[INTROJOR] Questões Jornal

download [INTROJOR] Questões Jornal

of 4

Transcript of [INTROJOR] Questões Jornal

  • 8/14/2019 [INTROJOR] Questes Jornal

    1/4

    164

    Estudos em Jornalismo e Mdia,Vol. I N 1 - 1 Semestre de 2004

    O conceito j vulgarizado pelos meios de comunicao

    de massa de que o jornalismo a Histria do dia-a-dia

    encerra uma contradio que pode ser desdobrada de

    maneira fecunda para a discusso do tema. Sem buscar

    qualquer transposio mecnica, a referncia Hist-

    ria implica que a informao jornalstica requer uma

    determinada elaborao subjetiva (no sentido que no

    um reexo direto da realidade, como quer a concepo

    acadmica) e, alm disso, implica numa totalizao mais

    ampla de que as meras circunstncias nas quais o fato

    est envolvido. Nessa dimenso histrica do jornalismo,

    onde tambm se nutre cada informao, delineia-se,inequivocada-mente, seu carter ideolgico.

    A referncia ao cotidiano expressa no conceito vulgar

    leva-nos reexo que no apenas os grandes aconteci-

    mentos (en-tendidos como as transformaes qualitativas

    de uma de-terminada dimenso da vida social) formam

    a matria-prima da informao jornalstica. Muitos fe-

    nmenos aparentemente sem importncia, por estarem

    inscritos no seio de conitos fundamentais da sociedade

    e por possurem um sentido laten-te, podem ser objeto

    do jornalismo.

    Assim como h uma hierarquia de contradies na

    Adelmo Genro Filho

    Questes sobre jornalismoe ideologia

    sociedade, h nveis da realidade cujos processos se

    conjugam e alternam sua principalidade denindo con-

    junturas. Isso torna o sistema social qualitativamente

    diferente dos modelos cibernticos ou sistemas conheci-

    dos, na medida que se fundem nveis da realidade social

    numa mesma totalidade histrica.

    A incompreenso da especicidade do sistema social

    e do homem como sntese dos diversos nveis de sua

    exis-tncia, isto , sua natureza biolgica, antropolgica

    e sobretudo histrica (econmica, poltica, ideolgica e

    cultural) conduz a graves distores tericas. A aplicao

    mecnica da Teoria da Informao ao jornalismo umadelas. H uma frase muito difundida que pode ilustrar

    esse fato: se um co morde um homem no notcia,

    mas se um homem morde um co a notcia excelente.

    Realmente, a probabilidade de que um homem avance a

    dentadas contra um co bem menor do que a probabi-

    lidade de novas torturas a presos polticos no Chile, por

    exemplo. Tecnicamente, portanto, a primeira notcia

    mais importante do que a ltima, contm maior quan-

    tidade de informao segundo a viso matemtica da

    Teoria da Informao. Entretanto, fcil perceber que a

    notcia sobre as torturas do Chile tem mais signicado e

  • 8/14/2019 [INTROJOR] Questes Jornal

    2/4

    165

    importncia. Pelo fato de conter mais univer-

    salidade e ser um fenmeno ligado ao conito

    fundamental de nossa poca. Por isso, embora

    seja um evento de maior probabilidade e que

    em Teoria da Informao signica menos in-formao, ser uma notcia qualitativamente

    superior.

    Antes de buscar uma explicao mais sis-

    tematizada para esse ponto, convm expor

    o conceito de jornalismo que representa o

    axioma dessas reflexes e fazer algumas

    consideraes: o jornalismo um processo

    sistemtico de transmisso coletiva de infor-

    maes crista-lizadas em eventos singulares,

    historicamente determinado pelo desen-

    volvimento das relaes capitalistas e pela

    decorrente complexicao da sociedade e

    diversicao dos papis sociais.

    Para o entendimento correto dessa crista-

    lizao da informao nos eventos singulares(que so a matria-prima do jornalismo)

    preciso estabelecer as relaes desse conceito

    de singularidade com outros que a ele esto

    indissoluvelmente ligados. Existe uma relao

    dialtica entre singularidade, particularidade

    e universalidade, categorias do pensamento

    que representam aspectos objetivos da rea-

    lidade. Cada um desses conceitos (singular,

    particular e universal) o reexo verdadeiro

    de uma das diferentes dimenses da realida-

    de, que contm em si as demais. So formas de

    existncia da natureza e da sociedade que

    se contm reciprocamente e se expressam

    atravs dessas categorias. No universal,

    esto contidos os diversos fenmenos

    singulares e os grupos de fenmenos par-ticulares que o constituem. No singular,

    atravs da identidade, esto con-tidos o

    particular e o universal, dos quais parte

    integrante. O particular exata-mente o

    ponto intermedirio entre ambos, a sn-

    tese das demais determinaes.

    Na sociedade, nem tudo que representa

    informao tecnicamente denida (fen-

    menos de pouca probabilidade) revela-se

    signicativo no processo global das rela-

    es sociais. Em se tratando da sociedade,

    no importa unicamente o aspecto quan-

    titativo da informao para que ela seja

    ecaz. Interessa, fundamentalmente, ao

    homem, como sua ferramenta para a aoe o pensamento, informaes vinculadas

    aos processos bsicos da sociedade e suas

    contradies. a dialtica da trans-for-

    mao da qualidade em quantidade e

    vice-versa, cujas categorias mostram aqui

    toda a extenso de sua riqueza terica.

