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Revista SÍNTESE D IREITO DE F AMÍLIA ANO XV – Nº 88 – FEV-MAR 2015 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Superior Tribunal de Justiça – Nº 46/2000 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Saletti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Álvaro Villaça Azevedo, Daniel Ustárroz, João Baptista Villela, José Roberto Neves Amorim, Priscila M. P. Correa da Fonseca, Sergio Matheus Garcez, Sergio Resende de Barros COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Amanda Quélhas Ayres, Angelo Luis de Souza Vargas, Antonio Baptista Gonçalves, Denise Damo Comel, Denise Schmitt Siqueira Garcia, Douglas Phillips Freitas, Flávia das Neves, Ionete de Magalhães Souza, Jean E. B. Nicolau, Leandro Lomeu, Maëlle L. Seguin, Marcelo Jorge da Luz Costa, Maria Isabel Rodrigues Ferraz, Natalie Lassance Britto Longo, Rafael Terreiro Fachada, Sérgio Murilo Herrera Simões ISSN 2179-1635

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Revista SÍNTESE Direito De Família

ano XV – nº 88 – FeV-mar 2015

repositório autorizaDo De JurispruDência

Superior Tribunal de Justiça – Nº 46/2000

Diretor eXecutiVoElton José Donato

Gerente eDitorial e De consultoriaEliane Beltramini

coorDenaDor eDitorialCristiano Basaglia

eDitoraSimone Costa Saletti Oliveira

conselho eDitorial

Álvaro Villaça Azevedo, Daniel Ustárroz, João Baptista Villela, José Roberto Neves Amorim, Priscila M. P. Correa da Fonseca, Sergio Matheus Garcez, Sergio Resende de Barros

colaboraDores Desta eDição

Amanda Quélhas Ayres, Angelo Luis de Souza Vargas, Antonio Baptista Gonçalves, Denise Damo Comel, Denise Schmitt Siqueira Garcia, Douglas Phillips Freitas,

Flávia das Neves, Ionete de Magalhães Souza, Jean E. B. Nicolau, Leandro Lomeu, Maëlle L. Seguin, Marcelo Jorge da Luz Costa, Maria Isabel Rodrigues Ferraz,

Natalie Lassance Britto Longo, Rafael Terreiro Fachada, Sérgio Murilo Herrera Simões

ISSN 2179-1635

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1999 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito de Família.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Capa: Tusset Monteiro Comunicação

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

REVISTA SÍNTESE DIREITO DE FAMÍLIA Nota: Continuação de REVISTA IOB DE DIREITO DE FAMÍLIA v. 1, n. 1, jul. 1999

Publicação periódica Bimestral

v. 15, n. 88, fev./mar. 2015

ISSN 2179-1635

1. Direito de família – periódicos – Brasil

CDU: 347.6(05)(81) CDD: 340

Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851

Solicita-se permuta.Pídese canje.

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Carta do Editor

Prezados leitores, nesta edição escolhemos como Assunto Especial o tema “A Criança e o Adolescente – Direito Desportivo”. Para compor o Assunto Especial contamos com dois artigos dos seguintes autores Jean E. B. Nicolau e Marcelo Jorge da Luz Costa.

Ainda, no Assunto Especial, trouxemos a Seção Especial “Estudos Jurí-dicos”, com artigo de Angelo Luis de Souza Vargas, Amanda Quélhas Ayres, Maëlle L. Seguin, Natalie Lassance Britto Longo e Rafael Terreiro Fachada, in-titulado “Direito Desportivo Infanto-Juvenil: um Estudo de Direito Comparado entre Brasil e França”.

O nosso ordenamento jurídico pátrio preocupa-se com a proteção e os direitos do menor. No tocante ao Direito Desportivo, o ECA, Lei nº 8.069/1990, prevê a efetivação do direito ao esporte como um dever “da família, da comu-nidade, da sociedade em geral e do Poder Público”.

O Dr. Marcelo Jorge da Luz Costa salienta que:

A Lei Pelé, com a nova redação conferida pela Lei nº 12.395/2011, estabelece que, para o clube ser considerado “entidade formadora de atletas”, deve satisfa-zer vários requisitos, previstos nas letras c e f do § 2º do art. 29. Entre eles, estão requisitos relacionados à escolarização, assistência psicológica, médica, odonto-lógica, transporte, alimentação e convivência familiar, estabelecendo que a prá-tica esportiva não pode ser superior a 4 horas diárias, para propiciar a frequência escolar e satisfatório aproveitamento.

O inciso XXXIII do art. 7º da Constituição da República Federativa do Brasil esta-beleceu ainda a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condi-ção de aprendiz, a partir de quatorze anos. O ECA, em seu art. 69, I e II, trata do direito à profissionalização e à proteção no trabalho do adolescente, observados o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e a capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho, entre outros.

Na Parte Geral temos sete artigos, elaborados pelos renomados juris-tas: Denise Damo Comel, Antonio Baptista Gonçalves, Leandro Lomeu, Sérgio Murilo Herrera Simões, Douglas Phillips Freitas, Maria Isabel Rodrigues Ferraz, Ionete de Magalhães Souza, Denise Schmitt Siqueira Garcia e Flávia das Neves.

Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Eliane Beltramini Gerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos .................................................................... 7

Assunto Especial

A CriAnçA e o AdolesCente – direito desportivo

doutrinAs

1. Direito à Integridade Física, Mental e Moral da Criança: O Papel do Esporte Jean E. B. Nicolau ......................................................................................9

2. Aspectos Jurídicos da Participação da Criança e do Adolescente na Modalidade Esportiva Futebol de CampoMarcelo Jorge da Luz Costa ......................................................................19

estudos JurídiCos

1. Direito Desportivo Infanto-Juvenil: um Estudo de Direito Comparado entre Brasil e FrançaAngelo Luis de Souza Vargas, Amanda Quélhas Ayres, Maëlle L. Seguin, Natalie Lassance Britto Longo e Rafael Terreiro Fachada ............................................................................36

JurisprudênCiA

1. Acórdão na Íntegra (STJ) ...........................................................................472. Ementário .................................................................................................54

Parte Geral

doutrinAs

1. Divórcio Liminar: ReflexõesDenise Damo Comel ................................................................................61

2. A Defesa da Preferência às Pessoas com Transtorno do Espectro de Autismo ante a Falta de ProcedimentoAntonio Baptista Gonçalves .....................................................................67

3. Reconhecimento Voluntário de Paternidade SocioafetivaLeandro Lomeu ........................................................................................82

4. O Bem de Família Legal e Sua Interpretação pelo Superior Tribunal de JustiçaSérgio Murilo Herrera Simões ...................................................................86

5. Alimentos Gravídicos e a Lei nº 11.804/2008Douglas Phillips Freitas ............................................................................90

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6. Parto Anônimo, Celeridade dos Processos de Adoção e Novo Código de Processo CivilMaria Isabel Rodrigues Ferraz e Ionete de Magalhães Souza ..................106

7. Relações Homoafetivas e o Direito Sucessório no Caso do CasamentoDenise Schmitt Siqueira Garcia e Flávia das Neves ................................113

JurisprudênCiA

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1252. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1373. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1454. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios ................................1545. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás ...................................................1616. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais .......................................1707. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná .................................................1748. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro ......................................1839. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ...............................18610. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina .....................................18911. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ............................................198

ementário

1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................202

Clipping Jurídico ..............................................................................................236

Resenha Legisltiva ...........................................................................................241

Bibliografia Complementar .................................................................................242

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................243

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação

do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

A Criança e o Adolescente – Direito Desportivo

Direito à Integridade Física, Mental e Moral da Criança: O Papel do Esporte

JEAN E. B. NICOLAUDoutorando da Universidade de São Paulo, Master em Direito Internacional pela Universidade Paris 1 (Panthéon-Sorbonne), Especialista em Direito Desportivo pela Escola Superior de Ad-vocacia da OAB/SP, Graduado pela Universidade de São Paulo.

SUMÁRIO: Introdução; Parte I – Tratamento legal do direito à integridade física, mental e moral da criança; a) Fontes nacionais; 1 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990; 2 Constituição Federal de 1988; b) Fontes internacionais; 1 Declaração universal dos Direitos da Criança de 1959; 2 Convenção de Nova York relativa aos direitos da criança de 1989; Parte II – Direito à integridade da Criança e esporte; a) Esporte como política pública: o direito ao esporte na infância; 1 Direito ao esporte no Brasil; 2 Direito ao esporte no cenário internacional; b) esporte como obstáculo à integri-dade da criança; 1 Riscos do esporte de alto rendimento: fluxos migratórios e hipercompetitividade; 2 Mecanismos de proteção a jovens futebolistas; a) Artigo 27-C da Lei Pelé; b) Artigo 19 do regula-mento fifa sobre o Estatuto e a transferência de jogadores; Referências.

INTRODUÇÃO

Mente sã em corpo são (mens sana in corpore sano). Já durante o Império Romano, a máxima do poeta Juvenal indicava que integridade moral e integri-dade física caminham juntas.

Dois conceitos, aliás, intimamente relacionados à noção de saúde, de-finida pelo acordo constitutivo da Organização Mundial do Comércio (OMC) como um estado de completo bem-estar físico, mental e social que não consiste apenas na ausência de doença ou enfermidade: cuidado com o corpo, mas também com a mente; cuidado com o adulto, mas sobretudo com a criança.

Uma vida adulta saudável depende diretamente da preservação das inte-gridades física (direito à vida e ao respeito do corpo) e moral (respeito à digni-dade humana, à honra e à vida privada, além de direito à imagem)1 do jovem.

1 Integridade moral e mental são comumente empregadas como expressões sinonímicas: o art. 3.1 do tratado da UE, por exemplo, indica que “toda pessoa têm direito a sua integridade física e mental” e não menciona

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A primeira parte deste artigo trata do tema de forma mais ampla ao dis-correr sobre as fontes de direito pertinentes à matéria, sejam as mesmas nacio-nais (A) ou internacionais (B).

A segunda parte do trabalho enfoca, por seu turno, as relações entre es-porte e direito à integridade da criança. Para tanto, é estabelecido contraponto entre o direito ao esporte como política pública (A) e os riscos decorrentes de certas práticas esportivas de alto rendimento entre jovens (B).

PARTE I – TRATAMENTO LEGAL DO DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA, MENTAL E MORAL DA CRIANÇA

A) Fontes nAcionAis

Na legislação doméstica, o tema da integridade da criança é objeto da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente2.

1 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990O ECA não apenas confere ao menor o direito ao respeito (art. 15), como

indica que o mesmo “consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais” (art. 17).

Em outros termos, o direito à integridade física, mental e moral seria, conforme definição do Estatuto, equivalente ao direito ao respeito.

2 Constituição Federal de 1988O art. 227 da Constituição Federal contempla igualmente o direito à in-

tegridade da criança e do adolescente. Assim como o ECA, a Carta Magna menciona o direito ao respeito, cuja

preservação é de responsabilidade não apenas da sociedade e da família, mas também do Estado brasileiro3.

B) Fontes internAcionAis

No plano internacional, o direito à integridade da criança é previsto pela Declaração Universal dos Direitos da Criança4 (1) e pela Convenção de Nova York relativa aos direitos da criança5 (2).

expressamente a integridade moral. Sob uma ótica mais cuidadosa, no entanto, a noção de integridade mental (gênero) parece englobar integridade moral (espécie).

2 Lei nº 8.069, de 1990.

3 Art. 227, CF: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

4 Resolução da Assembleia Geral da ONU nº 1386 (XIV), de 1959.

5 Convenção de Nova York relativa aos direitos da criança de 1989.

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1 Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959

De forma mais ou menos direta, o direito à integridade física, mental e moral da criança está inscrito nos Princípios 2, 7 e 9 da Declaração de Nova York.

O Princípio 26 indica que a criança deve receber proteção especial para desenvolver-se física e mentalmente, não sem também salientar a importância de um desenvolvimento social. As leis implementadas com tal finalidade de-vem, ainda segundo este princípio, considerar o princípio do interesse superior da criança.

Nos termos do Princípio 77 da Declaração de Nova York, ao menos a educação elementar deve ser obrigatória e gratuita, com vistas ao desenvolvi-mento de um senso de obrigações morais e sociais da criança.

Sem mencionar o termo esporte, o Princípio 98 aponta para a necessida-de de os Poderes Públicos e a sociedade incluírem a criança em jogos e ativida-des recreativas com finalidade educativa.

A criança não deve trabalhar antes de atingir uma “idade mínima apro-priada”. Este patamar não é, no entanto, apontado pelo Princípio 9 da Decla-ração de Nova York. Referido impedimento visa a evitar que o menor exerça ocupação ou emprego que traga prejuízo à sua saúde ou sua educação. Por úl-timo, cumpre acrescentar que a figura do aprendiz não se enquadra à limitação imposta pelo princípio em análise.

2 Convenção de Nova York relativa aos direitos da criança de 1989

Por um lado, a Convenção de Nova York (CNY) propugna a promoção do bem-estar mental e moral da criança e, para tanto, reconhece a importância dos órgãos de comunicação social (art. 17).

6 Princípio 2: “L’enfant doit bénéficier d’une protection spéciale et se voir accorder des possibilités et des facilités par l’effet de la loi et par d’autres moyens, afin d’être en mesure de se développer d’une façon saine et normale sur le plan physique, intellectuel (‘mental’), moral, spirituel et social, dans des conditions de liberté et de dignité. Dans l’adoption de lois à cette fin, l’intérêt supérieur de l’enfant doit être la considération déterminante”. (grifo nosso)

7 Princípio 7: “L’enfant a droit à une éducation qui doit être gratuite et obligatoire au moins aux niveaux élémentaires. Il doit bénéficier d’une éducation qui contribue à sa culture générale et lui permette, dans des conditions d’égalité de chances, de développer ses facultés, son jugement personnel et son sens des responsabilités morales et sociales, et de devenir un membre utile de la société. L’intérêt supérieur de l’enfant doit être le guide de ceux qui ont la responsabilité de son éducation et de son orientation; cette responsabilité incombe en priorité à ses parents. L’enfant doit avoir toutes possibilités de se livrer à des jeux et à des activités récréatives, qui doivent être orientés vers les fins visées par l’éducation; la société et les pouvoirs publics doivent s’efforcer de favoriser la jouissance de ce droit”. (grifo nosso)

8 Princípio 9: “L’enfant doit être protégé contre toute forme de négligence, de cruauté et d’exploitation, il ne doit pas être soumis à la traite, sous quelque forme que ce soit. L’enfant ne doit pas être admis à l’emploi avant d’avoir atteint un âge minimum approprié; il ne doit en aucun cas être astreint ou autorisé à prendre une occupation ou un emploi qui nuise à sa santé ou à son éducation, ou qui entrave son développement physique, mental ou moral”.

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Por outro lado, no tocante à integridade física do jovem, a CNY impõe vedação à tortura, bem como a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.

Uma das inovações deste dispositivo em comparação às normas de di-reitos humanos aplicáveis a qualquer indivíduo refere-se à vedação expressa às penas de morte e de prisão perpétua sem possibilidade de liberação cominadas a menores de 18 anos (art. 37, a).

As penas privativas de liberdade devem ser aplicadas a crianças apenas como último recurso e terão a duração mais breve possível (art. 37, b). Os me-nores excepcionalmente detidos devem ser, via de regra, separados dos adultos e lhes deve ser assegurado os direitos de manter contato com a família (art. 37, c) e de ter acesso à assistência jurídica (art. 37, d).

PARTE II – DIREITO À INTEGRIDADE DA CRIANÇA E ESPORTE

A) esporte como políticA púBlicA: o direito Ao esporte nA inFânciA

A prática de esporte na infância depende, em primeiro lugar, do estímulo dos pais. O Estado pode, no entanto, suprir eventual ausência de apoio familiar por meio de políticas voltadas ao fomento de atividades físicas entre crianças.

Certas fontes domésticas (1) e internacionais (2) relacionadas à matéria priorizam o esporte educacional ou mesmo sugerem a existência de um, por assim dizer, direito ao esporte na infância9.

1 Direito ao esporte no Brasil

A Constituição Federal (CF) de 1988 impõe ao Estado o dever de fomentar práticas desportivas formais e não formais, observada a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional (art. 217, II, CF).

Já a chamada Lei Pelé (nº 9.615, de 1998, e alterações) institui normas gerais sobre o desporto, tratado como direito individual que tem como base, en-tre outros princípios, “o da educação, voltado para o desenvolvimento integral do homem [...], e fomentado por meio da prioridade dos recursos públicos ao desporto educacional” (art. 2º, VIII, Lei Pelé).

A Lei Pelé reconhece o desporto educacional como uma das manifesta-ções do esporte, que também pode ser de participação (ex.: torneios de tênis organizados pelas federações estaduais com foco em amadores) ou de rendi-

9 Ver notadamente o art. 1º da Carta dos Direitos da Criança no Esporte (CDES, em francês), que menciona o direito de praticar esporte. Em 2009, a CDES já contava com a assinatura de 85 organizações de âmbito internacional, universidades e órgãos públicos.

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mento, profissional (ex.: Campeonato Brasileiro de Futebol) ou não profissional (ex.: Campeonato Brasileiro de Polo Aquático).

O desporto educacional é em regra praticado nos sistemas de ensino e tem a finalidade de “[...] alcançar o integral desenvolvimento do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e da prática do lazer” (art. 3º, I, Lei Pelé).

Com efeito, e apesar da prática governamental indicar o contrário, é ní-tida a preocupação do legislador, seja ordinário ou constituinte, em priorizar expressamente o repasse de verbas públicas ao desporto educacional, com foco na criança e no adolescente, em detrimento dos desportos de participação e de alto rendimento, inclusive profissional.

2 Direito ao esporte no cenário internacional

Se a Convenção de Nova York relativa aos direitos da criança não men-ciona expressamente a palavra esporte – o art. 31 dispõe apenas sobre temas correlatos como descanso, lazer e jogos –, o mesmo não ocorre em outros ins-trumentos internacionais afeitos aos direitos da criança, sejam os mesmos ema-nados de organizações governamentais ou não governamentais.

A relação entre esporte, desenvolvimento da criança e educação foi ofi-cializada no plano internacional em 1952, ano em que a Organização das Na-ções Unidas para educação, ciência e cultura (Unesco) reconheceu o esporte como ferramenta de ensino e o integrou ao programa de sua sétima Conferência Geral.

Ainda que nenhuma convenção defina expressamente um direito ao es-porte, o mesmo pode, em sua acepção mais geral, ser associado a alguns di-reitos humanos. É o caso do direito ao mais alto nível de saúde física e mental alcançável, previsto pelo pacto internacional relativo aos direitos econômicos, sociais e culturais da ONU, de 1966.

Depois de um intervalo de 33 anos, a Declaração de Punta del Este, de 1999, foi redigida com o objetivo de ressaltar a necessidade do esporte para todos, especialmente crianças e mulheres.

Em 2005, a ONU lançou o Ano Internacional do Esporte e da Educação Física, motivada por iniciativa da Comissão Europeia que, um ano antes, pro-movera o Ano Europeu da Educação pelo Esporte.

2008 foi o ano da publicação de um relatório encomendado pela ONU sobre a importância do esporte10, que realça sua função para o desenvolvimen-to físico e mental da criança.

10 Canaliser l’Énergie du Sport au Service du Développement et de la Paix, p. 120 e seguintes.

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Em 2010, foi divulgada a Charte des Droits de l’Enfant dans le Sport, ini-ciativa de uma entidade privada, o Institut International des Droits de l’Enfant11.

A carta leva em conta eventos recentes do esporte e a evolução global da infância de seus direitos.

Entre os temas abordados, merecem destaque12: (i) reconhecimento da criança e de seus direitos (a criança é uma criança antes de ser um esportista); (ii) participação de todas as crianças no esporte (como integrar todas as crianças às atividades); (iii) interesse superior da criança (direito de ser ouvida sempre) e não de terceiros (pais, agentes, clubes, federações); (iv) participação das me-ninas (luta contra discriminação e exclusão de competições) e (v) educação cidadã (esporte como veículo de ideais democráticos, tolerância, diminuição de violência ou esporte como vetor de transmissão dos direitos humanos e, notadamente, das crianças).

B) esporte como oBstáculo à integridAde dA criAnçA

Se a finalidade educacional do esporte é incontroversa, também são in-discutíveis os risco à integridade da criança decorrentes da prática de alto ren-dimento (1), especialmente em modalidades de alta competitividade, como o futebol (2).

1 Riscos do esporte de alto rendimento: fluxos migratórios e hipercompetitividade

Ao tratar da prática desportiva educacional, a Lei Pelé atenta para os ris-cos decorrentes da hipercompetitividade e da seletividade, ambas prejudiciais ao integral desenvolvimento do indivíduo (art. 3º, I, Lei Pelé).

Seletividade, caracterizada pela separação entre os esportivamente mais e menos habilidosos, e hipercompetitividade, materializada pela obrigação de vitória a todo custo, são elementos cotidianos na vida de um grande número de crianças com pretensão de ingressarem o universo do esporte profissional.

Elementos que são apenas aguçados pela ânsia de descobrir e, mais do que isso, lapidar talentos cada vez mais jovens: todos os grandes clubes de fu-tebol do mundo, sem exceção, investem anualmente altas quantias para manter centros de formação13.

11 Fundada em 2005, a organização sediada em Sion, na Suíça, é financiada por um fundo criado pela Association Internationale des Magistrats de la Jeunesse et de la Famille e pelo Institut Universitaire Kurt Bosch de Sion.

12 Apresentação da carta dos direitos da criança realizada por Paola Riva Gapany, em 9 de dezembro de 2010, na Cidade de Sion.

13 O São Paulo FC, por exemplo, gastou, em 2011, cerca de R$ 20 milhões para a formação de 350 atletas em seu centro de treinamentos de Cotia.

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Algo normal quando se leva em conta que, notadamente a partir dos anos 1980, o esporte transformou-se em negócio global – os valores anuais movi-mentados apenas pelo futebol elevam-se a US$ 300 bilhões14.

No futebol profissionalizado, ter os melhores atletas significa, em regra, ter mais dinheiro; os jogadores são os responsáveis por atingir os objetivos al-mejados por seus clubes: enquanto as grandes agremiações lutam por títulos, os chamados pequenos têm interesse quase exclusivo na valorização de seu efetivo com vistas a concretizar transferências economicamente interessantes.

Se em âmbito nacional desenvolvidas redes de olheiros e agentes estimu-lam as transferências de menores a grandes clubes, o globalizado e aquecido mercado do futebol internacional também provoca um fluxo migratório em di-reção aos países no norte.

Uma situação usualmente estimulada pelos chamados agentes de atletas, responsáveis por verdadeiras redes internacionais para o descobrimento de jo-vens talentos.

Conscientes dos prejuízos ocasionados a menores, tanto por transferên-cias internacionais precipitadas quanto pela influência exagerada de empre-sários, federações esportivas e poderes públicos, trataram de elaborar normas institucionais e leis com o intuito de minimizar os riscos ao menor atleta.

2 Mecanismos de proteção a jovens futebolistas

a) Artigo 27-C da Lei Pelé

A última alteração da Lei Pelé (Lei nº 12.395/2011) introduziu dispositivo com a finalidade de resguardar o atleta menor de idade:

Art. 27-C. São nulos de pleno direito os contratos firmados pelo atleta ou por seu representante legal com agente desportivo, pessoa física ou jurídica, bem como as cláusulas contratuais ou de instrumentos procuratórios que:

[...]

VI – versem sobre o gerenciamento de carreira de atleta em formação com idade inferior a 18 (dezoito) anos.

Fruto de pressão dos grandes clubes nacionais, o artigo que pretende di-minuir a influência dos maus agentes esportivos, parece ter ido longe demais: são usuais situações em que, por exemplo, o menor precisa de procurador para re-presentá-lo em outra região do país ou mesmo para acompanhá-lo em viagem na ausência de seus genitores; também não se pode negar a existência de profissio-nais credenciados que desenvolvem trabalhos adequados perante jovens atletas.

14 PIRES DE SOUZA, Gustavo. A importância do direito desportivo. Disponível em: www.ibdd.com.br. Acesso em: 19 out. 2012.

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O art. 27-C faz, no entanto, tábula rasa: desde sua entrada em vigor, pas-sa a ser nulo todo acerto sobre gerenciamento de carreira firmado entre agente e atleta em formação com idade inferior a dezoito anos.

Como forma de amenizar a aparentemente rígida limitação imposta pelo legislador, não são poucos os que defendem uma interpretação restritiva da ex-pressão atleta em formação com idade inferior a dezoito anos. De acordo com esta leitura, o impedimento recairia apenas sobre os menores sob contrato de formação e não sobre qualquer atleta com menos de dezoito anos15. A contrario sensu, os menores já profissionalizados (jovens atletas com maior valor de mer-cado) poderiam eleger agentes para gerenciar suas carreiras.

Apesar de a análise literal do enunciado legal conduzir o intérprete nessa direção, o sentido almejado pelo legislador parece ter sido outro. O Professor Álvaro de Melo Filho, responsável pela elaboração do projeto de lei, já admitiu publicamente16 que tentou, por meio do dispositivo, restringir ao máximo a atuação de agentes perante atletas menores de dezoito anos, quer sejam profis-sionais ou estejam em formação.

Tempo e prática demonstrarão se um dispositivo tão restritivo como o introduzido pela nova Lei Pelé será efetivamente aplicado no meio do futebol.

b) Artigo 19 do Regulamento Fifa sobre o Estatuto e a Transferência de Jogadores

A Federação Internacional de Futebol (Fifa) também demonstrou preocu-pação com o desenvolvimento do menor futebolista e a defesa de seus interes-ses, em vista da intensificação das negociações entre clubes de diferentes países envolvendo jovens em formação.

A entidade introduziu em seu Regulamento sobre o Estatuto e a Transfe-rência de Jogadores (RETJ), um dispositivo que, em regra, proíbe transferências internacionais de menores de dezoito anos: “Las transferencias internacionales de jugadores se permiten sólo cuando el jugador alcanza la edad de 18 años” (art. 19.1, RETJ).

Ao legislar sobre o tema, o objetivo da Fifa era encontrar o equilíbrio adequado entre, de um lado, a defesa dos direitos do menor e, do outro lado, o respeito à ordem pública dos Estados e à proteção dos interesses dos clubes formadores aos quais o menor presta serviços17.

15 Previsto pela Lei Pelé, o contrato de formação, que não implica vínculo empregatício pode ser firmado entre clube e atleta maior de 14 e menor de 20 anos (art. 29, Lei Pelé). É apenas o contrato de trabalho desportivo, pactuado entre clube e atleta maior de 16 anos, que garante ao jogador a condição de profissional.

16 Palestra proferida em 23 de outubro de 2013 na Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo.

17 CRESPO PÉREZ, Juan de Dios; FREGA NAVÍA, Ricardo. Comentarios al reglamento Fifa: con análisis de jurisprudencia de la DRC y del TAS. Madrid: Dykinson, 2010. p. 141.

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A questão mais controversa sobre o tema é a de saber se, diante da anu-ência de todas as partes envolvidas (inclusive genitores) em dar seguimento à relação jurídico-desportiva em questão, faz sentido que a norma federativa pre-valeça para vedar uma transferência internacional de atleta menor de 18 anos nas hipóteses em que ela é benéfica aos interesses do jovem.

O tema suscita ainda mais incertezas nos casos em que até mesmo o direito interno dos países em questão não impõe barreiras à referida transação. Nesse contexto, não será surpreendente se, em um futuro próximo, um menor de idade considerar que a proibição federativa constitui afronta a direito funda-mental e, por consequência, buscar amparo jurisdicional para declarar inapli-cável aquela limitação.

Merece lembrança o fato de certos instrumentos legais nacionais e inter-nacionais atribuírem ao direito ao exercício da prática desportiva (ou simples-mente direito ao esporte) o status de direito fundamental, conforme já tratado na primeira parte deste trabalho. Ademais, nas hipóteses envolvendo menores de idade já profissionalizados em seus respectivos países, a limitação imposta pela Fifa poderia também ser admitida como lesiva ao direito fundamental de exercer livremente sua profissão (ou simplesmente direito ao trabalho).

A necessidade de encontrar um meio-termo entre o compreensível di-reito do menor de perseguir uma melhor carreira esportiva e o direito à preser-vação de sua integridade física e psíquica conduziu a entidade internacional a contemplar três exceções ao princípio geral fixado pelo art. 19.1 do RETJ.

Previstas pelo art. 19.2 da norma federativa18, essas exceções à regra que veda transferências internacionais de jovens atletas podem ser resumidas da

18 Art. 19.2, RETJ: “Se permiten las siguientes tres excepciones:

a) Si los padres del jugador cambian su domicilio al país donde el nuevo club tiene su sede por razones no relacionadas con el fútbol.

b) La transferencia se efectúa dentro del territorio de la Unión Europea (UE) o del Espacio Económico Europeo (EEE) y el jugador tiene entre 16 y 18 años de edad. El nuevo club debe cumplir las siguientes obligaciones mínimas:

i. Proporcionar al jugador una formación escolar o capacitación futbolística adecuada, que corresponda a los mejores estándares nacionales.

ii. Además de la formación o capacitación futbolística, garantizar al jugador una formación académica o escolar, o una formación o educación y capacitación conforme a su vocación, que le permita iniciar una carrera que no sea futbolística en caso de que cese en su actividad de jugador profesional.

iii. Tomar todas las previsiones necesarias para asegurar que se asiste al jugador de la mejor manera posible (condiciones óptimas de vivienda en una familia o en un alojamiento del club, puesta a disposición de un tutor en el club, etc.).

iv. En relación con la inscripción del jugador, aportará a la asociación correspondiente la prueba de cumplimiento de las citadas obligaciones; o

c) El jugador vive en su hogar a una distancia menor de 50km de la frontera nacional, y el club de la asociación vecina está también a una distancia menor de 50km de la misma frontera en el país vecino. La distancia máxima entre el domicilio del jugador y el del club será de 100km. En tal caso, el jugador deberá seguir viviendo en su hogar y las dos asociaciones en cuestión deberán otorgar su consentimiento”.

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seguinte maneira: (a) mudança dos pais por razões não relacionadas ao futebol; (b) transferências dentro da União Europeia ou do Espaço Econômico Europeu, desde que preenchidas determinadas condições; (c) situações de transferências para áreas fronteiriças (distância de até 100km).

Se as duas últimas hipóteses contempladas pelo art. 19.2 do RETJ apre-sentam menor interesse prático a futebolistas brasileiros, a história é diferente acerca da exceção inscrita no art. 19.2(a), que versa sobre a alteração do domi-cílio da família do futebolista.

Apesar de indiscutivelmente razoável, porquanto é natural que os filhos menores sigam o caminho de seus pais, o dispositivo vem sendo utilizado como passe-partout para legitimar transferências em princípio fraudulentas de jovens atletas: não são raros os casos em que a ressalva em comento é utilizada para que tais transações sejam viabilizadas por uma montagem jurídica19.

Quando imbuído do desejo de esquivar-se da limitação regulamentar, o clube de destino do atleta propõe atividade laboral que permita aos pais do atleta a obtenção de visto de permanência no novo país; em última análise, toda a operação é efetuada para que se legitime a transação do menor, verdadeira fonte do movimento migratório familiar20.

Em guisa de conclusão, merece menção um relatório a respeito do tema encomendado em 2008 por François Fillon, então Primeiro Ministro da França, em vista do êxodo de jovens atletas daquele país. Uma passagem do documento indica que, “se as transferências de menores são em princípio proibidas pelo regulamento Fifa, as derrogações autorizadas parecem permitir, na prática, o contorno frequente desta vedação”21.

REFERÊNCIAS

BESSON, Eric. Accroître la compétitivité du football professionnel français. Paris, 2008.

CRESPO PÉREZ, Juan de Dios; FREGA NAVÍA, Ricardo. Comentarios al reglamento Fifa: con análisis de jurisprudencia de la DRC y del TAS. Madrid: Dykinson, 2010.

MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. A proteção da criança no cenário internacio-nal. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

PIRES DE SOUZA, Gustavo. A importância do direito desportivo. Disponível em: www.ibdd.com.br. Acesso em: 19 out. 2012.

19 Serve como exemplo o caso Brian Sarmiento. Em 2007, a Fifa terminou por rechaçar a transferência do menor por considerar que sua ida ao Racing Santander, da Espanha, violava o art. 19 do RETJ.

20 CRESPO PÉREZ, Juan de Dios; FREGA NAVÍA, Ricardo. Op. cit., p. 147.

21 BESSON, Eric. Accroître la compétitivité du football professionnel français. Paris, 2008: “si les transferts de mineurs sont en principe interdits par le règlement de la Fifa, les dérogations autorisées semblent permettre dans les faits un contournement fréquent de cette interdiction”.

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Assunto Especial – Doutrina

A Criança e o Adolescente – Direito Desportivo

Aspectos Jurídicos da Participação da Criança e do Adolescente na Modalidade Esportiva Futebol de Campo

MARCELO JORGE DA LUZ COSTABacharel em Direito pela Unicap (Universidade Católica de Pernambuco), Pós-Graduado em Direito Tributário pela Unesa (Universidade Estácio de Sá), Pós-Graduado em Direito Priva-do pela UFF (Universidade Federal Fluminense), Pós-Graduado em Direito Desportivo pelo ICF-FERJ (Instituto de Ciências do Futebol da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro), Mestre em Direito Empresarial e Tributário pela UCAM (Universidade Cândido Mendes), Dou-torando em Direito Civil pela Universidade Nacional de Lomas de Zamora, Argentina, Ex-Atleta de Futebol Profissional.

RESUMO: O presente estudo, sem a preocupação de esgotar o assunto, aborda tema muito pouco debatido na literatura do direito desportivo que são as implicações jurídicas decorrentes da participa-ção da criança e do adolescente no desporto nacional. A abordagem do estudo se dá no campo da Constituição da República Federativa do Brasil, do Estatuto da Criança e do Adolescente, do direito civil e do direito do trabalho, bem como das normas desportivas, em especial a Lei Pelé. Utilizou--se o método descritivo na elaboração da pesquisa, buscando informações em obras doutrinárias e arquivos da Internet.

PALAVRA-CHAVE: Criança; adolescente; desporto; nacional; jurídico.

ABSTRACT: The present study, without the worry of exhausting the subject, covers too little debated topic in the literature of sports law that are legal implications arising from the participation of children and adolescents in national sport. The approach of the study is given in the field of the Constitution of the Federative Republic of Brazil, the Statute of Children and Adolescents, civil law and labor law, as well as standards for sports, especially Law Pele. Used the descriptive method in the development of research, seeking information on doctrinal works and files from the Internet.

KEYWORDS: Child; teen; sport; national; legal.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Aspectos históricos da evolução do futebol; 2 Idade mínima para o início da atividade segundo a medicina; 3 Da iniciação esportiva para o Direito brasileiro; 3.1 Do desporto educacional; 3.2 Do desporto de rendimento; 4 O atleta amador e o contrato de aprendizagem; 4.1 Da obrigatoriedade do fornecimento de formação educacional, alojamento, assistência médico--odontológico, alimentação, entre outros benefícios ao atleta menor por parte das entidades despor-tivas certificadas como formadoras; 4.1.1 Contrato de formação ou bolsa-aprendizagem; 4.2 Como fica a questão dos atletas entre os 12 e 14 anos de idade incompletos? 5 O menor atleta profissional de futebol e as normas do trabalho e do direito desportivo; 5.1 “Janelas internacionais de transferên-cia de atletas profissionais”; 5.1.1 Da transferência internacional de atletas de futebol menores de 18 anos; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

O presente estudo abordará os aspectos jurídicos envolvendo a criança e o adolescente na modalidade esportiva futebol de campo.

Não objetiva, obviamente, pela limitação do estudo, o esgotamento do assunto ou mesmo discorrer sobre novas proposições, mas trazer uma visão geral e bastante sintética dos aspectos jurídicos do envolvimento da criança e do adolescente no desporto nacional, mas especificamente na modalidade esportiva proposta.

Antes de discorrermos sobre o tema propriamente dito, necessário um mergulho no contexto histórico do início desta modalidade no mundo e em nosso país, inclusive no que tange aos estatutos desportivos a partir da FIFA e os nacionais, bem como do entendimento dos tribunais em relação a alguns dos pontos abordados.

Vale destacar que, ao tratarmos da questão, estaremos nos referindo a atletas de ambos os sexos, envolvendo em todo o mundo um número muito expressivo, que, segundo o senso da FIFA realizado em 2006, já contava com 265 milhões de praticantes em todo o mundo1.

O estudo tem uma limitação proposta pelo Instituto de Ciências do Fute-bol, da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro, fazendo vários tópi-cos não serem abordados com a adequada profundidade científica, além de dei-xarmos de abordar outras importantes questões palpitantes referentes ao tema.

1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA EVOLUÇÃO DO FUTEBOL

Segundo recentes pesquisas, data de 4.500 a.C., na China, a prática do Kemari, rudimento do que hoje conhecemos como futebol, consistindo em um jogo com uma bola de bambu2. Mais tarde, ainda no período anterior à Era Cristã, gregos e romanos também praticavam jogos por equipes chutando com os pés uma bola formada por bexigas de animais.

Avançando um pouco mais na história, já na Idade Média, tem-se notícia de que em Florença, Itália, se praticava o que ficou sendo chamado de giocco del cálcio3.

1 O livro dos esportes: os esportes, as regras, as táticas, as técnicas. Consultor editorial Ray Stubbs. Tradução de Alexandre Tuche et al. Rio de Janeiro: Agir, 2012. p. 96.

2 CASTRO, J. Almeida. História do futebol: estórias da bola. Todos os campeonatos do mundo. Grupo Bandeirantes de Comunicação. São Paulo: Edipromo, 2006. p. 13.

3 Jogo de futebol.

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Já na Idade Contemporânea, pós-Revolução Industrial, na Inglaterra vito-riana, o esporte foi incluído no calendário das escolas inglesas como disciplina obrigatória, popularizando-se então, dentre estes esportes, o remo, o rugby e o football.

Pela sua simplicidade e quase nenhum investimento em equipamentos, fundou-se em Sheffield, Condado de York, Inglaterra, em 1855, o primeiro clu-be de football no mundo.

Em nosso país, há controvérsias sobre quando se iniciou a prática do futebol. Para uma corrente, o futebol começou a ser jogado no município de Jundiaí, Estado de São Paulo, por empregados da São Paulo Railway, mas pre-cisamente em 1822, e no Rio de Janeiro, por empregados da Estrada de Ferro Leopoldina, também no mesmo ano4. Para outros doutrinadores, o futebol che-gou por intermédio de marinheiros de navios ingleses, holandeses e franceses que vinham até nosso país na segunda metade do século XIX e já praticavam o esporte em seus países e que, em suas horas de folga, jogavam o futebol nas praias.

A unanimidade, porém, entre os estudiosos é a versão que foi o brasileiro Charles Miller, filho de ingleses, que, em 1874, ao voltar de seus estudos na tradicional Banister Court School, da cidade de Southhampton, na Inglaterra, trouxe em sua bagagem duas bolas, passando a praticar o esporte com seus amigos, permitindo a sua difusão e o início da prática regular deste esporte no Brasil. A partir daí, o número de adeptos cresceu bastante, surgindo as primeiras agremiações ainda no final do século XIX e início do século XX. A consequência foi a criação das primeiras ligas de futebol, sendo o esporte praticado ainda de forma amadorística.

A popularidade do futebol se difundia pelo País cada vez mais, moti-vando a realização da prática do esporte em qualquer espaço aberto nas cha-madas peladas5, praticadas nos quintais de casas, nos plays de apartamentos, nas ruas sem saída, em paralelepípedo, asfalto ou concreto, grandes calçadas de cimento, algumas quadras de futebol de salão (atual Futsal) abertas ou em qualquer outro lugar; o jogador só precisa de uma bola, um gol – que poderia ser marcado com qualquer coisa que não fosse leve demais, como dois tijolos, duas pedras, duas pequenas estacas, etc. – vontade de se divertir e um time, cujo número de participantes era variado6.

4 DUARTE, Orlando. História dos esportes. 4. ed. São Paulo: Senac, 2004. p. 213.

5 Expressão extraída dos campos de terra onde se pratica o futebol.

6 O futebol de rua original tem regras costumeiras variando de local para local ou mesmo não tem regras em outros lugares onde é praticado.

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Com o futebol, jogado como brincadeira e pela dificuldade do terreno e do pouco espaço para se dominar uma bola, driblar, etc., a criança brasileira desenvolveu uma habilidade técnica e uma criatividade desde tenra idade, e que passou a ser uma das características marcantes do futebol brasileiro. Gran-des craques de futebol de todos os tempos no Brasil começaram jogando na rua, em campos de areia, de terra batida ou mesmo na praia. Jogavam sonhando em ser este ou aquele craque do seu clube preferido e até em jogar pela própria agremiação.

Segundo o fotógrafo Caio Vilela7, que viajou pelos quatro cantos do mun-do fotografando o futebol de rua, em países ricos como Áustria e a Dinamarca, vemos o futebol praticado em quadras, num parque, organizado com chuteira e tudo mais. Na África e no Brasil, o futebol é praticado literalmente com os pés descalços, anárquico mesmo. O futebol está no coração destes povos. Mesmo na África do Sul, onde o esporte oficial é o rúgbi, a população negra adora fute-bol, apesar de a mídia não promover, mas os pobres jogam bola naquelas praias cheias de rochedos, pedregosas, que, na época do apartheid, eram reservadas a eles. Na Birmânia, atual Mianmar, o povo ama o futebol, mas o país é gover-nado por uma ditadura, onde o controle e a prática de apadrinhamento político prejudicam o futebol, de modo que nunca se classificaram para uma Copa. Só o futebol feminino, fora da mira política, é forte, e já foi campeão três vezes na Copa da Ásia. O futebol também é o jogo preferido das meninas do Nepal; já os meninos, que frequentam mais as escolas, praticam mais o críquete na hora do recreio, por isso estão mais por fora do jogo de bola.

Atualmente, o futebol ainda existe, mas os locais para tal prática dimi-nuíram muito, pois os terrenos baldios nos grandes centros não mais existem face ao crescimento da construção civil. Além disso, é levado mais como um esporte agora organizado, motivando a Nike – uma das marcas esportivas mais conhecidas no mundo – a criar e patrocinar vários torneios de futebol de rua, bem como o torneio de rua Fifa Street e o Freestyle Soccer, que não é tão jogado quanto o primeiro.

No Brasil, o futebol de rua já possui até regras, segundo a Associação Nacional de Futebol de Rua8, baseadas nas leis internacionais de futebol da FIFA para futebol de rua.

7 Entrevista concedida por Caio Vilela à jornalista Regina Rocha, cuja matéria foi intitulada: Futebol de rua: o prazer de jogar, nos quatro cantos do globo. Disponível em: <http://www.portal2014.org.br/noticias/1741/FUTEBOL+DE+RUA+O+PRAZER+DE+JOGAR+NOS+QUATRO+CANTOS+DO+GLOBO.html>. Acesso em: 11 maio 2013.

8 Regras da modalidade de futebol de rua. Disponível em: <http://www.futrua.org/wp-content/uploads/regras_futebol_rua_anfr.pdf>. Acesso em: 11 maio 2013.

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2 IDADE MÍNIMA PARA O INÍCIO DA ATIVIDADE SEGUNDO A MEDICINA

Do ponto de vista da medicina pediátrica9, a idade recomendada para o início da prática do futebol é a partir dos 12 anos, coincidindo o que estabelece a FIFA, em termos esportivos, em seu regulamento de transferências, quando estabelece que só a partir dos 12 anos os clubes certificados como formado-res podem ter, no futuro, direito a receber o mecanismo de solidariedade em negociações realizadas com atletas formados em tais entidades. Isto significa que, a partir dessa faixa etária, os atletas poderão iniciar a prática esportiva de rendimento.

Ainda com base em estudos científicos, a medicina considera “criança” a faixa etária que medeia entre 0 e 10 anos de idade e considera “adolescente” a faixa etária que medeia dos 10 aos 18 anos.

Antes dessa faixa etária, ou seja, entre 0 e 10 anos, é importante ofere-cer atividades que tragam apenas prazer à criança. Isso acontece por meio de materiais não estruturados, como madeira, palitos, tecido, enfim, objetos que permitam o uso da imaginação e da criatividade.

A gestora institucional da Aliança pela Infância, Giovana Barbosa Souza10, afirma que, nos grandes centros urbanos, os pais ou responsáveis têm uma ansiedade muito grande de preparar seus filhos para o século XXI, e ativi-dades não dirigidas ficam em segundo plano. Por esse motivo, organiza, já em sua quarta edição, a Semana Mundial do Brincar, com atividades lúdicas, de-bates e palestras em 20 estados da federação. A campanha visa a sensibilizar os pais para que entendam que as crianças precisam brincar de forma mais livre, sem a presença tão frequente de brinquedos eletrônicos. Atualmente, a prática do brincar é pouco respeitada pelos adultos, pois, desde cedo, as crianças têm muitos compromissos, e atividades livres, como a prática de esportes de lazer, perderam espaço na vida delas.

Em nosso país, a Lei nº 8.069/1990, considera “criança” a pessoa física até 12 anos de idade incompletos e “adolescente”, a partir dos 12 anos até os 18 anos de idade incompletos, nos termos do art. 2º11.

9 APOLO, Alexandre. A criança e o adolescente no esporte: como deveria ser. São Paulo: Phorte, 2007. p. 84.

10 Campanha ressalta a importância do brincar. Disponível em: <http://delas.ig.com.br/filhos/2013-05-19/campanha-ressalta-a-importancia-da-pratica-do-brincar.html>. Acesso em: 19 maio 2013.

11 O art. 1º da Lei nº 810, de 6 de setembro de 1949, assim estabelece: “Considera-se ano o período de 12 (doze) meses contados do dia do início ao dia e mês correspondente do ano seguinte”. O art. 3º, por sua vez, determina que, quando não houver no calendário o dia a que deveria corresponder a data determinada, o tempo se completará no primeiro dia (zero hora) subseqüente”. É o caso dos nascidos em ano-bissexto.

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Vê-se, portanto, que há uma nítida diferenciação entre a medicina pedi-átrica e o direito, em especial, o brasileiro, na definição do que seja criança no que tange ao término dessa fase.

Quanto ao início legal da prática esportiva de rendimento, porém, tanto o regulamento de transferências da FIFA quanto o ECA concordam que, a partir dos 12 anos de idade, no início da adolescência, o atleta poderá iniciar tal prá-tica com fins de rendimento.

Como base nesses dispositivos legais, por exemplo, para conhecermos com certeza quando termina a fase da infância e inicia-se a fase da adoles-cência e quando esta termina, iniciando-se a fase adulta, citamos os seguintes exemplos: a) consideremos uma pessoa nascida em 2 de maio de 2003. Esta pessoa, ao fazer aniversário em 2 de maio de 2015, completando 12 anos de idade, está saindo da fase da infância, ou seja, deixando de ser criança, nos termos legais, para se tornar adolescente, na dicção do art. 2º do ECA, mas con-siderada ainda, nos termos do art. 3º, I, do novel Código Civil brasileiro, abso-lutamente incapaz, sendo representada por seus pais ou responsáveis legais por todos os atos da vida civil. Nos termos do art. 7º, XXXIII, da Constituição da Re-pública Federativa do Brasil, do art. 60 do ECA, do art. 402 c/c art. 403 da CLT, ainda não pode firmar contrato de trabalho, salvo na condição de aprendiz; b) esta mesma pessoa, em 2 de maio de 2019, completará 16 anos e, ainda na condição de adolescente, já poderá firmar seu primeiro contrato profissional de futebol, conforme determina o art. 403 da CLT e o art. 29 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), e – por ser ainda relativa incapaz, nos termos do art. 4º, I, do Código Civil de 2002 –, deve, nesse caso, para a validade do ato, ser assistido por seus pais ou representantes legais; c) esta mesma pessoa do exemplo, em 2 de maio de 2021, deixará a fase da adolescência para se tornar maior e capaz para todos os atos da vida civil, nos termos do art. 5º do Código Civil brasileiro em vigor.

3 DA INICIAÇÃO ESPORTIVA PARA O DIREITO BRASILEIRO

3.1 do desporto educAcionAl

O conceito de esporte-educação ou esporte educacional, segundo o Por-tal de Informação Juvenil da Secretaria de Ciência e Tecnologia para a inclusão social do Ministério da Ciência e Tecnologia12, surge a partir da Carta Interna-cional da Educação Física, elaborada pela Unesco, que renovou os conceitos do esporte em função da reação mundial pelo uso político do esporte durante a Guerra Fria.

12 Esporte educacional. Ministério da Ciência e Tecnologia: Secretaria de Ciência e Tecnologia da Inclusão Social. Disponível em: <http://www.infojovem.org.br/infopedia/tematicas/esporte/esporte-educacional/>. Acesso em: 05 maio 2013.

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Desenvolvido nos sistemas de educação formal e não formal de maneira desinstitucionalizada (não segue padrões das federações internacionais das mo-dalidades esportivas), adaptando regras, estrutura, espaços, materiais e gestos motores de acordo com as condições sociais e pessoais, o esporte educacional procura transcender a visão do esporte como performance e como busca por resultado. Está fundamentado em valores como coeducação, emancipação, par-ticipação e cooperação.

Por ocasião dos Jogos Escolares Brasileiros (JEBs), em 1985, iniciou-se no Brasil o debate sobre o esporte educacional. Em 1993, a Lei nº 8.672/1993 (conhecida como Lei Zico) e o Decreto nº 981/1993, que a regulamentou, refor-çaram o conceito de esporte educacional ao afirmar que a hipercompetitividade e a alta seletividade invalidam a prática esportiva educacional. Há um reconhe-cimento da importância do esporte de alto rendimento; no entanto, enfatiza-se a necessidade de priorizar o desenvolvimento do indivíduo e não apenas o desenvolvimento de habilidades técnicas dos esportes.

A educação física é uma forma de ensinar aos jovens o respeito pelo corpo e, dessa forma, abordar assuntos como os riscos de se consumir bebida, cigarro e drogas. Além disso, é garantia de uma educação que priorize tanto a mente quanto o corpo – do provérbio greco-romano mens sana in corpore sano13.

O público beneficiário deverá ser de alunos regularmente matriculados em instituição de ensino de qualquer sistema, nos termos dos arts. 16 a 20 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educa-ção), evitando-se a seletividade e a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar, inicialmente, o desenvolvimento integral do in-divíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer. O esporte seria utilizado como instrumento auxiliar no processo educacional.

13 A expressão mens sana foi popularizada pelos povos da antiguidade greco-romanos; mens sana in corpore sano significa simplesmente “mente sã em corpo são”. Esse provérbio pretende chamar a atenção para a união e a complementaridade existente (ou que deve existir) entre o corpo e a mente. Na verdade, a mente sem um corpo que a suporte nada é, da mesma forma que um corpo sem mente não tem qualquer utilidade. O filósofo e poeta romano Decimus Iunius Iuvenalis (55-127 d.C.) já dizia que mens sana in corpore sano, significando dizer que tudo que acontece com o corpo nada mais é do que reflexo da mente que captou energias boas ou más e jogou para o corpo, causando sensações de libertação ou de escravizamento, assim como de má qualidade, ou de retrocesso espiritual. As coisas boas aparecem com um bem-estar que se sente com aquela vontade de viver, de amar, de sentir a vida, e de sempre se sentir útil para a humanidade que precisa conhecer o caminho da verdade e da vida. Por outro lado, as vibrações más aparecem com as doenças e o mal-estar que são notórios por todo o corpo, surgindo as enfermidades que muitas vezes matam, tipo Aids, câncer, ebola, e muitas outras formas de doenças que aparecem como doenças do século, refletindo a inferioridade humana. A partir dos anos 60 começou, influenciados por este pensamento, um verdadeiro culto ao corpo, sem se preocuparem muito com a saúde. Acontece que por esse exagero em manter a forma, muitos deturparam a frase, a transformando em anorexia e bulimia – doenças deste século que, junto com a vaidade, também já levou muita gente para o buraco devido à lipoaspiração.

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A Lei Zico, acima mencionada, foi revogada pela Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), que, em seu art. 3º, I a III, quase que repetiu o texto da lei revogada, fa-zendo alguns exclusões, readequações e inserções, determinando que o esporte pode ser reconhecido em qualquer de suas manifestações:

3.2 do desporto de rendimento

O desporto de rendimento, por sua vez, também era definido no art. 3º da revogada Lei Zico, e, em seu parágrafo único, trouxe a definição, o que foi seguida, com pequenas alterações, pela Lei Pelé, compreendendo o desporto semiprofissional e o desporto amador.

4 O ATLETA AMADOR E O CONTRATO DE APRENDIZAGEM

4.1 dA oBrigAtoriedAde do Fornecimento de FormAção educAcionAl, AlojAmento, AssistênciA médico- -odontológico, AlimentAção, entre outros BeneFícios Ao AtletA menor por pArte dAs entidAdes desportivAs certiFicAdAs como FormAdorAs

A aprendizagem profissional, segundo a Constituição da República Fede-rativa do Brasil, em seu art. 227, III, e arts. 403 a 405 e 424 a 427 da Consolida-ção das Leis do Trabalho, deve respeitar as condições peculiares do adolescente como pessoa em fase de desenvolvimento, conforme estudos científicos acima citados, e a carga horária aplicada não poderá prejudicar a participação escolar do aluno de ensino fundamental da rede pública.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por sua vez, em seus arts. 63, 65 a 67 e 69, estabelece que a formação técnico-profissional obedecerá aos princípios da garantia de acesso e frequência obrigatórios ao ensino regular: a atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente e o horário espe-cial para o exercício das atividades.

Vale destacar que o art. 64 do ECA, segundo José Farias Tavares14, a par-tir do advento da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, tornou-se ineficaz, porque contrário à Constituição, pois a aprendizagem regu-lar e formal só poderá iniciar-se a partir dos 14 anos de idade completos, e não antes, como determina o art. 64.

O art. 65 do ECA regula a garantia constitucional prevista no art. 227, § 3º, II, acima citado, garantindo ao adolescente o direito à previdência social e à proteção trabalhista devida ao aprendiz entre os 14 anos de idade completos e dezesseis anos de idade – se, a partir dessa faixa etária, o adolescente firmar

14 TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 66.

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seu primeiro contrato de atleta profissional de futebol – ou até os 18 anos de idade, completos, caso isto ainda não tenha ocorrido e o atleta continue como amador.

A Lei Pelé, com a nova redação conferida pela Lei nº 12.395/2011, esta-belece que, para o clube ser considerado “entidade formadora de atletas”, deve satisfazer vários requisitos, previstos nas letras c e f do § 2º do art. 29. Entre eles, estão requisitos relacionados à escolarização, assistência psicológica, médica, odontológica, transporte, alimentação e convivência familiar, estabelecendo que a prática esportiva não pode ser superior a 4 horas diárias, para propiciar a frequência escolar e satisfatório aproveitamento.

O inciso XXXIII do art. 7º da Constituição da República Federativa do Brasil estabeleceu ainda a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. O ECA, em seu art. 69, I e II, trata do direito à profissionalização e à proteção no trabalho do adolescente, observados o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e a capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho, entre outros.

Por esse motivo, é importante destacar as seguintes questões práticas: a) a aprendizagem profissional do atleta de futebol impõe a matrícula e garan-tia de condições de frequência e rendimento escolar ao mesmo, dever esse que somente cessa após o término do ensino médio, conforme estabelece o art. 29, § 2º, II, c e f, da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) c/c os arts. 63 e 69 da Lei nº 8.069/1990 (ECA); b) é responsabilidade da entidade desportiva formadora promover a matrícula e/ou transferência do atleta com a máxima urgência, de maneira a evitar a ocorrência de prejuízo escolar; c) é obrigação da entidade esportiva formadora fornecer o meio de transporte necessário para a frequência à escola, conforme arts. 29, § 2º, II, e, da Lei Pelé; d) o aproveitamento escolar deve ser acompanhado continuadamente, e adotadas providências necessárias em caso de rendimento insatisfatório, por meio da assistência educacional pre-vista no art. 29, § 2º, c, da Lei Pelé.

A Lei Pelé, em seu inciso III, § 6º, art. 29, regulamentado pelo inciso VIII do art. 49 do Decreto nº 7.984/2013, por sua vez, apresenta outras exigências, ou seja, institui a obrigatoriedade do fornecimento de seguro de vida e aciden-tes pessoais ao atleta ou de assistência médico-hospitalar e medicamentosa, enquanto não for firmado o contrato de seguro.

O ECA, por sua vez, em seus arts 3º e 84, dispõem que nenhuma criança ou adolescente poderá viajar para o exterior sem prévia e expressa autorização judicial. Dentro do território nacional, deverá observar as hipóteses do art. 83.

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No que tange aos alojamentos, dispõe o art. 227 da Constituição da Re-pública Federativa do Brasil que, entre os direitos garantidos à criança e ao adolescente, está o direito à convivência familiar e comunitária.

Por sua vez, o ECA, em seu art. 19, caput, estabelece que “toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária”.

O art. 94, I, VII a XVII, XVI, XIX e XX, no que tange à excepcionalidade à regra acima citada, determina os direitos da criança e do adolescente. Obvia-mente tais disposições fazem menção à internação de menores infratores, mas alguns desses dispositivos podem ser aplicados aos alojamentos fornecidos pela entidade de prática desportiva, nas hipóteses excepcionais de impossibilidade de convivência familiar.

No âmbito desportivo, a Lei nº 9.615/1998, em seu art. 29, § 2º, II, c e d, estabelece os requisitos para a certificação de uma entidade esportiva forma-dora.

Como se observa, a regra é a convivência familiar do atleta durante o seu período de formação desportiva, não havendo que se falar em regime ordi-nário de “concentração” diante dos dispositivos constitucionais e legais acima citados.

Dentro da realidade brasileira, de um país continental, há, seguramente, casos excepcionais que, conforme a Lei Pelé, impõem o fornecimento de aloja-mento ao atleta em formação desportiva nas hipóteses em que seja impossível a convivência familiar pela distância entre o alojamento fornecido pela entidade desportiva formadora e o domicílio do menor, dificultando o deslocamento di-ário dele.

Deve-se destacar ainda que a entidade formadora de prática desportiva acolha apenas maiores de 14 anos, pois os menores de 14 anos não podem pra-ticar esporte sob modalidade de rendimento e ainda como medida excepcional, cabível apenas, como já dito, quando os pais ou responsáveis legais residirem em localidade que não permita o deslocamento diário do adolescente à sua residência.

4.1.1 Contrato de formação ou bolsa-aprendizagem

A Lei nº 9.615/1998, art. 29, §§ 5º e 6º, regulamentado pelos arts. 48 e 49, VII, do Decreto nº 7.984/2013, permite outra forma de contrato, de cunho não profissional, que vulgarmente ficou conhecido como contrato de formação ou bolsa-aprendizagem para atletas de esportes coletivos.

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De acordo com tais dispositivos, a entidade de prática desportiva e o atleta maior de 14 anos e menor de 20 anos podem firmar contratos não pro-fissionais, em que poderá ser paga a bolsa-aprendizagem de valor livremente pactuado entre as partes.

Tal contrato não gera vínculo de emprego, porém gera indenização para a entidade de prática desportiva com o qual o jovem atleta tem o contrato caso este saia para outra entidade de prática desportiva.

Portanto, a entidade de prática desportiva tem a prerrogativa de assinar um contrato profissional ou um não profissional nos moldes do contrato de for-mação bolsa-aprendizagem com atleta.

A entidade formadora assinando um contrato profissional aos 16 anos com o atleta estará três anos depois à mercê dos empresários, pois, apesar de existir um direito de preferência para que esse primeiro contrato profissional seja estendido com o primeiro clube formador, a proposta de renovação poderá ser coberta pelo clube interessado, saindo o atleta precocemente da entidade formadora.

Presentes as condições previstas na Lei Pelé e em seu decreto regula-mentador, portanto, estaremos diante de um contrato de formação. O mais im-portante deste contrato é que o atleta pode estar nesta condição, vinculado à entidade formadora e lá pelos 18 ou 19 anos, quando dá para se aferir se o atleta em formação tem ou não condições de se tornar um atleta de alto nível (com raras precoces exceções), o clube formador poderá assinar um contrato profissional de três anos, prorrogável por mais dois anos, inserida no contrato a cláusula indenizatória, e assim lucrar muito mais com uma possível quebra con-tratual no segundo contrato em uma futura transferência de um atleta já maduro e mais estabelecido na carreira. Ao invés do atleta sair da entidade de prática desportiva que iniciou com 19 anos de idade, sairá nos termos acima com 23 anos de idade desta entidade formadora.

Uma outra vantagem deste contrato de formação é que a bolsa apren-dizagem para atleta não profissional em formação, com idade entre 14 e 19 anos, poderá ser albergada pela Lei nº 11.438/2006 (Lei de Incentivo ao Espor-te), que possibilita benefícios fiscais ao desporto, por estar dentro da política de fomento constitucional à questão da criança e do adolescente. Além disso, esse contrato, por não ser de trabalho, não se submete às questões contidas na Lei nº 9.615/1998, não tem incidência previdenciária, sendo contabiliza-do com fundamento na Resolução CFC (Conselho Federal de Contabilidade) nº 1.005/2004.

Com base na lei de incentivos fiscais, portanto, essa formação não terá custo ao caixa da entidade de prática desportiva, pois toda equipe de profissio-nais contratados (profissionais de educação física, médicos, odontólogos, nu-

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tricionistas, psicólogos, alimentação e material de uso desportivo, etc.) para a formação do atleta serão pagos pela sociedade contactada a patrocinar a entida-de de prática desportiva que, por sua vez, se beneficiaria dos incentivos fiscais.

Portanto, os atletas entre 14 e 19 anos completos que mantiverem regular contrato de formação na forma como disposto no art. 29 da Lei Pelé e em seu regulamento, cujos valores não possuem teto – pois são baseados no livre pacto entre a entidade formadora e o responsável legal do atleta, o valor da bolsa--aprendizagem.

Com base nesse contrato, ficam os atletas vinculados às entidades for-madoras que os formarem, e o clube usufruinte que contratar este atleta, sem a liberação do clube formador, deverá pagar a chamada indenização por for-mação15.

4.2 como FicA A questão dos AtletAs entre os 12 e 14 Anos de idAde incompletos?

Como vimos acima, o regulamento de transferências de jogadores da FIFA assegura aos clubes certificados como formadores a partir dos 12 anos de idade.

A partir dessa normativa da FIFA, como fica a situação jurídica em rela-ção às entidades formadoras dos atletas na faixa dos 12 anos e 14 anos de idade incompletos, que figuraram nas divisões de base destas entidades e que não estão cobertos pela CRFB, pela CLT, pelo ECA e pela Lei Pelé?

Existe uma grande preocupação da FIFA, desde 1998, com o advento da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, segundo seu Presidente, Joseph Blatter, citado por Álvaro Melo Filho, em coibir o êxodo de jovens joga-dores para o exterior de seus países de origem, principalmente na faixa etária entre 13 e 15 anos.

O Professor Álvaro de Melo Filho16 afirma que há um quadro de total falta de proteção das entidades desportivas formadoras, no que tange aos atletas na faixa etária dos 12 até os 14 anos ou mesmo até os 16 anos incompletos que não firmam o contrato de formação acima citado com a entidade formadora, a partir dos 14 anos.

A solução encontrada pelos clubes formadores foi federar esses atletas a partir dos 12 anos, arcando com todo o custo, mas sem cobrar qualquer mensa-lidade pela formação dele ou conferindo qualquer bolsa-aprendizagem diante da vedação legal acima citada e assim se resguardar de transferências precoces,

15 Como usar bem os contratos de formação no futebol. Disponível em: <http://pensandodireitoo.wordpress.com/2009/05/03/como-usar-bem-os-contratos-de-formacao-no-futebol/>. Acesso em: 05 maio 2013.

16 MELO FILHO, Álvaro. Nova Lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011. p. 150.

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principalmente as internacionais, após todo o investimento feito e prejuízo cer-to caso este atleta desponte no futuro.

Outra solução encontrada pela FIFA foi criar uma comissão para exa-minar as “transferências” (mascaradas por propostas de trabalho aos pais ou representantes legais dos atletas menores de 18 anos), já que são proibidas tais transferências pela FIFA, no art. 9º de seu regulamento de transferências.

5 O MENOR ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL E AS NORMAS DO TRABALHO E DO DIREITO DESPORTIVO

Conforme nos ensina Rafael Teixeira Ramos17, o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol em relação ao contrato de trabalho comum possui uma bipartição do poder disciplinar, ou seja, o poder disciplinar laboral comum a qualquer relação de emprego e o poder disciplinar desportivo, que se exerce através da justiça desportiva.

Com relação ao trabalho de menores no Brasil, a regra é a mesma, porém necessário examinar, de forma sistemática, o direito internacional e o ordena-mento jurídico nacional vigente no que tange a essa faixa etária.

No que tange a transferências internacionais, seja por realização de novo contrato de trabalho, seja por cessão temporária de direitos federativos, como acima dito, o art. 9º do Regulamento de Transferência da FIFA, no âmbito des-portivo do contrato de trabalho, proíbe peremptoriamente a transferência inter-nacional de atletas amadores menores de 12 anos, impedindo à federação na qual a entidade de prática desportiva é filiada e que está interessada no atleta de requerer o denominado CIT (Certificado Internacional de Transferência), que somente pode ser requerido, segundo o art. 194 do Regulamento, para atletas a partir dos dezoito anos de idade.

5.1 “jAnelAs internAcionAis de trAnsFerênciA de AtletAs proFissionAis”

Para melhor ilustrar esta questão das transferências internacionais, Sér-gio Leite Lopes, no artigo intitulado “Transformações legais nas transferências internacionais de jogadores de futebol”18, afirma que o fluxo internacional de jogadores de futebol advindos da América Latina com destino à Europa iniciou--se nos anos de 1930, sendo interrompido pelo advento da Segunda Guerra Mundial, sendo posteriormente retomado durante a década de 50 do século XX.

17 RAMOS, Rafael Teixeira. Direito desportivo trabalhista: a influência do ordenamento do desporto na relação laboral desportiva e seus poderes disciplinares. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 209.

18 LOPES, José Sérgio Leite (1999). Considerações em torno das transformações do profissionalismo no futebol a partir da observação da Copa de 1998. In: Estudos Históricos, v.1, n. 23. Disponível em: <www.cpdoc.fgv.br/revista>. Acesso em: 23 abr. 2013.

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Mesmo não sendo nova, a transferência de atletas em sentido sul-norte atingiu uma envergadura sem precedentes em fins do século XX, notadamente nos anos 80, em especial do Brasil, após o País consolidar-se como “celeiro” de atletas e de ter conquistado três títulos mundiais. Para evitar as negociações de atletas a qualquer instante e também proteger mercados, principalmente de pa-íses da América do Sul em transferências para a Europa, foi criada pela FIFA, a pedido dos clubes “não europeus”, o que ficou conhecido em direito desportivo como “janela de transferência internacional”, que consiste na regulamentação de um ou dois períodos de negociação de jogadores de futebol para o exterior, evitando-se, assim, que, durante o auge da temporada as equipes, em especial as brasileiras, sejam desmontadas, acarretando em perda de rendimento e até de rebaixamento entre outros prejuízos desportivos e econômicos. As janelas variam conforme a região do país, sendo a mais conhecida a janela europeia, que vai de 1º a 31 de janeiro e de 20 de junho a 20 de julho de cada ano.

Fora desses períodos ou “janelas de transferência”, qualquer entidade es-portiva que pratique futebol profissional, independentemente da série ou divisão do futebol brasileiro, independentemente da região do País, estará livre do assédio de agremiações interessadas no concurso do atleta que lhes despertou interesse.

5.1.1 Da transferência internacional de atletas de futebol menores de 18 anos

Quando falamos de transferência internacional de atletas menores de 18 anos, estamos nos referindo a atletas que firmam seu primeiro contrato de tra-balho a partir dos 16 anos de idade. Estão excluídos, portanto, os menores de 12 anos, os menores entre 12 e 16 anos incompletos que poderão ou não estar no contrato de formação por aprendizagem, conforme a faixa etária, nos termos acima expostos.

Como já mencionado neste trabalho, o art. 19 do regulamento de trans-ferências de jogadores da FIFA estabelece que não é possível a transferência internacional de jogadores de futebol com menos de 18 anos de idade, salvo três exceções, a seguir: a) quando o menor residir a menos de 50 km da fronteira com o seu novo clube, bem como a sede do novo clube esteja, igualmente, a menos de 50 km da fronteira com o país de residência do jogador, perfazendo uma distância total de, no máximo, 100 km. Além disso, as duas associações que interagem nessa transação, ou seja, o clube em que o atleta menor atua em seu país de origem e o clube novo para o qual o menor deseja transferir-se, deverão apresentar consentimento, por escrito, dos fatos e da possibilidade de transferência, sob pena de serem punidas pela FIFA em caso de ocultação destas informações; b) a segunda exceção é aplicada somente aos países europeus, para casos envolvendo membros da União Europeia e na hipótese de o atleta contar no momento da transação com mais que 16 anos de idade. Também é primordial que seja assegurado, pelo novo clube, todas as condições necessá-rias para que o menor tenha adequado acesso à educação; c) a terceira e última

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das exceções é a que mais ocorre no mercado mundial de transferências, ou seja, o jogador, menor de 18, pode se transferir para um clube de outro país, desde que seja para acompanhar seus pais, quando estes precisarem mudar por motivos alheios ao futebol.

Em paralelo à regulamentação desportiva, o Governo brasileiro remeteu ao Congresso Nacional projeto de lei, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, no sentido de alterar dispositivos da Lei Pelé, com o intuito de também proibir legalmente aos clubes brasileiros de realizar a transferência internacional de atletas com menos de 18 anos para o futebol estrangeiro.

Apesar do objetivo da lei se coadunar com o que a FIFA já regulamenta – no nosso caso, com vistas a proteger a nossa vocação para produzir craques –, é preciso verificar se o meio legiferante é mesmo o mais adequado, haja vista que tal pretensão de alteração da Lei Pelé peca pela inconstitucionalidade, uma vez que o art. 5º, XIII e XV, da Constituição da República Federativa do Brasil em vigor estabelecem como cláusula pétrea o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabele-cer, além do direito de ir e vir de qualquer cidadão brasileiro ou estrangeiro.

Diante de tais dispositivos, imaginemos a hipótese dos pais de um ou dois filhos ou filhas menor(es) receberem uma proposta para serem con-tratados por uma multinacional e o filho ou filhos do casal ser ou serem um ótimo ou ótimos jogador(es) de futebol. Este menor ou estes menores não poderá(ão) acompanhar(em) os pais por ser(em) menor(es) de idade, ou, se os acompanhar(em), não poderá(ão) jogar futebol no novo país?

À luz do regulamento de transferências da FIFA, em termos desportivos é impossível a chancela de tal transferência para atletas menores de 18 anos. No que tange ao ordenamento jurídico nacional – na hipótese de alteração da lei Pelé neste aspecto –, poder-se-ia facilmente ser arguida a inconstitucionalidade deste dispositivo alterador da Lei Pelé na hipótese em comento, por estar infrin-gindo diretamente os incisos XIII e XV da CRFB.

Um ponto importante a ser destacado na Lei Pelé é a autorização de pro-fissionalização do atleta maior de 16 anos, ou seja, ele pode atuar como atleta profissional de futebol aqui ou em outro país, mas não pode se transferir pro-fissionalmente face à proibição da FIFA e face à pretensão do Senado Federal com a aprovação deste projeto de lei, corroborando internamente o que a lei desportiva internacional já coíbe.

Proibir um cidadão brasileiro de 16 anos de idade, por exemplo, de se transferir para o exterior, ainda que para jogar futebol, fere a Constituição Fe-deral e deve ser repugnado, porém, se tal questão foi levada ao Judiciário, não terá muito efeito, pois a FIFA não autorizará a contratação do atleta menor de 18 anos em uma transferência internacional.

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A saída legal, portanto, caso tal alteração se proceda, seja para atender à legislação brasileira, seja para atender o regulamento de transferências da FIFA, é a emancipação do atleta menor de 16 anos, nas hipóteses previstas no nosso Código Civil em vigor, Lei nº 10.406/2002, art. 5º, parágrafo único, I a V.

Seja em uma ou outra hipótese, a adoção de medida tão extrema – para quem pretenda transferir-se para algum clube de futebol estrangeiro – só se jus-tificaria na hipótese de um contrato de trabalho com bases bastante vantajosas em termos profissionais e econômicos e por um período suficiente à adaptação do atleta na nova agremiação e no novo país.

CONCLUSÃO

Vimos, ao longo do presente estudo, a evolução histórica do futebol no Brasil e no mundo, a visão da medicina pediátrica e da legislação desportiva e nacional sobre o que se entende por criança e adolescente, bem como a con-vergência da faixa etária adequada para o início da prática do futebol voltado ao rendimento.

Constatamos nesta convergência tanto em regulamentos da FIFA quanto no ECA e na Lei Pelé a faixa etária a partir dos 12 anos como início da formação do atleta de rendimento para o futebol.

Verificamos também a impossibilidade desportiva de transferência inter-nacional de atletas menores de 18 anos e da possibilidade da realização de contratos de formação a título de aprendizagem para atletas na faixa etária en-tre os 14 e 19 anos, permitindo, assim, que as entidades de prática desportiva possam avaliar se aquele atleta atingiu a maturidade psicológica e técnica para se tornar um craque e assim formalizar, com segurança, seu primeiro contrato de trabalho desportivo, com possibilidade de renovação contratual, ter retorno no investimento realizado durante a formação e ainda auferir os benefícios do mecanismo de solidariedade em futuras transferências desta atleta.

Verificamos ainda que a realização desse contrato de trabalho desportivo para aqueles atletas que demonstram precocidade, destacando-se em relação aos demais, pode ser realizado a partir dos 16 anos.

Percebemos também, diante da posição da FIFA em relação à proibição de transferência internacional de atletas a partir dos 12 anos e da regulamen-tação legal da possibilidade de realização de contratos de aprendizagem só a partir dos 14 anos, um hiato legal em relação aos atletas formados em entidades formadoras na faixa etária entre 12 e 14 anos incompletos, sendo recomendá-vel, por parte destas entidades formadoras, a federalização dos atletas nesta fai-xa etária, sem qualquer custo a eles, a fim de pelo menos, no futuro, caso estes atletas – antes de completarem 14 anos serem cooptados por outras entidades

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esportivas – gerem o mecanismo de solidariedade em futuras transferências às entidades formadoras que primeiro federaram este atleta.

Por fim, diante da proibição de transferência internacional de atletas menores de 18 anos por parte da FIFA, mesmo que profissionais, sugerimos a emancipação deles nos termos da lei civil não só para permitir o direito ao tra-balho ao atleta, como também para permitir o ressarcimento à entidade forma-dora dos custos da formação, além do mecanismo de solidariedade para futuras transações de forma mais precoce.

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Assunto Especial – Estudos Jurídicos

A Criança e o Adolescente – Direito Desportivo

Direito Desportivo Infanto-Juvenil: um Estudo de Direito Comparado entre Brasil e França

ANGELO LUIS DE SOUZA VARGASProfessor Titular da Cadeira de Direito Desportivo da Faculdade Nacional de Direito, da UFRJ, Coordenador do Grupo de Pesquisa de Direito Desportivo da Instituição, Bacharel em Educa-ção Física e Direito, Advogado, Especialista em Direito Desportivo (TJRJ), Mestre em Educa-ção (UFRJ), Doutor em Ciência da Motricidade (UT/Lisboa).

