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Revista SÍNTESE Direito Empresarial ANO VIII – Nº 42 – JAN/FEV 2015 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Herica Eduarda Geromel Vasques CONSELHO EDITORIAL Alberto Flores Rosa Alexandre Priess Anderson Vichinkeski Teixeira Antônio Janyr Dall’Agnol Junior Arnoldo Wald Cristiano Heineck Schmitt Daniel Ustárroz (Coordenador) Danilo de Araujo Éderson Garin Porto Eliane Maria Octaviano Martins Euclides Rosa Filho Fábio Ulhoa Coelho Francisco Xavier Amaral Giuseppe Vettori Gustavo Filipe Barbosa Garcia Ives Gandra Martins João Glicério de Oliveira Filho José Augusto Delgado José Tadeu Neves Xavier Marcos Catalan Raúl Cervini Ricardo Lobo Torres Ruy Rosado de Aguiar Júnior Sergio Gilberto Porto Vera Maria Jacob de Fradera COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Euclides Rosa Filho, Felipe Cunha de Almeida, Gabriela Wallau Rodrigues, José Tadeu Neves Xavier, Joseane de Souza Heineck, Karine Fior Moraes, Matheus Bisotto Pegorini ISSN 2236-5346 COMITÊ TÉCNICO Anderson Heineck Schmitt André Estevez José Paulo Dorneles Japur Nikolai Sosa Rebelo Rosilene Gomes da Silva Giacomin

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Revista SÍNTESEDireito Empresarial

Ano VIII – nº 42 – JAn/FeV 2015

ReposItóRIo AutoRIzAdo de JuRIspRudêncIATribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

dIRetoR executIVo

Elton José Donato

GeRente edItoRIAl e de consultoRIA

Eliane Beltramini

cooRdenAdoR edItoRIAl

Cristiano Basaglia

edItoRA

Herica Eduarda Geromel Vasques

conselho edItoRIAlAlberto Flores Rosa

Alexandre PriessAnderson Vichinkeski Teixeira

Antônio Janyr Dall’Agnol JuniorArnoldo Wald

Cristiano Heineck SchmittDaniel Ustárroz (Coordenador)

Danilo de AraujoÉderson Garin Porto

Eliane Maria Octaviano MartinsEuclides Rosa FilhoFábio Ulhoa Coelho

Francisco Xavier Amaral

Giuseppe VettoriGustavo Filipe Barbosa GarciaIves Gandra MartinsJoão Glicério de Oliveira FilhoJosé Augusto DelgadoJosé Tadeu Neves XavierMarcos CatalanRaúl CerviniRicardo Lobo TorresRuy Rosado de Aguiar JúniorSergio Gilberto PortoVera Maria Jacob de Fradera

colAboRAdoRes destA edIçãoEuclides Rosa Filho, Felipe Cunha de Almeida, Gabriela Wallau Rodrigues, José Tadeu Neves Xavier, Joseane de Souza Heineck, Karine Fior Moraes,

Matheus Bisotto Pegorini

ISSN 2236-5346

comItê técnIcoAnderson Heineck Schmitt

André EstevezJosé Paulo Dorneles Japur

Nikolai Sosa RebeloRosilene Gomes da Silva Giacomin

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos jurídicos e empresariais.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 4.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected].

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista SÍNTESE Direito Empresarial: Ano 8, nº 42, Jan./Fev. 2015. Nota: Continuação da Revista Jurídica Empresarial da Editora Notadez. Diretor: Elton José Donato

Bimestral: 1953-1962; trimestral: 1963-1965; irregular: 1966-1967; anual: 1968; trimestral: 1977; bimestral: 1982; mensal: 1988

ISSN 2236-5346

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

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Carta do Editor

“Sociedade Anônima” foi o assunto escolhido para ser tratado na edi-ção de nº 42 da Revista SÍNTESE Direito Empresarial.

A sociedade anônima terá o capital divido em ações, e a responsa-bilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. Elas podem ser de capital aberto ou capital fechado. É uma pessoa jurídica de direito privado, e será sempre de natu-reza eminentemente mercantil, qualquer que seja o seu objeto, conforme preconiza o art. 2º, § 1º, da Lei nº 6.404/1976. A constituição da sociedade anônima é diferente, conforme seja aberta ou fechada, sendo sucessiva ou pública para a primeira, e simultânea ou particular para a segunda. Para a sucessiva ou pública, a sua constituição obedece a fases, como elaboração de boletins de subscrição, que devem ser registrados na Comissão de Valo-res Mobiliários; oferta de subscrição das ações ao público; convocação de subscritores e realização da assembleia de constituição; remessa do estatuto e atas das assembleias para a Junta Comercial; e publicação da certidão do arquivamento no jornal oficial.

Para tratar do assunto, contamos com a colaboração das estudiosas em Direito, Dra. Karine Fior Moraes e Dra. Joseane de Souza Heineck.

Na Parte Geral da Revista SÍNTESE Direito Empresarial, publicamos importantes doutrinas sobre diversos temas do direito empresarial: a pri-meira, intitulada “O Estabelecimento Empresarial e a Responsabilidade do Adquirente e do Alienante no Trespasse”, de autoria do Dr. Matheus Bisotto Pegorini; a segunda, intitulada “Vulnerabilidade do Consumidor Pessoa Ju-rídica e a Teoria Finalista: Mitigação e o Finalismo Aprofundado na Visão da Doutrina e do STJ”, de Felipe Cunha de Almeida; a terceira, intitulada “A (Não) Sujeição da Ação de Despejo aos Efeitos da Recuperação Judicial: Comentários ao Acórdão no Conflito de Competência nº 123.116/SP da 2ª Seção do STJ”, de autoria da Dra. Gabriela Wallau Rodrigues; e a última, intitulada “Considerações sobre a Necessidade de Resgatar o Conceito de Capital Social: Análise da Crise (ou Redefinição) da Noção de Capital So-cial”, de autoria do Dr. José Tadeu Neves Xavier.

E, ainda, um ementário com Valor Agregado Editorial, criteriosamen-te selecionado e preparado para você, com comentários elaborados pela Equipe SÍNTESE.

Na Seção Especial, denominada “Acontece”, publicamos uma doutri-na sobre Compliance.

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E, por fim, publicamos a seção denominada “Clipping Jurídico”, em que oferecemos a você, leitor, textos concisos que destacam, de forma resu-mida, os principais acontecimentos do período, tais como notícias, projetos de lei, normas relevantes, entre outros.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

Eliane Beltramini

Gerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

Sociedade anônima

doutrina

1. Artigo 153 da Lei das S.A. – O Dever de Diligência dos Administradores Perante a CompanhiaKarine Fior Moraes .....................................................................................9

2. Responsabilidade Civil e Administrativa do Administrador de S.A., Seu Correlato Dever de Informar e a Regra do Business JudgmentJoseane de Souza Heineck .......................................................................23

JuriSprudência

1. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ....................................................53

2. Ementário de Jurisprudência .....................................................................70

Parte Geral

doutrinaS

1. O Estabelecimento Empresarial e a Responsabilidade do Adquirente e do Alienante no TrespasseMatheus Bisotto Pegorini ..........................................................................79

2. