24 de Janeiro, para entrar em vigor em 1 de Junho de 1995.

    Previa o relatrio deste diploma a promoo, pelo Governo, da imediata constituio de uma comisso de especialistas para acompanhar a aplicao do Cdigo e propor as alteraes necessrias1.

    1 A este respeito, cfr. Jos de Oliveira Ascenso, A Reforma do Cdigo da Propriedade

    Industrial, in Direito Industrial, Vol. I (obra colectiva), Almedina 2001, pg. 481 e segs.; Jorge

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    Na sequncia dos vrios trabalhos produzidos, foi publicado novo Cdigo da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto Lei n. 36/2003, de 5 de Maro, para entrar em vigor em 1 de Julho de 20032.

    De acordo com o respectivo artigo 316, de teor idntico, quer ao artigo 257 do Cdigo de 1995, quer ao artigo 211 do Cdigo de 1940, a propriedade industrial tem as garantias estabelecidas por lei para a propriedade em geral e especialmente protegida, nos termos do Cdigo e demais legislao e convenes em vigor.

    Em sede de direito internacional, a propriedade industrial vai encontrar, pela primeira vez, tratamento autnomo e sistemtico com a Conveno de Paris para a Proteco da Propriedade Industrial, de 20 de Maro de 1883, habitualmente designada apenas por Conveno da Unio de Paris.

    Portugal foi, conjuntamente com a Blgica, o Brasil, a Espanha, a Frana, o Guatemala, a Itlia, os Pases-Baixos, o Salvador, a Srvia e a Sua, um dos fundadores da Unio, tendo a Conveno sido por ele confirmada e ratificada por Carta de Lei de 17 de Abril de 1884.

    A Conveno da Unio de Paris foi posteriormente revista em Bruxelas (14 de Dezembro de 1900), em Washington (2 de Junho de 1911), na Haia (6 de Novembro de 1925), em Londres (21 de Junho de 1934), em Lisboa (31 de Outubro de 1958), e em Estocolmo (14 de Julho de 1967), tendo esta ltima reviso sido aprovada para ratificao pelo Decreto n. 22/75, de 2 de Janeiro, e ratificada conforme Aviso publicado no Dirio da Repblica, 1 srie, de 15 de Maro de 1975.

    Prev o artigo 19 da Conveno que os pases da Unio se reservam o direito de, separadamente, celebrar entre eles acordos particulares para a proteco da propriedade industrial, contanto que esses acordos no contrariem as disposies da mesma Conveno.

    No mbito dessa disposio, numerosas outras convenes internacionais tm sido aprovadas.

    Cruz, Comentrios ao Cdigo da Propriedade Industrial, 1995, e Sugestes para a Reviso do Cdigo da Propriedade Industrial, 1996. 2 a este Cdigo que se reportam os artigos que no indiquem o respectivo diploma legal,

    referindo-me ao aprovado pelo Decreto n. 30.679 como Cdigo de 1940 e ao aprovado pelo Decreto Lei n. 16/95 como Cdigo de 1995.

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    A nvel do comrcio internacional, particularmente sensvel a necessidade de promover uma proteco eficaz e adequada dos direitos de propriedade industrial e de simultaneamente garantir que as medidas e processos destinados a assegurar a aplicao efectiva dos direitos de propriedade industrial no constituam obstculo ao comrcio legtimo.

    Tal necessidade foi naturalmente sentida no mbito do Uruguay Round, de que resultou o Acordo que criou a Organizao Mundial do Comrcio, designado por Acordo OMC, seus anexos, decises, declaraes ministeriais e Acto Final, assinados em Marraquexe em 15 de Abril de 1994, aprovados, para ratificao, por Portugal, pela Resoluo da Assembleia da Repblica n. 75-B/94, e ratificados pelo Decreto do Presidente da Repblica n. 82-B/94, ambos de 27 de Dezembro.

    Um dos anexos ao Acordo OMC o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comrcio, designado por TRIPS3, que inclui disposies pormenorizadas em matria de proteco dos direitos de propriedade intelectual, as quais tm por objectivo estabelecer disciplinas de mbito internacional neste domnio, a fim de promover o comrcio internacional e impedir a ocorrncia de distores ao comrcio, bem como evitar o desenvolvimento de tenses devido inexistncia de uma proteco adequada e eficaz da propriedade intelectual4.

    Tambm no mbito da Unio Europeia existe abundante legislao sobre propriedade industrial, com vista a uniformizar os respectivos regimes e evitar compartimentaes de mercados5.

    3 mbito do Direito Industrial

    Dispe o artigo 1:

    3 Embora a verso portuguesa do Acordo se designe a si prpria por TRIPS, h quem prefira a

    designao ADPIC, que corresponde sigla portuguesa do Acordo. 4 Alm da clusula geral de conformidade contida no artigo XVI, n. 4, do Acordo OMC, prev-

    se, no artigo 1, n. 1, do TRIPS, que os Membros implementaro na sua ordem interna, as disposies dele constantes. 5 Cfr. infra n. 10.

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    A propriedade industrial desempenha a funo de garantir a lealdade de concorrncia pela atribuio de direitos privativos sobre os diversos processos tcnicos de produo e desenvolvimento da riqueza.

    E acrescenta o artigo 2:

    Cabem no mbito da propriedade industrial a indstria e comrcio propriamente ditos, as indstrias das pescas, agrcolas, florestais, pecurias e extractivas, bem como todos os produtos naturais ou fabricados e os servios."

    Analisando os textos legais, verifica-se que a propriedade industrial se reconduz essencialmente a duas ordens de ideias:

    - a atribuio da faculdade de explorar economicamente, de forma exclusiva ou no, certas realidades imateriais;

    - a imposio do dever de os vrios agentes econmicos que operam no mercado procederem honestamente.

    A primeira das duas indicadas ordens de ideias abrange os chamados direitos privativos da propriedade industrial; a segunda, a represso da concorrncia desleal.

    Esta dicotomia encontra-se claramente estabelecida na Conveno da Unio de Paris, cujo artigo 1 estabelece:

    1) Os pases a que se aplica a presente Conveno constituem-se em Unio para a proteco da propriedade industrial.

    2) A proteco da propriedade industrial tem por objecto as patentes de inveno, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fbrica ou de comrcio, as marcas de servio, o nome comercial e as indicaes de provenincia ou denominaes de origem, bem como a represso da concorrncia desleal.

    3) A propriedade industrial entende-se na mais larga acepo e aplica-se no s industria e ao comrcio propriamente ditos, mas tambm s indstrias agrcolas e extractivas e a todos os produtos fabricados ou naturais, por exemplo: vinhos, gros, tabaco em folha, frutos, animais, minrios, guas minerais, cervejas, flores, farinhas.

    Tambm o Cdigo consigna, com igual clareza, e semelhana do que se verificava perante os Cdigos de 1940 e 1995, as duas referidas modalidades de propriedade industrial.

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    No Ttulo II do Cdigo, prev-se a atribuio de diferentes categorias de direitos privativos6, a saber, patentes (artigo 51), modelos de utilidade (artigo 117), topografias de produtos semicondutores7 (artigo 153), desenhos ou modelos (artigo 173), marcas (artigo 222), recompensas (artigo 271), nomes e insgnias de estabelecimento (artigo 282), logtipos (artigo 301) e denominaes de origem e indicaes geogrficas (artigo 305).

    E, no Ttulo III, Captulo I, sob a epgrafe Infraces, prev a obrigao de proceder honestamente no exerccio da actividade econmica, obrigao cuja violao d origem concorrncia desleal.

    Se o empresrio pretender interferir na liberdade de escolha dos consumidores por meios contrrios s normas e usos honestos, pratica um acto que a lei reprime

    enquanto concorrncia desleal8. Assim, o artigo 317 define concorrncia desleal nos seguintes termos: Constitui concorrncia desleal todo o acto de concorrncia contrrio s

    normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade econmica, nomeadamente: a) Os actos susceptveis de criar confuso com a empresa, o estabelecimento, os

    produtos ou os servios dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue; b) As falsas afirmaes feitas no exerccio de uma actividade econmica, com o

    fim de desacreditar os concorrentes; c) As invocaes ou referncias no autorizadas feitas com o fim de beneficiar

    do crdito ou da reputao de um nome, estabelecimento ou marca alheios; d) As falsas indicaes de crdito ou reputao prprios, respeitantes ao capital

    ou situao financeira da empresa ou estabelecimento, natureza ou mbito das suas actividades e negcios e qualidade ou quantidade da clientela;

    6 Existem ainda direitos privativos em legislao avulsa, como o caso, a meu ver, da firma,

    regulada pelo regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto Lei n. 129/98, de 13 de Maio (RNPC). 7 A proteco jurdica das topografias dos produtos semicondutores estava anteriormente

    prevista em legislao avulsa, na Lei n. 16/89, de 30 de Junho. 8 actualmente pacfico que, em sede de direito privado, existe uma clusula geral que probe a

    concorrncia desleal; cfr., por todos, Adelaide Menezes Leito, Estudo de Direito Privado sobre a Clusula Geral da Concorrncia Desleal, Almedina 2000, pg. 192.

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    e) As falsas descries ou indicaes sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou servios, bem como as falsas indicaes de provenincia, de localidade, regio ou territrio, de fbrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adoptado;

    f) A supresso, ocultao ou alterao, por parte do vendedor ou de qualquer intermedirio, da denominao de origem ou indicao geogrfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante, em produtos destinados venda e que no tenham sofrido modificao no seu acondicionamento.

    Acrescenta o artigo 318, relativamente proteco de informaes no divulgadas:

    Nos termos do artigo anterior, constitui acto ilcito, nomeadamente, a divulgao, a aquisio ou a utilizao de segredos de negcios de um concorrente, sem o consentimento do mesmo, desde que essas informaes:

    a) Sejam secretas, no sentido de no serem geralmente conhecidas ou facilmente acessveis, na sua globalidade ou na configurao e ligao exactas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos crculos que lidam normalmente com o tipo de informaes em questo;

    b) Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas; c) Tenham sido objecto de diligncias considerveis, atendendo s

    circunstncias, por parte da pessoa que detm legalmente o controlo das informaes, no sentido de as manter secretas.

