INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA CLINICA CIRURGICA ... - UFRGS

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA CLINICA CIRURGICA INFANTIL E ORTOPEDICA pelo Prof. NOGUEIRA FLÔRES Cirurgião «los hospitais, catedl'atico de Clinica Clrurgica Infantil e Ortopé(lica, membro da Academia Nttcional de lIedicina e da Socie(lade (le Radiologia Medica de Fl'anCla. -®---- Sumario. - Considerações de ordem ge- ral, qualidades inerentes ao pediatra cirur- gmo, diversos aspetos da expressão da doença na criança, exame da criança, papel do crescimento, importancia pratica do cres- cimento, noticia historica da ortopedia, seus periodos, papel da ortopedia, ginastica, pa- pél da ginastica contra as deformidades, papel da cirurgia operatoria e importancia da radiologia. (1) Meus senhores. Dando começo a al- gumas conferencias, sôbre o estudo da in- trodução á clínica cirurgica infantil e orto- pédica, temos o sumario seguinte: con- siderações de ordem geral, particulari- sando as qualidades inerentes ao pediatra cirurgico, estudando sob diversos aspetos a expressão da doença na criança, o exame da de um modo geral, o papel de seu crescimento, importancia pratica do crescimento, fazendo urna noticia histo- rica sôbre a ortopedia, seus periodos, seu papel contra as deformidades, papel da cirurgia operatoria em linhas gerais, corno seja a cirurgia reparadora, a cirurgia plas- (1) Conferencia, 25 de Abril de 1933. tica, a cirurgia estetica, a cirurgia fisiol0· gica, importancia da radiologia e finali- sando com a invocação "in memoriam" dos pediatras, dos pediatras-cirurgiões e de al- guns cirurgiões brasileiros. Assim posto, não deveis vos esquecer que é preciso bem conhecer a criança, corno individuo em seu estado de saúde, normal, como indice do estado de doença da criança. Assim o incomparavel Claude Bernard se manifesta na sua introdução ao estudo da medicina que "La connaissance de l'état anormal ne saurait être obetenue sans la connaissance três précise de l'etat normal." Como ireis observar o estudo da clinica cirurgica infantil é bem complicado, é uma especialidade decorrente dos solidos conhe- cimentos em geral da· clinica de adultos - cirurgica e medica. Augusto Broca decla- ra: "Affaire générale de tendance d'esprit et d'éducation premiêre: mais je crois que d'un chirurgien on fera plus facilement un ortopediste que d'un orthopédiste nn chio rurgien, et qu'à l'organisation - partout de plus en plus fréquent - de services spé- ciaux pour les maladies chirurgicales des enfants on trouve des réels. avantages' scien- tifiques, mis à part, bien entendu, les avantages moraux indiscutables." Marfan proclama com sua autoridade de

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA CLINICA CIRURGICAINFANTIL E ORTOPEDICA

pelo

Prof. NOGUEIRA FLÔRESCirurgião «los hospitais, catedl'atico de Clinica Clrurgica Infantil e Ortopé(lica, membroda Academia Nttcional de lIedicina e da Socie(lade (le Radiologia Medica de Fl'anCla.

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Sumario. - Considerações de ordem ge­ral, qualidades inerentes ao pediatra cirur­gmo, diversos aspetos da expressão dadoença na criança, exame da criança, papeldo crescimento, importancia pratica do cres­cimento, noticia historica da ortopedia, seusperiodos, papel da ortopedia, ginastica, pa­pél da ginastica contra as deformidades,papel da cirurgia operatoria e importanciada radiologia.

(1) Meus senhores. Dando começo a al­gumas conferencias, sôbre o estudo da in­trodução á clínica cirurgica infantil e orto­pédica, temos o sumario seguinte: con­siderações de ordem geral, particulari­sando as qualidades inerentes ao pediatracirurgico, estudando sob diversos aspetosa expressão da doença na criança, o exameda m~}sma de um modo geral, o papel deseu crescimento, importancia pratica docrescimento, fazendo urna noticia histo­rica sôbre a ortopedia, seus periodos, seupapel contra as deformidades, papel dacirurgia operatoria em linhas gerais, cornoseja a cirurgia reparadora, a cirurgia plas-

(1) Conferencia, 25 de Abril de 1933.

tica, a cirurgia estetica, a cirurgia fisiol0·gica, importancia da radiologia e finali­sando com a invocação "in memoriam" dospediatras, dos pediatras-cirurgiões e de al­guns cirurgiões brasileiros.

Assim posto, não deveis vos esquecer queé preciso bem conhecer a criança, cornoindividuo em seu estado de saúde, normal,como indice do estado de doença da criança.Assim o incomparavel Claude Bernard semanifesta na sua introdução ao estudo damedicina que "La connaissance de l'étatanormal ne saurait être obetenue sans laconnaissance três précise de l'etat normal."

Como ireis observar o estudo da clinicacirurgica infantil é bem complicado, é umaespecialidade decorrente dos solidos conhe­cimentos em geral da· clinica de adultos ­cirurgica e medica. Augusto Broca decla­ra: "Affaire générale de tendance d'espritet d'éducation premiêre: mais je crois qued'un chirurgien on fera plus facilement unortopediste que d'un orthopédiste nn chiorurgien, et qu'à l'organisation - partout deplus en plus fréquent - de services spé­ciaux pour les maladies chirurgicales desenfants on trouve des réels. avantages' scien­tifiques, mis à part, bien entendu, lesavantages moraux indiscutables."

Marfan proclama com sua autoridade de

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mestre que as''''doençaE! de crianças exigemum estudo especial; porém, ao inverso. doque se passa nas especialidades ordinarias;este estudo deve primeiramente se ajuntara estudos gerais, inteh:amente equivalentesaos do medico de adulto. Um medico quecuida de crianças deve primeiramente sabertudo que sabe um medico de adulto: ummedico de adulto não é obrigado a ter co­nhecimento de tudô o que sabe um medicode crianças.

De tudo isto, julgamos concluir que asmolestias de crianças deva ser rigorosa­mente impostas aos estudantes de mediei·na, porque não é permitido na imensa maio­ria dos medicos cuidar sómente do adulto.

Continuando em outra ordem de consi­derações nos 080rre lembrar Eastman (deIndianopolis), quando trata da apendicitecronica, e que pergunta se é um mito. Esteprofessor insiste nos cuidados que todosdevemos ter em diagnosticar a apendicite,afim de não operar de mais, nem de menose declara que a apendicite cronica supõeum diagnostico inteligente e cuidadoso.

Assim senhores, lembramo-nos que emmateria de apendicite, nem um campo dacirurgia é mais aplicavel o proverbio fran­cês "um bom operador é algumas vezes,sinão sempre um máu cirurgião."

Os professores Campbell e Kerr, dizemno que toca á introdução ao estudo da ci­rurgia infantil que "a criança é um sernão acabado"; consideramos em outras pa­lavras um esboço de homem; prosseguin­do,. temos a infancia, periodo em que anaureza, através dos processos fisiologicose particularmente ativos, empreende trazerá perfeição individual e assim presserva aespecie. Estes fenomenos de crescimentocompreendem as trocas celulares mais ati­vas, mais rapidas e mais constantes. Temmaiores pretensões nutritivas e deixampouco capital em reserva para as contin~

gencias.Assim, quando o organismo da criança é

mais plastico,é menos estavel; quando se

cura rapidamente, se desnutre facilmente.Com uma cirurgia contrutora está incli­nado a unir-se, pelos processos destrutivosé intolerante.

O prot. Hutinel escreve "a medida quea criança cresce se desenvolverá, as diferen­ças se atenuarão ea identificação se com­pletará.

Em vez de exagerar as dissemelhançaspoderia com tanta razão insistir nas ana­logias e forçar as aproximações. Não haverdadeiramente duas patologias: uma paracriança, uma para o adulto; ha apenasuma, cujas grandes linhas ficam as mesmaspara todas as idades, si as minudenciasdiferem. E' o conhecimento destes porme":nores que faz o medico de criança; porémó qual a concepção estreita da patologia,teria aquele que julgasse, que as doençasse desenvolvem, evolue e se complicam,segundo. as regras distintas e apostas nasdiferentes épocas da vida?!

O professor Grancher, assim se expressa"apatologia da criança não difere da do adultopor caracter algum essencial."

"A tecnica e a semiologia são outras. Sia patologia infantil não é uma patologiaespecial, acrescenta Auguste Olivier, a se­miotica infantil é uma semiotica especial,eis o que é preciso não esquecer para nãocometer erros."

CampbeU e Kerr escrevem ainda na suaintrodução: "A cirurgia da criança impõeum problema dificil, de um modo espe·cial, não sómente pelas insignificantes re­lações anatomicas, mas porque o cirurgiãoque trata de um organismo singularmentecomplicado, cuja afecção cirurgica está mes­clada com os problemas da nutrição dodesenvolvimento e da eficiencia futura. Acirurgia moderna, com a sua perfeição detecnica fica acomodada sómente para. ada~tar-se ás exigencias do organismo da crian·ça. O cirurgião tem apenas eficiencia quan­do possue uma correta apreciação das. doen.,.ças cirurgicas conforme afétam a criança."

,Estes autores, por conseguinte,. conhecem

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que um notavel adiantamento neste campoé somente possivel, conforme as doençascirul'gicas da infanc'ia são encaradas sôbreambos os aspétos pelo cirurgião e pelo pe­diatra.

Meus senhores, as deformidades, isto é,as malconformações congenitas podem mui­tas vezes ser corrigidas na vida preco­cemente, mas- tardiamente e acompanhadasde. mudanças secundarias nunca poderemoscorrigir. Uma criança alejiada é muitasvezes despresada.

Haverá poucos aleijados no mundo quan­do o medico estiver mais alerta pela imoportancia do precoce reconhecimento dadoença e do seu tratamento a tempo.

Nestas deformidades congenitas e doen­ças cronicas ligadas ao aparelho locomotor,os autores tentaram acentuar a importan­eia no diagnostico precoce, o tratamento ~

meramente sugestivo; e é urgente pois, queas vantagens da ortopédia clinica sejamprocuradas e a experiencia e a habilida­de do cirurgião ortopédista, sejam assegu­radas.

Panas, outróra, dizia: "la chirurgie in­fantile c'est la chirurgie des enfants."

Ombrédanne, atual catedratico da clini·ca cirurgica infantil (de Paris), consideraengenhosa esta expressão para ressalvar oerro que se poderia atribuir, e no sentirdeste professor, nenhum ramo da cirurgiase expõe mais a desastres aos operadoresincautos, chamados para intervir em mui·tas crianças; é ao contrario uma cirurgiamuitas vezes perigosa, quasi sempre. deli­cada, é uma cirurgia que necessita umaparticular rapidez de execução; é uma ci­rurgia cujo dominio enfim é mais vasto doque não se está habituado com a cirurgiageral.

