Invasão Holandesa

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A pesar da exploração colonial Portugal tornava-se, cada vez mais, dependen te das potências européias, em especi- al da Holanda, onde conseguia a maior parte dos em- préstimos para os empreendimentos na colônia. A partir de 1580, a situação interna do reino português ficou meio esquisita, pois morreu (sem deixar herdeiros) D. Sebastião, o último soberano da dinastia de Avis. Diversos candidatos tentaram assumir o trono, mas a corrida pelos despojos de Portugal termi- nou com a vitória do monarca Filipe II, da Espanha, parente distante do finado rei portugu- ês. O vizinho ibérico vivia, na época, situação oposta à de Portugal. O ouro e a prata da Amé- rica abarrotavam os cofres espanhóis com tone- ladas de metais preciosos, transformando-os na monarquia mais poderosa do continente europeu. A coroação de Filipe II no trono portu- guês deu início à União Ibérica, colocando Por- tugal no centro dos conflitos que incendiaram o continente europeu. A Espanha, sua tutora, era odiada por muitos países que não concordavam com a prolongada hegemonia espanhola. Com a conivência da Igreja Católica e ca- samentos bem planejados, os espanhóis foram anexan- do boa parte dos reinos da Europa. Haja vista o Sacro Império Romano Germânico, que foi transferido à tutela da Espanha, ainda na época de Carlos V, em meados do século XVI. O Sacro Império era aquela região correspon- dente à Alemanha e do território austríaco, em guerra desde 1520, por causa da Reforma Protestante. Desse arsenal de conquistas e anexações, incluía-se a Holanda, incorporada em 1555, após Filipe II assumir o trono espanhol. A convivência com os holandeses começou num clima de cordialidade, afinal, a Espanha não impe- dia a prática do comércio holandês, mas o radicalismo e a intransigência católica de Filipe II colocaram a Holanda em franca hostilidade contra o poderio espa- nhol. Os portugueses esboçaram alguma reação con- trária à União Ibérica, mas o envio de tropas espanho- las para a fronteira “espontaneamente” encerrou o cli- ma de hostilidades. O rei Filipe II comprometeu-se em não alterar as estruturas jurídicas de Portugal, assinan- do o Juramento de Tomar, espécie de carta de inten- ções, que anulava a possibilidade de Portugal tornar-se colônia espanhola. Espanha: o império que vai de onde o sol nasce, até onde o sol se põe. Filipe II A gravura de 1624, mostra o ataque dos holandeses na Bahia

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Apesar da exploração colonial Portugaltornava-se, cada vez mais, dependente das potências européias, em especi-

al da Holanda, onde conseguia a maior parte dos em-préstimos para os empreendimentos na colônia. A partirde 1580, a situação interna do reino português ficoumeio esquisita, pois morreu (sem deixar herdeiros) D.Sebastião, o último soberano da dinastia de Avis.Diversos candidatos tentaram assumir o trono,mas a corrida pelos despojos de Portugal termi-nou com a vitória do monarca Filipe II, daEspanha, parente distante do finado rei portugu-ês. O vizinho ibérico vivia, na época, situaçãooposta à de Portugal. O ouro e a prata da Amé-rica abarrotavam os cofres espanhóis com tone-ladas de metais preciosos, transformando-os namonarquia mais poderosa do continente europeu.

A coroação de Filipe II no trono portu-guês deu início à União Ibérica, colocando Por-tugal no centro dos conflitos que incendiaram ocontinente europeu. A Espanha, sua tutora, eraodiada por muitos países que não concordavamcom a prolongada hegemonia espanhola. Com a

conivência da Igreja Católica e ca-samentos bem planejados, os

espanhóis foram anexan-do boa parte dos reinosda Europa.

Haja vista o Sacro Império Romano Germânico,que foi transferido à tutela da Espanha, ainda na épocade Carlos V, em meados do século XVI.

O Sacro Império era aquela região correspon-dente à Alemanha e do território austríaco, em guerradesde 1520, por causa da Reforma Protestante. Dessearsenal de conquistas e anexações, incluía-se a Holanda,

incorporada em 1555, após Filipe II assumir o tronoespanhol. A convivência com os holandeses começounum clima de cordialidade, afinal, a Espanha não impe-dia a prática do comércio holandês, mas o radicalismoe a intransigência católica de Filipe II colocaram aHolanda em franca hostilidade contra o poderio espa-nhol.