    Paralelamente a estes artigos, as actuaes de concorrncia desleal so tambm definidas e proibidas pelo artigo 10 bis da Conveno da Unio de Paris, cujo teor actual o seguinte:

    "1. Os pases da Unio obrigam-se a assegurar aos nacionais dos pases da Unio, proteco efectiva contra a concorrncia desleal.

    2. Constitui acto de concorrncia desleal qualquer acto de concorrncia contrrio aos usos honestos em matria industrial ou comercial.

    3. Devero proibir-se especialmente:

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    1 Todos os actos susceptveis de, por qualquer meio, estabelecer confuso com o estabelecimento, os produtos ou actividade industrial ou comercial de um concorrente;

    2 As falsas afirmaes no exerccio do comrcio, susceptveis de desacreditar o estabelecimento, os produtos ou a actividade industrial ou comercial de um concorrente;

    3 As indicaes ou afirmaes cuja utilizao no exerccio do comrcio seja susceptvel de induzir o pblico em erro sobre a natureza, modo de fabrico, caractersticas, possibilidades de utilizao ou quantidade de mercadorias".

    A pluralidade de actuaes susceptveis de serem qualificadas como concorrncia desleal levou a doutrina a agrup-las em diferentes categorias. Neste sentido, podem-se referir actos de confuso, actos de apropriao, actos de descrdito, actos de desorganizao e actos parasitrios9.

    So, pois, duas as modalidades de propriedade industrial previstas no Cdigo: a disciplina dos direitos privativos e a represso da concorrncia desleal.

    Por seu turno, a disciplina dos direitos privativos abrange duas grandes categorias: a proteco das inovaes e a proteco dos sinais distintivos do comrcio.

    Com efeito, de entre o nmero considervel de semelhantes direitos, h que distinguir consoante o bem imaterial cuja faculdade de utilizao a lei atribui uma inovao ou um sinal de diferenciao.

    No primeiro caso, integram-se as patentes, os modelos de utilidade, as topografias de produtos semicondutores e os desenhos ou modelos.

    No segundo caso, integram-se as marcas, as recompensas, os nomes e as insgnias de estabelecimento, os logtipos, as denominaes de origem e as indicaes geogrficas, que constituem os chamados sinais distintivos do comrcio10.

    9 Cfr. o meu Propriedade Industrial, Almedina 1997, pg. 161.

    10 O nome comercial a que a Conveno da Unio de Paris se refere no tem autonomia perante

    o direito positivo portugus, pois corresponde, quer ao nome de estabelecimento, quer firma, quer ainda aos elementos nominativos que constituam o logtipo; cfr. o meu Propriedade Industrial, pg. 104 e segs., e Acrdo n. 079322 do Supremo Tribunal de Justia de 6 de Julho de 1989 (www.dgsi.pt).

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    H ainda que distinguir consoante a lei atribui a faculdade de utilizao de determinada realidade de forma exclusiva ou, ao invs, a atribui a uma generalidade indiscriminada de pessoas ou a uma colectividade.

    S na primeira hiptese se dever falar, em sentido jurdico rigoroso, de direito privativo da propriedade industrial, pois s a se est perante um verdadeiro e prprio direito subjectivo.

    4 Direitos Privativos da Propriedade Industrial e Concorrncia Desleal

    Foi j muito discutido se a disciplina dos direitos privativos da propriedade industrial e a represso da concorrncia desleal so ou no realidades autnomas.

    De facto, a proteco contra a concorrncia desleal surge historicamente como uma expanso da proteco das vrias modalidades de direitos privativos, especialmente das marcas11, pelo que a diferenciao entre umas e outras figuras exigiu esforo legislativo, jurisprudencial e doutrinal12.

    Actualmente, pode ser considerado pacfico o entendimento segundo o qual a proteco contra os actos de concorrncia desleal tem, no nosso direito, um tratamento jurdico distinto da proteco dos direitos privativos da propriedade industrial, que permite consider-la como constituindo um instituto autnomo13.

    Ao passo que a disciplina dos direitos privativos da propriedade industrial procura proteger uma utilizao exclusiva de determinados bens imateriais, atravs da represso da concorrncia desleal pretende-se estabelecer deveres recprocos entre os vrios agentes econmicos14.

    11 Cfr. Alberto Bercovitz, Apuntes de Derecho Mercantil, 3 ed., 2002, pg. 345.

    12 Mais desenvolvidamente, cfr. o meu Propriedade Industrial, pg. 15 a 20.

    13 Cfr., perante o Cdigo de 1940, Acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 21 de Novembro

    de 1951 (Bol. Min. Just., n. 22, pg. 347); Ferrer Correia, Propriedade Industrial, Registo do Nome de Estabelecimento, Concorrncia Desleal, in Estudos Jurdicos II, 1969, pgs. 235 e segs., e Jorge Patrcio Pal, Concorrncia Desleal, 1965, pgs. 43 e segs. e pgs. 73 e segs.; perante o Cdigo de 1995, Acrdo do Supremo Tribunal de Justia n. 97A692 de 24 de Setembro de 1996 (www.dgsi.pt); Jos de Oliveira Ascenso, Concorrncia Desleal, Almedina 2002, pgs. 69 e segs.. 14

    Cfr. Paul Roubier, Le Droit de la Proprit Industrielle, Vol. I, 1952, pg. 307 e segs..

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    A concorrncia desleal est definida nos artigos 317 e 318, e punida no artigo 331; os direitos privativos da propriedade industrial esto definidos no Ttulo II do Cdigo e a sua violao punida por outras disposies legais: a violao do exclusivo da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores, pelo artigo 321, a dos desenhos ou modelos, pelo artigo 322, a das marcas, pelos artigos 323 e 324, a das denominaes de origem ou de indicao geogrfica15, pelo artigo 325, a das recompensas, pelo artigo 332, a do nome e da insgnia do estabelecimento, pelo artigo 333, a do logtipo, pelo artigo 334, sendo a falsa invocao ou o uso indevido de direitos de propriedade industrial punidos pelos artigos 336, 337 e 338.

    A autonomia dos dois institutos ressalta ainda muito claramente do artigo 24, n. 1, alnea d), que prev, como fundamento geral de recusa de registo, o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrncia desleal ou de que esta era possvel independentemente da sua inteno.

    Dado que, em outras disposies, se indicam, como fundamento de recusa, situaes que representam proteco de direitos privativos, esta alnea d) do n. 1 do artigo 24 contempla um fundamento autnomo de recusa de registo, que precisamente a concorrncia desleal, o que implica estar-se perante realidades distintas.

    No se encontra, pois, a represso da concorrncia desleal subordinada necessariamente existncia de um direito privativo violado, isto , pode haver acto de concorrncia desleal sem que haja violao de direito privativo.

    De igual modo, pode haver violao do direito privativo sem que haja qualquer situao de concorrncia.

    Mas se, em tese, a diferenciao entre uma e outra figura facilmente apreensvel, em concreto tal diferenciao no reveste igual clareza.

    De facto, a autonomia dos dois institutos no impede que, na prtica, um acto possa infringir simultaneamente um direito privativo e a proibio de concorrncia

    15 O actual Cdigo corrigiu assim o regime anterior, no qual a violao das denominaes de

    origem ou das indicaes geogrficas era punida apenas pelo n. 7 do artigo 212, enquanto acto de concorrncia desleal.

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    desleal, por haver actos que simultaneamente constituem violao de direito privativo e concorrncia desleal16.

    A proteco dos direitos exclusivos de propriedade industrial e a proteco contra a concorrncia desleal formam dois crculos concntricos, como escreve Alberto Bercovitz17. O crculo interior, o mais pequeno, o que protege os direitos absolutos. E o mais amplo representa a proteco contra a concorrncia desleal. Isto significa que o empresrio tem o seu ncleo de proteco mais forte nos direitos exclusivos de propriedade industrial, nos direitos que conferem as suas patentes ou as suas marcas. E tem, alm disso, um crculo de proteco mais amplo, ainda que menos slido, que o da concorrncia desleal, porque essa proteco no se d em qualquer caso, pois depende das circunstncias em que o concorrente actue.

    Alm disso, os critrios que levam o legislador a integrar uma dada situao na disciplina dos direitos privativos ou na concorrncia desleal nem so uniformes, nem so constantes.

    A lei no demarca com rigor as fronteiras entre um e outro instituto. Exemplo paradigmtico dessa situao era o artigo 193, n. 2, do Cdigo de

    1995. Segundo este artigo, constitui imitao ou usurpao parcial de marca o aspecto

    exterior do pacote ou invlucro com as respectivas cor e disposio de dizeres, medalhas e recompensas, de modo que pessoas que os no interpretem os no possam distinguir de outros adoptados por possuidor de marcas legitimamente usadas, mormente as de reputao ou prestgio internacional.

    O artigo 193, n. 2, reproduzia, com ligeirssimas alteraes18, o disposto no nico do artigo 94 do Cdigo de 1940.

    16 O Cdigo de 1995 veio criar algumas dificuldades a esse respeito; cfr., sobre essa

    problemtica, o meu Propriedade Industrial, pg. 20, e Adelaide Menezes Leito, Imitao Servil, Concorrncia Parasitria e Concorrncia Desleal, in Direito Industrial, Vol. I (obra colectiva), Almedina 2001, pg. 136 e segs.. 17

    Aut. cit., Apuntes, pg. 345. 18

    Tais alteraes consistem na substituio da expresso pessoas analfabetas, constante do Cdigo de 1940, pela expresso pessoas que os no interpretem, e na adio da referncia s marcas de prestgio internacional.

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    J em face deste artigo, a doutrina era unnime em considerar que, na parte final do nico do artigo 94, o que se previa era um acto de concorrncia desleal19.

    Perante o Cdigo de 1995, podia-se tambm concluir que a imitao do pacote ou invlucro de um produto pelo pacote ou invlucro de outro produto idntico ou semelhante, em termos de permitir a confuso entre ambos, constitua acto de concorrncia desleal20, embora a lei a qualificasse como imitao de marca.

    O Cdigo actual suprimiu a disposio constante da parte final do artigo 193, n. 2, do Cdigo de 1995, pelo que a situao nele descrita se enquadra de pleno na concorrncia desleal21.