AMANDA QUÉLHAS AYRESBacharelando em Direito pela Faculdade Nacional de Direito, da UFRJ, Membro do Grupo de Pesquisa em Direito Desportivo da Instituição.

MAËLLE L. SEGUINAluna de Direito pela Université Montesquieu Bordeaux IV (FRA), Associada ao Grupo de Pes-quisa em Direito Desportivo da Faculdade Nacional de Direito, da UFRJ.

NATALIE LASSANCE BRITTO LONGOBacharelando em Direito pela Faculdade Nacional de Direito, da UFRJ, Membro do Grupo de Pesquisa em Direito Desportivo da Instituição.

RAFAEL TERREIRO FACHADABacharelando em Direito pela Faculdade Nacional de Direito, da UFRJ, Membro do Grupo de Pesquisa em Direito Desportivo da Instituição.

RESUMO: O presente estudo possui como objetivo central a comparação entre a legislação desporti-va destinada aos praticantes infanto-juvenis no Brasil e na França. Por meio de pesquisas observacio-nais preliminares, tornou-se possível expor o confronto entre as duas realidades sociais apresenta-das. Demonstraremos, por meio da exposição do Código da Educação e do Código do Esporte, o forte incentivo da França para a construção de uma carreira de sucesso voltada tanto para o desempenho quanto para a formação de princípios éticos norteadores da sociedade, além de perpassar pelo ideal da saúde. Em contrapartida, apesar de o legislador brasileiro pregar a total distinção entre desporto de alto rendimento e o desporto educacional que possui como mandamento o desenvolvimento integral do indivíduo e a formação de sua cidadania, percebemos que a realidade atual é bem distinta da qual trata o art. 217 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Por fim, tendo em pauta o tratamento dispensado pelo governo francês ao fomento do desporto escolar e a cautela uti-

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lizada para o tratamento dos jovens em questão, pudemos estabelecer nossa proposta interventiva para os casos de violência física e simbólica dentro deste âmbito desportivo.

PALAVRAS-CHAVE: Desporto; França; Brasil; criança e adolescente; educação.

ABSTRACT: The main objective of this study is to make a comparison between the sports legislation, applied to young practitioners, of the Brazil and France. Through preliminary observational research, it became possible to expose the confrontation of the two social realities presented. We shall demons-trate, through the exposure of the education code and the sports code, the strong incentive of France to build a successful career, focused in both the performance and the development of the ethical principles of society, and also paying attention to important health matters. In contrast, although the Brazilian legislator preaches the full distinction between high performance sport and educational sport, which aims for the integral development of the individual and the formation of their citizenship, it’s possible to see that our actual reality is very different from what is idealized in the Article 217 of the Federal Constitution of the Federal Republic of Brazil. Finally, taking into account the treatment provided by the French government to the promotion of school sports and caution used for the treat-ment of young people, we were able to establish our interventional proposal for the cases of physical and symbolic violence within the context of this sport.

KEYWORDS: Sport; France; Brazil; child and teen; education.

SUMÁRIO: 1 Introdução: panorama geral do estudo; 2 O Código da Educação e o suporte para o desenvolvimento do esporte; 3 O Código do Esporte na França e a preocupação com a proteção do menor; 4 Os caminhos de excelência no esporte e a supervalorização do rendimento; 5 Considera-ções finais; Referências.

1 INTRODUÇÃO: PANORAMA GERAL DO ESTUDO

Tratando-se do desporto na França, pode-se afirmar que este obteve con-tornos jurídicos por meio da Lei nº 84.610/1984, que regula a organização e promoção de atividades físicas e desportivas. O ordenamento jurídico no país realiza uma tripartição de espécies de associações de prática desportiva, insti-tuindo, assim, o regime jurídico a que cada uma se submete, de acordo com a sua natureza. Essas três espécies seriam as associações escolares, os grupamen-tos desportivos dotados de estatuto particular e as associações desportivas.

As primeiras, objeto de nosso estudo, possuem seu regime jurídico regu-lado pelo Código de Educação francês, que dispõe de leis acerca da educação nas escolas, sua carga horária, bem como casos especiais de crianças listadas como atletas de alto nível ou aspirantes. Faz-se necessário asseverar que o go-verno francês promove consideravelmente o desenvolvimento do esporte ao instituir benefício ao serviço de treinos públicos, fornecendo treinamento aos profissionais esportivos, não apenas os professores, como também os empresá-rios e entidades de prática desportiva do país. Da mesma forma, é inquestioná-vel o cuidado do governo francês para com a preparação de seus atletas de alto

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nível, bem como a promoção de pesquisas para o fomento do conhecimento no âmbito desportivo.

Tendo em vista um estudo comparativo, é possível notar no Brasil uma diferença no tratamento dado ao desporto infanto-juvenil. O legislador consti-tucional brasileiro consagrou, no art. 217 da Constituição Federal vigente, não somente o “direito de acesso” ao desporto a todos os cidadãos, como também realizou uma divisão em sua implementação visando a três diferentes dimen-sões sociais: o desporto educacional, de participação e de alto rendimento.

A Constituição brasileira dispõe ainda sobre a destinação de recursos pú-blicos ao fomento do desporto educacional e, em situações específicas, ao des-porto de alto rendimento. Todavia, percebe-se a necessidade de um aumento nas verbas destinadas ao incremento do desporto educacional no Brasil, tendo em vista a atual tendência de elevação nos investimentos ao desporto de alto rendimento, graças ao contexto relacionado aos megaeventos esportivos que se aproximam do País.

Neste sentido, é possível notar que, na França, a atividade física constitui parte fundamental da educação, cultura e integração social e é promovida de forma substancial nas escolas, consistindo em interesse do governo a proteção das crianças e adolescentes, assim como dos profissionais que irão lidar com esses jovens. Nesta esteira, percebe-se um intensificado rigor acerca do desen-volvimento do esporte praticado pelos jovens franceses, que já são preparados desde o ensino escolar a, possivelmente, se tornarem atletas de alto nível.

2 O CÓDIGO DA EDUCAÇÃO E O SUPORTE PARA O DESENVOLVIMENTO DO ESPORTE

O Código de Educação da França fornece diversas leis a respeito da edu-cação escolar, carga horária e situações especiais de crianças que estão listadas como atletas aspirantes ou de alto nível, dimensão permitida pelo citado Código mesmo para indivíduos em formação:

Art. L. 331-6. As escolas de segundo grau permitem, de acordo com fórmulas adaptadas, a preparação de estudantes para a prática desportiva de alto nível.

Atletas que estejam estudando em uma instituição de ensino superior são beneficiados pelas previsões do art. L. 611-4 do mesmo Código:

Art. L. 611-4. As instituições de ensino superior permitem que atletas construam e persigam suas carreiras esportivas, fazendo os ajustes necessários na conduta e organização de seus estudos. [...] Elas apoiam o acesso de atletas, independente de eles possuírem qualificação acadêmica ou não, a treinamentos e desenvolvi-mento de aprendizado sob as condições definidas nos arts. L. 612-2 a L. 612-4 e L. 613-3 a L. 613-5.

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A dimensão social educacional no Brasil encontra respaldo na Lei nº 9.394/1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no que con-cerne ao desporto. Essa lei impõe às escolas a prática da educação física em suas grades curriculares durante a educação fundamental. O modelo educacional de desporto possui o objetivo de propiciar a formação integral do indivíduo como ser humano e cidadão e deve “materializar-se como uma forma de treinamento de competências sociais sob as responsabilidades daqueles que o coordenam, como professores, treinadores e dirigentes” (Vargas, 2012).

Apesar das políticas públicas efetivadas no sistema brasileiro, como a Política Nacional de Educação Física e Desporto, que foi substituída pelo Diag-nóstico da Educação Física e Desporto no ano de 1975 e pelo Plano Nacional de Educação Física e Desporto (PNED), a concretização de diversos objetivos propostos à educação física nunca chegou realmente a ocorrer. Grande parte disto se deu pelo fato da existência de marcantes características da sociedade brasileira como a acentuada diferença entre as entidades escolares e a realidade dos clubes, aliadas à falta de infraestrutura.

A respeito da destinação de verbas para o fomento dessa importante di-mensão do desporto, é instituído pelo Estado francês o benefício do serviço de treino público, que auxilia dando suporte à política nacional para o desenvol-vimento do esporte e das atividades físicas. É fornecido treinamento inicial e contínuo aos professores, executivos empresariais da área esportiva e líderes esportivos e da atividades físicas, além do fomento à criação de laços com as federações desportivas, ligas e os departamentos de comitês para o desenvol-vimento de ações conjuntas. Importa asseverar o cuidado com a preparação e o treino de atletas de alto nível, a pesquisa e difusão do conhecimento na área desportiva e das atividades físicas, além do monitoramento médico e paramédi-co para o esporte e o desenvolvimento da medicina esportiva.

Quanto ao apoio financeiro do Estado brasileiro, o art. 217 da Lei Maior consagra, em seu inciso II, a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para o desporto de alto rendimento. Entretanto, no atual contexto vivido pelo Brasil, relacionado aos megaeventos esportivos e às vertiginosas modificações de valores sociais, resta inquestionável ressaltar a forte tendência à elevação do desporto de alto rendimento por conta das altas cifras milionárias movidas em seu processo.

A promoção dos espetáculos desportivos de massas passa a ser comercia-lizada para todas as camadas sociais, sendo transmitidas em tempo real ou não. Há a necessidade de ampliação dos investimentos para o fomento do desporto educacional no Brasil a fim de que se atinja verdadeiramente a real finalidade do exposto pela Constituição Federal, assim como ocorre com o intenso incen-

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tivo do governo francês para o crescimento dessa dimensão tão importante para o desporto mundial.

3 O CÓDIGO DO ESPORTE NA FRANÇA E A PREOCUPAÇÃO COM A PROTEÇÃO DO MENOR

O Código do Esporte francês pertence a um conjunto especial de códigos que constituem a lei civil. O código esportivo inclui quatro livros: organização do esporte e das atividades físicas; o envolvimento no esporte (atletas, árbitros, técnicos/treinadores, clubes e professores de técnicos fora da área de educa-ção); as diferentes formas de prática, segurança e higiene nos locais de prática e organização de eventos esportivos; e, por fim, o financiamento do esporte e a implementação do código por autoridades locais.

A atividade física e os esportes são uma importante parte da educação, cultura, integração e vida social. De acordo com o art. L 100-1, o esporte con-tribui significativamente na luta contra reprovações escolares, ajuda a reduzir as desigualdades sociais e culturais e contribui para a saúde dos indivíduos. A promoção e o desenvolvimento do esporte e da atividade física para todos, inclusive para pessoas com deficiências, é de interesse geral do governo. Para promover o acesso às atividades esportivas em todas as suas formas, as fede-rações esportivas e as associações escolares aprovadas pelo Ministério respon-sável pelos jovens podem desenvolver regras para prática adaptada que não coloque em risco a segurança dos praticantes, assim como acordado pelo art. L 131-7.

O diploma legal que trata da institucionalização das normas gerais do desporto e suas modalidades no Brasil é a Lei nº 9.615/1998, denominada Lei Pelé, proporcionando a aplicação do art. 217 da Lei Magna. De acordo com a lei supracitada, o desporto educacional seria aquele

praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evi-tando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com o intuito de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer.

É importante ressaltar a preocupação do governo francês sobre a idonei-dade das pessoas que irão lidar com os jovens em questão. Ninguém poderá le-cionar, liderar ou supervisionar uma atividade física ou desportiva com menores caso tenha sido submetido a alguma proibição administrativa de participar, em qualquer nível de capacidade, do gerenciamento e supervisão de instituições relacionadas à proteção de menores.

Para assegurar a proteção da saúde dos atletas e a preservação da éti-ca desportiva, o governo francês viabiliza os Centros de Recursos, Experiência e Desempenho Esportivo mencionados no art. 5º do Decreto nº 112-3. Eles participam em conjunto com os Escritórios Regionais de Juventude, Esportes e

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Coesão Social, na política nacional de desenvolvimento de atividades físicas e desportivas, bem como na formação em as áreas de atividades físicas ou espor-tes. Fundamentalmente, esses Centros objetivam garantir, em conjunto com as federações desportivas, o treinamento e a preparação de atletas e implementar o projeto duplo de conciliar a busca da performance atlética e rendimento escolar ou profissional.

Para organizar inicialmente e continuamente o treino vocacional nas áre-as de atividades físicas, eles podem entrar em acordos de cooperação com os órgãos estaduais e associações, para desenvolver atividades de formação que mobilizem formas de incluir estes serviços sob rótulo de “estruturas associadas de formação”. Os Centros de Recursos, Experiência e Desempenho Esportivo participam da rede nacional de desporto de alto nível. Como tal, eles podem, nomeadamente, contribuir para o trabalho de pesquisa, observação e desen-volvimento, produção e difusão de conhecimentos e agir em relações interna-cionais e de cooperação. Nos termos dos acordos com o Ministro do Esporte, eles garantem o funcionamento de centros de recursos nacionais sobre temas específicos nas áreas de esporte e atividades físicas. Podem entrar em qualquer acordo de cooperação no seu campo de ação e realizar as ações em conexão com as suas missões.

Enquanto os menores de idade são alvos de tanta proteção na França, é assombroso perceber que, no ordenamento jurídico-desportivo brasilei-ro, em especial no âmbito da lei que disciplina normas sobre esporte, a Lei nº 9.615/1998, popularmente conhecida como Lei Pelé, não existe tratamento específico para a dimensão educacional do desporto e nem meios para evi-tar as condutas delitivas e recuperar, pela educação, os jovens infratores. Sen-do assim, a dimensão social relacionada ao âmbito educacional do desporto, encontrando respaldo na Constituição Federal de 1988, que, por sua vez, é mencionado nos objetivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, deixa, de forma inequívoca, uma significativa lacuna.

As crianças e os adolescentes que forem vítimas de violências físicas ou psíquicas, quando estiverem envolvidos em competições desportivas educacio-nais, possuem apenas a opção de recorrerem ao Poder Judiciário para ensejar a recomposição do dano ou a punição da outra criança ou adolescente. Essa forma de tentar sanar o conflito não resultaria na educação e conscientização tanto do praticante do ato violento quanto dos demais jovens envolvidos, con-trariando o real objetivo do desporto educacional.

4 OS CAMINHOS DE EXCELÊNCIA NO ESPORTE E A SUPERVALORIZAÇÃO DO RENDIMENTO

A Comissão Nacional para Esportes de Alto Nível da França define a dire-ção da política nacional de esporte de alto rendimento. Ela delineia os critérios

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de seleção para as competições desportivas organizadas sob a responsabilidade do Comitê Olímpico Internacional e emite um parecer sobre a validação das vias de acesso ao esporte de alto rendimento.

Em relação ao nosso país, Tubino (1992) afirma que “a educação, que tem um fim eminentemente social, ao compreender o esporte como manifesta-ção educacional, tem que exigir do chamado esporte-educação um conteúdo fundamentalmente educativo”. Desta forma, a tendência atual de transformar o desporto educacional em um modo de reprodução do desporto de alto rendi-mento é um problema social propagado, fundamentalmente, pela assimilação de veículos midiáticos que disponibilizam ações e atitudes antidesportivas e imorais que ferem, muitas vezes, não só a integridade física do atleta, como também a sua honra e dignidade. Ainda segundo o autor, o esporte-educação objetiva a formação, a ética de convivência e se manifesta em não permitir que as práticas esportivas do esporte educacional e do esporte escolar não estejam relacionadas a princípios socioeducativos, que levem os beneficiários a um de-senvolvimento da cidadania.

A conquista de pódios de chegadas em competições internacionais de alto nível é o resultado de uma longa e elaborada preparação na França. A avaliação, o descobrimento, a preparação e o treinamento de atletas de elite requerem uma organização específica e rigorosa para cada esporte, os chama-dos “les Parcours de l’Excellence Sportive” (PES), ou “Pathways of Excellence in Sport” em inglês, traduzidos livremente para o português como “Caminhos de Excelência no Esporte” (CEE). Eles refletem as necessidades do atleta, desde o momento em que ele é identificado como um “atleta de grande potencial” até a conclusão da sua carreira internacional e inserção profissional, após o fim de sua carreira esportiva.

Os PES existem desde 2009, substituíram as Seções de Esporte-Estudo (1974 até 1984), os Centros Permanentes de Treino e Educação (1984 até 1995) e os Acessos ao Desporto de alto rendimento (1995 a 2008). Foram especial-mente constituídos com base na análise de esporte por esporte (às vezes até de modalidade em modalidade), a partir de uma rede de “estruturas” que fornecem aos atletas o melhor suporte. A comissão nacional de esportes de alto nível valida cada PES para uma Olimpíada que esteja se aproximando, assegurando estratégias federais para todas as partes interessadas e atletas. Criados para os grupos coletivos “Team France”, “France Juniors” e “Contenders”, eles precisam ser particularmente bem-sucedidos em três áreas chave: treinamento esportivo, educação escolar, universitária ou profissional e acompanhamento e monitora-mento personalizado.

Após detectarem o talento da criança, o processo se dá por meio da prática intensiva do esporte com ajuste dos horários e cronogramas escolares,

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seguida pela inscrição em um “Contender Pole” (se o atleta possuir mais de 12 anos) até ser alcançado o tão sonhado alto nível. De acordo com a legislação, existem quatro categorias de atletas de alto nível: elite, senior, junior e retrai-ning ou “reutilizáveis”. O atleta junior é selecionado em um Team France para se preparar para competições internacionais da sua idade e categoria, listadas no calendário oficial estabelecido por federações internacionais, e o encami-nhamento à concessão de um título ou ranking internacional. O atleta senior possui as mesmas condições, porém é selecionado por um delegado da federa-ção desportiva.

Na categoria de elite, o atleta deve obter, por iniciativa individual ou como membro de um Team France, um desempenho especial – como um re-corde mundial – ou um ranking significativo – como ser finalista de uma compe-tição de natação – durante as Olimpíadas, Campeonato Mundial, Campeonato Europeu ou alguma competição listada pela Comissão Nacional de Esportes de Alto Nível. Os atletas “reutilizáveis” devem seguir três requisitos: terem sido listados na categoria de elite ou nas categorias junior/senior por pelo menos quatro anos (com um mínimo de 3 anos na senior); terem deixado de possuir os requisitos das categorias elite/senior/junior e terem apresentado um projeto de integração ocupacional. A três primeiras categorias tratam de jovens com idade superior a 12 anos; já a última, somente jovens maiores de 16 anos.

Uma lista de Contenders, que são os atletas aspirantes, também é divul-gada. Eles são classificados como atletas com mais de 12 anos (pelo menos até suas inclusões na lista) que tenham, em esportes reconhecidos como perten-centes ao alto nível, habilidades certificadas por um diretor técnico-nacional escolhido por uma federação competente e responsável, mas que ainda não alcançaram os requisitos para inclusão na lista de atletas de alto nível. Uma re-lação de “parceiros de treino” também é estabelecida. São atletas com mais de 12 anos que estão participando do treinamento de membros do Team France. Todas essas regras são válidas apenas para atividades físicas listadas como es-portes de alto nível, pela Comissão Nacional de Esportes de Alto Nível, por um período de quatro anos correspondentes às Olimpíadas.

Traçando um paralelo com os preceitos do direito desportivo brasileiro, percebemos a visível intenção do legislador pátrio de distinguir o esporte pura-mente educacional voltado para o desenvolvimento integral do homem como ser autônomo e participante, evitando-se a seletividade e a hipercompetitivida-de de seus praticantes e o esporte de alto rendimento praticado segundo normas gerais da Lei nº 9.615/1998, regulamentadora do desporto e regras de prática desportiva, objetivando a obtenção de resultados, apesar de já ter sido demons-trado o viés do desporto de alto rendimento influenciador de crianças e jovens.

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É inquestionável asseverar que tanto a criança quanto o adolescente, em face dos mandamentos específicos da lei, não possuem o discernimento para mensurar o sistema axiológico vigente no contexto social, já que são consi-derados “seres em desenvolvimento”. Além disso, esses atores desportivos em potencial são concebidos pela “doutrina da proteção integral”, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/1990, como hipossuficientes diante das tramas sociais, que, em diversos casos, exigem responsabilidades, uma vez que deixaram de ser objeto de direitos, segundo a lei pretérita, sendo, de acordo com a normatividade atualmente vigente, sujeitos de direitos.

Tal doutrina é defendida pela Organização das Nações Unidas – ONU, tendo como base a Declaração Universal dos Direitos da Criança, e resumida por Aragão (1992):

Esta doutrina afirma o valor intrínseco da criança como ser humano; a necessi-dade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da juventude, como portadora da continuidade do seu povo e da espécie e o reconhecimento de sua vulnerabilidade, o que torna as crianças e adolescentes merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o qual deverá atuar por meio de políticas específicas para a promoção e defesa de seus direitos.

Desta forma, é oportuna a discussão sobre a prática desportiva infanto--juvenil, tendo em vista que diz respeito à inserção nos direitos ao pleno desen-volvimento dos atores, como expõe Brantes (2011):

A atividade desportiva desenvolve diversos papéis na vida das crianças e dos adolescentes, tais como uma forma de se divertirem, um meio de adquirirem educação disciplinada, funcionar com estímulos físicos e psíquicos, integrá-los ao meio em que vivem e abolir preconceitos.

Ainda nessa perspectiva, torna-se importante ressaltar que o tratamento constitucional educacional no Brasil compreende todos os cidadãos até a com-pletude dos 18 anos de idade, independente de as competições serem interes-colares ou entre entidades de prática desportiva, resguardados, na forma da lei, os casos de profissionalização a partir dos 16 anos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio dos Centros de Recursos, Experiência e Desempenho Esportivo, caracterizados pelo Código do Esporte francês, torna-se nítido o tratamento dis-pensado à inserção dos jovens no âmbito desportivo levando em consideração seu desempenho escolar e comportamento diante da sociedade. É responsabi-lidade de todos a prevenção de atitudes antidesportivas que possam ferir não

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só física como também moralmente o indivíduo menor de idade em fase de desenvolvimento.

Nesta esteira, importa retratar as palavras de Fernandes (2003):

O princípio fundamental da prática desportiva de crianças e jovens deve sempre tomar em consideração e orientar-se pelo interesse do jovem que a prática, tendo todos os agentes de socialização e em especial, os professores de educação física e treinadores, a responsabilidade e obrigatoriedade de promover e zelar pelo respeito dos valores desportivos, durante a sua intervenção.

No Brasil, a proteção infraconstitucional específica em questões infanto--juvenis está resguardada por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/1990, que prevê, em suas disposições preliminares, a efetivação do direito ao esporte como um dever “da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público”. É mister observar a preocupação do ordenamen-to jurídico pátrio em proteger e priorizar o tratamento conferido aos meno-res, assegurando-lhes direitos fundamentais específicos, tais como os direitos ao esporte e de brincar, com vistas ao pleno desenvolvimento deste seres em formação, preparando-os para o exercício da cidadania. Entretanto, apesar de o legislador ressaltar em diversos dispositivos legais a importância da prática desportiva educacional e a proteção especial que deve ser conferida às crian-ças e aos adolescentes, seres em formação, a Lei nº 9.615/1998, direcionada a instituir normas sobre o desporto, não trata especificamente da modalidade educacional para oferecer meios de evitar transgressões dos direitos e educar os jovens envolvidos em competições infanto-juvenis.

Embasado em um modelo de preocupação com crianças e jovens prati-cantes de modalidades esportivas como o da França, a solução proposta pelo nosso estudo é a elaboração de uma lei específica ou o acréscimo de um capítu-lo destinado à modalidade educacional na Lei Pelé, prevendo a possibilidade de serem criadas Comissões Pedagógicas Desportivas. Para tanto, seria necessária a adequação das medidas protetivas e socioeducativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para aplicação de “sanções” análogas às aplicadas pela justiça especializada da infância e da juventude, que se responsabiliza por julgar e aplicar penas compatíveis com o discernimento do indivíduo.

Por derradeiro, basta concluir dizendo que, se, por um lado, há na França considerável rigor no que concerne ao desenvolvimento do desporto educa-cional, tendo em vista a preparação das crianças e adolescentes desde o ensi-no escolar, bem como um ordenamento jurídico com leis, códigos e decretos específicos para esse modelo desportivo, no Brasil isso ainda ocorre de forma precária e muito ainda tem a crescer para atingir a real finalidade voltada para o desenvolvimento integral do cidadão.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal, 1988.

______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069/1990.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/1996.

______. Lei Pelé. Lei nº 9.615/1998.

ARAGÃO, S. R. Direitos humanos: algumas considerações sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. In: Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990, Estu-dos Sócio-Jurídicos. Renovar, 1992.

BRANTES, G. As medidas de proteção da criança e do adolescente nas competições desportivas à luz do direito desportivo, 2011.

CÓDIGOS do Esporte e da Educação na França. Disponível em: http://legifrance.fr. Acesso em: dez. 2012.

DEPARTAMENTO de Educação da França. Disponível em: http://www.education.gouv.fr. Acesso em: dez. 2012.

DEPARTAMENTO de Esportes da França. Disponível em: http://www.sports.gouv.fr. Acesso em: dez. 2012.

DEPARTAMENTO de Saúde da França. Disponível em: http://www.sante.gouv.fr. Aces-so em: dez. 2012.

FERNANDES, J. C. G. Ética do desporto: análise dos discursos no debate das ideias. Estudo de casos de duas coletâneas. Coimbra, 2007.

MIRANDA, M. O direito no desporto. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

RIGO, L. C. A educação física fora de forma. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 16, n. 2, 1995.

TUBINO, M. J. G. Dimensões sociais do esporte. São Paulo: Cortez, Autores Asso-ciados, 1992.

VARGAS, A. Corpos em conflito: o dilema ético na educação física escolar. In: PEREIRA, S. A. M.; SOUZA, G. C. M. Educação física escolar – Elementos para pen-sar a prática educacional. São Paulo: UGV, 2011.

______. Direito desportivo – Dimensões contemporâneas: infração desportiva infanto--juvenil: que medidas socioeducativas? Rio de Janeiro: Letra Capital, 2012.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

A Criança e o Adolescente – Direito Desportivo

7256

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 609.160 – RJ (2003/0208156‑6)Relator: Ministro Aldir Passarinho JuniorRecorrente: C. A. de S. e outrosAdvogado: Cláudio José Pereira de SouzaRecorrido: América Football ClubAdvogado: Bárbara Nunes e outro

ementA

CIVIL E PROCESSUAL – AÇÃO INDENIZATÓRIA – FALECIMENTO DE MENOR ATLETA JUVENIL – CLUBE DE FUTEBOL – JULGAMENTO EXTRA PETITA – NÃO CONFIGURAÇÃO – FAMÍLIA DE BAIXA RENDA – PRESUNÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO ECONÔMICA – PENSÃO DEVIDA

I – Não se configura julgamento extra petita quando houve impugna-ção suficiente na apelação da ré, devolvendo os temas à apreciação da instância ordinária revisora.

II – Em se tratando de família de baixa renda, é devido o pensio-namento pela morte de filho menor, atleta infanto-juvenil de clube de futebol, equivalente a 2/3 do salário mínimo dos 14 anos até 25 anos de idade da vítima, reduzido para 1/3 até a data em que o de cujus completaria 65 anos, consoante a delimitação contida no pedi-do exordial.

III – Recurso especial conhecido em parte e provido nessa extensão.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, de-cide a Quarta Turma, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Rela-tor. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão, Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP) e Fernando Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Brasília (DF), 15 de setembro de 2009 (data do Julgamento).

Ministro Aldir Passarinho Junior Relator

relAtório

O Exmo. Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Carlos Alberto de Souza e outros interpõem, pelas letras a e c do art. 105, III, da Constituição Federal, recurso especial contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado (fl. 360):

“Responsabilidade civil.

Acidente por raio.

Vítima menor de idade sem atividade remunerada.

Dano material e dano moral.

Descabimento do segundo.

Provimento parcial.

Recurso adesivo prejudicado.”

Alegam os recorrentes que a decisão violou o art. 515, c/c os arts. 2º, 128 e 460, todos do CPC, ao alterar a decisão monocrática acerca do valor fixado pelos danos, eis que a apelação do réu em momento algum debateu tal questão,cingindo-se a discutir o nexo causal gerador da obrigação de indenizar.

Aduzem que também foram contrariados os arts. 159 e 1.059 do Código Civil, porquanto o falecido era menor aprendiz da profissão de jogador de fute-bol, que é reconhecidamente bem remunerada.

Invocam dissídio jurisprudencial.

Contra-razões às fls. 410/417, acentuando a ausência do dever de inde-nizar porque não provada a renda e a dependência econômica, além do que o valor fixado a título de dano moral se acha razoavelmente estabelecido, até porque cuidou-se de caso fortuito.

Às fls. 419/429, o América Football Club interpõe recurso especial ade-sivo afirmando ter havido caso fortuito excludente de responsabilidade, nos termos do art. 1.058 do Código Civil anterior, pois o menor faleceu vítima da queda de um raio no local onde treinava, em nada tendo o réu contribuído para o desfecho, pois sequer chovia na ocasião. Reclama dos danos morais que lhe foram impostos,acentuando que pronta assistência foi dada ao menor.

Contra-razões às fls. 437/446, falando do incabimento do recurso adesi-vo, pois a sucumbência foi parcial e não recíproca. Aponta o óbice das Súmulas nºs 7 e 211 do STJ.

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O recurso especial principal foi admitido e inadmitido o adesivo, pelo despacho presidencial da instância a quo de fls. 452/454.

Interposto agravo de instrumento pelo América Football Club, ele não foi conhecido por intempestividade (apenso).

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): Trata-se de ação indenizatória movida por pais e irmãos de menor (14 anos), atleta da categoria infanto-juvenil do América Football Club, que durante o treinamento em campo situado na Estrada dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, RJ, foi atingido por um raio vindo a falecer doze dias após o acontecimento.

A ação foi julgada procedente, condenado o réu ao pagamento de inde-nização por danos morais de 250 salários mínimos para cada autor, em número de cinco, além de pensão mensal para os genitores equivalente a 2/3 do salário mínimo, do evento danoso até a data em que a vítima completaria 25 anos, e, a contar daí, reduzida para 1/3 até os 65 anos, custas e honorários advocatícios (fl. 278).

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro deu parcial provimento à apelação do réu, excluindo o pensionamento e reduzindo o dano moral a 350 salários mínimos no total, sendo 100 para cada genitor e 50 para os três irmãos, individualmente, determinada a compensação dos honorários e o rateio das custas (fl. 363).

O recurso especial sustenta ofensa aos arts. 515, 2º, 128 e 460 do CPC e 159 e 1.059 do Código Civil, a par de dissídio jurisprudencial.

Argumentam os recorrentes, em primeiro, que não teria havido impugna-ção específica do réu em relação ao pensionamento e à redução do dano moral, pelo que a decisão de segundo grau foi extra petita.

Tenho que não prospera a alegação.

De efeito, verifica-se da apelação, às fls. 283 e 284, que efetivamen-te houve impugnação do pensionamento, ao destacar o réu depoimento do então apelado (C. A. de S.), no sentido de que o menor era estudante e não exercia atividade laborativa. O tema volta às fls. 292/294, repisando o apelan-te sobre a inexistência de dependência econômica e de trabalho remunerado. Assim,inquestionavelmente a questão foi devolvida à instância revisora, que em nada extrapolou ao decidir a respeito.

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O mesmo aconteceu em relação ao valor do dano moral. Foi contestado o seu cabimento sob a sustentação de que deve incidir apenas quando há ato ilícito e que o clube não foi responsável pelo evento danoso, tendo prestado assistência à vítima, ainda reclamando do valor da verba (cf. fls. 296 e 297).

Destarte, não houve contrariedade aos arts. 515, 2º, 128 e 460 da Lei Adjetiva Civil.

No tocante aos arts. 159 e 1.059 do Código Civil revogado, melhor sorte merecem os recorrentes.

A jurisprudência que se firmou no STJ prestigia o entendimento de que em caso de famílias humildes, é de se presumir a contribuição econômica futura do menor, notadamente no caso dos autos, em que ele já treinava como atleta do clube de futebol, almejando, a toda evidência, uma carreira profissional na área.

Nesse sentido, traz-se à colação, à guisa de exemplo, os seguintes arestos:

“ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – ACIDENTE NA VIA FÉRREA – MORTE DE MENOR – PENSIONAMENTO – DANO MORAL

1. ‘É devida a indenização por dano material aos pais de família de baixa renda, em decorrência da morte de filho menor proveniente de ato ilícito, independen-temente do exercício de trabalho remunerado pela vítima. O termo inicial do pagamento da pensão conta-se dos quatorze anos, data em que o direito laboral admite o contrato de trabalho, e tem como termo final a data em que a vítima atingiria a idade de sessenta e cinco anos’ (REsp 653.597/AM, de minha relatoria, DJU de 04.10.2004).

2. A pensão deve ser reduzida pela metade após a data em que o filho completa-ria 25 anos, quando possivelmente constituiria família própria, reduzindo a sua colaboração no lar primitivo.

3. Em atenção à jurisprudência da Corte e aos limites do recurso especial, a pensão mensal deve ser fixada em valores equivalentes a 2/3 do salário mínimo desde os 14 até 25 anos de idade da vítima, reduzido para 1/3, até a data em que o de cujus completaria 58,4 anos de idade.

4. Somente se admite a revisão, em sede de recurso especial, dos valores fixados a título de reparação por danos morais quando se tratar de valores excessivos ou irrisórios. Excepcionalidade configurada.

5. Considerando-se as circunstâncias do caso concreto e a finalidade da repa-ração, a condenação ao pagamento de danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada um dos irmãos é irrisória e desproporcional à ofensa sofrida pelos recorrentes. É incontroverso que o viajante foi atingido por uma pedra que, arremessada de fora, ultrapassou a porta aberta. O não-fechamento da porta foi reconhecido como causa exclusiva da morte. Assim, não se observou o

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dever de cuidado da concessionária de serviço público, que ocasionou o aciden-te fatal, retirando a vítima do convívio familiar.

6. A condenação por danos morais deve se ajustar aos moldes do entendimen-to deste Tribunal, mantida em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para a genito-ra da vítima, aumentando-se o valor para cada um dos irmãos ao montante de R$ 12.000,00 (doze mil reais). Precedente: REsp 729.338/RJ, Rel. Min. César Asfor Rocha, DJU de12.12.2005.

7. Recurso especial provido em parte.”

(2ª T., REsp 861.074/RJ, Rel. Min. Castro Meira, unânime, DJU de 07.02.2008)

“CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ATROPELAMENTO FATAL – MORTE DE MENOR – FAMÍLIA DE BAIXA RENDA – PENSIONAMENTO DEVIDO – PERÍO-DO – REDUÇÃO DO VALOR PARA 1/3 APÓS OS 25 ANOS DE IDADE DA VÍTIMA – DANO MORAL – RAZOABILIDADE

I – Em se tratando de família de baixa renda, é devido o pensionamento pela mor-te de filho menor em acidente causado por coletivo da empresa ré, equivalente a 2/3 do salário mínimo dos 14 anos até 25 anos de idade da vítima, reduzido para 1/3 até a data em que o de cujus completaria 65 anos.

II – Manutenção do valor fixado a título de danos morais, por não se verificar excesso, na espécie.

III – Recurso especial conhecido e parcialmente provido.”

(4ª T., REsp 514.384/CE, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 10.05.2004)

[...]

“Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação de indenização por da-nos materiais e morais. Atropelamento de menor. Pensionamento. Vítima sem atividade laborativa. Reexame de provas. Alteração do valor da indenização em sede de recurso especial.

– Há preclusão consumativa quando a parte ingressa com recurso já interposto anteriormente, ainda que subscrito por advogado diverso. Precedentes.

– É inadmissível o recurso especial quando se pretende reexaminar o conteúdo fático-probatório dos autos.

– Em se tratando de família de baixa renda, admite-se o pagamento de indeni-zação por dano material por morte de filho menor que não exercia atividade laborativa à época do evento danoso.

– A alteração dos valores arbitrados a título de reparação de danos extrapatrimo-niais somente é possível, em sede de recurso especial, nos casos em que o valor fixado destoa daqueles arbitrados em outros julgados recentes desta Corte ou revela-se irrisório ou exagerado.

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Recurso especial não conhecido.”

(3ª T., REsp 542.367/DF, Relª Min. Nancy Andrighi, unânime, DJU de 13.09.2004)

Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e lhe dou provi-mento, para condenar o réu ao pagamento de pensão nos moldes estabelecidos na sentença monocrática, anotando que o limite máximo – 65 anos de idade presumível da vítima – fica vinculado à sobrevida dos genitores até lá.

É como voto.

certidão de julgAmento quArtA turmA

Número Registro: 2003/0208156-6 REsp 609160/RJ

Números Origem: 0213511178 1804101

Pauta: 15.09.2009 Julgado: 15.09.2009

Relator: Exmo. Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Fernando Gonçalves

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Dulcinéa Moreira de Barros

Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

AutuAção

Recorrente: C. A. de S. e outros

Advogado: Cláudio José Pereira de Souza

Recorrido: América Football Club

Advogado: Bárbara Nunes e outro

Assunto: Direito civil – Responsabilidade civil

certidão

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nessa par-te, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

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Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão, Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP) e Fernando Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 15 de setembro de 2009.

Teresa Helena da Rocha Basevi Secretária

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Assunto Especial – Ementário

A Criança e o Adolescente – Direito Desportivo

7257 – Menor – atleta – responsabilidade civil – acidente ocorrido em período de folga – indenização – descabimento

“Responsabilidade civil. Empregador. Atleta menor. Acidente ocorrido em período de folga. Inde-nização. Descabimento. ‘Indenização por danos materiais e morais. Acidente. Ausência de nexo causal, dolo ou culpa do empregador. Culpa exclusiva do empregado em atividades não correlatas ao emprego. Não configura responsabilidade civil do empregador a ocorrência do acidente causado exclusivamente pelo empregado, menor atleta, em momento que não estava à disposição, nem mes-mo sob a guarda ou responsabilidade do réu, mas sim no período de folga de suas atividades des-portivas, participava de evento social com amigos.’” (TRT 12ª R. – RO 0000375-57.2013.5.12.0043 – 5ª C. Civ.– Relª Maria de Lourdes Leiria – DJe 10.06.2014)

7258 – Menor – atleta de futebol – pensão por morte – família de baixa renda – pagamen-to devido

“Pensão por morte. Filho menor. Atleta de futebol. Família de baixa renda. Pagamento devido. Civil e processual. Ação indenizatória. Falecimento de menor atleta juvenil. Clube de futebol. Julgamen-to extra petita. Não configuração. Família de baixa renda. Presunção de contribuição econômica. Pensão devida. I – Não se configura julgamento extra petita quando houve impugnação suficiente na apelação da ré, devolvendo os temas à apreciação da instância ordinária revisora. II – Em se tratando de família de baixa renda, é devido o pensionamento pela morte de filho menor, atleta infanto-juvenil de clube de futebol, equivalente a 2/3 do salário-mínimo dos 14 anos até 25 anos de idade da vítima, reduzido para 1/3 até a data em que o de cujus completaria 65 anos, consoante a delimitação contida no pedido exordial. III – Recurso especial conhecido em parte e provido nessa extensão.” (STJ – REsp 609.160 – (2003/0208156-6) – 4ª T. – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJe 13.10.2009)

7259 – Menor – atleta em formação – categorias de base – relação de trabalho

“Ação civil pública. Atleta em formação. Categorias de base. Relação de trabalho. Os menores acolhidos por clube de futebol para treinamento nas categorias de base praticam o desporto de rendimento no modo não profissional na forma do art. 3º da Lei nº 9.615/1998, o qual pressupõe a ausência da relação de emprego, sem excluir a relação de trabalho. E assim é que os menores selecionados e alojados pelo clube, conquanto recebam vários benefícios, como acompanhamento médico, fisioterápico, odontológico, psicológico, escola e moradia, obrigam-se a treinar com o fim de se aperfeiçoarem na prática do esporte, visando à profissionalização. E o sucesso de seu desempenho trará vantagem econômica futura para o clube. Vale recordar que a relação de tra-balho tem como objeto a atividade pessoal de uma das partes e no caso em apreço, os menores se obrigavam ao treinamento, donde se conclui que a hipótese envolve, sim, esse tipo de vínculo jurídico. Tal constatação atrai a incidência do art. 7º, XXXIII da Constituição, que proíbe ‘qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos’, restrição reproduzida no art. 403 da CLT. Esta também é a diretriz contida no art. 29, § 4º, da Lei nº 9.615/1998, o qual restringe a idade do atleta não profissional em formação ao mínimo de 14 anos. Constata-se, portanto, que os clubes de futebol não podem manter alojados em suas de-pendências menores de 14 anos.” (TRT 3ª R. – Processo nº 2.0165100-65.2009.5.03.0007/RO – (01651-2009-007-03-00-1/RO) – 9ª T. – Relª Convocada Cristiana M. Valadares Fenelon – DJ 22.05.2013)

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RDF Nº 88 – Fev-Mar/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������55

7260 – Menor atleta – equipe de esportes – lesão grave – competição – ação monitória

“Ação monitória. Menor atleta da equipe de esportes do Município sofre lesão grave em compe-tição. Ressarcimento das despesas médicas. Se a menor sofreu a lesão nos jogos da juventude, competindo pela equipe mantida pelo Município, tem-se como demonstrado o nexo de causalidade entre o agir do Poder Público e o dano produzido, pelo que cabível se revela o ressarcimento das despesas médicas dali decorrentes.” (TJPR – AC-RN 0105940-1 – (20068) – 1ª C.Cív. – Rel. Des. J. Vidal Coelho – DJPR 06.08.2001)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de apelação e remessa necessária em face de sentença que julgou procedente a moni-tória movida pela apelada.

Disse a autora, na inicial, que, durante os Jogos da Juventude, fazia parte da equipe represen-tativa do Município de Prudentópolis, quando sofreu lesão gravíssima, em jogo contra outra equipe.

Ponderou que o Prefeito Municipal assinou declaração garantindo o custeio de seu tratamento, cirúrgico e fisioterápico, arcando, entanto, com todas as despesas, em face da omissão da atual gestão municipal.

Nos embargos, o Município alevantou a preliminar de ilegitimidade passiva por falta de contrato de representação nos jogos, não estando, por isso, representando o Município a equipe da qual participou a autora. Impugnou, genericamente, a declaração, as notas e os recibos juntados. E, por último, alegou que as sessões de fisioterapia poderiam ter sido arcadas pelo SUS (Sistema Único de Saúde), com a mesma qualidade, em vista de o profissional que as prestou ser servidor municipal de carreira.

A sentença rejeitou os embargos julgando procedente a ação, constituindo o título judicial e aplicando correção monetária a partir do ajuizamento da ação. Condenou, ainda, o réu ao pa-gamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 15% sobre o valor da condenação.

O TJPR negou provimento ao recurso voluntário e reformou em parte a sentença, sob reexame, unicamente para mandar que a correção monetária seja contada a partir de cada desembolso, incidindo da citação os juros de mora.

Cabe trazer as lições de Ênio Santarelli Zuliani:

“Antônio Chaves abriu o primeiro capítulo de obra dedicada à responsabilidade civil com uma ex-pressão poética e verdadeira: ‘O tema da responsabilidade civil é imenso, profundo e misterioso como o mar’. Não é, contudo, difícil de se compreender a responsabilidade civil.

O direito é um eterno parceiro do homem; a ordem jurídica, concebida pela vontade humana, para ordenar a convivência social, não poderia perder o passo de seu acompanhante e, na medi-da em que as pessoas tornam-se mais frágeis, indefesas e, consequentemente, dependentes da vigilância do Estado, que é o guardião nato da aura de liberdade com segurança, um fenômeno tende a aparecer para que essa aliança se fortaleça. Assim, para que as pessoas possam des-frutar dos prazeres da cidadania, sem riscos das pressões e opressões injustas, o Direito trans-forma-se, adapta-se e reorganiza-se para alcançar metas sustentáveis de paz e harmonia social.

O instituto da responsabilidade civil é exemplo marcante dessa mutação por que passa o Direito; suas regras, algumas envelhecidas, continuam produtivas, embora outras novas debutem no cenário jurídico para brilhar, pois a dinâmica da vida o exige. E, desse modo, como se o Direito atuasse pela eternidade, o homem pressente que não está só, nem desprotegido.

O sujeito de direitos que habitou a Terra nos séculos passados não era alvo de ilícitos que se praticam pela Internet, simplesmente porque a rede que interliga computadores é fenômeno contemporâneo, nunca sonhado pelos legisladores encarregados da atualização das normas so-bre responsabilidade civil. Louis Josserand ressaltou, em memorável conferência, que os nos-sos antepassados se sentiam seguros na forma sossegada como desempenhavam suas funções cotidianas:

‘Numa época em que reinava só a pequena indústria, quando o operário manejava individual- mente utensílios inofensivos, quando as viagens, mesmo consideráveis, eram feitas a pé ou

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em veículos a tração animal, os fatos suscetíveis de importar em responsabilidade delitual, puramente civil, eram pouco frequentes, e o homem se sentia em segurança, na rua, como na oficina ou na loja.’

Exatamente isso. O modelo existencial das pessoas não obedece a um padrão rígido; varia de acordo com as necessidades, ambições, interesses, iniciativas e demais ingredientes filosóficos e sociológicos que nunca explicam o espírito indomável do homem contemporâneo. Apesar desse lado enigmático da alma humana, uma coisa, no entanto, é absolutamente certa, isto é, a sua incessante vontade de encarar desafios, de superar metas e de conseguir vantagens patrimoniais (a sonhada riqueza ou independência financeira), o que, invariavelmente, conduz o homem a envolver-se, direta ou indiretamente, na prática de uma sequência de atos e atividades que, aos milhões, agitam a forma de viver em grupo.

As consequências inevitáveis dessa intensidade de atos, de viagens de negócios e de lazer, de contatos com pessoas e coisas, da publicidade, do trabalho coletivo, representam o aumento do risco de se concretizar dano injusto. O prejuízo espreita como se estivesse sempre preparado para contracenar a parte dramática ou a tragédia, uma antítese violenta da própria condição hu-mana, aumentando o clima de insegurança que perturba a todos, indistintamente. A sociedade espera que o sistema jurídico proteja os homens das ações antijurídicas cometidas por aqueles que são considerados desagregadores e confia nisso. O direito penal, com a sua máxima nulla poena sine lege (sem lei não pode haver pena), mantém o esquema de reprimir e sancionar as condutas que são tipificadas como crimes, punindo, com diversas espécies de pena, os infratores.

A história provou que esse método da política penal não elimina a criminalidade, embora atue de maneira decisiva para conter a epidemia da delinqüência, que poderia se alastrar, caso fosse tolerada a cultura da impunidade. O Direito Civil também considera os atos ilícitos, que são todos aqueles contrários aos preceitos da ordem jurídica; contudo, ao contrário do Direito Penal que especifica os delitos (numerus clausus), trata-os como ‘abstratos’; basta que se contraponha ao ordenamento para se classificar como uma transgressão jurídica. Se essa transgressão causa alguma espécie de dano, nasce a obrigação de indenizar. Mentir, por exemplo, poderá gerar a responsabilidade civil do mentiroso, quando a mentira causar danos, conforme esclareceu Pontes de Miranda:

‘Pode a mentira causar danos e por eles responder o culpado. E não é só: nas épocas de desas-sossego público, pode ser pedido o ressarcimento dos danos sofridos, ainda que, para isso, não haja lei especial.’

A função do instituto da reparação de danos não livra de responsabilidade sequer os atos da-nosos cometidos com ‘distração’ que ‘não deixam de constituir o agente em responsabilidade’. Assim, quando um veículo espalha, na rodovia por onde trafega, óleo que vaza do motor, o pro-prietário dele responde pelos danos do acidente que ocorreu pela infiltração, intencional ou não, desse elemento que permite derrapagens de carros (1º TACSP, Ap. 555.160-6, J. 09.03.1994, Juiz Carlos Bittar; RT 704/133).

A pessoa é titular de direito subjetivo de exigir a reparação dos danos. Cabe ressaltar que até atos omissivos, quando acontece contrapondo-se a um dever de agir (vigiar um cão feroz, por exemplo – art. 936, do Código Civil), caracterizam ilícitos civis. Contudo, fique claro, não existe um final de linha demarcando o que é lícito e o que é ilícito, que não se poderá condenar alguém que deixou de socorrer uma pessoa que se afogava em um rio, ou na iminência de ser atropelada, pois, mesmo sendo considerados gloriosos esses salvamentos heroicos, pela moral da fraterni-dade humana, eles não são obrigatórios. O bombeiro, o salva-vidas e o guarda de trânsito não podem recusar auxílio; os demais cidadãos agem, nesse sentido, apenas movidos por sentido cívico ou religioso e, por isso, não se responsabilizam pela omissão, conforme expõem Fernando Andrade Pires Lima e João de Matos Antunes Varela, em comentários ao art. 486 do Código Civil português.

Uma mudança de conduta, base de uma revolução de valores, ocorreu na área do direito dos consumidores, que, cônscios de que são destinatários de normas especiais de proteção, estão cada vez mais exigentes para com os fornecedores e comerciantes, fato que se prova com o cres-cimento do número de reclamações administrativas (no ano de 2003, foram 43.945, no Procon

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paulista, conforme reportagem do Diário de São Paulo, de 15 de março de 2004, caderno Eco-nomia, B-1). Essa movimentação explica a presença de julgamentos inéditos e inusitados, como a da ação do consumidor que mastigou ‘barata’ no queijo tipo ‘minas-frescal’, adquirido em um supermercado; o seu pedido de indenização, por esse fato, foi recepcionado pelo egrégio Tribu-nal do Rio de Janeiro, que condenou a empresa responsável pelo produto a pagar indenização por danos morais de R$ 14.000,00 (Ap. 2003.001.08428, Informativo Semanal 29/2003, pesquisa nº 92/2003, do Dr. Sérgio Couto, coordenador do ADV, p. 430).

Os princípios neminem laedere (não lesar ninguém) ou alterum non laedere (não lesar outrem) não são, infelizmente, praticados ou observados como regras de conduta, o que contribuiu decisivamente, para engrossar as hipóteses concretas de prejuízos que não se reparam apenas com a sanção criminal. Essa onda não é nova, pois em livro editado em 1887, Gustavo Adani alertava, logo no intróito (obbligo di non offendere), que o cidadão não ficava seguro quanto ao desejo de ser totalmente garantido no direito de obter uma íntegra restauração, quando seu patrimônio fosse diminuído ou desequilibrado por turbações, concluindo: ‘l’integrità personale e morale manomesse reclamano una pronta e completa riparazione’.

As legislações civis do fim do século XIX, como a portuguesa, cuidaram de deixar clara a distin-ção dos efeitos nocivos do crime e das consequências ilícitas na esfera do direito individual do lesado. O Código Civil português revogado, que começou a vigorar em 1868, estabeleceu que:

‘Ainda que não se verificando a responsabilidade penal, podia subsistir a responsabilidade civil, isto é, que, quando mesmo o réu fosse absolvido da pena, não pudesse essa absolvição elidir a ação de perdas e danos em favor do lesado.’

Portanto, o direito civil sempre reservou, para atender a reclamos desse contexto social, o direito à reparação de danos, que é a consequência da obrigação de indenizar os prejuízos causados pelo ato ilícito (arts. 186 e 927 do Código Civil). Não é demasiado rememorar que o termo ‘res-ponsabilidade’ não surgiu para exprimir o dever de indenizar; variou da expressão sponsio, da fi-gura stipulatio, pela qual o devedor confirmava ter, com o credor, uma obrigação que era, então, garantida por uma caução ou responsor. Daí surgiu a noção de responsabilidade, como sinal de garantia de pagamento de uma dívida, o que descarta ‘qualquer ressonância da ideia da culpa’.

Vale consignar, mesmo nesse momento em que se analisam, como preliminares, os conceitos e pressupostos do dever de indenizar, que a expressão ‘ressarcimento’ de danos é de uso exato para definir a indenização que se outorga para restaurar o patrimônio que foi diminuído pelo ato ilícito, enquanto ‘reparação’ explica a indenização que se paga para compensar a vítima de sofrimentos provocados por lesão de direito de personalidade, o conhecido dano moral. Tra-bucchi observou que a indenização por danos morais (pretium doloris) não possui a função de restituir integralmente o dano causado (restitutio in integrum), mas, sim, ‘una genérica función satisfactoria, con la cual se procura un bien que recompense en cierto modo el sufrimiento o la humillación sufrida’.

Georges Ripert afirmou, com o peso de sua autoridade jurídica, que esse critério não se expli-ca, porque a condenação, na verdade, não satisfaz a vítima que, ao exigir perdas e danos por ofensa moral, pretende, sim, obter a punição do infrator. É, em termos, procedente a afirmação. Acredita-se que a vítima, nos primeiros momentos da revolta pela injustiça do dano, possa raciocinar que a ação indenizatória que será proposta seria justificável para produzir punição. Isso é, no entanto, um estado passageiro próprio da alma ferida; o tempo prova que ela não busca, em verdade, um castigo que se esgote por conta da reprovação jurídica; almeja, sim, uma compensação financeira que lhe proporcione resgate da autoestima e, ao mesmo tempo, uma prova de que seu direito é selecionado como digno de proteção jurídica. Basta examinar que o dano moral, por ofensa ao direito do autor (obra literária, musical, etc.), surgiu para que a ofensa à ‘paternidade intelectual da obra’ não ficasse impune, pois a descarada violação ofende o sentimento pessoal do criador. Aqueles que sofrem com usurpação da inteligência privilegiada com a qual o destino os premiou não pretendem punição dos contrafatores que desfiguram uma arte inimitável; esperam reparação moral pela cópia fraudulenta que ‘desagrada tanto quanto desgosto de filha’.

Um texto que exprime bem essa noção de equiponderância é da autoria de Manuel A. Domingues de Andrade, que transcrevo:

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‘O dano moral não comporta, no rigor dos termos, uma expressão ou representação pecuniária. Trata-se antes duma reparação, ou melhor, ainda, duma compensação ao ofendido. A ideia geral em que se funda esta indenização é a seguinte: os danos morais (dores, mágoas, desgostos) ocasionados pelo fato ilícito podem ser compensados, isto é, contrabalançados pelas satisfações (até da ordem mais finalmente espiritual, incluindo o prazer altruístico de fazer bem) que o dinheiro pode proporcionar ao danificado. É preferível isto a deixar o ofendido sem nenhuma compensação pelo mal que sofreu; e o ofensor por sua vez sem nenhuma sanção correspondente ao mal produzido.’

Carvalho de Mendonça, que nunca admitiu ser real a equivalência do dinheiro e o dano moral, aceitava o fato de que as comodidades que o lesado auferia com o consumo proporcionado pela indenização pecuniária ‘atenuavam o mal sofrido’.

Assim, quando alguém admite ser vítima de um dano (patrimonial ou moral), decorrente de um ato antijurídico (contrário à lei) que foi praticado por uma pessoa identificável e que, por isso, se interligou, de maneira nociva, ao seu conjunto de interesses, lhe é facultado ajuizar, em não obtendo a restauração de maneira voluntária (composição amigável), ação judicial tendente a obter, pelo Estado-juiz (art. 5º, XXXV, da CF), sentença que exprima o valor (quantum) neces-sário que o causador do dano deverá pagar para que se eliminem os efeitos da lesão (retorno ao statu quo ante). Essa ação que proporciona uma sentença condenatória (invariavelmente em pecúnia) efetua-se pelo procedimento ordinário (salvo para as situações de procedimento sumário previstas no art. 275 do CPC e dos Juizados Especiais, para pedidos até quarenta salários-mínimos, como consta pelo art. 3º, I, da Lei nº 9.099/1995). Na prática forense, essa ação recebe vários nomes, conforme expôs Carlos Alberto Bittar:

‘Ação de reparação de danos, ou de ressarcimento; ação ordinária de indenização (ou ação de indenização ou indenizatória); ação de perdas e danos (ou apenas ação de danos); ação de responsabilidade civil (ou de responsabilidade), dentre outros.’

A sentença que se emite nessas ações é do tipo ‘condenatória’, como explica Humberto Theodoro Júnior:

‘A ação de responsabilidade civil é uma ação condenatória, pois seu objetivo é acertar (definir) a existência do direito do ofendido a uma certa prestação reparatória da lesão que lhe provocou o ofensor e, também, a condená-lo a realizar dita prestação. Se o responsável assim reconhecido pela sentença não cumprir espontaneamente a prestação, contra ele poderá a vítima instaurar o processo de execução (actio iudicati), cujo procedimento será o de execução por quantia certa.’

A obrigação de indenizar, quando materializada em sentença judicial, transforma-se em dívida de valor ‘porque seu montante deve corresponder ao do bem lesado’, sobre a qual incidem juros e correção monetária (art. 395 do Código Civil e Lei nº 6.899/1981). Elucidativo o ensaio do Professor Álvaro Villaça, que consagrou a incidência da correção monetária para evitar que o infrator, em satisfazendo o quantum devido sem atualização, pague menos e, com isso, obtenha enriquecimento indevido (aumento do patrimônio em detrimento da vítima, que não aufere o valor integral) ‘pelo mero passar do tempo’.

O STF editou as Súmulas nºs 562 e 490, para tornar transparente a necessidade da atualização do valor da moeda pelos índices que medem a inflação; o STJ, por seu turno, editou a Súmula nº 43, orientando no sentido de que a correção monetária, na composição do quantum que se paga para reparar o dano, incide a partir da data do fato. Quando, no entanto, versar sobre indenização por danos em veículos, a correção deverá ser da data em que a vítima efetuou o pagamento do conserto do carro avariado ou da data do menor orçamento para informar o valor da recuperação do objeto. A atualização do valor da indenização do dano moral passa a incidir a partir de seu arbitramento.

Observa-se nas indenizações, quanto aos juros da mora, o art. 398 do CC, que manda computá--los a contar da data do evento danoso, bem como a indicação da Súmula nº 54 do STJ: ‘Os juros moratórios fluem a partir do evento dano, em caso de responsabilidade extracontratual’. Para que a sentença ganhe status de expressão jurídica representativa da reparação completa do dano, obrigatoriamente deverá conter dispositivos que mandem computar juros e correção monetária, valendo recordar o que, a respeito disso, escreveu o eminente Juiz Rui Stoco:

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‘Os juros integram a obrigação de indenizar e devem ser computados para que a reparação seja completa. Tem a natureza de rendimento do bem de que a vítima se viu privada, representando a efetiva renda do capital, posto que a correção monetária constitui apenas meio para manter o poder aquisitivo desse capital, evitando que se corroa e deprecie.’

É de se recordar que aquele que é condenado a reparar o dano responderá com o seu patrimônio (arts. 942 do CC e 591 do CPC), de modo que, na execução da sentença, o autor deverá promo-ver a penhora de bens, para que eles possam ser alienados em hasta pública, convertendo-se, pela arrematação pelo melhor preço, em dinheiro, forma usual com que se paga ao credor. A ordem jurídica não permite a prisão civil por dívidas, salvo caso de não pagamento (inescusável) de dívida de alimentos ou por infidelidade do depósito (art. 5º, LXVII, da Constituição Federal).

No Direito romano, existia a legis acto manus iniectionem, pela qual se facultava ao credor ‘lan-çar mão’ na pessoa do devedor. O credor, segundo consta da dissertação de Celso Neves ‘pegava uma parte qualquer do corpo do devedor. Nem era permitido ao condenado repelir a mão que o prendia e agir pessoalmente; mas nomeava um representante (vindex) para agir por ele; quem não tivesse representante era levado à casa do autor e posto a ferros’.

Segundo Buzaid, na execução dessa sentença, o credor colocava o devedor à venda (como es-cravo, desde que para fora de Roma – trans Tiberim) em feiras livres e, caso não obtivesse êxito, poderia matar o devedor: ‘Havendo pluralidade de credores, podia o executado, na terceira feira, ser retalhado; se fosse cortado a mais ou a menos, isso não seria considerado fraude’.

Fernando Noronha anota que não há registro histórico da retaliação de devedor em função dessa lei. Informa, sim, que a execução sobre a pessoa do devedor foi abolida a partir da lex Poetelia Papiria, ano 428 de Roma ou 326 a.C.:

‘A lex Poetelia Papiria foi consequência de uma revolta da plebe, que se teria insurgido contra os maus-tratos infligidos a um jovem, Lúcio Papirio, que estava em estado de nexus (quase es-cravidão) devido a um empréstimo que seu pai contraíra e não pagara, porque este, no exercício da patria potestas, o entregara ao credor.’

A vítima de um ato ilícito, tanto antigamente como hoje, encontra dificuldades para executar a sentença condenatória; não encontrando bens para penhora, seu projeto de recuperação patri-monial frustra-se completamente, coroando a não reparabilidade. Giorgio Del Vecchio chegou a propor a constituição de uma magistratura especial para tutela de crédito, que seria encarregada de estudar a inadimplência em casos mais graves, justificando:

‘Quando o débito se origina num fato que constitui reato, ou num dolo não punível, a tutela de-veria poder ser ampliada também mediante a imposição de determinados trabalhos, consoante a capacidade do devedor, tendo em conta todas as circunstâncias, e sempre em formas humanas e civis, a serem estatuídas por lei.’

Mostra a realidade que não foram criados métodos racionais para superação dessa crise da execução, o que permite afirmar que a incapacidade patrimonial do infrator alimenta uma noção de impunidade perigosa, aumentando a distância das pessoas separadas por graduações econô-micas. Na verdade, a ação de ressarcimento de danos é seletiva; somente compensa procurar justiça quando exista real probabilidade de ser executada a sentença que condena à reparação de danos. Somente alguns são condenados, o que não deixa de constituir uma indignidade social, uma frustração do direito de cidadania.

Quando há bens suscetíveis de penhora, o credor depara, para efetivá-la, com outro aspecto tormentoso para o seu direito e que tem a ver com a impenhorabilidade da Lei nº 8.009/1990 (salvo para hipóteses de reparação de danos em razão de sentença penal condenatória – art. 3º, VI), situação legal que causa um esvaziamento da chance de penhora. Afora isso, existe um outro complicador, qual seja, o desaparecimento dos bens, quer por fraude praticada pelo réu, em conluio com terceiros (e parentes), quer pela escrituração em nome de pessoas jurídicas (casos em que o credor deverá tentar aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no art. 50 do CC). Por isso, é recomendável que o titular da ação de reparação de danos inicie, desde logo, as medidas conservatórias da tutela de crédito, como a averbação, no registro de imóveis, da citação e da penhora, quando ela ocorrer (arts. 167, 21 e 5º da Lei nº 6.015/1973), protegendo-se, com tais medidas que geram ampla e notória publicidade das pendências, das investidas de terceiros sobre o patrimônio imobiliário do devedor.

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Isso porque, no confronto entre direitos de terceiros que surgem como novos proprietários dos bens do devedor e os direitos da vítima de penhorar tais bens, as decisões favorecem os tercei-ros, geralmente considerados figuras de boa-fé (não teriam conhecimento das ações pendentes do réu que lhes transferiu o patrimônio). A inscrição, no registro predial, entra como poderoso aliado da vítima para vencer esse desafio, porque rompe a presunção de boa-fé do comprador. Nesse sentido recente julgado do STJ (REsp 235.201/SP, DJU 11.11.2002, Min. Cesar Asfor Rocha; RT 811/179):

‘Para que se tenha por fraude à execução a alienação de bens, de que trata o inciso II do art. 593 do CPC, é necessária a presença concomitante dos seguintes elementos:

a) que a ação já tenho sido aforada;

b) que o adquirente saiba da existência da ação, ou por já constar no cartório imobiliário algum registro dando conta de sua existência (presunção juris et de jure contra o adquirente) ou porque o exequente, por outros meios, provou que do aforamento da ação o adquirente tinha ciência;

c) que a alienação ou a oneração dos bens seja capaz de reduzir o devedor à insolvência, militan-do em favor do exequente a presunção juris tantum. Inocorrente, na hipótese, pelo menos o se-gundo elemento supraindicado, não se configurou a fraude à execução.’” (Responsabilidade civil e reparação de danos – Raízes históricas – Função e objetivo. Disponível em: online.sintese.com)

7261 – Menor de idade – chute no olho – indenização – torneio de futebol patrocinado pela Administração Pública

“Civil. Indenização. Torneio de futebol patrocinado pela Administração Pública. Menor de idade. Chute no olho. Ausência de atendimento médico ou de socorro de urgência. Aderência da córnea. Falta do serviço. Responsabilidade subjetiva. Dano moral configurado. Despesa com medicamento e transporte. Ressarcimento. Pensionamento. Descabimento. A ausência de pronto atendimento médico ao atleta/menor participante de evento futebolístico promovido pelo Poder Público, con-correndo para a complicação do seu quadro clínico, impõe o dever de indenização, na proporção da omissão, concretamente apurada pela análise do conjunto probatório. Demonstrada a despesa relativa à aquisição de medicamentos e transporte do autor para tratamento em hospital diverso do Município em que reside, é cabível o ressarcimento correspondente. Tratando-se de menor de idade que ainda não exercia atividade remunerada, revela-se mais razoável a orientação que não aco-lhe pensionamento a título de dano material.” (TJMG – AC 1.0470.06.027127-2/001 – 0271272-74.2006.8.13.0470 (1) – 6ª C.Cív. – Rel. Des. Edilson Fernandes – Data de Julgamento 01.12.2009)

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Parte Geral – Doutrina

Divórcio Liminar: Reflexões

DENISE DAMO COMELDoutora em Direito, Juíza de Direito da 1ª Vara da Família e Anexos da Comarca de Ponta Gros-sa, Professora na Escola da Magistratura do Paraná, Especialista em Metodologia do Ensino Superior e em Psicologia da Educação. Autora dos livros: Do Poder Familiar, Manual Prático da Vara de Família, Manual Prático da Vara dos Registros Públicos, Novo Código de Normas do Foro Extrajudicial: O Que Muda: Análise Comparativa com as Normas Revogadas (coautora).

RESUMO: O texto analisa a possibilidade de o divórcio ser decretado liminarmente, em sede de antecipação de tutela, sob a ótica do estado de família que decorre do casamento, como direito potestativo dos cônjuges.

PALAVRAS-CHAVE: Divórcio liminar; antecipação de tutela; estado de família; direito potestativo; vontade receptícia.

ABSTRACT: The paper analyzes the possibility of divorce injuction, in early preliminary injuctive relief from the perspective of family status that results from the marriage, as potestative right of spouses.

KEYWORDS: Divorce injunction, preliminary injunction relief, family status, potestative right, agreement.

SUMÁRIO: 1 Divórcio liminar; 2 Emenda Constitucional nº 66/2010; 3 Estado de família; 4 Direito potestativo; 5 Implicações processuais; Conclusão; Referências.

A verdade do direito de família está na dignidade do homem e a dig-nidade do homem encontra seu espaço na família. Na família está a justiça como a verdade do Ser: sua Vida (plena) e sua Liberdade (que não escraviza, que não ilude, que não engana).

(Rosa Maria de Andrade Nery)1

1 DIVÓRCIO LIMINAR

As discussões no meio acadêmico acerca do divórcio liminar começaram a partir de uma decisão singular de um Magistrado baiano2 que decretou o di-vórcio de um casal liminarmente, em sede de antecipação de tutela.

1 NERY, Rosa Maria de Andrade. Manual de direito civil: família. São Paulo: RT, 2013. p. 43.

2 A decisão foi proferida nos Autos nº 0518107-66.2013.8.05.0001, de ação de divórcio litigioso ajuizada, pelo marido, que tramitou pelo Juízo da 6ª Vara de Família, Sucessões, Órfãos, Interdição e Ausentes de Salvador/BA, e decretou o divórcio em sede de antecipação de tutela, antes mesmo da citação da mulher. Referida decisão se reporta a outra oriunda do juízo da Vara Cível da Comarca de Alagoinhas/BA, nos Autos nº 4428-81.2012.805.0004, que, ao que parece, decretou o divórcio de forma incidental, mas após a citação da parte requerida.

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62 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 88 – Fev-Mar/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA

A tese do divórcio liminar sustenta-se na compreensão de que a Emenda Constitucional nº 66/2010 extirpou do ordenamento jurídico o debate da culpa na dissolução do casamento, estabelecendo como premissa a necessidade de realização da vida afetiva dos cônjuges, uma vez declarada a incapacidade de reestruturação da sociedade conjugal.

Firma-se entendimento de que se manter casado é matéria apenas de di-reito, donde não haveria ofensa ao princípio do contraditório a antecipação da tutela initio litis, liberando, desde logo, as partes para realização da felicidade afetiva.

Assim, seria possível a concessão do divórcio liminar, tão somente diante do pedido de um dos cônjuges, em ação litigiosa, antes mesmo da citação da outra parte.

Hipótese, gize-se, que não se confunde com a do divórcio incidental, decretado em decisão intercorrente, proferida no curso do processo, após a citação e decurso do prazo de defesa da parte ré, o que já vem sendo admitido no meio forense sem maiores discussões.

2 EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010

É fato que o divórcio, com a redação dada ao art. 226, § 6º, da Constitui-ção Federal pela Emenda Constitucional nº 66/2010, permaneceu como única solução voluntária para o fim do casamento, inclusive sem qualquer limitação temporal, resolvida, ainda, a dicotomia anteriormente existente para a disso-lução do vínculo conjugal (separação judicial como procedimento prévio ao divórcio).

Porque não recepcionadas pela reforma constitucional as regras que impunham requisitos subjetivos e objetivos para a dissolução do casamento, entende-se que não mais remanesceram requisitos, prazos ou outras cautelas legais a serem observadas no âmbito do direito material para a concessão do divórcio. Pode agora ser decretado tão somente diante da manifestação de von-tade dos cônjuges e independentemente do transcurso de qualquer prazo (seja de casamento, seja de separação de fato)3, tido, por alguns, como direito potes-tativo dos cônjuges4.

3 COMEL, Denise Damo. Manual prático da vara de família: roteiros, procedimentos, despachos, sentenças, audiências. Curitiba: Juruá, 2013. p. 249/250.

4 Direitos potestativos são aqueles direitos que existem por si, que são direitos independentemente de outros e se exercem por ato unilateral do titular, “seja por declaração unilateral de vontade ao interessado, ou a alguma autoridade, ou seja por simples manifestação unilateral de vontade, ou seja por meio de ação” (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado: parte geral. Campinas: Bookseller, t. V, 2000. p. 280).

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3 ESTADO DE FAMÍLIA

Todavia, disso não se pode extrair que a manifestação de vontade de ape-nas um dos cônjuges, por si só, autorize liminarmente a dissolução do vínculo, com todos os efeitos que dela decorrem, sem que no mínimo referida vontade chegue até o conhecimento do outro cônjuge, de forma procedimental.

Com efeito, a ação de divórcio diz respeito ao estado das pessoas. Nela se pretende a obtenção de um pronunciamento judicial sobre o estado de famí-lia em que estão inseridos os cônjuges5.

O estado de família é um atributo da personalidade que reflete a posição de cada pessoa a respeito de sua própria família, como perante a sociedade. Difere da posição jurídica da pessoa natural considerada em si mesma, embora ambas as situações sejam diretamente amparadas pelo ordenamento jurídico6.

O estado de família denota uma relação entre parentes ou entre cônjuges, enquanto que o estado individual da pessoa reflete seu próprio direito à identi-dade, amparado pelo ordenamento jurídico de maneira erga omnes. O estado individual é pautado pelos elementos que se ligam à individualidade do sujeito. Já o estado de família se estabelece mediante o vínculo familiar e parental que se constitui entre determinadas pessoas, donde a indissociável correlação entre os respectivos estados. Vale dizer, alguém não pode estar inserido no estado de casado como marido se não existir a respectiva cônjuge mulher; ninguém é pai se não existir o respectivo filho.

Ainda, porque se insere no rol dos direitos da personalidade7, o estado de família reveste-se de suas mesmas características, entre as quais se destacam ser absoluto, geral, extrapatrimonial e indisponível8.

Inclusive, uma das consequências da indisponibilidade é a impossibili-dade de renúncia, “em razão da natureza de ordem pública que possuem suas disposições”9, uma vez que produz efeitos além da esfera dos interesses dos titulares.

5 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, v. 5, 2001. p. 31.

6 NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., p. 127.

7 “Conceitua-se os direitos da personalidade como aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais.” (GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, v. I, 2007. p. 136)

8 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, v. I, 2007. p. 144.

9 NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., p. 129.

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Caracteriza-se, ademais, pela estabilidade, que “significa que somente pode ser modificado na forma que a lei expressamente o estabelece, e não pela livre vontade dos interessados”10.

Acrescente-se que se diferencia pela característica fundamental da uni-dade, pois “o estado de família deve ser apreciado com relação a cada indiví-duo em particular e compreende todos os vínculos jurídicos familiares que o ligam com outras pessoas, qualquer que seja a qualificação de tais vínculos”11.

Aliás, a maior importância do estado de casado deriva do próprio pro-pósito do casamento, qual seja, a “comunhão plena de vida” (Código Civil, art. 1.511), efeito por excelência do casamento12 e que implica a inserção do casal em uma comunidade (unidade) de existência, sem qualquer reserva ou condi-ção, mas que lhe servirá de proteção e amparo para a vida a partir de então.

Disso se extrai que não há possibilidade de que o estado de casado – no qual, frise-se, estão inseridos ambos os cônjuges, exatamente na mesma con-dição e com as mesmas prerrogativas – seja modificado tão somente diante da manifestação de vontade de um deles.

A hipótese em exame viola direito personalíssimo do outro cônjuge, in-terfere no espaço de sua intimidade e vida privada, com reflexos na órbita into-cável de sua dignidade pessoal, valor mais caro da pessoa humana (CF, art. 1º, III; art. 5º, X).

Até porque “o divórcio não é uma situação normal nem banal”13, como se tem reiteradamente considerado. Implica um delicado momento da vida dos cônjuges e da família, que, em certos casos, exige anos e, por vezes, toda uma existência a ser elaborado e vencido14. Impõe-se, a toda evidência, uma tutela diferenciada, no mínimo sensível à dignidade de cada cônjuge.

4 DIREITO POTESTATIVO

Nessa linha de pensamento, a compreensão do divórcio como direito potestativo dos cônjuges merece alguma ponderação.

Não se discute que, à luz do atual ordenamento jurídico, não há ar-gumento que possa obstar a pretensão de um dos cônjuges de dissolução do vínculo conjugal. Se um deles não quer mais permanecer no estado de casado

10 NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., p. 129.

11 NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., p. 129.

12 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011. p. 148.

13 LEITE, Eduardo de Oliveira. Estudo de direito de família e pareceres de direito civil. São Paulo: Forense, 2011. p. 31.

14 LEITE, Eduardo de Oliveira. Op. cit., p. 31.

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e intenta ação de divórcio, o vínculo será necessariamente dissolvido, indepen-dentemente da concordância ou não do outro cônjuge. Ainda que haja opo-sição expressa, o divórcio será decretado e o casamento extinto, se persistir a inequívoca vontade de ao menos um dos cônjuges, tudo sem prejuízo de que as demais questões relacionadas aos interesses da família, como, por exemplo, alimentos e a situação dos filhos, seja igualmente resolvida.

Ocorre que esse poder de impor a vontade que se reconhece aos côn-juges para dissolução do vínculo conjugal deverá respeitar o estado de família que o casamento estabelece e ao qual estão jungidos o marido e a mulher. O estado de casado é uma unidade, recíproco e indissociável, também irrenunciá-vel, de modo que não pode ser desconstituído tão somente pela manifestação de vontade não receptícia de um dos cônjuges, ainda que venha a ser, posterior e inexoravelmente, sancionada pelo comando jurisdicional.

Trata-se de um direito limitado em poder como, de regra, são os direitos da personalidade e os direitos de família15. Potestatividade, portanto, só pode ser compreendida como um estado de poder comum dos cônjuges, vinculando-os de tal forma a não se permitir efeitos definitivos ao exercício unilateral e isolado.

Assim como eles se casam pela manifestação de vontade, um frente ao outro, perante o Estado, que assiste e sanciona, igualmente o descasar, um fren-te ao outro (receptividade), ainda que por vontade, já agora, unilateral; mas a receptividade se impõe, lá e cá; é questão de respeito à dignidade de cada qual, reciprocamente.

Até porque o divórcio liminar levaria à esdrúxula situação de um dos cônjuges saber-se divorciado e assim se colocar perante a sociedade, enquanto o outro imagina ainda estar casado e assim se conduz, ignorando, na verdade, a alteração de seu próprio estado civil.

Sem se falar de eventual procrastinação processual intencional do cônju-ge divorciado, beneficiado pela liminar, sabido que o rompimento do vínculo, tanto no regime da comunhão universal como na comunhão parcial de bens, traz consequências patrimoniais de toda sorte, além das questões obrigacionais perante terceiros, à sorrelfa do outro (já divorciado, mas que se supunha aco-bertado e garantido pelo casamento, inclusive no aspecto patrimonial e não só no institucional e social).

Ainda, a problemática com relação aos filhos e parentes vinculados pela afinidade16 – porque o divórcio estende seus efeitos necessariamente aos filhos

15 MIRANDA, Pontes de. Op. cit., p. 280.

16 “Quando um casal se divorcia, a ruptura atinge o outro cônjuge, os filhos, os parentes e amigos, colegas de profissão, estilos de vida, posição socioeconômica, autoestima e significado de vida.” (LEITE, Eduardo de Oliveira. Op. cit., p. 33)

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havidos do casamento, também à relação de parentesco por afinidade (Código Civil, art. 1.595).

5 IMPLICAÇÕES PROCESSUAIS

Não menos importantes são as implicações de natureza processual da decisão liminar, a merecer até mesmo estudo separado. A título de ilustração, citam-se apenas duas, que se afiguram da maior relevância: o fato de ser irre-versível (depois da averbação do assento de registro civil), donde o obstáculo contido no art. 273, § 2º, do Código de Processo Civil; a característica da preca-riedade e provisoriedade, incompatíveis com as ações de estado.

CONCLUSÃO

É de rigor, portanto, que, na ação de divórcio, perfectibilize-se a ciência do cônjuge requerido sobre a pretensão, mediante regular citação, dando-lhe o indispensável conhecimento da vontade do outro – ainda que ela, invariavel-mente, culmine com o fim do casamento – para que somente então o divórcio seja decretado e, com ele, alterado o estado de família do casal.

REFERÊNCIAS

COMEL, Denise Damo. Manual prático da vara de família: roteiros, procedimentos, despachos, sentenças, audiências. Curitiba: Juruá, 2013.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, v. I, 2007.

LEITE, Eduardo de Oliveira. Estudo de direito de família e pareceres de direito civil. São Paulo: Forense, 2011.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado: parte geral. Campinas: Bookseller, t. V, 2000.

NERY, Rosa Maria de Andrade. Manual de direito civil: família. São Paulo: RT, 2013.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, v. 5, 2001.

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Parte Geral – Doutrina

A Defesa da Preferência às Pessoas com Transtorno do Espectro de Autismo ante a Falta de Procedimento

ANTONIO BAPTISTA GONÇALVESAdvogado, Membro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas, Pós-Doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP, Pós-Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza, Doutor e Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, Especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra, Especialista em International Criminal Law: Terrorism’s New Wars and ICL’s Responses pelo Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, Especia-lista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, Pós-Graduado em Direito Penal – Teoria dos Delitos pela Universidade de Salamanca, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

RESUMO: A Constituição Federal de 1988 defende e protege os interesses das pessoas, bem como assegura a efetivação de um grupo de direitos tidos como fundamentais. Exemplo disso é a defesa da dignidade da pessoa humana. Destarte que as pessoas com deficiência, entre elas as pessoas com transtorno do espectro de autismo, têm garantido seus direitos como qualquer outro cida-dão brasileiro. Além desses direitos, foi-lhes asseguradas por um conjunto normativo facilidades importantes em decorrência de suas limitações, sejam físicas, motoras ou psicológicas: falamos do atendimento prioritário. No entanto, o que não fez o legislador foi criar o devido procedimento para a plena efetivação desses direitos, o que, no mais das vezes, dificulta a sua aplicação prática por parte do aplicador do direito.

PALAVRA-CHAVE: Autismo; procedimento; direitos fundamentais.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Transtorno do espectro de autismo; 2 Lei nº 12.764/2012 – A Lei Berenice Piana; 3 A Constituição Federal de 1988 e as pessoas com deficiência; 4 A facilidade de acesso e a falta de procedimento; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Os legisladores nacionais têm se preocupado, nos últimos anos, com a questão da inclusão social no que tange às pessoas com transtorno do espectro de autismo. Assim, foi promulgada a Lei nº 12.764, em 28 de dezembro de 2012, conhecida como a Lei Berenice Piana, que possui importantes avanços protetivos sobre o tema, como veremos adiante.

Na mesma esteira, temos a recente legislação promulgada no Rio de Janeiro sobre o tema: falamos da Lei estadual nº 6.807, de 23 de junho de 2014, que complementa outros regramentos já existentes às pessoas com deficiência e, mais especificamente, às pessoas com transtorno do espectro de autismo.

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No entanto, como parece método reiterado do legislador pátrio, possui pouca efetividade a criação de uma norma por melhor que esta seja, se não houver o devido procedimento, isto é, a operacionalidade da norma, para que esta possa ser minimamente aplicável.

Fato é que, transcorrido mais de um ano, ainda se espera pela regula-mentação da Lei Berenice Piana. Assim, como ocorre em todas as vezes em que o legislador falha na questão procedimental, agora cabe à doutrina e à jurisprudência sedimentarem o caminho para viabilizar a aplicabilidade prática do efetivo direito às pessoas com transtorno do espectro de autismo.

E, ainda sem o devido procedimento normativo, os demais legislado-res, em caráter estadual ou municipal, edificam normas complementares às já existentes sem que, para isso, se observe, minimamente, o procedimento ou a viabilidade prática da norma. Caso típico refere-se à lei carioca sobre a facili-dade de acesso e ao direito de prioridade decorrente da deficiência. Isso por-que, se, em um primeiro momento, harmoniza-se com as Leis nºs 12.764/2012, 10.048/2000 e 7.853/1989, em contrapartida, o que se nota é a falta de proce-dimento, isto é, mecanismos para a aplicabilidade prática da norma.

Para tanto, primeiramente precisamos compreender melhor o que vem a ser o transtorno do espectro de autismo e, posteriormente, quais os objetivos pretendidos pelas leis citadas, para, por fim, analisar o porquê da ausência de procedimento macular a efetivação do direito das pessoas com esse transtorno.

1 O TRANSTORNO DO ESPECTRO DE AUTISMO

A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacio-nados à Saúde (CID-10) inclui o autismo na ordem dos transtornos globais do desenvolvimento (F84)1, dispondo especificamente duas categorias2:

Autismo infantil: transtorno global do desenvolvimento caracterizado por a) um desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da idade de três anos, e b) apresentando uma perturbação característica do funcionamento em cada um dos três domínios seguintes: interações sociais, comunicação, compor-tamento focalizado e repetitivo. Além disso, o transtorno se acompanha comu-

1 Disponível em: <http://www.datasus.gov.br/cid10/V2008/cid10.htm>. Acesso em: 9 ago. 2014.

2 Aqui nos ateremos apenas a estas duas, no entanto a CID-10 também relaciona a síndrome de Rett (F84.2), outro transtorno desintegrativo da infância (f84.3), transtorno com hipercinesia associada a retardo mental e a movimentos estereotipados (f84.4), síndrome de Asperger (f84.5), outros transtornos globais do desenvolvimento (f84.8) e transtornos globais não especificados do desenvolvimento (F84.9). Esses transtornos foram classificados conjuntamente porque todos causam, de algum modo, distúrbios no desenvolvimento, ou seja, o desenvolvimento ocorre de um jeito diferente do esperado para crianças da mesma idade. Ademais, todos afetam, de várias maneiras e intensidades, a comunicação, a interação social e o comportamento da pessoa.

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mente de numerosas outras manifestações inespecíficas, como, por exemplo, fobias, perturbações de sono ou da alimentação, crises de birra ou agressividade (autoagressividade).

Autismo atípico: transtorno global do desenvolvimento, ocorrendo após a idade de três anos ou que não responde a todos os três grupos de critérios diagnósticos do autismo infantil. Essa categoria deve ser utilizada para classi-ficar um desenvolvimento anormal ou alterado, aparecendo após a idade de três anos, e não apresentando manifestações patológicas suficientes em um ou dois dos três domínios psicopatológicos (interações sociais recíprocas, comu-nicação, comportamentos limitados, estereotipados ou repetitivos) implicados no autismo infantil; existem sempre anomalias características em um ou em vários destes domínios. O autismo atípico ocorre habitualmente em crianças que apresentam um retardo mental profundo ou um transtorno específico grave do desenvolvimento de linguagem do tipo receptivo.

Em Cartilha desenvolvida pelo Estado de São Paulo, mais especificamen-te pela Defensoria Pública do Estado, assim é definido o autismo:

O autismo é um transtorno global do desenvolvimento (também chamado de transtorno do espectro autista), caracterizado por alterações significativas na co-municação, na interação social e no comportamento da criança.

Essas alterações levam a importantes dificuldades adaptativas e aparecem antes dos 3 anos de idade, podendo ser percebidas3, em alguns casos, já nos primeiros meses de vida. As causas ainda não estão claramente identificadas, porém já se sabe que o autismo é mais comum em crianças do sexo masculino e independen-te da etnia, origem geográfica ou situação socioeconômica.

Ainda sobre o tema, contribui Gauderer:

Autismo é uma inadequacidade no desenvolvimento que se manifesta de ma-neira grave, durante toda a vida. É incapacidade, e aparece tipicamente nos três

3 Center for Disease Control and Prevention: Signs and Symptoms – People with ASD often have problems with social, emotional, and communication skills. They might repeat certain behaviors and might not want change in their daily activities. Many people with ASD also have different ways of learning, paying attention, or reacting to things. Signs of ASD begin during early childhood and typically last throughout a person’s life. Children or adults with ASD might: not point at objects to show interest (for example, not point at an airplane flying over); not look at objects when another person points at them; have trouble relating to others or not have an interest in other people at all; avoid eye contact and want to be alone; have trouble understanding other people’s feelings or talking about their own feelings; prefer not to be held or cuddled, or might cuddle only when they want to; appear to be unaware when people talk to them, but respond to other sounds; be very interested in people, but not know how to talk, play, or relate to them; repeat or echo words or phrases said to them, or repeat words or phrases in place of normal language; have trouble expressing their needs using typical words or motions; not play “pretend” games (for example, not pretend to “feed” a doll); repeat actions over and over again; have trouble adapting when a routine changes; have unusual reactions to the way things smell, taste, look, feel, or sound; lose skills they once had (for example, stop saying words they were using). (Disponível em: <http://www.cdc.gov/ncbddd/autism/data.html>. Acesso em: 9 ago. 2014)

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primeiros anos de vida. Acontece cerca de cinco entre cada dez mil nascidos e é quatro vezes mais comum entre meninos do que meninas. É uma enfermidade encontrada em todo o mundo e em famílias de toda configuração racial, étnica e social. Não se conseguiu provar nenhuma causa psicológica no meio ambiente dessas crianças que possa causar autismo.4

O Center for Disease Control and Prevention contribui com dados esta-tísticos5:

– About 1 in 68 children has been identified with autism spectrum disorder (ASD) according to estimates from CDC’s Autism and Developmental Disabilities Mo-nitoring (ADDM) Network.

– ASD is reported to occur in all racial, ethnic, and socioeconomic groups.

– ASD is almost 5 times more common among boys (1 in 42) than among girls (1 in 189).

– Studies in Asia, Europe, and North America have identified individuals with ASD with an average prevalence of about 1%. A study in South Korea reported a prevalence of 2.6%.

– About 1 in 6 children in the United States had a developmental disability in 2006-2008, ranging from mild disabilities such as speech and language im-pairments to serious developmental disabilities, such as intellectual disabilities, cerebral palsy, and autism.

Ademais, alerta para os desafios que envolvem o transtorno:

Autism spectrum disorder (ASD) is a developmental disability that can cause sig-nificant social, communication and behavioral challenges. There is often nothing about how people with ASD look that sets them apart from other people, but people with ASD may communicate, interact, behave, and learn in ways that are different from most other people. The learning, thinking, and problem-solving abilities of people with ASD can range from gifted to severely challenged. Some people with ASD need a lot of help in their daily lives; others need less.

A diagnosis of ASD now includes several conditions that used to be diagnosed separately: autistic disorder, pervasive developmental disorder not otherwise spe-cified (PDD-NOS), and Asperger syndrome. These conditions are now all called autism spectrum disorder.6

Ainda que seja complexa a identificação da doença e, principalmente, a convivência com uma pessoa que possua o transtorno do espectro do autismo, é direito e dever desta pessoa poder e querer levar uma vida normal, dentro dos

4 GAUDERER, E. C. Autismo. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 1993. p. XI.

5 Disponível em: <http://www.cdc.gov/ncbddd/autism/data.html>. Acesso em: 9 ago. 2014.

6 Disponível em: <http://www.cdc.gov/ncbddd/autism/data.html>. Acesso em: 9 ago. 2014.

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limites que suas próprias limitações impõem. De tal sorte que, em consonân-cia com a Constituição Federal de 1988 e seus primados fundamentais, a Lei Berenice Piana7 estabeleceu que a pessoa com transtorno do espectro do autis-mo passa a ser considerado como pessoa com deficiência8, para todos os efeitos legais9, e, com isso, estabelece direitos para elas. Então, analisemos a contribui-ção dessa lei em consonância com o já existente sistema erigido de proteção às pessoas com deficiência.

2 LEI Nº 12.764/2012 – A LEI BERENICE PIANA

A Lei nº 12.764/201210 institui a Política Nacional de Proteção dos Direi-tos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e, logo no art. 1º e seu § 1º, estabelece as condições para que uma pessoa seja considerada deficiente em virtude de possuir o transtorno:

§ 1º Para os efeitos desta lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguin-tes incisos I ou II:

I – deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da in-teração sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e

7 Aqui transcrevemos um trecho escrito por ela acerca de como identificou os sinais de autismo de seu filho: “Dayan é o caçula de 3 filhos. Apareceu depois de 8 anos e era muito esperado pelos outros 4 membros da família. Foi uma disputa só... um queria embalar, outro queria trocar fraldas, dar banho, e eu e meu marido chegamos a trocar o berço de lugar várias vezes, pois eu o colocava do meu lado da cama, e ele o colocava do lado dele. Não houve nenhum ‘pega que eu não aguento’, todos queriam pegá-lo sempre, afagá-lo, beijá-lo muito... Parece que estávamos adivinhando o que viria pela frente. Dayan era gracioso, lindo, rosado, cheio de vida. Desenvolveu-se bem e normalmente, até que percebemos que falava muito pouco para sua idade. Perto dos 2 anos, ele deixou de falar de vez. Emudeceu completamente e nunca mais falou. Também parou de sorrir, de chorar, de comer... ficou parado num cantinho e olhava para as mãos insistentemente sem mais reações. Fomos ao pediatra, que não encontrou nada errado com meu filho. Disse-me que todas as suas reações eram normais. Começou a via crucis de visitas a médicos e psicólogos, e a resposta era sempre a mesma: ‘Seu filho não tem nada’. Ele não voltava à vida, não era mais o meu menino. Meu marido foi a um sebo em Niterói e comprou alguns livros de psiquiatria a meu pedido, e comecei a estudar por conta própria. Logo percebi que meu filho era autista”. Para mais informações sobre a importância de Berenice Piana para os direitos dos autistas, leia a continuidade do artigo ao qual transcrevemos esse pequeno trecho: <http://www.revistaautismo.com.br/edicao-2/a-historia-de-uma-lei>. Acesso em: 9 ago. 2014.

8 “Art. 1º [...] § 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.”

9 Não se trata da única lei sobre proteção dos portadores de deficiência e podemos citar, entre outras: Lei nº 7.853/1989 (Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, garantindo o tratamento adequado em estabelecimentos de saúde públicos e privados específicos para a sua patologia); Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS); Lei nº 8.899/1994 (Concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual); Lei nº 10.048/2000 (Dá prioridade de atendimento às pessoas com deficiência); Lei nº 10.098/2000 (Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida).

10 A Lei nº 12.764/2012 resultou de projeto (PLS 168/2011) de autoria da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), presidida pelo Senador Paulo Paim (PT-RS). Esse PLS, que estabelece os direitos fundamentais da pessoa autista e a equipara à pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, cria um cadastro único com a finalidade de produzir estatísticas nacionais sobre o assunto.

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não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;

II – padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.

E estabelece que todos têm direito a uma vida digna11, à saúde e direito ao acesso a educação (inclusive com punição para o diretor que se recusar a fazer a matrícula em virtude da deficiência12), ao mercado de trabalho, entre outros13.

No tocante ao acesso ao ensino, temos a criação de leis estaduais especí-ficas sobre o tema a fim de garantir o acesso à educação por parte das pessoas com transtorno do espectro do autismo, mas não adentraremos no tema por não ser nosso escopo. Todavia, com os direitos equiparados aos deficientes, poderemos analisar o que se possibilita em termos práticos à facilitação do atendimento aos que possuem o transtorno de espectro de autismo em estabe-lecimentos privados.

3 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

A Constituição Federal de 1988 é composta por um conjunto de princí-pios e regras voltados para o desenvolvimento do Estado Democrático de Direi-to e a proteção de um conjunto de direitos tidos como fundamentais aos seres humanos. Para tanto, estabelece, nos arts. 1º e 3º, a função precípua do Estado Democrático de Direito:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

11 “Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: I – a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer; [...]”

12 “Art. 7º O gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos. § 1º Em caso de reincidência, apurada por processo administrativo, assegurado o contraditório e a ampla defesa, haverá a perda do cargo.”

13 “Art. 3º [...] IV – o acesso: a) à educação e ao ensino profissionalizante; b) à moradia, inclusive à residência protegida; c) ao mercado de trabalho; d) à previdência social e à assistência social.”

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V – o pluralismo político.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, ida-de e quaisquer outras formas de discriminação.

Ademais, para vislumbrar a missão e a responsabilidade desse Estado De-mocrático de Direito, mister se faz a complementação do Preâmbulo da Carta Magna:

[...] um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvi-mento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.

Uma das missões do Estado Democrático de Direito é proteger e salva-guardar os direitos tidos como fundamentais dos membros do Estado brasileiro. Assim, sobre o tema, Ingo Wolfgang Sarlet:

Os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência do Estado constitucional, constituindo, neste sentido, não apenas parte da Constituição for-mal, mas também elemento nuclear da Constituição material. Para além disso, estava definitivamente consagrada a íntima vinculação entre as ideias de Consti-tuição, Estado de Direito e direitos fundamentais.14

Então, cabe ao Estado Democrático de Direito brasileiro garantir e efeti-var a sua população um conjunto de direitos tidos como fundamentais, e João Paulo Mendes Neto destaca a importância do termo:

A adjetivação “fundamental” deve ser entendida como algo de grande impor-tância para existência humana, algo tão inerente ao homem que o garante a condição de pessoa. Em associação, os direitos fundamentais devem ser enten-didos como direitos que possuem uma prevalência dos valores e interesses por eles defendidos em relação a outros valores e interesses que não se fundam em direitos de elementar importância.15

14 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 61 e 62.

15 MENDES NETO, João Paulo. Direitos fundamentais: um pressuposto à soberania, democracia e o Estado Democrático de Direito. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 80, jul. 2012.

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Portanto, a tarefa principal do Estado Democrático de Direito é assegurar e fornecer os meios e elementos para garantir as aptidões às aspirações e an-seios dos indivíduos. E os fundamentos do Estado Democrático de Direito brasi-leiro são calcados na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nas liberdades, na igualdade, nos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e do pluralismo.

Destarte, podemos destacar ser função do Estado desenvolver os meca-nismos necessários para assegurar a harmonia social e as mesmas condições de existência para todos os membros da sociedade. E também é sua função corri-gir eventuais desvios quando os primados fundamentais não forem respeitados. Portanto, esse conjunto de deveres do Estado compreende a defesa dos direitos fundamentais.

No tocante aos deficientes, é dever do Estado brasileiro proteger as desi-gualdades e minorá-las para que todos tenham direito a uma vida digna e que sua dignidade seja preservada16. É a chamada proteção da dignidade da pessoa humana. Assim, uma pessoa com deficiência não pode ser discriminada em virtude de suas limitações, e, após a Lei Berenice Piana, as pessoas com o trans-torno do espectro do autismo17 também possuem essa proteção constitucional.

A fim de permitir a inclusão das pessoas com deficiência em um convívio social normal, o legislador pátrio promulgou algumas medidas legislativas para garantir o acesso e o atendimento aos deficientes. Destacamos a Constituição Federal, em seu art. 227, § 1º, II18, e o art. 2º, d, da Lei nº 8.742, de 7 de dezem-bro de 199319, entre outros, visto que poderíamos apontar outros dispositivos que garantem o acesso à educação, à saúde, ao mercado de trabalho; contudo, escolhemos um aspecto específico para analisar, a saber, a questão do atendi-mento prioritário ou preferencial.

16 É o que preconiza a Lei n° 7.583/89: “Art. 1º Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva integração social, nos termos desta lei. § 1º Na aplicação e interpretação desta lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito. Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico”.

17 Segundo dados do Ministério da Saúde, estima-se que existam cerca de dois milhões de pessoas portadoras do transtorno do espectro do autismo no Brasil. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2011/01_abr_autismo.html>. Acesso em: 4 ago. 2014.

18 “Art. 227. [...] § 1º [...] II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.”

19 “Art. 2º A assistência social tem por objetivos: [...] d) a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária.”

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Assim, elencamos a Lei nº 7.853/1989, em seu art. 9º20, o Decreto Fe-deral nº 3.298/1999, em seu art. 9º21, a Lei nº 10.048/2000, promulgada com o escopo específico do atendimento prioritário para as pessoas com deficiên-cia, como determinam os arts. 1º22 e 2º23 Lei Estadual do Rio Grande do Sul nº 13.320/2009, art. 4º24 Lei Estadual do Rio de Janeiro nº 6.807/2014, art. 1º25 Lei Estadual de Santa Catarina nº 8.295, de 8 de julho de 1991, em seu art. 1º26, entre outros.

Entretanto, quanto à questão do atendimento prioritário, o que mais cau-sa estranheza é exatamente o escopo deste nosso trabalho: a ausência de pro-cedimento quanto aos métodos a serem usados para este tipo de atendimento.

Não se discute que as pessoas com deficiência têm direito a um aten-dimento prioritário e preferencial, visto que a Constituição Federal defende a defesa da dignidade da pessoa humana e entendemos ser perfeitamente cabível a aplicação de um benefício para aquele que possui algum tipo de limitação ou deficiência. Assim, passar longo tempo em uma fila pode ocasionar um prejuízo direto ao deficiente; logo, não é essa a questão que se discute, mas sim a forma, ou melhor, a ausência de forma por parte do legislador em impor o atendimento prioritário.

20 “Art. 9º A Administração Pública Federal conferirá aos assuntos relativos às pessoas portadoras de deficiência tratamento prioritário e apropriado, para que lhes seja efetivamente ensejado o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua completa integração social. § 1º Os assuntos a que alude este artigo serão objeto de ação, coordenada e integrada, dos órgãos da Administração Pública Federal, e incluir-se-ão em Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, na qual estejam compreendidos planos, programas e projetos sujeitos a prazos e objetivos determinados. § 2º Ter-se-ão como integrantes da Administração Pública Federal, para os fins desta lei, além dos órgãos públicos, das autarquias, das empresas públicas e sociedades de economia mista, as respectivas subsidiárias e as fundações públicas.”

21 “Art. 9º Os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal direta e indireta deverão conferir, no âmbito das respectivas competências e finalidades, tratamento prioritário e adequado aos assuntos relativos à pessoa portadora de deficiência, visando a assegurar-lhe o pleno exercício de seus direitos básicos e a efetiva inclusão social.”

22 “Art. 1º As pessoas portadoras de deficiência, os idosos com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, as gestantes, as lactantes e as pessoas acompanhadas por crianças de colo terão atendimento prioritário, nos termos desta lei.”

23 “Art. 2º As repartições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos estão obrigadas a dispensar atendimento prioritário, por meio de serviços individualizados que assegurem tratamento diferenciado e atendimento imediato às pessoas a que se refere o art. 1º. Parágrafo único. É assegurada, em todas as instituições financeiras, a prioridade de atendimento às pessoas mencionadas no art. 1º.”

24 “Art. 4º Fica assegurado à pessoa com deficiência, assim como ao idoso e à gestante, o atendimento preferencial nos seguintes estabelecimentos: I – repartições públicas estaduais; II – sociedades de economia mista, empresas públicas, autarquias e fundações mantidas pelo Estado; III – instituições financeiras estaduais; e IV – hospitais, laboratórios de análises clínicas e unidades sanitárias estaduais, ou conveniados.”

25 “Art. 1º Os Órgãos Públicos Estaduais e os estabelecimentos privados ficam obrigados a dar atendimento prioritário, não retendo, em filas, as pessoas portadoras do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).”

26 “Art. 1º Às pessoas idosas ou deficientes é assegurado o direito de preferência de atendimento, nos seguintes estabelecimentos: I – repartições públicas, autarquias e fundações; II – hospitais, laboratórios de analises clínicas e postos de saúde; III – agências bancárias. Parágrafo único. Exemplar desta lei deverá ser afixado em local visível ao público usuário dos estabelecimentos enumerados neste artigo.”

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4 A FACILIDADE DE ACESSO E A FALTA DE PROCEDIMENTO

É louvável e deveras positiva a iniciativa do legislador em equiparar a pessoa com o transtorno do espectro do autismo à pessoa com deficiência e, por conseguinte, conceder-lhe atendimento prioritário nos estabelecimentos privados, além de promover a sua inclusão social. Tudo caminha de forma har-moniosa aos ditames constitucionais da defesa da dignidade da dignidade hu-mana, da minoração das desigualdades, da não discriminação e da convivência pacífica entre as pessoas na sociedade.

O problema reside na forma como esse benefício é aplicado, afinal, o legislador foi silente em estabelecer o procedimento de aplicação desse atendi-mento prioritário, isto é, como ensinamos aos nossos alunos: falta o manual de instrução da lei.

Ao ser silente quanto à forma, o legislador dificulta, sobremaneira, a apli-cação da norma, visto que existe uma gama de peculiaridades que envolvem o atendimento a uma pessoa com o transtorno do espectro do autismo.

Sobre o tema, Cecilia Mello:

As pessoas pouco sabem sobre o autismo. Suas causas ainda não foram bem definidas, mas o fator genético e hereditário parece ser um consenso no meio científico.

É importante lembrar que não existe um único tipo de autismo, razão da desig-nação técnica “transtornos do espectro do autismo”, haja vista a variedade e complexidade de graus de comprometimento dos indivíduos. Há pessoas com retardo mental e total incapacidade de comunicação (autismo clássico ou de bai-xo funcionamento). Mas há pessoas verbais, inteligentes e que atingem excelente grau de autonomia (autismo de alto funcionamento e síndrome de asperger). Vale anotar que mais de 50% dos que estão dentro do espectro não apresentam, em termos globais, restrição de QI.27

A maior questão é como lidar com a pessoa com o transtorno do espectro do autismo; afinal, um funcionário de um estabelecimento comercial não pos-sui o treinamento adequado e como o autismo possui diferentes tipos, mesmo que haja um treinamento básico, este pode resultar insuficiente para algum caso específico.

Se o autismo for leve e a pessoa possuir um bom grau de autonomia, as chances de algum problema são mínimas, porém, na lei, não há qualquer do-simetria acerca do autismo e, por conseguinte, não possui qualquer critério ou

27 MELLO, Cecilia. Pena para autista precisa ser aplicada adequadamente. Revista Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-abr-01/medidas-seguranca-autistas-aplicadas-adequadamente>. Acesso em: 12 ago. 2014.

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treinamento para lidar com a variedade de casos que podem ocorrer no cotidia-no envolvendo a pessoa com o transtorno do espectro do autismo.

O Center for Disease Control and Prevention alerta sobre a questão com-portamental e a forma como deve ser feita a aproximação:

According to reports by the American Academy of Pediatrics and the National Re-search Council, behavior and communication approaches that help children with ASD are those that provide structure, direction, and organization for the child in addition to family participation.

A notable treatment approach for people with an ASD is called applied behavior analysis (ABA). ABA has become widely accepted among health care professio-nals and used in many schools and treatment clinics. ABA encourages positive behaviors and discourages negative behaviors in order to improve a variety of skills. The child’s progress is tracked and measured.

There are different types of ABA. Following are some examples:

– Discrete Trial Training (DTT): DTT is a style of teaching that uses a series of trials to teach each step of a desired behavior or response. Lessons are broken down into their simplest parts and positive reinforcement is used to reward correct answers and behaviors. Incorrect answers are ignored.

– Early Intensive Behavioral Intervention (EIBI): This is a type of ABA for very young children with an ASD, usually younger than five, and often younger than three.

– Pivotal Response Training (PRT): PRT aims to increase a child’s motivation to le-arn, monitor his own behavior, and initiate communication with others. Positive changes in these behaviors should have widespread effects on other behaviors.

– Verbal Behavior Intervention (VBI): VBI is a type of ABA that focuses on tea-ching verbal skills.28

Note que a aproximação já possui um conjunto de peculiaridades que um funcionário ou servidor não está preparado para cumpri-las sem o devido treinamento especializado. Todavia, como a lei é silente quanto a essa exigên-cia, os estabelecimentos não são obrigados a ter um colaborador especializado. O problema é que imprevistos sempre podem ocorrer e, no caso do transtorno do espectro do autismo, um gesto mal feito, uma reação inesperada pode de-sencadear uma reação inesperada por parte do deficiente, logo, o “improviso brasileiro calcado na boa vontade em ajudar” pode ocasionar um dano.

A legislação sobre o tema não contempla a necessidade da presença de um acompanhante, um familiar para auxiliar o autista em caso de alguma ne-cessidade e, muito menos, disciplina acerca da necessidade de um colaborador

28 Disponível em: <http://www.cdc.gov/ncbddd/autism/treatment.html>. Acesso em: 11 ago. 2014.

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treinado sobre o tema para saber se portar ante alguma adversidade. Assim, ante a falta de procedimento, o que se vê é a potencialidade para que nada de estra-nho aconteça e que o deficiente tenha um atendimento prioritário e imediato, porém não existe preparo ou prevenção alguma para caso alguma situação não ocorra dentro da normalidade.

Ademais, a norma contempla o direito ao atendimento prioritário às pes-soas com deficiência e aos idosos, porém é silente quanto qual o procedimento ou se existe uma ordem de preferência em relação a uma fila de pessoas com deficiência ou demais pessoas que têm direito ao atendimento prioritário, por exemplo. E como fica a preferência elencada e estabelecida pelo Estatuto do Idoso ante a norma do atendimento prioritário? O legislador foi igualmente si-lente sobre o tema.

Se em um caixa de supermercado existir um caixa para atendimento prio-ritário e nessa fila estiver um idoso, uma gestante, uma pessoa com mobilidade reduzida e uma pessoa com o espectro do autismo, por exemplo, existe alguma preferência entre eles? E se o primeiro desta fila estiver com o carrinho cheio de compras ao passo que o último tem apenas um item? O mesmo exemplo pode ser aplicado a uma fila em uma instituição financeira e a demais estabelecimen-tos comercias.

Ademais, o despreparo do legislador ante a matéria já se nota na própria denominação, visto que a legislação estadual carioca, por exemplo, já em seu tipo, menciona: obriga os órgãos públicos e os estabelecimentos privados a dar preferência no atendimento, não retendo, em filas, pessoas portadoras do trans-torno do espectro do autismo (TEA) e dá outras providências.

A denominação portador não mais é utilizada, ou não deveria ser ao menos, no Brasil, desde a Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência29, na qual se decidiu que o termo correto a ser utilizado seria “pessoas com deficiência”. No entanto, o legislador desatento ou desinformado acerca dos interesses das pessoas com deficiência equivoca-se, inclusive, na forma como se referir a esse grupo de pessoas.

Evidentemente que se já no tratamento aparece o despreparo não seria quanto ao procedimento que o legislador mostraria todo o seu aparato técnico. O resultado foi uma longeva lista de incógnitas que não são respondidas no texto; portanto, o que se questiona é: se a lei não regulamenta e estabelece os mecanismos e critérios para aplicação de um correto atendimento prioritário àqueles que dele necessitam e fazem jus, como que os estabelecimentos priva-dos poderão se adequar às exigências legais?

29 Recepcionada no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009.

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Assim se questiona: o que é pior: uma instituição financeira ter o aten-dimento prioritário, mas não fazer distinção entre os beneficiários e destinar apenas e tão somente um guichê para tal atendimento, o que pode resultar em eventuais filas? Ou parar o atendimento normal dos demais clientes para que to-dos os que possuem prioridade sejam atendidos? Qual a forma mais adequada? E mais: se os funcionários não possuem o treinamento adequado, como lidar com a questão do direcionamento da fila, do atendimento etc.?

Essas são apenas algumas das indagações que podemos formular ante os problemas advindos da ausência do devido procedimento legal. Agora, o que se cogita e tramita no Congresso Nacional é a aprovação do estatuto para os que têm o transtorno do espectro do autismo. Todavia, desde já fazemos o alerta: pouca efetividade prática terá o referido estatuto se apenas e tão somente ratificar os direitos as pessoas com deficiência, pois o que falta, realmente, é o procedimento, isto é, os mecanismos que viabilizam a correta aplicação da lei.

CONCLUSÃO

O atendimento prioritário ou preferencial é devido e é uma realidade para aqueles que possuem algum tipo de deficiência ou para os idosos. Agora, em alguns Estados, como no caso do Rio de Janeiro, os estabelecimentos pres-tadores de serviços terão de prover atendimento imediato, além de prioritário àqueles que possuem o transtorno do espectro do autismo. Como já dissemos, é um direito do cidadão brasileiro ter esse atendimento prioritário em prol da defesa da dignidade da pessoa humana. Porém, a ausência do devido proce-dimento na norma causa uma gama de dificuldades aos mesmos estabeleci-mentos.

O primeiro deles é não saber sequer a quem deva atender primeiro, visto que a Lei Nacional não faz diferença entre o deficiente, a pessoa com o transtor-no do espectro do autismo, uma gestante ou um idoso. Logo, todos têm direito ao atendimento prioritário, mas a lei é silente ao determinar o critério de aten-dimento, isto é, se for estabelecido um guichê para atendimento a essas pessoas de forma exclusiva e estas terão de formar uma fila para serem atendidos, em caso de mais de uma. Ou se o estabelecimento deve parar o atendimento a todos os demais clientes até que não reste mais fila de atendimento prioritário.

O que tem imperado comumente no Brasil é um guichê especial e as pessoas ficam aguardando em fila sem maiores problemas. A inovação da lei estadual fluminense é a imposição de que todos devem ser atendidos priori-tariamente, o que nos leva a crer ser uma falha redacional, pois imaginenos o caos que se pode tornar uma instituição financeira se no quinto dia útil de cada mês, portanto, o dia do pagamento de salários aos funcionários, trinta pessoas,

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entre deficientes, idosos, gestantes e pessoas com o transtorno do espectro do autismo, estiverem na fila do caixa.

Pelos moldes convencionais, eles seguirão em fila no seu guichê específi-co, mas, pelo que pretende o legislador fluminense, o que se pretende é que os trinta sejam atendidos primeiro em detrimento dos demais correntistas.

A Constituição Federal de 1988 trata do tema da isonomia, isto é, to-dos devem ser tratados da mesma forma; portanto, não há que se falar em pa-rar o atendimento das demais pessoas para atender um grupo determinado de pessoas.

Voltamos ao ponto inicial: é direito dos idosos, gestantes e pessoas com deficiência terem um atendimento prioritário; contudo, é isonômico que haja um caixa ou mais de um dependendo do tamanho do estabelecimento para atender a esse grupo de pessoas, mas não a totalidade dos caixas disponíveis, porque senão a isonomia estará prejudicada.

Não nos parece ter sido este o espírito constitucional ao salvaguardar a defesa dos interesses de todos, da proteção à dignidade da pessoa humana e pela harmonia das relações sociais.

A medida fluminense, ao invés de promover a inclusão social, pode fo-mentar a discriminação, a hostilidade por uma medida instituída de forma equi-vocada e sem o devido zelo no momento de sua redação.

Se o legislador fluminense deseja, de fato, instituir tal medida no tocante ao atendimento preferencial, então que o faça de maneira clara, com as estipu-lações devidas, e não deixe uma linguagem imprecisa sujeita a interpretações, pois tal medida poderá contemplar a norma com um antigo jargão brasileiro: “Essa é mais uma lei que não pegou”.

REFERÊNCIASBRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Interna-cional sobre os direitos das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo, assina-dos em Nova York, em 30 de março de 2007.

______. Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a coordenadoria nacional para integração da pessoa portadora de deficiência – Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Públi-co, define crimes, e dá outras providências.

______. Lei nº 10.048, de 8 de novembro de 2000. Dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e dá outras providências.

______. Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a política nacional de pro-teção dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista; e altera o § 3º do art. 98 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

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CENTER for Disease Control and Prevention. Disponível em: <http://www.cdc.gov/ncbddd/autism/data.html>. Acesso em: 9 ago. 2014.

CLASSIFICAÇÃO Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID-10. Disponível em: <http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm>. Acesso em: 9 ago. 2014.

GAUDERER, E. C. Autismo. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 1993.

MELLO, Cecilia. Pena para autista precisa ser aplicada adequadamente. Revista Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-abr-01/medidas-seguranca-autistas--aplicadas-adequadamente>. Acesso em: 12 ago. 2014.

MENDES NETO, João Paulo. Direitos fundamentais: um pressuposto à soberania, democracia e o Estado Democrático de Direito. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 80, jul. 2012.

RIO de Janeiro. Lei nº 6.807, de 23 de junho de 2014. Obriga os órgãos públicos e os estabelecimentos privados a dar preferência no atendimento, não retendo, em filas, pessoas portadoras do transtorno do espectro do autismo (TEA) e dá outras provi-dências.

RIO Grande do Sul. Lei nº 13.320, de 21 de dezembro de 2009. Consolida a legislação relativa à pessoa com deficiência no estado do Rio Grande do Sul.

SANTA Catarina. Lei nº 8.295, de 8 de julho de 1991. Assegura direito preferencial de atendimento ao idoso ou deficiente.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

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Parte Geral – Doutrina

Reconhecimento Voluntário de Paternidade Socioafetiva

LEANDRO LOMEUTabelião de Protestos de Títulos da Comarca de Itambacuri, Minas Gerais, Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos (FDC/RJ), Especialista em Direito Registral Imobiliário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG), Membro do Instituto Brasi-leiro de Direito de Família (IBDFAM), Professor de Direito Civil na Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (Fadivale).

Tem que ser selado, registrado, carimbado

Avaliado, rotulado se quiser voar!

Se quiser voar...1

(O Carimbador Maluco – Plunct, Plact Zum. Raul Seixas)

1 ESTADO E AFETIVIDADE

A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, tal é a predição da Constituição Federal. Neste quesito, percebe-se um sustentáculo do próprio Estado Democrático de Direito, ou seja, quando o Estado protege a Família, erige arrimos sobre si mesmo. Daí podemos, por idas e vindas, afirmar que a proteção familiar oriunda do Estado é sempre um dos elementos nuclea-res garantidores do próprio Estado Democrático. O Estado abriga a família, logo é um Estado que se resguarda e protege a democracia.

É nítido este caráter protetor do Estado ao avaliarmos a guarida oferecida às crianças e adolescentes na Carta Constitucional, ao afirmar que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jo-vem” todos os direitos elencados no art. 227 da Constituição Federal. Convoca--se estas três entidades – família, sociedade e Estado – para protegerem o seu próprio futuro. Desta forma, formata-se um tripé que garante a ordem social.

Um grande exemplo deste Estado que deve sempre buscar atender aos anseios familiares encontra-se registrado na própria Constituição Federal, no § 3º do art. 226, que estabelece: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhe-cida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, deven-do a lei facilitar sua conversão em casamento”. Vontade.

1 Artigo e trecho da música dedicado a Bianca Bittencourt Lomeu, filha socioafetiva por opção, apesar de ser biológica. Estimando que os laços afetivos sobrevaleçam cada vez mais nossos laços biológicos, e que este seja o anseio jurídico-parental em nosso país.

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Se avaliarmos a norma constitucional, qual é a razão do trecho “para efeito da proteção do Estado”? Bastava que o constituinte fosse direto. É reco-nhecida união estável... Nestes moldes, ratificamos, à guisa de exemplo, com este trecho da Constituição Federal, que o Estado deve, sim, proteger, com ur-gência, as pluralidades familiares e os ajustes desta família que não estagna.

Há tempos a doutrina e jurisprudência nacional têm pregado e, por que não, consolidado sobre a importância da socioafetiva como princípio nuclear do direito das famílias – apesar de termos somente, por uma vez, a palavra afe-to, registrada no Código Civil. Tal termo está inserido na codificação como uma das formas de se averiguar qual genitor seria o guardião do filho, em casos de guarda unilateral: tal é a redação do art. 1.583.

Apesar desta mísera citação acerca do afeto em nosso Código Civil, ou-tras legislações mais recentes já têm se inclinado nesta direção, vertente esta que é sem volta para o direito das famílias – louvado que seja assim!

Abro margem para grifar e que se faça ressoar em altas vozes, ainda em nossos dias, o que João Baptista Vilela prega por longos anos: “Já notaram os senhores o quão pouco se fala de amor em sede de direito de família, como se este não fosse seu ingrediente fundamental?”

E conclui: “O amor está para o direito de família assim como o acordo de vontades está para o direito dos contratos”2. Essa citação deve ser sempre diretriz para os que lidam com o direito das famílias.

Quando olhamos para trás, pensamos até que afeto e direito eram pa-lavras antônimas. Havia um engessamento de questionamentos, onde se dizia diretamente ou entrelinhas: o Direito não pode quantificar o afeto. Não se pode responsabilizar o abandono afetivo. Filhos do amor?! Filho deve ser jurídico, está registrado?

Apesar de sabermos que não basta amoldar a vida à norma; é necessário humanizar o direito e não apenas ver aplicadas as leis, por lidar com a vida das pessoas, seus afetos e suas mágoas, elementos tão íntimos e subjetivos; o Direi-to deve ser mais célere, menos moroso. O Estado deve assegurar a felicidade, sempre que possível.

O Estado, ao garantir o reconhecimento voluntário de paternidade so-cioafetiva, enaltece o princípio da igualdade entre filhos, bem como assegura o direito à felicidade e a pluralidade das relações familiares.

2 VILLELA, João Baptista. Repensando o direito de família. In: Nova Realidade do Direito de Família. Rio de Janeiro: COAD, t. 2, SC Editora Jurídica, p. 52/59, 1999.

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2 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

É permitido o reconhecimento voluntário de paternidade perante o Ofi-cial de Registro Civil, na forma do art. 1.609 do Código Civil. Essa possibilida-de deve ser também perfeitamente estendida às hipóteses de reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva, já que a Carta Magna contemplou o princípio da igualdade da filiação, não podendo existir qualquer forma discri-minatória entre filhos.

A igualdade no direito da filiação está assegurada também no art. 20 do Estatuto das Crianças e Adolescentes, bem como no art. 1.596 do Código Ci-vil, que estabelecem os mesmos direitos e qualificações entre filhos, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Perante tal igualdade, consagrada está a máxima que não há hierarquias entre filiações, ou tipos de paternidade, seja biológica, afetiva ou civil. A pater-nidade tem como fundamento a afetividade, a convivência familiar e a vontade livre de ser pai.

Nada mais justo do que permitir que o pai socioafetivo possa ter o direito de registrar o seu filho, oriundo da afetividade, em condições de igualdade ao pai biológico. Aliás, essa premissa preconceituosa, de quem deve ir ao cartório registrar o filho é o pai biológico, não encontra embasamento no teor legal do art. 1.607, nem mesmo no art. 1.609 do Código Civil. Ambos afirmam que os pais podem registrar o filho, sendo tal ato irrevogável. Nas entrelinhas, as lei-turas que se faziam erroneamente eram: o pai biológico é que deve registrar o seu filho.

Afinal, quem é o pai? Objetivamente, “a paternidade reside antes no ser-viço e no amor que na procriação”3. Juridicamente, a paternidade está alicerça-da na socioafetiva, revelada pela posse de estado de filiação, que nos remete à clássica tríade nomen, tractus e fama. Assim, para que haja a posse de estado, é necessário que o menor carregue o nome da família, seja tratado como filho e que sua condição oriunda da filiação seja reconhecida socialmente4.

Autorizar o reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva de pessoas que se encontram registradas somente com o nome materno (sem pa-ternidade estabelecida, diretamente, e perante o Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais) é oportunizar a proteção às famílias brasileiras, é garantir o direito de filiação e o tratamento de igualdade constitucionalmente instituído. O reconhecimento espontâneo da afetividade em cartório enaltece a verdade real, que deve também ser a verdade registral.

3 VILLELA, João Baptista. A desbiologização de paternidade. Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 71, p. 45, jul./set. 1980.

4 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Paraná, 2004. p. 131-132.

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É ainda revelar e entender que paternidade pode ser natural ou civil, con-forme resulte de consanguinidade ou outra origem, entendendo que esta outra origem essencializa a afetividade, e a afetividade deve ser registrada. Afinal, as situações “de fato”5 devem ser consagradas tanto quanto as situações “de direi-to”, uma vez evidencializadas.

Recentemente, no IX Congresso Nacional de Direito de Família, promo-vido pelo Instituto Brasileiro de Direito das Famílias, tivemos a oportunidade de aprovar nove enunciados programáticos. O Enunciado nº 06/2013 estabelece que “do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental”. Assim, também, destacamos o registro civil espontâneo da parentalidade socioafetiva. Reconhecimento ju-rídico não significa reconhecimento judicial. Frisa-se, nestes moldes, perfeito o enunciado nos registros de pais e filhos afetivos e todos os seus direitos conexos.

Enfatiza-se que, em sede de segurança jurídica e em cumprimento ao devido processo legal, o registro voluntário extrajudicial somente será possível se o filho não possuir a paternidade registral estabelecida, e, ainda, inexistir pro-cesso judicial em trâmite no qual se discuta acerca da paternidade. Ressalte-se que o reconhecimento da paternidade socioafetiva não obstaculiza a discussão judicial sobre a verdade biológica.

Alcança-se, com o enraizamento deste direito, o mesmo patamar da igualdade jurídica dos filhos biológicos, em sede registral. Apontando para o vindouro, pode-se imaginar na multiparentalidade voluntária a perfeita intera-ção jurídica, registral e consolidada de pais registrais biológicos e afetivos.

Brilhantemente o músico Raul Seixas já rabiscava o Estado legalista, orto-doxo de algumas áreas do Direito hodierno, na letra da música “O carimbador maluco (plunct, plact, zum)”. Pelo olhar musical, podemos criticar alguns direi-tos engessados, onde tudo tem que ser selado, carimbado, rotulado, se quiser voar. Outrora, a lei está; o fato move-se. Resta, portanto, parafrasear: “Carim-bamos” o reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva. Para o seu foguete (registro voluntário e extrajudicial da paternidade socioafetiva) viajar pelo universo (Direito). É preciso ter o “carimbo” dando o sim, sim, sim, sim6...

5 “As situações de fato são espécies análogas de uma situação jurídica devidamente reconhecida e regulamentada pela lei, porém faltam-lhe determinados requisitos que as tornam carecedoras de condições legais para sua acessão, em princípio, na vida do direito. Sua existência é concreta em vários pontos das relações humanas, mas por insuficiência da sistemática ortodoxa em absorver a carência contida nessa situações acaba criando uma cisão entre o mundo real e o mundo jurídico”, conforme lições de SOARES, Danielle Machado. Condomínio de fato. Editora Renovar, p. 27.

6 Os sins começaram a eclodir por meio dos Provimentos publicados pelas Corregedorias-Gerais de Justiça do Estado do Maranhão (Provimento nº 21/2013), Pernambuco (Provimento nº 09/2013) e Ceará (Provimento nº 15/2013).

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Parte Geral – Doutrina

O Bem de Família Legal e Sua Interpretação pelo Superior Tribunal de Justiça

SÉRGIO MURILO HERRERA SIMÕESCoordenador da Pós-Graduação em Direito Imobiliário e Professor de Direito Civil da Universi-dade Estácio de Sá/RJ, Assessor Jurídico da ABAMI.

O instituto do bem de família, diferentemente de diversos institutos jurí-dicos, não tem sua origem no Direito romano, tendo surgido nos Estados Unidos da América, como consequência da crise econômica verificada no início do século XIX. Naquela ocasião, exatamente em 1839, no Estado do Texas, foi pro-mulgada uma lei que autorizava ficar isenta de penhora a pequena propriedade, desde que verificada a condição de ser utilizada como residência do devedor. Outros Estados adotaram a mesma regra e assim estava criado o instituto conhe-cido como homestead.

Atualmente é encontrada proteção similar ao bem de família na grande maioria da legislação mundial.

No Brasil, o instituto foi introduzido pelo Código Civil revogado de 1916, no qual era tratado no Livro I, “Das Pessoas”, depois transferido para o Livro II, “Dos Bens”, tendo sido matéria tratada posteriormente pelo Decreto-Lei nº 3.200, de 1941, o qual limitada os valores máximos dos imóveis, cuja limita-ção foi afastada posteriormente pela Lei nº 6.742/1979.

Posteriormente, outros dispositivos legais também regularam a matéria, como a Lei de Registros Públicos (6.015/1973) em seus arts. 260 a 265 e do Código de Processo Civil, no art. 1.218, VI.

A Constituição Federal tratou da matéria no art. 5º, XXVI, e, por fim, a Lei nº 8.009/1990 regulamentou o denominado bem de família obrigatório ou legal, imposto, portanto, pelo Estado, como norma de observância obrigatória, de ordem pública.

O Código Civil em vigor em substituição às disposições do Código Civil revogado trata da matéria dos arts. 1.711 a 1.722.

Portanto, no nosso ordenamento jurídico, as duas formas de bem de fa-mília convivem: o bem de família voluntariamente instituto e com regramento pelo Código Civil a partir do art. 1.711 e o bem de família involuntário ou legal, que é aquele decorrente da aplicação das disposições da Lei nº 8.009/1990, e, portanto, de ordem pública.

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Como corolário, a partir do advento da Lei nº 8.009/1990, tornou-se dispensável a instituição voluntária do bem de família, só tornando necessá-ria tal iniciativa na hipótese do parágrafo único do art. 5º da mencionada Lei nº 8.009/1990, ou seja, quando a família possuir vários imóveis utilizados como residência e não desejar que a impenhorabilidade recaia sobre aquele de menor valor comercial.

Neste trabalho pretendemos analisar a evolução da interpretação pelos nossos tribunais, principalmente o Superior Tribunal de Justiça, do bem de fa-mília legalmente instituído.

Com efeito, dispõe o art. 1º da mencionada Lei nº 8.009/1990:

O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e neles residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se as-sentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Verifica-se, portanto, que, para que haja o benefício da impenhorabi-lidade, é indispensável que a destinação do imóvel seja exclusivamente para residência do devedor e de sua família.

A primeira evolução de interpretação da referida norma está no conceito do que seja família ou entidade familiar.

O art. 226 da Constituição Federal alargou o conceito de família tradi-cional para admitir o reconhecimento de entidade família “união estável entre o homem e a mulher [...]” (§ 3º) e, também, para admitir a família monoparental, ou seja, aquela formada não por um casal, mas aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes (§ 4º).

Corroborando com os ditames do dispositivo constitucional menciona-do, o STJ evoluiu ainda mais e passou a permitir a incidência da impenhorabili-dade legal também para as pessoas que não tenham um núcleo familiar central, conforme entendimento sumulado por meio do Enunciado nº 364, que assim dispõe: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”.

Além disso, o STJ tem reconhecido para todos os efeitos legais a união havida entre pessoas do mesmo sexo, como se verifica, por exemplo, do acórdão proferido no REsp 827962/RS, da lavra do Ministro João Otávio de

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Noronha, pelo que os benefícios da impenhorabilidade, também, são aplicáveis ao bem de titularidade de um dos membros da família homoafetiva.

Relativamente à incidência da lei no tempo, o Superior Tribunal de Jus-tiça sumulou o entendimento de que a lei da impenhorabilidade do bem de família se aplica até mesmo às penhoras realizadas anteriormente à sua pro-mulgação.

Eis o que dispõe a Súmula nº 205 do STJ a respeito desse assunto: “A Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência”.

Por outro lado, a par de a lei exigir que, para usufruir do benefício da impenhorabilidade, a família deva residir no imóvel de sua propriedade, o STJ mitigou a interpretação de referido dispositivo legal ao entender que, não obs-tante a família não resida no imóvel de sua propriedade e tido como impenho-rável pela lei em comento, se o mesmo produzir renda necessária à subsistência do proprietário, mediante a locação do mesmo, a impenhorabilidade deve ser reconhecida.

Eis o que dispõe a esse respeito a Súmula nº 486 do STJ: “Único imóvel residencial alugado a terceiros é impenhorável, desde que a renda obtida com o aluguel seja para subsistência do proprietário”.

Por ser o direito dinâmico e cuja evolução jurisprudencial se verifica a partir da provocação dos profissionais do direito, muitos advogados tem levan-tado questionamento buscando o afastamento da impenhorabilidade legal dos imóveis de valor elevado ou denominado alto padrão, sob a alegação de que eventual saldo remanescente havido de uma alienação judicial seria suficiente para que o executado pudesse adquirir outro bem para sua residência.

Embora alicerçado no princípio da boa-fé, hoje elevado à condição de cláusula pétrea pelo Código Civil em vigor, o STJ fixou entendimento que mes-mo “os imóveis residenciais de alto padrão ou de luxo não estão excluídos, em razão do seu valor econômico, da proteção conferida aos bens de família pela Lei nº 8.009/1990” (REsp 1440786/SP).

Por outro lado, no que se refere aos utilitários da vida moderna que guar-necem a residência da família, tais como aparelhos eletroeletrônicos, o STJ tem entendido que os mesmos são, em regra, impenhoráveis quando guarnecem a residência do devedor, exegese que se faz do art. 1º, § 1º, da Lei nº 8.009/1990 (REsp 875687/RS), à exceção apenas os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos (Rcl 4374/MS).

Não obstante o STJ tenha elastecido a interpretação do instituto do bem de família em alguns dos seus aspectos, em um, especificamente, o referido Tri-bunal restringiu a incidência do benefício. Trata-se da hipótese em que o imóvel

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possui vaga de garagem com matrícula própria no registro imobiliário. Nessa hipótese, não obstante a vaga ser acessória da unidade imobiliária autônoma, a ela não se aplica o benefício da exclusão da impenhorabilidade, conforme en-tendimento sumulado por meio do Verbete nº 449 do STJ: “A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora”.

Como se verifica, ao longo do tempo, o Superior Tribunal de Justiça tem dado ao instituto do bem de família interpretação extensiva com, inclusive, edi-ção de alguns verbetes de súmulas, o que torna indispensável ao profissional do direito estar atualizado com referida interpretação.

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Parte Geral – Doutrina

Alimentos Gravídicos e a Lei nº 11�804/20081

DOUGLAS PHILLIPS FREITASAdvogado, Ex-Presidente do IBDFAM/SC, Professor da ESA/OAB – Seção de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, da AASP – Associação dos Advogados de São Paulo, entre outras diversas instituições de Pós-Graduação. Autor de diversos livros. Conferencista.

SUMÁRIO: Do quantum dos alimentos gravídicos; Da natureza dos alimentos gravídicos e seus as-pectos processuais; Do ônus probatório; Da conversão, revisão e extinção dos alimentos gravídicos; Presunção de paternidade; Dano moral e litigância de má-fé; Da execução dos alimentos gravídicos; Prescrição; Conclusão.

No dia 5 de novembro de 2008, foi sancionada a Lei nº 11.804. A cha-mada de Lei dos Alimentos Gravídicos, em vigor desde a sua publicação, dis-ciplina os alimentos a serem pagos para a mulher gestante e a forma como será exercido este direito. Objeto de controvérsias, a lei, sem dúvidas, traz impor-tante tutela satisfativa aos direitos da mãe, tanto na viabilização da futura prole como no rateio das despesas com o suposto pai.

Os alimentos gravídicos compreendem, conforme redação do art. 2º da Lei nº 11.804/2008,

os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêu-ticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.

Não se trata, portanto, de pensão alimentícia, tampouco de mera res-ponsabilização civil em relação ao suposto pai, mas de um instituto híbrido, tanto no aspecto material como processual, conforme breves linhas que abaixo seguem.

DO QUANTUM DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS

A leitura do texto legal informa claramente que os valores dos alimentos gravídicos compreendem aqueles “adicionais do período de gravidez”, “a juízo do médico”. Ou seja, salvo se a genitora não possuir condições de autossusten-

1 A discussão e análise completa do tema encontra-se no livro Alimentos gravídicos. 3. ed. São Paulo: Forense, 2014. Site: www.grupogen.com.br.

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to, o que poderá prejudicar o desenvolvimento fetal, há de se instruir a exor-dial com documento médico que determine “alimentação especial” ou “demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis” (como, por exemplo, e comum de certa forma, nos casos de gravidez de risco, diabetes gestacional, entre outros). Já no tocante à possibilidade de despesas “outras que o juiz” considerar pertinentes, deverão estas ser discriminadas para que não haja julga-mento extra ou ultra petita.

Ainda, na fixação do pensionamento mensal, deverão ser levados em conta os elementos trazidos na referida norma, porém, no tocante às despesas de internação e parto, por exemplo, salvo ajuste das partes, é temerário impor ao suposto pai, principalmente de forma liminar, tais custos quando já arcados pelo SUS ou convênio médico que a genitora possua.

Embora os critérios norteadores para fixação do quantum sejam diferen-tes da pensão alimentícia, prevista nos arts. 1.694 e seguintes do Código Civil de 2002, quando determinados, o raciocínio é o mesmo, isto é, deve-se levar em consideração todas as despesas relativas à gravidez (necessidade) e o poder de contribuição do pai e da mãe (disponibilidade/proporcionalidade) para a fixação de acordo com os rendimentos de ambos, já que a contribuição não é somente de um ou de outro.

Outrossim, sob pena de haver enriquecimento sem causa, não pode ser admitido ordem de desconto de percentual no salário do suposto pai para o pagamento de alimentos gravídicos (salvo quando entre as despesas estiver a necessidade alimentar da mãe, por exemplo, que não possui renda). Afirma-se isto, pois a gravidez possui, de regra, uma previsibilidade de gastos da “concep-ção ao parto” (objeto do instituto). Salvo fortuito, os primeiros exames pré-natais já identificam tratamentos e projeção de consultas, exames e demais gastos que deverão por planilha, a ônus da autora, ser apresentados na exordial para que o suposto pai, ao longo da gravidez, contribua (respeitando a proporção de disponibilidade financeiras das partes).

Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos são convertidos em pensão alimentícia tradicional, momento em que a base de cálculo muda e, em caso de alimentante empregado, torna adequada a fixação de percentual de salário e, em autônomos, a majoração do quantum para readequar a relação necessidade/disponibilidade própria do instituto.

DA NATUREZA DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS E SEUS ASPECTOS PROCESSUAIS

A natureza dos alimentos gravídicos é sui generis, tanto no aspecto mate-rial como processual. No tocante ao viés material, o instituto agrega elementos da pensão alimentícia e da responsabilidade civil. Da primeira, apropria-se a primazia de tutela em relação a outras obrigações (inclusive permitindo execu-

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ção nos moldes dos arts. 732 e 733); da segunda, a novel lei vale-se das regras de integral reparação patrimonial (já que a lei retroage o início da responsabi-lidade do suposto pai à “concepção”), ou seja, a data do acontecimento, como na responsabilidade civil (que juros e correção contam-se da data do fato e as medidas são de promover a restauração financeira do status quo ante).

Na seara processual, mantém-se a hibridez, pois a lei institui uma tutela de urgência que segue as regras das cautelares (vide prazo de contestação ser de 5 dias igual ao procedimento cautelar), porém, por ser satisfativa, contrapõe a natureza cautelar (que, de regra, não se admite satisfazer direito, apenas proces-so). Logo, os alimentos gravídicos, embora possuam um procedimento cautelar em seu bojo, são de natureza satisfativa, próprio das tutelas antecipatórias. Cabe esclarecer, também, que, ao contrário das cautelares, não há necessidade de interposição de ação principal.

Ainda que a lei não tenha se valido expressamente do Código Civil como regra supletiva, a exemplo do que fez com as Leis nºs 5.478/1968 (Lei de Ali-mentos) e 5.869/1973 (Código de Processo Civil), pelo escopo da norma, que é o de proteção da mãe e da futura prole, não há óbice à aplicação do CC/2002, principalmente nos termos do art. 1.698, que tem a seguinte redação:

Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002

[...]

Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas de-vem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.

Controvérsia, porém, instala-se quanto ao termo inicial dos alimentos gravídicos. O projeto que deu origem à lei fazia referência à citação, e, embora o veto presidencial, teoricamente a regra é a mesma, pois assim determina o Có-digo de Processo Civil. Numa interpretação sistemática, entretanto, por se tratar de norma específica mais recente, híbrida com a responsabilidade civil que os juros e as reparações patrimoniais contam-se da data do fato e não da citação, em que os alimentos gravídicos compreendem as despesas adicionais realiza-das “da concepção ao parto”, é possível requerer o reembolso das despesas já realizadas antes da citação (respeitando as regras de proporção e disponibilida-de já mencionadas), além da fixação de pagamento mensal que será de acordo com as despesas dos demais meses gestacionais – além, é claro, de fixação do quantum da pensão de alimentos ao menor (aí, sim, com possibilidade de des-conto em folha). Neste sentido, é a regra de direito material, numa análise à luz da analogia: “Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou”.

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Embora a lei informe que tal regra é aplicada ao ato ilícito, porém o que é o desamparo alimentar e das despesas de gravidez do pai em relação à mãe senão o conceito de ato ilícito trazido no amplo art. 186 do Código Civil?

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou impru-dência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

DO ÔNUS PROBATÓRIO

Salvo a presunção de paternidade dos casos de lei, como imposto nos arts. 1.597 e seguintes do Código Civil, o ônus probatório é da mãe. Mesmo o pai não podendo exercitar o pedido de exame de DNA como matéria de defesa (já que fora excluída essa possibilidade do texto do projeto de lei quando pro-mulgado), cabe à genitora apresentar “indícios de paternidade”, informada na lei, por meio de fotos, testemunhas, cartas, e-mails, entre tantas outras provas lícitas que puder trazer aos autos, lembrando que, ao contrário do que pugnam alguns, o simples pedido da genitora, por maior a necessidade presente nesta delicada condição, não goza de presunção de veracidade, nem existe a possi-bilidade de inversão do ônus probatório ao pai, pois este teria que fazer (já que não possui o exame pericial como meio probatório) prova negativa, o que é impossível e refutado pela jurisprudência.

Há de se aplicar a regra do art. 333, I, do Código Civil, a qual informa que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito. Mesmo sem o exame de DNA, algumas provas podem ser produzi-das pelo suposto pai, como a de ter realizado vasectomia, por exemplo. Os arts. 1.597 a 1.602 do Código Civil elencam as possibilidades de presunção ou não de paternidade, de acordo com casos de vasectomia, impotência sexual, novas núpcias, entre outras. Embora tais regras refiram-se aos casos de casa-mento, não há óbice para serem interpretadas extensivamente no tocante às hipóteses de união estável.

DA CONVERSÃO, REVISÃO E EXTINÇÃO DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS

A Lei dos Alimentos Gravídicos informa, no parágrafo único de seu art. 6º, que, “após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam con-vertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão”.

Ocorrendo o nascimento com vida, a revisão dos alimentos deverá ser feita cumulativamente com a investigação de paternidade, caso não seja esta reconhecida, mediante exame de DNA – lembrando, é claro, que não há possi-

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bilidade de retroagir os valores já pagos se der negativo o referido exame, haja vista a natureza dessa obrigação.

Ante o interesse do alimentante, a ação de investigação será provavel-mente proposta pelo suposto pai, ao invés da genitora, como tradicionalmente ocorre.

Independente do reconhecimento da paternidade, por serem os critérios fundantes da fixação do quantum da pensão de alimentos e dos alimentos gra-vídicos diferentes, não sendo suficientes ou demasiados, urge revisá-los nos mesmos moldes do que informa a Lei Civil de 2002, verbis:

Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.

Tal revisão poderá ser realizada, também, durante a gestação, embora, pela morosidade processual, dificilmente se verá o fecho da demanda antes do nascimento do menor. Mas, após seu nascimento, quando convertido em pen-são de alimentos, não há qualquer óbice.

No tocante à extinção da ação, ela se dará automaticamente em casos de aborto ou de natimorto.

Importante destacar que o nascimento do menor antes do término ou da concessão da ação de alimentos gravídicos não a extingue, este não perde seu objeto, pois a vinculação de sua propositura está no fato de que a genitora deve estar grávida quando do protocolo da ação; o nascimento superveniente do menor não altera essas condições, até porque a lei já prevê esta condição e fixa direito de alimentos quando ocorrido.

PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE

A lei informa que a fixação dos alimentos gravídicos se dará de acordo com o convencimento do juiz acerca da “existência de indícios da paterni-dade”, conforme dito do art. 6º da referida norma. Não é possível, contudo, realizar-se qualquer exame pericial, pelo menos na tecnologia atual, sob pena de se pôr em risco a existência do feto, e tal possibilidade não é admitida pelo nosso ordenamento jurídico, já que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (CC, art. 2º).

Os indícios de paternidade e possível acordo em audiência de concilia-ção não impõem, salvo que o objeto do acordo seja o reconhecimento volun-tário da paternidade, o requerido como pai da prole credora dos alimentos. Ao nascer a criança, todo o procedimento de investigação de paternidade deverá ocorrer, lembrando que, se houver reconhecimento voluntário, mas fundado

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este em vício de vontade, poderá ser visitado em ação própria, conforme enten-dimento dos tribunais superiores neste sentido.

DANO MORAL E LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Na discussão do ressarcimento dos valores pagos e danos morais em favor do suposto pai, de regra, não cabe nenhuma das duas possibilidades: pri-meiro, por haver natureza alimentar no instituto; segundo, por ter sido excluído o texto do projeto de lei que previa tais indenizações. Porém, se confirmada, posteriormente, a negativa da paternidade, não se afasta esta possibilidade em determinados casos. Além da má-fé (multa por litigância ímproba), pode a auto-ra (gestante) ser também condenada por danos materiais e/ou morais se provado que, ao invés de apenas exercitar regularmente seu direito, esta sabia que o su-posto pai realmente não o era, mas se valeu do instituto para lograr um auxílio financeiro de terceiro inocente. Isto, sem dúvidas, se ocorrer, é abuso de direito (art. 187 do CC), que nada mais é, senão, o exercício irregular de um direito, que, por força do próprio artigo e do art. 927 do CC, equipara-se ao ato ilícito e torna-se fundamento para a responsabilidade civil.

DA EXECUÇÃO DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOSNão foi por acaso que a lei ao ser promulgada citou a Lei dos Alimentos

como norma supletiva. A equiparação do instituto ao da pensão dos alimentos permite a execução nos termos dos arts. 732 ou 733 do Código de Processo Ci-vil. Ocorre que, pela natureza híbrida que permite o ingresso da ação de despe-sas já realizadas (afinal, pode-se pedir desde a “concepção”), não seria possível nas despesas anteriores à citação a execução pelo rito do art. 733 do CPC (pena de prisão), mas apenas do art. 732 da mesma lei. Justifico o posicionamento por dois motivos: primeiro, o fundamento da execução do art. 733 é para dívidas alimentares já reconhecidas e não pagas; por sua natureza alimentar (urgente), a prisão se justifica para compelir o devedor; segundo, dar executividade aos alimentos anteriores a citação, despesas estas que não são necessariamente ali-mentar, apenas elevadas a tal status, é priorizar o instituto do “alimentos graví-dicos” em relação à “pensão alimentícia”, esta que só é devida após a citação.

Em suma, o crédito a título dos alimentos gravídicos pode ser composto das despesas da concepção ao parto, logo, gastos anteriores ao protocolo da ação, mas a execução deste crédito, no rito do art. 733 do CPC, somente dos valores vincendos a partir da citação (os anteriores ficam sob o rito do art. 732 do CPC).

PRESCRIÇÃO

À luz dos fundamentos acima, como é possível obter o ressarcimento das despesas da “concepção ao parto”, o prazo prescricional para tanto é de 3 (três)

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anos, o mesmo da responsabilidade civil. Logo, não é imprescritível como o da pensão de alimentos, esta devida somente a partir do nascimento, conforme texto da própria lei que diferencia um e outro instituto. In verbis:

Art. 6º Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará ali-mentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.

Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.

CONCLUSÃO

Os alimentos gravídicos, sem dúvida, permitirão melhor tutela às mulhe-res em gestão e à futura prole que, para seu nascimento com saúde, tanto preci-sa do suporte financeiro do pai e de outros parentes, no caso de impossibilidade daquele (não há óbice na ampliação do instituto, já que este se vale, subsidia-riamente, das regras da pensão de alimentos). Porém, é indispensável cautela, principalmente por parte do Magistrado, e, ante a morosidade da Justiça na determinação destes alimentos especiais, deverão ser fixados de modo propor-cional aos rendimentos do casal e de acordo com as provas da paternidade e das despesas. Enquanto a primeira não precisará ser muito comprovada, ante a fragilidade desta produção probatória, as provas dos gastos devem ser robustas, já que, como dito, são previsíveis e facilmente documentados os valores gastos e a serem despendidos durante a gravidez. Assim, é preciso que os advogados – meus pares –, ao buscarem a efetividade do direito de suas clientes, não o façam de forma temerária para que, num futuro próximo, este importante instituto não se torne sinônimo de excessos e aviltamentos, como infelizmente se apresenta hoje o dano moral, imprescindível instituto manchado por sua má utilização.

AneXo 01 MODELO DE EXORDIAL

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(JUÍZA) DE DIREI-TO DA VARA DA FAMÍLIA DA COMARCA DE FLORIANÓPOLIS – SANTA CATARINA

MARIA DA LUZ, brasileira, solteira, vendedora, CPF 00000000-00, com endereço perante a Rua Felipe Schmidt, nº 000, apartamento 101, centro, no município de Florianópolis – Santa Catarina, vem, perante excelso julgador, por meio de seu advogado constituído (procuração em anexo), propor, nos termos da Lei nº 11.804, de 5 de novembro de 2008, a presente

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Ação de Alimentos grAvídicos

em face de JOÃO FUJÃO, brasileiro, solteiro, comerciante, CPF ignora-do, com endereço perante a Rua Vereador Walter Borges, nº 000, casa, Campi-nas, no Município de São José – Santa Catarina, pelas razões que abaixo passa a expor:

I – DOS FATOS

Informar as condições que deram início o relacionamento.

A oportunidade que ocorreu a concepção (se estavam namorando, em união estável, casados, se foi um relacionamento evento etc.).

Condição financeira da autora e do réu, e qual a proporção dos recur-sos do réu em relação à autora para subsidiar o compromisso financeiro de ambos (sugestão de redação exemplificativa: “A autora recebe renda mensal de R$ 1.000,00, enquanto o requerido percebe mensalmente remuneração de aproximadamente R$ 2.000,00, logo, as despesas da gravidez, na proporção do rendimento de cada um, devem ser custeadas na ordem de 1/3 pela autora e 2/3 pelo réu).

Planilha dos gastos realizados e a serem realizados decorrentes da ges-tação (informar e anexar orçamentos de lojas de crianças e previsão de gastos decorrentes de ordem médica, quando o caso).

A informar de que segue em anexo a prova da gravidez (atestado médico) e as demais provas das outras alegações (sugestão: e-mails, troca de mensagens, fotos e declarações no Orkut, MSN etc.)

II – DO DIREITO

ii.1 do dever de pAgAmento de Alimentos grAvídicos

Excelso julgador, com o advento da Lei nº 11.804/2008, que institui os alimentos gravídicos, ao suposto pai (acima qualificado) é imputado, com base no princípio da paternidade responsável, auxiliar o custeio das despesas decor-rentes da gravidez, já devidamente demonstradas (gastos realizados e despesas vindouras), inclusive com orçamentos e recibos em anexo.

A legislação citada regra claramente, em seu art. 2º, que os alimentos gravídicos “compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adi-cionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes”.

Portanto, são direitos pleiteados pela autora:

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ii.2 dA pAternidAde imputAdA e do ônus proBAtório

Salvo os casos de paternidade presumida, a produção desta prova numa ação de baixa cognição impõe a autora em situação desfavorável na obtenção de seu direito. Outrossim, deve o douto Magistrado sobrepesar algumas regras mais formais ante ao contexto aqui apresentado, pois não há como se esperar prova mais complexas (salvo DNA, que não se realiza nesta ação) do que as produzidas nesta peça.

A doutrina, neste diapasão, informa que:

A produção probatória na ação de alimentos gravídicos, por si só, é de baixa cognição por conta do procedimento que a mesma se propõe seguir. [...] Não há como esperar, em falando do atual sistema dos alimentos gravídicos num conjun-to probatório de maior complexidade. Salvo as presunções de paternidade que basicamente dispensam qualquer outra prova, deve a parte autora trazer alguma prova de seu relacionamento, mas deve também o Magistrado entender que pro-va de relacionamentos, principalmente os mais efêmeros, é de difícil produção, e sua não apresentação, por si só, não pode ser motivo de negativa da tutela. [...] Em suma, a presunção de boa-fé da parte autora, dependendo do que fora narrado na exordial e no que fora informado na contestação, sem qualquer prova documental, pode, se convencido o Magistrado dos indícios da paternidade (ou seja, do possível fato do réu ser o pai, mesmo que não o seja), fixar os valores dos alimentos gravídicos (FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos. 3. ed. São Paulo: Forense, p. 112-115).