"E' preciso conhecer a fragilidade dn lacatente diante de uma operação benigna comoseja a ablação de um angioma ou de umasutura de um labio lepurino.

"E' preciso tambem, saber aproveitar aadmitavel resistencia do recemnascido, du-

rante os três ou quatro primeiros dias devida, quando vos fôrem apresentadas crian­ças monstruosas, isto é, uma com a face de~

formada em boca de lobo, outra, com umtronco prolongado por um informe côto,semelhante a um membro inferior e outra,com um anus imperfurado, etc.

"Si .deixardes de fazer uma intervençãocirurgica neste ultimo caso é a morte dorecemnascido, quando um simples golpe deescalpelo no perineo ou uma interven~ão

cirurgica é a vida para este ente, digno decompaixão de todos nós, é em suma, um mioseravel. Este recemnascido é um enfermonas formas de seu corpo, um objeto de re­pulsão pelo fato de suas funções anormais.

" ;, Qual é pois o dever do cirurgião nestecaso? . . E' intervir sem perda de tempo.

"Sabem os senhores, que os espartanos nointeresse superior da raça, isto é, da sua eu­genia, matavam estes entes. Presentemente,nas circunstancias que evocam os parentestem o direito de matar se recusando a in­tervenção. "

Ombrédanne diz ainda: "le médecin, enparei! cas, n'a pas le droit de peseI' les déci­sioHa en balance. Sous poine d'inadmissiblesdistinctions, le devoir médical apparait vis­á-vis de l'enfant, formeI et catégorique: ilest gravé aux murs de notre amphithéâtre.- Nous devons prolonger la vie, sans nouspréoccuper de ce que pourra être cette vie."

Campbell e Kerr, dizem que "um processooperatorio nas crianças, requer mais estu~

dos preliminares nas intervenções executa·das com rapidez e com manipulações muitomais delicadas nos tecidos, do que pelo mes·mo processo cirurgico adotado no adulto."

Pensamos que é bem sugestiva, a divisados antigos cirurgiões - cito, tuto et jocun..dó, isto é, rapido, completo e bemfazejo, nãose devem, pois, meus senhores, se esquecerdesta divisa.

Ainda é preciso que não nos esqueçamosda formula inglesa, conhecida pela dostrês H: "head, hand, heart", isto é, umcerebro, uma mão, um coração.

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RenéToupet publicou em 1918, em seuestudo de numerosas observações colhidas.no que diz respeito ao sistema Taylor ada­tado á cirurgia em geral cujas palavrastranscrevo, traduzidas pelo docente da Fa­culdade do Rio, Leonidio Ribeiro Filho ­Sistema do Taylor em cirurgia: "Eu apli-:quei, diz êle, aos operarios da cirurgia osmetodos de investigações que Taylor tinhaaplicado aos operarios da industria.

Leonidio, depois de fazer comentarios sô­bre o que se deve entender por andar de­pressa na operação, o que é muito diferentede correr, mostra como essa preocupação deobterreconls de tempo, em cirurgia, é quasisempre criminosa.

Em seguida, citando Toupet, conclue: atecnica cirurgica não é mais do que a Tay­lorisação do ato operatorio. Nossos cirur­giões não operam, aliás, as experiencias deTaylor, para apreciarem as vantagens dometodo rigoroso da s}mplicidade e da pre­cisão. Os tratados de tecnica são conjun­tos de regras analogas ás reduzidas porTaylQr para uso dos operarios.

Ombrédanne, diz: "é preciso aprender aoperar em um tempo tanto mais curtoquanto a criança é mais jovem. Em con­dições de precocidade as intervenções serãotanto melhor suportadas, quanto o ato ope­ratorio for mais breve.

"Esta rapidez operatoria, reclamada pelavelha divisa cirurgica, tem justamente per­dido seu valor em cirurgia geral com aperfeição da anestesia e o rigor da asepsia.Nas crianças de tenra idade ela retoma todasua importancia. E' feita não com precipita­ção, porém somente com precisão que evitatodo gesto inutil· e simplicidade na tecnica,forma da habilidade cirurgica, que se tra­duz, dando aos assistentes a impressão queacabam de ver executar uma intervençãoextremamente facH."

Reportando-nos ás considerações, rela­tivas ás qualidades peculiares ao pediatra,feitas pelos professores Campbell e Kerr:"Ha presentemente lImltifarias condições

medicas a reconhecer o fato, que os cuida­dos das crianças é um problema mais oumenos complexo.

"Devemos ter ciencia da realidade queas condições cirurgicas são desconhecidasna meninice; que ha tambem estas, quesão peculiares ao periodo da vida, e queuma particular doença é variada em suasmanifestações, como é observada em dife­rentes periodos da infancia.

"Com este conhecimento, que se possuenos meandros da medicina e cirurgia cien­tificas, o pediatra cirurgião precisa, alémdisso, ter conhecimento e amor pelas crian­ças. E não é suficiente conhecer, comouma doença ou uma lesão aféta tambemás crianças; precisa tambem conhecer comoas crianças reagem na doença.

"A habilidade na diagnóse precisa e 110tratamento das condições cirurgicas da i11­fanda, póde ser encontrada, através de doiscaminhos. O cirurgião póde aperfeiçoar-se,tanto quanto possivel em doenças de crian­ças, e si este conhecimento é acrescido deum grande poder de observação segura ede perspicacia e caracteristico discerni~

mento, está bem aparelhado para sua ta­refa. Todavia, si faltando o tempo, naoportunidade de si tornar extraordinaria­mente proficiente nas doenças medicas,como tambem nas cirurgicas da infancia,póde fazer uso da habilidade e do treinode pediatra. De fato, si a tecnica opera­toria e a coragem do perito cirurgião, forajuntada mais vezes com o conhecimentoe com o discernimento de pediatra, o re­sultado cirurgico seria muito melhor. Enenhuma parcela de sucesso cirurgico comas crianças, deverá ser atribuido a estefato, a esta simpatia e a esta habilidadede inspirar confiança no caso particularsôbre o exame. A exposição, que o pedia­tra cirurgião tenha necessidade de habili­dade de operador, não é pois, quimérica;ha razões por isto, bem definidas."

O professor Faure traçou "a psicologia docirurgião cuja vida sedutora, mais. agitada

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que são, obrigando o publico e a profissãonão tem um momento de acalmia moral,pelas horas soberbas e tragicas, horas detriunfo e de enlevo, e horas de amargurae desolação."

Cumpre-nos ainda vos dizer que o temponão é mais em que o cirurgião se conten­tava antes de tudo, ser um operario manualou ao menos um bom tecnico. Todas asnoções gerais que o medico deve possuir,'O cirurgião deve, pelo seu futuro operado,possui-las igualmente. Estamos em umaépoca em que a tecnica se vuígarisou detal modo que o futuro não pertence maisao cirurgião prestigioso, pertence áqueleQue sabe prever os riscos organicos do pa·ciente. Longe assim de restringir sua ação,esta previsão a estende ao contrario, e alar­ga os limites de seu poder, fazendo recuara das deficiencias organicas.

Meus senhores, a doença da criança oudo lactente não é a expressão da doençado adulto, por conseguinte, o pediatra ci­rurgico necessita conhecer mais estas dife·renças e ser habil em interpretá·las corre­tamente.

A expressão da doença assim estudadapor Campbell e Kerr "as manifestações cli­nicas da doença na criança de tenra idadesão diferentes e é esta diferença que difi·culta a doença na infancia. A causa defatos familiares que se empregam na cons­trução do edificio, da diagnóse no adultoestão na criança inteiramente ausentes ousão totalmente diferentes, quando disvir­tuadas. Aproximando-se da criança o neo­fito, são de uma vez confrontados um sen­tido de ausencia de sinais, assemelhançade um estrangeiro, que pisa uma terra es­tranha, na qual ha poucas eenas familiarese ha falta de um guia.

"Enquanto muitas doenças, que são pe·culiares ao periodo da vida, conhecidas nainfancia e a particularidade do paciente- tanto quanto a doença que nos chama'

a atenção, porque é isto, que conduz a va­riada expressão da (loença.

"De primordial importancia, no estudo dealgumas doenças é o cuidado com que odiagnostico póde ser feito. Na infancii:\estas substituições, que devemos ter ad­quirido com fatos a respeito da criançaque não tem sofrimento com doença oulesões presente, porém, o devemos modifi­car muitas vezes ou mudar inteiramentenossa comum interpretação de sintomas.Por exemplo, somos conhecedores sempreda insignificante influencia da alma nadoença da infancia pela possibilidade diag­nostica apreciadamente limitada, pelo fatode que as influencisa neuro-psiquicas sãoquasi excluidas.

"Os varios tecidos podem tambem ser in·capazes de, manifestando os fenomcnos quesão os resultados dos fatores etiologicos emsua imaturidade, responder mais facilmentee certamente aos outros fatores. E é aocontrario, sem duvida alguma, na pre·sença de uma sintomatologia definida, oraciocinio e a dedução, quanto as causasprecisam ser inteiramente distintas dosmesmos processos, como tambem aplicamna vida do adulto. Por exemplo, a criançamuito pequena é comparativamente livrede ataques convulsivos, porque nos primei­ros três meses de vida, as toxemias bacte­rianas agudas sistematicas, poderosos fato­res na etiologia dos convulsões, são fre­quentes. Então ao contrario, o estimulodos centros motores corticais e dos centrosconvulsivos na base do cerebro não se ex­cita facilmente em movimentos convulsivos,porque o nervo, força descarregada destescentros é impedido na sua disseminaçãopelo desenvolvimento das bainhas de mie­lina dos feixes piramidais. Estas bainhassão grandemente desenvolvidas de tal ma­neira, acima do terceiro ou qu~rto' mês davida, de modo que os feixes piramidais têmsuas funções suficientemente desenvolvidaspara levar ás celulas espinhais aos centrosconvulsivos no cerrado contacto.

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"Porém, depois do terceiro ano e até nofim do segundo, todos os centros nervosossão muito irritaveis, de maneira tal queos ataques convulsivos são comuns. A im­portancia clinica disto, é que, as convul·sões na criancinha são de séria importan­cia e não são frequentes, havendo após oseu desaparecimento, certa fraqueza da mus­culatura atacada. Ocorrendo convulsões noataque de alguma doença em uma criançade idade de três a dois anos, são elas depouca importancia, porque podem ser pro­duzidas por causas muito banais, enquantoque no adulto, tal acontecimento em qual­quer tempo seria bastante para maior alar­me. A necessidade do reconhecimento destasdiferenças, deve ser aparente, porque éuma correta analise daquelas de que somoscapazes de determinar os importantes eaparentemente brandos os sintomas inter·pretados, como elementos indicativos daleve doença, enquanto que é na aparenciamais grave e nos dão necessariamentealarme, acarretando conclusões erroneas.

"Tomai, por exemplo, a sintomatologia deuma doença aguda na infancia ou os resul­tados de uma lesão, achamos que aí, nãoha a limitação de sintomas restritos a umórgão ou a uma região particular· que estáprincipalmente envolvida, como na vida doadulto, ficando porém fi; criança sujeita asintomas gerais e constitucionais. Assim,a expressão da doença ou lesão é mais con·stitucional que fócal, sendo a de mais tenraidade um controle mais maravilhoso. Istose explica claramente, devido ao fato que éuma consideravel proporção de disturbios,imprimiu á doença do aparelho digestivo,devido tão somente ao ataque de alguma in­feção aguda.

Para finalizar diremos que a inarticuladaexpressão da doença na criança tem des­tarte varios aspétos que no adulto nãoexiste.

Entre estas podemos por assim dizer comCampbell e Kerr que uma filosofia de crian-

ça é: "all that is painfull is evil, alI thatis pleasurable is good."

(2) Continuando temos:

Exame (la crianf;a. - E' preciso que opediatra encarregado de uma clínica hos­pitalar ou privada adquira. paulatinamenteuma mentalidade apropriada ao meio ondeexerce. Pedir sôbre um estado morbido esua evolução das informações dos pais, émuito justo, porém isto, se presta muitoa erros; muito pear ainda, quando for pre­ciso nos dirigir aos avós, as nutrises e asguardians. E é por isso que o professor Bro­ca, antecessor de Ombrédanne na Clínica daUniversidade (de Paris), declara de modojusgestivo que nossa arte de pediatra apre­senta alguma semelhança com a do vete­rinario; a semelhança é pois completaaté o momento em que a criança fala; pou­co e pouco e a medida que a criança se vaiaperfeiçoando na expressão do pensamentomuito depressa a partir deste momento,mais depressa que muitas vezes, não o pen­samos, um clinico habituado a este exerci­cio chega a desmaranhar no meio das res­postas de uma criança; e por aí, nos é ne­cessario uma educação mental muito par­ticular. O professor Hennoch (de Berlim)diz que a exploração medica ao menos nosprimeiros anos da vida, difere essencial­mente da dos adultos. E' tornada maisdificil pela ausencia da palavra, pela im­possibilidade na qual se acha a criança dedar ao medico informações suficientes. Naclientela privada, as mães pódem suprir,porém nos hospitais estamos reduzidos, deordinario, a falta do concurso dos pais ede dados anamnesticos, em um exame pura­mente objetivo, como em medicina veteri·naria. A dificuldade aumenta ainda pelaanciec1ade e a resistencia das criançasdiante do medico que não conhecem. E'preciso que a criança se sinta com con·fiança em nós; é preciso que por isso, exa-

(2) Conferencia, 27 de Abril.

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minando-a, nós lhe façamos o menos malpossivel e, quando fôr indispensavel o maistarde possivel, prevenindo-a.

Sôbre a utilidade de advertir uma crian·ça, de nunca toma-la a traição, julgamossuperfluo insistir; porém, é uma impor­tante questão de metodo de deixar intei­ramente para o fim e de reduzir ao minimoas explorações, que sabemos dever ser do­lorosas.

No adulto sem duvida, o preceito é omesmo; porém a transgredi-lo, não nosarriscamos a coisa que' valJia.

O adulto é bastante razoavel, a maiorparte do tempo, para se submeter sem de­mais respingar em manobras desagradaveisou mesmo penosas: quando uma vez, umacriança sofreu, mesmo mediocremente, é deregra que grite, que se contraia, que se de­fenda. Ide pois, estudar. os movimentosda anca em um pequeno coxalgico que co­meçareis por fazer sofrer, apoiando na ca­beça do femur! Não, vos concluireis poresta pressão, sem que tenhais captado aconfiança da criança por meio de exp~o.

rações indolentes, dando-lhe alguns bom­bons. A caixa de bombons é um acessorioainda mais util ao cirurgião de crianças queao 'medico, porque muitas vezes serve pararelevar um sofrimento.

Certamente, com paciencia e tato, che­gamos a tornar quietas e doceis a móI'parte das crianças que têm necessidade decurativos repetidos e dolorosos; elas com­preendem quasi todas que é para seu bem.Porém, é preciso, tanto quanto possivel,lhe suprimir toda dôr que não seja indis­pensavel, e é por isso que nos serviços decirurgia de crianças empregamos muitoliberalmente a anestesia geral.

P'apel do crescim,ento. - Chegamos ;lsparticularidades imprimidas pela idade nasdoenças cirurgicas das crianças e nas orto­pedicas; primeiramente, deveis saber quesurge a questão de encarar a natureza dasdoenças e lesões ou a doença do individuo.

A falar a verdade, quasi nunca é a natu­reza das doenças e lesões que é especial nacriança. Sem duvida, ha néla uma cate­goria de lesões extremamente particulares:as deformidades congenitas. Algumas den­tre élas, não se manifestam, é verdade, si­não tardiamente durante a 2.a infallcia emesmo no adulto, e desde então poderiamosexemplificar, si quiserdes com algumas1nalfoT1nações utero-vaginais, que reconhe­cemos tão sámente no momento do parto.Apenas de uma parte, resta que é a pato­logia intra,.·uterina e de outra parte, estáa cirurgia do recemnascido.

Si pusermos de parte, esta categoria delesões, é preciso admitir que nossa espe­cialidade depende muito mais da naturezado individuo que da doença. A. Broca nosdiz que "nos voisines d'outre-manche ontfondé une Société pour l'étude des mala­dies chez les enfants, non pour l'étude desmaladies des enfants." Na verdade, ha al­gumas infeções que se desenvolvem nacriança mais facilmente que no adulto.Temos, verbi graNa, as infeções pneumo­nicas que são mais frequentes quanto me­nores são as crianças. ,Nos escapa a razãodisto, apenas verificamos. Porém, uma veza infeção produzida, podemos dizer que. elaconse.rva na criança seus caracteres habi­tuais. Podemos tomar como exemplo, omquitismo. A primeira vista para os' lac­tentes, parece ser uma doença muito espe­cial á infancia, as vezes pela sua etiologia,em que o pape.l capital provém da alimen­tação viciosa dos lactentes, pela sua pato­logia, pela sua evolução clínica e pela suaterapeutica. l.. Porém, patoJj>gica e. anato­micamente são exatamente ligações com oraquitismo tardio e todas as manifestaçõesque délas resultam sob a forma de malfor­mações da adolescencia? ;, Qual é aindasua ligação com todas osteomalacias doadulto? Ignoramos; sim, apenas sabemosque isto provém de alimentação defeituosa,sabemos que abandonado por si mesmo oraquitismo da 1.a infancia se cura na idade

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de 4 a 5 anos, sabemos detê-lo pelo trata­mento; porém não sabemos mesmo, si é ounão uma doença de ordem infeciosa, si édevido a um microbio especial, não supu­rando, evolvendo de uma maneira parti­cular porque se inocula em ossos em evo­lução de crescimento.

Fatos muito analogos se observam parao escorbttto dos lactentes, para a sifilisprecoce que, além disso encontraremos ime­diatamente nos dois casos, til observamosfenomenos especiais do lado das cartila­gens conjugais em cujas faces se dão osepisodios fisiologicos conhecidos do cresci­mentodo osso em comprimento. Mais tar­de, na sifilis tardia da criança, os meiosclinicos particulares, restauram semelhan­tes ossificações sub-periosticas e teremosainda de notar o ponto de partida das le­sões ao nivel da face diafisaria das carti­lagens conjugais.

O fato anatomo-fi,siologico que domina alJatologia óssea da criança, é a existencia

. da cart'ilagem conjugal, a qual está em re­laçã,o com o crescimento do osso em com­primento. Além disso, podemos ainda di­zer de um modo geral, que faz da criançano ponto de vista patologico um individuoespecial para os ossos, como para o resto-- é o cresci1nento.

Crescimento. - Não é necessario lemobrar aqui as etapas do crescimento; apenasdeveis saber que o 1.° periodo é aquele emque a crinaça está destinada a comer, pri­meiramente, se nutre de leite na primeiradentição. A partir deste momento, a crian­ça se nutre de alimentos destinados a sermastigados. Depois, mais tarde, vem a pu­berdade, com a evolução de uma funçãonova ada reprodução. Sabemos o papeldas glandulas genitais no desenvolvimentogeral do individuo.

Meus senhores, deveis saber que umasérie de infeções é capaz de parar o cres­cimento pela ação trofica geral. VerMa

Dl'atia, podemos citar aqui o papel da in-

feção sifilitica na gênese de alguns esta­dos do íntantilís1no. Em particular, quandoa tuberculose se associa a supurações pro­longadas, podemos observar efeitos analo­gos após diversas osteo-artrites supuradasextensas e graves.

Para os ossos, repetimos o que é ortope­dica e cirurgicamente capital - é o cresci­mento do osso em espessura a custa doperiosteo, em comprimento a custa da cal"tilagem conjugal como deve ser conhecidodos senhores na osteogênese normal. Li­mitarnos-emos a aludir apenas aos traba­lhos pelos quais, ha mais de um séculoTroya, Flourens, depois Duhamel, puseramem destaque o papel dos tecidos. Lembra­mos sobretudo os trabalhos capitais deOllier, trabalhos que, depois tem sido mui­tas vezes demarcados, porém, que delesapenas restam a base da todos nossos co­nhecimentos sobre o assunto.

O periosteo, o encontraremos nas tratu,·ras com vantagens e inconvenientes. Avantagem é que as fratttras cliatisarísa da

C1'iança se consolidam com uma rapidezdesconhecida no adulto; enquanto que paraum adulto que tenha sorte, é preciso 2mêses para se curar de fratura do femur,em 3 semanas ou um mês para a criançase encontrar sôbre seu pé. Porém, estavantagem não deixa de ter seu resgate;em alguns casos, principalmente para asfraturas justarticttlares, as produções su"b·periosticas consideraveis podem tornar-sede um prejuizo funcional, pôr entrave aosmovimentos da junta vizinha, sobretudo sipela massagem irrtarmos o calo; enquantoque nestas condições no adulto, a massa·gem é particularmente indicada e comoseu introdutor do metodo deste tratamento,devemos nos lembrar do professor LucasChampionniere, cirurgião francês de regnome.