    Esse processo global que serve como

    critrio da qualidade da informao nada

    mais do que a Histria, dimenso mais

    totalizante da evoluo humana. Enm,

    se um homem morde um co isso no tem

    Na sociedade,nem tudo que

    representa

    informaotecnicamentedefnida

    (fenmenosde pouca

    probabilidade)revela-se

    signifcativo noprocesso global

    das relaessociais

  • 8/14/2019 [INTROJOR] Questes Jornal

    3/4

    Estudos em Jornalismo e Mdia,Vol. I N 1 - 1 Semestre de 2004

    166

    o menor signicado no processo histrico,

    porque um fato singular que no contm

    nenhuma universalidade, no indica nenhu-

    ma tendncia na evoluo ou transformao

    da sociedade. Ento, se o singular a mat-ria-prima, a forma pela qual se cristaliza o

    jornalismo, o critrio de valor da informao

    vai depender (contradito-riamente) da uni-

    versalidade que contm. Sin-gular, portanto,

    a forma de jornalismo, no seu contedo.

    Nesse sentido, interessante observar que

    o jornalismo no s fornece subsdios para

    a cincia histrica, como tem funo social

    semelhante. Ele fornece dados sobre o pre-

    sente (a Histria o faz principalmente com o

    passado) para que o homem possa, de certa

    forma, prever os acontecimentos futuros.

    No entanto, preciso ver tambm a diver-

    sidade. A informao jornalstica enquanto

    no incorporada generalizao histricaage dentro da sociedade numa dimenso

    temporal mais estreita. A Histria caminha,

    no sentido das totalizaes mais gerais do

    movimento social. Noutras palavras, no

    interessa para a Histria os fatos singulares

    enquanto no relacionados com as genera-

    lizaes e as leis. O jornalismo, tratando

    de fenmeno desta mesma vida social, tem

    como eixo os eventos singulares. neles, e

    de forma assistemtica, que os signicados

    gerais insinuam-se.

    A informao jornalstica um corte verti-

    cal na horizontalidade da Histria ( o tempo

    presente) e no tem como funo descobrir

    as leis do desenvolvimento, mas divulgar

    os fatos singulares na perspectiva daquelasleis. Qualquer fenmeno singular no existe

    isoladamente, sem um contedo de particu-

    la-ridade e universalidade que precisa ser

    exposto, para que possa ser compreendido e

    ampliado seu signicado aparente.

    Portanto, a caracterizao da informao

    jor-nalstica como um fenmeno essencialmen-

    te efmero unilateral. Dizer que no existe

    nada mais velho que o jornal de ontem, como

    querem alguns, apenas meia verdade. No

    mximo, essa caracterizao corresponde a um

    tipo de jornalismo muito em voga atualmente,

    que ex-pressa unicamente o efmero e afasta

    as rela-es e os signicados, tornando-o to-

    talmente estril. a forma singularizada dainformao tornando-se tambm seu contedo.

    O jornal de ontem representa, de fato, uma

    etapa superada, um momento passado que foi

    assimilado ao novo presente. Mas, ao mesmo

    tempo, deve conter na singularidade uma

    determinada relao causa-efeito envolvendo

    o passado e o futuro, atravs de uma genera-

    lizao limitada no corpo mesmo do singular.

    Para isso, o jornalismo deve selecionar os fatos

    sociais desde uma viso histrica (capaz de

    apreender as contradies e o dinamismo da

    Ento, se osingular a

    matria-prima,a forma pela

    qual se cristalizao jornalismo, o

    critrio de valorda informaovai depender(contradito-

    riamente) dauniversalidade

    que contm.Singular,

    portanto, a forma de

    jornalismo, no

    seu contedo

  • 8/14/2019 [INTROJOR] Questes Jornal

    4/4

    167

    sociedade), para situ-los numa conjuntura determi-

    nada sem retirar deles a marca estrutural.

    As caractersticas da informao jornalstica assim

    denidas esto determinadas tambm de um ponto

    de vista tico, mas uma tica vinculada teleologiahistrica da trans-formao e evoluo da sociedade.

    O prprio surgimento do jornalismo, ao que parece,

    no surgiu apenas como necessidade ideolgica da

    burguesia, como simples interesse de classe no sentido

    de propagar suas idias polticas, ticas ou culturais.

    Nem mesmo para homogeneizar comportamentos ou

    impulsionar o consumo. Esses fatores foram comple-

    mentares nas condies histricas que originaram o

    jornalismo. A causa fundamental parece ter sido mui-

    to mais a complexicao decorrente do desenvol-vi-

    mento capitalista e a diversicao dos papis sociais.

    A sociedade acelerou sua dinmica e adquiriu maior

    integrao e interdependncia, tornando o processo

    da informao interpessoal insuciente nesse novo

    contexto. Disso, pode-se concluir que o jornalismotem uma funo social historicamente determinada

    que pode extravasar os interesses ideolgicos da classe

    que o gerou. A esterilizao da informao jornalstica,

    atravs da singularizao do contedo dos fatos a

    negao das possibilidades histricas do jornalismo.

    a maneira pela qual o capitalismo busca, atualmente,

    adapt-lo s suas necessidades imobilistas.

    A informao jornalstica, que na etapa ascen-

    sional do sistema capitalista era um fator esta-

    bilizador, agora pode vir a representar um perigo

    iminente, devido ao prprio aguamento das con-

    tradies sociais.