    O prprio conceito de imitao de marca, fundamental na disciplina dos sinais distintivos do comrcio, no imune a alguma impreciso.

    Nos termos do artigo 193 do Cdigo de 1995, bem como do artigo 94 do anterior Cdigo de 1940, era requisito da imitao de marca que os sinais em confronto tivessem tal semelhana grfica, figurativa ou fontica que induzisse facilmente o consumidor em erro ou confuso.

    No previam esses artigos o caso de haver risco de erro ou confuso por semelhana intelectual ou ideolgica (sem existir semelhana grfica, figurativa nem fontica), na qual o risco de erro ou confuso surge da associao de ideias por os sinais em confronto serem passveis de suscitar a mesma imagem ou sugesto.

    No entanto, considerava-se pacificamente ser ilcita a utilizao, em produtos ou servios idnticos ou de manifesta afinidade, de sinal que tivesse tal semelhana intelectual ou ideolgica com marca anteriormente registada que induzisse facilmente o consumidor em erro ou confuso.

    19 Cfr. J.G. Pinto Coelho, Lies de Direito Comercial, 1 vol., 3 ed., 1957, pg. 438; A. Ferrer

    Correia, Lies, pg. 353, nota (1); Patrcio Paul, ob. cit., pg. 58; Jos de Oliveira Ascenso, Concorrncia Desleal, 1994, pg. 117; Justino Cruz, Cdigo da Propriedade Industrial, 2 ed., pg. 380. 20

    Cfr. Oliveira Ascenso, o Princpio da Prestao: Um Novo Fundamento para a Concorrncia Desleal?, in Concorrncia Desleal (Curso Promovido pela Faculdade de Direito de Lisboa), 1997, pg. 15, e Concorrncia Desleal, 2002, pg. 424. 21

    Continua, porm, a considerar relevante a imitao do aspecto exterior do produto, mas no mbito do direito das marcas, enquanto fundamento de recusa de registo das marcas que constituam semelhante imitao, como consigna o artigo 240.

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    Dado o enquadramento penal do conceito de imitao de marca22, no era possvel aplicar analogicamente os referidos artigos semelhana intelectual ou ideolgica entre sinais23.

    Deste modo, a ilicitude tinha por fundamento a represso da concorrncia desleal, enquanto acto susceptvel de criar confuso24, sem que, em termos tcnico jurdicos, representasse imitao de marca.

    Actualmente, o artigo 245 abrange, no conceito de imitao de marca, a semelhana intelectual ou ideolgica entre sinais, ao consignar, como requisito do mesmo, a semelhana grfica, figurativa, fontica ou outra.

    A impreciso da linha divisria entre a disciplina dos direitos de propriedade industrial e a represso da concorrncia desleal revela-se ainda em outras disposies legais.

    O artigo 312, tal como o anterior artigo 251 do Cdigo de 1995, ao definir os direitos conferidos pelo registo das denominaes de origem ou das indicaes geogrficas, expressamente consigna, na alnea b) do n. 1, que tal registo confere o direito de impedir a utilizao que constitua um acto de concorrncia desleal, no sentido do artigo 10 - bis da Conveno de Paris, tal como resulta da Reviso de Estocolmo, de 14 de Julho de 1967.

    Alis, o uso de uma denominao de origem registada fora das condies tradicionais, usuais ou regulamentares encontrava-se previsto e punido, enquanto acto de concorrncia desleal, pela alnea g) do artigo 260 do Cdigo de 1995.

    E a supresso, ocultao ou alterao, por parte do vendedor ou de qualquer intermedirio, da denominao de origem dos produtos, tambm se encontravam previstas, como actos de concorrncia desleal, na alnea h) do artigo 260 do Cdigo de 1995, sem embargo de violarem o correspondente direito tal como sucede na alnea f) do actual artigo 317.

    22 Cfr. artigo 264 do Cdigo de 1995.

    23 Cfr., por todos, Germano Marques da Silva, Direito Penal Portugus, Vol. I, Verbo 2001, pg.

    270. 24

    Neste sentido, Acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 1 de Junho de 1969 (Bol. Min. Just., n. 89, pg. 298).

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    O mesmo se verifica quanto supresso, ocultao ou alterao da marca registada do produtor ou fabricante, em produtos destinados venda e que no tenham sofrido modificao no seu acondicionamento, previstas, como actos de concorrncia desleal, na mesma alnea h) do artigo 260 do Cdigo de 1995, e actualmente na alnea f) do artigo 317.

    No entanto, a supresso, ocultao ou alterao da marca, lesando o respectivo valor econmico, representa sempre violao, ainda que indirecta, do correspondente direito marca25.

    A flutuao de critrios diferenciadores , alis, uma realidade dinmica, que acompanha a evoluo legislativa26.

    Com efeito, actos considerados de concorrncia desleal podem passar a integrar-se no mbito da proteco dos direitos privativos e vice-versa.

    o caso da proteco das marcas notrias e de prestgio relativamente a produtos ou servios que no sejam idnticos nem afins daqueles a que tais marcas se destinam.

    O Cdigo de 1940 era totalmente omisso sobre a matria, pelo que, por fora do princpio da especialidade das marcas, tal proteco apenas podia decorrer da represso da concorrncia desleal27.

    A Directiva n. 89/104/CE, que harmoniza as legislaes dos Estados-membros em matria de marcas, veio, porm, alargar a proteco das marcas de prestgio28.

    Em sintonia com o artigo 4 da Directiva, o artigo 191 do Cdigo de 1995 previa a recusa de registo se a marca, ainda que destinada a produtos ou servios no semelhantes, fosse grfica ou foneticamente idntica ou semelhante a uma marca

    25 Cfr., mais desenvolvidamente, o meu Propriedade Industrial, pg. 76 e segs..

    26 Alberto Bercovitz tambm indica, em face da lei espanhola, exemplos de tal flutuao de

    critrios; cfr. Apuntes, pg. 346. 27

    Sobre esta problemtica, em face do Cdigo de 1940, cfr. o meu Propriedade Industrial, in Colectnea de Jurisprudncia, ano XII (1987), Tomo II, pg. 25 e Tomo IV, pg. 19. 28

    Neste sentido, a Directiva n. 89/104/CE determina, no artigo 4, n. 3 e n. 4, alnea a), a recusa de registo da marca, ou tendo este sido efectuado, a nulidade do mesmo registo, se a marca for idntica ou semelhante a marca anterior registada, comunitria ou nacional, ainda que para produtos ou servios que no sejam semelhantes queles para os quais a marca anterior foi registada, sempre que a marca anterior goze de prestgio e que o uso da marca posterior procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do carcter distintivo ou do prestgio da marca anterior ou possa prejudic-los.

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    anterior que gozasse de grande prestgio em Portugal ou na Comunidade e sempre que o uso da marca posterior procurasse, sem justo motivo, tirar partido indevido do carcter distintivo ou do prestgio da marca ou pudesse prejudic-los.

    Deste modo, o fundamento de recusa do registo de marca consistente em, injustificadamente, tirar partido indevido do carcter distintivo ou do prestgio de marca de prestgio anteriormente registada para produtos ou servios no semelhantes, ou em poder prejudic-los, que, no Cdigo de 1940, se inseria no mbito da concorrncia desleal, passou a inserir-se, no Cdigo de 1995, no mbito do direito das marcas29.

    No entanto, esse artigo 191 apenas se referia recusa de registo. Baseando-se os conceitos de reproduo e imitao de marca no requisito de

    ambos os sinais se destinarem a assinalar produtos ou servios idnticos ou afins, e sendo esses conceitos de ndole penal, no era possvel aplic-los analogicamente, prescindindo do supracitado requisito relativamente s marcas de prestgio.

    Em consequncia, a proteco dessas marcas contra outros actos lesivos, nomeadamente o uso, devia ser encontrada nos princpios gerais atinentes s marcas ou atravs da concorrncia desleal30.

    O actual Cdigo contm, no artigo 242, disposio idntica ao anterior artigo 191, apenas substituindo a referncia s marcas de grande prestgio por simplesmente marcas de prestgio.

    Alarga, porm, o conceito de uso ilegal de marca, prevendo e punindo, na alnea e) do artigo 323, quem, sem o consentimento do titular do direito, usar, ainda que em produtos ou servios sem identidade ou afinidade, marcas que constituam traduo ou sejam iguais ou semelhantes a marcas anteriores cujo registo tenha sido requerido e que gozem de prestgio em Portugal, ou na Comunidade Europeia se forem comunitrias, sempre que o uso da marca posterior procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do carcter distintivo ou do prestgio das anteriores ou possa prejudic-las31.

    29 Cfr. o meu Propriedade Industrial, pg. 63.

    30 Cfr. o meu Propriedade Industrial, pg. 63 e pg. 78.

    31 Passou assim a lei portuguesa a consagrar a faculdade prevista no artigo 5, n. 2, da Directiva

    n. 89/104/CE, que consigna, sob a epgrafe Direitos conferidos pela marca, que qualquer Estado - membro poder tambm estipular que o titular fique habilitado a proibir que terceiros faam uso, na vida comercial, sem o seu consentimento, de qualquer sinal idntico ou semelhante marca para produtos ou servios que no sejam semelhantes queles para que a

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    Desta sorte, o uso ilegal de marca de prestgio em produtos ou servios sem identidade ou afinidade com aqueles a que tal marca se destine, que, perante os Cdigos de 1940 e de 1995, integrava concorrncia desleal, passou a integrar o direito das marcas.

    No so, pois, uniformes, nem constantes, os critrios pelos quais o legislador integra uma dada situao ora na disciplina dos direitos privativos ora na concorrncia desleal.

    A autonomia entre a proteco dos direitos privativos e a represso da concorrncia desleal assim uma autonomia mitigada.

    Deste modo, sem embargo da autonomia que caracteriza estes institutos, a proteco dos direitos privativos e a represso da concorrncia desleal representam simples modalidades de propriedade industrial, tal como previstas no Cdigo.

    5 O Registo dos Direitos Privativos

    A lei portuguesa consagra, por razes de certeza e segurana jurdicas, o sistema de registo constitutivo dos direitos privativos da propriedade industrial32.

    Por isso, determina o artigo 7, n. 1, que a prova dos direitos de propriedade industrial faz-se por meio dos ttulos, correspondentes s suas diversas modalidades isto , atravs da prova do correspondente registo33.