Meus senhores, ainda temos nas osteo·1nielites a produção do osso sub-periosticoque é de uma importancia pratica capital,porque graças á éla que uma vez a antiga

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diafise necrósada, a continuidade do ossose acha restabelecida. Porém, aí aindanisto não vai sem resgate, porque este ossonovo, sub-periostico cerca o sequestro e oimpede de sair; é preciso cirurgicamentepor uma operação ossea extensa ir a pes­quisa deste sequestro ignorado - necroto­mia ou sequestrotomia.

E' clinicamente pela hilJergenése periosti­ca que a sifilis hereelital-ia tardia adquirenos ossos das crianças caracteres especiais,porque ao redor das produções gonloSas asmesmas em toda a idade, se faz por h'ípe­

rostóses consicleraveis absolutamente des­conhecidas quando os ossos terminaramseu crescimento.

Passemos, agora as cartilagens conjugais,fizemos aqui alusão rapida a proposito dasifilis hereditaria lJ1'eCOCe e do escorblttodos lactentes, nos quais se produzem umalesão especial nesta idade, deslocamentos

epifisal'ios: na primeira doença apareceuma infiltração sanguinea escorbutica, nasegunda pela gênese do tecido gomoso naface diafisaria da cartilagem conjugal.Estas cratilagens conjugais, pela sua facediafisaria que é a do crescimento do ossotem com evidencia, em quasi toda a pato­logia óssea da criança um papel indispen­savel a pôr em relevo. Sabemos que aí nobulbo ósseo que começa quasi sempre edurante o periodo de crescimento - aosteomielite aguda da c1"iança. Aí tambemé o lugar de eleição para os diversos tumo­res ósseos e certamente apela-se para lo·calização, devido a função osteogenica, por­que é, nós o repetimos na face diafisariada cartilagem que se produz o maximodestas lesões, ao mesmo tempo do cresci­cimento em comprimento.

Acrescentamos que em todo osso longo,há 2 epifises, de que uma serve para ocrescimento do osso muito mais que a se­gunda: é naquela que pertence o maximodo papel patologico que vimos de expôr.Nos membros superiores é a epifise afas­

tada do cotovelo~· nos membros inferiores,

é aquela qt1e perto elo joelho, com estareserva todavia que, o crescimento é deuma maneira relativa, mais importante naextre1niclacle sllperior do femur durante osprimeiros meses de vida extm~ltterina eque notamos uma frequencia maior dasinfeções ósseas aguelas ao nivel da ancado lactente. i., Porque esta zona de cresci­mento não tem éla a mesma função paralocalizar a infeção tuberculosa? Nada sa­bemos, porém, o fato existe.

A tuberculose se produz de preferencianas massas esponjosas ao nivel das epifisesdos ossos longos ou nos ossos curtos (cal­caneo ou esterno etc.).

E' sabido dos senhores que, quando seenxerta uma epífise de osso longo, resultanéla uma tendencia particular a invadir asinovial da junta vizinha, em razão das re­lações intimas desta membrana. A carti­lagem conjugal põe, durante um tempo va­riavel, obstaculo ao ataque da diafise. Cos­tuma todas as vezes ser irritada no começo,daí algumas consequencias para o cresci­mento do membro. Desde alguns anos, apósOllier tem atraído a atenção dos cientistasum primeiro periodo, enquanto que o fócotuberculoso de uma epifise está a distan­cia da cartilagem conjugal e se limita airritá-la, resultando uma tenclencia ao alon­gamento temporario do membro: observa-seem particular ao niveldos membros infe­riores, nas tuberculoses do joelho. Quandoa cratilagem conjugal se encontra ao con­trario destruída, invadida por um fóco tu­berculoso partido da epifise, estas destrui­ções podem provocar desvios, paradas dodesenvolvimento, para os quais é verdade,a tllberculose é muito menos importanteque a osteomielite. Um segmento do esque­leto de todos ossos paralelos, tal como oantebraço e a perna, concebemos que, siuma das cartilagens conjugais se encontrafuncionalmente suprimida, a mão ou o· pé,vão se desviar do lado desta cartilagempela outra que continua a crescer.

Os fellomenos são inversos, si não enca·

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rarmos a destruição, a hiperativi-dade parcial de uma cartilagem.

Importancia pratica do crescimento doosso. - ;, Qual é a sua importancia praticaem cirurgia infantil, destas noções geraissôbre o crescimento dos ossos pela cartila·gem conjugal? E', verbi gratia, o conhe­cimento da conic'idade tisiologica dos côotos, após a amputação do braço ou da per­na, a extremidade do úmero ou do tíbia,vem as vezes no fim de varios mêses ouanos, aflorar, apontar na cicatriz. E' prin­cipalmente que em nossas operações deve­mos tudo fazer por cuidar desta cartilagem,de modo a evitar as perdas de comprimentoe os desvios laterais que vimos de enume­rar. A importancia é grandemente consi­deravel no tratamento das tuberculosesosteo-articulares. E' ai que está um dosfatos principais para diferençar este tra­tamento na criança e no adulto. Sabeisque no adulto as resseções são as vezes ex­celentes operações. Talvez, tem-se dela abu­sado, porém, é certo que em um numeroconsideravel de ossos, nos prestam serviçosdesconhecidos dos outros metodos terapeu­tieos. Tomamos, por exemplo, o joelho eo cotovelo: no joelho em que o podemos,ás vezes, operando em tempo um individuovelho demais, obtér em alguns mêses umaancilóse seca, retilinea, solida; no coto­velo, em que nas mesmas condições pode­mos obter, não sõmente uma ancilose so­lida em angulo reto, porém, ás vezes, mes­mo um cotovelo moveI e bastante vigoroso.

Começamos, ha longos anos passados poraplicar os mesmos principios e deram re­sultados desastrosos, porque o esqueciamos,que o osso possuia um órgão de crescimen­to, a cartilagem conjugal. No joelho emparticular deram resultados de encurta­mento secundarios enormes, incompativeiscom um funcionamento; mesmo muito me­diocre do membro.

Tem-se verificado, além disto que muitasvezes, não obtinhamos a consolidação emancilóse e chegamos a afirmar que geral·

mente a resseção precoce deve ser banidado tratamento das tuberculoses osteo-arti­eulares no individuo em crescimento.

Para finalizar, deveis saber que é umaoperação de, pis aller, quando na anca, verbigratia, consideramos como o ultimo re­curso de salvar a vida de um individuoameaçado por uma supuração cronica.

Noticla bistorica da ortopedía. - A his­toria da ortopedia começa com Hipocratesque descreveu os desvios do raque, do pée seu tratamento pelos aparelItos. O barbeiroAmbroise Paré inventou uma perna de pau.Fabrice Hilden preconisou aparelhos muitoengenhosos para endireitar as ancilóses.G1enon em 1660 inventou o balanço inglêspara extensão do corpo COIl1 suspensão dacabeça, insiste na natureza raquítica demuitas deformidades. Cheselda em 1740empregou as· faixas para reduzir os péstórtos leves. Aparece em 1741 Nicola An·dry, professor e criador da palavra orto­pedia, a qual forjou-a dos radicais gregospara significar com este termo o enclirei­tamento ela criança. Contudo, Ombrêdanneconsiderava uma etimolog;ia inquietadora,quando falamos a cada instante de ortope­dia no adulto ou nos feridos da guerra.

Em outras épocas, a ortopedia era todamedica, apenas se conhecja duas deformi­dades - escolióses e lJés tórto8, as quaiseram tratadas nos leitos ortopédicos e nosaparelhos mecanicos aplicados no pé. Em1830 foram criados Institutos de ortopediacom aparelhos multiplos e sobretudo osleitos de extensão (Pravaz, Humbert e Jac­quier) _

Como deveis saber a cirurgia naquelaépoca, estava em sua aurora, a medidados progressos e felizes aridacias ia inva­dindo o dominio da ortopedía, ignoravaainda a anestesia, a asepsia, as misterio­sas radiações da fisica, da quimica biolo­gica á clinica e finalmente os estudos dapatologia humoral.

Aberto caminho com os trabalhos· de Del­pech, professor da Faculdade de Medicina

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de :Mont-pellier, que praticou as primeirassecções Sub-c1üaneas do tendão de Aquile,

intervEJnção esta completamente nova paraa época, razão pela qual este professor veioa publicar 2311 tratado denominado 01-tO­

1,wTfía. Formulou em 1828 a sua grandelei biologica, conhecida por Lei de Del­pech, cujos termos são: "ao nivel das su­perficies intervertebrais, como ao nivel dasarticulações uma má distribuição das car­gas e das pressões provoca deformaçõesósseafJ, enfraquecimento do crescimento aonivel dos pontos em que as pressões seexageram, aumento do crescimento ao ni­ve! dos pontos em que as pressões dimi­nuam anormalmente."

Tambem praticaram a tenotomia Dupuy­tren, Vicent Duval, Jules Guérin e Bouvier.

As correções articulares bruscas e lentasforam feitas por Lemireur, PaloscianoBouget e Louvrier.

Bouvier embora conhecesse apenas osleitos modeladores e as tenotomias pro­curou um outro titulo para a palavra orto­pedia e estudou as afecções do aparelho lo­comotor, apresentando á Academia de Medi­cina de França pela primeira vez um estudocompleto sôbre coletes ortopédicos.

A invenção dos aparelhos gessados tal'­latanizados (1840) muito melhor que osaparelhos destrinados ou amidonados, fizeraépoca. Sayre, americano, inventou o seuadmiravel colete de gesso que desde entãotem sido aperfeiçoado e é ainda utilisado.

As osteoclasias manuais ou instrumentaispermitiram corrigir muitas deformidadesdos membros. Guérin e Ollier fizeram inu­meras experiencias em animais, produzindodeformações experimentais e depois cor­rigiam pelas osteotomias, etc.

Surge o professor (da Universidade deFrança), fundador da cadeira de cirurgiainfantil, De Saint·Germain que define aortopeclla "um ramo da cirurgia despresadopela maioria, ignorado por um grande nu­mero e que corria o grande risco de cairnas mãos dos coloteiros, dos massagistas,

si de um tempo antes, seu nivel não fosselevantado pelos trabalhos dos homens com­petentes e autorizados. Este professor pu­blicou um trabalho sob o titulo de "tera­pemtica das deformidades congenitas e ad­quiridas", 110 qual desenvolveu com o seutalento a concepção cirurgica e a repara­dora ortopedia, tal como o concebeu, cujostermos transcrevemos: "D'abord, dans 1'01'­thopédie, ce n'est pas l'enfant qu'il trouve,c'est l'éducation."

Desde então, a ortopedia era a educaçãocorreta da criança, a educação fisica sus­cetivel de trazer ao tipo humano a suabeleza.