Os portugueses esboçaram alguma reação con-trária à União Ibérica, mas o envio de tropas espanho-las para a fronteira “espontaneamente” encerrou o cli-ma de hostilidades. O rei Filipe II comprometeu-se emnão alterar as estruturas jurídicas de Portugal, assinan-do o Juramento de Tomar, espécie de carta de inten-ções, que anulava a possibilidade de Portugal tornar-secolônia espanhola.

Espanha: o império quevai de onde o sol nasce, até

onde o sol se põe.Filipe II

A gravura de 1624,mostra o ataquedos holandeses naBahia

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Quando a poeira assen-tou, os portugueses terminarampor concordar com a união dasmonarquias. Além de não teremforça militar capaz de enfrentar aEspanha, havia a perspectiva deaumentar o mercado de venda deescravos para as colônias espa-nholas do Caribe.

Nesse caldeirão de confu-sões religiosas e lutas pelo poder,começou na Holanda o primeirosinal de rebeldia ao poder de Fi-lipe II. Enquanto o monarca re-cebia o carinho e apoio da IgrejaCatólica, os holandeses conver-tiam-se ao calvinismo, buscando uma religião mais prá-tica e real, identificada com a expansão dos negóciosholandeses. A religião calvinista serviu também pararespaldar a incompatibilidade com a Espanha desenca-deando a guerra de independência.

Como afirma Luís Koshiba: “Filipe II, extrema-mente intolerante em relação à política e religião, ins-talou uma política repressiva, em que procurou subme-ter os Países Baixos, desrespeitando as tradições lo-cais. O objetivo político era retirar a autonomia da re-gião para a plena realização do seu absolutismo. O reinão podia admitir em seus domínios uma região emque a autoridade fosse frouxa.” 1

Em 1572, explodiu a revolta que se alastrou portoda a região dos Países Baixos. Funcionou como es-topim a implantação de um tribunal de Inquisição, como objetivo de caçar os convertidos ao calvinismo. No-bres, burgueses e o povo mais humilde juntaram-se paraenfrentar o algoz espanhol. Procurando conter a rebe-lião, Filipe II ordenou o envio de uma esquadra, com adisposição de esmagar a Holanda. Mas, apesar da de-

monstração de força espanhola, os rebeldes não da-vam sinal de recuar. Em 1581, à revelia da Espanha,formou-se a República da Holanda, governada por umconselho de nobres e burgueses. O tratado assinadopelos dois países estabeleceu uma trégua de doze anose o encerramento das hostilidades.

Livre do domínio espanhol, a Holanda criou aCompanhia das Índias Orientais, com o objetivo deatuar no comércio do Oriente. Em pouco tempo, osnavios holandeses competiram em condições de igual-dade com os navios de Portugal e Espanha, investindonas áreas sob o controle dos países ibéricos. Esses epi-sódios resultaram em grande prejuízo para Portugal.Imbuído de um sentimento de vingança, o raivoso Fi-lipe II bloqueou o acesso dos holandeses ao lucrativocomércio do açúcar realizado com os portugueses.

Como já vimos anteriormente, o comércio coma Holanda era o ar que oxigenava a economia portu-guesa. Em contrapartida, para os holandeses, o açúcarda colônia significava importante fonte de renda, comoprovam as inúmeras refinarias construídas em territó-

rio flamengo. Os portos do Brasil ePortugal foram irremediavelmente fe-chados aos navios da Holanda.

A criação da Companhia dasÍndias Ocidentais foi o passo mais im-portante para a decisão de invadir oterritório brasileiro, pois não se limita-va ao comércio, investindo pesado naorganização de uma agressiva estrutu-ra militar. Após o sinal verde do go-verno holandês, preparou-se minucio-samente o desembarque de uma esqua-dra em terras brasileiras. A ação con-quistadora se estendia ao continenteafricano, com o objetivo de ocupar aspraças de embarque de escravos. Emmaio de 1624, a Bahia recebia a “visi-ta” da primeira esquadra holandesa,disposta a controlar as regiões produ-toras de açúcar.

Quadro de 1640.Construção deRecife. Naépoca, era acidade maismoderna daAmérica

FADO TROPICAL

OH, MUSA DO MEU FADOOH, MINHA MÃE GENTIL

TE DEIXO, CONSTERNADO,NUM PRIMEIRO ABRIL.

MAS NÃO SÊ TÃO INGRATA .NÃO ESQUECE QUEM TE

AMOU.EM TUA DENSA MATA

SE PERDEU E SEENCONTROU.

AI, ESTA TERRA AINDA VAICUMPRIR

SEU IDEAL,AINDA VAI TORNAR-SE

UM IMENSO PORTUGAL.