Neste sentido a jurisprudência já firmou que:

Alimentos gravídicos. Autora comprovou relacionamento com o réu no perío-do da concepção. Prova oral é suficiente para a pretensão da pensão alimentí-cia provisória especial. Desnecessidade de comprovação da paternidade. (TJSP, AC 6667034000, Rel. Nathan Zelinschi de Arruda, DJ 11.01.2010)

ii.3 do dever de reemBolso dAs despesAs

A autora já promoveu a realização de despesas oriundas de seu estado gravídico e, portanto, tem direito ao reembolso delas na proporção dos recursos do requerido. Como narrado nesta exordial, a proporção de rendimentos da autora e do requerido é na ordem, respectivamente, de 1/3 para 2/3; logo, 2/3 das despesas promovidas (em anexo) devem ser reembolsadas pelo requerido à autora.

O escopo legislativo deste pleito é decorrente da seguinte regra trazida na Lei dos Alimentos Gravídicos:

Art. 2º Os alimentos de que trata esta lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela de-correntes, da concepção ao parto [...].

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Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das des-pesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.

A doutrina, de forma didática, informa que:

Na pensão de alimentos, não pode se buscar valores retroativos por este instituto; somente são devidos os valores vincendos, nas indenizatórias, respeitada a pres-crição, prevalece a regra do status quo ante, ou seja, reembolso/reparação inte-gral, mesma regra imposta pela Lei dos Alimentos Gravídicos, que, se a gestante propor esta ação durante a gravidez, não importando o momento, poderá se valer do instituto e pedir o que fora e o que será gasto entre a concepção e o parto. Estes e outros argumentos consolidam a natureza híbrida do instituto (FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos. 3. ed. São Paulo: Forense, 2010, p. 1352).

Outrossim, igual comprometimento financeiro do requerido deve ocorrer nas despesas que virão (posteriores à propositura da ação e/ou em seu curso), já devidamente transcritas nesta peça e fundamentadas com base em orçamentos anexados, devendo tais valores serem pagos à autora a fim de que ela possa realizar o pagamento de tais ônus com a contribuição paterna, cada qual na proporção de seus recursos.

ii.4 dA conversão em pensão de Alimentos

É disposto na Lei dos Alimentos Gravídicos, instituto de clara economia processual:

Art. 6º [...]

Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.

Com a mudança da titularidade, já que o crédito deixa de ser da autora e passa a ser da futura prole, o sistema de cálculo do quantum deixa de ser o disposto acima e passa a ser aquele da pensão alimentícia disposto no Código Civil de 2002, in verbis:

Art. 1.694. [...].

§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclaman-te e dos recursos da pessoa obrigada.

Neste sentido, o ilustre jurista Dimas Carvalho informa que:

2 A página informada pode variar de acordo com a edição do livro. Consultar.

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Alimentos, no conceito de direito de família, é a prestação fornecida a uma pes-soa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades de so-brevivência, tratando-se não só de sustento, como também de vestuário, habi-tação, assistência médica em caso de doença, enfim, de todo o necessário para atender às necessidades da vida e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução. (CARVALHO, Dimas Messias de. Direito de família. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 389)

Ante a remuneração do requerido, este quantum deve ser fixado na or-dem de 30% de seus rendimentos (R$ 2.000,00) já informados nesta peça, ou seja, na ordem de 1,2 salário-mínimo (R$ 600,00), e, no caso de possuir carteira assinada, que tal percentual seja descontado, incidindo sobre 13º, férias e 1/3 de lei, entre outras remunerações a serem pagos, em ambos os casos, junto à conta bancária da autora informada abaixo.

III – DO PEDIDO

Ante o exposto, requer:

– a concessão do benefício da justiça gratuita, conforme declaração de hipossuficiência em anexo;

– a fixação por tutela antecipada inaudita altera parte de alimentos gra-vídicos o valor de R$ xxxx, ora despesas já realizadas e R$ xxxx, das despesas a serem realizadas conforme provas já anexadas (orçamen-tos e recibos), devendo tal valor ser pago em parcela única junto ao Banco xxxx, agência xxx e conta corrente xxxx em nome da autora;

– alternativamente, não havendo o convencimento de plano que justi-fique a tutela pretendida, haja o aprazamento de audiência de justifi-cação nos termos do art. 804 do CPC;

– a intimação do representante do Ministério Público;

– a confirmação da tutela e a condenação do réu no pagamento dos alimentos gravídicos e determinação de pensão alimentícia em favor da criança ao seu nascimento previsto para __/__/__, sendo descon-tado de seu salário 30% de seus rendimentos ou na inexistência de carteira assinada por depósito bancário na ordem de 1,2 salários mí-nimos mensais (ante o quantum remuneratório percebido pelo réu), em ambos os casos, a pensão deve ser paga a autora na conta já informada;

– o acolhimento das provas já produzidas e a realização de novas se necessário para o convencimento, como ouvida pessoal e de teste-munhas.

Desde já, arrolam-se as seguintes testemunhas:

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[qualificação]

[qualificação]

– a condenação do réu em custas e honorários calculados sobre o valor da ação.

Valor da causa: R$ xxxxxxxxxxx

Nestes termos,

Pede deferimento.

Florianópolis/SC, xx de xx de 20xx.

Dr. Fulano de Tal OAB/SC xxxxx.

COMENTÁRIOS

1. Se o relacionamento das partes decorreu de união estável ou casa-mento, os argumentos da “suposta paternidade” podem ser modificados para a imputação de “paternidade presumida”, incluindo no texto a seguinte citação:

Situação mais cômoda reside na concessão dos alimentos gravídicos em casos de paternidade presumida3. “[...] permite que os alimentos gravídicos sejam fixados com simples comprovação do status de presunção de paternidade” (FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos. 3. ed. São Paulo: Forense, 2010, p. 118).

2. A presente inicial foi confeccionada partindo da premissa de que a gestante não precisará de alimentação especial ou de alimentos para si, mas, se houver tais necessidades, há de se criar tópico próprio e nos pedidos informar que há de se fixar pensionamento nos mesmos moldes que se requereu ao me-nor após seu nascimento, já que é possível (embora não tão comum) uma gra-videz de risco, e a mulher precisará, nestes casos, parar de trabalhar, devendo, com devida prova anexada de tal situação médica, requerer o pensionamento. Segue citação sugerida para inclusão:

A lei não determinou alimentos à gestante, apenas o custeio de alimentação es-pecial se determinado por médico, mas, comprovada a falta de disponibilidade financeira para o custeio daquele ou deste tipo de alimentação, para viabilida-de do feto há de ser incluída no quantum dos alimentos gravídicos (FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos. 3. ed. São Paulo: Forense, 2010. p. 158).

3 Referindo-se ao art. 1.597 do CC, que se estende também à união estável.

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AneXo 02 MODELO DE CONTESTAÇÃo

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(JUÍZA) DE DIREI-TO DA 1ª VARA DA FAMÍLIA DA COMARCA DE FLORIANÓPOLIS – SANTA CATARINA

AUTOS Nº 023.10.00000-0

JOÃO FUJÃO, brasileiro, solteiro, comerciante, CPF 000000000-00, com ende-reço perante a Rua Vereador Walter Borges, nº 000, casa, Campinas, no Municí-pio de São José – Santa Catarina, por meio de seu advogado constituído (procu-ração em anexo), apresenta sua

contestAção

aos argumentos fático-jurídicos apresentador por MARIA DA LUZ, devidamente qualificada nos autos em epígrafe, pelas razões que abaixo passa a expor:

I – DOS FATOS

Alterar todas as questões fáticas apresentadas na exordial que não fo-rem verdadeiras, como rendimento do requerido, oportunidade da concepção, como se conheceram, entre outras incongruências que houver (anexando as respectivas provas destas alegações).

II – DO DIREITO

ii.1 dA ineXistênciA de provAs dA supostA pAternidAde

Apresentar os argumentos e as provas de que não havia relacionamento ou que o relacionamento ocorrido não se deu na época da concepção.

II.2 Do quantum dos alimentos gravídicos

Contrapor o quantum pleiteado ou fixado, principalmente se não houve juntada de orçamento ou provas.

É comum a fixação dos alimentos gravídicos, já na etapa da gestante, ocorrer em percentual da remuneração do réu, porém, ao contrário da pensão alimentícia, os alimentos gravídicos possuem um valor previsível e, de certa for-

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ma, fechado; logo, seu quantum deve seguir essa linha de cálculo, e não aquela dos alimentos convencionais.

Citação para esta discussão:

A necessidade de dupla fixação é de técnica processual adequada e justiça para evitar locupletamento de uma das partes ou prejuízo da outra. O cálculo da pensão de alimentos se dá na proporção entre necessidade, disponibilidade e proporcionalidade, neste trinômio, por assim dizer, a aferição do quantum dos alimentos gravídicos é realizada por outro viés [...]. Os valores decorrentes dos alimentos gravídicos, como se nota em sua regra legal, são especificamente de despesas realizadas ou a serem promovidas decorrente da gravidez. [...] Enquan-to na pensão de alimentos um sujeito financeiramente abastado, para elevar a condição social de seu filho à mesma que a sua e dos outros membros da família, pagará um valor de alimentos maior que a pura necessidade do alimentado, nos alimentos gravídicos essa relação de “necessidade x disponibilidade” não existe da mesma forma, pois aqui se verifica, tão somente, a necessidade e sua parti-lha em relação à proporcionalidade contributiva do suposto pai e da gestante. (FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos. 3. ed. São Paulo: Forense, 2010. p. 165-168)

Mesmo apresentando recibos e orçamentos, há de se analisar as despe-sas informadas, já que a lei informa claramente a expressão “indispensável”, e, portanto, há de se verificar a indispensabilidade do que se busca como base de cálculo dos alimentos gravídicos, devendo, portanto, opor-se a tais despesas nesta contestação.

ii.3 dA modAlidAde de Alimentos grAvídicos

Como os alimentos gravídicos não pagos podem gerar prisão do inadim-plente, há de diferenciar quando se trata de alimentos gravídicos da modalidade vital daqueles de modalidade meramente indenizatória.

Deve-se, portanto, nos casos em que há ambos, informar qual o valor vital e qual indenizatório, pois não há sentido haver a prisão do inadimplente porque não custeou, por exemplo, a compra do berço.

Citação sugerida:

A necessidade de diferenciar os institutos é por conta dos objetos que venham a compor o quantum dos alimentos gravídicos, pois quando o pleito é o pagamento de necessidades básicas da gestante, como alimentação, os alimentos gravídicos são da modalidade vital, e quando o pleito é o pagamento das despesas indispen-sáveis (decorrentes) da gravidez, como roupas ao neném, berço, entre outras, os alimentos gravídicos são indenizatórios. (FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos. 3. ed. São Paulo: Forense, 2010. p. 141)

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ii.4 dA necessidAde do AlimentAdo nA conversão dos Alimentos

Aqui se faz a mesma discussão que se apresenta numa ação convencio-nal de alimentos no tocante à disponibilidade e necessidade.

Segue sugestão de citação:

Alimentos, no conceito de direito de família, é a prestação fornecida a uma pes-soa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades de so-brevivência, tratando-se não só de sustento, como também de vestuário, habi-tação, assistência médica em caso de doença, enfim, de todo o necessário para atender às necessidades da vida e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução. (CARVALHO, Dimas Messias de. Direito de família. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 389)

III – DO PEDIDO

Ante o exposto, requer:

– a improcedência do pleito de alimentos gravídicos por conta da ine-xistência (ou insuficiência) probatória no tocante à suposta paterni-dade;

– alternativamente, a reconsideração dos alimentos gravídicos liminar-mente fixados, reduzindo-os para xxx, já que a renda do alimentante é inferior ao informado (ou a despesa imputada pela autora é menor do que o quantum imputado);

– alternativamente, a separação do quantum dos alimentos gravídicos no tocante ao crédito da gestante e sua modalidade (vital ou indeni-zatório) e ao crédito da futura prole em seu nascimento, fixando de forma separada cada um;

– a realização de audiência de justificação nos termos do art. 804 do CPC para revogação dos alimentos concedidos;

– a confirmação dos pedidos aqui realizados na decisão final.

Desde já, arrolam-se as seguintes testemunhas:

[qualificação]

[qualificação]

– a condenação da autora em custas e honorários calculados sobre o valor da ação.

Nestes termos,

Pede deferimento.

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Florianópolis/SC, xx de xx de 20xx.

Dr. Fulano de Tal OAB/SC xxxxx.

COMENTÁRIOS

A presente contestação foi embasada na premissa de que houve fixação liminar de alimentos gravídicos.

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Parte Geral – Doutrina

Parto Anônimo, Celeridade dos Processos de Adoção e Novo Código de Processo Civil1

MARIA ISABEL RODRIGUES FERRAZAcadêmica do 5º Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes (2º Semestre/2014).

IONETE DE MAGALHÃES SOUZAProfessora do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, Mes-tre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutora em Direito pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA).

RESUMO: Este artigo tem o escopo de analisar a possível legalização do parto anônimo (Projeto de Lei nº 3.220/2008) no ordenamento jurídico brasileiro, assim como a possibilidade de contribuição para a celeridade dos processos de adoção e se, consequentemente, tal medida estaria de acordo com as propostas do novo Código de Processo Civil. O trabalho também abordará a repercussão social e suas consequências frente à Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.

PALAVRAS-CHAVE: Parto anônimo; anteprojeto do CPC; adoção; celeridade processual.

ABSTRACT: This article has the scope to analyze the possible legalization of Baby Safe Haven (Bill No. 3.220/2008) in the Brazilian legal system, as well as the possibility of contributing to the speed of adoption processes, and consequently, such a measure would be in accordance with the proposals of the New Code of Civil Procedure. The paper will also approach the social impact and its consequen-ces against the Constitution of the Federative Republic of Brazil, 1988.

KEYWORDS: Baby safe haven; new CCP; adoption; procedural celerity.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Noção de parto anônimo; 2 Parto anônimo, celeridade dos processos de adoção e anteprojeto do Novo Código de Processo Civil; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente artigo, mediante a utilização da metodologia dedutiva, com pesquisa bibliográfica, pretende analisar o Projeto de Lei (PL) nº 3.220/2008 e suas contribuições para a celeridade dos processos de adoção, além de estabe-lecer as garantias constitucionais que seriam efetivadas mediante a aprovação

1 Artigo científico produzido no grupo de pesquisa “Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil – 2013/2014” – Módulo: Família, orientado por Ionete de Magalhães Souza.

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do supracitado PL e do novo Código de Processo Civil, frente aos arts. 5º, rol dos direitos e garantias fundamentais, complementado pela Emenda Constitu-cional nº 45 (EC 45/2004), e 227 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (CRFB/1988).

Serão consideradas duas vertentes: a aceitação dos projetos e a recusa deles, partindo de análise crítica sobre os pontos positivos e negativos dos im-pactos legais e sociais que a aprovação dos projetos acarretaria.

1 NOÇÃO DE PARTO ANÔNIMO

A mulher, depois de ver o seu valor reconhecido pela sociedade, teve diversos direitos garantidos, principalmente com relação a sua saúde e desen-volvimento. Afinal, é a partir da concepção de um ser humano, capacidade que somente as mulheres possuem, que estas se comunicam com o corpo social. Destarte, questões relacionadas com as mulheres possuem grande importân-cia para o equilíbrio e constituição da sociedade, e, visando a evitar eventuais desequilíbrios sociais, políticas de saúde e educação foram demandadas para proteger a mulher, os seus filhos e a sua relação com eles, para que nem um nem outro saiam prejudicados e com seus direitos violados.

Ainda assim, muitos casos de crianças abandonadas pelas suas próprias mães já foram relatados pela mídia. Ionete de Magalhães Souza diz que “ser genitor não quer dizer, necessariamente, que é um pai” – e é partindo de defi-nições como essa que o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), por meio do Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA), propôs a legalização do parto anônimo, por meio do PL 3.220/2008.

Define-se o parto anônimo como o que “diz respeito ao direito de entre-ga exercido pela mulher que coloca a criança recém-nascida, sua filha, à dispo-sição para adoção nos hospitais e casas de saúde sem qualquer imputação civil ou penal” (Souza; Versiani, 2012, p. 69). Se legalizado, as gestantes, interessa-das em entregar o filho para a adoção, receberão tratamento diferenciado nos hospitais, acompanhamento ginecológico e psiquiátrico, com garantia de sigi-lo. A prática do parto em anonimato é legal em diversos países, como França, Alemanha, Itália, Áustria, Suíça, Espanha e alguns estados dos Estados Unidos.

Certo é que essa prática nasceu da “Roda dos Expostos”, desenvolvida durante a Idade Média, por volta de 1189. Essa roda consistia em uma estrutura de madeira com pequenas portas, localizadas, geralmente, nas Santas Casas de Misericórdia, posta de uma forma para que a mãe, ao abandonar o seu filho no local, não tivesse sua identidade revelada. A primeira Santa Casa de Misericór-dia, no Brasil, a ter uma Roda para esta finalidade foi na Bahia, e, em 1948, foi desativada a última Roda dos Expostos brasileira em São Paulo (Souza; Versiani, 2012).

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Esse método, por muitos anos, foi uma forma de fuga para as mulheres grávidas e solteiras da época. Assim, doando o seu filho para a adoção sem que sua identidade fosse revelada, a sua própria imagem era preservada de discrimi-nação e segregação social.

No entanto, a sociedade contemporânea, revestida de valores e padrões diferentes das épocas passadas, atribui outra finalidade à prática do parto em anonimato: o PL em questão tem como objetivo diminuir a ocorrência de abor-tos e abandonos, além de tornar os processos de adoção mais céleres.

Todavia, o PL, ainda em trâmite, encontra impedimentos para a sua apro-vação em princípios e garantias fundamentais da CRFB/1988, pois a prática do parto anônimo feriria alguns direitos do nascituro, como o direito à filiação e o direito ao conhecimento da origem genética. Tais direitos seriam violados porque a criança permaneceria sem filiação até o momento de sua adoção e a identidade de seus genitores não seria revelada. A relevância do conhecimento da origem genética, por exemplo, é bem definida por Rodolfo Cunha Salles: “O direito à identidade genética advém da concepção do direito de identidade pes-soal, relacionado ao estabelecimento e identificação do estado do indivíduo” (Salles, 2010, p. 194). Esse direito, assim como o direito à filiação, relaciona-se com a própria segurança da identidade de cada indivíduo.

Ainda assim, “os que defendem a legalização do parto em anonimato afirmam que, demandando políticas efetivas por parte do Poder Público, esta afastaria a clandestinidade do abandono e protegeria, sobremaneira, a vida e a integridade do recém-nascido” (Souza; Versiani, 2012, p. 72). Afinal, a ideia principal desse PL é dar às crianças indesejadas e abandonadas condições para que possam usufruir direitos previstos: direito à vida, à dignidade humana e à proteção especial.

Para aqueles que são contra a legalização, esses direitos já são assegura-dos às crianças, por meio do dever estatal frente ao art. 227 da CRFB/1988, e o Estado cumpre tal dever ao auxiliar e apoiar as mães, quando estas manifestam o desejo de entregar o filho para a adoção. Dessa forma, a criança indeseja-da e a genitora são amparadas tanto de forma constitucional quanto pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que normatiza a adoção e estabelece os direitos do nascituro e da mãe, os desta última no art. 8º, § 5º, e no art. 13, parágrafo único.

2 PARTO ANÔNIMO, CELERIDADE DOS PROCESSOS DE ADOÇÃO E ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Os Estados contemporâneos trazem, em suas Constituições, direitos fundamentais garantidos a todos os cidadãos, e a submissão do Estado a es-

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sas garantias é que caracteriza a definição de Estado de Direito. Para Carré de Malberg apud Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias,

por Estado de Direito deve-se entender aquele Estado que, nas relações com seus súditos e para garantia deles, submete-se, ele próprio, a um regime de direito, se-gundo o qual suas atividades são regidas por um conjunto de regras de natureza diversa [...]. (Dias, 2003, p. 217)

O Estado Democrático de Direito também é um Estado constitucional, e este justifica o surgimento de um Estado vinculado ao direito, consequência dos processos constituintes americano e francês e da crescente constitucionalidade dos ordenamentos jurídicos.

A função essencial do Estado é tratar os seus cidadãos de forma iguali-tária, garantindo-lhes os direitos fundamentais constados na CRFB/1988. Um desses direitos é o direito à razoável duração do processo, inserido pela Emenda Constitucional nº 45, acrescendo ao art. 5º da CRFB/1988 o inciso LXVIII.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garan-tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

O processo deve ter uma duração razoável, sob pena de se tornar inócua uma decisão tardia. O direito ao prazo razoável significa adequação temporal da ju-risdição, mediante processo sem dilações indevidas, eis que o acesso à jurisdição envolve o direito de obter do Estado uma decisão jurisdicional em prazo razoá-vel. (Neves, 2006, p. 55)

É partindo desses ideais e desses direitos constitucionais que, constante-mente, o Poder Legislativo busca aperfeiçoar o ordenamento jurídico brasileiro, com o objetivo de sempre assegurar as garantias fundamentais a todos os ci-dadãos.

O processo apresenta-se como meio principal de efetivação de garantias constitucionais, e, por isso, a celeridade processual tem se tornado objetivo dos legisladores. De tal maneira, propostas para alcançar tal finalidade são apre-sentadas, como o novo Código de Processo Civil. Há divergências doutrinárias acerca da eficiência das mudanças propostas pelo novo Código, que promete mudanças legislativas com o objetivo de tornar os processos mais céleres.

Mediante medidas com finalidade processual, pode-se relacionar o PL 3.220/2008, que visa à legalização do parto anônimo, com o novo Código de

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Processo Civil, visto que ambos objetivam diminuir a morosidade dos seus res-pectivos processos. De acordo com aqueles que defendem a aprovação des-ses projetos, tais medidas seriam efetivas para a celeridade dos processos. No entanto, os que não defendem a aprovação indicam que esses projetos não condizem com os princípios constitucionais que regem os direitos materiais e processuais.

A prática do parto anônimo, como já citado neste mesmo artigo, con-traria direitos constitucionais, como o direito à filiação e ao conhecimento da origem genética, previstos tanto na CRFB/1988 como no ECA.

Já o novo Código de Processo Civil, apesar de pretender acelerar os pro-cessos, retira dos cidadãos algumas garantias também relativas ao processo:

Tais legislações acabam por retirar do cidadão garantias fundamentais conquista-das, tais como o acesso ao contraditório, a ampla defesa e, principalmente, a uma defesa cômoda, já que impede a parte de levar ao conhecimento de um órgão colegiado (o tribunal), a análise de uma decisão tomada por um único juiz reti-rando, com isso, o acesso ao duplo grau de jurisdição, corolário lógico da ampla defesa. (Teixeira, 2006, p. 66)

Isto porque, pretendendo diminuir a duração dos processos, o legislador retirou ou comprimiu etapas dos processos essenciais aos cidadãos, e uma de-las foi a dialética. Essas mudanças, além de contrariarem a própria CRFB/1988, contrariam o conceito de Estado Democrático de Direito que o Estado brasileiro possui, já que retira dos cidadãos direitos adquiridos durante as etapas de con-quistas históricas e de evolução dos movimentos constitucionalistas.

Assim preceitua José dos Santos Carvalho Filho apud Carlos Eloi Teles Pereira:

Quando se assenta a premissa de que a soberania do Estado permite àqueles que representam a sociedade a edição de atos legislativos, a suposição é a de que tais atos devem guardar a compatibilidade com a Constituição. Significa dizer que ao poder jurídico e político de criação de leis, o Estado, por seus agentes parlamentares, tem o dever de respeitar os parâmetros constitucionais. Por isso, assim como se pode afirmar ser lícita a edição regular de leis, pode também asseverar-se que é lícito criar lei em descompasso com a Constituição. (Pereira, 2013, p. 46)

Constata-se, noutra vertente, que a nova Lei de Adoção, ao incluir o § 5º no art. 8º do ECA, já garante o auxílio necessário às gestantes que desejam dar o filho para a adoção, fazendo a criação de outros dispositivos legais com o mesmo objetivo tornar-se desnecessária (Souza; Versiani, 2012, p. 18).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao iniciar a análise comparada dos mencionados projetos, sob a luz do ordenamento jurídico brasileiro, constata-se que mudanças legislativas radicais não irão, por si só, diminuir a morosidade da atividade jurisdicional do Estado e conferir celeridade à tramitação dos processos.

Os doutrinadores, em sua grande maioria, entendem que, para atingir esses objetivos, mudanças qualitativas e quantitativas nas estruturas do Poder Judiciário mostram-se mais eficazes.

Ademais, enquanto a prática do parto em anonimato promete, entre ou-tras coisas, a celeridade dos processos de adoção, e o novo Código de Proces-so Civil promete a diminuição da morosidade da atividade jurisdicional, esses projetos ferem direitos constitucionais fundamentais em suas respectivas áreas.

Assim, há de se crer que há meios de legislar a favor de mudanças posi-tivas sem ferir direitos e garantias constitucionais.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO Brasileira de Normas Técnicas. Informação e documentação – Referên-cias – Elaboração: NBR 6023. Rio de Janeiro, 2002.

BARRAL, Welber de Oliveira. Metodologia da pesquisa jurídica. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

BARROS, Fernanda Otoni de. Do direito ao pai. Belo Horizonte: Del Rey, v. 2, 2001.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 2014.

BONAT, Débora. Metodologia da pesquisa. 3. ed. Curitiba: Iesde Brasil S.A., 2009.

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Apontamentos sobre o Estado Democrático de Direito. Revista do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, 2003.

GOBBO, Edenilza; WIBRANTZ, Carlize. Parto anônimo e a afronta ao conhecimento da origem genética. Joaçaba: Unoesc & Ciência – ACSA, v. 1, n. 2, p. 163-170, jul./dez. 2010.

NEVES, Isabela Dias. Direito à razoável duração do processo no Estado Democrático. Revista do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, 2006.

PEREIRA, Carlos Eloi Teles. Responsabilidade do Estado pela edição de lei inconstitu-cional e de efeito concreto. Montes Claros. Trabalho de Conclusão de Curso – Univer-sidade Estadual de Montes Claros, 2013.

QUEIROZ, Olívia Pinto de Oliveira Bayas. O parto anônimo à luz do constitucionalis-mo brasileiro. Dissertação (Mestrado). Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 2010.

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SALLES, Rodolfo Cunha. O direito à identidade genética e o estado de filiação: análise dos critérios definidores do vínculo de filiação e o direito ao conhecimento da origem biológica. Revista de Artigos do Ministério Público, Brasília, n. 4, p. 171-202, 2010.

SOUZA, Ionete de Magalhães; VERSIANI, Tátilla Gomes. Parto anônimo, direito à identidade genética, dignidade humana e reforma do Judiciário: conjecturas. Montes Claros. Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade Estadual de Montes Claros, 2010. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/pdf/cj027016.pdf>. Aces-so em: 10 jun. 2013.

SOUZA, Ionete de Magalhães. VERSIANI, Tátilla Gomes. Parto anônimo, abandono infantil e morosidade nos processos de adoção. Revista Atualidades Jurídicas, n. 16, p. 65-76, abr./mai./jun. 2012. Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/Revista-16/Atualidades-Juridicas-16.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2013.

SOUZA, Ionete de Magalhães. Perícia paterna e acesso à justiça – Uma análise consti-tucional. 3. ed. Leme: J. H. Mizuno, 2013.

TEIXEIRA, Welington Luzia. As novas reformas do CPC e o Estado Democrático de Direito: adequação ou colisão? Revista do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, p. 63-95, 2006.

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Parte Geral – Doutrina

Relações Homoafetivas e o Direito Sucessório no Caso do Casamento

Las Relaciones Homoafetivas y la Ley de Sucesión en el Caso de Matrimonio

DENISE SCHMITT SIQUEIRA GARCIADoutora pela Universidade de Alicante na Espanha, Mestre em Derecho Ambiental y Soste-nibilidad pela Universidade de Alicante na Espanha, Mestre em Ciência Jurídica, Especialista em Direito Processual Civil, Graduada em Direito, Professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica, de Pós-Graduação Lato Sensu e da Graduação, Coorde-nadora de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Processual Civil da Universidade do Vale do Itajaí, Membro do Grupo de Pesquisa Estado, Direito Ambiental, Transnacionalidade, Pesqui-sadora do Projeto de Pesquisa aprovado no CNPq intitulado “Possibilidades e Limites da Ava-liação Ambiental Estratégica no Brasil e Impacto na Gestão Ambiental Portuária”, Advogada.

FLÁVIA DAS NEVESPós-Graduanda em Direito Penal e Processo Penal no Complexo Educacional Damásio de Jesus, Residente no Ministério Público de Santa Catarina.

RESUMO: Este artigo científico tem um enfoque na transformação do direito de família ligado ao pre-ceito constitucional do art. 226, que relaciona as relações familiares constitucionalmente tratadas. O tema principal é a identificação do direito sucessório aplicável no caso de casamento entre pessoas do mesmo sexo, buscando analisar o entendimento jurisprudencial acerca de tal tema, além de se desenvolver uma análise da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIn 4277. Seu objetivo geral é identificar quais normas regularão a sucessão nessas hipóteses, se aquelas concernentes à união estável ou aquelas concernentes ao casamento no que tange ao direito sucessório. Os objetivos es-pecíficos são perquirir quais os direitos adquiridos na união homoafetiva por meio do julgado do STF e a consequente possibilidade de casamento na união homoafetiva e diferenciar o direito sucessório da união estável e do casamento. Para a elaboração do artigo, foi utilizado método indutivo, com as técnicas do referente, das categorias, do fichamento e da revisão bibliográfica.

PALAVRAS-CHAVE: União homoafetiva; casamento; direito sucessório brasileiro.

RESUMEN: Este artículo científico tiene un enfoque sobre la transformación del derecho de familia conectada con el precepto constitucional del artículo 226 relacionando las relaciones familiares cons-titucionalmente tratados. El tema principal es la identificación de la ley de sucesión aplicable en el caso de matrimonios del mismo sexo, tratando de analizar la comprensión judicial sobre este tema, así como desarrollar un análisis de la decisión de la Corte Suprema en ADIn 4277. Su objetivo general es identificar qué reglas regirán la sucesión en esas hipótesis, si las relativas a la Unión estable o las relativas a la Unión con respecto a la ley de sucesión. Los objetivos específicos son afirmar que adquirió los derechos sobre la Unión de homosexuales por el juicio del STF y la consiguiente posi-bilidad de matrimonio en unión del mismo-sexo y diferenciar la ley de sucesión de la Unión estable y el matrimonio. Para la redacción del artículo fue utilizado método inductivo, con las técnicas de la referente, las categorías, la toma de huellas dactilares y la revisión de la literatura.

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PALABRAS CLAVE: Unión homo-afectiva; casamiento; derecho sucesorio brasileño.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Aspectos gerais do direito sucessório no casamento e na união estável; 2 A união homoafetiva e o casamento; 3 Direito sucessório aplicável às relações homoafetivas no caso de casamento; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Devido a grandes modificações sofridas no seio da sociedade, existe sempre a necessidade de atualização do Direito na esfera do direito privado, com o objetivo latente de atendimento dos direitos dos cidadãos.

A temática abordada neste artigo científico tem um enfoque na transfor-mação do direito de família ligado ao preceito constitucional do art. 226, que relaciona as relações familiares constitucionalmente tratadas.

O presente artigo científico tem como tema principal a identificação do direito sucessório aplicável no caso de casamento entre pessoas do mes-mo sexo, buscando analisar o entendimento jurisprudencial acerca de tal tema, além de se desenvolver uma análise da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIn 4277. Seu objetivo geral é identificar quais normas regularão a sucessão nessas hipóteses, se aquelas concernentes à união estável ou aquelas concer-nentes ao casamento no que tange ao direito sucessório. Os objetivos específi-cos são perquirir quais os direitos adquiridos na união homoafetiva por meio do julgado do STF e a consequente possibilidade de casamento na união homoafe-tiva e diferenciar o direito sucessório da união estável e do casamento.

Deste modo, iniciando-se o estudo deste artigo, procurar-se-á trazer al-guns conceitos e explicações importantes ao entendimento do tema, essencial-mente quanto à conceituação doutrinária de direito sucessório, sendo que, após tal estudo, procurar-se-á apontar, de maneira objetiva, quais as principais dife-renças entre o direito sucessório no casamento e na união estável.

Na segunda parte, far-se-á a caracterização e conceituação básica da união homoafetiva, demonstrando os direitos adquiridos por meio do julga-mento da ADIn 4277 pelo Supremo Tribunal Federal, finalizando-se com a con-sequente verificação acerca da possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Por fim, na terceira parte, demonstrar-se-á qual o entendimento doutri-nário e jurisprudencial acerca do tema, procurando-se identificar qual a norma sucessória aplicável no caso em tela.

Para a elaboração do artigo, foi utilizado método indutivo, com as técni-cas do referente, das categorias, do fichamento e da revisão bibliográfica.

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1 ASPECTOS GERAIS DO DIREITO SUCESSÓRIO NO CASAMENTO E NA UNIÃO ESTÁVEL

A primeira conceituação pertinente e lógica para o presente artigo cientí-fico é a de “direito sucessório”; assim, procurar-se-á traçar comentários a partir de alguns doutrinadores de direito das sucessões, a fim de tentar esclarecer tal tema.

Para Carlos Roberto Gonçalves1, sucessão significa,

[...] o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na ti-tularidade de determinados bens. [...] O referido ramo do Direito disciplina a transmissão do patrimônio, ou seja, do ativo e do passivo do de cujus ou autor da herança aos seus sucessores.

Nos dizeres de Sílvio de Salvo Venosa2, “[...] suceder é substituir, tomar o lugar de outrem no campo de fenômenos jurídicos. Na sucessão, existe uma substituição do titular de um direito”, afirmando ainda, que direito das su cessões

[...] trata-se de um campo específico do direito civil: a transmissão de bens, di-reitos e obrigações em razão da morte. [...] disciplina, portanto, a projeção das situações jurídicas existentes, no momento da morte, da desaparição física da pessoa, a seus sucessores.

Nesta senda, Maria Berenice Dias3 leciona que sucessão “[...] é a substi-tuição do titular de um direito, com relação a coisas, bens, direitos ou encargos. [...] A sucessão é um efeito jurídico, mais corretamente uma aquisição mortis causa”.

Ora... isso esclarecido, observa-se que o objetivo principal do direito sucessório é garantir aos familiares do falecido que seu patrimônio seja preser-vado, preferencialmente, dentro do âmbito familiar.

Impende salientar também, para melhor desenvolvimento deste artigo científico, a conceituação de casamento e união estável.

Para Carlos Roberto Gonçalves4, casamento é “[...] a sociedade do ho-mem e da mulher, que se unem para perpetuar a espécie, para ajudar-se me-diante socorros mútuos a carregar o peso da vida, e para compartilhar seu co-mum destino”.

1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, v. 7, 2007. p. 1-2.

2 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 01. 7. v.

3 DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 28.

4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, v. 6, 2005.

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Já Maria Berenice Dias5 conceitua união estável como a comprovação de “[...] existência de relacionamento duradouro, em que haja vida em comum, coabitação e laços afetivos, que está frente a uma entidade familiar [...]”.

Destarte, observa-se que a união estável e o casamento possuem o mes-mo objetivo – duas pessoas utilizando seus laços afetivos para constituir uma família.

No entanto, no que tange ao direito sucessório, existem distinções entre a sucessão dos companheiros e dos cônjuges, razão pela qual se passará a res-saltar alguns desses pontos divergentes.

Num primeiro momento, convém destacar o entendimento de Sílvio de Salvo Venosa6 acerca de tais diferenças, o qual demonstra o quão limitado foi o legislador ao tratar da sucessão de companheiros, afirmando que

[...] poderia o legislador ter optado em fazer a união estável equivalente ao casa-mento em matéria sucessória, mas não o fez. Preferiu estabelecer um sistema su-cessório isolado, no qual o companheiro supérstite nem é equiparado ao cônjuge nem se estabelecem regras claras para sua sucessão.

Nesse viés, a primeira diferença a ser apontada é que os companheiros que vivem em união estável são considerados herdeiros legítimos, enquanto os cônjuges estão previstos no art. 1.8457 do Código Civil como herdeiros neces-sários, ou seja, possuem a garantia mínima da legítima.

Nesse sentido, leciona Maria Berenice Dias8:

No atual Código Civil, o cônjuge foi promovido à condição de herdeiro neces-sário (CC, art. 1.845), mas o companheiro não. O cônjuge ocupa o terceiro lugar na ordem de vocação hereditária. O seu direito é garantido, faz jus à legítima, ou seja, à metade do acervo que integra a herança. Assim, quando do falecimento de um dos cônjuges, na ausência de descendentes ou ascendentes, a herança obrigatoriamente é transmitida ao sobrevivente. O companheiro da união estável não goza do mesmo privilégio. É simplesmente herdeiro legítimo e não herdeiro necessário (CC, art. 1.790). Como herdeiro facultativo, pode imotivadamente ser excluído da sucessão (CC, art. 1.850).

Outro ponto relevante é o direito real de habilitação concedido ao cônju-ge ou companheiro sobrevivente – direito de permanecer na casa do casal após o falecimento de seu consorte. Em que pese ambos possuírem tal direito, apenas

5 DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito e a justiça. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

6 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 134.

7 “Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.”

8 DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 69.

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o cônjuge poderá continuar a residir na casa após se casar ou passar a viver em união estável com outra pessoa, sendo que o companheiro apenas continuará residindo na casa enquanto permanecer sozinho.

É digno de nota ainda que, enquanto o cônjuge preenche a terceira po-sição na ordem de vocação hereditária, apenas ficando atrás dos descendentes e ascendentes, o companheiro ocupa o último lugar, até mesmo depois dos colaterais, ou seja, este somente poderá receber a totalidade da herança se o de cujus não tiver nenhum outro parente vivo – irmão, tio, sobrinho, tio-avô ou até mesmo um primo9.

No que tange a essa agravante, Maria Berenice Dias10 conclui a triste realidade: “[...] o parceiro sobrevivente, depois de anos de convívio, pelo fato de não conseguir comprovar participação de ordem econômica na constituição do patrimônio, acaba ficando sem nada”, isso porque o caput do art. 1.790 do Código Civil traz a previsão de que o companheiro ou a companheira sobrevi-vente terá direito somente a herança advinda dos bens adquiridos na constância da união estável, diverso do que ocorre no direito sucessório do cônjuge.

Em que pese tanto o cônjuge quanto o companheiro sobrevivente pos-suírem legitimidade para serem administradores provisórios da herança11 e pos-suírem preferência para serem os inventariantes12, nos aspectos processuais, as diferenças entre as sucessões dos companheiros e dos cônjuges se intensificam, tendo em vista que são concedidos apenas ao cônjuge os direitos de requerer a abertura do inventário13 e a abertura da sucessão provisória do cônjuge au-sente14.

Feitas tais considerações a respeito do direito sucessório e analisadas, de forma objetiva, as distinções entre a sucessão dos companheiros e dos cônjuges, passar-se-á a perquirir acerca da união homoafetiva e a possibilidade de casa-mento entre pessoas do mesmo sexo.

9 “Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: [...] IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”

10 DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito e a justiça. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

11 “Art. 1.797. Até o compromisso do inventariante, a administração da herança caberá, sucessivamente: I – ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão [...].”

12 “Art. 990. O juiz nomeará inventariante: I – o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste [...].”

13 “Art. 988. Tem, contudo, legitimidade concorrente: I – o cônjuge supérstite [...].”

14 “Art. 1.163. Passado 1 (um) ano da publicação do primeiro edital sem que se saiba do ausente e não tendo comparecido seu procurador ou representante, poderão os interessados requerer que se abra provisoriamente a sucessão. § 1º Consideram-se para este efeito interessados: I – o cônjuge não separado judicialmente [...].”

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2 A UNIÃO HOMOAFETIVA E O CASAMENTO

Os casais homoafetivos vêm ganhando cada vez mais espaço em nosso ordenamento jurídico, conseguindo, aos poucos, adquirir tudo que lhes é de di-reito – assegurando, portanto, que o princípio da dignidade da pessoa humana e as liberdades e garantias constitucionais sejam respeitados.

Muito embora estes passem por algumas dificuldades, pode-se verificar que o Direito tem avançado significativamente na tentativa de buscar o melhor caminho para aquilo que chamamos de justiça. Todavia, antes de adentrarmos na análise de tais avanços, necessário se faz destacar a conceituação de união homoafetiva.

Maria Berenice Dias15 leciona que as uniões homoafetivas “[...] são re-lações afetivas, vínculos em que há comprometimento amoroso” e “[...] con-vivência entre duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Destarte, observa-se que a união homoafetiva possui o mesmo objetivo que a união estável e o casamento – constituir família, não tendo justificativas para existir tamanho preconceito e omissão por parte do ordenamento jurídico brasileiro ao tratar sobre o tema.

Cumpre destacar que, apesar das lacunas e omissões, o Direito está avan-çando significativamente à igualdade das uniões entre casais heterossexuais e casais homoafetivos – exemplo disto é o julgamento da Ação Direta de Incons-titucionalidade nº 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fun-damental nº 132, que conferiu interpretar o art. 1.72316 do Código Civil/2002 conforme a Constituição Federal, para que dele seja possível excluir todo signi-ficado que impeça o reconhecimento da união pública, contínua e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, sendo esta entendida como sinônimo perfeito de família.

O supracitado julgado, que equiparou a união homoafetiva à união está-vel, guarneceu diversas dúvidas e dilemas concernentes ao tema; contudo, com a azáfama em que avança a sociedade, criam-se diariamente novos dilemas e conflitos que exigem soluções jurídicas – e um exemplo é o reconhecimento do casamento homoafetivo.

A fim de suprir mais esta lacuna, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão do Recurso Especial nº 1183378/RS, na data de 25.10.2011,

15 DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito e a justiça. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

16 “Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

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reconheceu o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, conforme se extrai da ementa do v. acórdão:

Direito de família. Casamento civil entre pessoas do mesmo sexo (homoafeti-vo). Interpretação dos arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 do Código Civil de 2002. Inexistência de vedação expressa a que se habilitem para o casamen-to pessoas do mesmo sexo. Vedação implícita constitucionalmente inaceitável. Orientação principiológica conferida pelo STF no julgamento da ADPF 132/RJ e da ADIn 4.277/DF.17

O Superior Tribunal de Justiça ainda alegou, na referida decisão, que cabe ao Estado proteger as famílias e o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família:

[...] não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, indepen-dentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias consti-tuídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto.18

A decisão do Superior Tribunal de Justiça abriu portas para inúmeros ca-samentos entre pessoas do mesmo sexo ao redor no País, haja vista que Magis-trados de vários estados, estimulados pela referida decisão, passaram a autorizar a união civil homoafetiva.

Um dos casos é o do Juiz da Vara de Registros Públicos e Precatórias da Comarca de Manaus/AM, o qual deferiu, no dia 3 de dezembro de 2012, o requerimento do cartório do 8º Ofício de Registro Civil da cidade, convertendo a união homoafetiva em casamento19.

Outra decisão digna de nota é a do Corregedor-Geral de Justiça Miguel Monico Neto, que, em 18 de outubro de 2012, determinou o processamento da habilitação de casamento junto ao Cartório de Registro Civil da Comarca de Porto Velho/RO, sem que a identidade de sexos fosse um impedimento para a realização do ato, afirmando que,

[...] se é verdade que o casamento é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, pois todos os seres hu-manos gozam da mesma dignidade, princípio básico do art. 1º, III, da CF/1988,

17 Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=1183378&b=ACOR>. Acesso em: 21 mar. 2012.

18 Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=1183378&b=ACOR>. Acesso em: 21 mar. 2012.

19 Íntegra da decisão em: <http://www.direitohomoafetivo.com.br/anexos/juris/1264__80be919b70d6ad6f517e5a4f33be0078.pdf>. Acesso em: 21 fev. 2013.

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assim podendo planejar livremente sua entidade familiar na forma do art. 226, § 7º, da CF/1988.20

Nesta senda, colhe-se entendimento do egrégio Tribunal de Justiça da Comarca do Rio Grande do Sul21:

Apelação cível. Conversão de união estável homoafetiva em casamento. Casa-mento entre pessoas do mesmo sexo. Possibilidade jurídica do pedido. Descons-tituição da sentença para regular processamento do feito. 1. Tendo em vista o julgamento da ADIn 4.277 e da ADPF 132, resta superada a compreensão de que se revela juridicamente impossível o reconhecimento de união estável, em se tra-tando de duas pessoas do mesmo sexo. 2. Considerando a ampliação do conceito de entidade familiar, não há como a omissão legislativa servir de fundamento a obstar a conversão da união estável homoafetiva em casamento, na medida em que o ordenamento constitucional confere à família a “especial proteção do Es-tado”, assegurando, assim, que a conversão em casamento deverá ser facilitada (art. 226, § 3º, da CF/1988). 3. Inexistindo no ordenamento jurídico vedação expressa ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, não há que se cogitar de vedação implícita, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da igualda-de, da não discriminação, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo e livre planejamento familiar. Precedente do STJ. 4. Afirmada a possibilidade jurídica do pedido de conversão, imperiosa a desconstituição da sentença, a fim de permitir o regular processamento do feito. Apelo provido.

Isto posto, com tantas decisões reconhecendo o casamento homoafetivo, surge o dilema responsável pelo presente artigo científico: nesses casos, nos quais a jurisprudência tem reconhecido o casamento entre casais do mesmo sexo, levando em consideração a inexistência de legislação e de posicionamen-to do Supremo Tribunal Federal nesse sentido, quais serão as normas aplicáveis no caso de sucessão? Aquelas concernentes à união estável, já reconhecida pelo STF, ou as concernentes ao casamento?

Com base em tais questionamentos, procurar-se-á, a seguir, identificar a resposta de tal dilema, baseando-se no entendimento jurisprudencial e doutri-nário acerca deste tema.

3 DIREITO SUCESSÓRIO APLICÁVEL ÀS RELAÇÕES HOMOAFETIVAS NO CASO DE CASAMENTO

Como já exposto acima, é notória a necessidade de um posicionamento acerca do tema, uma vez que a sociedade em que vivemos, independente de

20 Íntegra da decisão disponível em: <http://www.direitohomoafetivo.com.br/anexos/juris/1248__eed326cd482 14b1d47992b02c747b50b.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2013.

21 TJRS, AC 70048452643, 8ª C.Cív., Rel. Ricardo Moreira Lins Pastl, J. 27.09.2013.

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julgamentos, vive essa realidade, sendo que o Direito, como ciência dinâmica, deve proteger os anseios daqueles que vivenciam tal situação.

Imperioso destacar, também, a importância que adquire o tema aludido neste artigo, em virtude de já haver, como mencionado anteriormente, distin-ções entre a sucessão dos companheiros e dos cônjuges heterossexuais, agra-vando-se ainda mais a lacuna existente no ordenamento jurídico no quanto concerne à sucessão dos cônjuges na união homoafetiva.

Em que pese a legislação e a jurisprudência terem avançado significati-vamente nas questões relativas às uniões homoafetivas, ainda existem situações em que o legislador e até mesmo os tribunais não adentraram satisfatoriamente, como é o caso da sucessão no casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Todavia, necessita o Direito acompanhar e proteger os interesses das pes-soas envolvidas nessas situações, sendo, que na falta de legislação expressa, deverá o juiz, diante do caso concreto, na necessidade de integração da lei e em respeito aos ditames constitucionais, decidir os conflitos, seja pela analogia, costumes ou princípios gerais do Direito.

O que não se pode admitir são situações nas quais o Direito se omita e coloque em risco os interesses e direitos das pessoas que os reivindicam. E é se-guindo essa ideologia que Magistrados, no País inteiro, têm proferido decisões que fornecem ao companheiro sobrevivente o direito à sucessão.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu à com-panheira sobrevivente a totalidade da herança deixada por sua convivente:

Apelação cível. Ação declaratória de reconhecimento de união homoafetiva. Direito à sucessão. Imóvel adquirido pelas companheiras em partes iguais. Sen-tença parcialmente procedente. Reconhecimento da sociedade como união ho-moafetiva e da parcela de apenas 20,62% do imóvel adquirido pelo casal na constância da união. Pedido da autora relativo à herança julgado improcedente. Pedido contraposto dos réus, irmãos da falecida, pela fixação de taxa de ocupa-ção julgado improcedente. Reforma do decisum. Óbito ocorrido na vigência da Lei nº 8.971/1994 que deve ser aplicada analogicamente ao caso vertente, sob pena de violação da isonomia e da dignidade da pessoa humana. [...] Direito da autora à totalidade da herança deixada por sua companheira, que não dei-xou ascendentes nem descendentes, representada pela outra metade do imóvel (50%), na forma do art. 2º, III, do antecipado diploma legal. Aplicação das regras da união estável às relações homoafetivas, mormente quando as conviventes se uniram como entidade familiar e não como meras sócias. Lacuna na lei que deve ser dirimida à luz dos princípios gerais e do direito comparado. Impossibilidade de dar tratamento diferenciado entre união heterossexual e união homossexual, eis que a própria Constituição veda expressamente a segregação da pessoa hu-mana por motivo sexo, origem, raça, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. Precedentes jurisprudenciais do Tribunal gaúcho e do STJ nesse

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mesmo sentido. Apelos conhecidos. Desprovimento do apelo dos réus, dando-se provimento ao apelo da parte autora.22

De outro norte, tem-se entendimento do Superior Tribunal de Justiça con-cedendo ao companheiro sobrevivente o direito à meação23:

Direito civil. Família. Ação de reconhecimento de união homoafetiva post mortem. Divisão do patrimônio adquirido ao longo do relacionamento. Existên-cia de filho adotado pelo parceiro falecido. Presunção de esforço comum. [...] 2. Os princípios da igualdade e da dignidade humana, que têm como função prin-cipal a promoção da autodeterminação e impõem tratamento igualitário entre as diferentes estruturas de convívio sob o âmbito do direito de família, justificam o reconhecimento das parcerias afetivas entre homossexuais como mais uma das várias modalidades de entidade familiar. 3. O art. 4º da LICC permite a equidade na busca da Justiça. O manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente aceitável para alavancar, como entidades familiares, as uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo. [...] 4. Demonstrada a convivência, entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, sem a ocorrência dos impedimentos do art. 1.521 do CC/2002, com a exceção do inciso VI quanto à pessoa casada separada de fato ou judicialmente, haverá, por consequência, o reconhecimento dessa parceria como entidade familiar, com a respectiva atribuição de efeitos jurídicos dela ad-vindos. 5. Comprovada a existência de união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente à meação dos bens adquiridos a título oneroso ao longo do relacionamento, em nome de um apenas ou de ambos, sem que se exija, para tanto, a prova do esforço comum, que nesses casos, é presumida [...].

Analisando tais julgados, pode-se observar que é dado aos casais homos-sexuais o mesmo tratamento jurídico dado aos casais heterossexuais, sendo que desembargadores e ministros justificam esse tratamento na própria Constituição Federal, a qual veda expressamente qualquer forma de discriminação.

Com base nisto, colhe-se jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na qual o Desembargador Rui Portanova, com base no princípio da isonomia, reconhece que os direitos concedidos aos casais heterossexuais devem ser os mesmos fornecidos aos casais homossexuais24, in verbis:

Apelação. União homossexual. Reconhecimento de união estável. Apelo da su-cessão. A união homossexual merece proteção jurídica, porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos com o intuito relacional. Seja como parceria civil (como reconhecida majoritariamente pela Sétima Câmara Cível),

22 TJRJ, AC 0007309-38.2003.8.19.0204, 19ª C.Cív., Rel. Des. Ferdinaldo Nascimento, J. 28.09.2010.

23 STJ, REsp 1199667/MT, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 19.02.2011.

24 TJRS, AC 70035804772, 8ª C.Cív., Rel. Des. Rui Portanova, J. 10.06.2010.

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seja como união estável, uma vez presentes os pressupostos constitutivos, de ri-gor o reconhecimento de efeitos patrimoniais nas uniões homossexuais, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Caso em que se reconhece repercussões jurídicas, verificadas na união homosse-xual, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual.

Destarte, tendo em vista que, em casos de união homoafetiva, os Magis-trados têm entendido que a sucessão deve ser realizada com as mesmas normas da união estável, pode-se concluir que o mesmo pensamento será aplicado quanto às normas do casamento, ou seja, quando houver apelo de sucessão de cônjuge homoafetivo, os tribunais deverão analisá-lo de acordo com as normas sucessórias do casamento heterossexual. Senão vejamos.

Ao proferir as decisões citadas acima, os tribunais as fundamentam nos princípios básicos da Constituição Federal, afirmando que não há de se falar em tratamento diferenciado entre casais homoafetivos e casais heterossexuais em nenhuma área do direito, não sendo diferente, portanto, no direito sucessório.

Ademais, não há razão, ou lógica alguma, para nossos julgadores funda-mentarem as decisões de sucessão na união estável homoafetiva com tais argu-mentos e depois não fornecerem os mesmo direitos no casamento homoafetivo.

Assim, considerando todo o analisado neste ensaio científico, pode-se dizer que a doutrina e a jurisprudência tendem a aceitar que a norma sucessória aplicável no caso de casamento entre pessoas do mesmo sexo será a aplicável no casamento, eis ser inadmissível qualquer discriminação no tratamento jurí-dico fornecido aos casais homossexuais, em comparação aos casais heteros-sexuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o estudo elaborado na presente pesquisa, considera-se que:

O direito sucessório não trata, com igualdade, a sucessão de companheiros e a sucessão de cônjuges, garantindo a maioria dos direitos apenas ao cônjuge so-brevivente, deixando o companheiro desamparado juridicamente em inúmeros momentos. Com isso, agrava-se ainda mais a lacuna existente no ordenamento jurídico no quanto concerne à sucessão dos cônjuges na união homoafetiva.

Contudo, pôde-se verificar que o casamento entre pessoas do mesmo sexo já é uma realidade no País, sendo que o Direito tem avançado significati-vamente para conceder a esses casais os mesmos direitos fornecidos aos casais heterossexuais. Exemplo disto é o posicionamento de vários Magistrados no

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País em relação à sucessão, os quais têm concedido aos companheiros homoa-fetivos o mesmo tratamento jurídico fornecido aos conviventes heterossexuais.

Considerando o mencionado posicionamento de nossos tribunais, con-clui-se que o direito sucessório aplicável em caso de casamento entre pessoas do mesmo sexo será aquele aplicável no casamento, tendo em vista que a Cons-tituição Federal e os princípios morais e sociais tornam totalmente inadmissível qualquer discriminação entre os casais homossexuais em comparação com ca-sais heterossexuais, sendo ambos sinônimos perfeito de família.

REFERÊNCIAS

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______. Constituição da República Federativa do Brasil. Congresso Nacional, 1988.

DECISÃO. Disponível em: <http://www.direitohomoafetivo.com.br/anexos/juris/1248__eed326cd48214b1d47992b02c747b50b.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2013.

______. Disponível em: <http://www.direitohomoafetivo.com.br/anexos/juris/1264__80be919b70d6ad6f517e5a4f33be0078.pdf>. Acesso em: 21 fev. 2013.

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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 6. v.

GARCIA, Denise Schmitt Garcia. Direito sucessório do cônjuge na sucessão legítima no ordenamento jurídico brasileiro. Anais da semana de divulgação científica do curso de direito. Itajaí: Univali, 2004.

_______. Sucessão dos companheiros. Anais da semana de divulgação científica do curso de direito. Itajaí: Univali, 2003.

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SUPERIOR Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurispru-dencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=1183378&b=ACOR>. Acesso em: 21 mar. 2012.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

______. Direito civil: direito das sucessões. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011. 7. v.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

7262

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.099.458 – PR (2008/0230695‑8)Relatora: Ministra Maria Isabel GallottiRecorrente: Ministério Público do Estado do ParanáRecorrido: A. M. da S.Advogado: Lazara Cristina da SilvaInteres.: R. A. M.

ementA

PROCEDIMENTO DE INTERDIÇÃO – MINISTÉRIO PÚBLICO – CURADOR ESPECIAL – NOMEAÇÃO – CONFLITO DE INTERESSES – AUSÊNCIA – INTERESSES DO INTERDITANDO – GARANTIA – REPRESENTAÇÃO – FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO – DECISÃO SINGULAR DO RELATOR (CPC, ART. 557) – NULIDADE – JULGAMENTO DO COLEGIADO – INEXISTÊNCIA

1. Eventual ofensa ao art. 557 do CPC fica superada pelo julgamento colegiado do agravo regimental interposto contra a decisão singular do Relator. Precedentes.

2. A designação de curador especial tem por pressuposto a presença do conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal.

3. No procedimento de interdição não requerido pelo Ministério Pú-blico, quem age em defesa do suposto incapaz é o órgão ministerial e, portanto, resguardados os interesses interditando, não se justifica a nomeação de curador especial.

4. A atuação do Ministério Público como defensor do interditan-do, nos casos em que não é o autor da ação, decorre da lei (CPC, art. 1182, § 1º e CC/2002, art. 1770) e se dá em defesa de direitos individuais indisponíveis, função compatível com as suas funções ins-titucionais.

5. Recurso especial não provido.

Acórdão

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso espe-cial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Antonio

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126 ����������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 88 – Fev-Mar/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 02 de dezembro de 2014 (data do Julgamento).

Ministra Maria Isabel Gallotti Relatora

relAtório

Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora): Trata-se de recurso especial in-terposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná, com base na alínea a do art. 105 da Constituição, contra acórdão proferido pela 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, confirmatório de decisão que, ao interpretar o disposto no § 1º, do art. 1182, do CPC, considerou dispensável a nomeação de curador especial nas ações de interdição em que o Ministério Pú-blico não é o autor, porque sua atuação como fiscal da lei resguarda os direitos da interditanda.

Alega o recorrente, inicialmente, violação ao art. 557, caput, do CPC, sob o argumento de que a decisão singular do relator, integralmente confirmada pelo acórdão recorrido, a despeito de ter afirmado que o agravo de instrumento encontrava-se em confronto com o entendimento dominante do Tribunal de origem, não indicou precedente algum do TJPR que confirme a dissonância de posicionamentos.

Indica, ainda, afronta aos arts. 1182, § 1º, do CPC e 1770 do Código Civil de 2002, porque, segundo entende, o ordenamento jurídico não mais admite que o Ministério Público atue como representante judicial da parte (CF, art. 129, inc. IX), motivo pelo qual, em atenção ao princípio da ampla defesa, deve ser nomeado curador especial em todos os casos em que não tenha sido constituído defensor para o interditando .

O Ministério Público Federal manifestou-se, às fls. 154-159, pelo não provimento do recurso especial.

É o relatório.

voto

Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora): Anoto, inicialmente, que, nas razões do recurso especial, o Ministério Público do Estado do Paraná não argüi diretamente a inconstitucionalidade dos dispositivos legais tidos por violados pelo acórdão recorrido (art. 1182, § 1º, do CPC e 1770 do Código Civil de

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2002), mas afirma que a ampla defesa dos direitos do interditando exige a no-meação de curador especial, não sendo suficiente, para essa finalidade, a sua atuação como fiscal da lei.

Trata-se, pois, de examinar a legalidade de o Ministério Público, em ação de interdição que não requereu, atuar como defensor do interditando, nos ter-mos previstos nos dispositivos legais em referência, matéria cujo exame consi-dero de atribuição deste Tribunal.

Acrescento que o STF, ao examinar caso idêntico no RE 444.652/PR, concluiu que a eventual ofensa à Constituição ocorreria de forma reflexa, cir-cunstância que, nos termos de sua iterativa jurisprudência, impediria o conhe-cimento do recurso extraordinário, conforme se verifica na decisão singular proferida pelo Ministro Eros Grau:

Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná contra a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, assim ementada (fls. 71):

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – INTERDIÇÃO – FEITO – NULIDADE – DE-FENSOR NOMEADO – MINISTÉRIO PÚBLICO – INTERVENÇÃO – RECUR-SO – PROVIMENTO – Se a contestação não vier por parte do curador à lide deve o juiz substituí-lo através de nova nomeação, não podendo o processo de interdição, dela prescindir. Cabe ao Ministério Público a atuação precípua de defender a ordem jurídica e o bem comum, sem compromisso com as partes envolvidas na relação processual. Observância dos arts. 1.182 e pará-grafos do Código de Processo Civil. Recurso. Provimento.”

2. Aduz o recorrente violação dos arts. 127 e 129, IX, da Constituição do Brasil.

3. Verifica-se que a atribuição ora pleiteada pelo Ministério Público – atuar como curador em processo de interdição – não encontra previsão constitucional, es-tando elencada tão-somente na Lei Orgânica daquela instituição (art. 5º, III, e, da LC 75/1993).

4. Observa-se, assim, que para dissentir do aresto recorrido seria necessá-ria a análise da matéria infraconstitucional que disciplina a espécie. Eventual ofensa à Constituição somente se daria de forma indireta, circunstância que impede a admissão do extraordinário (RE 148.512, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 02.08.1996; AI 157.906-AgR, Relator o Ministro Sydney Sanches, DJ de 09.12.1994; AI 145.680-AgR, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 30.04.1993).

Ante o exposto, com fundamento no art. 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento ao recurso.

Publique-se.

(DJ 15.08.2005)

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Registro que contra o mesmo acórdão impugnado no referido recurso extraordinário o Ministério Público do Estado do Paraná havia interposto recur-so especial, cadastrado nesta Corte sob o nº 263.516/PR, distribuído ao Min. Barros Monteiro, do qual a 4ª Turma deste Tribunal não conheceu por conside-rar que o inconformismo dirigia-se contra ofensa a dispositivo constitucional, mediante ementa assim redigida:

RECURSO ESPECIAL – DECISÃO RECORRIDA QUE ASSENTA EM FUNDAMEN-TO CONSTITUCIONAL – INADMISSIBILIDADE

Arrimando-se o decisório recorrido em fundamento constitucional, o recurso ca-bível é o extraordinário e não o especial.

Recurso não conhecido.

(DJ 25.10.2004).

Penso, pois, que cabe a este Tribunal examinar a suposta violação aos dispositivos legais indicados pelo recorrente, todos devidamente prequestiona-dos, tema que passo a apreciar.

Sem razão o recorrente quando à alegação de ofensa ao art. 557, caput, do CPC. E isso porque, a despeito de o referido dispositivo legal autorizar o rela-tor a negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do res-pectivo tribunal, do STF ou dos Tribunais Superiores, o certo é que, no caso em exame, a 12ª Câmara Cível do TJPR confirmou integralmente a decisão singular do relator, no julgamento do agravo regimental, mediante acórdão impugnado no presente recurso especial, circunstância que demonstra não ter o ora recor-rente suportado prejuízo.

Nesse sentido, consolidou-se a orientação deste Tribunal, podendo ser citados, entre muitos outros, os seguintes acórdãos:

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544 DO CPC) – AÇÃO DE INDE-NIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO AGRAVO – INSURGÊNCIA DA RÉ – 1. É possível a decisão monocrática denegatória de seguimento proferida pelo relator nos casos de recurso manifestamente improcedente ou contrário à jurisprudência domi-nante do Tribunal, do STF ou de Tribunal Superior. Ademais, a interposição de agravo regimental para o colegiado permite a apreciação de todas as questões suscitadas no reclamo, suprindo eventual violação do art. 557, § 1º-A, do CPC.

[...]

(AgRg-AREsp 507.347/SP, 4ª T., Rel. Min. Marco Buzzi, DJ 11.06.2014)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA – JULGAMENTO MONOCRÁTICO

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– POSSIBILIDADE – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO – MERA TRANSCRIÇÃO DE EMENTAS – AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO

1. Não viola o art. 535 do Código de Processo Civil, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o acórdão que adotou para a resolução da causa funda-mentação suficiente, porém diversa da pretendida pelo recorrente, para decidir de modo integral a controvérsia posta. 2. O relator está autorizado a decidir mo-nocraticamente recurso fundado em jurisprudência dominante (art. 557, caput e § 1º-A, do CPC). Ademais, eventual nulidade da decisão singular fica superada com a apreciação do tema pelo órgão colegiado em sede de agravo interno.

[...]

(AgRg-AREsp 413.643/PR, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJ 14.02.2014)

No mesmo sentido: EDcl-AgRg-REsp 1.302.445/RJ, 1ª T., Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 22.08.2013; AgRg-AREsp 171.560/MG, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJ 21.08.2012).

No mérito, observo que, no caso presente, ajuizada a ação por tio da interditanda, o Juízo de Direito da Comarca de Assis Chateubriand/PR nomeou curador à lide o Dr. Adilson do Amaral (fl. 55), que participou da audiência de interrogatório da interditanda (fls. 58-60), mas, a despeito de intimado, não apresentou contestação (certidão de fl. 60).

O Ministério Público do Paraná, manifestando seu entendimento de que a regra estabelecida no art. 1.182, § 2º, do CPC, segundo a qual o interditando pode constituir advogado, é de observância obrigatória, “em razão do princípio constitucional da ampla defesa e pelas graves consequências que o procedi-mento de interdição visa impor ao requerido”, bem assim de que o art. 129, IX, da Constituição veda a sua atuação como representante judicial da parte, reque-reu fosse renovada a intimação do curador à lide para apresentar contestação ou, no caso de pedido de desistência do encargo, a nomeação de outro curador especial para promover a defesa da interditanda (fl. 82).

Mediante a decisão de fl. 84, a pretensão foi indeferida com os seguintes fundamentos:

“Em que pese a manifestação do Ministério Público de fls. 39, bem como nos termos do § 1º do art. 1.182 do Código de Processo Civil, entendo que não há necessidade de nomeação de curador à lide em razão do fato de que o Ministério Público atuará no presente procedimento como fiscal de aplicação da Lei, estan-do, assim, resguardados os direitos do interditando.”

O TJPR confirmou esse entendimento, como se observa das seguintes passagens da decisão singular do relator, integralmente mantida pela 12ª Câ-

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mara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, mediante o acórdão impugnado no presente recurso especial (fls. 93-96):

“Não obstante as veneráveis opiniões em contrário, entendo que em se tratando de procedimento onde o Ministério Público não é o requerente da interdição, tal órgão é que representa o interditando, nos exatos termos do que dispõe o § 1º do art. 1.182 do Código de Processo Civil.

[...]

A intervenção do Ministério Público se faz suficiente como curador da lide, sen-do totalmente desnecessária a nomeação de curador à interditanda, no caso em julgamento, vez que, ao contrário do que sustenta o agravante, a nomeação de curador à lide só se dá quando o Ministério Público é o requerente da interdição. No feito em apreço, o requerente da interdição é o tio da interditanda.

Ademais, não há como se afirmar que o disposto no art. 129, inciso IX da Cons-tituição Federal tenha derrogado a primeira parte do § 1º do art. 1.182, continu-ando o Ministério Público responsável pela representação da interditanda (nesse sentido, RT 836/165). Ao que parece se está fazendo uma leitura equivocada do contido na carta magna, na medida em que a expressão “sendo-lhe vedada a representação” diz respeito às entidades públicas, de forma específica, e não genericamente.

Dessa forma, incabível a nomeação de curador especial cuja atuação se destina-ria exatamente à mesma função que a lei atribui ao Ministério Público.

Verifica-se, ainda, que inexiste qualquer violação aos princípios do contraditó-rio e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da CF), à evidência que o interditando teve ciência de todos os atos do processo, inclusive do laudo que atestou sua incapacidade (fls. 43-TJ), porque sempre esteve representado nos autos pelo seu defensor legal, que é o representante do Ministério Público, que, acima de tudo, estava a exercer o múnus de fiscal da lei.”

O presente recurso especial tem, pois, por objeto verificar se, nas ações de interdição não requeridas pelo Ministério Público, é obrigatória a nomeação de curador à lide ou se a função de defensor do interditando deverá ser exercida pelo próprio Ministério Público, como estabelecem os arts. 1.179 e 1.182, § 1º, do CPC e 1.770 do Código Civil de 2002.

Eis o teor dos dispositivos em exame:

Código Civil, art. 1.770. Nos casos em que a interdição for promovida pelo Mi-nistério Público, o juiz nomeará defensor ao suposto incapaz; nos demais casos o Ministério Público será o defensor.”

CPC, art. 1.179. Quando a interdição for requerida pelo órgão do Ministério Pú-blico, o juiz nomeará ao interditando curador à lide (art. 9º).

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CPC, art. 1.182. Dentro do prazo de cinco (5) dias contados da audiência de interrogatório, poderá o interditando impugnar o pedido.

§ 1º Representará o interditando nos autos do procedimento o órgão do Ministé-rio Público ou, quando for este o requerente, o curador à lide.

§ 2º Poderá o interditando constituir advogado para defender-se.

§ 3º Qualquer parente sucessível poderá constituir-lhe advogado com os poderes judiciais que teria se nomeado pelo interditando, respondendo pelos honorários.”

O procedimento de interdição tem por pressuposto a suposta redução ou perda do discernimento para a prática dos atos da vida civil por pessoa maior e capaz, decorrente do comprometimento de sua saúde mental, o que, caso com-provado, ensejará a declaração judicial da relativa ou absoluta incapacidade do interditando, sujeitando-o à assistência ou representação, respectivamente, por curador nomeado pelo juiz. Diante dessas sérias consequências, especialmente no que se refere à restrição à livre disposição patrimonial, a lei atribuiu especial proteção dos interesses do interditando.

Estão legitimados para requerer a interdição somente os pais ou tutor, o cônjuge ou parentes próximos do interditando ou, ainda, em caráter subsidiá-rio, o Ministério Público (CPC, arts. 1.177 e 1.178), sendo esta a única hipótese em que se exige a nomeação de curador à lide (art. 1.179), a fim de ensejar o contraditório.

Com efeito, na hipótese de encontrar-se o requerente (Ministério Públi-co) e o suposto incapaz em pólos opostos da ação, há intrínseco conflito de interesses a exigir a nomeação ao interditando de curador à lide, nos termos do art. 1.179 do CPC, que se reporta ao art. 9º do mesmo Código.

Proposta a ação pelos demais legitimados, todavia, caberá ao Ministério Público a defesa dos interesses do interditando (CPC, art. 1.182, § 1º e CC/2002, art. 1.770), fiscalizando a regularidade do processo, requerendo provas e outras diligências que entender pertinentes ao esclarecimentos da incapacidade e, ao final, impugnar ou não o pedido de interdição, motivo este pelo qual não se faz cabível a nomeação de curador especial para defender, exatamente, os mesmos interesses pelos quais zela o Ministério Público.

A nomeação de curador especial (figura de direito processual e não de di-reito material) justifica-se quando há possibilidade de conflito de interesses en-tre o incapaz e o responsável pela defesa de seus interesses no processo judicial.

Confira-se:

INVENTÁRIO – ADJUDICAÇÃO – NULIDADE – HERDEIRO PRETERIDO – PRES-CRIÇÃO – NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL

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Somente se justifica a nomeação de Curador Especial quando colidentes os inte-resses dos incapazes e os de seu representante legal. Precedentes do STJ.

[...]

(REsp 114.310/SP, 4ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 17.02.2003)

PROCESSUAL CIVIL – PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE DE INVENTÁRIO – MENORES – DEFESA PROMOVIDA POR CURADOR – HONORÁRIOS

[...]

II – Em inventário, somente se nomeia curador para defesa de menores, quando houver colisão de interesses, não se fazendo necessário quando os infantes, re-presentados pela genitora inventariante, esta exerce o pátrio poder. Tratando-se de munus público, não há pagamento de honorários.

III – Matéria de prova (Súmula nº 07/STJ).

IV – Recurso não conhecido.

(REsp 139.237/MG, 3ª T,, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 02.04.2001)

Menor. Curador Especial

A nomeação de curador especial supõe a existência de conflito de interesses en-tre o incapaz e seu representante. Isso não resulta só simples fato de esse último ter-se descurado do bom andamento do processo. As falhas desse podem ser supridas pela atuação do Ministério Público, a quem cabem os mesmos poderes e ônus das partes.

(REsp 34.373/SP, 3ª T., Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 13.10.1997)

AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPE-CIAL – ART. 1.615 DO CÓDIGO CIVIL

1. A nomeação de curador especial, assentou precedente desta Corte, “supõe a existência de conflito de interesses entre o incapaz e seu representante. Isso não resulta do simples fato de esse último ter-se descurado do bom andamento do processo. As falhas desse podem ser suprida pela atuação do Ministério Público, a quem cabem os mesmos poderes e ônus das partes” (REsp 34.377-SP, Relator o Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 13.10.1997).

[...]

3. Recurso especial não conhecido.

(REsp 886.124/DF, 3ª T., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 19.11.2007)

No procedimento de interdição, nos casos em que não promovido pelo Ministério Público, é ele quem age em defesa do suposto incapaz, não havendo, pois, possibilidade de conflito de interesses entre eles, não se caracterizando,

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portanto, a hipótese legal de nomeação de curador especial a que se referem os arts. 9º do CPC e 1.179 do CPC.

A propósito do art. 449 do Código Civil de 1916, cujo teor é o mesmo do art. 1.770 do Código de 2002, esclarece a obra de Caio Mario da Silva Pereira, atualizada por Tânia da Silva Pereira:

Na forma do art. 1.770, “nos casos em que a interdição for promovida pelo Mi-nistério Público, o juiz nomeará defensor ao suposto incapaz; nos demais casos o Ministério Público será o defensor”.

Em qualquer caso, o interditado terá defensor no processo que visa à curatela. O defensor nato é o Ministério Público. Quando, porém, for o processo iniciado por sua iniciativa, o juiz designará defensor ad hoc. (Instituições de Direito Civil. v. V, 18. ed. Forense, p. 516)

O recurso especial ampara-se em doutrina segundo a qual a represen-tação judicial do interditando pelo Ministério Público, expressamente deter-minada pelo § 1º do art. 1.182 do CPC, não mais subsiste em face da regra do art. 129, inciso IX da Constituição Federal.

O art. 129, após enumerar as funções institucionais do Ministério Públi-co, acrescenta no inciso IX: “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica das entidades públicas”.

E o caput do art. 127 da Constituição estabelece como incumbência do Ministério Público “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Parece-me, pois, com a devida vênia das opiniões em contrário, indene de dúvida que a competência atribuída ao Ministério Público pelo Código de Processo Civil e pelo Código Civil em vigor, a exemplo do que também já ocor-ria sob a égide do Código Civil de 1916, de defender os interesses do interditan-do (salvo quando o próprio MP é o autor da ação), não somente é compatível, mas encontra-se textualmente inserida em finalidade institucional, prevista na Constituição, de defesa de interesse individual indisponível, como claramente o é a capacidade civil do réu, questionada pelo autor da ação.

Ademais, a representação estabelecida nos arts. 1.182, § 1º, do CPC e 1.770 do Código Civil de 2002 é legal, sendo certo que a atribuição ao Mi-nistério Público para a defesa do interditando, nos procedimentos em que não figura como requerente, decorre, não de mandato ou de nomeação judicial, mas diretamente da lei, não se inserindo, pois, na proibição constitucional, diri-gida a eventual pretensão de atuação de membros do Ministério Público como advogados ou consultores de entidades públicas, o que ocorria sob a égide da Constituição anterior.

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A propósito, o seguinte precedente:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL – O MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO TEM LEGITIMIDADE PARA PROPOR A EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL PROVENIENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS – PRECEDENTE DO STF – VEDAÇÃO AO MP DE EXER-CER AS FUNÇÕES DE REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DE ENTIDADES PÚBLICAS – RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO

1. Inexiste dúvida acerca da eficácia de título executivo extrajudicial de que são dotadas as decisões do Tribunal de Contas de que resulte imputação de débito ou multa, nos termos do art. 71, § 3º da Constituição Federal.