Esta preocupação de calipedia dIZ em suaessencia, ainda este cirurgião: "implicama pratica de uma seleção, tornando asuniões fecundas em produtos vigorosos, avigilancia dos recemnascidos e das crian·ças da 1.a idade, de sua alimentação, desua vestimenta, a preparação dos adoles­centes para ginastica, para os trabalhos daagricultura e da guerra."

Ombrédaune declara: ";, o entusiasmo deDe Saint-Germain foi verdadeiramente umpouco longe: ;, a cultura e a ginastica? Nãofoi tudo: folhemos seu tratado - estudouo labio lepurino, feridas da aboboda pala­tina, os angiomas, as imperfurações anais,os hipospadias e as sindactilias, todos gran­des capitulos da cirurgia infantil.

"E de fato julgo que tivessem razão emabater todas as barreiras entre a cirurgiae a ortopedia, tal como temos executadono hospital.

"E' preciso conhecer bem que a mesmapalavra ortopedia sofreu uma deformaçãoem sua acepção incial, porque designa tam­bem a industria privada de colaboradoresexcelentes e indispensaveis, de operarios dearte que muitas vezes foram admiraveisna habilidade.

"A ortopedia diz ainda Ombrédallne "setornou sinonimo de arsenal de aparelhos,durante a guerra."

A restituição a forma normal, do corpo

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é admitida por muitos do dominio da orto­pedia como afirma o professor Codevila,da Italia.

Hoje mesmo muitos institutos de orto­pedia nào aceitam sinão crianças e se con­fundem facilmente a ortopedia com a cirur­gia de crianças e muitos medicos enviamaos ortopédicos, a extrofia da bexiga, olabio lepurino, a deformação do pavilhãoda orelha, a hernia, a eventração abdomi­nal, etc.

O conceito deste professor, quando serefere ao ortopédico se firma no seguinte:"o ortopédico moderno não deve ser somentecirurgião mecanico, deve ser antes de tudomedico no sentido mais lato da palavra."

Assim no conceito da Escola italiana,ortopedia quer dizer: correção do apare­lho locomotor como se póde verificar nadefinição de Codevila, um dos maiores naespecialidade; - ortopedia "é um ramo damedicina que se ocupa das deformidadesdo aparelho locomotor." ]'oi este orto­pédico que durante toda vida praticou noseu "Instituto dei Rachitici de Milão" no·taveis intervenções onde em plena matu­ridade exerceu o seu labor, deixando nadireção seu discipulo, o celebre ortopédicoGaleazzi no "Instituto Rizzoli de Bolonha"que acabou seus dias, substituido por outrogrande discipulo, Victorio Putti, atual pro­fessor em Bolonha.

Foi tambem na Italía onde se deu are·novação da ortopedia, pela moderna orien­tação de sua pratica que foi creado o ter­mo - traumatologia, existindo em algumasuniversidades a cadeira de clínica ortopé­dica e em outras a de clínica traumatolo­gica e ortopédica.

O professor Nové Josserand, de Lyon, ex­poente maximo da cirurgia infantil fran­cesa, afirma que desde 50 anos na Alema­nha, a cirurgia ortopédica havia se desen­volvido consideravelmente, quando nãoexistiam cirurgiões de crianças. São osortopédistas que foram levados a se ocuparmais especialmente da criança e se torna-

vam cirurglOos, a proporção que as indica­ções operatorias se foram desenvolvendo.

O Professor Ioung (da Policlinica da Fi­ladelfia) declara que "na pratica modernaa aplicação do termo ortopedia está limi­tado a algumas especies de deformidades,especialmente as de caracter cronico e pro­gressivo.

"A cirurgia ortopédica póde ser definida,COl1lO aquele departamento da ciencia ciorurgica que inclue a preventiva, a meca~

nica e o tratamento operatorio das defor­midades cronicas e progressivas.

"Como um ramo especial da medicina, suainfluencia se irradia para três direções:pelo emprego da ginastica, interessa o cam­po da higiene; pelos processos operatoriossupre, sem invadir a cirurgia geral, e pelasua terapeutica preventiva e curativa dasdeformidades, envereda pelo caminho damedicina pratica.

"O cirurgião ortopédista moderno, deveser um cirurgião educado, em um sentidolato da palavra. Cuidadosamente treinadona clínica e na cirurgia operatoria, inteira­mente perito n08 principios da mecanicae preparado nos três ramos de sua arteespecial: tratamento e prevenção das doen­ças ortopédicas, aplicação de aparelhos eexecução de operações, - em outras pa~

lavras, deve ser um med'ico, um mecanico

e U1n cirurgião. Nisto o ortopédista seassemelha ao oftalmologista que deve tratara doença, conhecer a refração e operar.

"Como para um oculista, a refração cons~

titue a maior parte do trabalho, assimtambem, em ortopedia cirurgica, mediçãoaplicada, exigirá a maior atenção. "

Para Ombrédanne: "dizer-se ortopédistaé atacar as malformações congenitas ouadquiridas, é especializar um modo de açãoterapeutica, antes de saber, si a doença,não beneficiaria mais de intervenções di·ferentes.

"Quanto mais sábia me parece, a nossaconcepção francesa, que especializa as doen­ças cirurgicas das crianças, a recorre, se-

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gundo circunstancias, ora a manobras naoperação, ora a manobras externas, seguidada aplicação de aparelhos.

" l, E' absolutamente necessario, conservarum termo especial para designar este ra­mo da cIrurgia? Na cirurgia, a raiz gregasignifica 1não,o l, onde está dito, que estamão, deve, necessariamente, ser armada debisturi para fazer ato cirurgico?

"I'.1ntre nós, toda a barreira foi por terraentre a cirurgia infantil e a ortopédia, aintervenção sangrenta veio a ser o inimigodas manobras externas, aumentando o do­minio da ortopédia e recuando dos limitesda curabilidade.

Citamos o emprego das escóras ósseas(butées osseuses) em certas luxações conge­nUas, os transplantes ósseos (greffons) nasescolioses dos dClolescentes, as tarsectomiasparciais e judiciosamente repartidas nasinterlinhas, segundo as formas dos pés tór­tos e toda a série das intervenções varia­das e complexas que, após Puttí sabemosutilizar contra as sequencias da paralisia

infantil."

(3) Prosseguindo, deveis ainda conhecerque os progressos da ortopedia tem sido ex­traordinarios, pois que ela abandonou astimidas intervenções. As tenotomias sub­cutaneas inventadas por Delpech para en­direitar os pés tórtos, foram substituidaspelas tenotomias a céu aberto que eram,ás vezes praticadas na 1.a infancia, quandoa terapeutica feita pelos meios modelantesnão davam resultado.

(-:luanto aos lactentes e grandes criançasprocede-se ao alongamento do tendão deAquile por metodos diversos preferindo, noentanto desdobrá-lo segundo o plano frontal,sutura de uma ponta a outra do tendão;além de executarmos outros metodos con­venientemente indicados nestas deformida­des congenitas ou adquiridas dos pés tórtos.

Depois, novos horizontes se abriram com

(3) Conferencia em 24 de abril.

as tenodéses e as operações plasticas nostendões e suas allàstomoses; surgem asintervenções no esqueleto que se tem mul­tiplicado graças as osteotomias, as resse­ções, as artrodéses, as artrorises feitas comos enxertos osseos (greffons), para servirde espigões osseos, ou de encavilhamentos,

se estenderam até aos extremos limites docampo das deformidades acessiveis aos nos­sos meios de ação cirurgica.

A seguir temos a ortopedía propriamente

dita, um dos ramos mais importantes, aindaque não seja unico em cirurgia infantil, eneste capitulo de nossa especialidade exi­ge-se conhecimentos particulares nos apa­relhos e nos endireitamentos dos ossos. Nãonos esqueçamos porém, que nestes ulti­mos, temos de levar em conta a fisiologiada cartilagem articular. Assim, se enca­rarmos o papel da ortopedia no joelho torto

valgo, verbi gratia, no adolescente, ou me­lhor, os desvios do joelho que aparecem emseguida ao tumor branco pela sequenciadas perturbações de osteogénese, já atrásdescritas; ha em um dado momento, co­nhecendo bem o mecanismo destas defor­midades, poderemos tratá-las por aparelhosde mola, i.sto é, de charneira combinadaa direção da correção, constante do mem­bro que tende a se desviar.

Estes aparelhos de correção têm feitoprogressos consideraveis e em particular,desde que tenhamos aprendido a construircom precisão os aparelhos modelados emceluloide. Estes recursos não sangrentospelos aparelhos, vem assim constituir aortopedía lJropriamente dita.

Como o temos dito nesta conferencia, jul­gamos que algumas vezes abusamos da or­topedia propriamente dita; apenas delaresta esta ortopedia pura, não operatoria, éadotada em alguns casos, e vem a nos pres­tar serviços desconhecidos dos metodos pro­priamente Cirurgicos. Como exemplo bemsugestivo a dar-se é a historia da luxação

congenita da anca. Esta luxação no pe­riodo antigo, para empregar o velho clichéera "o oprobio da cirurgia". Depois veio, ha

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muitos anos sob a influencia de Hoffa,cirurgião (de Berlim), o periodo opera­torio puro, por metodo sangrento, que con­sistia em repõr a cabeça luxaela no cotilo

que se cavava para que ela pudesse aí seadatar. Com o auxilio desta operação, naqual temos renunciado, porque tinha umagravidade notavel, por isso que apren­demos alguns detalhes de anatomia pato­logica, graças aos quais podemos regularprocessos conhecidos pelas manobras exter­nas, pelos recursos ortopédicos não sangren­tos, que atualmente dão resultados excelen­tes. Não vem de modo algum, como ás vezespareceria faze-lo crer na cura, sem traço,sem vestígio de claudicação por isso que é

constante; é já muito que seja frequente eem quasi todos os casos sejam melhoradasem proporções consideraveis.

Este tratamento exige imobilisações pro­longadas com aparelhos repetidos de gesso;e é muitas vezes, uma objeção que nos éapresentada pela familia e mesmo por al­guns medicos quando queremos aplicar ges­sos deste genero. Temos receio da imobi­

lisação que vá estiolar o paciente, temosreceio elo gesso que vá dar abcessos. Narealidade que venha isso da familia ouque seja dos medicos, é um erro muito gros­seiro. A criança suporta perfeitamente aimobilisação no leito, sua saúde não peri­clita com isso, e ao cabo de alguns dias,diremos quasi de algumas horas se habi·tua, sem aborrecimento, contanto que aoredor dela não esteja a família chorosa que,desde o dia em que aplicamos o gesso nacriança não pensa sinão em queixar-se "po­bre pequeno".