    Tais ttulos devem conter os elementos necessrios perfeita identificao do direito a que se referem, de acordo com o n. 2 deste artigo 7.

    O sistema de registo constitutivo encontra-se explicitado relativamente a cada direito privativo.

    No que respeita s patentes, preceitua o artigo 101, n. 1, que a mesma confere o direito exclusivo de explorar a inveno em qualquer parte do territrio portugus.

    marca foi registada, sempre que esta goze de prestgio no Estado-membro e que o uso desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carcter distintivo ou do prestgio da marca ou os prejudique. 32

    Cfr. Ferrer Correia, Lies, pg. 334 ; cfr. ainda o meu Propriedade Industrial, pg. 65 e segs.. 33

    Neste sentido, cfr. Acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 12 de Janeiro de 1999 (Bol. Min. Just., n. 483, pg. 214).

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    Acrescenta o n. 2 desse artigo 101 que a patente confere ainda ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introduo no comrcio ou a utilizao de um produto objecto de patente, ou a importao ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionadas.

    Idntico regime consigna o artigo 144 para os modelos de utilidade. Quanto topografia de produtos semicondutores, preceitua o artigo 164, sob a

    epgrafe Direitos conferidos pelo registo: 1. O registo da topografia confere ao seu titular o direito ao seu uso exclusivo

    em todo o territrio portugus, produzindo, fabricando, vendendo ou explorando essa topografia, ou os objectos em que ela se aplique, com a obrigao de o fazer de modo efectivo e de harmonia com as necessidades do mercado.

    2. O registo da topografia confere ainda ao seu titular o direito de autorizar ou proibir qualquer dos seguintes actos:

    a) Reproduo da topografia protegida; b) Importao, venda ou distribuio por qualquer outra forma, com finalidade

    comercial, de uma topografia protegida, de um produto semicondutor em que incorporada uma topografia protegida, ou de um artigo em que incorporado um produto semicondutor desse tipo, apenas na medida em que se continue a incluir uma topografia reproduzida ilegalmente.

    Para os desenhos ou modelos, rege o artigo 162, cujo n. 1 estabelece que o registo confere ao seu titular o direito exclusivo de o utilizar e de proibir a sua utilizao por terceiros sem o seu consentimento.

    Relativamente s marcas, diz o artigo 224, n. 1, que o registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos ou servios a que esta se destina.

    No mesmo sentido, corrobora o artigo 258, do seguinte teor: O registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o

    seu consentimento, de usar, no exerccio de actividades econmicas, qualquer sinal igual ou semelhante, em produtos ou servios idnticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequncia da semelhana entre os sinais e da

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    afinidade dos produtos ou servios, possa causar um risco de confuso, ou associao, no esprito do consumidor.

    O direito marca , pois, um direito que decorre do registo de um dado sinal distintivo que a marca34.

    Tambm o direito ao nome e insgnia do estabelecimento deriva do respectivo registo, conforme determina o artigo 29535, aplicvel ao logtipo por fora da remisso constante do artigo 304, n. 1.

    Os direitos privativos da propriedade industrial esto, pois, sujeitos a um sistema de registo constitutivo.

    Por conseguinte, o bem imaterial que objecto de um direito privativo apenas se reconduz em termos directos e imediatos ao seu titular desde que tal conste do registo.

    No entanto, se o registo condio necessria para a existncia do direito, no condio suficiente.

    De facto, a concesso de direitos de propriedade industrial implica mera presuno jurdica dos requisitos da sua concesso, nos termos do artigo 4, n. 2.

    Relativamente s recompensas e s denominaes de origem e indicaes geogrficas, o registo no constitutivo, uma vez que no se trata de direitos privativos em sentido estrito.

    Qualquer dessas figuras registvel, de acordo com, respectivamente, os artigos 274 a 277 e 307 a 309, ainda que o respectivo registo seja meramente enunciativo.

    Segundo o artigo 4, n. 3, o registo das recompensas garante a veracidade e autenticidade dos ttulos da sua concesso e assegura aos titulares o seu uso exclusivo por tempo indefinido.

    A redaco deste preceito, idntico, alis, ao anterior artigo 5, n. 2, manifestamente infeliz.

    Ao invs do que a lei parece inculcar, as recompensas no so de uso exclusivo, porquanto idnticas recompensas podem ser atribudas a vrios empresrios.

    34 Cfr. Acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 22 de Julho de 1986 (Bol. Min. Just., n.

    359, pg. 751); note-se que nem todas as legislaes consagram o sistema constitutivo ou atributivo da propriedade da marca; a este respeito, cfr. o meu Propriedade Industrial, pg. 65 e segs.. 35

    Cfr. Acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 2 de Outubro de 1964 (Bol. Min. Just., n. 140, pg. 473); cfr. tambm o meu Propriedade Industrial, pg. 97.

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    Acresce que, nos termos do artigo 278, o uso de recompensas legalmente obtidas permitido, independentemente de registo, o qual apenas tem por efeito possibilitar adicionar referncia da recompensa as designaes caractersticas das recompensas registadas.

    Trata-se, assim, de registo meramente enunciativo36. O mesmo se verifica relativamente s denominaes de origem e indicaes

    geogrficas37.

    De facto, nos termos do artigo 310, n. 1, a denominao de origem e a indicao geogrfica tm durao ilimitada e a sua propriedade protegida pela aplicao das regras previstas no Cdigo, em legislao especial, bem como por aquelas que forem decretadas contra as falsas indicaes de provenincia, independentemente do registo e faam ou no parte de marca registada.

    Note-se que o simples pedido de patente, de modelo de utilidade ou de registo confere uma proteco provisria, para ser considerada no clculo de eventual indemnizao, nos termos do artigo 5.

    O registo dos direitos previstos no Cdigo da Propriedade Industrial38, seja ele constitutivo, seja meramente enunciativo, feito junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (I.N.P.I.), actualmente regulado pelo Decreto Lei n. 400/98, de 17 de Dezembro, alterado pelo Decreto Lei n. 520/99, de 10 de Dezembro.

    Dado o carcter constitutivo do registo, tem a maior importncia definir a quem cabe a prioridade de tal registo.

    A este respeito, preceitua o artigo 11, n. 1, que, salvas as excepes previstas

    no Cdigo, a patente, o modelo de utilidade ou o registo concedido a quem primeiro apresentar regularmente o pedido com os elementos exigveis.

    O processo de registo diferente consoante o direito privativo em causa. Em termos genricos, esse processo obedece a uma tramitao administrativa

    iniciada a requerimento do interessado, seguida por uma eventual fase de discusso

    36 Neste sentido, Oliveira Ascenso, Lies, pg. 335.

    37 Neste sentido, Oliveira Ascenso, Lies, pg. 336; Alberto Francisco Ribeiro de Almeida,

    Denominao de Origem e Marca, Coimbra Editora 1999, pg. 300. 38

    diferente o regime das firmas, que devem ser registadas no Registo Comercial e no Registo Nacional das Pessoas Colectivas, bem como dos nomes de domnio, que o devem ser junto da Fundao para a Computao Cientfica Nacional (FCCN).

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    (reclamao e contestao), finda a qual o processo estudado e informado pelos servios do I.N.P.I. e depois submetido a despacho, para a final o registo ser concedido ou recusado, no todo ou em parte39.

    Das decises do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedam ou recusem direitos privativos cabe recurso de plena jurisdio, seguindo-se o processo estabelecido nos artigos 39 a 4740.

    Para tais recursos competente o Tribunal de Comrcio de Lisboa, em sintonia, alis, com a alnea a) do n. 2 do artigo 89 da Lei n. 3/99, de 13 de Janeiro (Lei da Organizao e Funcionamento dos Tribunais Judiciais)41..

    6 O Contedo dos Direitos Privativos

    Os direitos privativos representam, essencialmente, direitos de exclusivo42. De facto, a lei concede ao titular do direito privativo um exclusivo de explorao

    econmica do bem imaterial objecto do seu direito, seja esse bem uma inovao ou um simples sinal de diferenciao, e qualquer que seja a modalidade de explorao econmica que esteja em causa.

    Desta sorte, os direitos privativos demarcam as actividades que so reservadas aos respectivos titulares43.

    porque essa reserva existe que qualquer terceiro tem o dever de a respeitar sob todas as formas.

    Daqui decorrem duas caractersticas:

    39 A lei actual alterou profundamente o processo de registo quanto aos modelos de utilidade e

    aos desenhos ou modelos, com vista a simplificar a respectiva tramitao, prevendo-se nos artigos 130 e 192, respectivamente, uma concesso provisria sem exame prvio, caso este no tenha sido requerido e no haja oposio. 40

    Sobre a natureza desse recurso, cfr. Acrdos do Supremo Tribunal de Justia de 12 de Janeiro de 1999 (Bol. Min. Just., n. 483, pg. 214) e, da mesma data, n. 98A736 (www.dgsi.pt). 41

    Era esta a posio que, anteriormente ao actual Cdigo, me parecia ser a melhor doutrina; cfr., mais desenvolvidamente, o meu A Propriedade Industrial e a Competncia dos Tribunais de Comrcio, in Direito Industrial Vol. II (obra colectiva), Almedina 2002, pg. 131 e segs.; no mesmo sentido, Acrdo da Relao de Lisboa de 14 de Maro de 2002 (Col. Jur., ano XXVII (2002), tomo II, pg. 76). 42

    Cfr. Oliveira Ascenso, Lies, pgs. 404 e segs.. 43

    Cfr. Oliveira Ascenso, Lies, pgs. 404 e segs..

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    1 A tutela correspondente ao direito abrange qualquer manifestao que afecte a correspondente reserva;

    2 Em contrapartida, o jus prohibendi no afecta as utilizaes do bem imaterial feitas por terceiros fora da actividade econmica.

    Da primeira apontada caracterstica resulta que h violao do direito privativo, no s quando se reproduz o bem imaterial que dele objecto, mas tambm quando, por qualquer forma, se utiliza uma realidade que comporte tal reproduo, nomeadamente importando, vendendo, pondo em circulao ou usando produto que o incorpore.

    o que decorre dos artigos 101, n. 2 (patentes), 144, n.s 2 e 3 (modelos de utilidade), 164 (topografias de produtos semicondutores), 203, n. 2 (desenhos ou modelos) e 324 (marcas).