Chico Buarque e Rui Guerra.

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O DESEMBARQUE NA BAHIA

A escolha de Salvador se justificava pelo papelpolítico e estratégico da vila, em relação à colônia.Uma vez dominado o local, sua excelente posição ge-ográfica serviria de trampolim para a conquista do restodo território. O ataque foi facilitado pela narrativa mi-nuciosa de conterrâneos holandeses que viviam em Sal-vador, descrevendo aos coman-dantes o posicionamento dosfortes e pontos de defesa. Ainvestida durou aproximada-mente 24 horas, pegando os por-tugueses de surpresa.

Porém essa primeira in-cursão não deu o resultado es-perado. Depois de algumas se-manas de luta, os holandesesconfirmaram a impossibilidadede vencer os colonos, que luta-vam com vontade patriótica e es-tratégia guerrilheira. A Espanha,de sua parte, honrou o compro-misso da União Ibérica, enviando ao Brasil uma forçade apoio - Jornada dos Vassalos, colocando ponto fi-nal na primeira tentativa holandesa.

A Holanda não desistiu. Atacando navios es-panhóis no Caribe, conseguiu confiscar toneladas deprata que estavam sendo levadas para a Espanha. Em1630, regressaram, dessa vez escolhendo a capitaniade Pernambuco como alvo de ataque. A parafernáliamilitar holandesa incluía 67 navios, 7 mil homens e1200 canhões. Ainda assim, demorou um tempo, atéque as tropas da Holanda conseguissem dobrar a re-sistência colonial. O português Mathias deAlbuquerque comandou a reação desigual e heróica.Do Arraial do Bom Jesus, infernizou a vida dos ho-landeses assegurando, por alguns meses, a defesado território pernambucano.

No final, prevaleceu a incontestável força mi-litar holandesa. A vitória flamenga ganhou impulsoapós a adesão de um português renegado chamadoDomingos Fernandes Calabar. Na função de capi-tão-do-mato (captura de escravos fugitivos), tor-nara-se profundo conhecedor do terreno em luta.Após decidir pela ajuda aos holandeses, permitiuque eles superassem a desvantagem de lutar em ter-ritório desconhecido.

A historiografia tradicional não poupou crí-ticas a Calabar, considerando-o traidor dos interes-ses de Portugal. Recentemente fez-se o resgate dessepersonagem, quando Chico Buarque de Holanda eRui Guerra usaram o tema para discutir a domina-ção estrangeira no Brasil. O nome sugestivo do li-vro, Calabar - O Elogio da Traição, mostra clara-mente que os dois autores não concordavam com avisão tradicional da história.

A Espanha, dessa vez , não viria em socor-ro. O país enfrentava na Europa uma guerra san-grenta, responsável por levá-la ao chão.

A Guerra dos Trinta Anos, como foi chamada,colocou os espanhóis (e Portugal, de carona!) em lutacontra a maioria das nações européias. Defender o Bra-sil era irrelevante, diante da necessidade de manter asegurança espanhola. Se a Espanha não tinha força,avalie-se a condição de Portugal. Por tudo isso, a portaficou aberta para os holandeses. Estabelecidos emPernambuco, quebrariam a resistência dos senhores de

engenho, que ainda teimavamem lutar, prometendo-lhes umpreço mais compensador nacompra da cana-de-açúcar.Com a rendição dos colonosmais resistentes, em 1632, fir-mou-se uma área de dominaçãoholandesa que ia dePernambuco ao Maranhão.

MAURÍCIO DENASSAU

No primeiro momento,o conde Maurício de Nassau, nomeado governador daregião, assinou o decreto transferindo, a custo baixo osengenhos abandonados. A aristocracia, conivente coma Holanda, recebeu como prêmio a compra de enge-nhos produtivos a preços irrisórios e juros a perder devista. Nassau decretou ainda a liberdade de culto e libe-rou investimentos para os senhores de engenho que de-sejavam aumentar a produção.

Diminuiu os impostos que eram cobrados pelosportugueses. Desenvolveu um projeto urbanístico paratornar a vila do Recife o centro da presença holandesa,trazendo para a colônia inúmeros artistas, cientistas ebiólogos.

Encantado com océu tropical, opintor holandêsFrans Postocupava a terçaparte de suastelas com ele.

Maurício deNassau

ANA DE AMSTERDAM

SOU ANA DO DIQUE EDAS DOCAS,DA COMPRA, DA VENDA,DAS TROCAS,DAS PERNAS.DOS BRAÇOS, DAS BOCAS,DO LIXO, DOS BICHOS,DAS FICHAS.SOU ANA DAS LOUCAS.ATÉ AMANHASOU ANADA CAMA, DA CANA, FULANA,SACANA,SOU ANA DE AMSTERDAMEU CRUZEI UM OCEANONA ESPERANÇA DE CASAR.

Chico Buarque e Rui Guerra.

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O suprimento de mão-de-obra foi garantido coma conquista de colônias portugue-sas na África. No resto do territó-rio, a situação tendeu a se agra-var, diante da carência de escra-vos, que só eram comercializadosnas regiões sob domínio holandês.As incursões nas aldeias indígenasserviram de paliativo, face à escas-sez de mão-de-obra escrava. Osbandeirantes mercenários torna-ram-se especialistas na captura deíndios, realizando as nefastas ban-deiras de apresamento. De outrolado, a guerra na região Nordestecriou o clima ideal para a fuga decentenas de negros, em direção aos quilombos do inte-rior. Dentre eles, o mais famoso o quilombo dosPalmares, seria o abrigo natural para os negros que so-nhavam viver em liberdade.

A progressão da Guerra dos Trinta Anos colo-caria a Holanda no centro dos acontecimentos. A im-pressão inicial do bom comportamento holandês se des-fez à medida que o país se viu enlaçado pelos interessesda guerra européia. A carência de recursos faria aHolanda arrochar a colônia, em proporção igual ou piorà atitude de Portugal.

A mudança se fez notar na cobrança dos débi-tos de compra dos engenhos, alterando os juros paravalores absurdos. Com o tempo, confirmou-se que tantoPortugal quanto Holanda desejavam apenas esfolar acolônia, tirando o máximo, com o objetivo de assegu-rar a riqueza metropolitana. Diante da opressãoflamenga, a opção portuguesa parecia ser a melhor, pelaidentificação dos colonos com a terra de origem.

1 In. Koshiba, Luís e Denise Freire. História doBrasil. Atual Editora. Pág. 63.

A RESTAURAÇÃO EEXPULSÃO DOSHOLANDESES

Em 1640, terminou a UniãoIbérica. Assumiu o trono portugu-ês, o rei D. João IV, inaugurandoum longo período da dinastia deBragança. De imediato, assinou atrégua com a Holanda, apontandoa perspectiva de encerrar a domi-nação holandesa no Brasil. Por or-dem da Companhia das Índias, oconde Nassau foi obrigado a re-gressar ao continente europeu. O

“pobre” do conde foi acusado de usar recursos da Com-panhia em benefício próprio. Enquanto não se definiaa retirada, os holandeses aproveitaram para arrocharainda mais a região açucareira. Essa conduta contri-buiu para despertar nos colonos o ideal de libertação.

Na guerra com os holandeses, misturaram-seinteresses dos senhores de engenho, comerciantes e apopulação humilde, afinal, todos, em maior ou menorgrau, haviam sido prejudicados pela opressão holan-desa. O desfecho em favor dos rebeldes, deu-se na ba-talha de Guararapes, em 1648. A possibilidade de rea-

ção holandesa foi neutralizada peloinício do confronto com os ingleses,quando Oliver Cronwell decretou osAtos de Navegação, proibindo quemercadorias inglesas usassem o trans-porte de navios flamengos. A Holandaera responsável por 50% do transpor-te de produtos ingleses. A guerra en-tre as duas nações resultou em sérioprejuízo para os holandeses, que de-moraram muitos anos para se recuperdo nocaute.

Em 1654, os holandeses de-volveram o território, assinando um“acordo” com Portugal, que obriga-va os portugueses o pagamento da in-denização de 4 milhões de florins. Aguerra com a Holanda abalou as rela-ções entre os dois países, levando

Portugal a optar pelos ingleses como novos parceiros,coincidindo com a ascensão inglesa no continente eu-ropeu. A mudança de “parceiro” fez os portuguesesenfiarem a cara na lama, como provariam os futurostratados assinados com a Inglaterra. Para desesperode Portugal, as ilhas do Caribe desenvolveram o plan-tio da cana-de-açúcar, surgindo como concorrentes domonopólio lusitano. A queda no preço açúcar aumen-tou a ansiedade e a esperança de encontrar ouro e pra-ta em território colonial. Para sorte de Portugal e azarda colônia, os bandeirantes encontrariam, em 1690, naregião das Minas Gerais, uma quantidade de ouro maiordo que a encontrada pelos espanhóis nas suas colôniasamericanas.

Marco importantena históriabrasileira, abatalha deGuararapes foitema de muitasobras.