Meus senhores, deveis saber que, presen­temente as indicações do tratamento ope·ratorio se safam dos insucessos ou da im­possibilidade do tratamento pelo tratamentodas manobras externas.

Vemos que a intervenção, na maioria doscasos, deu sucesso quando as manobrasexternas, faliram e é por meio de uma ope-

1"ação osteoplastica, correntemente chamadada escóra óssea da anca.

Estudemos agora um outro estado mor­bido comum na infancia e muito frequen­te: - as tu,berculoses osteo-articulares, emque o estado geral melhora visivelmentesob a influencia da imobilisação.

Uma criança coxalgica, uma criança pó­tica colocada em grande gesso, em leitode gesso, conforme trata-se de coxalgia,com um aparelho que a mantenha em bôaposição, se põe a comer, a engordar, graçasao tratamento. Suprimimos este sofrimentolatente, por assim dizer, ao qual estava acriança sujeita ao menor movimento aquem, algumas vezes, em uma coxalgia,'vcrbi gratia, interrompia a metade do sono,com o grito, - sinal de Ménard, noturnoalém de, sob a influencia de alguns movi­mentos capazes de provocar uma pequenatorcedura, quasi inconciente.

Quanto ás objeções que apresentamospara o estado local contra a imobilisação,são ao menos tão quiméricos, como as queapresentamos para o estado geral. Pas­samos sôbre o dano popular relativo dosabcessos: nunca um aparelho de gesso,aplicado com tecnica fez supurar um tu/morbranco do joelho, e uma coxalgia, enquantoque o impede de aumentar uma supuraçãoda ulcera compressiva de Lannelongue.Esta objeção não é, ás vezes feita pelosmedicos, porém é a familia que faz cons­tantemente, declarando ser a imobilisaçãoa principal causadora de abcessos, a produ­tora das rigidêses e das atrofias muscula­res, l, Rigidêses ou abcessos? Nunca. Nãoé a imobilisação de uma junta em bôa po­sição que produzirá isto, é a propria doença.

Basta ter observado senhores, as coxalgiasimobilisadas, durante muito tempo com­preendendo nesta imobilisação a anca, ojoelho e o tornosêlo para saber que nacriança alguns dias, algumas semanas, siquizermos depois da retirada do gesso, ojoelho recobrará sua flexibilidade normal.Quanto a anca, retomará o movimentomuito relativo ou não ficará com movi-

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mento porque, a cura da doença é geral­mente por uma ancil6se frouxa ou cerrada,e se dá o 'restitutio ad integrum. Si a lesãotem sido abandonada a si mesma e sobre·tudo, tratada pela massagem que é eminen­temente contra-indicada pela agravação dalesão ou produzir certo traumatismo, des­pertando o processo tuberculoso, não curadoou ainda não envelhecido. Quanto a atro­fia muscular, não é verdade. Sabemos,sem ter esperado os trabalhos relativos alnassoterapia, sabemos que toda lesão arti­cular repercute com uma rapidez assomobrosa e extrema no sistema muscular cor·respondente. E assim, não é de hoje queas atrofias da coxa consecutivas as artritesdo joelho e da perna são conhecidas doscirurgiões ortopédistas.

A atrofia muscular não resulta dos apa­relhos, resulta da propria doença articular,repetimos.

Pela inatividade dos musculos curvam-se,isto é evidente, porém quando o membroé posto em liberdade, surpreendemos comodesaparece a parte da atrofia que dependeda atividade.

Quanto a parte que tem no· processo in­flamatorio articular, que tenha sido acriança imobilisada ou não, restará semprea mesma, tanto maior quanto a inflamaçãotiver sido maior. Augusto Broca escreve:"Jamais on ne voit, des membres atrophiés,comme ceux des vieilles coxalgies, desvieilles tumeurs blanches du genou que 1'0na traitées sans immobilisation."

A historia das fraturas nas crianças éeloquente em demonstrar como se refaza musculatura, com que rapidez volta aflexibilidade articular. Ha, aí um fator quetorna, ás vezes a ação terapeutica muitofacil e muito mais eficaz. Porém pelo fatodos musculos e das articulações das crian­ças suportarem os aparelhos, não é motivopara dêle abusar e por principio, é evidente,que para o desenvolvimento dos musculos,nada vale a liberdade e o exercicio.

E' sôbre este principio que os autoresmodernos estabelecem o tratamento dos

desvios do raque-escoli6ses, principalmente,baseado no emprego dos coletes, tal instru­mento de correção, ha mais de 50 anos,perderam hoje muito terreno. Ha aindacoleteiros, porém em menor numero; equasi todos os éspecialistas encaram agorao colete, como um instrumento temporariode endireitamento, aplicado em alguns ca·sos especiais, como um a.parelho de con.,tensão, apenas destinado a manter o raqueem alguns casos, cujos resultados são ob­tidos por outros metodos. Contudo, ha oda operação de escolha, assim dito enxertoOSS00 que o assistente de ortopedia do ser·viço de Ombrédanne, George Hue selecionoudos metodos das operações de Albee e Hals·tead e denominou tecnica mixta.

Prosseguindo meus senhores, ainda na no·ticia historica da ortopedia, reportamo-nosao que escreveu recentemente o professorMauclaire (de Paris) em seu estudo "his­toria geral da cirurgia ortopédica", etc.,resumindo, temos: "quatro periodos - 1.0

periodo antigo, puramente empirico comaparelhos mecanicos; 2.° periodo operato­rio pre-antiseptico, aparelhos gessados tar·latanisados, extensão contínua e anestesiageral para as reduções; 3.° periodo opera­torio com alltisepsia e asepsia, e 4.° periodocontemporaneo, radiolografico e cinemato­grafico.

Digamos uma palavra apenas, deste ulti­mo período que é bem interessante se co­nhecer: "para verificar as desordens dosdiversos tempos da marcha, a cinematogra·fia lenta presta grandes serviços (Ducro·quet e Putti).

"Este golpe de vista de conjunto na his·toria da ortopedía demonstra admiravel­mente que pouco a pouco, as operações or­topédicas permitem melhorar os aparelhosmecanicos, mais ou menos complicados emuitas vezes intoleraveis de se suportar,de se usar. Por outro lado, sabemos queexcelentes resultados têm obtido com asoperações ortopédicas pelos seus operfei.çoamentos e pelo emprego dos agentesfisicos.

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"A fisioterapia compreende primeiramentea massagem; recurso terapeutico tão velhocomo a humanidade, posto que. já se tra­tava por ela, como resam os velhos manus­critos da India.

"O tratamento fisioterapico post-operato­rio tem uma muito grande importanciaem cirurgia ortopédica. E' tão importontequanto as proprias operações.

"O campo da cirurgia ortopédica é poisimenso, são os progressos da tecnica dosenxertos e da· prótese interna perdida daspeças esqueleticas artificiais, a prevençãoe o tratamento das ancilóses, os alonga­mentos osseos pelos enxertos osseos, o aper­feiçoamento dos aparelhos ortopédicos, oaperfeiçoamento das pesquisas fisiologicaspara apreciar o resultado das operaçõestendinosas e outros que modificam a dire­ção primitiva das alavancas ósseas.

"E' tambem necessario contar com o aper­feiçoamento da fisio-patologia óssea; sabe­se agora quanto as glandulas de secreçãointerna (paratireoide e ·hipofise) represen­tam um papel importante nas osteopatiasfibrosas.

"A maquina animal, nem sempre estásubmetida no estado normal e no estadopatologico a leis mecanicas ainda poucoconhecidas. "

Ginastica. - Meus senhores, a ginasticaé um complemento indispensavel no trata­mento dos desvios da coluna vertebral pelaqual devemos desenvolver ao mesmo tempoa musculatura do individuo e de sua ca­pacidade respiratoria.

Entregamo-nos com vantagem e facil­mente, si tivermos na educação fisica dascrianças noções de que o cirurgião ortopé­dista deva constantemente se preocupar.Tambem, o assunto é daqueles que, desdealguns anos estão por toda parte como umposto de sentinela, porque a educação fisicacomeça a tomar na educação geral dascrianças um destaque tal e salientando-se demodo a que nunca devemos proscreve-la.

Isto cabe, sem duvida alguma, em grande

parte a higiene urbana a que, tendo com­pletamente mudado e notavelmente, é pre­ciso cuidar da cultura fisica, mais do quecuidavamos em uma época em que a higienegeral e a aeração eram melhores.

Seja por um motivo ou por outro, volta­mos a opinião antiga: é indispensavel ed1,t­

car ao mesmo tempo o espirito e o corpo,renunciamos a concepção da idade média,que existia ainda na época longinqua emque se ocupava do espirito, quasi com exclu­são do corpo; o que não nos tornava maisinteligentes!

A frente de todas estas noções é precisoprimeiramente praticar a ginastica que éum atrativo, sobretudo para o individuo emcrescimento, o que é o caso dos escolares, ­deva ser lenta, progressiva e racional; nãodeva ser o que era, papel de sport ou fazerpor amor proprio.

Na ginastica cientificamente regulada,vai sem dizer, que não poderia ser questãode tomar assim um musculo em particular.Não temos de fazer atletas, destinados aexecuta]' brilhantemente, numeros de circo;devemos educar individuos cujos musculosestejam convenientemente desenvolvidos emequilibrio harmonioso, e saber que para isto,teremos algumas vezes em exercitar par­ticularmente tal ou tal grupo muscular,que entre tal ou tal individuo, se encontramenos vigoroso do que em tal ou em taloutro grupo.

Este trabalho póde se fazer algumasvezes, simplesmente por movimentos de fle­xibilidade sem resistencia alguma e o de­senvolvimento geral do individuo é notaveldurante os exercicios, tais como os faze­mos na escola do soldado sem armas.Porém, tambem é nisto que tem de impor­tante a ginastica suéca em que os movi...mentos são feitos com oposição.

Enfim, não é aqui de nossa alçada estu­dar a tecnica da ginastica medica e orto­pédica, se reservando para um instituto queserá oportunamente instalado na clinica,como existe no serviço do professor Ombré-

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danne, nos f'Enfants Malades (de Paris)"dirigido por profissional competente.

(4) Continuando, para concluir hoje asconferencias, temos:

Papel da ginastica contra aS deformida­des. - Meus senhores, não somos dotadoscomo o pernalta que póde manter indefi­nidamente seus ligamentos laterais do joe­lho que passam para trás do tuberculo si­tuado sôbre seu femur e a partir deste mo­mento o joelho é transformado em hasterigida. Porém, o resultado por nós obtidoé intrinsecamente o mesmo.