    Deste modo, o jus prohibendi tpico dos direitos privativos abrange toda e qualquer manifestao que afecte o exclusivo de explorao econmica que caracteriza o respectivo contedo.

    Mas o exclusivo no exclui utilizaes feitas por terceiros fora da actividade econmica.

    Assim, a tutela conferida pelos direitos correspondentes a patentes, modelos de utilidade, topografias de produtos semicondutores e desenhos ou modelos no abrange o uso privado da respectiva criao, por terceiro, sem finalidade comercial, como dispem, respectivamente, os artigos 102, 145, 165 e 204.

    No que respeita s marcas, a lei tambm claramente delimita o correspondente direito atravs da explorao econmica, porquanto, nos termos do artigo 258, a proibio de terceiro utilizar sinal igual ou semelhante a marca registada para produtos idnticos ou afins, reporta-se apenas ao uso em actividades econmicas.

    O ncleo fundamental dos direitos privativos , pois, a proteco da respectiva explorao econmica, uma vez que a ela que o exclusivo se reporta.

    Alis, a susceptibilidade de explorao econmica surge como requisito essencial do prprio direito.

    Para ser objecto de patente, a inveno deve ser susceptvel de aplicao industrial, nos termos do artigo 51, n. 1.

    Idntico requisito decorre do artigo 117, n. 1, quanto aos modelos de utilidade.

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    A referncia, no artigo 225, n. 1, s empresas cujos produtos ou servios as marcas servem para distinguir, revela que este sinal distintivo se insere no mbito das actividades empresariais, isto , das exploraes econmicas.

    No que toca ao nome e insgnia de estabelecimento, a prpria meno desta forma organizativa, constante do artigo 282, implica a existncia de explorao econmica.

    Mas a susceptibilidade de explorao econmica no representa apenas requisito essencial da concesso dos direitos privativos; a proteco do direito privativo est intimamente associada explorao econmica do bem sobre que incide.

    Da as vicissitudes que a falta de explorao provoca no direito privativo. Relativamente s inovaes, e correspondentes direitos que as tm por objecto, a

    lei estabelece a necessidade da respectiva explorao. Assim, no caso das patentes, a falta de explorao, pelo respectivo titular,

    implica a eventualidade de concesso a terceiros de licena de explorao obrigatria, de acordo com os artigos 107 e seguintes, aplicveis aos modelos de utilidade e s topografias de produtos semicondutores por fora das remisses constantes, respectivamente, dos artigos 150 e 16944.

    Noutros casos, a lei acolhe idntica perspectiva, mas atravs de regime diferente. No que toca aos sinais distintivos do comrcio, no estando em causa uma

    inovao, mas apenas um elemento de diferenciao, se esse elemento no for utilizado na explorao econmica do seu titular, caduca por no uso ao fim de certo prazo.

    44 J foi muito discutido, em face do artigo 5 - A) - 2, da Conveno da Unio de Paris,

    nomeadamente quanto eventualidade de serem concedidas licenas de explorao obrigatrias, se o exclusivo de explorao que a patente representa, seria apenas de natureza industrial ou tambm de natureza comercial; actualmente, o artigo 27, n. 1, do TRIPS, ao determinar ser possvel gozar dos direitos de patente sem discriminao quanto ao facto de os produtos serem importados ou produzidos localmente, define que a explorao de uma patente abrange, no s o fabrico local do produto ou processo patenteado, mas tambm a simples importao, venda ou mera manipulao, isto , abrange, no s a explorao industrial, mas tambm a explorao comercial.

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    o que preceituam o artigo 269, n. 1, relativamente s marcas, e o artigo 300, n. 1, alnea b), relativamente ao nome e insgnia do estabelecimento, este aplicvel aos logtipos por fora do artigo 30445.

    Desta sorte, os direitos privativos tm por contedo o poder de explorao econmica exclusiva de determinado bem, mas tambm o nus de utilizar esse mesmo bem.

    No cerne dos direitos privativos encontramos assim poderes e deveres de conduta, institudos tendo em ateno a funo que representam de salvaguarda do valor econmico do seu resultado.

    7 Natureza Jurdica dos Direitos Privativos

    Quando se fala em direitos privativos, no se tem em vista uma realidade nica; h direitos privativos que visam proteger inovaes, como o caso das patentes, modelos e desenhos, e direitos privativos que visam proteger sinais de diferenciao no mercado, como o caso das marcas, dos nomes e das insgnias de estabelecimento e dos logtipos.

    No entanto, pacfico o entendimento que todos esses direitos so espcies do gnero denominado direitos privativos.

    tambm pacfico que os direitos privativos so, antes de mais, direitos subjectivos.

    Estes direitos subjectivos tm por objecto realidades imateriais, consistentes em exteriorizaes do esprito humano, sejam elas inovaes ou sinais de diferenciao.

    No , porm, pacfica qual seja a sua natureza. Para se apreender essa natureza, indispensvel delimitar o respectivo contedo. Ora, em face do contedo dos direitos privativos, tal como acima delimitado,

    deve ser-lhes atribuda a natureza de direitos de explorao econmica exclusiva46.

    45 Tambm relativamente firma, a sua utilizao elemento essencial do correspondente

    direito, uma vez que este pode ser declarado perdido, nos termos dos artigos 60 e 61 do RNPC, quando o respectivo titular no tiver exercido actividade durante um perodo superior a 10 anos. 46

    Neste sentido, Oliveira Ascenso, Lies, pgs. 389 e segs..

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    Nem se diga que esta concepo deixaria na sombra a vertente de direitos de personalidade que, com maior ou menor intensidade, estaria sempre presente nos direitos privativos.

    De facto, as faculdades pessoais que surgem so independentes dos prprios direitos e tm escasso significado47.

    Tampouco se diga que a natureza jurdica dos direitos privativos no se pode basear apenas no exclusivo de explorao econmica.

    A susceptibilidade de semelhante explorao , como se viu, requisito da concesso dos direitos, e a sua efectivao requisito da manuteno da correspondente proteco, dadas as vicissitudes que a falta de explorao acarreta.

    A concepo adoptada diferencia-se de outras doutrinas que tm sido defendidas sobre a natureza dos direitos privativos.

    Assim, h autores que procuram reconduzir os direitos privativos ou a direitos de personalidade48 ou a direitos de propriedade49, havendo ainda quem considere tratar-se de tertius genus, constituindo uma terceira classe de direitos patrimoniais, ao lado dos direitos reais e dos direitos de crdito, seja enquanto simples direitos de monoplio50, seja enquanto direitos sobre bens imateriais51, seja enquanto direitos de clientela52.

    indesmentvel a semelhana existente na proteco que a lei concede aos direitos privativos e aos direitos de personalidade, ou, mais correctamente, aos direitos pessoais.

    Ambos tm por objecto realidades imateriais. Em qualquer dos casos, trata-se de direitos absolutos, isto , oponveis erga

    omnes.

    47 No mbito dos direitos de autor, j esta afirmao pode no ser exacta; cfr. Pires de Lima e

    Antunes Varela, Cdigo Civil anotado, Vol. III, 2 ed., Coimbra Editora 1984, pg. 86 e segs.. 48

    Cfr. M. Ohen Mendes, Direito Industrial - I, pg. 102 e segs. e autores a citados. 49

    Neste sentido, A. Chavanne/J.J. Burst, Droit de la Proprit Industrielle, 3 ed., 1990, pg. 2; entre ns, Miguel Pupo Correia, Direito Comercial, 7 ed., Ediforum 2001, pgs. 289 e segs. e Alberto Francisco Ribeiro de Almeida, Denominao de Origem e Marca, pgs. 69 e segs.. 50

    Neste sentido, Remo Franceschelli, Tratatto di Diritto Industriale, Vol. II, 1961, pg. 535 e segs.. 51

    Neste sentido, A. Troller, Prcis du Droit de la Proprit Immatrielle, 1978, pgs. 32 e segs.; entre ns, M. Ohen Mendes, Direito Industrial I, pgs. 90 e segs.. 52

    Neste sentido, P. Roubier, ob. cit., pgs. 104 e segs..

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    Em qualquer dos casos tambm, o jus prohibendi abrange toda e qualquer manifestao que afecte o mbito de eficcia que a lei lhes reconhece.

    No entanto, a tutela que a lei concede aos direitos privativos, que se integram, de pleno, no exerccio de actividades econmicas, no tem carcter pessoal.

    Alis, o carcter patrimonial dos direitos privativos ressalta do artigo 2, que insere o mbito da propriedade industrial nas actividades econmicas.

    Acresce que a proteco correspondente aos direitos privativos beneficia o respectivo titular, independentemente de ele ser, ou no, o criador.

    Tanto assim que a prioridade decorrente das patentes, modelos de utilidade ou registos baseia-se na data da regular apresentao do pedido de registo com os respectivos documentos, como preceitua o artigo 11, n. 1, e no na data da criao.

    Mas mesmo quanto aos direitos privativos que tm subjacentes efectivas criaes v.g., as patentes no a este aspecto criativo que a lei d proteco.

    De facto, a proteco do direito no decorre do acto de criao, uma vez que nem toda a criao protegida, mas apenas aquela que obedece a certos requisitos.

    Para mais, uma patente pode ser pedida em nome diferente do do inventor, o qual goza apenas do direito de ser mencionado como tal no requerimento e no ttulo de patente, de acordo com o artigo 60, e da faculdade de poder utilizar a sua inveno, no caso previsto no artigo 104; no , nessa qualidade, titular de qualquer direito privativo.

    Doutrina que j teve grande voga a que reconduz os direitos privativos a direitos de propriedade, ainda que se trate de uma propriedade especfica, por ter por objecto coisas incorpreas.

    Esta tese enformou, em grande parte, o Cdigo de 194053, e reflecte-se na circunstncia de o respectivo artigo 211, tal como o artigo 257 do Cdigo de 1995 e o actual artigo 316, remeterem para a propriedade em geral, e o artigo 1303 do Cdigo Civil mandar aplicar, com as necessrias adaptaes, as regras da propriedade aos direitos da propriedade intelectual, isto , direitos da propriedade industrial e direitos de autor.