2. Em que pese a anterior jurisprudência desta Corte em sentido contrário, deve prevalecer a tese diversa, pela qual entende-se não possuir o Ministério Público legitimidade para cobrar judicialmente dívidas consubstanciadas em título exe-cutivo de decisão do Tribunal de Contas. Precedente do STF.

3. Destaca-se que, antes da Constituição de 1988, nada obstava que lei ordinária conferisse ao Ministério Público outras atribuições, ainda que incompatíveis com suas funções institucionais; contudo, com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, o exercício pelo Parquet de outras funções, incompatíveis com sua finalidade institucional, restou expressamente vedado (art. 129, inciso IX da CF), inclusive, a representação judicial e consultoria jurídica de entidades pú-blicas.

4. Recurso Especial desprovido.

(REsp 1.194.670/MA, 1ª T., Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 02.08.2013)

A atuação do Ministério Público em defesa de pessoas em situação de vulnerabilidade é atribuída sem questionamento em diversas outras hipóte-ses, como, por exemplo, na proteção dos direitos de crianças e adolescentes, idosos e consumidores, prevista, respectivamente, nos arts. 201 a 205, da Lei nº 8.069/1990; 74 a 92, da Lei nº 10.741/20034; e 91 e 92 da Lei nº 8.078/1990.

A propósito do papel do Ministério Público em defesa do direito do me-nor em ação de destituição de poder familiar, em cujo processamento se pres-cinde da intervenção da Defensoria Pública para tutelar o mesmo interesse, há reiterados precedentes deste Tribunal, dentre os quais destaco:

RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO – DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR PRO-MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPE-CIAL DA DEFENSORIA PÚBLICA AOS MENORES – DESNECESSIDADE – ECA – ART. 201, INCISOS III E VIII – RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVI-MENTO

1. Deve ser renovado o julgamento se da publicação da pauta não foi intimada a recorrente, Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

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2.Compete ao Ministério Público, a teor do art. 201, III e VIII da Lei nº 8.069/1990 (ECA), promover e acompanhar o processo de destituição do poder familiar, ze-lando pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes.

3. Resguardados os interesses da criança e do adolescente, não se justifica a no-meação de curador especial na ação de destituição do poder familiar.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1176512/RJ, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., Julgado em 28.08.2012, DJe 05.09.2012)

Em síntese, o acórdão recorrido deu fiel cumprimento aos dispositivos legais impugnados no recurso especial – art. 1.182, § 1º, do CPC e 1.770 do Código Civil de 2002 – cabendo ao Ministério Público exercer a defesa da in-terditanda em processo movido por seu tio.

Em face do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

certidão de julgAmento quArtA turmA

Número Registro: 2008/0230695-8

Processo Eletrônico REsp 1.099.458/PR

Números Origem: 332006 4330516 433051601

Pauta: 02.12.2014 Julgado: 02.12.2014

Segredo de Justiça

Relatora: Exma. Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Pessoa Lins

Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

AutuAção

Recorrente: Ministério Público do Estado do Paraná

Recorrido: A. M. da S.

Advogado: Lazara Cristina da Silva

Interes.: R. A. M.

Assunto: Civil – Família – Interdição

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certidão

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

7263

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.207.103 – SP (2010/0143581‑8)Relator: Ministro Marco Aurélio BellizzeRecorrente: A. P. e outrosAdvogado: Luiz Arthur de GodoyRecorrido: R. de B. P.Advogado: Renato de Barros Pimentel (em causa própria) e outros

ementA

RECURSO ESPECIAL – DIREITO SUCESSÓRIO – CLÁUSULA TESTAMENTÁRIA PREVENDO A INCOMUNICABILIDADE DOS BENS IMÓVEIS DESTINADOS AOS HERDEIROS – NECESSIDADE DE ADITAMENTO DO TESTAMENTO PARA A INDICAÇÃO DE JUSTA CAUSA PARA A RESTRIÇÃO QUE NÃO FOI OBSERVADA PELO TESTADOR – ARTS. 1.848 E 2.042 DO CC – INEFICÁCIA DA DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA QUE AFETA O TESTAMENTO – PRÊMIO DO TESTAMENTEIRO – CABIMENTO – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO

1. Embora o autor da herança tenha deixado testamento público no qual fez inserir, como disposição única, que todos os bens imóveis deixados aos seus filhos deveriam ser gravados com cláusula de in-comunicabilidade, com a vigência do CC de 2002 passou-se a exigir a indicação de justa causa para que a restrição tivesse eficácia, tendo sido concedido o prazo de 1 (um) ano após a entrada em vigor do Código, para que fosse feito o aditamento (CC, art. 1.848 c/c 2.042), o que não foi observado, no caso, pelo testador.

2. A despeito de a ineficácia da referida cláusula afetar todo o testa-mento, não há que se falar em afastamento do pagamento do prêmio ao testamenteiro, a pretexto de que a sua atuação no feito teria sido singela, uma vez que o maior ou menor esforço no cumprimento das disposições testamentárias deve ser considerado apenas como critério para a fixação da vintena, que poderá variar entre o mínimo de 1% e o máximo de 5% sobre a herança líquida (CC, art. 1.987), mas não para ensejar a sua supressão.

3. Na hipótese, a fiel execução da disposição testamentária foi obsta-da pela própria inação do disponente ante a exigência da lei, razão pela qual não pode ser atribuída ao testamenteiro nenhuma responsa-

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bilidade por seu descumprimento, sendo de se ressaltar que a perda do direito ao prêmio só é admitida, excepcionalmente, em caso de sua remoção, nas situações previstas em lei (CC, art. 1.989 e CPC, art. 1.140, I e II).

4. Recurso especial improvido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Tercei-ra Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília (DF), 02 de dezembro de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

relAtório

O Senhor Ministro Marco Aurélio Bellizze:

A. P. e outros interpuseram recurso especial, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, assim ementado (e-STJ, fl. 224):

Prêmio de testamenteiro – Art. 1.987 do CC – Circunstâncias que justificam arbi-trar o quantum em 1% sobre o valor da herança líquida – Provimento, em parte, para este fim.

No caso em análise, os ora recorrentes manejaram agravo de instrumen-to contra decisão que, no Juízo do inventário dos bens deixados por V. P., arbitrou o prêmio em favor do testamenteiro, Dr. Renato de Barros Pimental, correspondente a 2% do total da herança líquida, tendo sido o recurso provido parcialmente pelo Tribunal estadual, apenas para reduzir o percentual para 1% sobre o referido montante.

Conforme assinalou o acórdão recorrido, no caso, a despeito de o tes-tamento – que foi elaborado apenas para que os bens imóveis herdados pelos

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filhos fossem gravados com a cláusula de incomunicabilidade – ter perdido a finalidade, ante a ausência de seu aditamento para que fosse indicada justa cau-sa para a restrição, após a vigência do novo Código Civil (arts. 1.848 e 2.042), o pagamento do prêmio em favor do testamenteiro deve ser mantido, por ter ele exercido seu encargo, havendo a necessidade apenas de sua readequação.

Nas razões do apelo excepcional, a viúva e os herdeiros do autor da herança alegaram violação dos arts. 1.848, 1.987 e 2.042 do Código Civil, sus-tentando, em síntese, que, na hipótese, estando o cumprimento do testamento restrito à inserção de cláusula de incomunicabilidade nos bens imóveis destina-dos aos filhos do testador, o descumprimento dessa disposição afetou a eficácia de todo o testamento, afastando, por consequência, o direito do testamenteiro ao recebimento do prêmio.

Contrarrazoado (e-STJ, fls. 247-251), o recurso foi inadmitido na origem, ensejando a interposição do Ag 1.119.523/SP, que foi provido pelo Ministro Sidnei Beneti, determinando a subida dos autos principais para melhor exame da questão suscitada.

É o relatório.

voto

O Senhor Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator):

Versam os autos sobre processo de inventário dos bens de V. P., no qual houve a necessidade de se considerar, para a definição da sucessão, a existên-cia de testamento público firmado pelo de cujus, no qual o seu autor fez inserir, como disposição única, que todos os bens imóveis deixados aos seus filhos na herança fossem gravados com cláusula de incomunicabilidade.

Por essa razão, ocorreu no desdobramento do pleito sucessório a inter-venção do testamenteiro, Dr. Renato de Barros Pimentel, o qual foi nomeado para essa função no próprio testamento.

Estando por findar-se o processo de inventário e já apresentado o plano de partilha estabelecido consensualmente, suscitou-se a discussão quanto ao cabimento ou não do prêmio que a lei atribui ao testamenteiro, uma vez que, com a vigência do CC de 2002, foi introduzido no art. 1.848, como regra, a ineficácia das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade ou incomuni-cabilidade sobre os bens da legítima, salvo se o testador declarar a existência de justa causa para a restrição, tendo sido concedido o prazo de 1 (um) ano, no art. 2.042 das disposições finais e transitórias, para que o testador aditasse o testamento que não observou a referida regra, sob pena de não subsistir a con-dição, iniciativa que não foi observada no caso, embora o testamento tivesse

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sido lavrado no ano de 1983 (e-STJ, fl. 70-72) e o óbito só tenha se verificado no dia 16.08.2004, ou seja, mais de 1 (um) ano e meio após a vigência do novo Código.

Resultou, portanto, que o testamento elaborado com o intuito de gravar os bens com cláusula de incomunicabilidade perdeu a finalidade, o que levou a inventariante e os herdeiros a peticionarem nos autos argumentando que, ante a ineficácia da aludida disposição testamentária, o próprio testamento teria sido afetado como um todo, por se tratar de estipulação única que nele se contém, razão pela qual não se justificaria o pagamento do prêmio correspondente ao exercício da função de testamenteiro, cuja atuação teria sido de pouca ou ne-nhuma valia.

A pretensão, contudo, foi afastada pelo Juízo singular, à consideração de que o “não pagamento do prêmio só é possível quando da remoção do testamenteiro ou quando o inventariante deixa de cumprir as disposições testa-mentárias. Essas circunstâncias não ocorreram na hipótese dos autos, razão pela qual o testamenteiro faz jus ao pagamento do prêmio” (e-STJ, fl. 199), fixando-o em 2% sobre o valor da herança líquida.

Contra essa decisão, seguiu-se a interposição de agravo de instrumento, o qual foi provido pelo Tribunal local, apenas para reduzir o valor da vintena de 2% para 1% sobre o montante final, nos termos seguintes (e-STJ, fls. 225-226):

[...].

Resulta que o testamento, elaborado para que os bens ficassem gravados com a cláusula de incomunicabilidade (fl. 52), perdeu a finalidade que o inspirou. Evidente que não cabe, neste agravo, decidir sobre a eficácia da manifestação da vontade do testador, porque o que se discute é o arbitramento do prêmio do testamenteiro, na forma do art. 1.987 do CC, que estabelece a restituição entre 1% e 5% sobre a herança líquida “conforme a importância dela ou a maior ou menor dificuldade na execução do testamento”.

Impossível excluir o direito do testamenteiro, apesar dos novos dispositivos do Código Civil que, por razões legítimas, retiraram o poder de estabelecer incomu-nicabilidade dos bens, porque para exonerar a viúva e os herdeiros do pagamen-to, haveria de ser reconhecida a ineficácia ou a invalidade do testamento, o que não ocorreu. Afinal, o testamento foi apresentado e registrado, tendo o testamen-teiro exercido o seu munus, o que implica afirmar que cumpriu o trabalho para o qual foi designado. Faz, portanto, jus à remuneração.

Todavia, todas estas circunstâncias, implicam na necessidade de redimen-sionar o quantum arbitrado, tendo em vista o valor da herança, estimado em R$ 3.541.359,09, para fins de recolhimento de imposto causa mortis. A quantia correspondente a 1% deste patamar será suficiente para cumprir os ditames do art. 1.987 do CC.

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Isso posto, dá-se provimento, em parte, reduzindo o valor do prêmio para 1% da herança líquida.

Com efeito, decorre do art. 1.976 do CC/2002, o qual repetiu a redação do art. 1.753 do CC/1916, que “o testador pode nomear um ou mais testamen-teiros conjuntos ou separados, para lhe darem cumprimento às disposições de última vontade”, porém, sendo omisso o testamento a esse respeito, incumbe ao juiz designar alguém com essa finalidade.

Por se tratar de uma faculdade do testador e não de uma obrigatoriedade, alguns aspetos realçam essa indicação como a pessoalidade, a voluntariedade, a indelegabilidade do ato para terceiros e a onerosidade, sendo muitas as atri-buições e obrigações de quem é nomeado para dar execução às disposições testamentárias, as quais podem alcançar, inclusive, a posse e administração da herança até que seja concluído o inventário com a partilha dos bens, sendo justo, portanto, que a pessoa designada para o fiel cumprimento deste encargo seja adequadamente remunerado.

Haverá, desse modo, o arbitramento de remuneração ao testamenteiro pelo juiz, sempre que houver ausência ou omissão do testador quanto à sua fixação, dispondo o art. 1.987 do CC/2002 que, “salvo disposição testamentária em contrário, o testamenteiro, que não seja herdeiro ou legatário, terá direito a um prêmio que, se o testador não o houver fixado, será de 1 (um) a 5% (cinco por cento), arbitrado pelo juiz, sobre a herança líquida, conforme a importância dela e maior ou menor dificuldade na execução do testamento”.

Na mesma linha, preconiza o art. 1.138 do CPC: “O testamenteiro tem direito a um prêmio que, se o testador não o houver fixado, o juiz arbitrará, levando em conta o valor da herança e o trabalho de execução do testamento”.

A seguir, consigna o § 1º do referido dispositivo: “O prêmio, que não ex-cederá cinco por cento (5%), será calculado sobre a herança líquida e deduzido somente da metade disponível quando houver herdeiros necessários, e de todo o acervo líquido nos demais casos”.

Do cotejo entre as regras acima transcritas advém que o arbitramento le-vará em conta o valor da herança objeto do testamento e o trabalho necessário à execução, ou seja, quanto maior o acervo, menor será o percentual na fixação da remuneração, a fim de manter certa moderação na verba. Porém, exigindo o cumprimento do encargo grande empenho e dedicação, não apenas na função fiscalizatória mas também por demandar um grande número de diligências, esse maior esforço haverá de refletir por ocasião da taxação.

Nesse sentido, a lição de Carvalho Santos: “O prêmio tem de ser arbitra-do de conformidade com o esforço despendido pelo testamenteiro, e, até o má-ximo de cinco por cento sobre a herança líquida, será maior ou menor, segundo

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mais ou menos apreciável tal esforço”. (Código Civil Brasileiro Interpretado. 8. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1963. p. 308. v. XXIV).

A regra geral, portanto, é o direito do testamenteiro ao prêmio, que é uma contraprestação pelos serviços executados. Assim, encerrada a testamentá-ria com o cumprimento das disposições estipuladas e prestando contas de sua atuação, será o testamenteiro remunerado pelo trabalho realizado.

Excepcionalmente, prevê a lei que haverá a perda do direito ao prêmio, caso o testamenteiro seja removido por apresentar despesas ilegais ou em dis-sonância com o testamento, ou ainda por não ter cumprido as disposições tes-tamentárias, em consonância com o que dispõem os arts. 1.989 do CC e 1.140 do CPC, assim redigidos:

Art. 1.989 do CC: “Reverterá à herança o prêmio que o testamenteiro perder, por ser removido ou por não ter cumprido o testamento”.

Art. 1.140 do CPC: “O testamenteiro será removido e perderá o prêmio se:

I – lhe forem glosadas as despesas por ilegais ou em discordância com o testa-mento;

II – não cumprir as disposições testamentárias.”

Desse modo, ao contrário do que sustentam os recorrentes, não vejo como ser alterada a conclusão do acórdão recorrido, que deu adequada so-lução à espécie, na medida em que, tendo o testamenteiro se manifestado nos autos aceitando o encargo (e-STJ, fl. 74), passou a intervir no feito defendendo o cumprimento da disposição testamentária que gravava os bens imóveis com cláusula de incomunicabilidade. É o que se verifica da petição apresentada às fls. 76-77 (e-STJ), em 23.03.2005, pela qual ele requereu que as primeiras de-clarações prestadas pela inventariante fossem aditadas para que nelas constasse a referida restrição imposta pelo testador.

Logo, se do esboço de partilha consensual apresentado pelos herdeiros não constou a restrição quanto à incomunicabilidade dos bens, tal fato não pode ser atribuído à desídia do testamenteiro, mas, tão somente à omissão do testador quanto à necessidade de aditamento do testamento no primeiro ano de vigência do Código, a fim de indicar a justa causa para tornar válida a restrição, na forma do que dispõem os arts. 1.848 e 2.042 do CC.

Embora essa ineficácia, no caso, afete a todo o testamento, não há que se falar em afastamento do pagamento do prêmio ao testamenteiro, a pretexto de que a sua atuação no feito teria sido de pouca relevância, uma vez que o maior ou menor esforço no cumprimento das cláusulas testamentárias deve ser sopesado apenas como critério para a fixação da vintena, que poderá variar en-

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tre o mínimo de 1% e o máximo de 5% sobre a herança líquida, mas não para ensejar a sua supressão, como pretendem os ora recorrentes.

O testamenteiro deve ser visto como um colaborador no cumprimento das disposições de última vontade do autor da herança, que se guia por sua vontade, mas sempre em observância aos limites da lei e das cláusulas testa-mentárias.

Na hipótese em exame, a fiel execução da disposição testamentária foi obstada, repise-se, pela própria inação do disponente ante a exigência da lei, razão pela qual não pode ser atribuída ao testamenteiro nenhuma responsabili-dade por seu descumprimento.

Ante o exposto, conheço do recurso especial, porém, nego-lhe provi-mento.

É como voto.

certidão de julgAmento terceirA turmA

Número Registro: 2010/0143581-8

Processo Eletrônico REsp 1.207.103/SP

Números Origem: 5363564 53635642 821202004 994070306343

Pauta: 02.12.2014 Julgado: 02.12.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Mário Pimentel Albuquerque

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

AutuAção

Recorrente: A. P. e outros

Advogado: Luiz Arthur de Godoy

Recorrido: R. de B. P.

Advogado: Renato de Barros Pimentel (em causa própria) e outros

Assunto: Direito Civil – Sucessões – Inventário e partilha

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certidão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaAgRg nos EDcl no Recurso Especial nº 1.035.860 – MS (2008/0044919‑7)Relator: Ministro Antonio Carlos FerreiraAgravante: H. R. – Espólio e outrosRepr. por: D. R. – InventarianteAdvogado: Paulo Tadeu Haendchen e outro(s)Agravado: M. M. de O. – EspólioRepr. por: M. M. de O. F. – inventarianteAdvogado: Edson Ernesto Ricardo Portes e outro(s)

ementA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL – DIREITO SUCESSÓRIO – AÇÃO REIVINDICATÓRIA – BEM INTEGRANTE DE QUINHÃO HEREDITÁRIO CEDIDO A TERCEIRO – LEGITIMIDADE ATIVA – TEORIA DA ASSERÇÃO

1. Tem prevalecido na jurisprudência desta Corte o entendimento de que as condições da ação, aí incluída a legitimidade para a causa, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial.

2. Assim, faltará legitimidade quando possível concluir, desde o iní-cio, a partir do que deduzido na petição inicial, que o processo não se pode desenvolver válida e regularmente com relação àquele que figura no processo como autor ou como réu. Quando, ao contrário, vislumbrada a possibilidade de sobrevir pronunciamento de mérito relativamente a tais pessoas, acerca do pedido formulado, não haverá carência de ação.

3. No caso dos autos, a petição inicial afirma que o de cujos era o legítimo proprietário do imóvel. Nesses termos, impossível sustentar, a partir do que fixado pela teoria da asserção, que o espólio seja parte ilegítima para ajuizar ação reivindicatória quanto a esse bem.

4. A alegação trazida em sede de contestação, no sentido de que o imóvel integrava quinhão hereditário cedido a terceira pessoa denota circunstância que deve ser sopesada no momento do julgamento do próprio mérito da demanda. O fato de o espólio ser ou não o proprie-

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tário do bem repercute na procedência ou improcedência do pedido, não na análise das condições da ação.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

Acórdão

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regi-mental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo (Presidente) e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília/DF, 25 de novembro de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Antonio Carlos Ferreira Relator

relAtório

O Exmo Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Relator): Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática (e-STJ fls. 623/626) que ne-gou provimento a recurso especial ao fundamento de que: (a) não ficou carac-terizada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil; (b) a legitimidade ativa do inventariante para representar o espólio em ação reivindicatória de imóvel integrante de quinhão hereditário cedido a terceiro deveria ocorrer à luz da teo-ria da asserção e (c) o pedido de majoração dos honorários advocatícios estaria prejudicado tendo em vista a manutenção do acórdão recorrido.

Os embargos de declaração opostos a essa decisão foram rejeitados (e-STJ fls. 645/647).

Em sede de agravo regimental, os recorrentes alegam, em síntese, que a decisão agravada não teria aplicado corretamente a teoria da asserção. Insistem na tese de que a ação reivindicatória deveria ser extinta por ilegitimidade ati-va, nos termos dos arts. 3º e 267 do CPC, tendo em vista a cessão do quinhão hereditário.

É o relatório.

ementA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL – DIREITO SUCESSÓRIO – AÇÃO REIVINDICATÓRIA – BEM

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INTEGRANTE DE QUINHÃO HEREDITÁRIO CEDIDO A TERCEIRO – LEGITIMIDADE ATIVA – TEORIA DA ASSERÇÃO

1. Tem prevalecido na jurisprudência desta Corte o entendimento de que as condições da ação, aí incluída a legitimidade para a causa, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial.

2. Assim, faltará legitimidade quando possível concluir, desde o iní-cio, a partir do que deduzido na petição inicial, que o processo não se pode desenvolver válida e regularmente com relação àquele que figura no processo como autor ou como réu. Quando, ao contrário, vislumbrada a possibilidade de sobrevir pronunciamento de mérito relativamente a tais pessoas, acerca do pedido formulado, não haverá carência de ação.

3. No caso dos autos, a petição inicial afirma que o de cujos era o legítimo proprietário do imóvel. Nesses termos, impossível sustentar, a partir do que fixado pela teoria da asserção, que o espólio seja parte ilegítima para ajuizar ação reivindicatória quanto a esse bem.

4. A alegação trazida em sede de contestação, no sentido de que o imóvel integrava quinhão hereditário cedido a terceira pessoa denota circunstância que deve ser sopesada no momento do julgamento do próprio mérito da demanda. O fato de o espólio ser ou não o proprie-tário do bem repercute na procedência ou improcedência do pedido, não na análise das condições da ação.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

voto

O Exmo Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Relator): A insurgência não merece ser acolhida.

Correta a decisão que negou provimento ao recurso especial. Os agra-vantes não trouxeram nenhum argumento capaz de afastar os termos da decisão impugnada, motivo pelo qual deve ser mantida por seus próprios fundamentos (e-STJ fls. 623/626):

“Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo TJMS, as-sim ementado (e-STJ fl. 506):

’AÇÃO REIVINDICATÓRIA – IMÓVEL PERTENCENTE AO ESPÓLIO – IN-VENTÁRIO NÃO CONCLUÍDO – LEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO –

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CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA AFASTADA – RECURSO PROVIDO.’

Os embargos de declaração foram rejeitados (e-STJ fls. 521/524).

Nas razões do recurso especial, interposto com fundamento no art. 105, III, a e c, da CF, (e-STJ fls. 530/549), o recorrente alega que o Tribunal de origem teria violado o art. 535 do Código de Processo Civil ao rejeitar seus embargos de declaração sem examinar adequadamente os temas suscitados naquela ocasião.

Alega que o espólio não seria parte legítima ativa para propor ação reivindica-tória de imóvel que integrava o quinhão hereditário cedido pelos herdeiros a terceira pessoa, sob pena de ofensa aos arts. 3º e 267 do Código de Processo Civil. Segundo sustenta, apenas ao cessionário poderia ajuizar ação de reivindi-cação com relação ao imóvel. O fato de o inventário ainda não ter chegado ao fim não poderia ser invocado como argumento para afirmar a legitimidade ativa do espólio, porque, nos termos do artigo 2.013 do Código Civil, o cessionário de direito à sucessão aberta pode promover a partilha. Assim, caberia ao cessioná-rio, na condição de interessado, levar adiante a partilha e, em seguida, ingressar com a ação reivindicatória. Com relação ao tema alega dissídio jurisprudencial, apontando como paradigma julgado do TJGO.

Sustenta que, em caso de provimento do recurso especial, não seria possível, simplesmente restabelecer a sentença de extinção do feito, porque os honorários advocatícios então fixados seriam irrisórios e estariam por merecer majoração, em conformidade com os arts. 20, § 3º e 4º, e 125, I, do Código de Processo Civil.

Juízo de admissibilidade positivo (e-STJ fls. 567/569).

É o relatório.

Decido.

Consta dos autos que em fevereiro de 2004 o Espólio de M. M. de O., por seu inventariante M. M. de O. F., ajuizou em face do Espólio de H. R., D. R., M. A. R., A. S. A. R., H. R. J. e E. R. V. R., ação reivindicatória de imóvel rural situado na comarca de Caparaó/MS. (fls. 03/11).

O juiz de 1º Grau extinguiu o feito sem julgamento de mérito com fundamento no art. 267, VI, do Código de Processo Civil, ao argumento de que o espólio não teria legitimidade ativa para a referida ação reivindicatória, porque o imóvel que constituía o objeto dessa ação integrava quinhão hereditário cedido a terceira pessoa. (e-STJ fls. 265/267).

O Tribunal de origem, no entanto, deu provimento à apelação, afirmando, basi-camente que, enquanto não ultimada a partilha, a legitimidade ativa para repre-sentar o patrimônio do de cujos seria do espólio.

O recurso especial não colhe êxito.

I – Negativa de prestação jurisdicional.

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A alegação de ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil não prospera. O Tribunal a quo decidiu a matéria controvertida de forma fundamentada, ainda que contrariamente aos interesses da parte. Ressalte-se que o órgão julgador não está obrigado a enfrentar todos os argumentos aduzidos pela parte se indicou fundamentos suficientes ao julgamento da lide. Assim, não incorreu em omissão, contradição ou obscuridade.

II – Legitimidade ativa do espólio.

A questão central do presente processo consiste em saber se o espólio detém legitimidade processual para propor ação reivindicatória de imóvel objeto de contrato de cessão de direitos hereditários e que, portanto, não mais se inclui no acervo patrimonial constitutivo desse mesmo espólio.

Em uma primeira análise, não parece mesmo razoável imaginar que o espólio possa reivindicar, para si, bem que os herdeiros já alienaram a outra pessoa. Em princípio, apenas o cessionário poderia reivindicar o imóvel ocupado indevida-mente por outrem, afinal, se ele adquiriu a propriedade do imóvel somente a ele interessa ser investido na posse do bem. Vale lembrar que a ação reivindicatória é instrumento processual concedido àquele que tem a propriedade do bem para reclamá-lo em face de quem injustamente o possua ou detenha.

Essa linha de considerações, no entanto, confunde a preliminar de legitimidade ad causam, que corresponde a uma das condições da ação, com o próprio mérito da causa. Para saber se determinada pessoa física ou jurídica ostenta legitimidade ad causam deve-se perquerir, apenas, se ela pode, em tese e prima facie, figurar como parte na demanda. Faltará legitimidade quando possível concluir, desde o início, a partir do que deduzido na petição inicial, que o processo não pode se desenvolver válida e regularmente com relação àquele que figura como autor ou réu. Quando, ao contrário, vislumbrada a possibilidade de sobrevir um pro-nunciamento de mérito em face dessas pessoas, acerca do pedido formulado, aí então não haverá carência de ação.

Tem prevalecido na jurisprudência desta Corte, o entendimento de que a aferi-ção das condições da ação, aí incluída a legitimidade para a causa, deve ocorrer com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial. Nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – RESPONSABILIDADE CIVIL – AUSÊNCIA DE OMISSÕES NO ACÓRDÃO – INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO – DECISÃO AGRAVADA MANTIDA – IMPROVIMENTO

1.- Em ação de indenização por dano moral, originada de publicação, no jornal Tribuna do Advogado, tida por ofensiva, pelo Advogado agravado, por parte do Advogado ora agravante, foram rejeitadas exceção de incompetên-cia da Justiça Estadual e ilegitimidade passiva dos réus, então responsáveis por aludido periódico, sob o fundamento de tratar-se de ação movida não contra a Ordem dos Advogados do Brasil, mas contra pessoas físicas, aponta-

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das como ofensoras, de modo que valida, até o deslinde final, a teoria da as-serção, pela qual fixadas a competência e a legitimidade ad causam segundo o relato da petição inicial.”

(AgRg no AREsp 462.204/RJ, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, Jul-gado em 08.04.2014, DJe 02.05.2014);

“RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS – VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA – CONTEÚDO OFENSIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL – ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 186 e 927 DO CÓDIGO CIVIL – [...]

3. Conforme entendimento desta Corte, as condições da ação, dentre as quais se insere a possibilidade jurídica do pedido, devem ser verificadas pelo juiz à luz das alegações feitas pelo autor na inicial. Trata-se da aplicação da teoria da asserção.”

(REsp 1324430/SP, Relª Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, Julgado em 19.11.2013, DJe 28.11.2013);

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – RESPONSABILIDADE DA AD-MINISTRAÇÃO – RECURSO ESPECIAL – DISCUSSÃO ATINENTE À LEGI-TIMIDADE ATIVA AD CAUSAM E À COMPROVAÇÃO DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL ATINGIDO POR INUNDAÇÃO – NÃO PROVIMENTO

[...]

4. A legitimidade ativa ad causam é uma das condições da ação. Sua afe-rição, em conformidade com a teoria da asserção, a qual tem prevalecido no STJ, deve ocorrer in status assertionis, ou seja, à luz das afirmações do demandante (AgRg-AREsp 205.533/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 08.10.2012; AgRg-AREsp 53.146/SP, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 05.03.2012; REsp 1.125.128/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJe 18.09.2012).

(REsp 1354983/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., J. 16.05.2013, DJe 22.05.2013)”

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – EXTRAVIO DE BAGAGENS DO PREPOSTO CONTENDO PARTITURAS A SEREM EXECU-TADAS EM ESPETÁCULO ORGANIZADO PELA EMPRESA AUTORA – LE-GITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM – EQUIPARAÇÃO AO CONSUMIDOR – IMPOSSIBILIDADE – TEORIA DA ASSERÇÃO – EMPRESA AUTORA BENE-FICIÁRIA DO CONTRATO HAVIDO ENTRE O MAESTRO E A RÉ – RESPON-SABILIDADE EXTRACONTRATUAL – [...]

2. A teoria da asserção, adotada pelo nosso sistema legal, permite a verifica-ção das condições da ação com base nos fatos narrados na petição inicial.”

(REsp 753.512/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. p/ Ac. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., J. 16.03.2010, DJe 10.08.2010)

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No caso dos autos, a petição inicial afirma que o de cujos era o legítimo proprie-tário do imóvel. Nesses termos não se pode defender, a partir do que fixado pela teoria da asserção, que o espólio não era parte legítima ativa para ajuizar a ação reivindicatória.

A dificuldade constatada surgiu apenas no momento em que o réu informou, na contestação, que o imóvel objeto da ação reivindicatória teria sido transmitido a terceiro mediante contrato de cessão de direitos hereditários. Essa circunstância, no entanto, deve ser sopesada no momento do julgamento do próprio mérito da demanda, ou seja, o fato de o espólio ser ou não o proprietário do bem repercute na procedência ou improcedência do pedido, não na análise das condições da ação, as quais devem ser examinadas, repita-se, a partir do que deduzido na petição inicial.

Nem se diga que, na hipótese, ocorreu verdadeiro julgamento de mérito a des-peito da terminologia empregada na parte dispositiva da sentença e do acórdão. Examinando a sentença, é possível perceber que o magistrado não se posicionou quanto à validade do contrato de cessão de direitos hereditários. Da mesma for-ma não se posicionou quanto à exceção de usucapião oposta pelo réu reivindi-cado. Não há como sustentar, assim, que o juiz da causa apreciou o mérito e, em seguida, verificando que o espólio não titularizava a propriedade do bem, extin-guiu o feito sem julgamento do mérito quando deveria tê-lo feito com julgamento de mérito. Na hipótese dos autos, as instâncias de origem examinaram a questão da legitimidade ativa apenas sob o prisma das condições da ação.

III – Honorários advocatícios.

Assentada a presença da legitimidade de agir, embora por motivos diversos da-queles indicados pelo Tribunal de origem, fica prejudicado o pedido de ma-joração dos honorários advocatícios estipulados pela sentença para o caso de extinção do feito por carência de ação.

Diante do exposto, com fundamento no art. 557, caput, do CPC, nego provimen-to ao recurso especial.

Publique-se e intimem-se.”

Consoante exposto na decisão recorrida, a petição inicial afirma que o de cujos era o legítimo proprietário do imóvel. Nesses termos, não se pode pre-tender, a partir do que fixado pela teoria da asserção, que o espólio seja parte ilegítima para ajuizar ação reivindicatória com relação a esse bem. A alegação trazida em sede de contestação, no sentido de que o imóvel integrava quinhão hereditário cedido a terceiro não é suficiente para a alterar a legitimidade ativa fixada inicialmente. Caso confirmados os fatos narrados na contestação, pode--se cogitar de extinção do processo com julgamento do mérito, mediante inde-ferimento do pedido, não de extinção sem julgamento de mérito, por ausência de condição da ação.

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Assim, não prosperam as alegações contidas no regimental, incapazes de alterar os fundamentos da decisão impugnada.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

certidão de julgAmento quArtA turmA

Processo Eletrônico AgRg-EDcl-REsp 1.035.860/MS

Número Registro: 2008/0044919-7

Números Origem: 20060068529 20060068529000101 31040001718

Em Mesa Julgado: 25.11.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Pessoa Lins

Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

AutuAção

Recorrente: H. R. – Espólio e outros

Repr. por: D. R. – Inventariante

Advogado: Paulo Tadeu Haendchen e outro(s)

Recorrido: M. M. de O. – Espólio

Repr. por: M. M. de O. F. – Inventariante

Advogado: Edson Ernesto Ricardo Portes e outro(s)

Assunto: direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Compra e venda

AgrAvo regimentAl

Agravante: H. R. – Espólio e outros

Repr. por: D. R. – Inventariante

Advogado: Paulo Tadeu Haendchen e outro(s)

Agravado: M. M. de O. – Espólio

Repr. por: M. M. de O. F. – Inventariante

Advogado: Edson Ernesto Ricardo Portes e outro(s)

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certidão

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo (Presi-dente) e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

7265

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios5ª Turma Cível Classe: Apelação nº 20100110673406APC (0027450‑94.2010.8.07.0001) Apelante(s): C. M. M. S. Apelado(s): Cassi – Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil Relator: Desembargador Angelo Passareli Revisor: Desembargador Sebastião Coelho Acórdão nº 838769

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – CASSI – MANUTENÇÃO DE EX--CÔNJUGE COMO BENEFICIÁRIO DE PLANO DE SAÚDE – ACORDO HOMOLOGADO EM SEPARAÇÃO JUDICIAL – CONFRONTO COM DISPOSIÇÃO ESTATUTÁRIA – COISA JULGADA – IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO A TERCEIRO – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – SENTENÇA MANTIDA

Ainda que ex-cônjuges tenham submetido à homologação judi-cial, no âmbito de ação de separação consensual, cláusula preven-do a manutenção do ex-cônjuge virago como dependente direta do ex-marido no plano por ele contratado perante entidade de previdência complementar, tal convenção não obriga quem não integrou o aludi-do Feito, sobretudo quando as normas estatutárias da instituição que fornece o serviço não preveem a possibilidade de permanência da ex--consorte como beneficiária do seguro saúde assegurado ao associado.

Apelação Cível desprovida.

Acórdão

Acordam os Senhores Desembargadores da 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Angelo Passareli – Relator, Sebastião Coelho – Revisor, Sandoval Oliveira – 1º Vogal, sob a presidência do Senhor Desembargador Sebastião Coelho, em proferir a seguinte decisão: conhecer. Negar provimento. Unânime, de acordo com a ata do julgamento e notas ta-quigráficas.

Brasília/DF, 11 de dezembro de 2014.

Documento assinado eletronicamente. Angelo Passareli Relator

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relAtório

Adoto em parte o relatório da r. sentença (fls. 115/120), que restou assim delineado, in verbis:

“Cuida-se de ação de obrigação de fazer movida por C. de M. S. M. em desfavor Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil – Cassi, partes qualifi-cadas nos autos.

Em síntese, a autora relata ter se separado judicialmente de seu marido no ano de 1986. Na ocasião, restou convencionada, além da partilha de bens, guarda de filhos e pensão alimentícia, a sua permanência no plano de saúde de seu ex--cônjuge, na qualidade de dependente beneficiária.

No entanto, em meados do ano 2000, foi surpreendida com a interrupção de sua condição de dependente e com a informação de que passaria a ser titular do plano de saúde, com descontos da mensalidade diretamente em sua pensão alimentícia.

Salienta que, conforme acordado na ação de separação judicial, a responsabi-lidade pelos respectivos pagamentos ficara a cargo de seu ex-marido e que o desconto operado, de R$ 682,17 (seiscentos e oitenta e dois reais e dezesse-te centavos) onera por demais as suas finanças, já que recebe uma pensão de R$ 1.463,24 (mil quatrocentos e sessenta e três reais e vinte e quatro centavos).

Discorre sobre o direito invocado, afirma que o pedido deduzido na inicial conta com a anuência de seu ex-marido e pede, ao final, a procedência do pedido para determinar à demandada que inclua a autora no quadro de dependentes diretos, deixando de promover o desconto da mensalidade em sua conta corrente.

Com a inicial juntou os documentos de fls. 07/53.

Regularmente citada, a requerida apresentou a contestação e documentos de fls. 65/95. Em suas razões, argumenta que o acordo firmado nos autos da sepa-ração judicial somente faz coisa julgada perante as partes, por essa razão não pode ser compelida a cumprir com o que restara avençado entre a autora e seu ex-marido.

Alega que o regulamento do plano de saúde não contempla a manutenção de ex-cônjuge desde 01.06.1996, dessa forma, a autora fora enquadrada no gru-po denominado Dependentes Indiretos, mantendo-se integralmente a assistência médico-hospitalar, porém, com a cobrança individual de mensalidade, excluin-do-se a participação patronal do Banco do Brasil. Defende a regularidade do ato praticado, visto que amparada por Resolução da ANS, e pede, ao final, a impro-cedência do pedido.

Em especificação de provas, a ré postulou pelo julgamento antecipado da lide e a autora pugnou pela produção de prova testemunhal, o que restou indeferido pela decisão de fl. 108, da qual não foi interposto recurso.”

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Acrescento que o pedido restou julgado improcedente, havendo o dispo-sitivo da sentença sido lançado nos seguintes termos, in verbis:

“Ante o exposto, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil, julgo improcedente o pedido deduzido na inicial.

Em virtude da sucumbência, condeno a autora ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 800,00 (oitocentos reais), nos termos do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil” (fls. 119/120).

Irresignada, a Autora interpôs recurso de Apelação às fls. 126/135.

Em suas razões sustenta que vem sofrendo drásticas consequências ad-vindas do cancelamento de sua condição de dependente do ex-marido no pla-no de saúde mantido pela Apelada, provocado por ato unilateral, sem a partici-pação da beneficiária.

Salienta que, conforme acordado na ação de separação judicial, a res-ponsabilidade pelos respectivos pagamentos ficaria a cargo de seu ex-marido e que, na conversão em divórcio, não houve alteração de cláusulas, permanecen-do o acordo de vontades convencionado originalmente.

Assevera que “contrariando o entendimento esposado no r. decreto sen-tencial, há de ser observado também que o acordo entabulado entre os côn-juges, à época, previa tal hipótese. Isso quer dizer, que a situação tinha total anuência do ex-companheiro da autora, como na verdade ainda tem, pois o Senhor José Ribamar Martins concordou plenamente em manter a continuida-de da dependência de sua ex-mulher como usufrutuária do Plano de Saúde” (fl. 133).

Por fim, requer o conhecimento e o provimento do recurso, para que seja reformada a sentença, determinando-se à Ré que reinsira a Apelante no quadro de dependentes diretos, eximindo-a do pagamento da mensalidade respectiva.

Preparo à fl. 136.

Contrarrazões às fls. 141/150.

É o relatório.

votos

O Senhor Desembargador Angelo Passareli – Relator:

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Pretende a Apelante, nesta instância revisora, a reforma da sentença, para que seja determinado à Ré que proceda à reinserção da Autora na condição de

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dependente direta do ex-marido, eximindo-a do pagamento da mensalidade atinente à manutenção do seguro saúde.

Conforme se observa do acordo formalizado nos autos da mencionada ação de separação judicial, avençou-se que a Autora continuaria a usufruir da assistência médica prestada pela Ré, na condição de dependente do ex-marido (fls. 12/14), mesmo após o fim do matrimônio.

Ocorre que o art. 12 do Estatuto da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil – Cassi dispõe que serão reconhecidos como dependentes dos associados, com direito ao plano Cassi Funcional/Cassi Associado, apenas o cônjuge ou companheiro e os filhos, incluídos os adotivos, até 24 anos de idade e os enteados até 24 anos de idade (fl. 34), não fazendo, portanto, alusão ao ex-cônjuge.

Além disso, o § 6º do mesmo art. 12, prevê que, a extinção do casamento ou da união estável outrora mantidos com associado da entidade, gera, auto-maticamente, a perda da condição de dependente no plano contratado pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro.

O art. 13 do referido Estatuto, por sua vez, preceitua que:

“São considerados participantes externos os inscritos em planos coletivos de saú-de, pertencentes a grupo delimitado de pessoas, na forma da regulamentação expedida pela agência nacional de Saúde Suplementar, exceto no Plano de As-sociados” (fl. 35).

De seu turno, o parágrafo único do art. 1º da Resolução Consu nº 5 de 03.11.1998 limita o grupo familiar nos seguintes termos:

“Art. 1º. Para fins de aplicação das disposições contidas na Lei nº 9.656/1998, são caracterizados como sistemas de assistência à saúde na modalidade de au-togestão aqueles destinados exclusivamente a empregados ativos, aposentados, pensionistas e ex-empregados, bem como seus respectivos grupos familiares de-finidos, de uma ou mais empresas, ou ainda a participantes e dependentes de associações, sindicatos ou entidades de classes profissionais. Parágrafo único. O grupo familiar a que se refere o caput deste art. está limitado ao terceiro grau de parentesco consangüíneo e afim” (grifei).

Desse modo, a norma do Estatuto em questão que impede a Autora de figurar como dependente no plano Cassi Funcional, cujo pagamento é descon-tado diretamente na folha de pagamento do funcionário, há de prevalecer até mesmo porque consonante com a Resolução Consu acima mencionada.

Nesse quadro, a Cassi não poderia manter a Autora como dependente direta do ex-marido, este associado da instituição, haja vista a ausência de abri-go a tal possibilidade nas normas internas da entidade de previdência comple-

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mentar, as quais encontram respaldo na Resolução Consu nº 5 de 03.11.1998 (parágrafo único do art. 1º).

Acerca do tema, esta Corte de Justiça já se manifestou, in verbis:

“DIREITO CIVIL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – MI-GRAÇÃO DA EX-MULHER PARA MODALIDADE DIVERSA – GASTOS EXTRAS GERADOS PELA TRANSFERÊNCIA DO PLANO SUPORTADOS PELO EX-MARI-DO – ACORDO FIRMADO NA AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL – MANUTEN-ÇÃO DO VALOR DA MULTA DIÁRIA

1. A norma do estatuto da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil – Cassi que impede ex-cônjuge de figurar como dependente de associado no plano Cassi Funcional é oriunda de lei, não podendo ser derrogada por von-tade das partes, ainda que por acordo judicial.

2. Firmado acordo em ação de separação judicial no sentido de que o ex-marido manteria a sua ex-mulher em seu plano de saúde, impõe-se a confirmação da sentença que o condenou a suportar todos os gastos extras gerados pela trans-ferência dela do plano Cassi Funcional para o plano Cassi Família, sob pena de multa diária de R$ 500,00, valor fixado de acordo com os princípios da razoabi-lidade e da proporcionalidade.

3. Recursos da autora e do segundo réu desprovidos.”

(Acórdão nº 702318, 20070110949328APC, Rel. Antoninho Lopes, Revi-sor: Cruz Macedo, 4ª T. Cív., Data de Julgamento: 03.07.2013, Publicado no DJe 20.08.2013. p. 203)

De outro lado, do ponto de vista processual, a Ré não poderia ser com-pelida a cumprir um acordo judicial firmado entre terceiros.

Sabe-se que o reconhecimento da coisa julgada depende da averiguação da identidade entre partes, causa de pedir e pedido, na forma do art. 301, § 1º e 2º, do CPC e como bem já reafirmou o colendo Superior Tribunal de Justi-ça: “Há ofensa à coisa julgada quando na nova demanda ocorrem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido [...]” (STJ, AI 813.427-7, AgRg, Min. Aldir Passarinho Jr., J. 28.08.2007).

É certo que a Apelada não pode ser alcançada pelos limites subjetivos da coisa julgada oriunda da sentença proferida no âmbito de Separação Judicial que tramitou entre os ex-cônjuges, pois, não havendo participado da relação processual travada nos autos em que foi proferida, não se submete aos efeitos que dela provierem.

A coisa julgada há prevalecer entre os que integraram a lide, em respeito ao princípio do res inter alios acta vel judicata, alteri non prodest nec nocet (a coisa feita ou julgada entre terceiros, nem aproveita nem prejudica a outrem), consagrado na primeira parte do caput do art. 472 do CPC: “A sentença faz coi-

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sa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”.

Acerca do consagrado princípio jurídico assim já se manifestou o colen-do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DECLARATÓRIOS – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO – COISA JULGADA – EMBARGOS REJEITADOS

Consoante o sistema jurídico-processual vigente, a sentença de mérito só faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não alcançando terceiros estranhos à lide, em relação aos quais é res inter alios acta.

In casu, é desinfluente a circunstância de, em outros processos, áreas de terra situadas na mesma região terem sido consideradas indenizáveis.

Embargos rejeitados. Decisão indiscrepante.” (EDcl no REsp 97.317/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, 1ª T., J. 17.08.1998, DJ 21.09.1998, p. 54, grifei).

“RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE EXECUÇÃO – EMBARGOS DE TERCEIRO OPOSTOS POR TERCEIRO INTERESSADO – PENHORA SOBRE BEM IMÓVEL DO PRIMITIVO PROPRIETÁRIO (DEVEDOR) – PRELIMINAR – ART. 472 DO CPC – COISA JULGADA – FRAUDE À EXECUÇÃO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 593, II, DO CPC – PRESUNÇÃO RELATIVA DA FRAUDE QUE BENEFICIA A PARTE EXEQÜENTE – AUSÊNCIA DE REGULARIZAÇÃO DA AVERBAÇÃO DA PENHORA NA MATRÍCULA DO BEM IMÓVEL – PROVIDÊNCIA PARA RES-GUARDAR DIREITOS DO EXEQÜENTE EM FACE DA FRAUDE À EXECUÇÃO OU ONERAÇÃO DE BENS PELO DEVEDOR – INÉRCIA DO CREDOR – ALEGA-ÇÃO DE MÁ-FÉ DO TERCEIRO ADQUIRENTE AFASTADA POR DECISÃO JUDI-CIAL – ONUS PROBANDI DA PARTE QUE ALEGA O CONTRÁRIO – RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO

1. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros (art. 472 do CPC). Assim, não obstante o tema fraude à execução já tenha sido objeto de decisão judicial anterior, o terceiro prejudica-do adquirente do imóvel sub judice (autor dos embargos de terceiro) não partici-pou daquela ação, razão pela qual a eficácia do provimento jurisdicional (coisa julgada) não alcança a legitimidade do embargante para impugnar a alegação da exequente da ocorrência de consilium fraudis.

2. Se o terceiro adquirente teve a boa-fé reconhecida judicialmente, e, o banco (exeqüente), em face de sua inércia, não providenciou a regularização da aver-bação da penhora na matrícula do imóvel, conclui-se que o ônus da prova deve recair sobre aquele que alega o contrário, no caso, o exeqüente, descaracterizan-do-se, assim, a presunção relativa da ocorrência de fraude à execução.

3. Recurso não conhecido.” (REsp 804.044/GO, Relª Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Ac. Min. Massami Uyeda, 3ª T., J. 19.05.2009, DJe 04.08.2009)

No mesmo sentido, colha-se a manifestação do TJDFT:

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“AGRAVO DE INSTRUMENTO – ACORDO FORMULADO EM DIVÓRCIO – MANUTENÇÃO DA CÔNJUGE VIRAGO EM PLANO DE SAÚDE – FUSEX – FA-LECIMENTO DO VARÃO – PRETENSÃO DE SER INCLUÍDA E MANTIDA NO PLANO – INDEFERIMENTO – DECISÃO MANTIDA

01. ‘Não há como impor ao Fusex, que não participou da referida Ação de Di-vórcio, que inclua e mantenha a Agravante como beneficiária, tendo em vista que, de acordo com o art. 472 do Código de Processo Civil, ‘a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros’.” (MP) 02. Constatado que o Fusex não fez parte da relação processual na ação de divórcio, não podendo ser responsabilizado pelo acordo feito entre terceiros, eventuais direitos que a Recorrente julga ter devem ser buscados pela via processual própria e perante o juízo competente.

03. Recurso desprovido. Unânime.”

(Acórdão nº 516313, 20110020060655AGI, Rel. Romeu Gonzaga Neiva, 5ª T. Cív., Data de Julgamento: 22.06.2011, Publicado no DJe 01.07.2011, p. 194)

Dessa forma, não há fomento jurídico na tese perfilhada pela Apelante de que a sua condição de beneficiária do ex-marido homologada como cláusula do acordo de separação consensual há de ser imposta a terceiro que não inte-grou a lide, pois a coisa julgada que emana do Feito anterior não alcança quem dele não participou.

Com tais considerações, nego provimento ao recurso, mantendo incólu-me a r. sentença vergastada.

É como voto.

O Senhor Desembargador

Sebastião Coelho – Revisor

Com o relator

O Senhor Desembargador Sandoval Oliveira – Vogal

Com o relator

decisão

Conhecer. Negar provimento. Unânime.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

7266

Tribunal de Justiça do Estado de GoiásApelação Cível nº 441285‑56.2011.8.09.0175 (201194412858)Comarca de GoiâniaApelante: L. A. do V.1ª Apelada: P. S. e B.2ºs Apelados: R. W. F. dos S. e outroRelator: Des. A. S. de S. C.

ementA

APELAÇÃO CÍVEL – UNIÃO ESTÁVEL C/C AÇÃO DECLARATÓRIA DE SOCIEDADE DE FATO, POS MORTEM – TERCEIRA INTERESSADA – COMPROVAÇÃO DE CONVIVÊNCIA MARITAL – LEGITIMIDADE – ADVOGADO SUSPENSO – NULIDADE RELATIVA – INDUÇÃO A ERRO DE FATO – SENTENÇA CASSADA

I – Comprovado documentalmente pela apelante, como terceira in-teressada, que ela conviveu maritalmente com o falecido no período declarado de união estável com a parte autora, com o qual, inclusive, teve um filho, há que ser reconhecida sua legitimidade para recorrer da sentença. II – Sanada a irregularidade de representação durante o curso do processo, vez que o advogado suspenso já se encontrava le-galmente habilitado para exercer a advocacia, não há que se falar em nulidade dos atos por ele praticados, uma vez se tratar de nulidade relativa passível de convalidação, mormente quando não demonstra-da a ocorrência de prejuízo da defesa. Precedente do STJ. III – Cons-tatado que a requerente/primeira apelada tinha pleno conhecimento do relacionamento da apelante/ terceira interessada com o falecido, e mesmo assim omitiu o fato em Juízo, não há dúvidas que assumiu o risco de lide temerária, pois induziu o julgador em erro, vez que aquele não teve acesso aos documentos que instruem o recurso de apelação, notadamente do ajuizamento da ação de investigação de paternidade pos mortem do filho da apelante, situação ensejadora da necessidade de se cassar a sentença, a fim de que aquela venha a in-tegrar o polo passivo da ação, assegurado o direito de ampla defesa e do contraditório, bem como a devida complementação da instrução, no intuito de se identificar os períodos de convivência.

Recurso de apelação conhecido e parcialmente provido. Sentença cassada.

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Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as retro in-dicadas.

Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, em sessão pelos inte-grantes da Primeira Turma Julgadora da Quinta Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer da apelação e lhe dar parcial provimento, nos termos do voto do relator.

Esteve presente na sessão o Dr. Diogo Borges Naves pelo terceiro interes-sado, que juntará substabelecimento no prazo legal.

Votaram com o relator, que também presidiu a sessão, os Desembarga-dores Geraldo Gonçalves da Costa e Francisco Vildon José Valente.

Representou a Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Regina Helena Viana.

Goiânia, 27 de novembro de 2014.

Alan Sebastião de Sena Conceição Relator

relAtório

Luciana Abreu do Valle, irresignada com a sentença (fls. 170/173) profe-rida nos autos da ação de reconhecimento da existência de “União estável c/c ação declaratória de sociedade de fato, pos mortem”, ajuizada por Patricia Silva e Brito em desproveito dos herdeiros de Carlos Roberto Ferreira dos Santos, Rico Warley Ferreira dos Santos e João Marcelo de Souza Costa, que julgou parcial-mente o pedido inicial, no sentido de reconhecer a união estável entre Patricia Silva e Brito e Carlos Roberto Ferreira dos Santos, no período compreendido entre o ano de 1999 e a data de 08.03.2010, para que possa gerar seus jurídicos efeitos, interpôs-lhe recurso de apelação, na condição de terceira prejudicada (fls. 176/186).

Nas razões do recurso, aduz a apelante que é terceira prejudicada e que deveria ter composto o polo passivo da presente demanda, notadamente por ter convivido maritalmente com o finado, Carlos Roberto Ferreira dos Santos, com quem teve um filho, no período em que a apelada pediu para que fosse declarada a união estável.

Frisa que, apesar de a primeira apelada tê-la incluído no polo passivo da ação, jamais foi citada, face o despacho do juiz dirigente do feito para que a exordial fosse emendada, para serem incluídos os herdeiros do de cujus.

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RDF Nº 88 – Fev-Mar/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������163

Ressalta que o julgador foi induzido a erro pela primeira apelada, que ti-nha conhecimento dos fatos e nada mencionou em Juízo, olvidando, inclusive, que litigou criminalmente com ela antes do falecimento de Carlos Roberto, bem como da notória existência de união estável entre ele e a recorrente, o qual está sepultado no jazigo da família desta última, e que ela tomou todas as providên-cias necessárias ao sepultamento.

Em seguida, demonstra error in procedendo, em razão da irregularidade de representação da autora/apelada, vez que a petição inicial foi assinada por dois procuradores, sendo que um deles, João Mendes Rezende se encontra-va suspenso dos quadros da OAB de 09.08.2004 a 04.12.2012. Já o outro, Raimundo Nonato, não mais figurando como estagiário, embora qualificado na procuração como advogado, também não tinha capacidade postulatória. En-tende, assim, pela inexistência do ato, devendo ser declarada a nulidade nos termos do art. 13 do CPC e art. 4º do Estatuto da Advocacia.

Colaciona julgado.

Ato contínuo, pontua que, embora a primeira apelada tenha tido um filho com o falecido Carlos Roberto, com ele nunca conviveu, ao revés, ela tinha conhecimento de que aquele vivia maritalmente com a ora apelante, sendo que tal fato foi motivo de várias representações na Justiça Criminal, dando ensejo a transação por parte daquela para evitar condenação.

Frisa que a primeira apelada, ao ser ouvida na Delegacia da Mulher, disse em seu depoimento que seu filho, Rico Warley, ficava aos cuidados da ora apelante, fato ratificado em depoimento prestado à Polícia Civil na data do óbito de Carlos Roberto.

Destaca também que trouxe aos autos dezoito declaração de pessoas que afirmam a ocorrência de união estável entre ela e o falecido, aí incluídas a mãe, irmãs, irmão e cunhado do de cujus.

Diante disso, ressalta que a primeira apelada descurou-se do dever de boa fé, infringindo o disposto nos arts. 14, I, II e III e 17, II, ambos do CPC, motivo pelo qual o Julgador foi induzido a erro, prolatando sentença que não corresponde à realidade confessada pela própria autora.

Pugna, no fecho, pelo conhecimento e pelo provimento do recurso, para ser cassada a sentença, a fim de se declarar inexistentes os atos praticados por advogado suspenso e falso advogado, como retorno dos autos ao Juízo de ori-gem, a fim de possibilitar o esclarecimento da situação fática, com sua inclusão no polo passivo da demanda.

Trouxe com o recurso os documentos de fls. 190/295.

Preparo visto em fl. 188.

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Juízo positivo de admissibilidade em fl. 297.

O menor impúbere, Ícaro do Valle, noticia, em fls. 298/299, que o ape-lado João Marcelo de Souza Costa atingiu a maioridade aos 29.11.2013, de-vendo, portanto, ser intimado pessoalmente para conhecimento dos atos do processo. Anexou o documento de fl. 300.

A primeira apelada, nas contrarrazões (fls. 302/304), aponta carência de ação, uma vez que a apelante não é parte nos autos e visa apenas tumultuar os direitos adquiridos.

Ressalta a ocorrência de coisa julgada, em razão de a apelante não ter participado do processo, tendo se quedado inerte após sua exclusão do polo passivo, ao ser emendada a exordial, de conformidade com a decisão de fls. 170/173, tanto que o processo foi encaminhado para baixa.

No mérito, aduz ter sido observado o contraditório e a ampla defesa no processo e, como a apelante não é parte, o processo não poderia ter sido redis-tribuído sem fundamentação legal e com introdução de petição e documentos.

Pontua, ainda, que a apelante deveria ter ajuizado processo próprio e independente, não sendo adequada a via eleita.

Pede, ao final, pelo improvimento do recurso, Juntou os documentos de fls. 305/306.

Após o feito ter sido convertido em diligência, o Ministério Público de 1º grau se manifestou, em fls. 134/136, pelo conhecimento do recurso.

Pela petição de fls. 318/319, a primeira apelada sustenta que a apelante requereu indevidamente o desarquivamento dos autos após o trânsito em julga-do, mesmo não tendo sido citada na presente ação, cujo prazo em dobro para recorrer era apenas para os herdeiros, segundos apelados.

Em decorrência, requereu fosse o processo chamado à ordem “a fim de determinar o desentranhamento e a remessa dos documentos juntados ilegal-mente nos autos”, e fossem tomadas providências cabíveis pela tentativa de fraude processual, inserção de dados falsos no site do TJGO, prevaricação da Justiça, formação de quadrilha e tentativa de enriquecimento ilícito, com a de-cretação de prisão preventiva de todos os envolvidos na fraude.

Pela decisão de fl. 320, o magistrado determinou a remessa dos autos a este Tribunal, dada a entrega da prestação jurisdicional.

Conclusos os autos, for determinado, pelo despacho de fl. 322, o desen-tranhamento da petição de fls. 321/322 e dos documentos de fls. 323/327, para que fossem entregues ao procurador da apelada.

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RDF Nº 88 – Fev-Mar/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������165

Dada vista dos autos à Procuradoria Geral de Justiça, aquela, por intermé-dio de sua Procuradora, Dra. Dilene Carneiro Freire, no bem elaborado parecer de fls. 327/341, opinou pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, a fim de ser desconstituída a sentença para inclusão da apelante no polo passivo, assegurando ampla defesa e contraditório, possibilitando a complementação da instrução, no intuito de serem identificados os efetivos períodos de convivência da primeira apelada com o falecido, inclusive se houve relações paralelas ou não e/ou conversão do julgamento em diligência, para complementação de prova apta a gerar convencimento seguro deste Egrégio Tribunal de Justiça.

Juntou os documentos de fls. 342/343.

É o relatório.

À douta e segura revisão.

Goiânia, 07 de novembro de 2014.

Alan Sebastião de Sena Conceição Relator

voto

Inicialmente, conforme expresso no art. 499 e § 1º do Código de Pro-cesso Civil, “O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público. § 1º Cumpre ao terceiro demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial.”

Segundo doutrina de Humberto Theodoro Júnior sobre o assunto, In Curso de Direito Processual Civil, v. I, 34. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 493:

“Embora não seja vencido, por não ser parte no processo, o terceiro pode vir a sofrer prejuízo em decorrência da sentença. Isto se dá quando ocorre ‘o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial’ (art. 499 § 1º).

Para que o terceiro interfira no processo através de recurso, é necessário demons-trar, portanto, uma relação jurídica com o vencido que sofra prejuízo, em decor-rência da sentença. Seu interesse para recorrer ‘seria resultante do nexo entre as duas relações jurídicas: de um lado, a que é objeto do processo, e, de outro, a de que é titular, ou de que se diz titular o terceiro’.”

No mesmo sentido também a lição dos professores Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, extraída da obra Curso de Direito Processual Civil, v. 3, 6. ed., Salvador: Juspodivm, 2008, p. 49, in verbis:

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“Terceiro é aquele que, até então, não participa do processo. O recurso de tercei-ro é uma modalidade de intervenção de terceiro; o terceiro, com o recurso, passa a fazer parte do processo. Cumpre ao terceiro demonstrar o nexo de interdepen-dência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à aprecia-ção judicial (§ 1º, art. 499, CPC). Só se admite o recurso de terceiro juridicamente prejudicado. O terceiro prejudicado há de ser titular ou da mesma relação jurídi-ca discutida ou de uma relação jurídica conexa com aquela deduzida em juízo.”

No caso em tela, não há dúvidas acerca da legitimidade da ora apelante, Luciana Abreu do Valle, para recorrer da sentença (fls. 170/173), ora apelada, que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, no sentido de reconhecer a união estável entre a autora/apelada, Patrícia Silva e Brito e Carlos Roberto Ferreira dos Santos, no período compreendido entre 1999 e 08.03.2010, como terceira interessada, uma vez que ela alega e comprova documentalmente que conviveu maritalmente com o falecido no período declarado de união estável, com o qual, inclusive, teve um filho – Ícaro do Valle –, nascido em 10.11.2010 (fl. 192), cuja ação de investigação de paternidade foi ajuizada em 20.06.2011, conforme se pode ver em fls. 289 e 342, e tramita perante a 4ª Vara de Família e Sucessões desta Comarca.

Ademais, a própria autora/apelada pleiteou a citação da recorrente, dan-do indícios de que sabia da existência de relacionamento do falecido com a recorrente desde o ano de 2009 Logo, presentes os requisitos de admissibili-dade do recurso, o qual afigura-se próprio, tempestivo, regularmente instruído e preparado, dele tomo conhecimento, vez que demonstrado o nexo de inter-dependência entre o interesse da recorrente e o da relação jurídica objeto da decisão apelada.

Analiso agora a questão referente ao defeito de representação, face um dos advogados que assina a petição inicial se encontrava suspenso dos quadros da OAB/GO, bem como do segundo que, apesar de ter sido estagiário antes da propositura da ação, não comprovou que foi incluído nos quadros da OAB.

Observa-se dos autos que o advogado, João Mendes, esteve suspenso dos quadros da OAB/GO no período compreendido entre 09.08.2004 a 04.12.2012, e que Raimundo Nonato ficou inscrito como estagiário até 2005, não tendo sido comprovada sua inclusão nos quadros da OAB.

A princípio, muito embora o parágrafo único, do art. 4º, do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1994) disponha que são nulos os atos praticados por advo-gado suspenso, entendo que defeito de representação não se trata de nulidade absoluta e sim, relativa, passível de ser sanada.

Tal assertiva encontra abrigo nos termos do art. 13 do Código de Proces-so Civil, in verbis:

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“Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da represen-tação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito.”

Nestes casos, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que os atos praticados por advogado suspenso são relativamente nulos, passíveis de convalidação, notadamente quando não tenha sido causado prejuízo à defesa, como se infere do seguinte julgado, in verbis:

“PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO RESCISÓRIA – RECURSO DE APELAÇÃO SUBSCRITO POR ADVOGADO SUSPENSO – NULIDADE RELATIVA

1. A prática de atos por advogado suspenso é considerado nulidade relativa, pas-sível de convalidação. Precedentes. 2. À luz do sistema de invalidação dos atos processuais, a decretação de nulidade só é factível quando não se puder aprovei-tar o ato processual em virtude da efetiva ocorrência e demonstração do prejuízo (pas de nullité sans grief). 3. No caso, o ato em questão diz respeito à capacidade postulatória, a qual é atributo do advogado legalmente habilitado e regularmente inscrito na OAB (art. 4º do EOAB), cuja finalidade é garantir a defesa dos direitos da parte patrocinada, conferindo-lhe capacidade de pedir e de responder em Juízo, desiderato que foi efetivamente alcançado, ainda que o causídico estivesse suspenso à época, tanto que a demanda indenizatória foi julgada procedente e a decisão transitou em julgado. 4. Recurso especial não provido.” (STJ, Quarta Turma, REsp 1.317.835/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 10.10.2012).

Verifica-se que, durante todo o contexto recursal, a apelante defende a nulidade dos atos praticados pelo advogado durante o período em que ficou suspenso, mas, em nenhum momento processual, expôs sobre os eventuais pre-juízos causados pela atuação profissional do referido causídico.

No caso dos autos, a ação foi ajuizada no período em que o advogado estava suspenso, tendo sido a irregularidade apontada pelo filho da apelante, Ícaro do Valle, em 18.05.2012 (fls. 84/86), e, após a manifestação do Ministério Público para que a requerente/apelada fosse intimada para se manifestar acerca da irregularidade (fls. 98/99), a qual foi acolhida pelo julgador, aquela juntou vários documentos para evidenciar a regularidade de seu patrono perante a OAB, tendo em vista a prescrição da causa da suspensão (fls. 100/107).

Entretanto, somente na sentença, prolatada em 17.10.2013 (fls. 170/173), é que o insigne Julgador apreciou a questão, nos seguintes termos:

“Verifica-se que as partes se fazem representar por procurador devidamente ha-bilitado, havendo que se reconhecer como válida o reconhecimento do pedido exposto na exordial, visto que dissociado de qualquer vício.”

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Desse modo, conforme consta da certidão de fl. 199, a suspensão do re-ferido advogado perdurou até quatro de dezembro de 2012, sendo que, a partir daí, aquele se encontrava legalmente habilitado para exercer a advocacia, não havendo que se falar em nulidade, vez que sanada a irregularidade durante o curso do processo. Desacolho, portanto, a alegação de nulidade plena dos atos por ele praticados.

No que se refere ao mérito, observa-se da inicial (fl. 02) que a apelada manejou a ação declaratória em desfavor da mãe do de cujus, Aurea Prates dos Santos, e da ora apelante, Luciana Abreu do Valle, sendo que não relatou o motivo da ação ter sido intentada contra esta última, tendo se limitado a ale-gar que conviveu em união estável com o falecido, com quem teve um filho e adquiriu bens.

Ocorre que a julgadora do feito, considerando a existência de herdeiro menor mencionado na petição inicial, Rico Warley Ferreira dos Santos, deter-minou sua emenda pelo despacho de fl. 79.

Atendendo ao referido despacho, a autora/apelada incluiu no polo passi-vo da demanda os menores Rico Warley Ferreira dos Santos e João Marcelo de Souza Costa, sem nada acrescentar acerca da ora apelada, sendo que os herdei-ros, ao serem devidamente citados, aquiesceram ao reconhecimento do pedido.

Tem-se, assim, que a requerente/1ª apelada omitiu o fato de que tinha co-nhecimento do relacionamento afetivo do falecido com a ora apelante, tendo se limitado a requerer sua citação na inicial, mas silenciando após o despacho que determinou a emenda da exordial, ou seja, assumiu o risco de lide temerária, uma vez que o julgador não teve acesso aos documentos que instruem o recur-so de apelação, em que se tem notícia da ação de investigação de paternidade do menor impúbere Ícaro do Valle, ajuizada em 20.06.2011, ou seja, antes da Ação Declaratória de Sociedade de Fato, Pos Mortem (27.10.2011).

Colhe-se do bem elaborado parecer da douta Procuradora de Justiça, Dilene Carneiro Freire, o seguinte entendimento, que peço vênia para transcre-ver, ipsis litteris:

“[...] Ora, como no caso em tela a apelante não chegou a ser citada e há elemen-tos de prova contundentes no sentido de que mantinha relacionamento afetivo com Carlos Roberto quando do falecimento deste, fato de conhecimento da pri-meira apelada/requerente que nada mencionou na inicial, mas pediu a citação daquela, a configurar inclusive lide temerária; dos quais o Julgador não teve ci-ência antes de prolatar a sentença; havendo manifesta necessidade de identificar os efetivos períodos de convivência do falecido com as mencionadas mulheres, inclusive se houve paralelismo ou não.

[...] Assim, basta a leitura atenta dos documentos que instruem a petição recursal para perceber que o Juiz foi induzido em erro de fato, daí o mais coerente e se-

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RDF Nº 88 – Fev-Mar/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������169

guro é a desconstituição da sentença que declarou a existência de união estável entre a primeira apelada, Patrícia e o falecido Carlos Roberto Ferreira dos Santos, no período de 1999 a 08.03.2010, possibilitando a inclusão da apelante no polo passivo, assegurando ampla defesa e contraditório, complementando a instrução do processo para que se delineie em Juízo a verdade dos fatos.”

Assim, uma vez reconhecida a legitimidade da apelante, como terceira interessada, a cassação da sentença é medida que se impõe, para que aquela seja incluída no polo passivo da ação, assegurando ampla defesa e contraditó-rio, possibilitando a complementação da instrução, a fim de que sejam identifi-cados os períodos de convivência da primeira apelada com o falecido, inclusive se ocorreram relações paralelas.

Ante o exposto, conheço do recurso, e dou-lhe parcial provimento, a fim de cassar a r. sentença monocrática, retornando-se os autos ao Juízo de origem, para que se dê o regular processamento do feito, nos termos acima expostos.

Proceda-se à corrigenda da capa dos autos, uma vez que a apelante, como terceira interessada, é Luciana Abreu do Valle, tendo como segundos apelados Rico Warley Ferreira dos Santos e Outro.

É como voto.

Goiânia, 27 de novembro de 2014.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado de Minas GeraisNúmero do 1.0024.12.246341‑7/001 Numeração 2463417‑Relator: Des.(a) Geraldo AugustoRelator do Acórdão: Des.(a) Geraldo AugustoData do Julgamento: 02.12.2014Data da Publicação: 11.12.2014Apelação Cível nº 1.0024.12.246341‑7/001 – Comarca de Belo Horizonte – Apelante(s): B. L.Apelado(a)(s): M. P. Q.

ementA

RECONHECIMENTO/DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL – DIREITOS E EFEITOS – PARTILHA – DIREITO GARANTIDO SOBRE OS BENS ADQUIRIDOS PELO ESFORÇO COMUM NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO – PRESUNÇÃO AFASTADA – BENS ADQUIRIDOS POR SUB-ROGAÇÃO A VALORES PERCEBIDOS POR HERANÇA – INCOMUNICABILIDADE – DEMONSTRAÇÃO AUSÊNCIA – RECURSO PROVIDO

A Constituição da República e o atual Código Civil reconhecem e protegem a união estável entre homem e mulher, configurada a con-vivência duradoura, pública e contínua e o objetivo de constituir fa-mília. Uma vez reconhecida a união estável, presume-se que todos os bens adquiridos a título oneroso, durante a convivência, sejam pro-duto do esforço comum do casal, conforme dicção do art. 1.725 do Código Civil, recaindo sobre a parte que alega a incomunicabilidade de bens a demonstração do alegado.

Acórdão (segredo de justiçA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento.

Des. Geraldo Augusto Relator

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RDF Nº 88 – Fev-Mar/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������171

voto

Conhece-se do recurso, presentes os requisitos à sua admissibilidade.

Trata-se de apelação interposta contra a sentença (fls. 249/257) que jul-gou parcialmente procedente o pedido inicial, reconhecendo a união estável havida entre as partes, pelo período compreendido entre 1998 e agosto de 2012, condenando as partes ao pagamento das custas, pro rata, em razão da sucumbência recíproca, suspendendo, porém, a exigibilidade pela concessão da justiça gratuita e determinando que cada parte arcasse com os honorários de seus advogados.

Irresignado recorre o autor, fls. 258/263, visando à reforma da decisão de origem, argumentando, em resumo, que a requerida recebe pensão deixada pelo falecido marido junto ao IPSM; que não há nos autos nada que demonstre que os bens foram adquiridos em sub-rogação dos bens deixados pelo falecido marido; que a requerida recebeu de herança dois imóveis e R$ 14.500,00; que os referidos imóveis sequer foram vendidos e continuam sendo de propriedade da requerida, o que restou comprovado nos autos, pelo que a sub-rogação deve ser desconsiderada.

Contrarrazões, em resumo, pela manutenção da sentença recorrida (ff.265/278).

Examina-se o recurso.

De início, cumpre ressaltar que a questão posta em debate é de simples deslinde, bastando que se analise o acervo probatório dos autos no que se refere à partilha de bens do casal, especialmente porque não há irresignação, nessa via recursal, acerca do reconhecimento da união estável havida entre as partes, cujo período restou reconhecido entre 1998 a agosto de 2012.

De início, vale lembrar que à união estável presume-se aplicável o regi-me de comunhão parcial de bens, desde que outro não tenha sido optado pelos companheiros.

Nada havendo nos autos que demonstre a vontade dos conviventes em opção por outro regime, deve ser considerado o regime de comunhão parcial de bens.

Nesse regime, presume-se que todos os bens adquiridos a título oneroso, durante a convivência, sejam produto do esforço comum do casal, conforme dicção do art. 1.725 do Código Civil, recaindo sobre a parte que alega a inco-municabilidade de bens a demonstração do alegado.

O juízo de origem, em análise do quadro fático e acervo probatório dos autos, houve por bem entender que a aquisição dos bens durante a convivência

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se deu por sub-rogação do patrimônio recebido a título de herança pela apelada de seu falecido marido.

Todavia, em que pesem os argumentos que fundamentaram a decisão de origem, parece ter razão o apelante em seu pleito de reforma.

Isso porque, pela análise detida dos autos é possível apreender que a aquisição dos bens não guarda nenhuma relação com a herança recebida pela apelada de seu falecido marido.

Alegou a própria apelada que a aquisição dos bens somente foi possível com o acumulo de valores em poupança, cuja fonte foi a pensão deixada pelo seu falecido marido junto ao IPSM.

Ora, a sub-rogação para os fins aqui debatidos carece da venda dos bens, ou a utilização de valores anteriores e exclusivos para a aquisição dos novos bens, em substituição. Na hipótese dos autos verifica-se que os bens recebidos a título de herança sequer foram vendidos para aquisição dos outros bens, o que impossibilita a prevalência dos argumentos de sub-rogação.

Por outro lado, a quantia deixada em espécie pelo falecido marido à apelada não era suficiente para a aquisição de nenhum dos bens, embora deva ser levado em consideração.

Como argumento final, impõe-se ressaltar que a própria apelada afirma que os bens adquiridos, cuja partilha aqui se pretende, foram adquiridos com os recursos provenientes da pensão deixada por seu falecido marido.