Si os ossos têm por um estado patologicoconhecido ou desconhecido, uma resistenciamenor, uma maleabilidade maior, se deixammodelar por esta posição viciosa, e umavez deformados, tornarão definitiva a ati­tude viciosa, facil em corrigir ao contrario,tanto quanto era tomado sob a influenciada vontade e tanto quanto os ossos conser­vavam sua forma normal. E' assim quena coluna vertebral, os desvios laterais che­gam em um momento dado, se o individuotem uma predisposição morbida, em se tor­nar uma ancilóse definitiva e fixada.

Todos nós conhecemos a posição que to­mam os velhos camponeses, que progres­sivamente se incurvam para diante a forçade ter trabalhado na terra; 11a nesta po­sição, mesmo que se poem assim, quasiem angulo reto, são forçados a caminharao menos com um bastão que os susten·tam para diante. E' para êles uma cletor­mação p1·otissional.

E as posições viciosas elos escolares queestão assentados em mobiliario inadequado,tambem admitimos que adquiram uma ati·tude que se póde dizer tambem posiçãoprofissional.

E' assim que, podemos explicar a gênesedas deformações vertebrais e toracicas, quepor demais vezes, se observaram nos jovensmeninos em via de crescimento. Sua pre­disposição para o sexo feminino vem tal-

(4) Conferencia de 2 de maio.

vez, porque as jovens meninas têm umapredisposição patologica ou fisiologicaquenão conhecemos. Porém, tambem é· bempossivel que isto tenha no que, ainda me·nos para os meninos, temos para as meni­nas exercicios fisicos variados, pelos quaissão forçosamente entregues aos trabalhossedentarios.

Um rapaz, que está na aula, ás vezesmuito mal instalado, porém no fim de 2horas vai para o recreio, fazer toda a sortede brniquedo. Ao contrario, quando ajovem menina entra para seu curso, pomosem geral no piano, na costura e continúaa ter sempre uma posição assentada.

Conhecemos que, talvez se encontrarianos meninos desvios da coluna em grandenumero, embora pouco acentuados, passa·dos despercebidos, si prestassemos a aten­ção, como soe acontecer com as meninas,cujas mães se inquietam ao menor avisoda costureira.

Temos certamente exagerado o papel dasmás atitudes dos escolares. Si a hipoteseé verdadeira, as meninas não seriam maisvezes escolióticas que os rapazes, o que por·tanto, é uma regra quiçá inegavel.

Não resta destas deformidades menosque 110 homem a se supor que existamestas deformidades ligeiras, chegam muitomenos vezes a este gráu extremamente des­gracioso, que parece quasi a ser o apanagiodo sexo feminino, si pusermos de parte asdeformidades sobrevindasna infancia soba influencia do raquitismo.

Do que precede, resulta da nossa con·cepção atual que o tratamento das esaoliósesé antes de tudo feito pela ginastica respi­ratoria, por um treno muscular regulado,adaptado a cada caso particular.

Releva vos dizer, de passagem, que feliz·mente entre nós as escolióses não são tãofrequentes como na Europ~, apezar dosortopédistas procurarem em exames cuida­dosos estas deformações.

Papel da cirurgia operatoria. - Meussenhores, chamamos vossa atenção agorapara um outro prol>lema da cirurgia in·

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fantU, o qual não devemos encarar ama0como uma unica cirurgia que sabe empre­gar os multipIos recursos e os elementosde progresso da med~cina, apoiados comuma mão experimentada, sendo em expres­são lata mais geral, denominada cirurgiareparadora.

Não ha muito que o Professor Faure pro­fetisava que: "a medicina onde os agentesfisicos conhecidos e ainda por conhecer,chegariam em jugular as infeções e o pro­prio cancer sem bisturi e nos diz com suafé neste grande dia qUe se levantará cedoou tarde no mundo. Porém, não vimos odia em que soará esta hora ditosa, devamarcar o declinio da cirurgia. Com ale­gria, verá se dissipar a frequencia dassepticemias, da generalização neoplasica,que muitas vezes, vem tornar demais ilu­sofia as intervenções as mais completas eas melhores conduzidas; se acompanharáno dominio da cirurgia reparadora, domi­nio ainda infinitamente vasto e que per­sistirá tanto quanto a atividade humana,tanto quanto a propria raça. l, Sempre serápreciso aplicar penso nos feridos dos cam­pos de batalha, porque podemos acreditarno desaparecimento para sempre das guer­ras? Restaurar os mutilados inerentes aoemprego das maquinas, como se tratassede utensílio da industria moderna ou dosmeios cada vez mais audaciosos que o ho­mem péde cada dia, mais poderosos paradiminuir a importancia do espaço e dotempo, no curso de sua vida trepidante.

"Sempre tambem provavelmente, criançasnascerão portadoras de malformações jus,.tificaveis do ato cirurgico. Podemos con­tar com a diminuição de sua frequenciapelo desaparecimento da sifilis. Porém,não aparece sinão tantas outras causas per­turbadoras para quem conhece a biologiacomparada, nunca deixe de exercer suaação deploravel."

Meus senhores, quando se restaura asmalformações congenitas ou adquiridas,esta cirurgia reparadora a par dos meios

que emprega, é denominada uma cirurgiaplastica.

l, Não é fazer operação plastica, talhar,mobilisar, reunir a péle e as mucosas paracorrigir as fendas congenitas dos labios eda face? l, Tambem, não é fazer operaçãoplastica talhar as interlinhas asseas, mo­delá-las para permitir sua exata adaptaçãoao ponto desejado? l, Ainda mais, não éfazer operação plastica, talhar de um córtede tesoura ou de um golpe de escopro doescultor, com que se arma a mão do ci­rurgião?

Porém o escultor, como sabeis, ataca amateria inerte, a massa bruta e o cirurgião .de crianças, vai modelar os delicadissimostecidos em franca evolução, em pleno de­senvolvimento. E' preciso prever, como osprogressos da idade vão modificar os re­sultados plasticos imediatamente obtidos.E' preciso saber, como o crescimento dascicatrizes se retarda muitas vezes nos te­cidos vizinhos. E' preciso ter a noção,como este crescimento que não se póde ma·nifestar ao nivel dos enxertos osseos oucartilaginosos, podem ser supridos por in­cessantes transplantações dos tecidos vi­zinhos.

Ombrédanne diz: "a restauração das mal­formações congenitas ou adquiridas visaum duplo fim - se propõe ás vezes, resti­tuir uma função e a corrigir uma forma;conforme as cousas aliás, uma das duaspreocupações é preponderante.

"Antes de tudo, importa na criança aflitapor um pé torto, poder apoiar a chatoseu pé no solo. Antes de tudo, no hipos­padias encurvado, é preciso tornar possiveluma ereção retilínea. Antes de tudo, umacriança com o véu do paladar fendido temnecessidade de ficar em condições de arti­cular sons nitidamente e de se tornar com­preensivel: aqui, a função prima pelaforma.

"Em nenhuma, esta forma, todavia é des·prezavel; e é uma consideração que não

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entra em linha de conta na cirurgia vis­cera!.

"Entre nós ao contrario, não basta re­formar a brecha labial de um labio lepu­rino. E' preciso fazer na criança um labiobonito.

"Não basta extirpar um angioma da face,é preciso chegar a evitar toda deformaçãode vizinhança e o problema é muitas vezesdificil quando o tumor tem séde ao niveldo nariz ou das palpebras.

"E' bom transformar o pé torto conge­nito em uma palheta solida e bem equili­brada na extremidade do membro: é me­lhor realizar esta correção, conservando nopé uma uma forma harmoniosa.

"Porém, a cirurgia plastica foi mais alémdo que se pedia, do que se propôs em in­tervir, modificando a fo'rma, mesmo paraque nenhuma função fosse perturbada.

"Portanto, não se trataria aqui no casoda reparação de uma deformação acidental,porém de uma modificação decididamente,trazida á uma forma' natural: tem-se feitodestarte a cirurgia estetica.

"Ha casos em que a intervenção esteticaé um ato caridóso; aceitaria sem hesita­ção corrigir o nariz de Socrates, se isso mefosse pedido, tão bem, como muitas vezes,tenho aplicado uma lamina metalica nocraneo, nos adolescentes, orelhas em leque,dirigida para adiante e cuja deformidade,objeto de incessante risada pelos camaradassem piedade, contribuia em tornar mais in·toleravel ainda a vida no colegio.

"E' dos casos, em que a intervenção este­tica procura suas indicações não mais noridiculo, porém, no iniludivel alcançadodos anos; esforça-se, então, em dissimularas rugas da face, em modelar uma espaduaque emagrece, em levantar um seio quecái; ato de piedade, concessão muito pas­sageira de um pouco de ilusão, que somentese engana, aliás o interessado, tal pareceesta cirurgia cosmetica.

"Ha casos em· que um tal nariz cambudo,vem confiar ao cirurgião quanto sofre de

não ser levantado a Roxelane ou· inversa­mente, como, se o nariz em bico de aguiada Grande Catarina, não tivesse tido su­cessos retumbantes, assim como o levan­tado de Cleopatra.

.• Aqui, é negocio de gosto, sinão negociode moda. & O prazer do individuo é a in­dicação operatoria suficiente? a questãomerece ser posta.

"Ha limites nesta cirurgia da pura for­ma. Haciocinando com o absurdo, é facildemonstrá-lo. Nenhum cirurgião aceitaria,evidentemente, praticar a amputação dasorelhas, mesmo que tal pedido fosse feitopor escrito e devidamente assinado.

" & Mas, onde se acham estes limites?;, Qual é o limite que se deve impôr a ci­rurgia estetica?

"Não é mais tempo, em que a idéa reli­giosa detinha o ato cirurgico, em que aautoplastia de Tagliacozzi foi julgada aten·tatoria a todo poder celeste, como sendoimitação da modelagem do homem porDeus.

"Porém, eis-nos, muito longe, em apa­rencia da cirurgia infantil. Seria tentadoa rejeitá-la com a falta De Saint-Germain,de sua concepção da ortopedia, que nosarrastou a pesquisar os limites que d~vem

circunscrever o dominio da cirurgia daforma pura.

"Na criança, felizmente, o problema dasindicações operatorias da cirurgia esteticaé mais facil de resolver.

"E' o nariz achatado, ultimo vestígio deuma boca de lobo; é o labio superior de­masiado curto que descobre os dentes e asgengivas, o labio inferior enorme e inver­tido da Mac1'ocheilia, o "risus clownesco"da Macrostomia.

"A cirurgia plastica é bela, é uma ci­rurgia criadora.

"Para nós cirurgiões, ;,qual é mais nobreambição do que criar, á imagem do nossoideal, discipulos, os cirurgiões de amanhã,de impregná-los de puras tradições quetemos herdado dos mestres do passado, de

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prepará-los a aumentar sempre, mais longeos limites das possibilidades cirurgicas?

"E é assim que a cirurgia reparadora,a cirurgia plastica me aparece como a maisbela joia da cirurgia infantil."

Meus senhores, deveis tambem terconhe­cimento que a cirurgia de hoje passa paraa época do futuro grandioso, depois dosestudos de Leriche, Higier, Franck, Brun­ning, Tuffier, Eppinger, Hofer, Kümmeletc., criando a cirurgia fisiolog'ica.

Importancia da radiologia. - Respingan­do, resumindo o papel da radiologia nestaclnica cirurgica especialisada, devemos vosdizer que, com o advento deste instrumentode exploração, verdadeira ciencia, deu-senovos rumos, abriu-se novos horizontes ácirurgia infantil e á ortopedía. Esta novaciencia de Roentgen dotou de maneira talque a fez incluir na patologia, ampliandomais o capitulo da sintomatologia, diagnos­tico, prognostico e tratamento das doençasem geral cirurgicas e ortopédicas. E' umpoderoso e admiravel instrumento de in­vêstigação que se legou a medicina não sócomo meio de observação subsidiaria, comotambem uma documentação necessaria, porisso que não podemos déla prescindir e nãodevemos despresa-Ia.

A radiologia faz, sem exagero uma de·vassa do organismo, tal como se proce­desse a uma disseção, em suma de umautopse "in vitam", perdoe-nos a compa·ração. Não deixa portanto de se admitira hipotese de que, com a descoberta dosraios de Roentgen não ha mais misteriosa desvendar-se no corpo humano. Tal éseu beneficio que vai prestando a huma­nidade, tal tem sido os seus aperfeiçoamen­tos no campo instrumental e no campo datecnica, que nos faz pasmar, que nos deixamesmo maraviIllado.

Não temos o direito de fazer sofrer umacrianºa para adquirir nioções hipoteticasa respeito de uma fratura ou mesmo trans­formar uma fratura subperiostica on in­éompleta em completa~ que por via de ree

gra é dolorosa ao menor exame, quando umaradiografia não só nos dá uma certeza diag­nostica, mais ainda favorece dados preci­sos no tratamento.

A radiografia meus senhores, teve seusdetratores e teve seus entusiastas; é mis­ter contudo, se colocar em um meio termo,não sendo um sistematico ou nem um ex·clusivista.

Recordamo-nos bem que em nossa recenteviagem de estudos de aperfeiçoamento noserviço do professor Ombrédanne (de Paris),secção de ortopedía, ter ouvido de seu as­sistente e colaborador Lance declarar, quan­do observava uma radiografia da colunavertebral, que monsieur Ménard considera­va a radiografia: "le royaume des om­bres". Acreditamos nas palavras de Lance,bem valiosas para nós a respeito, fazendocomentarios nesta conferencia sôbre o sen­tir de Ménard, diremos com' Belot (deParis) que ao film ou á pantalha não sedeva supor que apresentem o diagnostico;néla se representam sombras mais ou me­confusas que cumpre interpretar; o proble­ma é muitas vezes dificil de resolver e re­clama uma bôa educação medica. Nem sem­pre é faei! se interpretar uma radiografia,maxime da coluna vertebral, quando não étirada com tecnica precisa, daí a dificul­dade de interpretação, e acresce ainda queas informações laboratoriais gozam tam­bem das suas falibilidades.

Meus senhores, a escutar outros, acredi·tamos que é um metodo de precisão cien­tifica absoluta, enquanto que é precisofazer radioscopias e radiografias e obterdo laboratorio radiologico provas nitidasem obter informação escrita pelo tecnico,convenientemente interpretada, afim de co­tejar com o caso clinico em fóco, por issoque, deveis saber que esta investiga~ão

é de valor relativo em face da clinica. Docontrario, o clinico póde chegar por sim­ples conclusões do radiologista a; cometererros e muitas vezes bem grosseiros. Assimpois é de grande relevancia portanto, queo clinico tambem saiba ler uma radiogra,.

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fia, descontando as causas de erro e tirandoas suas conclusões.

A radiografia pôde nos fornecer dadosseguros, contudo não se deve pedir maisdo que éla nos pôde dar.

Temos, verbi gratia, que um de seusprincipais papeis é em aproveitar paranossa clínica cirurgica especialisada: odiagnostico dos descolametnos epifisariose, o seu controle, luxações e o seu controle,fratura e o seu controle, e no tratamentoo controle nas intervenções de cirurgia or­topédica, o valor diagnostico da luxaçãocongenita da anca e seu tratamento pelasmanobras externas, acompanhando sessãopor sessão a marcha destas manobras.

Tambem releva vos dizer que o diagnos­tico precoce desta lt{,xação congenita daanca é facilitado pela radiografia.

O diagnostico das tuberculoses osteoarti­cuIares, cujos sinais radiograficos sãoabundantes elementos semiologicos nestadoença bacilar, é imprescindivel.

No raquitis'mo a radiografia sôbe de pontoe de tal modo, que os clinicos criaram umaanatomia radiologica para esta distrofiaóssea adquirida; assim os tres tipos ele­mentares de deformação raquitica: nodo­sidades, inflexão diafisaria e inflexão justaepifisaria, apresentam uma variedade deimportantes sinais radiograficos: descalci­cação, aspéto do bordo inferior da diafisevoltada para epifise, muitas vezes recor­tada, em forma de cupula ou této (figueira _pagóde).

Deveis ainda ter conhecimento que haafecções cujos exames clinicos não nospôde orientar um diagnostico provavel, semuma prova radiologica e assim deveis con­fiar. nesta prova para completar ou fazero diagnostico:

.A osteocondrite epifisaria do femur, queé uma côxa plana e correntemente conhe­cida por doença de Legg-Perthes-Calvé, arespeito da qual declara o Professor Mou­chet: "La clinique n'est presque rien dansl'ostéochondrite, la radiographie est tout."A doença de Osgood-Schlatter, em que o

radio é eleemnto precioso na verificaçãoda falta de solução de continuidade datuberosidade anterior do tíbia, ou a au­sencia do arrancamento traumatico da tu­berosidade tibial, que se caracterisa melhorpor uma apofisiolise tibial anterior, a se­melhança da epifisiolise da côxa vara. Adoença de Kohler, dita escafoidite tarsica:aspéto da imagem do escafoide - comoum disco biconcavo notavelmente achatadode diante para trás, de contornos irregu­lares, recortado ou dentado, parecendo otecido fortemente condensado, de maneiratal a lembrar pela sua opacidade a corposmetalícos.

l E a verificação dos calculos do apare­lho genito-urinario e vesicula biliar e pro­jetis por arma de fogo? na generalidadedos casos uma exploração é indispensavel.

Quantas vezes temos verdadeiros achadospela radiografia em casos de doenças quenão suspeitamos, verbigratia, a espinhabiJida oculta, além de outros estados mor­bidos.

Meus senhores, como auxilio dos aper­feiçoamentos dos aparelhos de mecanotera­pia, de operações fisiologicamente concebi­das e asepticamente conduzidas e o concursodeste meio de investigação novo - a ra­diologia, chegamos a estabelecer uma ci­rurgia ortopedica inteiramente desconhe­cida de nossos antepassados.

Broca, sucessor de Kirmisson na Clinicacirurgica infantil, escreveu no ano de 1911que: "no estado atual de nossos conheci­mentos, os principios parecem bastante eSd

tabelecidos em ciencia como na pratica; edepois de uma expansão brusca, desde umadezena de anos, não são apenas devidossinão aos aperfeiçoamentos de detalhe.

"Si fosse o Barão Boyer, poderia poisconcluir sôbre os progressos, afirmandocom orgulho e serenidade que nossa cirurd

gia parece ter atingido: 'Çon peu s'en faut,

le plus haut degré de perfection ãont eIleparaisse susceptible." Porém na marchaem .que vão as coisas, não teria, sem du-

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vida, a sorte de meu ilustre predecessor:avoir attendre un cinquaintaine d'annéesp01lr paraitre tout à [ait ridicule."

Meus senhores. 6 Que felicidade maiorque imaginar, inventar metodos, tecnicaoperatoria para chegar a criar funções eformas, em dá-las as mãos cheias a estascrianças deslierdadas que nada fizeram pormerecer uma tal desgraça?

Para finalizar estas conferencias, renda­mos uma homenagem in memoriam e ouça­çamos a invocação dos nomes de professo­res ilustres: José Correia Picanço, natu­ral de Pernambuco, cirurgião-móI' do Reinode Portugal, demonstrador de Anatomiada Universidade de Coimbra e diretor~

fundador da V' Escola de Cirurgia doBrasil, que devido a seus reiterados e in­sitsentes pedidos junto a D. João VI, prin­cipe regente se criou a Escola de Cirurgiaem 18 de fevereiro de 1808 na cidade daBaía; Moncorvo (Pai), fundador da Poli­clínica do Rio de Janeiro, onde fazia estenotavel pediatra, até então, o unico ensinono Brasil de doenças de crianças; BarataRibeiro, fundador da Clínica pediatrica daFaculdade do Rio, instalada no hospital daSanta Casa (secções de medicina e cirurgia) ;Frederico Rebelo, fundador da Clinica pe­diatrica, da Faculdade da Baía; FernandesFigueira, docente da Faculdade do Rio, di­retor-fundador da Policlinica de Crianças,

onde professou a Pediatria com grandebrilho; Simões Correia, fundador da Clí­nica pediatrica medica e higiene infantil,da Faculdade do Rio, instalada no confor­tavel hospital São Zacarias; Visconde deSaboia, de Clínica cirurgica da Faculdadedo Rio, diretor no chamado periodo aureoda mesma Faculdade e depois diretor ho­norario; Manoel Felíciano, de Operações daFaculdade do Rio, cognominado Larreybrasileiro por uns e Velpeau brasileiro porO1itros, que encarnava a cirurgia entre nós;Protasio Alves (1), um dos fundadores docurso de partos, diretor-fundador da Fa­culdade Livre de Medicina e Farmacia dePorto Alegre, professor de Clinica obste­trica e ginecologica e professor honorario;Barão Pedro Afonso, de Patologia cirurgi­ca; Domingos Góes, de Anatomia topogra­fica e operações, ambos da Facudade doRio, e Carlos Wallau, de Clínica cirurgica,da Faculdade de Porto Alegre; representa~

vam estes ultimos uma trindade ilustre quefazia cirurgia infantil. Todos estes professo­res foram cultores operosos e intêligentesque tanto honraram e glorificaram a Clí­nica cirurgica infantil e ortopédica, a Pe­diatria medica e a Cirurgia brasileira.

(1) Falecido em Junho deste ano.

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