    Teve ela, alis, em termos histricos, o indiscutvel mrito de representar a primeira tentativa de dar fundamento unitrio ao instituto da propriedade industrial,

    53 Cfr. Parecer da Cmara Corporativa, pg. 27 e segs..

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    afastandoo das situaes de privilgio a que o esprito liberal do sculo XIX era avesso54, e permitindo o respectivo enquadramento dogmtico.

    H quem rejeite a possibilidade de direitos de propriedade sobre coisas incorpreas.

    Independentemente dessa perspectiva, julgo que actualmente a realidade legislativa no compaginvel com a concepo dos direitos privativos enquanto direitos de propriedade.

    No me impressiona o argumento segundo o qual o carcter temporrio dos direitos privativos seria incompatvel com a noo de propriedade. Em face do artigo 1307 do Cdigo Civil, a admissibilidade de propriedade temporria no pode ser fundadamente posta em causa; a lei pode sempre criar propriedades a termo55.

    Tampouco me impressiona a remisso que a lei faz para a propriedade em geral, pois o que est em causa no determinar a que regime esto sujeitos os direitos privativos, mas apurar qual a natureza desses mesmos direitos.

    H que salientar que no existe, nos direitos de propriedade industrial, a apropriao exclusiva que caracteriza os direitos de propriedade sobre coisas corpreas. A apropriao exclusiva da natureza das coisas quando se trata de propriedade sobre coisas corpreas; diferentemente, os bens incorpreos podem ser utilizados simultaneamente por uma pluralidade de pessoas56.

    Desta sorte, o carcter exclusivo dos direitos privativos decorre, no da natureza das coisas, mas de pura criao do legislador.

    E mesmo admitindo a existncia de direitos de propriedade sobre coisas incorpreas, foroso reconhecer que o contedo dos direitos privativos se afasta radicalmente do contedo dos direitos de propriedade.

    54 Anteriormente Conveno da Unio de Paris, a disciplina dos direitos privativos era

    encarada essencialmente na perspectiva publicista como concesso de privilgios; cfr. Ascarelli, Teoria della Concorrenza e dei Beni Immateriali, 1960, pg. 43. 55

    Cfr. Oliveira Ascenso, Direitos Reais, pg. 385 e segs.. 56

    O proprietrio da coisa corprea guarda para si o seu bem, ao passo que o proprietrio de um direito privativo abre ao mundo o seu tesouro, como expressivamente escrevia Paul Roubier (ob. cit., pg. 95).

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    Consiste este, de acordo com o artigo 1305 do Cdigo Civil, na faculdade de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruio e disposio do bem sobre que incide.

    Ora, no caso dos direitos privativos, o uso e a fruio constituem, no uma mera faculdade, mas tambm um nus, uma vez que a falta de explorao do bem deles objecto determina, como se viu, consequncias desfavorveis, que podem ir at caducidade do direito.

    Diferentes so tambm o jus prohibendi tpico destes direitos e o que se verifica em geral nos direitos reais.

    Nestes, h apenas um poder de excluso, ao passo que naqueles se abrange toda e qualquer manifestao que afecte o exclusivo de explorao econmica que caracteriza o respectivo contedo.

    Alm disso, nos direitos privativos, o jus prohibendi no afecta o uso privado (isto , fora da actividade comercial) feito por terceiro, mas, para efeitos do poder de excluso prprio dos direitos reais, o carcter comercial ou privado do uso de terceiro irrelevante.

    A tese dos direitos de propriedade tampouco consegue explicar a doutrina do chamado esgotamento do direito57, a qual se baseia na considerao do contedo especfico dos direitos privativos ser a respectiva explorao econmica exclusiva.

    Com efeito, a circunstncia de a explorao do objecto do direito privativo representar a realizao do contedo desse mesmo direito, que fica consequentemente esgotado com aquela explorao, pelo que o titular do direito no se poder opor a actos de terceiro subsequentes explorao por ele mesmo efectuada, no se coaduna com o contedo dos direitos de propriedade.

    Esta discrepncia tanto mais evidente quanto o esgotamento no implica a extino do direito, continuando o titular a dispor dele relativamente aos produtos que, de futuro, venha a produzir ou a comercializar, e mantendo, mesmo quanto aos produtos em que o direito se esgotou, as faculdades que no representem prerrogativa exclusiva

    57 Mais desenvolvidamente, cfr. o meu Importaes Paralelas e Esgotamento de Direitos de

    Propriedade Industrial: Questes e Perspectivas, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 61 III, pg. 1416 e segs..

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    de introduzir o produto no comrcio (ou seja, de explorar economicamente o objecto do seu direito).

    Neste contexto, os direitos privativos, tendo por contedo a explorao econmica de determinadas realidades, configuram-se, no como uma atribuio esttica de bens ou situaes jurdicas a determinada pessoa, mas como normas de conduta que, visando assegurar o respeito pelo valor econmico das actividades de cada um, incidem tambm sobre a forma como essas actividades se devem processar.

    Deste modo, a doutrina do direito de propriedade sobre coisas incorpreas no reflecte adequadamente a realidade das coisas.

    Afastando as doutrinas dos direitos pessoais e dos direitos de propriedade sobre coisas incorpreas, h que analisar as doutrinas que entendem os direitos privativos como simples direitos de monoplio, direitos sobre bens imateriais e direitos de clientela.

    A concepo dos direitos privativos como simples direitos de monoplio filia-se na perspectiva, vigente at finais do sculo XIX, de que os direitos privativos seriam privilgios concedidos pelo poder pblico.

    Actualmente, semelhante concepo no permite apreender a realidade das coisas, maxime os poderes e deveres de conduta que integram o contedo dos direitos privativos, nem o valor econmico que tm por funo salvaguardar.

    Outras doutrinas qualificam os direitos privativos como direitos sobre bens imateriais, tentando a unificao conceptual da propriedade industrial e dos direitos de autor numa nica categoria58.

    Em sentido amplo, pode definir-se bem imaterial como toda e qualquer entidade incorprea e imperceptvel para os sentidos, susceptvel de ser objecto de direitos.

    Em sentido restrito, bens imateriais seriam apenas as exteriorizaes do esprito humano objecto de tutela especial por parte do Direito.

    Essa especial tutela configurar-se-ia como a atribuio de um direito exclusivo, oponvel erga omnes, assim se aproximando dos direitos reais, mas distinguindo-se desta categoria por profundas diferenas estruturais, maxime o desprendimento do bem imaterial relativamente ao espao e ao tempo.

    58 Cfr. A. Troller, Prcis, pgs. 32 e segs..

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    A concepo dos direitos privativos enquanto direitos sobre bens imateriais no errada, mas no explica o respectivo contedo, nomeadamente a razo pela qual a lei estrutura determinados direitos sobre bens imateriais - os direitos privativos - de forma diferente de outros direitos cujo objecto so tambm bens imateriais - v.g., direitos sobre direitos.

    Nem se diga que a especificidade do regime legal decorreria do carcter criativo subjacente aos direitos privativos.

    certo que todos os direitos privativos representam exteriorizao do esprito humano.

    Nem todos, porm, representam criao, como o caso dos sinais distintivos do comrcio, relativamente aos quais o aspecto criativo pode ser quase inexistente.

    Alis, como se referiu, a proteco do direito no decorre do acto de criao, uma vez que nem toda a criao protegida, mas apenas aquela que obedece a certos requisitos.

    Alm disso, a titularidade dos direitos privativos atribuda atravs de regras prprias, maxime o registo, pelo que pode coincidir ou no com a pessoa que cria o bem imaterial objecto do registo.

    O bem imaterial, enquanto objecto do direito, representa o ponto de referncia do exclusivo de explorao econmica que a lei estabelece, mas no define o respectivo contedo.

    Outros autores entendem os direitos privativos como direitos de clientela59. Esclarea-se que direitos de clientela e direitos sobre a clientela so realidades

    distintas. Em qualquer sistema de livre concorrncia, como o portugus, que pressupe

    que um empresrio possa criar e expandir a sua clientela custa de clientela alheia, esta no , por isso, susceptvel de ser objecto de um direito. No existe, pois, um direito sobre a clientela60.

    Diversamente, direitos de clientela seriam aqueles que representam um meio de conquista e fixao de clientela, assegurando assim determinada posio aos agentes

    59 Neste sentido, P. Roubier, ob. cit., pgs. 104 e segs..

    60 Cfr. Fernando Olavo, Direito Comercial Vol. I, 2 ed., pg. 266.

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    econmicos em confronto com os concorrentes no exerccio das suas actividades econmicas.

    certo que os direitos privativos consistem em elementos de atraco de clientela, com vista obteno de benefcios na concorrncia econmica.

    Esta perspectiva, porm, se reflecte a funo econmica dos direitos privativos, escamoteia o respectivo contedo61.

    Ainda que se considere a clientela como um valor, um bem em sentido jurdico, como no objecto de qualquer direito, tambm no , em bom rigor, o objecto da proteco.

    No sendo a clientela susceptvel de atribuio jurdica, a considerao dos direitos privativos como direitos de clientela nada nos diz sobre a estrutura jurdica criada, que se espera que venha a ter influncia sobre a clientela.

    De resto, tambm o dever de proceder honestamente no exerccio de uma actividade econmica tem influncia sobre a clientela, mas estrutura-se juridicamente em termos diferentes e autnomos dos direitos privativos, como atrs se mencionou62.

    A tutela da clientela, enquanto valor, tanto pode fazer surgir um direito exclusivo, como no o fazer; por isso, mera consequncia da tutela concedida a determinados factores de clientela, quer se processe atravs da atribuio de direitos exclusivos, quer atravs de outros direitos ou de deveres, como a proibio de concorrncia desleal.

    Os direitos privativos da propriedade industrial tm, pois, a natureza de direitos de explorao econmica exclusiva, cujo contedo se reconduz, simultaneamente, ao poder exclusivo de explorar economicamente o bem deles objecto e ao nus de o fazer, constituindo uma terceira classe de direitos patrimoniais, ao lado dos direitos reais e dos direitos de crdito.