Ora, sabe-se que os rendimentos de cada indivíduo lhe pertencem de forma exclusiva e se prestam, no seio familiar, à manutenção das necessidades daquela família. No entanto, quando tais valores são utilizados para a aquisição de bens, ainda que sem a participação efetiva do outro companheiro, os aludi-dos bens tornam-se comunicáveis, devendo ser partilhados de forma isonômica.

Acrescenta-se, ainda, que a diferença havida entre os rendimentos da apelada e do apelante, por maior que seja, não tem o condão de transformar os bens adquiridos em exclusivos da apelada, que detém maiores ganhos, sobre-tudo em razão da comunhão de vida almejada pela entidade familiar, que se sobrepõe àquelas diferenças, entregando a parcela do patrimônio amealhado ao cônjuge que não participou de forma efetiva ou participou em menor parte.

Dessa forma, uma vez reconhecida a união estável, que neste caso con-creto e específico também foi afirmada pela parte requerida, que nenhuma irre-signação apresentou quando a esse ponto, os reflexos daquela advindos devem ser reconhecidos, dentre os quais se destaca a partilha de bens.

Consequentemente, verificando-se pela análise detida dos autos, sobre-tudo pelo acervo documental e pelas afirmações da própria apelada no sentido

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de que a aquisição dos bens em discussão se deu com recursos da pensão que recebe junto ao IPSM, há que se reconhecer o direito do apelante à partilha dos bens adquiridos entre meados de 1998 até agosto de 2012, no importe de 50% (cinquenta por cento).

Com tais razões, reforma-se a decisão de origem, para reconhecer o di-reito do apelante à metade dos imóveis adquiridos no período de convivência do extinto casal, entre meados de 1998 até agosto de 2012, mantendo-se, no mais, a d. sentença.

Desª Vanessa Verdolim Hudson Andrade (Revisora) – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Armando Freire – De acordo com o(a) Relator(a).

Súmula: “deram provimento”.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

7268

Tribunal de Justiça do Estado do ParanáApelação Cível nº 1206149‑1, de Foro Central da Comarca da RegiãoMetropolitana de Curitiba – 2ª Vara CívelApelante: L. H. M. (Autora)Apelado: A. C. T. R.Relator: Desembargador Renato Lopes de Paiva

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE ABERTURA DE TESTAMENTO PARTICULAR – (I) ASSINATURA FALSIFICADA ATESTADA POR PERITO GRAFOTÉCNICO – VÍCIO EXTRÍNSECO QUE MACULA A EXISTÊNCIA DO TESTAMENTO – (II) LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – (II.A) AUTORA QUE ALTEROU A VERDADE DOS FATOS PARA, COM ISSO, ALCANÇAR OBJETIVO ILEGAL CONSISTENTE NOS BENEFÍCIOS ADVINDOS DOS EFEITOS PATRIMONIAIS DECORRENTES DO TESTAMENTO PARTICULAR, CUJA ABERTURA REQUEREU – (II.B) ASSEGURADO O CONTRADITÓRIO – (II.C) ACUMULAÇÃO DE MULTA E DE INDENIZAÇÃO – NÃO CONFIGURAÇÃO DE BIS IN IDEM – INSTITUTOS COM FINALIDADES DIVERSAS – (II.D) INDENIZAÇÃO – PREJUÍZOS PROCESSUAIS CONFIGURADOS – AFERIÇÃO DO MONTANTE EM LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO – (II.E) MULTA E INDENIZAÇÃO – CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO, OBSERVADOS OS PARÂMETROS DO ART. 18, CAPUT, E § 2º, DO CPC – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1206149-1, de Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba – 2ª Vara Cí-vel, em que é Apelante L. H. M. e Apelado A. C. T. R.

i – relAtório

Sentença proferida em ação de registro de testamento ajuizada por L. H. M. julgou improcedente o pedido inicial e condenou a vencida ao pagamento (i) das custas e despesas do processo, mais os honorários advocatícios do patro-no da ré, fixados em R$ 4.000,00 e (ii) de multa de 1% sobre o valor dos bens do espólio e de indenização com valor a ser apurado em liquidação por arbitra-mento, em razão da litigância de má-fé (f. 266-TJ e f. 280/281-TJ).

Fundamentou o MM. Dr. Juiz que (a) as declarações das testemunhas caem por terra diante dos dois exames grafotécnicos realizados, segundo os quais “a assinatura contestada, atribuída a Mauro Nunes Rocha, lançada na Escritura Particular de Testamento de fls.06 e 07 dos autos, na condição de

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Testador, não procedeu do punho escritor de Mauro Nunes Rocha, em razão de seus padrões gráficos” – fl. 264; (a.i) o perito do juízo também atestou que “eventuais condições adversas de saúde deixam de desempenhar papel decisi-vo na análise pericial, em vista do fato de que tanto a assinatura questionada quanto os padrões gráficos encontram-se grafadas naturalmente...” – fl. 265-TJ.

A autora da “ação de registro de testamento” apela para pedir a proce-dência do pedido inicial, bem como para ser afastada a condenação por litigân-cia de má-fé ou, em último caso, para serem revistos os critérios de arbitramento da multa e indenização, “com decisão alternativa de redução e não cumulati-vidade” (fl. 321-TJ).

Argumenta a apelante que (a) o laudo pericial confronta diretamente com os depoimentos das testemunhas presenciais – fl. 290; (a.i) os documentos que serviram de contraprova são anteriores ao acometimento do câncer pelo fale-cido – fl. 290; (a.ii) também foram beneficiadas a genitora do morto e a própria apelada – fl. 288; (b) houve “má valoração dos fatos e das provas”: litigância de má foi baseada em presunções, pois não há nos autos prova de participação da apelante na confecção do documento ou ciência a respeito ao propor a ação – fl. 318; (b.i) antes de decidir sobre a litigância de má-fé, o juiz deveria ter oportunizado a defesa da apelante – fl. 294; (b.ii) foi condenada a pagar inde-nização à apelada, mas não há prova de prejuízo – fl. 302; (b.ii.a) a previsão do § 2º do art. 18 torna a liquidação mais onerosa e morosa ao litigante de má-fé – fl. 303; (b.ii.b) multa e indenização não podem ser cumuladas, sob pena de bis in idem – fl. 302-TJ; (b.ii.c) a aplicação de multa e de indenização deve observar a razoabilidade – fl. 318-TJ.

O recurso foi recebido no duplo efeito (f. 323-TJ).

Contrarrazões pela ré às fls. 325/331-TJ.

Parecer da Procuradoria Geral de Justiça manifestando-se pelo conheci-mento e não provimento do apelo da autora (fls. 341/344-TJ).

É a breve exposição.

II – VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO

1. Presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo ou extintivo) e extrín-secos (tempestividade e regularidade formal), conheço do recurso e passo à análise do mérito.

2. Breve escorço fático.

Sentença proferida em ação de registro de testamento ajuizada por L. H. M. julgou improcedente o pedido inicial e condenou a vencida ao pagamento

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(i) das custas e despesas do processo, mais os honorários advocatícios do patro-no da ré, fixados em R$ 4.000,00 e (ii) de multa de 1% sobre o valor dos bens do espólio e de indenização com valor a ser apurado em liquidação por arbitra-mento, em razão da litigância de má-fé (f. 266-TJ e f. 280/281-TJ).

Fundamentou o MM. Dr. Juiz que (a) as declarações das testemunhas caem por terra diante dos dois exames grafotécnicos realizados, segundo os quais “a assinatura contestada, atribuída a Mauro Nunes Rocha, lançada na Escritura Particular de Testamento de fls. 06 e 07 dos autos, na condição de Testador, não procedeu do punho escritor de Mauro Nunes Rocha, em razão de seus padrões gráficos” – fl. 264; (a.i) o perito do juízo também atestou que “eventuais condições adversas de saúde deixam de desempenhar papel decisi-vo na análise pericial, em vista do fato de que tanto a assinatura questionada quanto os padrões gráficos encontram-se grafadas naturalmente...” – fl. 265-TJ.

3. Mérito recursal.

A autora da “ação de registro de testamento” apela para pedir a proce-dência do pedido inicial, bem como para ser afastada a condenação por litigân-cia de má-fé ou, em último caso, para serem revistos os critérios de arbitramento da multa e indenização, “com decisão alternativa de redução e não cumulati-vidade” (fl. 321-TJ).

Argumenta a apelante que (a) o laudo pericial confronta diretamente com os depoimentos das testemunhas presenciais – fl. 290; (a.i) os documentos que serviram de contraprova são anteriores ao acometimento do câncer pelo fale-cido – fl. 290; (a.ii) também foram beneficiadas a genitora do morto e a própria apelada – fl. 288; (b) houve “má valoração dos fatos e das provas”: litigância de má foi baseada em presunções, pois não há nos autos prova de participação da apelante na confecção do documento ou ciência a respeito ao propor a ação – fl. 318; (b.i) antes de decidir sobre a litigância de má-fé, o juiz deveria ter oportunizado a defesa da apelante – fl. 294; (b.ii) foi condenada a pagar inde-nização à apelada, mas não há prova de prejuízo – fl.302; (b.ii.a) a previsão do § 2º do art. 18 torna a liquidação mais onerosa e morosa ao litigante de má-fé – fl. 303; (b.ii.b) multa e indenização não podem ser cumuladas, sob pena de bis in idem – fl. 302-TJ; (b.ii.c) a aplicação de multa e de indenização deve observar a razoabilidade – fl. 318-TJ.

As pretensões da apelante não prosperam.

3.1 Tudo gira em torno dos requisitos para elaboração de testamento particular, constantes do art. 1.876 do Código Civil:

“Art. 1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou me-diante processo mecânico.

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§ 1º Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever.”

O testamento cujo registro é buscado pela recorrente, embora elaborado na presença de três testemunhas (fls. 49/50-TJ), não foi assinado pelo testador.

A prova pericial foi expressa ao dispor que, f. 204-TJ:

”[...] embora as aparentes semelhanças morfológicas ou de formas, sob outros aspectos decisivos detectaram-se divergências gráficas de tal significado que tor-naram imperiosa a conclusão de falsidade da assinatura contestada atribuída a Mauro Nunes Rocha [...]”.

Diga-se, ainda, que a ponderação da apelante sobre a debilidade física do de cujus explicar as alterações de “dinamismo, velocidade, e simplificação de alguns traços” (fl. 290-TJ) é desdita pelo perito, que esclarece, fl. 204-TJ:

”[...] em perícia grafotécnica, semelhanças ou diferenças de formas verificadas entre assinaturas comparadas não têm, em si, nenhum valor decisivo para, a par-tir daí, concluir-se pela autenticidade em caso de similitudes, ou pela falsidade em casos de diferenças...”.

Embora as pessoas ouvidas afirmem ter presenciado a assinatura do tes-tamento pelo falecido, é alegação que perde relevo em face da falsidade da assinatura.

Orlando Gomes1 explica:

“A cédula deve ser totalmente escrita pelo punho do testador e por ele assinada, sendo a autografia requisito absoluto, eis que, intervindo outros, até em trechos irrelevantes, não vale o testamento...”

Deste modo, o fato de (i) a apelante estar ou não presente quando da confecção do testamento particular e (ii) a apelada e a genitora do morto terem sido, também, beneficiadas com o conteúdo dele, não retiram a nulidade do testamento.

3.2. Também não prosperam as alegações trazidas pelo apelante de que deve ser afastada a condenação dela às penalidades da litigância de má-fé.

3.2.1 Quanto à necessidade de prévia oportunização de defesa para se manifestar a respeito (fl. 294-TJ), o direito ao contraditório foi assegurado à apelante.

1 Sucessões, Ed. Forense, Rio, 1970, p. 148. In TJRS, 7ª C.Cív., Ap. 70004321865, Rel. Des. José Carlos T. Giorgis, DJ 19.06.02.

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Desde a petição de fl. 72-TJ – antes da audiência de instrução e julga-mento – a recorrida vem pedindo a condenação da apelante à pena da litigância de má-fé.

O pedido foi reiterado pela recorrida:

– na petição de fls. 89/95-TJ, apresentada logo após a audiência de oitiva de três informantes. Na sequência dela, inclusive, a apelante se mani-festou às fls. 98/107-TJ.

– e em alegações finais de fl. 247-TJ e seguintes.

Daí se vê que não é novidade a causa de pedir que motivou a pretensão da apelada a respeito da litigância de má-fé.

O fato de o MM. Dr. Juiz ter acolhido embargos de declaração oferecidos pela apelada em face da sentença para se manifestar a respeito (fls. 280/281-TJ) não retira a constatação sobre ter sido oportunizada a ampla defesa à recor-rente.

3.2.2 Na mesma senda do não acolhimento está a alegação da apelante de que a litigância de má-fé foi baseada em presunções, pois “não há nos autos prova de participação da apelante na confecção do documento ou ciência a respeito ao propor a ação” (fl. 318-TJ).

A não presença física da recorrente quando da confecção do testamento não deixa de enquadrar a conduta da apelante, seja no inciso II do art. 17 do CPC, seja no inciso III do mesmo artigo.

“Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:

[...]

II – alterar a verdade dos fatos;

III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal; [...]”

Isso porque não é crível que após conviver 19 anos em união estável com o falecido, a apelante não conhecesse a assinatura do ex-convivente.

Também não é crível que a recorrente não soubesse que, a prevalecer a alegada manifestação de vontade do de cujus, constante do testamento – que teve a assinatura atestada como falsa – a apelante seria beneficiária de forma mais ampla dos efeitos patrimoniais dele decorrentes.

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É o que basta para a caracterização da litigância de má-fé, que pressupõe o dolo da parte, manifestado por conduta intencionalmente maliciosa e teme-rária2.

Este Tribunal:

“RECURSO INOMINADO – AÇÃO DE COBRANÇA – SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT) – MORTE – SINISTRO OCORRIDO EM 01.11.2000 – PRESCRIÇÃO – OCORRÊNCIA – DECURSO DO PRAZO TRIENAL – ART. 206, § 3º, IX, DO CÓDIGO CIVIL – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – PARTE QUE OMITIU TER RECE-BIDO PARTE DE INDENIZAÇÃO PELA VIA ADMINISTRATIVA – CONDUTA MALICIOSA, A FIM DE INDUZIR O JUÍZO E NA BUSCA DE RECEBIMENTO DA TOTALIDADE DO VALOR DA INDENIZAÇÃO.CONDENAÇÃO MANTIDA – PROCESSO EXTINTO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO – RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO, POR DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR, COM FUNDAMENTO NO ART. 557, CAPUT, DO CPC.” (TJPR, 2ª Turma Recursal, recurso inominado 20110012135-6, Rel. Juiz de Direito Douglas Marcel Peres, publicação 29.09.2011). – grifo meu.

No mesmo sentido: TJPR, Órgão Especial, Ap. 90.896-3, Rel. Des. Telmo Cherem, DJ 17.11.2000.

Também este Relator, antes de se tornar Desembargador:

“REINTEGRAÇÃO DE POSSE – LEASING – MORA OU INADIMPLEMENTO – CLÁUSULA RESOLUTIVA – ESBULHO – DEFERIMENTO LIMINAR – DECISÃO ACERTADA – RECURSO DESPROVIDO – O não pagamento de contraprestação referente a arrendamento mercantil, frente a cláusula resolutiva expressa, faz de-saparecer a causa jurídica que ampara o exercício legítimo de posse e autoriza o manejo da ação de reintegração de posse pelo arrendante. A omissão intencional de fatos que alterariam substancialmente a posição da parte no processo, com o escopo de reverter, em sede recursal, decisão que lhe foi desfavorável, corpori-fica litigância de má-fé. Recurso conhecido mas desprovido, com aplicação da pena pela litigância de má-fé.” (TJPR, 3ª C.Cív. (extinto TA), AI 119.835-4, Rel. o à época Juiz de Direito Convocado Renato Lopes de Paiva, DJ 09.12.1998). – grifo meu.

Diante do desvirtuamento da realidade pela apelante, desde o momento em que ajuizou a ação, agiu com acerto o MM. Dr. Juiz ao condenar a apelante ao pagamento de multa e indenização em razão da litigância de má-fé.

3.2.3 Falando nas penalidades pela litigância de má-fé, não colhe a afir-mação da apelante sobre inexistir prova de prejuízo que justifique a condena-ção dela a pagar indenização a esse título (f. 302-TJ).

2 TJPR, 2ª Turma Recursal, Recurso Inominado nº 20110012135-6, Rel. Juiz de Direito Douglas Marcel Peres, publicação 29.09.2011.

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A prova veio e consistiu, como pontuou o membro do Parquet, f. 344-TJ:

”[...] em arcar com as despesas na contratação de um advogado para impugnar o feito, o pagamento dos honorários periciais, o dispêndio de tempo e dinheiro para estar presente quando necessário em Curitiba tendo em vista que reside no Rio de Janeiro, além de outras despesas incidentalmente decorrentes desta ação.”

Se a apelante não tivesse mudado a verdade dos fatos3 para, com isso, alcançar objetivo ilegal de fazer prevalecer o constante de testamento que não correspondeu à vontade do testador – a apelada não precisaria ter contratado advogado, tampouco arcar com os custos de uma demanda judicial.

Inclusive, a norma do § 2º do art. 18 do CPC faculta ao juiz fixar a inde-nização em 20% sobre o valor da causa ou postergar a quantificação dela para liquidação por arbitramento.

Logo, não corresponde ao conteúdo da lei processual a alegação da ape-lante de que “o juiz deverá fixar o quantum debeatur a título de indenização, limitando-se a um percentual de até 20% sobre o valor da causa...” (f. 302-TJ). – grifo meu.

No caso dos autos, o juiz sentenciante aplicou a segunda parte da letra do art. 18, § 2º, do CPC, ao dispor que o quantum debeatur será apurado em liquidação por arbitramento (f. 281-TJ).

Isso porque o valor efetivo do dano sofrido pela apelada foi superior a 20% do valor da causa.

Nelson Nery Junior4 explica:

“O dever de o litigante de má-fé indenizar deve ser sempre reconhecido pela sentença, que decretará o an debeatur... na quantia máxima de 20% sobre o valor da causa atualizado. Apenas quando o valor efetivo do dano for maior do que 20% do valor da causa, deverá o juiz fixar o dever de indenizar e remeter as partes para a liquidação dessa parte da sentença, que deverá ser feita sob a forma de arbitramento.” – grifo meu.

E Humberto Theodoro Junior5 remata:

3 Leia-se a doutrina de PINTO FERREIRA (Código de Processo Civil Comentado – Editora Saraiva – pág. 83), sobre a caracterização da litigância de má-fé Do inciso II do art. 17 do CPC:“A segunda hipótese que caracteriza o litigante de má-fé é a alteração da verdade dos fatos. Essa intenção representa uma série de atos voluntários direcionados a um fim. A alteração pode consistir em alegar fatos inexistentes, negar fatos existentes ou configurar versão falsa para fatos verdadeiros.... Nesse sentido se orienta para a prática de atos mudando a verdade dos fatos ou silenciando para omiti-los. São atitudes comissivas ou omissivas.” – grifo meu.

4 Código de processo civil comentado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 187/188.

5 Código de processo civil e legislação processual civil em vigor. 44. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 138.

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“A liquidação por arbitramento, na espécie, destina-se a quantificar os prejuízos processuais, e não materiais, que o liquidante suportou decorrentes da conduta processual dos autores da ação.” – grifo meu.

Diante disso, se vê que, diferentemente do que afirma a apelante, a liqui-dação por arbitramento para aferir o valor da indenização devida pela litigância de má-fé não torna “a busca pela liquidação do dano mais onerosa e morosa ao litigante de má-fé” (f. 303-TJ). E isso decorre da natureza dessa indenização.

3.2.4. É juridicamente incorreto o argumento da recorrente sobre im-possibilidade de cumulação da multa e da indenização previstas no art. 18 do CPC porque, segundo diz à f. 302-TJ, “tem como origem o mesmo fato gerador” (f. 302-TJ).

A doutrina6, citando a jurisprudência:

“Para a incidência da multa prevista no caput, de caráter punitivo, não se perqui-re acerca de danos; para a concessão da indenização prevista no § 2º é necessária a prova dos prejuízos sofridos (RJTJERGS).”

São institutos que não se confundem. A multa consiste em sanção puniti-va, ao passo que a indenização constitui-se em sanção reparatória.

Logo, não merece acolhida a alegação da apelante acerca de bis in idem em razão da cobrança cumulada de ambas.

3.2.5 Também não prospera a alegação da apelante de que a aplicação da multa e da indenização pela litigância de má-fé não observaram a “razoabi-lidade” (f. 318-TJ).

O MM. Dr. Juiz dispôs que, f. 281-TJ:

”[...] condeno Lucia Helena Mantovani pela litigância de má-fé em 1% sobre o valor dos bens do espólio (R$ 65.000,00), bem como ao pagamento pelos preju-ízos que sofreu...cujo valor deverá ser apurado em liquidação por arbitramento, tudo nos termos do art. 18, caput e § 2º do CPC.”

Da leitura do excerto acima se verifica que o próprio juiz sentenciante apontou que estava observando os parâmetros da norma de regência:

– multa de até 1% do valor da causa7 e

– indenização com montante a ser aferido em liquidação por arbitra-mento.

6 Código de processo civil e legislação processual civil em vigor. 44. ed. SP: Saraiva, 2012, p. 138.

7 Leia-se, no caso dos autos, sobre o valor dos bens do espólio, ex vi do art. 258 do CPC, que prevê: “A toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato.”

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O Superior Tribunal de Justiça:

“LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – MULTA – PERCENTUAL – ART. 18 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – LEI Nº 9.668, DE 23.06.1998 – APLICAÇÃO IMEDIATA

A multa ao litigante de má-fé, nos termos do art. 18 do CPC com a redação da Lei nº 9.668, de 23.06.1998, não excede ao percentual de 1% sobre o valor da causa. Recurso especial conhecido e provido.”

(4ª T., REsp 218831-RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 05.12.2002, DJU 12.12.2002, p. 304). – grifo meu.

“PROCESSO CIVIL – LITISPENDÊNCIA – LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ – MULTA

Se o objeto da presente demanda é o mesmo de ação de execução anteriormente proposta, aplica-se ao demandante a pena da litigância de má-fé, pela incidência do art.17, I e II, do CPC com incidência de multa de 1% sobre o valor da causa e indenização adequada às peculiaridades do caso concreto. Inteligência do art. 18, caput e seu § 2º, do CPC. Preliminar rejeitada. Apelo parcialmente provido”. (Ape-lação Cível nº 70016495228, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 08.03.2007). – grifo meu.

Os julgados supra conjugados com a lei processual civil indicam que MM. Dr. Juiz atendeu, também aqui, aos limites da lei para impor à apelante as penalidades decorrentes da litigância de má-fé.

Por isso, mantenho a sentença recorrida.

4. Voto, em conclusão, para conhecer e não prover o apelo de Lucia Helena Mantovani.

III – DECISÃO

Acordam os Integrantes da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e não prover o re-curso, nos termos do voto do Relator.

Participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator o Desem-bargador Sigurd Roberto Bengtsson e o Juiz Substituto em Segundo Grau Irajá Pigatto Ribeiro.

Curitiba, 19 de novembro de 2014.

[assinado digitalmente] Des. Renato Lopes de Paiva Relator

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

7269

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Décima Nona Câmara Cível Agravo Inominado – Apelação Cível nº 0005236‑93.2013.8.19.0026 Agravante: Z. F. R. L. Relatora: Desª Valéria Dacheux

AGRAVO INOMINADO – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE CASAMENTO, A FIM DE VOLTAR A USAR O NOME DE SOLTEIRA – FILHOS MAIORES E CAPAZES, NASCIDOS ANTES DO MATRIMÔNIO DA GENITORA – CERTIDÃO DE NASCIMENTO CONSTANDO O NOME DE SOLTEIRA DA GENITORA – AUTORA QUE NÃO COMPROVOU O ALEGADO CONSTRANGIMENTO – MÃE E FILHOS ATUALMENTE TÊM O MESMO SOBRENOME E O NOME ADOTADO PELA MULHER COM O CASAMENTO PODE SER FACILMENTE AVERBADO NO REGISTRO DE NASCIMENTO DA PROLE – RECURSO DESPROVIDO.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno na Apelação Cível nº. 0005236-93.2013.8.19.0026 em que é Agravante Z. F. R. L., Acordam os Desembargadores da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.

Rio de Janeiro, 25 de novembro de 2014.

Desª Valéria Dacheux Relatora

relAtório

Trata-se de pedido de retificação de registro de casamento formulado por Z. F. R. L. sustentando que ao contrair núpcias, alterou seu nome de solteira, por acréscimo do sobrenome de seu cônjuge, L.

Afirma que o nascimento de seus filhos ocorreu antes de contrair matri-mônio, e, portanto, consta apenas seu nome de solteira nas certidões. Aduz que devido a tal fato, os filhos encontram dificuldades em exercer diversos atos da

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vida civil e, por esta razão, deseja retornar ao nome de solteira. Ressalta que o pedido inicial conta com a concordância de seu cônjuge.

Manifestação do Ministério Público de primeiro grau, às fls. 24/26, opi-nando pela procedência do pedido.

Sentença, às fls.30/31, julgando improcedente o pedido. Sem despesas em razão da gratuidade de justiça que foi deferida a autora.

Inconformada a autora apelou e, através das razões de fls. 33/38, ratifican-do seus argumentos iniciais. Aduz que a pretensão visa adequar uma situação incomoda para a família em razão da gravidez antes do casamento. Sublinha que a pretensão não implica em qualquer prejuízo ao interesse público, bem como que o sobrenome de casado não tem natureza de direito indisponível.

Manifestação da D. Procuradoria de Justiça, às fls. 52/54, opinando pelo desprovimento do recurso.

A decisão monocrática de fls. 155/157 com arrimo no caput do art. 557, do Código de Processo Civil, negou seguimento ao recurso, mantenho a senten-ça tal como lançada.

Inconformada a autora interpôs o presente agravo inominado reiterando os argumentos de suas razões de apelação, requerendo a apreciação do presen-te recurso pelo Colegiado.

No mérito, infere-se que não assiste qualquer razão a recorrente.

A autora pretende suprimir o apelido do cônjuge, L., que assumiu na ocasião de seu matrimônio, sob o fundamento de que os filhos nasceram antes do casamento, constando de seus registros de nascimento o nome de solteira da mãe, o que lhes causa dificuldades na vida civil.

Inicialmente, sublinhe-se que os dois filhos da requerente, D. F. L. e D. F. L. são maiores e capazes, (conforme certidão de nascimento de fls. 06 e 07), contando com 20 anos e 25 anos de idade, respectivamente.

Os atos constantes do registro civil possuem caráter relativo, podendo ser retificados mediante prova cabal de que o registro não retrata a verdade real dos fatos, em nome da proteção à segurança jurídica e a imutabilidade dos registros públicos.

A possibilidade de modificação do nome somente deve ser admitida em situações excepcionais, devendo ser comprovado o motivo justo e inexistência de prejuízo para terceiros.

Ocorre que, na espécie, nenhuma das hipóteses restou devidamente comprovada nos autos.

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RDF Nº 88 – Fev-Mar/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������185

A apelante requer pura e simplesmente o retorno ao nome de solteira, não apresentando qualquer situação embaraçosa ou vexatória sofrida pelos fi-lhos em razão da manutenção de seu nome de casada.

Tecnicamente, não há como ser deferido o pedido da autora na medida em que, como bem salientado pelo Ministério Público:

“Os filhos da requerente são maiores e capazes, não sendo crível que a reque-rente ter sobrenome idêntico ao dos filhos possa lhes trazer constrangimento, ou que justifique a alegação de que foi violado o princípio da dignidade da pessoa humana.

Ao contrário, mãe e filhos atualmente têm o mesmo sobrenome e o nome ado-tado pela mulher com o casamento pode ser facilmente averbado no registro de nascimento da prole, identificando perfeitamente cada membro da família e aten-dendo ao art. 3º, parágrafo único da Lei nº 8.560/1992, que garante o direito de averbação da alteração do patronímico materno, em decorrência do casamento, no termo do nascimento do filho.”

Acaso tenha a autora algum transtorno pela divergência de nomes, por certo esse processo servirá para dirimir quaisquer dúvidas porventura suscitadas por terceiros.

Por essas razões, correta a sentença que julgou improcedente o pedido da autora, não havendo nos argumentos da recorrente nada que seja capaz de causar abalo a sentença.

Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso.

Rio de Janeiro, 25 de novembro de 2014.

Desembargadora Valéria Dacheux Relatora

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

7270

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do SulApelação Cível nº 70062634811 (n° CNJ: 0456044‑76.2014.8.21.7000)Sétima Câmara CívelSanta Cruz do SulApelante: E. R.Apelado: G. V. B.

APELAÇÃO – DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL – PERÍODO – PARTILHA

Mantida a sentença, que fixou o período da união estável de acordo com a prova dos autos, porquanto restou comprovado que não ocor-reu de modo contínuo, havendo interrupção.

Recurso desprovido.

Vistos.

Elistani D. R. apela da sentença (fls. 265-74) que julgou parcialmente procedente a ação ajuizada contra Gilmar V. B., para reconhecer, e declarar dissolvida a união estável havida entre as partes, pelo períodos compreendidos entre 1º/09/05 a março de 2006 e entre abril de 2007 a novembro de 2008, determinando a partilha do valor adimplido, a título de arrendamento mercantil do veículo GM/Celta, placas IKT-2430, até o término da união estável, em no-vembro de 2008, revogada a decisão da fl. 186.

Alega terem convivido ininterruptamente, tendo se estendido de 1º/09/05 a dezembro de 2008, como demonstrado pela prova testemunhal produzida nos autos. Postula, por isso, sejam incluídos na partilha o terreno matriculado sob o nº 8.246 no Registro de Imóveis de Santa Cruz do Sul e a residência de alvenaria sobre ele edificado.

Requer o provimento do recurso (fls. 276-9).

Foram apresentadas contrarrazões, oportunidade em que o apelado rati-fica o expendido (fls. 282-93).

O Ministério Público manifesta-se pelo desprovimento do apelo (fls. 296-9).

É o relatório.

Questiona a apelante a duração da união estável havida entre as partes, com a partilha de bens daí decorrente.

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Com efeito, cuida-se de ação de reconhecimento da união estável en-tretida entre Elistani e Gilmar, havendo irresignação da autora com o período fixado na sentença para a convivência more uxório, pretendendo que seja reco-nhecida a união estável de 1º de setembro de 2005 (conforme escritura pública firmada pelas partes) até dezembro de 2008.

Embora a autora afirme na petição inicial que manteve relação marital com Gilmar por três anos e três meses, este sustenta que a união estável havida entre o casal terminou em março de 2006, tendo reiniciado em abril de 2007 e perdurado até novembro de 2008, período reconhecido na sentença.

De fato, examinando os autos, tenho que a autora logrou comprovar ca-balmente que conviveu maritalmente com Gilmar, mas não no período referido, pois apesar de ter trazido alguns documentos e fotos e das testemunhas por ela arroladas terem confirmado a sua tese, a parte contrária também apresentou documentos, fotos e arrolou testemunhas que confrontaram as suas alegações.

Embora tenham as testemunhas E. A. S. F., E. da S. e S. M. da S. narra-do sobre a existência do relacionamento, nada sabendo acerca da ruptura do relacionamento, E. G. L. e C. A. K. foram unânimes ao relatar que as partes, no período em que ficaram separados, mantiveram relacionamento com outras pessoas, o que afasta a alegação de união do casal por todo o período.

Esse é o entendimento dessa Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL – DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL – PERÍODO DA UNIÃO – De ser mantida a decisão hostilizada, na qual fixou o período da união estável de acordo com a prova dos autos, porquanto restou comprovado que não ocorreu de modo contínuo, havendo interrupção. PARTILHA DOS BENS – SUB-ROGAÇÃO – É necessário prova cabal da existência da sub-rogação, para excluir o bem da partilha – bem proveniente de herança – porquanto se trata de exceção à regra da comunicabilidade do patrimônio adquirido na constância da união. Inteligência dos arts. 1.725 e 1.659, I e VI, ambos do Código Civil. PAR-TILHA DE VERBAS TRABALHISTAS – Evidenciada a união estável, que é regida pelo regime da comunhão parcial de bens, descabe a partilha de valores decor-rentes de reclamatória trabalhista, nos termos do art. 1.659, inciso VI, do Código Civil, como exceção à regra da comunicabilidade. Apelação desprovida. (Se-gredo de Justiça) (TJRS, AC 70031885973, 7ª C.Cív., Rel. Jorge Luís Dall’Agnol, Julgado em 12.05.2010)

APELAÇÃO CÍVEL – FAMÍLIA – UNIÃO ESTÁVEL – MARCO INICIAL DA UNIÃO – COMPROVAÇÃO DE INTERRUPÇÃO DO RELACIONAMENTO POR DOIS MESES – PARTILHA DE BENS QUE DEVE LEVAR EM CONTA OS BENS AD-QUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DOS PERÍODOS DE UNIÃO ESTÁVEL – VALOR DEPOSITADO EM CONTA DA COMPANHEIRA QUE DEVERÁ SER COMPEN-SADO QUANDO DA PARTILHA – ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA QUE DEVEM SER REDIMENSIONADOS – Tratando-se a união estável de união de fato, a partilha

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dos bens e valores somente será levada a efeito sobre o que tenha sido adquirido na constância comprovada dessa união, não se podendo presumir esforço co-mum quando os companheiros tenham interrompido a relação, seja pelo tempo que for, o que, no caso dos autos, afasta do acervo comum todos os bens e valo-res adquiridos por uma das partes no lapso de dois meses em que houve a ruptura da relação com características de união estável. É regra de direito que o normal se presume e o excepcional se prova (ou contraprova). Assim, o montante depo-sitado pelo companheiro na conta corrente da companheira, dada a expressão de seu elevado valor e a excepcionalidade do momento em que foi realizado – um dia antes da separação – torna lícita a conclusão, ante ausência de contrapro-va, que tal depósito se trata de adiantamento de partilha, o que reclama, pois, compensação com os valores que ao final à mulher tocarão. Hipótese dos autos em que os ônus de sucumbência devem ser redimensionados, considerando o decaimento de 1/3 dos pedidos formulados pela demandante, mesmo após o jul-gamento destes recursos. Apelações providas em parte. (TJRS, AC 70032702706, 7ª C.Cív., Rel. José Conrado Kurtz de Souza, J. 13.01.2010)

Assim, resta prejudicado o pedido de partilha do imóvel adquirido no período em que foi interrompido o relacionamento das partes.

Do exposto, nego provimento ao recurso, com base no art. 557, caput, do CPC.

Intimem-se.

Porto Alegre, 17 de dezembro de 2014.

Desª Liselena Schifino Robles Ribeiro, Relatora.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

7271

Tribunal de Justiça do Estado de Santa CatarinaAgravo de Instrumento nº 2014.067573‑8, da CapitalRelator: Des. Subst. Jorge Luis Costa Beber

AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSO DE INVENTÁRIO – DIREITO DAS SUCESSÕES – DECISÃO INTERLOCUTÓRIA RECORRIDA QUE SUBMETE À LIBERAÇÃO DE VALORES DEPOSITADOS EM JUÍZO AO TRÂNSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO QUE RECONHECEU COMO INDEVIDO O FATO GERADOR DOS DEPÓSITOS – REFORMA IMPERATIVA – EFEITOS DA CAUTELAR DERRUÍDOS PELA DECISÃO COLEGIADA – LIBERAÇÃO DOS VALORES QUE CONFIGURA MERA CONSEQUÊNCIA DE DECISÃO ANTERIOR DESTE ÓRGÃO FRACIONÁRIO, ATACADA POR RECURSO SEM EFEITO SUSPENSIVO – PRETENSÃO DEFERIDA – RECLAMO PROVIDO

A liberação dos valores depositados em juízo em favor dos agravan-tes é mera consequência do que restou decidido nos julgamentos de anteriores agravos de instrumento conexos, uma vez que os depósitos em conta judicial, cujo levantamento se pretende, ocorreram por for-ça da medida cautelar derruída por tais arestos, contra os quais não há recurso dotado de efeito suspensivo.

Entender de modo diverso – conforme já se adiantou em recurso vin-culado – importaria conceder efeito suspensivo a todo e qualquer recurso, inclusive aqueles dirigidos às Cortes Superiores, o que não é a regra, mas a exceção do sistema processual civil brasileiro.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2014.067573-8, da comarca da Capital (Vara de Sucessões e Reg. Pub. da Capital), em que são agravantes J. L. S. de F. e outros, e agravada S. R. A. de F. G.:

A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Des. Mariano do Nascimento, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Subst. Saul Steil.

Florianópolis, 11 de dezembro de 2014.

Jorge Luis Costa Beber Relator

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relAtório

Cuida-se de recurso de agravo de instrumento interposto por J. L. S. de Freitas e outros em face da decisão interlocutória proferida nos autos do pro-cesso de inventário dos bens ficados pelo passamento de José Francioni de Frei-tas, indeferindo o pedido de levantamento de valores depositados em juízo, formulado pela inventariante e ora agravante, proclamando a magistrada sin-gular que, a despeito do julgamento dos recursos de Agravo de Instrumento nº 2013.033099-6 e 2013.033077-6, não há notícias do trânsito em julgado de tais decisões.

Às razões, sustentaram, em síntese, que o julgamento do Agravo de Ins-trumento nº 2013.033077-6 tornou sem efeito a medida cautelar concedida em favor da agravada na Apelação Cível nº 2009.066990-4, de tal modo que não subsistem motivos que justifiquem a manutenção dos valores depositados em juízo, eis que os depósitos são fruto, justamente, da cautelar revogada.

Aduziram que o recurso especial interposto pela ora agravada contra o acórdão que revogou os efeitos da medida cautelar não ultrapassou o juízo de admissibilidade, não restando atacado por qualquer outro recurso dotado de carga suspensiva, razão pela qual a decisão prolatada no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2013.033077-6 está em pleno vigor, circunstância contraria-da pelo interlocutório agravado ao exigir o trânsito em julgado de tal decisão para deferir o levantamento dos montantes depositados em juízo.

Argumentaram, noutra linha intelectiva, que mesmo restando provido o recurso especial interposto pela agravada nos autos do conexo agravo de ins-trumento nº 2013.033099-6 no bojo do qual se discute a forma de colação das ações/cotas sociais das empresas Fazenda Revoredo e Intelbras – a ora recorrida não fará jus aos frutos e rendimentos das sociedades, justo que sua tese exclui o direito à percepção dos dividendos das empresas ao defender a necessidade de que as participações societárias sejam colacionadas com base no valor que possuíam à época da abertura da sucessão, ou seja, 07.02.2002.

Discorreram sobre o prejuízo acarretado pela manutenção do montante depositado em juízo, eis que alcança a elevada cifra, em valores nominais, de R$ 1.105.929,28, que renderiam remuneração mais vantajosa se aplicados em fundos de investimento, consabidamente mais rentáveis do que a remuneração oferecida pela caderneta de poupança.

Derradeiramente, defenderam a inexistência de periculum in mora rever-so no caso de acolhimento da pretensão expendida, pois as empresas Fazenda Revoredo e Intelbras possuem vasto patrimônio, o que anula o risco de irreversi-bilidade da medida, afastado, adicionalmente, pela oferta, em garantia, dos seus próprios direitos hereditários.

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RDF Nº 88 – Fev-Mar/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������191

À luz de tais fundamentos, pugnaram pelo conhecimento e provimento da insurgência.

Ante a ausência de pedido expresso de concessão de efeito suspensivo ou antecipação da tutela recursal, o e. Des. Rodolfo Tridapalli recebeu o recla-mo somente no efeito devolutivo (fls. 1214/1215).

Em seguida, aportaram aos autos contrarrazões pela parte agravada (fls. 1220/1270) e, após distribuição por vinculação, vieram os autos conclusos para julgamento.

voto

O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibili-dade e, portanto, deve ser conhecido.

No mérito, para fins de contextualizar a controvérsia enfocada, rememo-ro que na sessão de julgamento do dia 27.02.2014 foram levados à apreciação, sob minha relatoria, dois agravos de instrumento, conexos entre si e autuados sob os números 2013.033099-6 e 2013.033077-6 o primeiro interposto pela ora agravada Sonia Regina Amorim de Freitas Guidi e o segundo, pelos ora agravantes, Jorge Luiz Savi de Freitas e outros que versavam, essencialmente, sobre a forma de colação das cotas sociais das empresas Intelbras S/A e Fazenda Revoredo a ser observada no bojo do processo principal inventário dos bens ficados pelo passamento de José Francioni de Freitas.

Isso porque o de cujus, juntamente com sua esposa, nos anos de 1988 e de 2002, doou a integralidade das participações societárias relativas às duas empresas em favor, exclusivamente, dos herdeiros germanos e em detrimen-to, portanto, da herdeira unitária, Sônia, cuja condição de filha somente foi reconhecida, via demanda investigatória de paternidade, após a abertura da sucessão.

Naquela ocasião, restou assentado, à unanimidade, que as indigitadas cotas sociais deveriam ser colacionadas pelo valor que possuíam ao tempo da liberalidade, por retratar o critério mais justo, considerando a natureza dos bens doados, cuja exponencial valorização deveu-se única e exclusivamente ao la-bor dos donatários.

Porque relevante à exata compreensão da questão posta notadamente considerando a diferente composição da Câmara por ocasião daquele julga-mento rememoro parte dos fundamentos que me levaram a concluir pela data da liberalidade como critério de colação das ações:

“[...] Numa análise distanciada da realidade dos autos, de fato, ressoa mais pa-latável que a avaliação de um bem doado, realizada ao tempo da abertura da

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sucessão, é que permitiria a igualação das legítimas, objetivo fim do instituto da colação.

Entretanto, ao confrontar aludido entendimento com as especificidades do caso sob estudo, resultei francamente convencido que tal solução, além de injusta, fulmina outra norma jurídica presente no Código Civil de 1916 (art. 1.792, § 2º) e preservada pelo Código de Processo Civil (art. 1.014, parágrafo único), segundo a qual apenas o que foi efetivamente doado pelo de cujus deve ser colacionado.

Com efeito, aludidos dispositivos deixam claro que somente o valor dos bens do-ados ou dotados deve ser colacionado, excluindo-se o montante das benfeitorias acrescidas, as quais pertencem unicamente ao herdeiro donatário.

Nesse sentido, a doutrina Orlando Gomes, que embora defenda a superioridade do critério previsto no CPC, também chama a atenção para a titularidade exclusi-va do donatário sobre os “melhoramentos” que acrescer ao bem doado:

‘O valor dos bens trazidos à colação era o que tinham à época da doação. [...] Códigos modernos prescrevem critério diverso, determinando que o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão. Levam-se em conta, assim, as variações ocorridas no valor dos bens entre o momen-to da doação e o da morte do doador, mas somente as que não resultarem de melhoramentos feitos pelo donatário. Do mesmo modo, não se atende à desvalorização proveniente de deterioração imputável ao mesmo donatário. É manifesta a superioridade desse critério, atenta à circunstância de que a variação de valor verifica-se, geralmente, em todos os bens, não apenas no que foi objeto da doação. O Código de Processo Civil adotou este critério, prescrevendo que o bem deve ser conferido pelo valor que tiver ao tempo da abertura da sucessão [...]’ (GOMES, Orlando. Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 272).

Silvio de Salvo Venosa, em passagem oportuna, similarmente assevera que:

‘As benfeitorias dos bens doados pertencem ao donatário e não entram na colação. Assim, também devem ser entendidas as construções e os acrésci-mos. Se o donatário construiu no terreno doado, só o valor do terreno será colacionado (§ 2º, do art. 2.004; antigo art. 1.792)’ (Direito Civil. Direito das Sucessões. V. 7, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 368).

É dizer, aquilo que deriva do esforço do agraciado e independe da figura do doa-dor, não alcança aos herdeiros não beneficiados pela liberalidade.

Transmudando a aludida lição para o dissenso plantado nos presentes autos, re-sulta lícito afirmar que a herdeira agravante deve ser agraciada com a mesma importância com que o foram os herdeiros donatários, cabendo exclusivamente a estes as benfeitorias, os acréscimos e os melhoramentos que promoveram, por sua exclusiva conta, sobre o bem doado.

Como corolário, não vejo como adotar o critério timbrado no art. 1.014, do CPC (abertura da sucessão).

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[...]

Nesse contexto, em que o objeto da doação são ações de uma sociedade anô-nima familiar, de capital fechado, cuja valorização ocorreu por fatores alheios à administração do de cujus, como determinar que a colação das ações considere a data da abertura da sucessão-

Mais do que isso, como, no caso concreto, adotar o critério do Código de Proces-so Civil, em detrimento daquele previsto no CC/1916 e, ao mesmo tempo, preser-var a regra insculpida no art. 1.792, § 2º, do Diploma Substantivo, no sentido de que só o valor dos bens doados entrará em colação, excluindo o das benfeitorias acrescidas,que pertencem apenas aos herdeiros donatários.

Não há como dimensionar numericamente o trabalho desenvolvido pelos her-deiros agraciados. É tarefa árdua, para não dizer impossível, afastar os “melho-ramentos” a que alude Orlando Gomes, propiciados pelos donatários na saúde da empresa Intelbras S/A, para, a partir daí, encontrar o valor exato da fração acionária e o total a ser colacionado.

Não há como aquilatar o valor desse trabalho e, arrisco dizer, qualquer tentativa nesse sentido encerraria a mais flagrante injustiça, pois o sucesso da empresa, no caso dos autos, está intimamente relacionado à sua assunção pelos herdeiros germanos, que, após receberem ações de uma empresa que muito pouco valia, tornarem-na, ao cabo de mais de uma década de reconhecida dedicação, alta-mente rentável, com acréscimo extraordinário ao valor das suas ações.

Nessa perspectiva, não se me afigura razoável admitir a colação pela data da abertura da sucessão, embora reconheça a existência de previsão legal nesse sentido, consubstanciada no art. 1.014, parágrafo único do CPC. A adoção de tal critério, insisto, implicaria negar vigência ao art. 1.792, § 2º, do CC/1916, beneficiando a herdeira/agravante com algo que não pertencia ao doador e não foi por ele doado exatamente o trabalho desenvolvido pelos herdeiros germanos para valorizar a empresa e, por conseguinte, seu valor acionário.

E não se diga que se está, com isso, vilipendiando o mais amplo e imperativo princípio prevalente no direito sucessório aquele que diz respeito à igualdade com que devem ser tratados os herdeiros , pois é em relação ao de cujus e ao legado que ele deixa que esse tratamento há se der igualitário e, a Intelbras atual e, mesmo aquela de 2002, é muitíssimo diferente da combalida empresa cujas cotas sociais foram doadas por Dite Freitas em 1988.

Não se cogite, também, que a adoção de critério diverso daquele previsto no CPC implicará na colação de valor irrisório ao inventário. Embora a estimativa seja unilateral, o “laudo de avaliação econômico-financeiro” colacionado às fls. 2.480/2.505 acena que o valor das ações em 1988, atualizado monetariamente até a data da partilha, ultrapassa a monta de 15 (quinze) milhões de reais.

Penso, pois, que no caso concreto, a temática há de ser inteiramente regulada pela Lei Civil de 1916 e a colação das ações deve considerar o valor que pos-suíam à data da liberalidade, critério retomado no Código Reale e que se amolda

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infinitamente mais consentâneo com o espírito da norma timbrada no art. 1.792, § 2º, do Código Bevilácqua, que em sua essência também alcança as ações de uma sociedade anônima de capital fechado, com caráter nitidamente familiar, como aquela envolvida no caso em liça.

Os lucros e dividendos da empresa, pelo mesmo raciocínio, também ficam dis-pensados da colação, pois assim como a valorização das ações decorreu do es-forço dos donatários, os frutos do seu trabalho a eles aproveitam, exclusivamente [...]”.

Vê-se, pois, que no julgamento do agravo de instrumento nº 2013.033099-6, confirmando a decisão singular proferida pela magistrada condutora do feito, restou enfrentada definitivamente ao menos no âmbito do primeiro e segundo graus de jurisdição a questão referente ao direito da herdeira Sônia à participa-ção nos lucros e dividendos das empresas.

Por corolário, no bojo do agravo conexo, autuado sob o nº 2013.033077-6 e apreciado na mesma sessão de julgamento, reconheceu-se a perda do objeto da medida cautelar deferida em favor da ora agravada, Sonia, no julgamento da Apelação Cível nº 2009.066990-4, que determinava o depósito em conta judicial dos rendimentos lucros e dividendos das empresas.

Isso porque, consoante destacado naquele momento:

“[...] Analisando atentamente o acórdão prolatado no recurso de Apelação Cível nº 2009.066990-4, constato que assentou-se ele no poder geral de cautela do Gabinete Des. Subst. Jorge Luis Costa Beber julgador (art. 798, CPC), invocado em razão da necessidade de assegurar os valores dos lucros e dividendos a que, hipoteticamente, faria jus a recorrida, na condição de herdeira, até que tal temá-tica fosse decidida definitivamente nos autos da ação principal.

Para que não reste dúvidas, transcrevo o seguinte excerto daquela decisão:

‘Sublinhe-se, como se sabe e já foi esclarecido, que o juízo no processo cau-telar é sumário, provisório e se realiza mediante cognição superficial, com a verificação dos pressupostos do fumus boni juris e do periculum in mora, os quais restaram satisfeitos, em parte.

O direito definitivo da demandante deve ser reconhecido na via processual adequada. Em princípio, a requerente merece ter reservada a participação no lucro e nos dividendos das empresas, até solução definitiva, na proporção de 1/12 (um doze avos).

Essa providência não se cuida de sequestro ou de arrolamento. O fundamento ao seu reconhecimento cautelar assenta-se no poder geral de cautela do juiz, insculpido no art. 798 do Código de Processo Civil.

Anote-se que “a tutela cautelar não fica restrita às medidas típicas, podendo o juiz conceder outras medidas atípicas em nome do poder geral cautelar que lhe confere o CPC 798” (in Código de processo civil comentado e legislação

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extravagante. Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 1.085)’. (Grifos meus).

É bem verdade que o ilustre Relator externou o seu entendimento a respeito da matéria de fundo, qual seja, o direito da agravada de participar dos lucros e divi-dendos da empresa, independentemente da circunstância de ter ou não partici-pado da sua administração. Confira-se:

‘[...] Data venia, não merece prevalecer a argumentação assentada no decisum impugnado, de que o sucesso na administração das empresas deve ser repartido aos participantes dos atos gerenciais, sendo excluída, portanto, a autora.

À época da doação das ações das empresas, a postulante tinha os mesmos direitos dos donatários quanto à parte dos bens que tocavam ao falecido José. Não importa que ela não participe da administração. Direito nesse sentido, por certo, não lhe foi franqueado. Se o sucesso aproveita aos filhos germanos, idêntico direito deve ser assegurado à filha unitária. Por contrário, os iguais estariam recebendo tratamento desigual.’

Nada obstante, é certo que volveu vistas à temática de fundo não para apreciá-la em definitivo, mas apenas para justificar a medida acautelatória deferida com forte no art. 798 do CPC, tanto que ressaltou, do início ao fim do voto, a suma-riedade e a provisoriedade do juízo cautelar, que se realiza mediante superficial cognição.

Em razão disso, condicionou a manutenção do provimento cautelar à análise de mérito da questão alusiva ao direito de participação da herdeira Sônia nos lucros e dividendos da empresa, definindo que a cautelar só perderia sua eficácia quan-do a matéria fosse decidida de modo definitivo:

‘[...] Em princípio, a requerente merece ter reservada a participação no lucro e nos dividendos das empresas, até solução definitiva, na proporção de 1/12).’

Embora a utilização da expressão ‘solução definitiva’ possa fornecer a falsa im-pressão de que o levantamento do depósito dos lucros ficou condicionado ao julgamento final do processo, tal qual entendeu a digna julgadora a quo, parece certo que não é caso de aguardar a ação de inventário ser sentenciada, já que a espera por tal providência conduziria à eternização do litígio.

É que a decisão terminativa, nas ações de inventário, limita-se a homologar (‘jul-gar por sentença’) o esboço de partilha, de modo que as celeumas que envolvem a destinação dos bens do espólio eclodem no curso do feito, sendo solvidas, todas elas, por meio de decisões interlocutórias.

É assim, por exemplo, com relação à remoção do inventariante, à impugnação às primeiras declarações, à avaliação dos bens do espólio, às colações, aos paga-mento das dívidas, enfim, todos os pontos controvertidos inerentes ao específico processo de inventário, que se resolvem obrigatoriamente no decorrer do feito, justo que a elaboração do definitivo esboço de partilha passa necessariamente pela definitiva resolução daquelas questões antecedentes.

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[...]

É dizer, não é lógico, nem tampouco razoável, aguardar-se o julgamento do feito por sentença, se as questões que entravam a finalização do inventário são, todas elas, resolvidas em decisões interlocutórias, sobre as quais, excetuada a hipótese de recurso às Cortes Superiores, não haverá futura discussão nos autos do inven-tário, face à ocorrência de preclusão.

Dessa forma, a meu sentir, não é à prolação de sentença que restou condicionada a eficácia da determinação procedida na cautelar, mas ao oportuno enfrentamen-to, nos autos do inventário, da questão alusiva à participação da herdeira, Sônia Regina, nos lucros e rendimentos da empresa [...].”

É dizer, a conclusão do julgamento do Agravo de Instrumento nº 2013.033077-6 é de que os efeitos da decisão interlocutória que afastou o direito da herdeira Sonia aos lucros e dividendos das empresas se substituíram aos da cautelar, e sua interrupção, a partir daquele momento, passa, ou pela atribuição de efeito suspensivo a recurso interposto contra aludido provimento judicial ou pela efetiva reforma da decisão. Isso porque, entender de maneira diversa, na prática, importaria conceder efeito suspensivo a todo e qualquer recurso, inclusive aqueles dirigidos às Cortes Superiores, o que não é a regra, mas a exceção do sistema processual civil brasileiro.

E são exatamente esses mesmos fundamentos que tornam imperativo o acolhimento do presente agravo de instrumento, eis que a liberação dos valores depositados em juízo em favor dos herdeiros germanos é puramente consequên-cia das conclusões exaradas nos julgamentos suso mencionados, uma vez que os depósitos em conta judicial, cujo levantamento ora se pretende, ocorreram por força da medida cautelar, derruída, conforme se viu, por julgamento poste-rior contra o qual não há recurso dotado de efeito suspensivo.

Entender de maneira diversa, a meu sentir, contraria frontalmente o que restou assentado no julgamento dos AIs 2013.033077-6 e 2013.033099-6, em fevereiro deste ano, além de contrariar, evidentemente, as convicções deste Relator e dos pares que o acompanharam quanto à matéria em comento, que se assentam, além de todos os fundamentos já expendidos, na circunstância de que a colação de bens, no processo de inventário, é decidida por decisão interlocutória e, mais, no direito constitucional das partes à razoável duração do processo.

À luz de tais fundamentos, portanto, é que estou acolhendo a preten-são recursal enfocada para determinar a liberação dos valores depositados em juízo por força da medida cautelar deferida nos autos da Apelação Cível nº 2009.066990-4.

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Apesar da singeleza da questão, permito estender-me um pouco mais apenas para rememorar que a própria linha intelectiva adotada pela ora recorri-da nas razões do Agravo de Instrumento nº 2013.033099-6, no sentido de que as participações societárias devem ser colacionadas pelo valor que possuíam ao tempo da abertura da sucessão, afasta seu pretenso direito ao valor deposi-tado em juízo, uma vez que tais montantes referem-se aos juros sobre capital próprio distribuídos pela empresa no ano de 2013 (fls. 841, 859 e 869 – volume 05), quando, salvo melhor juízo, não lhe assistiria mais qualquer direito ao rateio dos lucros e dividendos, devidos somente entre os anos de 1988 e 2002 que marcam, respectivamente, a data da liberalidade e a data da abertura da sucessão.

Não há, outrossim e conforme bem salientado pelos recorrentes risco de irreversibilidade da medida almejada, uma vez que o patrimônio da empre-sa Intelbras é consabidamente expressivo, assim como o próprio monte mor, de modo que eventual restabelecimento do direito da requerida aos frutos das empresas Fazenda Revoredo e Intelbras está presumida e suficientemente ga-rantido.

À luz de tais considerações, conheço do reclamo e dou-lhe provimento a fim de autorizar a expedição de alvará, em favor dos agravantes, para levanta-mento dos valores depositados em juízo referentes ao rateio de lucros, dividen-dos e juros sobre capital próprio das empresas Fazenda Revoredo e Intelbras.

É como penso. É como voto.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

7272

Tribunal de Justiça do Estado de São PauloPoder Judiciário6ª Câmara de Direito PrivadoRegistro: 2014.0000838720Apelação nº 0066568‑86.2010.8.26.0506 2Apelação 0066568‑86.2010.8.26.0506Apelantes: S. L. de M. e outraApelados: J. A. R. e outraVoto nº 7405

ementA

Ação anulatória e indenizatória. Cerceamento de defesa inocorrente. Imóvel. Doação sem encargo com instituição de usufruto vitalício. Retratação possível. Carta de sentença não registrada. Alienação pos-terior registrada. Validade. Jurisprudência. Apelo desprovido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0066568-86.2010.8.26.0506, da Comarca de Ribeirão Preto, em que são apelantes S. L. de M. (Justiça Gratuita) e T. S. de M., são apelados J. A. R. e J. T. de M.

Acordam, em 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Vito Guglielmi (Presidente) e Percival Nogueira.

São Paulo, 18 de dezembro de 2014.

Fortes Barbosa Relator Assinatura eletrônica

Cuida-se de recurso de apelação interposto contra sentença emitida pelo r. Juízo de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Ribeirão Preto, que julgou improcedente ação anulatória de escritura pública e indenizatória, condenando

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os autores ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advoca-tícios de 10% (dez por cento) do valor da causa, com a ressalva do art. 12 da Lei nº 1.060/50 (fls. 148/150).

Os apelantes levantam, de início, preliminar de cerceamento de defesa, decorrente do julgamento antecipado da lide e da ausência de designação de audiência de conciliação. No mérito, sustentam ser suficiente, para a doação com usufruto, a homologação da partilha acordada em ação de separação judi-cial. Pretendem a anulação ou a reforma da sentença (fls. 155/159).

Em contrarrazões, aos apelados pedem a manutenção da sentença (fls. 165/170 e 174/184).

É o relatório.

Os autores ajuizaram a presente ação declaratória e indenizatória, noti-ciando, em suma, que o imóvel indicado na petição inicial, em razão de acordo celebrado em ação de divórcio, foi doado ao coautor Stephen Louis de Moraes, com usufruto vitalício reservado por seus genitores (a coautora Teresinha Sallari de Moraes e o corréu June Tadeu de Moraes). Noticiam, ademais, que o corréu June, mesmo impedido, alienou o imóvel gravado com usufruto à corré Jenyffer Arevalo Ramos. Finalizam, pleiteando a anulação de escritura de compra e ven-da lavrada, o cancelamento do registro da compra e venda, a reintegração na posse do imóvel e o pagamento de indenização por perdas e danos (fls. 02/07).

A sentença recorrida julgou improcedente a ação, os autores apelaram, mas o apelo não comporta provimento.

De início, inocorreu o alegado cerceamento de defesa, decorrente do julgamento antecipado da lide.

Consigne-se que o juiz, como destinatário da prova, não só pode como deve “determinar as provas necessárias à instrução do processo” (art. 130, CPC) quando imprescindíveis para a formação de seu convencimento acerca dos fa-tos narrados pelas partes, ou, quando satisfeito acerca do tema controvertido, dispensar outras requeridas pelos litigantes. É oportuno lembrar que:

“A prova tem como objeto os fatos deduzidos pelas partes, tem como finalidade a formação da convicção em torno desses fatos e como destinatário o juiz, visto que ele é que deve ser convencido da verdade dos fatos já que ele é que vai dar solução ao litígio” (Jurid XP, 21a Ed, Comentário ao art. 332 do Código de Pro-cesso Civil). É por esta razão que o E. Superior Tribunal de Justiça reiteradamente tem assentado que: “O Juiz é o destinatário da prova e a ele cabe selecionar aquelas necessárias à formação de seu convencimento” (REsp 431058/MA, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 23.10.2006).

A prova oral, no caso, era desnecessária, pois a demanda trata de questão unicamente de direito, aplicando-se o inciso I do art. 330 do CPC.

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Por outro lado, não importa em nulidade do processo a ausência de de-signação e realização de audiência de conciliação, uma vez que a norma conti-da no art. 331 do Código de Processo Civil, visando dar maior agilidade ao pro-cesso, permite que o juiz, identificando a inviabilidade da transação, deixe de lado a reclamada audiência (STJ, REsp 242.322-SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU de 15.05.2000).

Rejeita-se, dessa forma, a preliminar de nulidade processual.

No mérito, os apelantes não têm melhor sorte.

A coautora Teresinha e o corréu June foram casados pelo regime da co-munhão parcial de bens e se divorciaram consensualmente, restando estabeleci-do em acordo homologado em Juízo, em 28 de abril de 2003, reproduzido em “Escritura Declaratória”, datada de 31 de julho de 2006, que o imóvel objeto da ação, de propriedade exclusiva do corréu June, “ficará para o filho S. L. de M., com usufruto vitalício de ambos os divorciandos” (fls. 16, 26 e 32).

A carta de sentença referente à doação e à instituição do usufruto, porém, não foi registrada na matrícula do imóvel, razão pela qual configurou-se mera promessa de doação sem encargo, a qual não chegou a ser concretizada, pois o registro imobiliário é condição essencial para constituição dos direitos reais de propriedade e de usufruto sobre bem imóvel.

Num momento posterior, em 23 de janeiro de 2009, o corréu June alie-nou o imóvel à corré J., a qual, ao contrário dos autores, promoveu o registro da alienação (fls. 43/44 e 46).

Os autores, em suma, ausente o registro da carta de sentença, não se tor-naram proprietário e usufrutuária do imóvel em questão, por força do art. 1.245 e § 1º do Código Civil. Eles não são titulares de direitos reais.

Na espécie, houve mera promessa de doação de imóvel de propriedade exclusiva do corréu J., mas que não se concretizou.

Tratando-se de promessa pura e simples de doação sem encargo, é possí-vel a retratação enquanto não for definitivamente concretizada.

A alienação posterior à corré J. caracteriza a retratação, razão pela qual improcede a pretensão anulatória.

Nesse sentido:

“Tratando-se de mera liberalidade, uma promessa de doação sem encargo, é ela por natureza retratável: enquanto não formalizada a doação, é lícito ao promi-tente-doador arrepender-se.

[...] Conquanto altamente discutida a questão, tanto na doutrina como na ju-risprudência, penso que realmente a doação às filhas não se consumara com o

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simples compromisso havido na separação consensual. Em primeiro lugar, por-que era da substância do ato a escritura pública (art. 134, nº II, do Código Civil). Aliás, vale lembrar que, sendo a doação um contrato, requer para aperfeiçoar-se não só a oferta dos doadores, mas também a aceitação dos donatários, como vem expresso no art. 1.165 do aludido Codex.

Havia, pois, mais um motivo para a outorga da escritura pública no caso, repre-sentadas ou assistidas ali as menores donatárias por curador especial (cfr. Rev. dos Trbs., vol. 599, pág. 128). Em segundo lugar e sobretudo, porque tratando-se de uma promessa de doação pura e simples, sem encargo, ela é, por natureza, retratável, enquanto não concretizada, formalizada, ao promitente-doador é líci-to arrepender-se.

Este característico da doação vem anotado por Agostinho Alvim, para quem ‘é dogma fundamental, em matéria de doação, a persistência do animus donandi. Assim, sendo, o arrependimento, ou revogação do ato é sempre possível, antes de consumada a doação pela aceitação do donatário’ (Da Doação, pág. 43, ed 1963). Essa também a linha de pensamento de Cunha Gonçalves expressa em lição repetidas vezes evocadas nestes autos, inclusive pela r. decisão de 1º grau.” (STJ 4ª T., REsp 30.647/RS, Rel. Min. Barros Monteiro, J. 23.11.1998)

Por fim, sendo lícita a retratação, improcede, também, o pleito indeni-zatório.

Nenhum reparo, assim, merece a sentença que julgou improcedente a ação.

Nega-se, por isso, provimento ao apelo.

Fortes Barbosa Relator

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência7273 – Ação anulatória de transferência de cotas – alienação onerosa de bem móvel –

desnecessidade de outorga uxória – simulação

“Apelação cível. Ação anulatória de transferência de cotas. Alienação onerosa de bem móvel. Des-necessidade de outorga uxória. Simulação. Ausência de prova cabal. Sentença mantida. 1. Em se tratando de alienação onerosa de bem móvel, não há impedimento legal à transferência das cotas sociais, estando a autora casada à época do negócio, independentemente do regime de bens, nos termos do art. 235 do CC/1916, regra esta mantida pelo atual CC/2002, em seu art. 1.647. 2. Ine-xistindo nos autos prova cabal de simulação do negócio jurídico, não há que se falar em nulidade do negócio de cessão de cotas. 3. Negar provimento ao recurso.” (TJMG – AC 1.0191.03.002234-4/001 – 8ª C.Cív. – Relª Teresa Cristina da Cunha Peixoto – DJe 01.12.2014)

7274 – Adoção – ação cautelar de busca e apreensão de criança – sistema cadastral – burla – medida protetiva de abrigamento

“Agravo regimental no recurso especial. Ação cautelar de busca e apreensão de criança. Adoção. Sistema cadastral. Burla. Medida protetiva de abrigamento. Melhor interesse da criança. Guarda de fato. Curto período. Vínculo socioafetivo. Prova. Inexistência. Conjunto fático-probatório dos autos. Reexame. Súmula nº 7/STJ. 1. Em que pese a relevância dos direitos discutidos, há de se ressaltar que as conclusões tiradas na origem acerca da não recomendação de que o casal recorrente exerça a guarda da menor funda-se em amplo material probatório produzido pelas instâncias ordinárias, em privilégio ao mais alto interesse da criança. 2. Para prevalecer a pretensão em sentido contrário à conclusão do tribunal de origem, que concluiu ser necessária a retirada da criança dos cuidados dos agravantes, mister se faz a revisão do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado, nos termos da Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.416.945 – (2013/0370799-9) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 09.12.2014 – p. 929)

7275 – Adoção – casal homoafetivo – licença à gestante ou à adotante, com prorrogação legal (Decreto nº 6.690/2008) – impossibilidade

“Administrativo. Servidor público. Adoção por casal homoafetivo. Licença à gestante ou à adotante, com prorrogação legal (Decreto nº 6.690/2008). Impossibilidade. Direito à licença-paternidade, por 5 dias consecutivos. Art. 208 da Lei nº 8.112/1990. A lei é categórica ao estabelecer três modalida-des de licença, nos casos de nascimento ou adoção de criança, e a licença-paternidade é a única que pode ser concedida ao servidor do gênero masculino, pelo prazo de cinco dias consecutivos (art. 208 da Lei nº 8.112/1990). O servidor público que mantém união homoafetiva e obtém a guar-da provisória de quatro crianças não possui o direito à licença-maternidade por 120 dias, nem à licença concedida à adotante do gênero feminino, por 90 dias, e muito menos faz jus à prorrogação por 60 dias, na forma do Decreto nº 6.690/2008. A lei é clara e não contraria a Constituição, e nem nega a qualidade de entidade familiar aos integrantes de união homoafetiva. Trata-se apenas de prazos distintos de licença ao pai e à mãe adotantes. Entretanto, o pleito foi deferido em parte e a licença foi fruída. Agora, a União Federal nem apelou. Remessa necessária desprovida.” (TRF 2ª R. – REO 0008790-13.2014.4.02.5101 – 6ª T.Esp. – Rel. Guilherme Couto de Castro – DJe 11.12.2014)

7276 – Adoção – Estatuto da Criança e do Adolescente – cadastro de adotantes – regra absoluta – inocorrência

“Direito processual civil. Estatuto da Criança e do Adolescente. Agravo regimental. Adoção. Pro-cedimento. Cadastro de adotantes. Regra absoluta. Inocorrência. Precedentes. Agravo conhecido e desprovido. Decisão mantida. 1. Na ação originária pretendem os recorridos a adoção de crianças, irmãos gêmeos, que se encontram em sua companhia desde o nascimento, contando a época da sentença com 9 (nove) anos de idade. 2. Acusa o recorrente que foi deferido o pleito, sem que o

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juízo de planície observasse as regras de procedimento estabelecidos no ECA, apontando que o relatório social foi produzido pelos recorridos, ausência de oitiva dos genitores dos garotos, neces-sidade de juntada da declaração de bens destes e, ainda, ausência de registro em cadastro nacional de adotantes. 3. No julgado adversado, o Relator destacou a realização de instrução e de estudo social com visitação in locum por técnicas especializadas, inscritas no CRESS, observando e descre-vendo a rotina dos garotos, que reconhecem os autores como legítimos pais, os quais demonstram possuir condições financeiras, morais e de saúde para bem assistir aos adotados. As crianças foram entregues aos recorridos em maio/2005, através do Conselho Tutelar, residindo o casal no mesmo endereço indicado no Conselho Tutelar, na peça inaugural, bem como no estudo social este reali-zado em 2013, no que se entende superada a irresignação no ponto concernente ao estudo social e ao endereço certo dos promoventes. 4. Quanto ao pleito concernente à apresentação de declaração de bens dos garotos, por não se comparar o instituto debatido com o da tutela e observando que os adotados foram abandonados pela mãe, não tiveram a paternidade reconhecida pelo genitor, en-contrando-se com os autores desde o nascimento, há que ser considerado sua desnecessidade. No tocante ao cadastro de adotantes, comunga-se com o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de permitir ser excepcionada a regra em prol do princípio do melhor interesse da criança, base de todo o sistema de proteção ao menor, conforme entendimento esposado no HC 294.729/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 07.08.2014, DJe 29.08.2014. 5. Assim, em consonância com a jurisprudência supra, com o intuito de melhor salvaguardar o in-teresse das crianças, deve ser mantida inalterada a sentença, razão pela qual conhece-se do agravo regimental para desprovê-lo.” (TJCE – Ag 0007794-44.2007.8.06.0112/50000 – Rel. Clécio Aguiar de Magalhães – DJe 19.12.2014 – p. 81)

7277 – Alimentos – ação revisional de antecipação dos efeitos da tutela – prova inequívo-ca inexistente

“Agravo de instrumento. Ação revisional de alimentos. Antecipação dos efeitos da tutela. Prova ine-quívoca inexistente. Quebra de sigilo fiscal e bancário de terceiro. Descabimento. Ante a ausência de prova inequívoca do alegado, indefere-se a antecipação da tutela recursal. Recurso não provi-do.” (TJMG – AI-Cv 1.0024.12.337796-2/001 – 8ª C.Cív. – Rel. Alyrio Ramos – DJe 01.12.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEA. A. R. J., representado p/ seu curador H. R., agravou de instrumento da decisão da Juíza de Direito da 11ª Vara de Família da Comarca de Belo Horizonte, que indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela com o fim de determinar a majoração da pensão alimentícia, proferida nos autos da ação revisional de alimentos que o agravante move contra.

Alegou o agravante que: a) não possui desenvolvimento mental completo, pelo que foi interdi-tado pelos pais e, com a morte destes, curatelado pelo irmão; b) foram estipulados alimentos a serem suportados pelo agravado no importe de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), a ser depositado em conta, e mais R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) em espécie; c) está atual-mente sob os cuidados do Centro de Convivência e Pensionato Ltda., nesta capital, o que alterou consideravelmente sua necessidade de sustento; d) nesse ínterim, o patrimônio do agravado aumentou vertiginosamente, sendo ele proprietário de vários imóveis e veículos.

Requereu a concessão de efeito suspensivo ativo, para majorar os alimentos devidos para R$ 4.000,00 (quatro mil reais) mensais, e, afinal, dado provimento para reformar a decisão combatida, nos termos da antecipação da tutela requerida, deferindo também a quebra de sigilo fiscal e bancário da esposa do agravado.

O TJMG negou provimento mantendo inalterada a decisão objurgada.

O Relator assim disciplinou:

“Na ação revisional de alimentos, a prova da alteração das necessidades do alimentando, assim como da possibilidade econômica do alimentante, constitui ônus de quem pleiteia a revisão (CPC, art. 333, I).

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In casu, os documentos apresentados pelo autor são insuficientes para propiciar a convicção do julgador, pressuposto este indispensável para a antecipação dos efeitos da tutela pretendida (CPC, art. 273).

Por outro lado, o pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal da esposa do agravado, que é pessoa estranha à lide, não deve ser deferido, ainda que sob a alegação de comunhão de bens, sem que, primeiro, resulte frustrada a prova pretendida em relação ao agravado.”

O Código Civil assim dispõe:

“Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recur-sos da pessoa obrigada.

[...]

Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstân-cias, exoneração, redução ou majoração do encargo.”

O ilustre Jurista Luiz Felipe Brasil Santos assim discorre sobre alimentos:

“O Código Civil de 2002, entretanto, a partir do art. 1.694, trata dos alimentos devidos entre parentes, cônjuges e companheiros, ficando, com isso, ab-rogada toda a legislação anterior que contém regras de direito material acerca de alimentos (não, é certo, a Lei nº 5.478/1968, que sabidamente é uma lei processual). Logo, revogados estão, no ponto, não apenas o Código de 1916, como também a Lei nº 6.515/1977 (quanto aos alimentos entre cônjuges na separação e divórcio) e a Lei nº 9.278/1996 (quanto aos alimentos entre companheiros, sabido que, no particular, a Lei nº 8.971/1994 já fora revogada pela Lei nº 9.278/1996).

Decorrência disso é que todas as regras contidas agora no Subtítulo III (Dos alimentos) do atual Código inequivocamente incidem na obrigação alimentar qualquer que seja sua origem (paren-tesco, matrimônio ou união estável). Como adiante se verá, dessa nova sistematização decorrem consequências de relevo.

3. Inicia o art. 1.694 assegurando que os alimentos devem preservar a condição social de quem os pleiteia, o que, sem dúvida, constitui inovação acentuada, uma vez que no sistema até então vigente inexistia garantia semelhante. A partir de agora, pois, na clara dicção da lei, os alimentos, inclusive decorrentes do parentesco, devem, em princípio, atender à manutenção do status do demandante.

Tal garantia se mostra, entretanto, de todo inadequada e fora da realidade. Como foi dito na justificativa da proposta para alteração desse dispositivo, apresentada pela Comissão do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) para o Aperfeiçoamento do Código Civil, que tive a honra de coordenar: “a expressão compatível com sua condição social deve ser substituída por digno. Mantendo-se a expressão utilizada, poderá ser feita a interpretação de que o credor dos alimentos não poderá diminuir o seu padrão de vida, quando, na realidade, a simples divisão matemática de um casal que se separa (duas casas, duas manutenções, etc.) muitas vezes não possibilita a mantença do padrão de vida para a pessoa que recebe, e também para a que alcança os alimentos”.

Por igual, inadequado o art. 1.694, ao assegurar indistintamente tanto para parentes como para cônjuges e companheiros o direito a alimentos que atendam às necessidades de sua educação. Como também foi dito na proposta encaminhada pelo IBDFAM quanto a esse aspecto: “deve ser excluída a referência ao atendimento das ‘necessidades de sua educação’, por ser inadequada sua incidência com relação aos cônjuges e companheiros, e, por outro lado, quanto aos parentes menores, o atendimento dessa necessidade já se encontra previsto no art. 1.701”.

Merece registro que ambas as propostas foram acolhidas pelo Deputado Ricardo Fiúza, que as incorporou ao Projeto de Lei nº 6.960/2002, em tramitação na Câmara Federal, com a seguin-te justificativa: “Deve ser acolhida a proposta realizada pelo IBDFam – Instituto Brasileiro de Direito de Família –, pela qual bem pondera que é inadequado o atendimento às necessidades de educação do cônjuge ou do companheiro. Ainda, conforme a mesma proposta, a expressão

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compatível com sua condição social deve ser alterada e substituída por digno, já que a primeira poderá ser interpretada como impossibilidade de diminuição do padrão de vida, sabendo-se que, a depender da situação econômica e financeira dos envolvidos, especialmente dentre aqueles com menos recursos, a diminuição do padrão de vida é inevitável”.

4. O binômio necessidade-possibilidade vem tratado no § 1º do art. 1.694, em dispositivo que meramente reproduz o art. 400 do Código de 1916. Entretanto, o equacionamento desse binômio – em lamentável retrocesso – passa a sofrer o influxo da culpa, qualquer que seja a origem da obrigação alimentar, ante o que dispõem o § 2º do mesmo artigo e o art. 1.704 e parágrafo único.

5. Reza o § 2º do art. 1.694 que ‘os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia’. Essa estranha regra determina a perquirição de culpa até mesmo em uma ação de alimentos entre parentes, hipótese absolutamente inédita em nosso ordenamento jurídico até o presente!

Ademais, o conteúdo da culpa aqui é diverso daquele contemplado no art. 1.704, parágrafo único: ‘Se o cônjuge considerado responsável vier a necessitar de alimentos, e não tiver paren-tes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência’. Neste dispositivo, a culpa (arts. 1.572 e 1.573) se configura na grave violação dos deveres matrimoniais (art. 1.566: fide-lidade recíproca; vida em comum, no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos; respeito e consideração mútuos) que torne insuportável a vida em comum, o que, na dicção do art. 1.573, poderá decorrer de algum dos motivos lá exemplificativamente mencionados (adultério; tentativa de morte; sevícia ou injúria grave; abandono voluntário do lar durante um ano contínuo; condenação por crime infamante; conduta desonrosa).

A previsão do parágrafo único do art. 1.694, porém, é de culpa pelo próprio fato de ser neces-sitado.

No que diz com a obrigação alimentar entre parentes, é evidente que essa será a única pers-pectiva da culpa a ser questionada, uma vez que entre parentes não há que falar em quebra de deveres.

Entretanto, quando se trata de obrigação alimentar entre cônjuges, ou até mesmo companheiros, a culpa passa a adquirir com o novo Código uma dupla conotação: mantém-se a culpa como decorrência da grave violação de algum dever conjugal e se acrescenta uma nova perspectiva, qual seja a necessidade de investigar se o postulante aos alimentos é ou não culpado pela sua situação de necessidade.

Árdua será, sem dúvida, a tarefa do julgador para definir em quais situações alguém poderá ser considerado culpado por sua própria situação de necessidade! Penso que somente em situações extremadas isso poderá ser reconhecido. Assim, v.g., no caso de alguém que perdeu todo o pa-trimônio no jogo. Hipóteses outras, em que se poderia cogitar de culpa indireta, ou muito tênue, certamente não deverão ser aí enquadradas, caso contrário sempre haverá margem para tentar comprovar que, ao fim e ao cabo, em qualquer hipótese, o pretendente aos alimentos terá, em alguma medida, responsabilidade por estar necessitando.

De qualquer modo, é de lamentar que, quando a jurisprudência caminhava para abolir o ques-tionamento da culpa entre cônjuges na separação judicial, o novo Código, caminhando na con-tramão, venha a introduzir esse tema até mesmo em demanda alimentar entre parentes e, além disso, acrescentar uma nova perspectiva à investigação da culpa entre cônjuges.

6. Complementando e dimensionando o binômio alimentar, o art. 1.695 define em que consiste necessidade (não ter bens, nem poder prover, pelo seu trabalho, à própria mantença) e possi-bilidade (poder fornecer a verba, sem desfalque do necessário ao seu sustento). É regra que reproduz o art. 399 do Código anterior, com supressão do termo parente. E isso pelo fato de que agora, como antes destacado, trata-se aqui não apenas de alimentos entre parentes, como também entre cônjuges e companheiros.

Em se tratando de filhos ainda sujeitos ao poder familiar (art. 1.630), tem entendido a jurispru-dência que desfrutam de presunção – relativa, é certo – de necessidade, o que não ocorre com os filhos maiores, que devem justificar e comprovar tal circunstância. Outrossim, com relação a filhos ainda menores, a noção de possibilidade tem sido interpretada de modo mais amplo,

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tendo em vista o dever de sustento dos pais em relação aos filhos menores, que é o fundamento da obrigação alimentar daqueles para com estes.

De regra, tem sido admitido doutrinária e jurisprudencialmente que, enquanto se encontram estudando, mormente em curso superior, os filhos preservam o direito aos alimentos, indepen-dentemente do implemento da maioridade, desde que seja observado um prazo razoável para a conclusão do curso. Maior relevo ainda assumirá esse entendimento, na vigência do novo Códi-go, tendo em vista que a maioridade a partir de agora se implementa aos 18 anos. Incorporando esse entendimento, o Projeto de Lei nº 6.960/2002 pretende incluir um § 3º ao art. 1.694, com a seguinte redação: ‘A obrigação de prestar alimentos entre parentes independe de ter cessado a menoridade, se comprovado que o alimentando não tem rendimentos ou meios próprios de subsistência, necessitando de recursos, especialmente para sua educação’. Na justificativa, lê--se: ‘No que tange ao § 3º, o que se propõe já vinha sendo indicado pela doutrina de ponta. Na jurisprudência, igualmente, pacificou-se o entendimento de que a prestação alimentar não devia subsistir até os 21 anos, mas estender-se, com base no princípio da solidariedade familiar, além da maioridade, se o necessitado não tem bens ou recursos e precisa pagar a sua educação (RT, 698/156; 727/262). Como o Código reduziu para dezoito anos o começo da maioridade, com maior razão este entendimento deve prosseguir e, ao meu ver, precisa ficar expresso no novo Código Civil’.

7. A extensão e a característica da reciprocidade da obrigação alimentar encontram-se previstas nos arts. 1.696 e 1.697, que repetem, ipsis litteris, o que já dispunham os arts. 397 e 398 do Código de 1916.

Assim, a obrigação alimentar, pela ordem, fica limitada, em primeiro lugar, aos ascendentes, depois aos descendentes e, por fim, aos irmãos, assim germanos como unilaterais (art. 1.697). Observe-se que na linha reta, seja ascendente ou descendente, não há limitação de grau, ao passo que na colateral resta limitada ao grau mais próximo (irmão). Em cada linha, sempre os mais próximos em grau devem ser chamados em primeiro lugar, sendo a obrigação alimentar dos parentes mais remotos subsidiária e complementar. Isto é, vem depois da dos mais próximos e limita-se a completar o valor que por estes possa ser prestado.

8. O art. 1.698 introduz regra nova, explicitando o caráter complementar da obrigação alimentar dos parentes mais remotos e deixando claro o conceito de falta de condições do mais próximo, na linha, aliás, do que já o fizera a jurisprudência, e, na sua senda, a doutrina.

Entretanto – não obstante as conhecidas características de não-solidariedade e divisibilidade da obrigação alimentar – enseja-se agora o chamamento à lide dos demais co-obrigados, quando um só deles venha a ser acionado para prestar alimentos. É, ao que parece, mais uma hipótese de intervenção de terceiros, não prevista na legislação processual. O Código outra vez inova aqui, tendo em conta que, justamente face às características já referidas da obrigação alimentar, não se vinha admitindo, de regra, o chamamento do co-obrigado ao feito, por não se enquadrar em nenhuma das hipóteses de intervenção de terceiro contemplada na lei de processo.

A partir de agora, entretanto, não há mais dúvida de que tal chamamento é possível, o que cer-tamente permitirá que se dê solução mais adequada à lide, quando há vários obrigados a prestar alimentos, definindo-se desde logo o quanto caberá a cada um.

9. A característica da mutabilidade da obrigação alimentar está estampada no art. 1.699, que reproduz a dicção do art. 401 do Código anterior, com mera atualização de linguagem. Assim, a expressão mudança de fortuna é substituída por mudança na situação financeira, e o adjetivo agravação dá lugar à majoração. O sentido da norma, entretanto, mantém-se inalterado.

10. Importante inovação é o que contém o art. 1.700, que trata da característica da transmissi-bilidade, afirmando que ‘a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do artigo do art. 1.694’.

Bastante conhecida a controvérsia doutrinária e jurisprudencial que grassa em torno da interpre-tação dos arts. 402 do Código de 1916 e 23 da Lei nº 6.515/1977, afirmando o primeiro que a obrigação alimentar não se transmite, e o segundo dizendo o contrário. Doutrina e jurisprudência majoritárias firmaram-se no sentido de que intransmissível é a obrigação alimentar entre paren-tes (com fulcro no art. 402), enquanto transmissível é a obrigação entre cônjuges (art. 23 da Lei nº 6.515/1977). Isso porque o parente beneficiário dos alimentos seria também herdeiro do

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autor da herança, e, de outro lado, de regra, poderia também postular alimentos diretamente aos próprios herdeiros, por possuir parentesco com estes (salvo no caso do irmão alimentado, que, possuindo o de cujus filhos, não seria herdeiro e nem poderia pedir alimentos aos sobrinhos). Agora, o art. 1.700 do novo Código estende a transmissibilidade a todas as obrigações alimen-tares, sejam decorrentes do parentesco ou do casamento.

Ademais, não faz qualquer referência a que a transmissibilidade deva ocorrer nos limites das forças da herança, o que, em princípio, pode conduzir à interpretação de que os herdeiros pas-sam a ser pessoalmente responsáveis pela continuidade do pagamento, independentemente de terem ou não herdado qualquer patrimônio, o que ofenderia, é certo, a característica que diz ser personalíssima a obrigação alimentar.

Outrossim, ao equivocadamente reportar-se ao art. 1.694 (para guardar simetria com o que dis-põe o art. 23 da Lei nº 6.515/1977, a remissão deveria ser feita agora ao art. 1.997 do Código, que trata da responsabilidade da herança pelas dívidas do falecido), o dispositivo parece indicar que os herdeiros do alimentante ficam igualmente obrigados a assegurar aos alimentados os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação, e isso, frise-se, independentemente de verificar se as forças da herança comportam ou não tal pensionamento.” (Os alimentos no novo Código Civil. Disponível em: online.sintese.com)

7278 – Alimentos – ex-cônjuges – exoneração

“Embargos de declaração. Efeito modificativo. Agravo regimental. Alimentos entre ex-cônjuges. Exoneração. Súmula nº 7/STJ. Dissídio jurisprudencial não configurado. 1. Embargos de declara-ção recebidos como agravo regimental, recurso cabível para modificar a decisão singular que deu provimento ao recurso especial. 2. As instâncias de origem rejeitaram o pedido de exoneração de alimentos a partir do exame dos requisitos relativos à necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante, insusceptíveis de serem revistos no âmbito do recurso especial (Súmula nº 7/STJ). 3. Dissídio jurisprudencial não configurado diante da ausência de similitude fática entre os acór-dãos recorrido e os paradigmas. 4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.” (STJ – EDcl-REsp 1.335.280 – (2012/0151970-7) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 15.12.2014 – p. 2071)

7279 – Alimentos gravídicos – liminar – concessão

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Alimentos gravídicos concedidos liminarmente. Sentença homologatória de acordo que não tratou dos alimentos compreendidos entre a decisão liminar concessiva até a citação do réu. Veto presidencial do art. 9º da Lei nº 11.804/2008. Não incidência da Súmula nº 277 do STJ em casos como estes. Incidência do disposto no art. 1º, § 2º, da LINDB. 1. O agravado requereu alimentos gravídicos em face do agravante, deferidos liminarmente pelo juízo de origem. Houve citação e, durante o procedimento, as partes entabularam acordo, homologado judicialmente, no qual ficou reconhecida a paternidade, fixaram-se os alimentos ao menor e regime de visitas. 2. Posteriormente, o credor de alimentos ajuizou execução de alimentos, com o escopo de cobrar a verba compreendida entre a sua concessão initio littis e a citação do de-vedor/agravante. O Juízo a quo rejeitou a defesa do devedor/agravante, ato contra o qual se insurge, através de agravo de instrumento, matéria devolvida ao TJGO. 3. A sentença resolveu o processo, com resolução de mérito, o que permite constatar que restou confirmada, ainda que implicita-mente, a liminar outrora concedida. 4. A Súmula nº 277/STJ preconiza que ‘julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação’. Refere-se ao art. 13, § 2º, da Lei nº 5.478/1968, normativo que dispõe sobre ação de alimentos e dá outras providências. 5. O caso concreto versa sobre alimentos gravídicos, destinados aos nascituros e regulamentados em lei especial, de nº 11.804/2008, que, no tocante ao período de exigibilidade, não adotou regra parecida à do art. 13, § 2º, da Lei nº 5.478/1968, em virtude do veto do Presidente da República acerca do art. 9º. O texto vetado assim dispunha: ‘Art. 9º Os alimentos serão devidos desde a data

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da citação do réu’. 6. Destarte, resolvendo o imbróglio pelas regras de hermenêutica, a não adoção pela Lei nº 11.804/2008 de regra estampada em normativo genérico afasta a incidência da Súmula nº 277/STJ. Deve-se lembrar que a lei de gravídicos é norma especial que, em sua essência, visa à tutela do nascituro. São exigíveis alimentos entre a decisão concessiva até o ato citatório, con-siderando que a lei especial não adotou regra contida em normativo geral. 7. Importante também registrar que ‘a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior’ (§ 2º do art. 1º da Lei de Introdução ao Novo Direito Brasileiro). Agravo regimental improvido.” (TJGO – AI 201493284290 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Orloff Neves Rocha – DJe 12.01.2015 – p. 144)

7280 – Alimentos – prisão civil – dívida – três últimas prestações anteriores à execução

“Recurso em habeas corpus. prisão civil. dívida de alimentos. três últimas prestações anteriores à execução. prestações vencidas no curso do processo. legalidade da ordem de prisão. adequação à linha de entendimento traçada no Enunciado Sumular nº 309/STJ. 1. Admissibilidade da prisão civil do alimentante por dívida atual, correspondente às três últimas prestações anteriores ao ajuizamen-to da execução, acrescidas das que se vencerem no curso do processo. 2. Aplicação do Enunciado Sumular nº 309/STJ. 3. Recurso desprovido.” (STJ – Rec-HC 53.178 – (2014/0285881-2) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 15.12.2014 – p. 1872)

7281 – Arrolamento – impossibilidade ante a discordância dos sucessores – inventário – partilha equitativa entre os herdeiros – possibilidade

“Direito civil. Processual civil. Apelação. Arrolamento. Impossibilidade ante a discordância dos sucessores. Inventário. Partilha equitativa entre os herdeiros. Possibilidade. Sentença mantida. 1. O feito de arrolamento só é possível ante a concordância de todos os sucessores, nos termos dos arts. 1.031 do Código de Processo Civil e 2.015 do Código Civil. 2. No caso, no decorrer do trâmite processual, restou evidente a existência de litígio entre os herdeiros, tendo o juízo de origem convertido o processo para o rito do inventário. Deu-se, então, a partilha judicial, que é a realizada no processo de inventário quando haja herdeiros menores ou incapazes, ou quando não há acordo entre os herdeiros, consoante o disposto no art. 2.016 do Código Civil e art. 983 e seguintes do Código de Processo Civil. 3. Em razão de não terem sido cumpridos os trâmites legais pelo inventa-riante, não havendo manifestação dos demais sucessores e em vista do longo trâmite processual, o juízo de origem julgou o feito e procedeu a partilha de forma equitativa entre os herdeiros, preser-vando a meação do cônjuge supérstite. 4. Recurso desprovido.” (TJDFT – Proc. 19990110484048 – (836306) – Rel. Des. Sebastião Coelho – DJe 04.12.2014 – p. 122)

7282 – Bem de família – ação anulatória – impenhorabilidade – coisa julgada – arrema-tação

“Agravo interno. Apelação cível. Ação anulatória. Bem imóvel. Impenhorabilidade. Coisa julgada. Arrematação. Atualização dos cálculos. Praça. Intimação. Regularidade dos atos. 1. Decidida a questão da impenhorabilidade do bem de família, nos termos da Lei nº 8.009/1990, não é dado ao Magistrado rever a decisão anterior, porquanto operada a preclusão quanto à matéria. 2. Conside-rando que os cálculos apresentados pela contadoria judicial constituem mera atualização contábil, torna-se despicienda qualquer intervenção da parte, restando, portanto, descaracterizado o alegado cerceamento de defesa. 3. Nos termos do art. 687, § 5º, do CPC, para realização de venda judicial (praça), a intimação do ato deve ser direcionada ao advogado da executada, conforme ocorreu no presente caso, razão pela qual é desnecessária sua intimação pessoal. 4. Não apontado qualquer argumento que possa derruir a decisão monocrática proferida, impõe-se o desprovimento do agravo regimental. Agravo regimental conhecido e desprovido.” (TJGO – AC 201493721461 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Walter Carlos Lemes – DJe 10.12.2014 – p. 192)

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Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo interno contra a decisão que negou seguimento ao recurso de apelação, nos termos do art. 557, caput, do CPC.

Alegou a agravante que o imóvel em discussão lhe rende uma renda mensal da qual sobrevive, acrescentando que não foi intimada para a realização do leilão e praça.

Diz que os cálculos apresentados geraram prejuízo à agravante, conquanto não oportunizada a manifestação.

Alegou, mais uma vez, que o bem está inserido dentre aqueles protegidos pela Lei nº 8.009/1990, sendo nula a arrematação.

Pugnou, ao final, pela reconsideração da decisão.

O TJGO negou provimento ao agravo.

Oportuno colacionar trecho do voto do Relator:

“Quanto à alegada impenhorabilidade do bem, a questão foi decidida quando do julgamento de recurso de apelação interposto anteriormente, tratando-se, portanto, de coisa julgada, pois a despeito de se tratar de matéria de ordem pública, não pode se eternizar no tempo.

Portanto, toda a argumentação contida nas razões do presente agravo regimental já foi exami-nada em consonância com o entendimento deste Tribunal e do STJ, não merecendo qualquer reparo.”

A ilustre jurista Mariana Ribeiro Santiago, ao discorrer sobre o bem de família, assim elucida:

“Eduardo Zannoni, ilustre jurista argentino, professor titular de direito civil na Universidade de Buenos Aires, conceitua: ‘El bien de familia constituye una auténtica institución especial que puede coexistir con el régimen patrimonial del matrimonio, aunque, en puridad, opera autó-nomamente y se rige por normas propias. Consiste en la afectación de un inmueble urbano o rural a la satisfacción de las necesidades de sustento y de la vivienda del titular y su familia y, en consecuencia, se lo sustrae a las contingencias económicas que pudieran provocar, en lo sucesivo, su embargo o enajenación’.

A lei brasileira não traz uma definição expressa de bem de família. Entretanto, oferece todos os elementos essenciais para a configuração do instituto, o que permite aos autores se utilizarem desses elementos para proceder à conceituação.

Segundo Limongi França, bem de família é ‘o imóvel urbano ou rural, destinado pelo chefe de família, ou com o consentimento deste mediante escritura pública, a servir como domicílio da sociedade doméstica, com a cláusula de impenhorabilidade’.

Cabe destacar que, em face do art. 226, § 5º, da CF/1988, tal conceituação restou desatualiza-da, pois, ao estabelecer a igualdade entre homem e mulher, esse artigo coloca os cônjuges em pé de igualdade, não existindo mais em nosso direito a figura do chefe de família.

A Professora Maria Helena Diniz, enfatizando a finalidade do bem de família, o define como ‘um instituto originário dos Estados Unidos, que tem por escopo assegurar um lar à família ou meios para o seu sustento, pondo-a ao abrigo de penhoras por débitos posteriores à instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas condominiais’.

Já na conceituação primorosa de Carvalho de Mendonça, bem de família seria ‘uma porção de bens definidos que a lei ampara e resguarda em benefício da família e da permanência do lar, estabelecendo a seu respeito a impenhorabilidade limitada e uma inalienabilidade relativa’.

O grande mérito desse conceito está em deixar de especificar quem é o instituidor, a forma de constituição do instituto e seu objeto, permitindo que nele se englobem todas as espécies de bem de família. Mostra-se, ainda, atualizado à nova visão constitucional de igualdade entre os côn-juges e ao alargamento do conceito de família. Outro ponto positivo está em ressaltar o caráter limitado da impenhorabilidade e inalienabilidade que incidem no caso em tela.

Também merece destaque o conceito de Álvaro Villaça, para quem bem de família “é o meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicílio impe-nhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade”.

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Esse conceito também tem a virtude de não especificar quem é o instituidor e a forma de cons-tituição do instituto. Todavia, peca em se referir especificamente ao bem de família imóvel, em detrimento do bem de família móvel, que surgiu no nosso sistema com a Lei nº 8.009/1990.

Embora não se mostre de boa técnica definir um instituto pela sua finalidade, vale ressaltar que é exatamente a finalidade do bem de família que o diferencia de outros bens impenhoráveis e inalienáveis.

[...]

A impenhorabilidade do bem de família pode ser considerada relativa a partir do momento em que a própria lei lhe impõe exceções.

Os arts. 70 e 71, do CC/1916, e art. 1.715, do CC/2002, estabelecem que o bem de família é isento de execução por dívidas do instituidor posteriores à instituição, exceto em se tratando de dívidas de impostos referentes ao próprio imóvel e dívidas de condomínio (essa última hipótese foi acrescentada pelo novo código). A razão dessas exceções é o fato de que se tratam de obri-gações propter rem, despesas assumidas pela própria existência coisa.

Igualmente, desconstitui-se a impenhorabilidade do bem de família quanto a dívidas anteriores à instituição se o proprietário era insolvente a essa época, no intuito de se evitar a fraude a credores.

Considera-se, ainda, a relatividade da impenhorabilidade tendo em vista que a própria destina-ção do bem como bem de família não é perpétua, existe um momento de extinção. Não possuin-do mais o status de bem de família, o bem volta a ser penhorável.” (Bem de família. Disponível em: http://online.sintese.com.)(

7283 – Bem de família – arrematação – alegação de impenhorabilidade – extemporanei-dade – desconstituição nos autos da execução – descabimento

“Agravo regimental. Processual civil. Arrematação concluída. Alegação de impenhorabilidade de bem de família. Extemporaneidade. Arrematação efetuada. Desconstituição nos autos da execução. Descabimento. 1. ‘O art. 694, caput, do Código de Processo Civil estabelece que, assinado o auto pelo juiz, arrematante e serventuário da Justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável. É nítido que a norma busca conferir estabilidade à arrematação, não só pro-tegendo e, simultaneamente, impondo obrigação ao arrematante, mas também buscando reduzir os riscos do negócio jurídico, propiciando efetivas condições para que os bens levados à hasta pública recebam melhores ofertas, em benefício das partes do feito executivo e da atividade juris-dicional na execução’ (REsp 1313053/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, Julgado em 04.12.2012, DJe 15.03.2013). 2. Nesse passo, conforme se infere do disposto no art. 694, do Código de Processo Civil, em regra, mesmo procedência de eventual embargos do executado, se não for por fundado vício intrínseco à arrematação, não afeta a eficácia desse ato e os interesses do arrematante – terceiro de boa-fé que, ademais, não lhe deu causa. 3. De todo modo, ‘[a]pós expe-dição de carta de arrematação, a anulação do ato deve ser objeto de ação autônoma contra o arre-matante com as garantias do devido processo legal, contraditório e ampla defesa’ (RMS 22.286/PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, Julgado em 22.05.2007, DJ 04.06.2007, p. 338). 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.328.153 – (2012/0118495-2) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 02.12.2014 – p. 2127)

7284 – Bem de família – execução de título extrajudicial – alegação de impenhorabilida-de – inexistência de prova

“Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Alegação de impenhorabilidade. Inexis-tência de prova de que o imóvel serve de residência da entidade familiar da agravante. Compro-vação de que a agravante reside com o filho noutro local e que o imóvel penhorado se encontra abandonado. Impossibilidade de desconstituição da penhora. A impenhorabilidade do bem de fa-mília pode ser esgrimida a qualquer tempo e forma, mesmo que por simples petição. A arguição de

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impenhorabilidade do imóvel ao argumento de que se trata de residência da família é encargo que toca à parte que alega, ônus do qual se não desincumbiu a recorrente, impondo-se a manutenção da penhora. Agravo de instrumento improvido.” (TJRS – AI 70061873261 – 12ª C.Cív. – Rel. Des. Guinther Spode – J. 11.12.2014)

7285 – Bem de família – hipoteca – penhora

“Bem de família. Hipoteca. Penhora. Ausência de proveito dos garantidores. Impenhorabilidade. O bem ofertado em hipoteca somente pode ser penhorado se houver comprovação de que o ne-gócio jurídico garantido gerou proveito aos garantidores.” (TJMG – AC 1.0295.13.000757-4/001 – 10ª C.Cív. – Rel. Cabral da Silva – DJe 17.12.2014)

7286 – Casamento – ação de retificação de registro civil – procedência – profissão – pro-va material

“Apelação cível. Ação de retificação de registro civil. Procedência retificação do registro de casa-mento quanto à profissão. Prova material ratificada por prova testemunhal. Manutenção da senten-ça. Recurso improvido. 1. Os documentos públicos trazem presunção de veracidade juris tantum, apenas se admitindo a retificação mediante prova cabal de que o registro não retrata a verdade real dos fatos. 2. A leitura do disposto no art. 109 da Lei dos Registros Públicos não deixa dúvidas de que só se pode falar em retificação quando o assento contenha erro ou irregularidade, e o pedido deve ser fundamentado e acompanhado de prova robusta. 3. Considerando que o INSS enviou ao juízo o Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS da autora e nele não há qualquer registro e, ainda, que foram produzidos documentos que atestam a profissão da autora, com o indício razo-ável de prova material ratificada por prova testemunhal, a manutenção da sentença é medida que se impõe. 4. Recurso improvido. 5. Decisão unânime.” (TJPI – AC 2010.0001.005084-7 – 2ª C.Esp.Cív. – Rel. Des. Brandão de Carvalho – DJe 08.01.2015 – p. 7)

7287 – Casamento – habilitação – atraso na entrega de correspondência – extravio

“Civil. Processual civil. Apelação civil. ECT. Atraso na entrega de correspondência. Habilitação para casamento. Extravio. Sedex. Art. 14 do CDC. Vício na prestação do serviço. Danos materiais e morais. Cabimento. Sentença mantida. 1. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, a indenização a título de danos morais deve cumprir dupla função, compensar o sofrimento injustificadamente cau-sado a outrem e sancionar o causador, funcionando como forma de desestímulo à prática de novas condutas similares. Apesar disso, não deve ser excessiva, para não caracterizar o enriquecimento ilícito do lesado. 2. Nos termos do art. 14 da Lei nº 8.078/1990, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos morais causados aos consu-midores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Porém, o § 3º, I e II, do mesmo artigo exime o fornecedor da responsabilidade aventada, pelos serviços prestados, ao ser constatada a inexistência do alega-do defeito (I) ou verificada a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros (II). Precedente: AC 0041934-43.2005.4.01.3800/MG, Relª Desª Federal Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, DJ de 03.12.2013. 3. Hipótese em que o autor enviou para sua noiva, via sedex, documentos necessários para a habilitação de seu casamento, mas a ECT, em decorrência de extravio da correspondência, entregou-a com atraso, comprometendo e atrasando os preparativos para a cerimônia matrimonial previamente agendada. Assim, correto o Magistrado de base que, verificando o potencial teor lesivo da conduta da ECT, condenou-a aos pagamentos correspondentes ao dano material calculado em R$ 35,10 (trinta e cinco reais e dez centavos), ao dano moral estabelecido em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), incluindo a fixação de 10% sobre o valor da condenação como honorários advocatícios. 4. Apelação a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – AC 0007400-33.2010.4.01.3304/BA – Rel. Des. Fed. Kassio Nunes Marques – DJe 19.12.2014 – p. 365)

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7288 – Casamento – regime da comunhão parcial – partilha de bens – doação

“Civil. Apelação. Casamento sob o regime da comunhão parcial. Partilha de bens. Doação na constância do casamento. Presunção de que foi realizada para o casal. 1. O art. 1.660 do Código Civil, no que tange ao regime da comunhão parcial dos bens, disciplina que ‘entram na comunhão [...]. III – os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges’. 1.1 Doutrina. ‘O inciso III é bastante claro. No caso de doação, herança ou legado em favor de ambos os cônjuges, esses bens ingressarão no patrimônio comum do casal. Não existe contradição com o art. 1.659, I, em que a doação ou sucessão é em favor de um dos cônjuges; aqui o autor da libera-lidade, utilizando permissão legal, indica ambos os cônjuges como beneficiários’ (Ricardo Fiúza, Código Civil comentado, Saraiva, 7. ed., 2010, p. 1662). 2. A ilação de que alegada doação teria sido levada a efeito somente em proveito do cônjuge virago não encontra eco nos elementos de convicção produzidos nos autos, mormente diante da previsão contida no inciso III do art. 1.660, agregando-se o fato de que não se encontra qualquer prova a demonstrar que a intenção do genitor do recorrente era no sentido de que estaria adiantando parte da legítima. 3. O preceptivo inserto no art. 541 do CC, ao prever que ‘a doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular’, sendo certo que o parágrafo único do mesmo comando legal dispõe que ‘a doação verbal será vá-lida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição’. 3.1 No caso dos autos, inexiste observância da previsão normativa contida o art. 541 do CC, porquanto não há nenhum documento que materialize o contrato em questão, máxime quando se trata de expressiva quantia necessária para a aquisição de dois veículos, não se prestando para este fim as declarações de Imposto de Renda colacionadas ao processo, haja vista que constituem manifesta-ções unilaterais de vontade. 4. Na constância do casamento, sob o regime de comunhão parcial, é irrelevante a origem dos recursos utilizados para o pagamento das parcelas, à míngua de qualquer comprovação no sentido de que tenham sido objeto de doação específica para o cônjuge virago, e não para o casal, razão pela qual devem ser partilhados. 5. Precedente: ‘[...] 1. Não havendo comprovação de que a doação, recebida durante constância do casamento cujo regime é o da comunhão parcial, foi feita em favor de somente um dos cônjuges, deve ser considerada como feita em favor do casal. 2. O bem doado em favor do casal deve ser partilhado. 3. Recurso conhecido e desprovido (Acórdão nº 624464, 20111110019084-APC, Rel. Esdras Neves, Relator Designado: Luciano Moreira Vasconcellos, 5ª Turma Cível, DJe 09.10.2012, p. 203). 6. Após apreciação mi-nuciosa dos fatos que envolvem cada um dos veículos, avaliando-se a sub-rogação da recorren-te em cada um deles, somente com relação às doações realizadas antes e depois do casamento, conclui-se que a sentença deve ser reformada, para determinar que a partilha do veículo Pajero observe os percentuais de 88,45% para a cônjuge virago e 11,55% ao cônjuge varão, bem como para que a partilha do veículo Peugeot 207 corresponda a 50% do valor pago a título de sinal ao cônjuge varão, sendo o restante pertencente à apelante. 7. Recurso parcialmente provido.” (TJDFT – Proc. 20120111550005 – (837807) – Rel. Des. João Egmont – DJe 11.12.2014 – p. 157)

7289 – Competência – Vara da Infância e Juventude – ação civil pública – interesses indi-viduais, difusos ou coletivos

“Processual civil. Competência. Vara da Infância e Juventude. Ação civil pública. Interesses indi-viduais, difusos ou coletivos vinculados à criança e ao adolescente. 1. A pretensão deduzida na demanda enquadra-se na hipótese contida nos arts. 98, I, 148, IV, 208, VII, e 209, todos da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e Adolescente), sendo da competência absoluta do Juízo da Vara da Infância e da Juventude a apreciação das controvérsias fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos vinculados à criança e ao adolescente. 2. As medidas de proteção, tais como o fornecimento de medicamentos e tratamentos, são adotadas quando verificadas quaisquer das hipóteses do art. 98 do ECA. 3. A competência da Vara da Infância e da Juventude é absoluta e justifica-se pelo relevante interesse social e pela importância do bem jurídico a ser tutelado nos termos do art. 208, VII, do ECA, bem como por se tratar de questão afeta a direitos individuais, di-

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fusos ou coletivos do infante, nos termos dos arts. 148, inciso IV, e 209, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Precedentes do STJ. 4. O Estatuto da Criança e Adolescente é lex specialis e prevalece sobre a regra geral de competência das Varas de Fazenda Pública, quando o feito envolver ação civil pública em favor da criança ou adolescente, na qual se pleiteia acesso às ações ou serviços e saúde, independentemente de a criança ou o adolescente estar em situação de abandono ou risco. 6. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.486.219 – (2014/0257334-8) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 04.12.2014 – p. 2024)

7290 – Concubinato – ação declaratória de reconhecimento de união estável post mortem – ausência de prova da publicidade e do animus de constituição de famí-lia – companheiro casado

“Direito de família. Apelação cível. Ação declaratória de reconhecimento de união estável post mortem. Ausência de prova da publicidade e do animus de constituição de família. Companheiro casado. Inexistência de demonstração do desimpedimento matrimonial. Inteligência do art. 1.723, § 1º, do Código Civil. Configuração de concubinato adulterino que não produz os efeitos da união estável. Sentença de improcedência confirmada. Recurso conhecido e desprovido. 1. Depoimentos colhidos em juízo, que evidenciam a existência de relacionamentos concomitantes. Companheiro casado. Colisão entre os institutos da união estável e concubinato. Impedimento legal à caracte-rização de união estável (art. 1.723, § 1º, do CC). 2. Recurso conhecido e improvido.” (TJRN – AC 2012.013598-4 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Dilermando Mota – DJe 16.12.2014 – p. 66)

7291 – Conflito positivo de competência – ações conexas de guarda, de adoção e de tu-tela de menor – guarda exercida por terceiro – relação de parentesco – ausência

“Conflito positivo de competência. Ações conexas de guarda, de adoção e de tutela de menor. Guarda exercida por terceiro sem relação de parentesco com o menor. Interesse no exercício da guarda manifestado pelos avós maternos da criança. Competência absoluta (Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 147, I). Hipótese que recomenda solução diversa do entendimento consolida-do na Súmula nº 383/STJ. Atendimento do primado da preservação do interesse da criança. 1. A competência para dirimir as questões referentes à guarda e situação de menor é, em princípio, do Juízo do foro do domicílio de quem já a exerce legalmente, nos termos do que dispõe o art. 147, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Enunciado da Súmula nº 383/STJ. 2. Em razão das peculiaridades do caso concreto, é recomendável solução diversa da preconizada pela Súmula nº 383/STJ, segundo a qual: ‘A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda’. 3. Na hipótese, o re-conhecimento da competência do Juízo do foro do domicílio de quem exerce a guarda provisória dificultaria a defesa dos avós da criança e poderia levar à perpetuação de situação de possível irregularidade na concessão da guarda provisória à suscitante, terceiro sem relação de parentesco com o menor. Isso poderá prejudicar sobremaneira o interesse da criança, que permaneceria alija-da da convivência com seus avós maternos, pessoas de poucos recursos financeiros, que também pleiteiam judicialmente a guarda do infante. 4. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Cacoal/RO.” (STJ – CC 128.698 – (2013/0202873-9) – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 19.12.2014 – p. 1123)

7292 – Curatela – interdição – nomeação de curador especial

“Apelação cível. Interdição. Curatela de interditos. Improcedência do pedido. Nomeação de cura-dor especial. Ausência de prejuízo. Cerceamento direito de defesa. Fundamentação da sentença. Inocorrência. Laudo médico pericial. Constatação da capacidade. Sentença mantida. 1. Todavia, em que pese as divergências jurisprudenciais e doutrinárias quanto à possibilidade do ministério público atuar como representante judicial de parte interditanda ou da imprescindibilidade da no-

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meação de curador especial quando inexistir advogado constituído nos autos para defender os interesses do interditando; conclui-se que a discussão é inócua para a hipótese vertente, tendo em vista que o pedido de interdição foi julgado improcedente, bem como improvida a súplica recursal. Logo, diante da ausência de prejuízo para a defesa do interditando/apelado, o qual per-manecerá apto a praticar os atos da vida civil, revela-se prejudicado o enfrentamento da questão, em reverência aos princípios da instrumentalidade das formas e da duração razoável do processo. 2. Não há falar-se em nulidade da sentença por ausência de fundamentação quando o magistrado, ainda que de forma sucinta, expõe os motivos e razões de seu convencimento. Do mesmo modo, nota-se que foi oportunizado à parte apelante manifestar-se sobre o laudo pericial produzido em juízo, todavia, manteve-se inerte. 3. Não se pode utilizar o instituto da interdição com finalidade, exclusiva, de conseguir benefícios fiscais e/ou assistenciais, quando a pessoa a ser interditada possui condições de gerir a sua própria vida, mormente quando comprovado por laudo médico pericial, como ocorre no presente caso, haja vista que a inaptidão laboral não conduz inexoravelmente à incapacidade absoluta para a prática de atos civis. 4. Recurso conhecido e improvido.” (TJGO – AC 201191500489 – 4ª C.Cív. – Rel. Marcus da Costa Ferreira – DJe 04.12.2014 – p. 209)

7293 – Curatela – interdição civil – procedimento próprio

“Direito processual civil. Agravo de instrumento. Interdição civil. Pedido de expressa autorização para movimentação financeira de contas e aplicações de interditada. Possibilidade apenas em rela-ção à conta bancária da interditada. Necessidade de procedimento próprio. Decisão parcialmente reformada. Afigura-se devido que a certidão de curatela, bem assim o termo de compromisso expe-dido em favor da agravante, contemplem autorização para que ela realize movimentações financei-ras atinentes à conta bancária da interditada, utilizada para recebimento de benefícios periódicos, tendo em vista que quanto ao resgate e saques de poupanças/aplicações deverão ser objeto de auto-rização judicial por meio de procedimento próprio, no qual será avaliada a conveniência de utiliza-ção de valores e a própria alteração das condições do contrato para a incapaz, tudo permeado pela fundamental intervenção do Ministério Público. A Administração ora deferida encontra regramento na obrigação de prestação de contas a cada dois anos determinada no julgado, assegurando-se, contudo, o pagamento das despesas essenciais à manutenção de uma sobrevida digna à interditada. Agravo de instrumento parcialmente provido.” (TJDFT – Proc. 20140020241558 – (835753) – Rel. Des. Angelo Canducci Passareli – DJe 02.12.2014 – p. 343)

7294 – Divórcio – alimentos – filho menor – binômio necessidade/possibilidade – partilha

“Ação de divórcio. Alimentos. Filho menor. Binômio necessidade/possibilidade. Partilha. Veículo financiado. Sentença mantida. Deve ser mantido o valor dos alimentos fixado na sentença, uma vez consideradas a necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante, nos termos do art. 1.694, § 1º, do Código Civil. Deve ser partilhado entre os ex-cônjuges o valor da venda de veículo adquirido na constância do casamento sob o regime de comunhão parcial de bens, quan-do não demonstrado que o pagamento do valor do financiamento para sua aquisição foi efetuado exclusivamente pela virago.” (TJMG – AC 1.0024.11.300198-6/001 – 8ª C.Cív. – Rel. Alyrio Ramos – DJe 15.12.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de ação de divórcio c/c alimentos e partilha alegando que as partes se casaram e tive-ram um filho. Requereu a decretação do divórcio, a fixação de alimentos em favor do filho menor e a partilha de bens do casal, afirmando a impossibilidade da vida em comum.

O pedido foi julgado parcialmente procedente para decretar o divórcio do casal, estabelecer a guarda do filho para a mãe e regulamentar o direito de visitas do pai; arbitrar os alimentos para

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o filho no importe de 30% dos rendimentos líquidos do genitor; determinar a partilha dos bens do casal.

O réu apelou, pretendendo a redução da pensão alimentícia, sustentando que não foi observado o binômio necessidade/possibilidade; a autora não demonstrou, nos autos, os seus rendimentos; está arcando com todas as despesas do menor, não obstante a responsabilidade seja de ambos os genitores. Requereu a redução dos alimentos para 10% dos seus rendimentos ou que sejam fixados em valor razoável.

A autora recorreu adesivamente, afirmando que sobre o valor obtido com a venda de um veículo, o réu tem direito apenas à quantia referente às quatro primeiras parcelas do financiamento, tendo em vista que desde agosto de 2011 arcou com o pagamento das prestações.

O TJMG negou provimento ao recurso.

O relator assim se posicionou:

“Assim, não obstante a genitora não ter comprovado os seus rendimentos mensais e as despesas do filho, exceto o valor da mensalidade e do transporte escolar, considero razoáveis os valores apresentados e a pensão alimentícia fixada na sentença.

Por fim, cabe ressaltar que sendo a obrigação de prestar alimentos de ambos os genitores, cabe à mãe custear, também, as despesas de seu filho menor. Todavia, a pensão alimentícia exigida do genitor não tem o objetivo de desonerar a genitora, mas auxiliá-la a proporcionar uma vida digna ao filho.”

Cabe trazer as lições de Luiz Felipe Brasil Santos sobre os alimentos:

“O binômio necessidade-possibilidade vem tratado no § 1º do art. 1.694, em dispositivo que meramente reproduz o art. 400 do Código de 1916. Entretanto, o equacionamento desse binô-mio – em lamentável retrocesso – passa a sofrer o influxo da culpa, qualquer que seja a origem da obrigação alimentar, ante o que dispõem o § 2º do mesmo artigo e o art. 1.704 e parágrafo único.

5. Reza o § 2º do art. 1.694 que ‘os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia’. Essa estranha regra determina a perquirição de culpa até mesmo em uma ação de alimentos entre parentes, hipótese absolutamente inédita em nosso ordenamento jurídico até o presente!

Ademais, o conteúdo da culpa aqui é diverso daquele contemplado no art. 1.704, parágrafo único: ‘Se o cônjuge considerado responsável vier a necessitar de alimentos, e não tiver paren-tes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência’. Neste dispositivo, a culpa (arts. 1.572 e 1.573) se configura na grave violação dos deveres matrimoniais (art. 1.566: fide-lidade recíproca; vida em comum, no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos; respeito e consideração mútuos) que torne insuportável a vida em comum, o que, na dicção do art. 1.573, poderá decorrer de algum dos motivos lá exemplificativamente mencionados (adultério; tentativa de morte; sevícia ou injúria grave; abandono voluntário do lar durante um ano contínuo; condenação por crime infamante; conduta desonrosa).

A previsão do parágrafo único do art. 1.694, porém, é de culpa pelo próprio fato de ser neces-sitado.

No que diz com a obrigação alimentar entre parentes, é evidente que essa será a única pers-pectiva da culpa a ser questionada, uma vez que entre parentes não há que falar em quebra de deveres.

Entretanto, quando se trata de obrigação alimentar entre cônjuges, ou até mesmo companheiros, a culpa passa a adquirir com o novo Código uma dupla conotação: mantém-se a culpa como decorrência da grave violação de algum dever conjugal e se acrescenta uma nova perspectiva, qual seja a necessidade de investigar se o postulante aos alimentos é ou não culpado pela sua situação de necessidade.

Árdua será, sem dúvida, a tarefa do julgador para definir em quais situações alguém poderá ser considerado culpado por sua própria situação de necessidade! Penso que somente em situações extremadas isso poderá ser reconhecido. Assim, v.g., no caso de alguém que perdeu todo o pa-trimônio no jogo. Hipóteses outras, em que se poderia cogitar de culpa indireta, ou muito tênue,

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certamente não deverão ser aí enquadradas, caso contrário sempre haverá margem para tentar comprovar que, ao fim e ao cabo, em qualquer hipótese, o pretendente aos alimentos terá, em alguma medida, responsabilidade por estar necessitando.

De qualquer modo, é de lamentar que, quando a jurisprudência caminhava para abolir o ques-tionamento da culpa entre cônjuges na separação judicial, o novo Código, caminhando na con-tramão, venha a introduzir esse tema até mesmo em demanda alimentar entre parentes e, além disso, acrescentar uma nova perspectiva à investigação da culpa entre cônjuges.

6. Complementando e dimensionando o binômio alimentar, o art. 1.695 define em que consiste necessidade (não ter bens, nem poder prover, pelo seu trabalho, à própria mantença) e possi-bilidade (poder fornecer a verba, sem desfalque do necessário ao seu sustento). É regra que reproduz o art. 399 do Código anterior, com supressão do termo parente. E isso pelo fato de que agora, como antes destacado, trata-se aqui não apenas de alimentos entre parentes, como também entre cônjuges e companheiros.

Em se tratando de filhos ainda sujeitos ao poder familiar (art. 1.630), tem entendido a jurispru-dência que desfrutam de presunção – relativa, é certo – de necessidade, o que não ocorre com os filhos maiores, que devem justificar e comprovar tal circunstância. Outrossim, com relação a filhos ainda menores, a noção de possibilidade tem sido interpretada de modo mais amplo, tendo em vista o dever de sustento dos pais em relação aos filhos menores, que é o fundamento da obrigação alimentar daqueles para com estes.

De regra, tem sido admitido doutrinária e jurisprudencialmente que, enquanto se encontram estudando, mormente em curso superior, os filhos preservam o direito aos alimentos, indepen-dentemente do implemento da maioridade, desde que seja observado um prazo razoável para a conclusão do curso. Maior relevo ainda assumirá esse entendimento, na vigência do novo Códi-go, tendo em vista que a maioridade a partir de agora se implementa aos 18 anos. Incorporando esse entendimento, o Projeto de Lei nº 6.960/2002 pretende incluir um § 3º ao art. 1.694, com a seguinte redação: ‘A obrigação de prestar alimentos entre parentes independe de ter cessado a menoridade, se comprovado que o alimentando não tem rendimentos ou meios próprios de subsistência, necessitando de recursos, especialmente para sua educação.’ Na justificativa, lê--se: ‘No que tange ao § 3º, o que se propõe já vinha sendo indicado pela doutrina de ponta. Na jurisprudência, igualmente, pacificou-se o entendimento de que a prestação alimentar não devia subsistir até os 21 anos, mas estender-se, com base no princípio da solidariedade familiar, além da maioridade, se o necessitado não tem bens ou recursos e precisa pagar a sua educação (RT, 698/156; 727/262). Como o Código reduziu para dezoito anos o começo da maioridade, com maior razão este entendimento deve prosseguir e, ao meu ver, precisa ficar expresso no novo Código Civil’.

7. A extensão e a característica da reciprocidade da obrigação alimentar encontram-se previstas nos arts. 1.696 e 1.697, que repetem, ipsis litteris, o que já dispunham os arts. 397 e 398, do Código de 1916.

Assim, a obrigação alimentar, pela ordem, fica limitada, em primeiro lugar, aos ascendentes, depois aos descendentes e, por fim, aos irmãos, assim germanos como unilaterais (art. 1.697). Observe-se que na linha reta, seja ascendente ou descendente, não há limitação de grau, ao passo que na colateral resta limitada ao grau mais próximo (irmão). Em cada linha, sempre os mais próximos em grau devem ser chamados em primeiro lugar, sendo a obrigação alimentar dos parentes mais remotos subsidiária e complementar. Isto é, vem depois da dos mais próximos e limita-se a completar o valor que por estes possa ser prestado.

8. O art. 1.698 introduz regra nova, explicitando o caráter complementar da obrigação alimentar dos parentes mais remotos e deixando claro o conceito de falta de condições do mais próximo, na linha, aliás, do que já o fizera a jurisprudência, e, na sua senda, a doutrina.

Entretanto – não obstante as conhecidas características de não solidariedade e divisibilidade da obrigação alimentar – enseja-se agora o chamamento à lide dos demais coobrigados, quando um só deles venha a ser acionado para prestar alimentos. É, ao que parece, mais uma hipótese de intervenção de terceiros, não prevista na legislação processual. O Código outra vez inova aqui, tendo em conta que, justamente face às características já referidas da obrigação alimentar, não

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se vinha admitindo, de regra, o chamamento do coobrigado ao feito, por não se enquadrar em nenhuma das hipóteses de intervenção de terceiro contemplada na lei de processo.

A partir de agora, entretanto, não há mais dúvida de que tal chamamento é possível, o que cer-tamente permitirá que se dê solução mais adequada à lide, quando há vários obrigados a prestar alimentos, definindo-se desde logo o quanto caberá a cada um.” (Os alimentos no novo Código Civil. Disponível em: http://online.sintese.com.)

7295 – Divórcio consensual – ação anulatória de partilha – alegação de erro

“Divórcio consensual. Ação anulatória de partilha sob alegação de erro. Indeferimento da inicial sob o argumento da inexistência de vício de consentimento circunstância que só pode ser aferida após o término da instrução probatória. Sentença cassada. Recurso provido.” (TJSP – Ap 4000635-26.2013.8.26.0302 – Jaú – 5ª CDPriv. – Rel. Moreira Viegas – DJe 12.12.2014 – p. 2352)

7296 – Divórcio – direto litigioso – autor cônjuge varão interditado – representação por curador

“Recurso especial. Processual civil. Ação de divórcio direto litigioso. Autor cônjuge varão interdi-tado. Representação por curador. Ré domiciliada em Comarca diversa. Exceção de incompetência. Domicílio da mulher em contraposição ao do incapaz (CPC, arts. 98 e 100, I). Normas de caráter protetivo. Prevalência, no caso, da regra que privilegia aos interesses do incapaz, independente-mente da posição que ocupe nos polos da relação processual. Recurso provido. 1. Neste recurso, tirado de exceção de incompetência deduzida em ação de divórcio direto litigioso, estão em con-fronto os interesses da ré, cônjuge feminino, que objetiva, com espeque no art. 100, I, do CPC, a prevalência do foro especial de sua residência, e os do cônjuge varão incapaz, representado por curador, de que prepondere o do domicílio deste, com fundamento no art. 98 do CPC. 2. A regra processual do art. 98 protege pessoa absoluta ou relativamente incapaz, por considerá-la mais frágil na relação jurídica processual, quando litiga em qualquer ação. Assim, na melhor compreensão a ser extraída dessa norma, não há razão para diferenciar-se a posição processual do incapaz. Figure o incapaz como autor ou réu em qualquer ação, deve-se possibilitar ao seu representante litigar no foro de seu domicílio, pois, normalmente, sempre necessitará de proteção, de amparo, de facilita-ção da defesa dos seus interesses, mormente em ações de Estado. 3. No confronto entre as normas protetivas invocadas pelas partes, entre o foro da residência da mulher e o do domicílio do represen-tante do incapaz, deve preponderar a regra que privilegia o incapaz, pela maior fragilidade de quem atua representado, necessitando de facilitação de meios, especialmente numa relação processual formada em ação de divórcio, em que o delicado direito material a ser discutido pode envolver íntimos sentimentos e relevantes aspectos patrimoniais. 4. Recurso especial provido para julgar improcedente a exceção de incompetência do juízo oposta pela recorrida.” (STJ – REsp 875.612 – (2006/0176852-1) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 17.11.2014 – p. 1648)

7297 – Divórcio – partilha – alimentos

“Apelação cível. Divórcio. Partilha. Alimentos. Ação e reconvenção. Conhecimento parcial. 1. Pre-liminar de não conhecimento da apelação. Acolhe-se, em parte, a preliminar do apelado porque as razões de apelação não atendem plenamente aos dispositivos dos incisos II e III do art. 514 c/c art. 515 do CPC, deixando a apelante de manifestar expressamente as razões de fato e de direito para impugnar diversos pontos da sentença recorrida. Por isso, a apelação vai apenas parcialmente conhecida. 2. Mérito. Partilha. Não há falar em partilha de valores, ou de bens sub-rogados, que se originaram de pagamento pela Brasil Telecom de condenação judicial, pois pertencem exclusiva-mente ao autor, ainda que parte do pagamento da indenização tenha ocorrido durante o casamento, porque os valores em questão decorrem de contrato de participação financeira, firmado muitos anos antes, sendo que tanto a ação como a sentença são anteriores ao casamento. Imóveis. Os imóveis

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(dois apartamentos e dois boxes de estacionamento) situados em Tramandaí tiveram o pagamento comprovadamente feito parte com as quantias recebidas pelo pagamento da Brasil Telecom e parte com dação de imóvel de propriedade exclusiva do varão. Cotas sociais. Quanto às cotas e direitos na empresa de assessoria contábil, dita empresa foi constituída no início de 2003, circunstância que não outorga direito de meação à apelante. 3. Alimentos. Em relação ao valor dos alimentos, a sen-tença decidiu no montante de dois salários-mínimos mensais pelo período de dois anos, como fora ofertado pelo autor. Não se justifica a majoração porque a apelante, em que pese os problemas de saúde, conta com bens que recebeu ao final de anterior relacionamento. Além do que o varão tem outros compromissos com pensão alimentícia. Deve, porém, ser reformada a sentença para excluir o termo final dos alimentos, pois não é possível estimar com segurança quando, e se, a reconvinte obterá sua aposentadoria ou algum auxílio por doença. Além disso, reconhecida pelo próprio varão a necessidade que ela tem de assistência material, ao lado das necessidades de tratamento médico e de fisioterapia por problemas de coluna é que deve o autor arcar com o pagamento de plano de saúde. 4. Recurso adesivo. Conhecimento parcial. Ausência de interesse recursal. Não prospera a irresignação do autor com o fato de não ter constado do dispositivo da sentença o valor do acrésci-mo das cotas que deverá ser partilhado com a recorrida, pois na sentença constou, expressamente, que a apuração de valores será feita em liquidação de sentença. Portanto ele carece de interesse recursal e, consequentemente, não se conhece deste ponto de inconformidade. Data para apuração de lucros. O segundo ponto da inconformidade se relaciona à parte da sentença que decidiu que a participação da mulher nos lucros seria a contar da separação de fato (17.11.2012). Assiste razão ao recorrente, porque a separação de fato rompe com a comunhão de bens própria do regime do casamento. Deve haver a averiguação dos lucros no momento da ruptura. Conheceram em parte da apelação e do recurso adesivo e deram provimento também em parte a ambos os recursos. Unâ-nime.” (TJRS – AC 70061225041 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos – J. 11.12.2014)

7298 – Doação – ação de revogação – suposta ingratidão

“Ação de revogação de doação. Suposta ingratidão. Ré que adquiriu o imóvel por força do regime de bens de seu casamento, e não por força do contrato de doação. Transferência por meação que não pode ser confundida com aquela decorrente da doação. Ainda que a requerida fosse donatária, a suposta ausência de visitas aos ex-sogros não tem o condão de acarretar a revogação da doação por ingratidão. Art. 557 que prevê rol de hipóteses ensejadoras de revogação por ingratidão. Embora tal rol, segundo a mais moderna doutrina, não seja exaustivo, simples distanciamento entre nora e sogros é insuficiente a caracterizar ingratidão. Desrespeito ao prazo decadencial de um ano previsto no art. 559. Ação improcedente. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 0010212-13.2013.8.26.0071 – Bauru – 6ª CDPriv. – Rel. Francisco Loureiro – DJe 05.12.2014 – p. 509)

7299 – Doação não consumada – promessa – sobrepartilha – bem imóvel – ausência de interesse dos beneficiários

“Civil e processual civil. Sobrepartilha. Bem imóvel. Promessa de doação não consumada. Ausência de interesse dos beneficiários. Possibilidade de partilha do bem. 1. Uma vez que os cônjuges, con-sensualmente, firmaram a vontade de não partilhar bem imóvel, não se confirmando esta, inexiste óbice para a sobrepartilha. 2. Quando o donatário não pretende mais a doação, o beneficiário não a exige e a transferência do imóvel não ocorre por escritura pública, desfeita está a promessa de doação (pactum de denando). ‘2.1 Doutrina: a doação, destarte, consubstancia uma conjugação de elemento subjetivo e objetivo. Trata-se de uma simbiose entre a vontade do doador de realizar a liberalidade (além da vontade do donatário de receber o benefício) e a efetiva transferência do patrimônio transmitido (Curso de direito civil. Contratos. Teoria geral e contratos em espécie. v. 4. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald). 2.2 Precedente turmário: ’ [...] Não havendo efetiva doação do imóvel quando da homologação do divórcio, mas apenas promessa de doação pura e

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simples, possível a retratação do doador, porquanto o ato jurídico não foi devidamente formalizado. 5. A doação é um contrato solene, devendo observar a forma exigida em lei, versando ela sobre bem imóvel de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país, art. 108 do Código Civil, deverá ser formalizada por escritura pública. 6. Recurso conhecido e provido. Agravo retido não provido (20080111335719-APC, Rel. Luciano Moreira Vasconcellos, DJe 12.09.2012, p. 133). 3. Confirmando-se que o vínculo conjugal deu-se pelo regime da comunhão parcial de bens e que o imóvel foi adquirido por ambos na constância da sociedade conjugal, não tendo sido partilhado quando da separação conjugal, mostra-se viável a sobrepartilha, cabendo a cada qual a proporção de 50% do imóvel. 4. Recurso conhecido e provido.” (TJDFT – Proc. 20130111009405 – (836182) – Rel. Des. João Egmont – DJe 04.12.2014 – p. 125)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de apelação interposta contra sentença lançada nos autos da ação de sobrepartilha que julgou improcedente o pedido da autora ao argumento de que o imóvel em discussão já foi objeto de acordo entre as partes.

Em seu apelo sustentou a autora que o foi afastado da partilha na ação de separação consensual. Argumentou que o bem para ser partilhado ou sobrepartilhado não precisa ser sonegado, bas-tando que o direito sobre o bem à época da sentença da separação não estivesse por completo inserido no patrimônio de disposição das partes. Por fim, destacou que a cláusula de promessa de doação não gera obrigações não atender aos requisitos legais, pois se trata de promessa e a doação é ato formal devendo ser escriturada para opor validade.

O TJDFT deu provimento ao apelo para reformar a sentença monocrática e julgar procedente o pedido autoral partilhando o imóvel na proporção de 50% para cada um dos genitores.

Vale trazer trechos do voto do relator:

“Ademais, no caso específico, a promessa de doação não gera direitos aos beneficiários, pois o contrato de doação ainda não se firmou.

Nas palavras de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, ‘a doação, destarte, consubstancia uma conjugação de elemento subjetivo e objetivo. Trata-se de uma simbiose entre a vontade do doador de realizar a liberalidade (além da vontade do donatário de receber o benefício) e a efetiva transferência do patrimônio transmitido’ (Curso de Direito Civil. Contratos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. v. 4. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald).

Ora, nenhum desses elementos existe no caso em tela. A autora/apelante não pretende mais a doação; os beneficiários, devidamente citados, nada disseram sobre seu interesse em receber o bem; e a transferência do imóvel nunca ocorreu, o que se perfaz, ordinariamente, por escritura pública.”

Vale trazer as lições de Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior sobre o instituto de doação:

“Para uma grande maioria, a doação é um contrato (Orlando Gomes, Maria Helena Diniz). Tanto é assim que nosso Código a colocou no rol dos contratos.

Para outros, a doação não tem natureza contratual, pois, em algumas situações, o consentimen-to do donatário não se verifica.

O próprio Código Civil francês não alista a doação como contrato, apenas a considerando como forma de aquisição de propriedade.

Contudo, mostra-se prevalente a primeira tese, a qual permite definir ‘doação’ como um ‘contrato pelo qual uma das partes se obriga a transferir gratuitamente um bem de sua propriedade para o patrimônio da outra, que se enriquece na medida em que aquele empobrece’.

Essa é, inclusive, a interpretação autêntica do contrato de doação, previsto no art. 1.165 do Código Civil de 1916, in verbis, que prevê:

‘Art. 1.165. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outro, que os aceita.’

A mesma definição é encontrada na Lei nº 10.406/2002, que dispõe:

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‘Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.’” (Dos contratos de doação, compra e venda, e permuta, entre ascendentes e descendentes. Publicada no Juris SÍNTESE n. 40, mar./abr. 2003)

O eminente Jurista Silvio de Salvo Venosa, discorrendo sobre o instituo da doação, assim nos ensina:

“O conteúdo do contrato de doação consiste, como vimos, na obrigação de transferir gratuita-mente um bem do doado ao donatário. A regra geral é a de que todos os bens no comércio po-dem ser seu objeto, tanto móveis como imóveis. Nosso Código não se manifestou expressamente acerca da doação de bens futuros, expressamente proibida pelo Código argentino e italiano.

[...]

O ordenamento proíbe a denominada doação universal, isto é, de todos os bens do doador:

‘É nula a doação de todos os bens, sem reserva de parte, ou renda suficiente para subsistência do doador’ (art. 1.175; atual art. 548). O sentido do legislador é impedir que o doador seja levado à penúria, em detrimento de sua família e do próprio Estado. Tratando-se de nulidade absoluta, pode ser alegada por todos que tiverem interesse, inclusive o credor. No entanto, essa nulidade não se confunde com a fraude contra credores, com requisitos próprios e pertencente ao campo da anulabilidade. A doação universal exige que se comprove que o doador deixou de reservar renda ou bens suficientes para sua subsistência.” (Direito civil: contratos em espécie. São Paulo: Atlas, 2004. p. 121)

7300 – Guarda compartilhada – pedido formulado pelo genitor – impossibilidade – au-sência de cooperação

“Apelação cível. Ação de guarda. Pedido formulado pelo genitor. Regime de guarda compartilha-da. Impossibilidade. Ausência de cooperação. Existência de conflitos interpessoais entre os pais. Necessidade de observância do melhor interesse da criança. Laudo social e psicológico. Genitora. Melhores condições de exercer a guarda unilateral. Garantia de convivência e visitação para o ge-nitor. Recurso parcialmente provido. 1. Embora hoje o Código Civil brasileiro estabeleça a guarda compartilhada como regra geral de convivência familiar após o desfazimento do vínculo conjugal (§ 2º, art. 1.584), é preciso considerar que, para o sucesso na adoção de tal modelo, torna-se im-prescindível que os genitores revelem capacidade de cooperação e demonstrem a possibilidade de educar em conjunto o filho menor, deixando de lado os próprios conflitos interpessoais. Nestes termos, somente é possível o exercício desse modelo de responsabilidade compartilhada quando existe entre os genitores uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, sem disputas e nem conflitos interpessoais. 2. Em um cenário de mútua troca de acusações entre os genitores, entendo que não há espaço para a adoção do modelo de guarda compartilhada, de modo que, ao menos neste momento, a guarda unilateral é medida que se impõe. 3. Nas demandas em que se discute a guarda e visitação de filho menor, o interesse dos pais deve ser mitigado em prol do melhor interes-se da criança, concretizado pelo art. 227 da Constituição Federal. Sendo assim, a guarda do menor deverá ser atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar afeto, saúde, segurança e educação ao filho (§ 2º do art. 1.583 do CC). 4. O Laudo Social e o Laudo Psicológico acostados ao processo, que concluem pela concessão da guar-da unilateral à genitora da menor, constituem importantes elementos de convicção, tanto em razão do contato direto dos profissionais com os envolvidos na presente demanda, quanto pela competên-cia técnica para uma adequada avaliação do que representa o melhor interesse da criança. 5. Jun-tamente com as conclusões alcançadas pelos laudos técnicos acostados, deve-se considerar, ainda, que a menor sempre residiu com sua genitora e que a drástica modificação da estrutura em que já esta inserida pode trazer-lhe graves prejuízos, entendo que a guarda da filha deve permanecer com a sua genitora. 6. Recurso de apelação parcialmente provido para conceder a guarda da menor à sua genitora, resguardado ao genitor o direito de visitação em finais de semana alternados, quando poderá pegá-la às 18:00 horas e devolvê-la no domingo às 18:00 horas, ou mediante acordo diverso entre as partes, resguardando-se, ainda, ao genitor o direito de convivência com a menor, para além

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dos finais de semana alternados, mediante prévio acordo com a ora apelante.” (TJES – Ap 0003161-05.2013.8.08.0021 – Rel. Des. Manoel Alves Rabelo – DJe 11.12.2014)

7301 – Interdição – curatela provisória – incapacidade para os atos da vida civil – não comprovação

“Agravo de instrumento. Interdição. Curatela provisória. Incapacidade para os atos da vida civil não comprovada. Recurso a que se nega provimento in specie. A curatela provisória é medida excep-cional e depende de prova robusta no sentido de que o interditando não tenha plena capacidade de comportar de acordo com seu entendimento. Em pedido de interdição, poderá o juiz a requerimen-to da parte antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que exista prova inequívoca da incapacidade do interditando e se convença da verossimilhança da alegação. Não comprovados tais requisitos, é de indeferir-se a curatela provisória.” (TJMG – AI-Cv 1.0145.13.063037-2/001 – 7ª C.Cív. – Rel. Belizário de Lacerda – DJe 05.12.2014)

7302 – Inventário – meeira – levantamento de valores – ingresso de novos herdeiros

“Agravo de instrumento. inventário. Pretensão da meeira, companheira supérstite, de levantamento de valores. Ingresso de novos herdeiros na demanda, reconhecidos em ação de investigação de pa-ternidade. Impossibilidade de apuração, no momento, dos quinhões que cabem a cada interessado. Recurso improvido.” (TJSP – AI 2150490-15.2014.8.26.0000 – Campinas – 7ª CDPriv. – Rel. Luiz Antonio Costa – DJe 16.12.2014 – p. 1190)

7303 – Inventário – viúva que foi excluída – casamento pelo regime da separação obriga-tória de bens

“Inventário. Viúva que foi excluída. Casamento pelo regime da separação obrigatória de bens. Aplicação da Súmula nº 377 do STF. Viúva tem direito à meação independente de comprovação de esforço para aquisição dos bens. Necessária partilha dos bens deixados pela primeira mulher do falecido. Recurso provido para anular a sentença. Recurso adesivo, provido em parte.” (TJSP – Ap 0062389-24.2010.8.26.0114 – Campinas – 4ª CDPriv. – Rel. Teixeira Leite – DJe 15.12.2014 – p. 1488)

7304 – Investigação de paternidade – anulação de registro de nascimento – litisconsórcio passivo necessário entre o investigado e o pai registral

“Investigação de paternidade. Anulação de registro de nascimento. Litisconsórcio passivo neces-sário entre o investigado e o pai registral ou, na hipótese de seu falecimento, de seus demais her-deiros. Ausência de citação válida. Inobservância do art. 218 do CPC. Nulidade. 1. Tratando-se de investigação de paternidade, cumulada com pedido de retificação de registro civil, há litisconsórcio passivo necessário entre o investigado e o pai registral, ou, na hipótese de seu falecimento (como no caso), de seus demais herdeiros, sob pena de nulidade. Precedentes do STJ e desta Corte de Jus-tiça. 2. Nessa senda, em razão da ausência de citação válida de um dos sucessores do pai registral, haja vista a inobservância do disposto no art. 218 do CPC, a decretação da nulidade do processo, a partir do ato citatório falho, é medida que se impõe. Preliminar acolhida. Sentença desconstituída. Exame dos apelos prejudicado.” (TJRS – AC 70061582862 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Ricardo Moreira Lins Pastl – J. 11.12.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de recursos de apelação interpostos ambos inconformados com a sentença proferida na “ação de investigação de paternidade, cumulada com pedido de alimentos e indenização”, ajuizada pela primeira em face do segundo e demais réus, que julgou parcialmente procedente os pedidos iniciais.

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A autora, primeira apelante, inicialmente, pugnou pela apreciação do agravo retido.

Aduz que, no tocante aos pedidos relativos à condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais e à prestação de alimentos, a sentença fustigada comporta reparos.

Informou que o princípio da identidade física do juiz foi violado, lhe causando prejuízo.

Referiu que a alegação, no sentido de que o requerido não sabia de sua existência, não se sus-tenta, pois “todo mundo sabia, todos os vizinhos”, o que, salienta, foi comprovado pela prova testemunhal.

Diz que, segundo relato de sua genitora, o réu convenceu seu avô materno a registrá-la como fi-lha, sob o argumento de que “ajudaria”, mencionando, ainda, que deixou de procurar o apelado, em um dado momento da vida, por não mais suportar o descaso e as humilhações.

Arguiu que é preciso ter em mente que as outras filhas tiveram melhores chances na vida, pros-perando financeiramente, razão pela qual tem o réu, pessoa conhecida e de posses, a obrigação de lhe deixar “em melhores lençóis”.

Sustentou que o dano moral é patente e encontra amparo na prova testemunhal produzida nos autos, referindo, também, que o próprio réu assumiu que adotou um menino, mas a “deixou no limbo”, devendo, dessa forma, ser indenizada pelo dano moral sofrido.

O réu, segundo apelante, informou que a autora busca, após quase 34 anos, a anulação de seu registro civil, sob o argumento de que, embora tenha sido registrada pelos avós, seu genitor seria o insurgente.

Defendeu que o reconhecimento do vínculo biológico não tem o condão de alterar a verdade familiar consolidada, no caso, por mais de três décadas, com laços afetivos consolidados, o que caracteriza a socioafetividade em relação aos pais registrais.

Referiu que a autora, em seu depoimento pessoal, confirma que foi criada pelos avós como filha, demonstrando que foi criada com vínculo socioafetivo pelos pais que a registraram, pouco importando que eram seus avós.

Asseverou que não é possível o pedido de anulação de registro civil, pois eventual verdade bio-lógica não poderá prevalecer sobre a verdade afetiva.

O TJRS acolheu a preliminar de nulidade processual, para desconstituir a sentença e decretar a nulidade dos atos processuais posteriores ao ato citatório falho restando prejudicado o exame de mérito dos recursos de apelação.

O relator assim considerou:

“Ocorre que a averbação em registro público dos atos judiciais que declararem ou reconhecerem a filiação, prevista no inciso II do art. 10 do CCB, como um dos efeitos do julgamento de proce-dência da demanda investigatória, justifica-se pela constituição de uma nova relação jurídica que atribui ao autor e ao investigado o status familiar de pai e filho, com todos os direitos e deveres que desta situação jurídica advêm.

Entretanto, em casos como o do presente feito, já existe uma relação de parentalidade estabe-lecida e seu desfazimento não se pode operar como simples efeito da procedência da ação de investigação. Não se cogita de alijar o pai registral de discussão que pode resultar no cancela-mento dos vínculos que já se estabeleceram entre ele e, no caso, a filha, por mais que esta refute qualquer ligação com o genitor.

E não se está aqui mencionando os laços afetivos que se tenham firmado entre eles, mas a todas as demais consequências jurídicas que resultam daquela atribuição de paternidade, especial-mente as sequelas patrimoniais e sucessórias, considerando-se que o pai registral é falecido.”

Importante, se faz, as lições de Cristiano Chaves de Farias sobre o reconhecimento da paterni-dade:

“O reconhecimento de filhos é o ato, voluntário ou forçado, através do qual se estabelece relação de parentesco em primeiro grau na linha reta. Ou seja, o reconhecimento de filhos pode ocorrer por ato espontâneo do(s) genitor(es) ou mesmo contra a sua vontade, por decisão do Poder Judiciário, proferida em ação investigatória de paternidade ou maternidade.

No sistema do CC/1916 (que concebia a família, exclusivamente, matrimonializada), o reconhe-cimento de filhos se destinava, tão somente, aos ilegítimos, ou seja, àqueles nascidos de pais não casados, uma vez que os filhos de pessoas casadas, nominados legítimos, se submetiam à

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presunção pater is est quem justae nuptiae demonstrant. Em outras palavras, o filho da mulher casada, presumivelmente, é filho do marido dela. Já o filho da mulher não casada tinha de ser reconhecido voluntariamente pelo seu genitor ou, negando-se este a fazê-lo, investigar sua pater-nidade, fundamentando o pedido em uma das hipóteses do art. 363 do CC/1916. Tudo isso sem contar que alguns filhos não poderiam, sequer, investigar a paternidade, como os incestuosos e adulterinos. Existiam, pois, nítidas limitações ao exercício do direito filiatório, em detrimento dos filhos de pessoas não casadas.

Tais limitações eram fruto de uma concepção individualista e patrimonial então predominante no Direito Civil naquele momento histórico. A ideia de que o Direito de Família centrava-se no casamento (único modelo familiar), obstava o exercício de direitos pelos filhos não matrimoniais.

Com a Constituição da República de 1988, foram suprimidas quaisquer regras discriminatórias acerca da filiação, embora tenha se admitido a manutenção da presunção pater is est. Assim, afastado qualquer preceito discriminatório, tem-se que, não sendo caso de submissão à presun-ção pater is est (que incide nas relações matrimoniais, ex vi do disposto no art. 1.597 do CC), é possível investigar amplamente a paternidade.

Nessa ordem de ideias, observa-se que o princípio da isonomia substancial entre os filhos im-pede, efetivamente, a negação ou que se dificulte o direito à perfilhação. Ou seja, independen-temente da situação familiar dos pais, é sempre assegurado o direito ao reconhecimento da pa-ternidade. Com isso, avulta a importância da ação de investigação de paternidade/maternidade, eis que se apresenta como instrumento efetivo e eficaz para garantir o direito (constitucional) à perfilhação, respeitando a igualdade almejada pelo Texto Maior.” (Contornos sobre a prova na investigação de paternidade. Disponível em: http://online.sintese.com.)