    8 A Tipicidade dos Direitos Privativos

    61 Cfr. Oliveira Ascenso, Lies, pg. 391.

    62 Cfr. supra n. 4.

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    Os direitos privativos da propriedade industrial, enquanto direitos de exclusivo, introduzem elementos de monoplio na concorrncia.

    Mas, na medida em que fomentam a vontade de cada empresrio de desenvolver o valor econmico dos direitos de que titular, em ordem a aumentar a sua capacidade de ganho, so tambm instrumento do progresso tcnico e econmico.

    Da a necessidade de conjugar devidamente o interesse individual do empresrio com os interesses gerais da economia e dos consumidores por forma a que o elemento de monoplio contido nos direitos privativos da propriedade industrial no d lugar a posies abusivas de limitao da concorrncia63.

    Tal conjugao implica que os direitos privativos de propriedade industrial, tal como as demais situaes de monoplio, fiquem sujeitos ao princpio da tipicidade, como resulta alis do disposto no artigo 316 e nos artigos 1303, n. 2, e 1306 do Cdigo Civil.

    Escreve Oliveira Ascenso64:

    Ter que ser a norma que delimite, figura por figura, quais os produtos do intelecto que podem ser juridicamente tutelados, atravs da atribuio de um direito privativo. Nesses sectores, deixou de haver liberdade. (...)

    Os ncleos de exclusivo tm sido sucessivamente alargados; mas enquanto no surge a lei, por mais justificada que a tutela parea, o direito no existe.

    A este respeito, observa Ascarelli65 que apenas podem ser objecto de direito absoluto aquelas criaes cuja tutela se justifique pela promoo do progresso econmico e cultural geral, o que portanto exclui a possibilidade de direito absoluto sobre toda e qualquer criao intelectual.

    Uma vez que os direitos privativos esto sujeitos ao princpio da tipicidade, no juridicamente possvel criar outras situaes de monoplio para alm das previstas por lei, nomeadamente atravs da represso da concorrncia desleal.

    63 Paulo Sendim, Uma Unidade do Direito da Propriedade Industrial?, in Direito e Justia, Vol.

    II (1981/1986), pg. 196. 64

    Para este autor, a tipicidade dos direitos privativos de propriedade industrial uma imposio da natureza; cfr. Lies, pgs. 24 a 26. 65

    Aut. cit., Teoria, pg. 193.

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    O princpio da tipicidade implica ainda que no possvel criar situaes de monoplio com contedo diverso do que a lei lhes atribui.

    O contedo dos direitos privativos da propriedade industrial , pois, delimitado por lei, e apenas dentro desses limites, podem os respectivos titulares exigir proteco.

    9 A Internacionalizao da Proteco dos Direitos Privativos

    Os direitos privativos de propriedade industrial, tal como a lei portuguesa os prev e configura, so direitos nacionais.

    O mesmo se verifica relativamente aos direitos privativos regulados por cada lei nacional.

    cada Estado quem determina quais e como se constituem direitos privativos, concedendo a respectiva proteco tpica apenas aos atribudos perante as correspondentes normas legais.

    Isto significa que a proteco inerente a esses direitos, nomeadamente quanto aos respectivos contedos e efeitos, feita por referncia a um determinado sistema jurdico nacional, que aquele luz do qual so constitudos.

    Esto consequentemente os direitos privativos de propriedade industrial sujeitos ao regime da territorialidade66.

    Por isso, o artigo 48, n. 2, do Cdigo Civil estabelece que a propriedade industrial regulada pela lei do pas da sua criao.

    Mas a internacionalizao dos mercados determina a necessidade de internacionalizar tambm as regras de propriedade industrial enquanto regras de funcionamento desses mesmos mercados, impondo que a proteco dos direitos privativos ultrapasse os limites geogrficos de um determinado pas.

    Para tanto, tm sido utilizadas diversas modalidades, que correspondem, alis, evoluo histrica do fenmeno da internacionalizao.

    A primeira dessas modalidades reconduz-se ao reconhecimento mtuo.

    66 Cfr., mais desenvolvidamente, o meu Importaes Paralelas e Esgotamento de Direitos de

    Propriedade Industrial: Questes e Perspectivas, pg. 1413 e segs..

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    O reconhecimento mtuo consiste em um Estado (pas da proteco) reconhecer eficcia a um direito constitudo noutro Pas (pas de origem). o sistema institudo pela Conveno da Unio de Paris, ao prever, no artigo 4, que a apresentao de um pedido de registo num dos pases membros da Unio permite reivindicar prioridade para esse mesmo pedido em todos os demais pases membros, como, relativamente a Portugal, consigna o artigo 12 do Cdigo.

    Com vista a permitir o alargamento do mbito geogrfico da respectiva proteco, a internacionalizao dos direitos foi levada mais longe, dando origem a direitos privativos internacionais.

    A modalidade para tanto utilizada consistiu na unificao de formalidades, a qual pode incidir sobre o pedido de registo, sobre as diligncias instrutrias ou sobre a prpria concesso do direito.

    Esta evoluo comeou com os sinais distintivos mais utilizados no comrcio internacional, a saber, as marcas e as denominaes de origem.

    Quanto s primeiras, o Acordo de Madrid de 14 de Abril de 1891 instituiu o Registo Internacional de Marcas, que visa permitir que, atravs de um s pedido de registo, a proteco de uma marca no se confine s fronteiras do pas de origem do sinal, mas que funcione igualmente no mbito de outros Estados, que sero, naturalmente, aqueles que faam parte desse Acordo67.

    Quanto s denominaes de origem, o respectivo Registo Internacional foi institudo pelo Acordo de Lisboa de 14 de Outubro de 195868.

    Deste modo, as marcas e as denominaes de origem podem obter, alm do registo nacional, um registo internacional que se processa na Secretaria Internacional da Organizao Mundial da Propriedade Intelectual69 (O.M.P.I. ou W.I.P.O.).

    67 O Acordo de Madrid relativo ao Registo Internacional de Marcas, de 14 de Abril de 1891, foi

    ratificado pelo Decreto - Lei n. 41.734, de 16 de Julho de 1958, e, conjuntamente com o Protocolo relativo ao Acordo de Madrid, adoptado pela Conferncia Diplomtica de 17 de Junho de 1989 e ratificado pelo Decreto n. 31/96, de 25 de Outubro, e o Regulamento de Execuo comum, constituem o Sistema de Madrid. 68

    O Acordo de Lisboa para a Proteco das Denominaes de Origem e seu Registo Internacional, de 31 de Outubro de 1958, revisto em Estocolmo em 14 de Julho de 1967 e modificado em 28 de Setembro de 1979, foi aprovado pelo Decreto n. 44/90, de 17 do Outubro. 69

    A Organizao Mundial da Propriedade Intelectual foi instituda por Conveno de 14 de Julho de 1967, aprovada pelo Decreto n. 9/75, de 14 de Janeiro.

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    Em qualquer dos casos, porm, a unificao reporta-se apenas ao pedido, sendo o exame e concesso do direito, bem como o respectivo contedo, definidos pela lei nacional de cada pas.

    A este respeito, preceitua o artigo 254: recusada a proteco em territrio portugus a marcas do registo

    internacional quando ocorra qualquer fundamento de recusa do registo nacional. E determina o artigo 309, n. 3: A proteco das denominaes de origem registadas ao abrigo do Acordo de

    Lisboa fica sujeita, em tudo o que no contrarie as disposies do mesmo Acordo, s disposies que regulam a proteco das denominaes de origem em Portugal.

    Tambm as invenes vieram a ser objecto de registo internacional, efectuado pelo Instituto Europeu de Patentes, nos termos da Conveno de Munique de 5 de Outubro de 1973, que criou a chamada patente europeia70.

    Neste caso, no s o pedido e o exame da patente so feitos internacionalmente, como a prpria concesso da patente, quer nos seus aspectos formais, quer nos substanciais, feita, no pelas administraes nacionais, mas por uma entidade internacional o Instituto Europeu de Patentes.

    Todavia, o contedo do direito concedido, ou seja, as faculdades que integram esse direito, regulado por cada lei nacional, de acordo com o artigo 64 da Conveno.

    Por isso, o Cdigo da Propriedade Industrial qualifica esse registo internacional como Via Europeia, referida nos artigos 75 a 89.

    O Cdigo da Propriedade Industrial menciona ainda, nos artigos 90 a 96, a Via Tratado de Cooperao em Matria de Patentes para obteno de tal registo, tambm aplicvel aos modelos de utilidade, nos termos do artigo 139.

    Esse Tratado, vulgarmente designado por P.C.T., concludo em Washington em 19 de Junho de 197071, limita-se, porm, a estabelecer um sistema internacional de

    70 A Conveno de Munique sobre a Patente Europeia, de 5 de Outubro de 1973, foi aprovada

    pelo Decreto n. 52/91, de 30 de Agosto, ratificada de acordo com o Protocolo n. 19 anexo ao Tratado de Adeso de Portugal s Comunidades Econmicas Europeias, e regulamentada pelo Decreto - Lei n. 42/92, de 31 de Maro; abrange, alm dos 15 Estados membros da Unio Europeia, a Sua, o Liechtenstein, o Mnaco, Chipre e a Turquia. 71

    O Tratado de Washington de Cooperao em Matria de Patentes, de 19 de Junho de 1970, foi aprovado pelo Decreto Lei n. 107/93, de 7 de Abril.

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    depsito e exame dos pedidos de patente, os quais produzem os efeitos que lhes corresponda em face das legislaes nacionais perante as quais se pretende a proteco.

    Caso essa legislao seja a portuguesa, os pedidos internacionais de patente produzem, em Portugal, os mesmos efeitos que um pedido de patente portugus apresentado na mesma data, como estabelece o artigo 93.

    Trata-se, pois, de simples unificao de formalidades, a saber, dos pedidos e das diligncias instrutrias para obteno do registo.

    Todos os mencionados sistemas internacionais se articulam, representando acordos particulares no mbito da Conveno da Unio de Paris, ao abrigo do respectivo artigo 19.

    A Conveno de Munique constitui um acordo particular, ou tratado de patente regional, aplicando-se ao processo da patente europeia as regras da Conveno da Unio de Paris, bem como, de acordo com o respectivo artigo 150, o Tratado de Cooperao em Matria de Patentes, o qual, no artigo 45, prev tambm a celebrao de tratados de patentes regionais.

    Por seu turno, o artigo 142 da Conveno de Munique prev acordos particulares entre os Estados Contratantes pelo qual uma patente europeia s possa ser concedida conjuntamente em todos esses Estados.

    10 A Integrao Europeia e o Direito Industrial

    A integrao europeia representa, mais do que a simples internacionalizao da proteco dos direitos privativos, a instituio de um sistema jurdico supranacional.

    Sem embargo de o Tratado de Roma72 admitir proibies e restries circulao de bens e servios quando justificadas pela proteco da propriedade industrial e comercial73, o certo que a territorialidade dos direitos privativos cria

    72 O Tratado de Amsterdo, de 2 de Outubro de 1997, deu nova numerao aos artigos do

    Tratado de Roma, sendo actual numerao que me reporto. 73

    Estabelece o artigo 30: As disposies dos artigos 28 e 29 (que probem as restries quantitativas importao e exportao, bem como todas as medidas de efeito equivalente) so aplicveis sem prejuzo das proibies ou restries importao, exportao ou trnsito justificadas por razes de moralidade pblica, ordem pblica e segurana pblica, de proteco da sade e da vida das pessoas e animais ou de preservao das plantas, de

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    compartimentaes de mercado dificilmente conciliveis com o mercado nico que visa instituir.

    Ora, se os direitos privativos podem ser utilizados para bloquear a importao de produtos cobertos por direitos de exclusivo no pas de destino, no devem representar uma forma de compartimentao de mercados.

    Da a necessidade de uniformizar, a nvel europeu, os regimes dos direitos privativos.

    Uma das vias para o efeito seguidas, consiste na harmonizao das diferentes legislaes nacionais atravs de directivas74.

    Assim, a Directiva n. 89/104/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, harmonizou as legislaes dos Estados membros em matria de marcas.

    Em matria de desenhos ou modelos, a harmonizao das legislaes dos Estados membros foi objecto da Directiva n. 98/71/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 1998.

    As patentes de inveno no foram ainda objecto de directiva que, em geral, harmonize as legislaes nacionais dos Estados membros da Unio, encontrando-se harmonizada apenas a proteco das invenes biotecnolgicas atravs do direito nacional de patentes, pela Directiva n. 98/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Julho de 1998.

    Outra das vias de uniformizao dos regimes dos direitos de propriedade industrial consiste na criao de direitos privativos supranacionais.

    Mas as necessidades do Mercado nico Europeu levaram ao reconhecimento da vantagem de instituir sistemas de proteco de direitos privativos que vigorem em todos os Estados membros da Unio Europeia, em igualdade de condies.

    proteco do patrimnio nacional de valor artstico, histrico ou arqueolgico ou de proteco da propriedade industrial e comercial. Todavia, tais proibies ou restries no devem constituir nem um meio de discriminao arbitrria nem qualquer restrio dissimulada ao comrcio entre os Estados membros. 74

    A jurisdio nacional que aplica o direito nacional e chamada a interpret-lo, quer se trate de disposies anteriores ou posteriores a uma directiva, obrigada a faz-lo luz do texto e da finalidade dessa directiva para atingir o resultado visado por esta, como jurisprudncia constante do Tribunal de Justia das Comunidades Europeias e se escreveu no Acrdo desse Tribunal de 16 de Julho de 1998 (Caso Silhouette) (Colectnea de Jurisprudncia do TJCE, 1998, pg. I 4799).

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    Da que, na Unio Europeia, tenham surgido direitos supranacionais, criados por referncia legislao comunitria, independentemente de qualquer legislao nacional, sendo consequentemente figuras totalmente autnomas dos equivalentes direitos privativos nacionais.

    Tais direitos esto consequentemente sujeitos, quer em termos formais, quer em termos substanciais, legislao europeia, e o respectivo mbito geogrfico de proteco coincide com a Unio Europeia.

    A primeira tentativa de criao de um direito supranacional verificou-se com a Conveno do Luxemburgo de 15 de Dezembro de 1975, que instituiu a patente comunitria, a qual consiste num direito privativo supranacional, quer quanto respectiva concesso, quer quanto ao respectivo contedo, que abrange a totalidade dos Estados membros da Unio Europeia75.

    No entanto, a Conveno do Luxemburgo nunca chegou a entrar em vigor76. Hoje em dia, constitui direito privativo supranacional a marca comunitria,

    criada pelo Regulamento (CE) n. 40/94, do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sendo o respectivo registo efectuado pelo Instituto para a Harmonizao no Mercado Interno (Marcas, Desenhos e Modelos) (IHMI), criado pelo mesmo Regulamento n. 40/94/CE77.

    Tambm constituem direitos privativos supranacionais os desenhos ou modelos comunitrios, criados pelo Regulamento (CE) n. 6/2002, do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001, a serem registados pelo IHMI.

    Qualquer destas indicadas modalidades deixa inclume o princpio da territorialidade dos direitos privativos, e a possibilidade de representarem formas de compartimentao de mercados.

    75 A Conveno do Luxemburgo constitui um acordo particular no mbito da Conveno de

    Munique de 5 de Outubro de 1973, que criou a patente europeia. 76

    A patente comunitria est em vias de reformulao, enquanto direito supranacional, a ser registada pelo Instituto Europeu de Patentes. 77

    Sobre a marca comunitria, cfr. Jos de Oliveira Ascenso, A Marca Comunitria, in O Direito, ano 133 III, pg. 511 e segs..

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    Para conciliar os mencionados princpios da livre circulao de bens e servios e da proteco da propriedade industrial, a nvel europeu, a jurisprudncia, seguida pela doutrina, desenvolveram a teoria do esgotamento78 (ou exausto79) dos direitos80.

    Segundo esta teoria, restries livre circulao de bens na Unio Europeia s podem ter lugar quando o exerccio dos direitos privativos da propriedade industrial, tal como definidos pelos direitos nacionais, corresponda efectivao do objecto especfico que lhes reconhecido pelo direito comunitrio81.

    O objecto especfico dos direitos privativos consiste em assegurar ao respectivo titular a faculdade exclusiva de explorar economicamente o bem que objecto do direito, com vista correspondente produo e primeira comercializao, seja directamente, seja atravs da concesso de licenas de explorao a terceiros, bem como a faculdade de se opor usurpao daquele bem82.

    Desta sorte, o objecto especfico de um direito privativo de propriedade industrial legitima o seu titular em prevalecer-se dele, mesmo que seja custa do princpio da livre circulao de bens.

    Mas, logo que o titular exera a faculdade de obter a remunerao que o objecto especfico do direito representa, cessam as prerrogativas inerentes a tal direito.

    Diz-se ento que o objecto especfico do direito se esgotou (ou exauriu) com a primeira comercializao do produto.

    Esgotado que seja o direito sobre cada produto concreto que colocado no mercado, extingue-se o poder de que o titular dispunha sobre ele, deixando a partir da

    78 a expresso utilizada em Portugal; cfr. Pedro Sousa e Silva, Direito Comunitrio e

    Propriedade Industrial O Princpio do Esgotamento dos Direitos, Coimbra Editora, Coimbra 1996, e O Esgotamento de Direitos Industriais, in Direito Industrial, Vol. I, Almedina, Coimbra 2001, pgs. 453 e segs.. 79

    esta a expresso utilizada no Brasil; cfr. Elisabeth Kasznar Fekete, Importaes Paralelas: A Implementao do Princpio do Esgotamento de Direitos no Mercosul Diante do Contexto de Globalizao, in Revista da ABPI, Anais 1997, pgs. 76 e segs.. 80

    Cfr., mais desenvolvidamente, o meu Importaes Paralelas e Esgotamento de Direitos de Propriedade Industrial: Questes e Perspectivas, pg. 1413 e segs.. 81

    Cfr. J.J. Burst e R. Kovar, Libert des Echanges et Droit de Brevet et Savoir-Faire, in Trait de Droit Europen, vol. 5, fascculo 1720, 1994, pg. 8. 82

    A noo de objecto especfico desenvolvida pela jurisprudncia e doutrina comunitrias corresponde noo de contedo do direito que perfilho, uma vez que me parece ser de guardar a designao de objecto para o bem sobre o qual o direito incide.

  • CARLOS OLAVO

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    de poder controlar a circulao desse produto, nomeadamente em termos da sua importao em outros pases da Unio Europeia83.

    Daqui decorre que, quando o titular do direito privativo comercializa o seu produto em qualquer dos Estados membros da Unio, ento esse produto deve poder circular livremente nos outros Estados membros84.

    A regra do esgotamento dos direitos privativos de propriedade industrial tem hoje consagrao legal generalizada nos Estados membros da Unio Europeia, quer a nvel do ordenamento jurdico europeu, quer a nvel dos vrios ordenamentos jurdicos nacionais.

    A nvel europeu, decorre ela dos artigos 28, 29 e 30 do Tratado de Roma. Alm disso, encontra-se previsto no artigo 13 do Regulamento (CE) n. 40/94,

    de 20 de Dezembro de 1993, no artigo 21 do Regulamento (CE) n. 6/2002, de 12 de Dezembro de 2001, que criaram, respectivamente a marca comunitria e os modelos e desenhos comunitrios, e no artigo 32 da Conveno do Luxemburgo de 15 de Dezembro de 1975.

    Tambm as vrias directivas de harmonizao das diferentes legislaes nacionais prevem o esgotamento do direito privativo a que se reportam.

    Em matria de marcas e de desenhos ou modelos, o respectivo esgotamento encontra-se previsto, respectivamente, no artigo 7 da Directiva n. 89/104/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, e no artigo 15 da Directiva n. 98/71/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 1998.

    Relativamente proteco das invenes biotecnolgicas atravs do direito nacional de patentes, prev o artigo 10 da Directiva n. 98/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Julho de 1998, que a proteco nela referida no abrange a matria biolgica obtida por reproduo ou multiplicao de uma matria biolgica colocada no mercado, no territrio de um Estado membro, pelo titular da patente ou com o seu consentimento, se a reproduo ou multiplicao resultar

    83 Cfr. P. Mathly, Le Droit Franais des Signes Distinctifs, Paris 1984, pg. 322.

    84 Actualmente, a regra do esgotamento aplica-se em todo o Espao Econmico Europeu, criado

    pelo Ac