7305 – Investigação de paternidade – anulação e retificação de registro civil – alegada nulidade processual

“Apelação cível. Sentença de procedência em ação de investigação de paternidade c/c anulação e retificação de registro civil. Alegada nulidade processual por cerceamento de defesa. Ausência de intimação dos procuradores do apelante, acerca da expedição da carta precatória para inquirição de testemunha por ele arrolada, impossibilitando comparecimento e atuação na respectiva audi-ência. Prova oral de considerável relevância para o esclarecimento da controvérsia consistente na apuração de eventual vício de consentimento quanto ao reconhecimento da paternidade do ape-lado, bem como da configuração, ou não, da paternidade socioafetiva. Conversão do julgamento em diligência, para a juntada do conteúdo da gravação audiovisual atinente à oitiva das demais testemunhas.” (TJSC – AC 2013.050343-4 – Rel. Des. Luiz Fernando Boller – DJe 15.12.2014)

7306 – Investigação de paternidade – fixação de alimentos provisórios em favor do me-nor – possibilidade

“Direito civil e processual civil. Agravo de instrumento. Ação de investigação de paternidade. Fixação de alimentos provisórios em favor do menor. Possibilidade. Indícios de paternidade do menor. Agravante e genitora do agravado que mantiveram relacionamento amoroso. Agravante, ademais, que, por duas vezes, se furtou da realização do exame de DNA. Obrigação alimentar que deve ser mantida. Recurso conhecido e não provido. É possível a fixação de alimentos provi-sórios em sede de ação de investigação de paternidade sempre que houver indícios suficientes da alegada paternidade.” (TJPR – AI 1153508-1 – 12ª C.Cív. – Relª Desª Ivanise Maria Tratz Martins – DJe 01.12.2014 – p. 215)

7307 – Investigação de paternidade – petição de herança – liquidação de sentença

“Agravo de instrumento. Investigatória de paternidade e petição de herança. Liquidação de senten-ça. Partindo-se do dispositivo da sentença de primeiro grau, transitado em julgado, deve ser feita a liquidação de sentença, com base no art. 475-G do Código de Processo Civil. Não há falar em

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prescrição aquisitiva quanto aos bens móveis, visto que o prazo correspondente só passa correr a partir do reconhecimento da paternidade. Deram provimento ao agravo de instrumento.” (TJRS – AI 70061989273 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz – J. 11.12.2014)

7308 – Menor – criança abandonada pelos pais em hospital público – acolhimento insti-tucional – nomeação de defensor público

“Processual civil e civil. Agravo regimental. Criança abandonada pelos pais em hospital público. Acolhimento institucional. Nomeação de defensor público para atuar como curador especial em si-tuação na qual o Ministério Público já tenha providenciado as medidas cabíveis em favor do menor. Desnecessidade. 1. No julgamento do Recurso Especial nº 1.296.155/RJ, a Segunda Seção deixou preconizado que a Defensoria Pública não deve atuar como substituto processual, agindo de ofício em casos nos quais o Ministério Público já tenha providenciado as medidas cabíveis em favor do menor abrigado. No caso, o Parquet já até mesmo ajuizou ação de destituição de poder familiar. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.478.366 – (2014/0213138-4) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 11.12.2014 – p. 1217)

7309 – Poder familiar – ação de destituição – abandono material, afetivo e moral – situa-ção de risco

“Apelação cível. Ação de destituição de poder familiar. Abandono material, afetivo e moral. Situa-ção de risco. Desinteresse da família extensa. Procedência do pedido. 1. Restando exaustivamente demonstrada nos autos a sujeição da menor à situação de risco, além do abandono material, afetivo e moral, deve ser mantida a sentença que julgou procedente o pedido de destituição do poder fa-miliar, ainda que se trate de medida drástica, resguardando-se os interesses da criança. 2. Recurso desprovido.” (TJMG – AC 1.0686.12.012550-1/001 – 8ª C.Cív. – Relª Teresa Cristina da Cunha Peixoto – DJe 15.12.2014)

Comentário Editorial SÍNTESECuidam os autos de “Ação de Destituição de Poder Familiar” ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais alegando que a infante foi acolhida na entidade “O Ninho” em 05 de março de 2012, por se encontrar em situação de risco e que “após os estudos sociais realiza-dos junto aos requeridos e família extensa, [...] não se vislumbrou disposição e condições dos familiares para acolher A.”, bem como afirmou que a situação dos genitores “já é por demais conhecida deste juízo em razão do histórico de negligência e abandono aos filhos, bem como da conduta de aliciamento de adolescentes para fins diversos” (fl. 03), pretendendo a procedência do pedido.

O MM. Juiz de Direito do Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Teófilo Otoni, após suspender o poder familiar mantendo, liminarmente, a menor na instituição “O Ninho” (fls. 10/12), deferiu a guarda provisória da menor para a adotante M. A. M., nos autos do Processo de Adoção.

Sentença julgando procedente o pedido inicial, ao fundamento de que os genitores da menor “se mostraram inaptos a permanecer com a guarda da infante, tendo ambos uma conduta divergente da necessária para uma boa formação intelectual e moral de uma criança em pleno desenvolvimento”.

Inconformado, apelou o requerido aduzindo, em suma, que “a medida de destituição do poder familiar não coaduna com os interesses da menor, visto que a medida é irreversível e as dificul-dades existentes no núcleo familiar são efêmeras, devendo assim a Colenda Câmara decretar uma medida mais branda que coaduna com a situação em epígrafe, ou seja, a manutenção da suspensão do poder familiar para que os pais biológicos possam se reorganizar e reaver a filha”.

O magistrado singular, em juízo de retratação, manteve a sentença que julgou procedente o pedido inicial remetendo os autos a este Egrégio Tribunal de Justiça.

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Revelam os autos que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais ajuizou Ação de Des-tituição de Poder Familiar afirmando que a menor encontra-se acolhida em instituição por ter sido encontrada em situação de risco, tendo o magistrado singular julgado procedente o pedido inicial, o que motivou a presente irresignação.

O TJMG negou provimento ao recurso.

O relator aduziu que:

“O ilustre magistrado de primeiro grau atentou-se ao melhor interesse da infante, tendo em vista que os requeridos demonstraram extremo desinteresse e descuido na sua criação e formação, situação com a qual o Poder Judiciário não pode compactuar, não havendo como sujeitar a filho à inconstância de uma vida familiar desregrada, o que poderia até mesmo trazer sérios riscos a sua vida e integridade física.”

Paulo Roberto de Figueiredo Dantas assim discorre sobre a suspensão e a perda do poder familiar:

“O art. 1.637, do Código Civil de 2002, prevê a possibilidade de suspensão do poder familiar. Eis sua redação:

‘Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Pú-blico, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe conde-nados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.’

Ao contrário do que se dá com a extinção do poder familiar, a suspensão desse implica tão somente na momentânea impossibilidade de exercício do poder familiar, por um ou ambos os pais, total ou parcialmente. A suspensão poderá ser revista a qualquer tempo, quando cessarem os motivos que lhe deram causa.

Nos termos do art. 24, do Estatuto da Criança e do Adolescente, a suspensão, da mesma forma que se dá com a perda do poder familiar, somente poderá ser decretada por decisão judicial, em procedimento contraditório em que seja assegurada ao réu a ampla defesa.

Da leitura do art. 1.637, em sua parte final, pode-se depreender facilmente que a suspensão somente deve ser decretada em última hipótese, quando outra medida não puder ser adotada pelo juiz, para defesa do menor. Deve-se dar prevalência, sempre que possível, à convivência familiar, amparada pela própria Constituição.

Contudo, para a aplicação da sanção, não é preciso que ocorra uma reiteração dos atos previstos no artigo. Basta que o juiz, no caso concreto, entenda que o fato foi grave o suficiente e que possa ocorrer novamente, para que a suspensão seja decretada.

8 Da perda do poder familiar

As hipóteses de perda do poder familiar, por decisão judicial, estão previstas no art. 1.638, do novo Código Civil. São elas:

‘Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I – castigar imoderadamente o filho;

II – deixar o filho em abandono;

III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.’

Por se tratar de uma modalidade de extinção do poder familiar, de acordo com expressa previsão do art. 1.635, V, do Código Civil vigente, a perda do poder familiar, por decisão judicial, é inequi-vocamente definitiva, não sendo possível seu restabelecimento, uma vez decretada.

Conforme assevera Caio Mário da Silva Pereira, ‘a perda do poder familiar é a mais grave sanção imposta ao que faltar aos seus deveres para com o filho, ou falhar em relação à sua condição paterna ou materna’.

A primeira hipótese prevista pelo art. 1.638, da Lei Substantiva Civil, é o castigo imoderado do filho. Como já se afirmou neste trabalho, nosso ordenamento permite o direito de correção,

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notadamente tendo em vista o dever de obediência e respeito que os filhos devem observar em relação aos pais (art. 1.634, VII).

Contudo, os castigos eventualmente aplicados não poderão, jamais, ser aplicados imoderada-mente, sob pena de suspensão do poder familiar, ou, em casos extremos, até mesmo de perda do mesmo, por ordem judicial.

Quanto à perda do poder familiar por deixar o filho em abandono, tal hipótese está em conso-nância com o dever, imposto aos pais, de assegurar à criança e ao adolescente a convivência familiar, expressamente fixado pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, caput.

Aliás, tão séria é essa infração, que o ordenamento jurídico pátrio tipifica como fatos típicos (crimes, portanto), tanto o abandono material, conforme previsão do art. 244, do Código Penal vigente, como também o abandono intelectual, previsto no art. 245, do mesmo diploma legal.

A prática de atos contrários à moral e aos bons costumes pode ensejar a suspensão do poder familiar, conforme previsto no art. 1.637, ou, em casos mais graves, até mesmo a sua perda.

Caio Mário da Silva Pereira cita como exemplos de infrações dessa ordem as condutas dos pais que instigarem, propiciarem ou deixarem os filhos em estado de vadiagem, mendicidade, liber-tinagem, criminalidade e coisas do gênero.

A última hipótese de perda do poder familiar, por ato judicial, é outra inovação trazida pelo Código Civil de 2002, e que não existia no Código revogado. Trata-se da incidência reiterada nas faltas previstas no art. 1.637, e que tem por escopo conferir efetiva proteção aos menores, em consonância com os ditames constitucionais.” (O poder familiar no direito brasileiro vigente. Disponível em: http://online.sintese.com.)

7310 – Regime de comunhão universal de bens – ação de sobrepartilha – imóvel – herança

“Agravo de instrumento. Ação de sobrepartilha. Imóvel em questão não faz parte da herança cabível ao recorrente. Regime de comunhão universal de bens. O cônjuge meeiro só passará a herdar os bens obtidos por herança da sogra quando finalizar o respectivo processo de inventário. Não obs-tante serem os pais do agravante casados sob o regime da comunhão universal de bens, a qualidade de meeiro do pai do recorrente não o transforma em herdeiro, nem, tão pouco, legítima os netos a herdarem por representação, ou seja, os netos da inventariante, Ana Souto Maior de Almeida, não são herdeiros da avó, mas sim do pai relativamente à meação dos bens comuns do casal. A herdeira é a cônjuge descendente que, por força da transmissão da herança que se operou somente com relação a ela. Ou seja, da ascendente para a descendente –, acabou beneficiando o marido, apenas por decorrência da comunicação universal dos bens, o que não acarreta, destaque. Se, considerar, de imediato, o cônjuge beneficiado como herdeiro.” (TJPE – AI 0009882-50.2014.8.17.0000 – 6ª C.Cív. – Rel. Des. Antônio Fernando de Araújo Martins – DJe 17.12.2014 – p. 126)

7311 – Sentença estrangeira contestada – divórcio – citação por edital

“Sentença estrangeira contestada. Estados Unidos da América. Divórcio. Citação por edital. Au-sência de nulidade. Abandono. Requerido desaparecido. Requisitos preenchidos. Pedido deferido. 1. No presente caso, a citação editalícia foi deferida, nos termos do § 2º do art. 220 do RISTF, porque o requerido encontra-se em lugar não sabido, não tendo sido encontrado pela requerente, que não teve filhos nem bens a partilhar com o ex-cônjuge. Afinal, passados quase sete anos des-de a sentença até o ajuizamento deste pedido de homologação, é natural e justificável o alegado desconhecimento do endereço atual do ex-cônjuge, até porque, conforme consta na sentença a ser homologada, o divórcio se deu por abandono (fls. 15). Não há, assim, razão alguma que justifique venha a requerente a saber do paradeiro do requerido, sendo correta, portanto, a citação por edital. 2. Preenchidos os requisitos do art. 5º da Resolução nº 9/2005 deste Superior Tribunal de Justiça, bem como não ocorrendo as hipóteses do art. 6º da referida resolução, impõe-se a homologação da

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sentença estrangeira. 3. Pedido de homologação de sentença estrangeira deferido.” (STJ – SEC 8.293 – (2013/0333205-9) – C.Esp. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 19.12.2014 – p. 1098)

7312 – Separação judicial – conversão em divórcio – redução dos alimentos

“Apelação cível. Separação judicial. Conversão em divórcio. Redução dos alimentos devidos à filha menor em relação ao acordo anterior. Falta de assinatura dos autores na emenda à inicial. Manifestação do Ministério Público contrária à homologação. Homologação, ainda assim, forma-lizada. Insurgência do Parquet. Situação financeira do alimentante. Modificação não comprovada. Não realização de audiência de conciliação e ratificação. Reclamo recursal provido. 1. O divórcio consensual, regido pelos arts. 1.120 a 1.124 do CPC, exige a assinatura de ambos os cônjuges na exordial e em sua emenda, prevendo, ainda, audiência de ratificação do pedido de dissolução. No caso da não realização de uma ou outra, mostra-se prematura a homologação do pedido de divórcio. 2. A intervenção do Ministério Público é obrigatória, sob pena de nulidade do processo, nas causas em que estão em jogo interesses de menores. 3. Não comprovada com suficiência a diminuição das condições financeiras do alimentante, não há como vingar a sua pretensão de ver minorado o quantum alimentar a que ele espontaneamente se obrigou, sobretudo, quando não provou de forma incontradiça a sua falta de recursos. 4. A redução dos alimentos devidos ao menor condiciona-se à prova suficiente da modificação das condições financeiras daquele que os presta, cujo ônus é do alimentante, mormente quando sequer cogita da sua insuficiência financeira para fazer frente ao quantitativo arbitrado. 5. Os alimentos devidos ou fixados em favor de filho menor constituem direito indisponível, e, como tal, não comportam renúncia ou transação. Não há como se convalidar acordo pelo qual a mãe e representante legal de menor reduz obrigação alimentar do devedor sem prova cabal de alteração no binômio necessidade/possibilidade. Mormente quando a emenda à inicial, pela qual é reduzida a pensão alimentar devida a menor, é subscrita apenas e ex-clusivamente pelo procurador dos divorciandos.” (TJSC – AC 2014.057977-3 – Relª Desª Trindade dos Santos – DJe 05.12.2014)

7313 – Sociedade de fato – ação de reconhecimento – construção de patrimônio em comum – inexistência de provas

“Ação de reconhecimento de sociedade de fato. Inexistência de provas de construção de patrimônio em comum. Análise quanto à possível constituição de união estável. Presença de impedimento. Relação de união estável preexistente. Improcedência. Irresignação. Apelação cível. Preliminar. Nulidade da sentença por ofensa ao princípio do juiz natural e princípio da identidade física do juiz. Inocorrência. Magistrado, em substituição. Possibilidade. Violação ao princípio da identidade física do juiz não caracterizada. CPC, art. 132. Rejeição. Mérito. Inexistência de provas de conjun-ção de patrimônio em comum com o de cujus. Impossibilidade de reconhecimento de sociedade de fato. Análise quanto a configuração de união estável. Presença de concubinato impuro. Relação concorrente com união estável preexistente. Embaraço à constituição da união estável. Impedimen-to constatado. Manutenção da sentença. Desprovimento do apelo. A análise dos requisitos para configuração da união estável deve centrar-se na conjunção de fatores presente em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a conti-nuidade da união e também a fidelidade. Uma sociedade que apresenta como elemento estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade – que integra o conceito de lealdade e respeito mútuo – para o fim de inserir no âmbito do direito de família relações afetivas paralelas e, por consequência, desleais, sem descurar que o núcleo familiar contemporâneo tem como escopo a busca da realização de seus integrantes, vale dizer, a busca da felicidade. Ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim com redobrada atenção ao primado

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da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade (REsp 1348458/MG, Relª Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, J. 08.05.2014, DJe 25.06.2014).” (TJPB – Ap 0000221-90.2012.815.0091 – 1ª C.Esp.Cív. – Rel. Des. Marcos Cavalcanti de Albuquerque – DJe 11.12.2014 – p. 11)

7314 – Sucessão – administração da herança – pleito para que reavalie os requisitos da antecipação de tutela

“Civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Sucessão. Administração da herança. Pleito para que reavalie os requisitos da antecipação de tutela. Impossibilidade por meio do espe-cial. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. Precedentes. 1. O Tribunal a quo cassou a tutela antecipada concedida à coerdeira, porque não ficou demonstrada a urgência ou o risco de difícil reparação que o contrato de locação avençado pela inventariante acarretaria para a herança. Entendimento diverso por meio do especial demandaria o revolvimento do acervo probatório. 2. A viúva meeira não apresentou argumento novo capaz de modificar a conclusão adotada, que se apoiou em enten-dimento aqui consolidado. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-AgRg-Ag-RE 539.639 – (2014/0156221-0) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 12.12.2014 – p. 1194)

7315 – Sucessão – reconhecimento de união estável no bojo do inventário – possibilidade

“Civil. Processual civil. Direito sucessório. Reconhecimento de união estável no bojo do inventário. Possibilidade. Art. 984 do CPC. Provas documentais suficientes. Prescindibilidade da comprovação pelas vias ordinárias. Agravo improvido. 1. Agravo de instrumento interposto em face de decisão interlocutória que reconheceu a condição de meeira da inventariante/agravada em relação aos imóveis adquiridos no período, autorizando-a, em decorrência disso, a proceder com o levanta-mento de 50% (cinquenta por cento) dos frutos mensais provenientes do mencionado patrimônio, considerando que não há incidência de imposto sobre a meação. 2. A agravante aduz que a decisão agravada é carecedora de reforma, porquanto desrespeitou o pacto nupcial firmado pelo de cujus com a agravada, estabelecendo o regime da separação de bens entre eles. Defende ainda que a existência de filhos entre o casal não é hábil para comprovar a união estável anterior ao casamento, sugerindo que o relacionamento existente era esporádico e fortuito. Por fim, esclarece que o juiz da Vara de Sucessões não poderia ter reconhecido a união estável anterior ao casamento, posto que lhe falta competência para tanto, competência essa da Vara de Família, bem como ausentes provas irrefutáveis nesse sentido. 3. Aplicáveis, na hipótese, as disposições do art. 984 do CPC, segundo o qual, no curso dos processos de inventário e partilha, o juiz decidirá todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas, incluindo o reconhecimento da união estável havida antes do casamento. 4. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (TJPE – AI 0004245-21.2014.8.17.0000 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Stênio José de Sousa Neiva Coêlho – DJe 04.12.2014 – p. 700)

7316 – Testamento público – legítima – excesso – redução – validade

“Dupla apelação cível. Ação de nulidade de ato jurídico. Testamento público. Legítima. Excesso. Redução. Testamento válido. Celebrado na vigência do Código Civil de 1916 adiantamento de legí-tima. Ausência de prova. 1. Conforme inteligência do art. 1.721 do Código Civil de 1916, pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima. A existência de liberalidades ultra vires não contamina de nulidade o testamento, impondo-se tão somente a redução das disposições testamentárias, a fim de que não excedam a porção disponível, a teor do art. 1.727 do Código Civil de 1916 que vigente à época dos fatos. 2. Tendo o testamento que fundamenta o pedido exordial sido celebrado sob a égide do Código Civil de 1916, aplica-se a referida regra ao caso. 3. Diante da ausência de provas de que os autores/herdeiros foram contem-

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plados com o adiantamento da legítima, impõe-se a improcedência da apelação, mesmo porque os réus não se desincumbiram do ônus que lhes é imposto pelo art. 333, inciso I, do CPC. Apelações cíveis conhecidas e desprovidas.” (TJGO – AC 200992447321 – 6ª C.Cív. – Rel. Des. Jeova Sardinha de Moraes – DJe 08.01.2015 – p. 471)

7317 – Testamento – registro posterior – trânsito em julgado da partilha – interesse do herdeiro

“Apelação cível. Registro de testamento posterior ao trânsito em julgado da partilha. Interesse do herdeiro testamentário. 1. O apelo trouxe as razões para reforma da sentença, bem como expresso pedido nesse sentido, na forma do art. 514, II e III, do CPC, sendo, portanto, apto ao conhecimento. Preliminar de inépcia rejeitada. 2. O trânsito em julgado da partilha não retira do herdeiro testamen-tário preterido o interesse de promover o registro de testamento e ter reconhecido seu direito sobre bens da herança. Rejeitaram a preliminar e deram provimento ao apelo.” (TJRS – AC 70061013702 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz – J. 11.12.2014)

7318 – União estável – alienação de bem imóvel adquirido na constância da união – ne-cessidade de consentimento do companheiro

“Recurso especial. Direito patrimonial de família. União estável. Alienação de bem imóvel adquiri-do na constância da união. Necessidade de consentimento do companheiro. Efeitos sobre o negó-cio celebrado com terceiro de boa-fé. 1. A necessidade de autorização de ambos os companheiros para a validade da alienação de bens imóveis adquiridos no curso da união estável é consectário do regime da comunhão parcial de bens, estendido à união estável pelo art. 1.725 do CCB, além do reconhecimento da existência de condomínio natural entre os conviventes sobre os bens adquiridos na constância da união, na forma do art. 5º da Lei nº 9.278/1996, Precedente. 2. Reconhecimento da incidência da regra do art. 1.647, I, do CCB sobre as uniões estáveis, adequando-se, todavia, os efeitos do seu desrespeito às nuanças próprias da ausência de exigências formais para a constituição dessa entidade familiar. 3. Necessidade de preservação dos efeitos, em nome da segurança jurídica, dos atos jurídicos praticados de boa-fé, que é presumida em nosso sistema jurídico. 4. A invalidação da alienação de imóvel comum, realizada sem o consentimento do companheiro, dependerá da publicidade conferida a união estável mediante a averbação de contrato de convivência ou da de-cisão declaratória da existência união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, ou pela demonstração de má-fé do adquirente. 5. Hipótese dos autos em que não há qualquer registro no álbum imobiliário em que inscrito o imóvel objeto de alienação em relação a copropriedade ou mesmo à existência de união estável, devendo-se preservar os interesses do adquirente de boa-fé, conforme reconhecido pelas instâncias de origem. 6. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.424.275 – (2012/0075377-7) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 16.12.2014 – p. 920)

7319 – União estável – escritura pública de reconhecimento – alimentos – cláusula de dispensa prévia

“Recurso especial. Família. União estável. Escritura pública de reconhecimento. Alimentos. Cláusu-la de dispensa prévia. Alteração da situação financeira na constância da união. Ação de alimentos ajuizada após a dissolução do vínculo. Viabilidade. Irrenunciabilidade dos alimentos devidos na constância do vínculo conjugal. Nulidade da cláusula de renúncia. Recurso improvido. 1. Tendo as partes vivido em união estável por dez anos, estabelecendo no início do relacionamento, por escritura pública, a dispensa à assistência material mútua, a superveniência de moléstia grave na constância do relacionamento, reduzindo a capacidade laboral e comprometendo, ainda que tem-

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porariamente, a situação financeira da companheira, autoriza a fixação de alimentos após a dissolu-ção da união. 2. Direito à assistência moral e material recíproca e dever de prestar alimentos expres-samente previstos nos arts. 2º, II, e 7º da Lei nº 9.278/1996 e nos arts. 1.694 e 1.724 do CC/2002. 3. São irrenunciáveis os alimentos devidos na constância do vínculo familiar (art. 1.707 do CC/2002). Não obstante considere-se válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião de acordo de separa-ção judicial ou de divórcio, nos termos da reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não pode ser admitida enquanto perdurar a união estável. 4. Reconhecida pelo eg. Tribunal a quo a necessidade da ex-companheira à percepção de alimentos em caráter transitório, assim como a capacidade contributiva do recorrente, a reforma do julgado quanto a estes aspectos mutáveis demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, vedado na via do recurso especial (Súmula nº 7 do STJ). 5. Recurso especial parcialmente conhecido e improvido.” (STJ – REsp 1.178.233 – (2010/0019872-2) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 09.12.2014 – p. 963)

7320 – União estável – partilha de bens – indisponibilidade dos imóveis

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. União estável. Partilha de bens. Medida que determinou a indisponibilidade dos imóveis. Preservação de futura divisão do patrimônio. Violação aos arts. 165 e 535, II, do CPC. Inexistência. Razões recursais insuficientes para infirmar as conclu-sões do acórdão. Súmulas nºs 283 e 284/STF. Agravo não provido. 1. Não se constata violação aos arts. 165 e 535, II, do CPC quando a col. Corte de origem dirime, fundamentadamente, todas as questões que lhe foram submetidas. Havendo manifestação expressa acerca dos temas necessários à integral solução da lide, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte, fica afastada qualquer omissão, contradição ou obscuridade. 2. Do exame das razões do recurso especial, depreende-se que, embora o agravante faça menção aos argumentos adotados pelo acórdão objurgado e aos ar-tigos tidos por violados, não há impugnação específica e suficientemente fundamentada de forma a demonstrar como o Tribunal de origem teria efetivamente malferido os referidos dispositivos legais. Incidência, na hipótese, por analogia, das Súmulas nºs 283 e 284 do Supremo Tribunal Federal. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 321.260 – (2013/0091493-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 19.12.2014 – p. 2072)

7321 – União estável – pensão por morte – requisitos legais – reexame de matéria fático--probatória

“Previdenciário. Pensão por morte. União estável. Requisitos legais. Reexame de matéria fático--probatória. Súmula nº 7/STJ. União estável reconhecida mesmo na condição de casado do de cujus. Existência de separação de fato. Afastamento de concubinato. Possibilidade. Precedentes. Súmula nº 83/STJ. 1. O Tribunal de origem, soberano na análise dos elementos de prova dos autos, decidiu que ficou caracterizada a união estável. Entender de modo diverso do consignado pela Corte a quo exige o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado pela Súmula nº 7/STJ. 2. O entendimento desta Corte é no sentido de admitir o reconhecimento da união estável mesmo que ainda vigente o casamento, desde que haja comprovação da separação de fato dos casados, havendo, assim, distinção entre concubinato e união estável, tal como reconhecido no caso dos autos. Precedentes. Súmula nº 83/STJ. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 597.471 – (2014/0264668-7) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 15.12.2014 – p. 1780)

7322 – União estável – reconhecimento e dissolução – ausência dos requisitos

“Apelação cível. Reconhecimento e dissolução de união estável. Ausência dos requisitos. O reco-nhecimento da união estável requer a demonstração da existência de convivência pública, contí-

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nua e duradoura com o propósito de constituir família, requisitos ausentes na espécie.” (TJDFT – AC 20120310014425 – (838593) – Rel. Des. Fernando Habibe – DJe 18.12.2014 – p. 161)

7323 – União estável – reconhecimento e dissolução – relacionamento afetivo – existên-cia – controversa

“Direito civil e processual civil. União estável. Reconhecimento e dissolução. Relacionamento afe-tivo. Existência. Controversa. Assimilação como união estável. Inviabilidade. Ausência dos elemen-tos identificadores. Prova. Inexistência. Declaração. Impossibilidade. Preliminar. Inépcia da inicial. Resolução por decisão interlocutória. Inexistência de recurso. Preclusão. Não conhecimento. De-serção do recurso de apelação. Gratuidade de justiça deferida na instância originária. Reiteração do pedido no apelo. Desnecessidade. Deserção afastada. Conhecimento do apelo. 1. Concedido o benefício da gratuidade de justiça, a benesse alcança todos os atos processuais subsequentes enquanto perdurar o litígio, salvo se eventualmente for expressamente revogado no trânsito proces-sual, não estando sua perduração, pois, sujeita a qualquer condição, denotando que, ao apelar, a parte beneficiária da justiça gratuita, de forma a isentar o recurso do preparo, está dispensada de renovar o pedido da benesse, pois já vigente (Lei nº 1.060/1950, art. 9º). 2. Elucidada e refutada a preliminar de inépcia da petição inicial suscitada na contestação através de decisão saneadora aco-bertada pela preclusão, a questão processual, restando definitivamente resolvida, é impassível de ser reprisada nas contrarrazões à apelação, vez que o instituto da preclusão, afinado com o objetivo teleológico do processo, resguarda que marche rumo à resolução do conflito de interesses que faz seu objeto, impedindo a renovação de matérias já decididas (CPC, art. 473). 3. Considerando que a união estável se assemelha ao casamento, encerrando os deveres de respeito, assistência e lealdade recíprocos, sua caracterização exige a comprovação de que o relacionamento havido entre homem e mulher fora contínuo, duradouro, público e estabelecido com o objetivo de constituição de fa-mília, legitimando que lhe seja conferida essa qualificação e reconhecida como entidade familiar (CC, art. 1.723, e Lei nº 9.278/1996, art. 1º). 4. O relacionamento que, conquanto revestido de conteúdo afetivo e amoroso, restara desprovido de continuidade, publicidade e desguarnecido do intento de ensejar a constituição de família, notadamente quando os envolvidos sequer conviveram sob o mesmo teto e de forma exclusiva, não encerra os elementos indispensáveis à sua qualificação como união estável, devendo ser emoldurado à sua exata dimensão, que é traduzido na apreensão de que consubstanciara simples enlace afetivo motivado pelos sentimentos recíprocos nutridos. 5. Apelo conhecido e desprovido. Preliminar rejeitada.unânime.” (TJDFT – Proc. 20130110939234 – (837523) – Rel. Des. Teófilo Caetano – DJe 10.12.2014 – p. 164)

7324 – União estável – reconhecimento – relacionamento amoroso provido de caráter more uxorio – requisitos legais – presença de coabitação

“Apelação cível. Reconhecimento de união estável. Relacionamento amoroso provido de cará-ter more uxorio. Requisitos legais. Equiparação a casamento. Presença de coabitação. Affectio maritalis. Publicidade da relação. Casamento civil anterior de um dos conviventes. Separação de fato. Acervo probatório. Robustez. Fatos incontroversos. Reconhecimento. Provimento. Para o reco-nhecimento da união estável é mister a convergência de requisitos objetivos e subjetivos com o fim de compor uma entidade familiar, na qual há vida em comum, provida de caráter more uxorio, com sinais induvidosos de vida familiar. Nos termos da legislação civil vigente, para que seja declarado o reconhecimento de união estável caberá àquele que propuser a respectiva ação a prova de que a relação havida entre o casal é ou foi pública, contínua, duradoura e destinada à constituição de um núcleo familiar. É possível o reconhecimento de união estável se um dos conviventes mantém casamento civil, sendo necessária prova nos autos da separação de fato, antecedendo a relação discutida. Ônus da prova que incumbe a que alega a tese de fato trazia a juízo, conforme o art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil. Comprovada a publicidade do relacionamento marital e da

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comunhão de vida com a autora e existindo prova cabal da separação de fato com a ex-esposa, a procedência da ação é medida que se impõe.” (TJPB – Ap 0000809-25.2010.815.0461 – 1ª C.Esp.Cív. – Rel. Des. Marcos Cavalcanti de Albuquerque – DJe 18.12.2014 – p. 15)

7325 – União estável homoafetiva – pensão por morte – requisitos

“Direito administrativo. Remessa necessária e apelação cível. Servidor público. Pensão por morte. União estável homoafetiva. ADIn 4.277/DF, STF. Mesmas regras e consequências aplicáveis à união estável heteroafetiva. Prova nos autos. Existência. Dependência econômica. Desnecessidade de comprovação. Cumulação com pensão estadual. Possibilidade. Remessa necessária e recurso da União Federal desprovidos. Sentença mantida. 1. Consoante o art. 226, § 3º, da CRFB/1988, ‘para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como enti-dade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento’. E, além da união estável entre indivíduos de sexos diferentes, prevê a Constituição da República, ainda, que ‘a comunidade forma-da por qualquer dos pais e seus descendentes’ – ou seja, a chamada ‘família monoparental’ – deverá ser entendida como ‘entidade familiar’, tudo conforme o § 4º do anteriormente mencionado art. 226 da CRFB/1988. 2. Diante das normas constitucionais anteriormente mencionadas, parte mais con-servadora da doutrina sempre defendeu que apenas a união estável entre homem e mulher passou a ser reconhecida, a partir de 1988, como entidade familiar, gozando de especial proteção do Estado, o que também teria sido assentado pela lei civil (art. 1.521 do CC/2002), segundo a qual união es-tável é aquela caracterizada por uma convivência pública, contínua, duradoura, com o objetivo de constituir família, entre homem e mulher, que não sejam casados, nem apresentem impedimentos ao casamentos. No entanto, uma segunda corrente doutrinária, mais liberal e vanguardista, baseada nos princípios da isonomia entre homens e mulheres e da dignidade da pessoa humana, defende o reconhecimento da união homoafetiva como espécie de entidade familiar a fim de estender-lhe todos os direitos assegurados pela Constituição aos indivíduos heterossexuais conviventes em união estável. 3. Nesse contexto, e em que pese ter este Relator adotado entendimento consentâneo com a primeira das correntes doutrinárias mencionadas, em julgados anteriores, há que se considerar recente julgado do eg. STF, nos autos da ADIn 4.277/DF (STF, Rel. Min. Ayres Britto, DJe nº 198, 14.10.2011), no qual se definiu o entendimento de que a união homoafetiva deve ser reconhecida como instituto jurídico, adotando interpretação conforme à Constituição, para excluir ‘qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva’. 4. Existindo demonstração da alegada convivência mediante os documentos e depoimentos acostados aos autos, o direito do companhei-ro homoafetivo ao benefício não pode deixar de ser reconhecido, sendo certo que a dependência econômica entre companheiros, assim como ocorre entre cônjuges, é presumida, nos termos da lei previdenciária, razão pela qual desnecessária a sua comprovação para fins de concessão de pensão por morte ao companheiro. 5. Inexiste óbice à cumulação entre a pensão por morte ora postulada e o benefício pago pelo Estado do Rio de Janeiro, porquanto o falecido servidor era médico, sendo cumuláveis os seus cargos nas esferas federal e estadual, por autorização constitucional. 6. Remes-sa necessária e apelação da União Federal desprovidas, com manutenção da sentença atacada.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2008.51.01.007332-0 – (531355) – 8ª T.Esp. – Rel. Marcelo Pereira da Silva – DJe 09.01.2015 – p. 893)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de remessa necessária e apelação, interposta pela União contra a sentença proferida pelo MM. Juiz da 24ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que, por considerar que “uma vez demons-trada a alegada convivência entre o Autor e o servidor falecido, sob o regime da união estável”, julgou procedentes os pedidos formulados na exordial, “para reconhecer a existência de união estável entre o Autor e o servidor federal falecido, condenando a União a inscrever o Autor como

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beneficiário da pensão por morte, e a pagar-lhe os atrasados devidos desde a data do óbito, em 26.01.2006. Desde a data em que cada parcela era devida, até junho de 2009, incidirá correção monetária conforme os índices da tabela de Correção de Precatórios da Justiça Federal. Quanto aos juros de mora, são devidos a contar da citação, em 28.11.2008, até junho de 2009, no percentual de 6% ao ano, na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, introduzido pela Me-dida Provisória nº 2.180-35/2001. A partir de julho de 2009, o valor do débito será atualizado mediante a aplicação dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados às cadernetas de poupança, na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, na redação da Lei nº 11.960/2009”. Outrossim, condenou a União Federal ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 5% (cinco por cento) sobre o valor da condenação (art. 20, § 4º, do CPC).

Em suas razões de apelação (fls. 320/324), aduziu a União Federal, em síntese, os seguintes pontos:

(i) “ressalta-se a ausência de provas da união estável, da qual alega ter durado vinte anos. Verifica-se a inexistência de um conjunto probatório apto a demonstrar a longevidade de uma relação de duas décadas. Ao contrário, o autor detém-se em apresentar laudos, receitas e pron-tuários relacionados ao seu quadro de saúde, fato este que em nada interfere no julgamento da presente lide”;

(ii) “se o de cujus deixou passar in albis o exercício do direito de inscrever o companheiro como seu dependente de longa data junto à Administração, no caso ao Núcleo Regional do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, conclui-se ser indevido o pagamento do benefício previdenciário ora pleiteado”; e

(iii) “Inexiste comprovação de dependência econômica em relação ao servidor falecido. Pelo contrário, o próprio autor afirma na inicial que possui atividade profissional de ‘gerente do Banco Bamerindus, atualmente HSBC’ (fl. 03).”

O recurso foi recebido no duplo efeito tendo sido apresentadas contrarrazões pelo Autor, ora Apelado.

O TRF 2ª Região negou provimento à remessa necessária e à apelação da União Federal.

O relator ressaltou que “Cumpre observar, por derradeiro, que inexiste óbice à cumulação entre a pensão por morte ora postulada e o benefício pago pelo Estado do Rio de Janeiro porquanto o falecido servidor era médico, sendo cumuláveis os seus cargos nas esferas federal e estadual, por autorização constitucional”.

O ilustre Jurista Wladimir Novaez Martinez assim nos ensina:

“O direito das companheiras praticamente não existia até 31.12.1966 e emergiu com o Decreto--Lei nº 66/1966 (então e até 31.10.1991 foi preciso recorrer à justiça). Daí para frente, o ente gestor reconheceu a pretensão à pensão por morte nos casos de união estável, expressão cunhada no art. 226, § 3º, da Carta Magna de 1988 (ainda com certo ranço, pois in fine este dispositivo fala em conversão ao casamento). A partir do Plano de Benefícios da Previdência Social – PBPS (Lei nº 8.213/1991), quando a lei básica contemplou o direito do marido em relação à esposa falecida segurada do RGPS, ficou claro que o companheiro não inválido faz jus à mesma pensão por morte, se a companheira era segurada.

Note-se que nas duas circunstâncias, admitindo a existência desse casamento de fato que é a união estável e o seu elevadíssimo número em todo o País (mais da metade das uniões), às vezes o Direito Previdenciário antecipa-se ao Direito Civil e regulamenta a matéria. A Carta de Con-cessão/Memória de Cálculo emitida pelo INSS referente à pensão por morte tem servido como evidência da união estável para diferentes efeitos civis, fundiários e laborais.

Discorre-se sobre essa união estável porque a união homossexual é uma modalidade desta (e será até que o Brasil enseje o casamento dos homossexuais, como já ocorre em certos países da Europa). Os companheiros constituem a união estável, carecendo explicitá-los e defini-la.

Companheiros são pessoas vivendo como se casados fossem, assim entendida a vida em co-mum, apresentando-se publicamente juntos, partilhando o mesmo lar ou não e dividindo os encargos da affectio societatis conjugal (Comentários à lei básica da Previdência Social. 7. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 141).

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À evidência, essa descrição provém do contubérnio do Direito Romano, com as devidas adapta-ções aos tempos atuais; logo, ab initio, isso obriga a distinguir as uniões estáveis heterossexuais ou homoafetivas (I) das ‘relações não estáveis’, ou seja, relacionamentos amorosos de amantes (II).

Entende-se que essa última locução retrata um cenário distinto do casamento e da união estável, quando um homem e uma mulher, um deles casado (a) ou unido (b), fora da instituição admitida pela norma, extraconjugalmente mantém vínculo amoroso com uma outra mulher ou um outro homem. Note-se que não serão os solteiros ou separados de fato ou de direito os polos dessa relação; do ponto de vista da lógica jurídica, eles não podem constituir o vínculo ora estudado.

É compromisso furtivo, assinaladamente sexual ainda que possa ser amoroso, mas, por defini-ção, não chega a se caracterizar como união estável. Pressupõe sempre três pessoas envolvidas e ausência de dependência econômica. Um homem casado (ou uma mulher casada) que convive more uxorio com uma segunda mulher ou homem não tem amante, mas companheira. E esta ou este dividirá a pensão por morte, o que não ocorreria se ele(a) tivesse uma amante.

Se tão somente amantes, seja homem ou mulher, não têm direito; ipso facto, amantes homoafe-tivos também não. Sem embargo, carece tomar muito cuidado com a questão semântica trazida à colação, porque o direito previdenciário usualmente depende de persuasão fática e ela pode, a despeito da linguagem utilizada pelas pessoas, acabar por convencer da existência de uma outra relação (A prova no direito previdenciário. São Paulo: LTr, 2007. p. 183). Isso é oportuno dizer exatamente quando se sabe que as uniões homossexuais ainda padecem de discriminação social e preconceito pessoal, no comum dos casos não sendo assumidas externamente pelos próprios parceiros. Praticamente, inexiste demonstração pública da vida em comum, e os meios de ex-posição são naturalmente frágeis. Durante algum tempo, adiante o ente gestor da previdência social não deverá exigir dos homossexuais as mesmas provas que reclama dos heterossexuais, porque aqueles não as têm.

Já definimos união estável como o relacionamento de pessoas de sexo distinto com a intenção de uma relação duradoura. Logo, união homoafetiva será a de pessoas do mesmo sexo e com a mesma intenção de mútua ajuda. Reconhecendo o direito à pensão por morte, reportando-se à Lei Maior, o Desembargador Santos Neves a define ‘como a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, o mesmo tratamento dispensado às relações hete-rossexuais deve ser estendido às relações homossexuais, pois a opção ou condição sexual não pode ser usada como fator de discriminação, em face do disposto no inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, que proclama, como um dos objetivos fundamentais da República Fede-rativa do Brasil, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’ (Acórdão da 9ª Turma da 3ª Região na Apelação Cível nº 1091320 – Proc. 2002.61.83.003834-45, in DJU 08.11.2007, Revista IOB, São Paulo: IOB, 2008, p. 173).

Do ponto de vista científico e com vistas à pensão por morte (como definida atualmente), desde que um dos parceiros seja segurado do RGPS ou do RPPS, o que interessa é a dependência econômica, o evento determinante coberto pelo benefício.

A rigor, fora da legislação, de fato, um irmão maior de 21 anos não inválido, vivendo sob a de-pendência econômica do outro, faz jus à prestação em razão dessa dependência econômica. Não fora o que diz o art. 16, III, e o art. 73 do PBPS seria suficiente para assegurar essa concepção.

Na relação homoafetiva, não importa a idade (I), o nível patrimonial de cada um dos parceiros (II), se a dependência é mútua ou individual (III), se há de amor (IV) ou apenas sexo (V). Releva a mútua assistência; os aspectos afetivos restam à individualidade, discrição e critérios de cada casal.

Vale lembrar que a legislação, doutrina e jurisprudência referente ao casamento (I), união estável (II), concorrência da esposa com a companheira (III), presunção de dependência econômica (IV), separação de fato ou de direito (V), pensão alimentícia jurídica ou fática (VI), presunção de morte (VII), direito dos pais e irmãos (VIII), acumulação com aposentadorias (IX) e percepção de valores trabalhistas e previdenciários (X) devem ser resgatadas e, na medida do possível, não serão diferenciadas em relação à união homoafetiva.

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Efetivamente, enquanto não existir o casamento homossexual, a união homoafetiva será aplica-da, integrada e interpretada como a união estável, beneficiando-se de suas presunções jurídicas. Nunca esquecendo o profissional do Direito das particularidades dessa união estável como, por motivos históricos, a prova produzida ter de ser distinta não só do casamento como da união estável heterossexual. Algumas delas têm de ser mais valorizadas que outras.

Embora certamente raros os exemplos, demonstrados os pressupostos, nada impede a concor-rência e a divisão da pensão por morte entre parceiros homossexuais ou entre eles e os filhos.

Os critérios da dependência econômica seguem os do art. 16 do PBPS, de modo que será pre-sumida entre os parceiros e a ser demonstrada por pais e irmãos.

No caso de separação, com as dificuldades inerentes à adaptação ao Direito Civil, prevalecerá a ideia da pensão alimentícia, máxime a fática, com propriedade para a definição do direito.

A presunção da morte, no caso da ausência ou desaparecimento, não diferirá daquela que fa-vorece o casamento ou a união estável heterossexual. Sempre lembrando que o segurado preso que foge da prisão é um ausente, no dizer de Hélio Gustavo Alves (Auxílio-reclusão. São Paulo: LTr, 2007. p. 110).

Ausente o companheiro(a) com direito ou filhos dessa união estável homoafetiva (propriamente ditos, adotados e os enteados, tutelados que provem a dependência econômica), transfere-se a pretensão aos pais ou aos irmãos, na ordem de preferência do PBPS.

A fruição da pensão por morte homoafetiva pode ser acumulada com aposentadoria e até mesmo com outra pensão por morte (decorrente de outra condição), nos termos do art. 124 do PBPS, mas a pensionista do sexo feminino derivada de casamento ou união estável anterior, que se uniu a uma segurada, não fará jus às duas pensões, caso esta última faleça, devendo optar pelo benefício de maior valor.” (Direitos previdenciários na união homoafetiva. Disponível em: http://online.sintese.com.)

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Clipping Jurídico

Usucapião urbana não pode ser impedida por lei municipal

A usucapião urbana, prevista no art. 183 da Constituição Federal, não pode ser im-pedida por lei municipal nem pela existência de irregularidades no loteamento onde o imóvel está situado. Esse foi o entendimento do Ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, ao votar pelo provimento de recurso extraordinário interposto por um casal de Caxias do Sul/RS contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O julgamento começou na sessão de sexta-feira (19/12), última do ano, e foi interrompido por um pedido de vista do Ministro Luiz Fux. A Corte gaúcha negou ao casal a possibilidade de aquisição da propriedade do imóvel onde vivem. Toffoli, que também é relator do recurso, pediu que o caso tenha repercussão geral. Primei-ro a votar, ele apontou que, para o acolhimento do pedido de usucapião urbano, basta o preenchimento dos requisitos exigidos pelo Constituição, não podendo ser levantado obstáculo infraconstitucional para impedir que se aperfeiçoe em favor da parte interessada o modo originário de aquisição de propriedade. Segundo Toffoli, o casal preencheu todos os requisitos constitucionais e formais para a aquisição ori-ginária da propriedade. Além disso, ele argumentou que o imóvel está identificado e localizado dentro da área urbana, e regularmente reconhecido pelo Poder Público municipal, que recebe os tributos relativos ao imóvel. O ministro também lembrou o objetivo de o usucapião urbano ter sido incluído na Constituição. “Não podemos esquecer que a presente modalidade aquisição da propriedade imobiliária foi in-cluída na Constituição Federal como forma de permitir o acesso dos mais humildes às melhores condições moradia, bem como fazer valer o respeito à dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República”, apontou Toffoli. Os Ministros Teori Zavascki e Rosa Weber acompanharam o relator. RE 422.349. (Conteúdo ex-traído do site do Supremo Tribunal Federal)

Corte europeia não reconhece parto domiciliar como direito de gestantes

A Corte Europeia de Direitos Humanos rejeitou um pedido para reconhecer o parto domiciliar como direito fundamental das gestantes. Uma das câmaras da Corte en-tendeu que cabe a cada país decidir a questão, que leva em consideração os riscos dos nascimentos que acontecem dentro e fora de hospitais. A decisão ainda não é definitiva. O tribunal julgou a reclamação de duas mulheres da República Tcheca. Foi negado para as duas assistência de enfermeiras para auxiliar no parto doméstico. Uma delas acabou parindo em casa, sozinha. A outra preferiu ir a um hospital. Pela legislação da República Tcheca, profissionais de saúde só podem fazer partos em instalações médicas. Quem descumpre a lei pode ser multado. Na Corte europeia, as mulheres argumentaram que o art. 8º da Convenção Europeia de Direitos Huma-nos foi violado. O dispositivo prevê o respeito à vida familiar e privada. Os juízes consideraram que houve, de fato, interferência na vida familiar de cada uma delas. Mas, para a maioria, essa interferência foi justificada, já que tiveram como objetivo garantir a saúde do recém-nascido e da gestante. Os julgadores observaram que a medicina ainda é contraditória sobre o assunto. Existem pesquisas que apontam

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que, frente a uma gestação saudável, os riscos nos partos domiciliares são menores do que nos hospitais. Ainda assim, complicações podem acontecer durante o traba-lho de parto, tornando fundamental suporte médico que só os hospitais oferecem. O tema é particularmente importante no continente europeu, onde aumenta o número de mulheres que preferem dar à luz na própria casa. No Reino Unido, por exemplo, a gestante saudável pode optar por ter seu filho longe dos hospitais e receber todo o suporte do sistema público de saúde para isso. Recentemente, o governo britânico divulgou uma pesquisa que aponta que os riscos nos partos domiciliares são me-nores e que a economia para os cofres públicos também é considerável. (Conteúdo extraído do site do Consultor Jurídico)

Descumprir medida protetiva não configura delito de desobediência

Descumprimento injustificado de medida protetiva imposta judicialmente com base na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) não configura delito de desobediência disposto no art. 330 do Código Penal. Foi por entender assim que a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve um acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que rejeitou a denúncia do Ministério Público. No caso julgado, a Promo-toria denunciou um rapaz por descumprir uma ordem judicial que o proibiu de se aproximar e de manter contato com sua mãe. Alegou que a conduta se enquadra no delito de desobediência, que prevê pena de detenção de 15 dias a seis meses, e multa. O TJDFT rejeitou a denúncia sob argumento de que descumprimento de ordem ou medida judicial somente configura crime de desobediência quando não há previsão legal de sanção específica e que, no caso, a Lei Maria da Penha já pre-vê medidas extrapenais para o caso de descumprimento de medidas protetivas. O MP-DF recorreu ao STJ sustentando, entre outros pontos, que a conduta praticada pelo denunciado configura crime independentemente da previsão de sanções na Lei Maria da Penha. O Ministro Jorge Mussi (foto), relator do recurso, reiterou que o STJ afasta a tipicidade da conduta nos casos em que o descumprimento da ordem é punido com sanção específica de natureza civil ou administrativa. Segundo o minis-tro, a Lei Maria da Penha determina que, nos casos em que ocorre descumprimento das medidas protetivas de urgência aplicadas ao agressor, é cabível a requisição de força policial e a imposição de multas, entre outras sanções, não havendo ressalva expressa no sentido da aplicação cumulativa do art. 330 do Código Penal. “Por-tanto, em homenagem ao princípio da intervenção mínima que vige no âmbito do direito penal, não há que se falar em tipicidade da conduta atribuída ao recorrido, na linha dos precedentes desta Corte superior”, concluiu o relator. Seu voto foi acompanhado por unanimidade. REsp 1.477.671. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Eutanásia volta a ser discutida na Corte Europeia de Direitos Humanos

A Corte Europeia de Direitos Humanos começa o ano com uma pauta polêmica. O Tribunal retomou a discussão sobre a eutanásia, dessa vez sob outro viés. O que os

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juízes analisam é se, quando o paciente não tem mais condições de tomar decisões, a família e os médicos podem optar por desligar os aparelhos que o mantêm vivo. Ainda não há data prevista para a decisão. O tribunal europeu ainda não tem uma posição formada sobre a existência de um direito de morrer. No ano passado, a Corte ensaiou um julgamento sobre o assunto, mas acabou arquivando o processo depois que a principal interessada conseguiu cometer suicídio. (Conteúdo extraído do site do Consultor Jurídico)

Traição de noivo não dá direito a indenização por danos morais

Fidelidade é dever jurídico só no casamento civil, não entre noivos ou namorados. Com esse entendimento, a 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que um homem não precisará indenizar sua ex-noiva por danos morais, depois que ela descobriu uma traição dele cinco meses antes da festa de casamento. A Corte manteve, no entanto, a indenização por danos materiais, pois a mulher já tinha gastado dinheiro com os preparativos da festa. A Comarca de Rio Claro/SP havia condenado o homem a pagar R$ 1,8 mil à ex-noiva para ressarci-mento dos gastos com os preparativos do casamento, que foi cancelado. A autora da ação também pedia indenização por danos morais sob o argumento de que havia descoberto a traição. Para o Desembargador Rômolo Russo, relator do recur-so, realmente houve abalo emocional por parte da autora, mas a sensação não é indenizável. “Nosso ordenamento não positiva o dever jurídico de fidelidade entre noivos ou namorados. Tal previsão restringe-se ao casamento civil (art. 1.566, I, do Código Civil). A conduta do apelante, portanto, não configura ato ilícito que acar-retasse diretamente indenização por dano moral”. O relator também ressaltou que “é inegável que houvera a quebra abrupta nas expectativas da autora. No entanto, essa decepção, tristeza e sensação de vazio é fato da vida que se restringe à seara exclusiva da quadra moral e, portanto, não ingressa na ciência jurídica. Por isso, mesmo se reconhecendo certa perturbação na paz da apelada, tal não é indenizá-vel em moeda corrente”. Os Desembargadores Miguel Angelo Brandi Júnior e Luiz Antonio Silva Costa também participaram do julgamento, que foi unânime. (Conte-údo extraído do site do Tribunal de Justiça de São Paulo)

Juízo de Família tem competência para julgar ação de apuração de haveres

Juízos de Família e Sucessões podem processar e julgar ações envolvendo apuração de haveres (valor devido a um sócio que morre ou sai da empresa), pois o resultado poderá servir de base para futura partilha de bens. Foi o que decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao analisar o recurso de uma empresa de transportes rodoviários contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. O tema chegou ao STJ depois que o espólio do sócio majoritário ajuizou ação de apuração de haveres cobrando valores da empresa. Embora a companhia já fizesse depósitos mensais, os sucessores alegavam que um balanço feito antes da morte não revelou a real extensão do patrimônio. Eles também afirmaram que o balanço não foi aprovado

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pelo sócio, que, na época, se encontrava hospitalizado. Em primeira instância, a empresa foi condenada a pagar ao espólio o saldo devido dos haveres, corrigido monetariamente e acrescido de juros. A empresa recorreu da sentença, mas o TJSP negou o pedido por entender que os laudos apresentados pelas perícias de enge-nharia e de contabilidade estavam fundamentados e por considerar que o juízo do inventário era competente para a apuração, já que o “o resultado interessa à heran-ça”. A companhia de transportes foi então ao STJ, defendendo a incompetência do juízo de família para julgar o caso e alegando que a decisão contrariava cláusula expressa do contrato social. Para o relator, Ministro Villas Bôas Cueva, a distribui-ção da apuração de haveres ao juízo pelo qual se processou o inventário não ofende nenhuma norma. O ministro disse também que a empresa não se opôs à distribuição da ação no juízo de família. “Não há que se falar em incompetência (nem relativa, muito menos absoluta) do juízo de família e sucessões para o processamento da ação de apuração de haveres, tendo em vista que tal procedimento foi instaurado pelos herdeiros do falecido, que, por sua vez, era sócio da empresa ora recorrente”, escreveu o relator. “A insatisfação da recorrente no que tange ao resultado do con-junto probatório-pericial que lhe é desfavorável não se confunde com violação dos citados dispositivos legais nem implica cerceamento de sua defesa”, concluiu. O voto foi seguido por maioria de votos. REsp 1.438.576. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Testamenteiro deve receber prêmio mesmo que documento seja inválido

Mesmo que uma cláusula de testamento seja declarada ineficaz, e que isso tenha afetado a validade de todo o documento, o testamenteiro (que redige o documento) deverá receber o prêmio – percentual relativo ao patrimônio. Isso porque ele não pode ser penalizado pelo descumprimento das disposições fixadas pelo testador. Esse foi o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao manter de-cisão que garantiu a um testamenteiro o pagamento do prêmio, mesmo depois de o testamento, que foi elaborado apenas para que os bens imóveis fossem gravados com a cláusula de incomunicabilidade, ter perdido a sua finalidade. No caso, fir-mou-se um testamento público no qual o testador fez inserir, como disposição úni-ca, que todos os bens imóveis deixados aos seus filhos na herança fossem gravados com cláusula de incomunicabilidade. O objetivo era impedir que o bem recebido em doação, herança ou legado integre o patrimônio que irá se comunicar com o do cônjuge do herdeiro, mesmo que ele venha a se casar sob o regime de comunhão universal de bens. Com o fim do processo de inventário e já apresentado o plano de partilha estabelecido consensualmente, suscitou-se a discussão quanto ao cabimen-to ou não do prêmio que a lei atribui ao testamenteiro, uma vez que, com a vigência do Código Civil de 2002, foi introduzida no art. 1.848, como regra, a ineficácia às cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade ou incomunicabilidade sobre os bens da legítima (porção dos bens que deve ir, obrigatoriamente, para os herdeiros necessários), exceto se houver justa causa – o que não foi verificado no caso. Embo-

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ra o testamento tivesse sido lavrado em 1983 e o testador só tenha morrido em 2004 (após a vigência do novo Código Civil), o juízo de primeira instância entendeu que não havia justa causa para a inclusão da cláusula de incomunicabilidade. Assim, o testamento perdeu a finalidade, o que levou a inventariante e os herdeiros a peti-cionarem nos autos argumentando que o próprio testamento foi afetado como um todo, razão pela qual não se justificaria o pagamento do prêmio. No entanto, o juiz entendeu pelo pagamento do prêmio, fixando-o em 2% sobre o valor da herança líquida: “O não pagamento do prêmio só é possível quando da remoção do testa-menteiro ou quando o inventariante deixa de cumprir as disposições testamentárias. Essas circunstâncias não ocorreram na hipótese dos autos”. “Embora essa ineficácia, no caso, afete a todo o testamento, não há de se falar em afastamento do pagamen-to do prêmio ao testamenteiro, a pretexto de que a sua atuação no feito teria sido de pouca relevância, uma vez que o maior ou menor esforço no cumprimento das cláusulas testamentárias deve ser sopesado apenas como critério para a fixação da vintena, que poderá variar entre o mínimo de 1% e o máximo de 5% sobre a heran-ça líquida, mas não para ensejar a sua supressão”, afirmou o ministro. Os demais ministros da 3ª Turma seguiram o voto do relator e, por unanimidade, mantiveram o pagamento do prêmio ao testamenteiro. Recurso Especial nº 1.207.103/SP. (Con-teúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Sancionado texto que determina guarda compartilhada em separação litigiosa

A Presidente Dilma Rousseff sancionou, sem vetos, as mudanças no Código Civil (Lei nº 10.406/2002) que transformam a guarda compartilhada em regra no país. Com a publicação no Diário Oficial da União no dia 23/12, as alterações passam a valer definitivamente como lei. Com a sanção presidencial, a guarda comparti-lhada de filhos de pais divorciados fica assegurada mesmo sem acordo entre eles. Isso significa que o mecanismo que garante aos dois pais o tempo e as responsabi-lidades equivalentes será também aplicado nas separações conflituosas. A ideia é garantir uma divisão equilibrada do tempo de convivência com cada um dos pais, possibilitando a supervisão compartilhada dos interesses do filho. Ambos poderão participar, por exemplo, do ato que autoriza a viagem dos filhos para o exterior ou para a mudança permanente de município. Em caso de necessidade de medida cautelar que envolva guarda dos filhos, o texto dá preferência à audiência das partes perante o juiz. E é rigoroso com estabelecimentos, como escolas, que estarão sujei-tos a multas se negarem a dar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos. A lei estabelece duas situações em que a guarda compartilhada não será adotada: em caso de o juiz avaliar que um dos pais não esteja apto para cuidar do filho ou quando um deles manifeste desejo de não obter a guarda. (Conteúdo extraído do site da Agência Brasil)

Fechamento da Edição: 11�02�2015

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Resenha Legislativa

LEIS

lei nº 13.058, de 22.12.2014

Alterou os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o significado da expres-são “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação.

lei nº 13.046, de 01.12.2014

Alterou a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que “dispõe sobre o Esta-tuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências”, para obrigar entidades a terem, em seus quadros, pessoal capacitado para reconhecer e reportar maus-tratos de crianças e adolescentes.

Fechamento da Edição: 11�02�2015

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• AExecuçãodeAlimentosemFacedaReformaProcessualCivilnaExecução

Mariana Helena Cassol Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• GuardaeDireitodeVisita Sílvio Neves Baptista Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

A CriAnçA e o AdolesCente – direito desportivo

•Aspectos Jurídicos da Participação da Crian-ça e do Adolescente na Modalidade Esporti-va Futebol de Campo (Marcelo Jorge da LuzCosta).............................................................19

•Direito à Integridade Física, Mental e Moral da Criança: O Papel do Esporte (Jean E. B.Nicolau) ...........................................................9

Autor

JeAn e. B. niColAu

•Direito à Integridade Física, Mental e Moral da Criança: O Papel do Esporte ......................9

MArCelo Jorge dA luz CostA

•Aspectos Jurídicos da Participação da Crian-ça e do Adolescente na Modalidade Espor-tiva Futebol de Campo ...................................19

ESTUDOS JURÍDICOS

Assunto

A CriAnçA e o AdolesCente – direito desportivo

•Direito Desportivo Infanto-Juvenil: um Es-tudo de Direito Comparado entre Brasil e França (Angelo Luis de Souza Vargas, Aman-da Quélhas Ayres, Maëlle L. Seguin, Nata-lie Lassance Britto Longo e Rafael TerreiroFachada) ........................................................36

Autor

Angelo luis de souzA vArgAs

•Direito Desportivo Infanto-Juvenil: um Estudo de Direito Comparado entre Brasil e França ...36

AMAndA QuélhAs Ayres

•Direito Desportivo Infanto-Juvenil: um Estudo de Direito Comparado entre Brasil e França ...36

MAëlle l. seguin

•Direito Desportivo Infanto-Juvenil: um Estudo de Direito Comparado entre Brasil e França ...36

nAtAlie lAssAnCe Britto longo

•Direito Desportivo Infanto-Juvenil: um Estudo de Direito Comparado entre Brasil e França ...36

rAfAel terreiro fAChAdA

•Direito Desportivo Infanto-Juvenil: um Estudode Direito Comparado entre Brasil e França ...36

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

A CriAnçA e o AdolesCente – direito desportivo

•Civil e processual – Ação indenizatória – Fa-lecimento de menor atleta juvenil – Clube de futebol – Julgamento extra petita – Não configuração – Família de baixa renda – Pre-sunção de contribuição econômica – Pensão devida (STJ) .........................................7256, 47

EMENTÁRIO

A CriAnçA e o AdolesCente – direito desportivo

•Menor – atleta – responsabilidade civil – aci-dente ocorrido em período de folga – inde-nização – descabimento ......................7257, 54

•Menor – atleta de futebol – pensão por mor-te – família de baixa renda – pagamento de-vido .....................................................7258, 54

•Menor – atleta em formação – categorias debase – relação de trabalho ...................7259, 54

•Menor atleta – equipe de esportes – lesãograve – competição – ação monitória ..7260, 55

•Menor de idade – chute no olho – indeni-zação – torneio de futebol patrocinado pela Administração Pública .........................7261, 60

Índice Geral

DOUTRINA

Assunto

Adoção

•Parto Anônimo, Celeridade dos Processos de Adoção e Novo Código de Processo Ci-vil (Maria Isabel Rodrigues Ferraz e Ionete de Magalhães Souza) ...................................106

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244 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDF Nº 88 – Fev-Mar/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

AliMentos grAvídiCos

•Alimentos Gravídicos e a Lei nº 11.804/2008 (Douglas Phillips Freitas) ................................90

BeM de fAMíliA

•O Bem de Família Legal e Sua Interpretação pelo Superior Tribunal de Justiça (Sérgio Murilo Herrera Simões) ..................................86

dignidAde dA pessoA huMAnA

•A Defesa da Preferência às Pessoas com Trans-torno do Espectro de Autismo ante a Falta de Procedimento (Antonio Baptista Gonçalves) ......................................................................67

direito suCessório

•Relações Homoafetivas e o Direito Sucessó-rio no Caso do Casamento (Denise Schmitt Siqueira Garcia e Flávia das Neves) .............113

divórCio liMinAr

•Divórcio Liminar: Reflexões (Denise DamoComel) ...........................................................61

pAternidAde soCioAfetivA

•Reconhecimento Voluntário de Paternidade Socioafetiva (Leandro Lomeu) ........................82

Autor

Antonio BAptistA gonçAlves

•A Defesa da Preferência às Pessoas com Transtorno do Espectro de Autismo ante a Falta de Procedimento ...................................67

denise dAMo CoMel

•Divórcio Liminar: Reflexões ...........................61

denise sChMitt siQueirA gArCiA

•Relações Homoafetivas e o Direito Sucessó-rio no Caso do Casamento ..........................113

douglAs phillips freitAs

•Alimentos Gravídicos e a Lei nº 11.804/2008 ......................................................................90

fláviA dAs neves

•Relações Homoafetivas e o Direito Sucessó-rio no Caso do Casamento ..........................113

ionete de MAgAlhães souzA

•Parto Anônimo, Celeridade dos Processos de Adoção e Novo Código de Processo Civil ....................................................................106

leAndro loMeu

•Reconhecimento Voluntário de Paternidade Socioafetiva ..................................................82

MAriA isABel rodrigues ferrAz

•Parto Anônimo, Celeridade dos Processos de Adoção e Novo Código de Processo Civil ....................................................................106

sérgio Murilo herrerA siMões

•O Bem de Família Legal e Sua Interpretação pelo Superior Tribunal de Justiça ...................86

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

Ação AnulAtóriA e indenizAtóriA

•Ação anulatória e indenizatória. Cerceamen-to de defesa inocorrente. Imóvel. Doação sem encargo com instituição de usufruto vita-lício. Retratação possível. Carta de sentença não registrada. Alienação posterior registra-da. Validade. Jurisprudência. Apelo despro-vido (TJSP) .........................................7272, 198

Ação de oBrigAção de fAzer

•Processual civil – Ação de obrigação de fazer – Cassi – Manutenção de ex-cônjuge como beneficiário de plano de saúde – Acordo homologado em separação judicial – Con-fronto com disposição estatutária – Coisa julgada – Impossibilidade de imposição a terceiro – Improcedência do pedido – Sen-tença mantida (TJDFT) .......................7265, 154

Ação de retifiCAção de registro de CAsAMento

•Agravo inominado – Apelação cível – Ação de retificação de registro de casamento, a fim de voltar a usar o nome de solteira – Filhos maiores e capazes, nascidos antes do matri-mônio da genitora – Certidão de nascimento constando o nome de solteira da genitora – Autora que não comprovou o alegado cons-trangimento – Mãe e filhos atualmente têm o mesmo sobrenome e o nome adotado pela mulher com o casamento pode ser facilmente averbado no registro de nascimento da prole – Recurso desprovido (TJPR) ..............7269, 183

direito suCessório

•Recurso especial – Direito sucessório – Cláu-sula testamentária prevendo a incomunica-bilidade dos bens imóveis destinados aos herdeiros – Necessidade de aditamento do testamento para a indicação de justa cau-

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sa para a restrição que não foi observada pelo testador – Arts. 1.848 e 2.042 do CC – Ineficácia da disposição testamentária que afeta o testamento – Prêmio do testa-menteiro – Cabimento – Recurso especialimprovido (STJ) ..................................7263, 137

proCediMento de interdição

•Procedimento de interdição – Ministério público – Curador especial – Nomeação – Conflito de interesses – Ausência – Interesses do interditando – Garantia – Representação – Função institucional do Ministério Públi-co – Decisão singular do relator (CPC, art. 557) – Nulidade – Julgamento do colegia-do – Inexistência (STJ) ........................7262, 125

proCesso de inventário

•Agravo de instrumento – Processo de in-ventário – Direito das sucessões – Decisão interlocutória recorrida que submete à libe-ração de valores depositados em juízo ao trânsito em julgado do acórdão que reco-nheceu como indevido o fato gerador dos depósitos – Reforma imperativa – Efeitos da cautelar derruídos pela decisão colegiada – Liberação dos valores que configura mera consequência de decisão anterior deste ór-gão fracionário, atacada por recurso sem efeito suspensivo – Pretensão deferida – Re-clamo provido (TJSC) .........................7271, 189

reCurso espeCiAl

•Direito processual civil – Agravo regimen-tal nos embargos de declaração no recurso especial – Direito sucessório – Ação reivin-dicatória – Bem integrante de quinhão he-reditário cedido a terceiro – Legitimidade ativa – Teoria da asserção (STJ) ..........7264, 145

união estável

•Apelação – Direito civil – Família – Ação de reconhecimento e dissolução de união está-vel – Período – Partilha (TJRS) ............7270, 186

•Apelação cível – União estável c/c ação de-claratória de sociedade de fato, pos mortem – Terceira interessada – Comprovação de convivência marital – Legitimidade – Advo-gado suspenso – Nulidade relativa – Indução a erro de fato – Sentença cassada (TJGO) ..........................................................7266, 161

•Reconhecimento/dissolução de união estável – Direitos e efeitos – partilha – Direito garan-tido sobre os bens adquiridos pelo esforço comum na constância do relacionamento – Presunção afastada – Bens adquiridos por

sub-rogação a valores percebidos por heran-ça – Incomunicabilidade – Demonstraçãoausência – Recurso provido (TJMG) ...7267, 170

testAMento

•Apelação cível – Ação de abertura de testa-mento particular – (I) Assinatura falsificada atestada por perito grafotécnico – Vício ex-trínseco que macula a existência do testa-mento – (II) Litigância de má-fé – (II.a) Autora que alterou a verdade dos fatos para, com isso, alcançar objetivo ilegal consistente nos benefícios advindos dos efeitos patrimoniais decorrentes do testamento particular, cuja abertura requereu – (II.b) Assegurado o con-traditório – (II.c) Acumulação de multa e de indenização – Não configuração de bis in idem – Institutos com finalidades diversas – (II.d) Indenização – Prejuízos processuais configurados – Aferição do montante em liquidação por arbitramento – (II.e) Multa e indenização – Condenação ao pagamen-to, observados os parâmetros do art. 18, caput, e § 2º, do CPC – Recurso conhecido e não provido (TJPR) ..........................7268, 174

EMENTÁRIO

Assunto

Ação AnulAtóriA de trAnsferênCiA de CotAs

•Ação anulatória de transferência de cotas – alienação onerosa de bem móvel – des-necessidade de outorga uxória – simulação ..........................................................7273, 202

Adoção

•Adoção – ação cautelar de busca e apreen-são de criança – sistema cadastral – burla –medida protetiva de abrigamento .......7274, 202

•Adoção – casal homoafetivo – licença à gestante ou à adotante, com prorrogação legal (Decreto nº 6.690/2008) – impossibili-dade...................................................7275, 202

•Adoção – Estatuto da Criança e do Adoles-cente – cadastro de adotantes – regra abso-luta – inocorrência .............................7276, 202

AliMentos

•Alimentos – ação revisional de antecipação dos efeitos da tutela – prova inequívoca ine-xistente ..............................................7277, 203

•Alimentos – ex-cônjuges – exoneração . 7278, 207

•Alimentos gravídicos – liminar – concessão ..........................................................7279, 207

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•Alimentos – prisão civil – dívida – três últi-mas prestações anteriores à execução ..7280, 208

ArrolAMento

•Arrolamento – impossibilidade ante a dis-cordância dos sucessores – inventário – par-tilha equitativa entre os herdeiros – possi-bilidade..............................................7281, 208

BeM de fAMíliA

•Bem de família – ação anulatória – impe-nhorabilidade – coisa julgada – arrematação ..........................................................7282, 208

•Bem de família – arrematação – alegação de impenhorabilidade – extemporaneidade – desconstituição nos autos da execução – descabimento ....................................7283, 210

•Bem de família – execução de título extra-judicial – alegação de impenhorabilidade – inexistência de prova .........................7284, 210

•Bem de família – hipoteca – penhora ...7285, 211

CAsAMento

•Casamento – ação de retificação de regis-tro civil – procedência – profissão – provamaterial..............................................7286, 211

•Casamento – habilitação – atraso na entrega de correspondência – extravio ...........7287, 211

•Casamento – regime da comunhão parcial – partilha de bens – doação ..................7288, 212

CoMpetênCiA

•Competência – Vara da Infância e Juventude – ação civil pública – interesses individuais, difusos ou coletivos ..........................7289, 212

ConCuBinAto

•Concubinato – ação declaratória de reco-nhecimento de união estável post mortem – ausência de prova da publicidade e do animus de constituição de família – compa-nheiro casado ....................................7290, 213

Conflito positivo de CoMpetênCiA

•Conflito positivo de competência – ações co-nexas de guarda, de adoção e de tutela de menor – guarda exercida por terceiro – rela-ção de parentesco – ausência ............7291, 213

CurAtelA

•Curatela – interdição – nomeação de curadorespecial..............................................7292, 213

•Curatela – interdição civil – procedimentopróprio ...............................................7293, 214

divórCio

•Divórcio – alimentos – filho menor – binô-mio necessidade/possibilidade – partilha ..........................................................7294, 214

•Divórcio consensual – ação anulatória de partilha – alegação de erro .................7295, 217

•Divórcio – direto litigioso – autor cônjuge va-rão interditado – representação por curador ..........................................................7296, 217

•Divórcio – partilha – alimentos ..........7297, 217

doAção

•Doação – ação de revogação – suposta in-gratidão..............................................7298, 218

•Doação não consumada – promessa – so-brepartilha – bem imóvel – ausência de inte-resse dos beneficiários .......................7299, 218

guArdA CoMpArtilhAdA

•Guarda compartilhada – pedido formulado pelo genitor – impossibilidade – ausênciade cooperação ...................................7300, 220

interdição

•Interdição – curatela provisória – incapaci-dade para os atos da vida civil – não com-provação ............................................7301, 221

inventário

•Inventário – meeira – levantamento de valo-res – ingresso de novos herdeiros .......7302, 221

•Inventário – viúva que foi excluída – casa-mento pelo regime da separação obrigatória de bens ..............................................7303, 221

investigAção de pAternidAde

•Investigação de paternidade – anulação de registro de nascimento – litisconsórcio pas-sivo necessário entre o investigado e o pairegistral ..............................................7304, 221

•Investigação de paternidade – anulação e retificação de registro civil – alegada nulida-de processual .....................................7305, 223

•Investigação de paternidade – fixação de alimentos provisórios em favor do menor – possibilidade ......................................7306, 223

•Investigação de paternidade – petição deherança – liquidação de sentença ......7307, 223

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Menor

•Menor – criança abandonada pelos pais em hospital público – acolhimento institucional– nomeação de defensor público .......7308, 224

poder fAMiliAr

•Poder familiar – ação de destituição – aban-dono material, afetivo e moral – situaçãode risco ..............................................7309, 224

regiMe de CoMunhão universAl de Bens

•Regime de comunhão universal de bens – ação de sobrepartilha – imóvel – herança ..........................................................7310, 226

sentençA estrAngeirA

•Sentença estrangeira contestada – divórcio – citação por edital ............................7311, 226

sepArAção JudiCiAl

•Separação judicial – conversão em divórcio – redução dos alimentos ....................7312, 227

soCiedAde de fAto

•Sociedade de fato – ação de reconhecimen-to – construção de patrimônio em comum – inexistência de provas ........................7313, 227

suCessão

•Sucessão – administração da herança – plei-to para que reavalie os requisitos da ante-cipação de tutela ...............................7314, 228

•Sucessão – reconhecimento de união es-tável no bojo do inventário – possibilidade ..........................................................7315, 228

testAMento

•Testamento – registro posterior – trânsito em julgado da partilha – interesse do herdeiro ..........................................................7317, 229

•Testamento público – legítima – excesso – redução – validade ............................7316, 228

união estável

•União estável – alienação de bem imóvel adquirido na constância da união – neces-sidade de consentimento do companheiro ..........................................................7318, 229

•União estável – escritura pública de reconhe-cimento – alimentos – cláusula de dispen-sa prévia ............................................7319, 229

•União estável – partilha de bens – indisponi-bilidade dos imóveis ..........................7320, 230

•União estável – pensão por morte – requisi-tos legais – reexame de matéria fático-proba-tória ...................................................7321, 230

•União estável – reconhecimento e dissolu-ção – ausência dos requisitos .............7322, 230

•União estável – reconhecimento e dissolu-ção – relacionamento afetivo – existência –controversa ........................................7323, 231

•União estável – reconhecimento – relacio-namento amoroso provido de caráter more uxorio – requisitos legais – presença de coa-bitação ...............................................7234, 231

•União estável homoafetiva – pensão pormorte – requisitos ..............................7325, 232

CLIPPING JURÍDICO

•Corte europeia não reconhece parto domici-liar como direito de gestantes ..................... 236

•Descumprir medida protetiva não configura delito de desobediência .............................. 237

•Eutanásia volta a ser discutida na Corte Euro-peia de Direitos Humanos .......................... 237

•Juízo de Família tem competência para jul-gar ação de apuração de haveres ................ 238

•Sancionado texto que determina guarda com-partilhada em separação litigiosa ................ 240

•Testamenteiro deve receber prêmio mesmo que documento seja inválido ...................... 239

•Traição de noivo não dá direito a indeniza-ção por danos morais .................................. 238

•Usucapião urbana não pode ser impedi-da por lei municipal .................................... 236

RESENHA LEGISLATIVA

lei

•Lei nº 13.058, de 22.12.2014 ......................241

•Lei nº 13.046, de 01.12.2014 ......................241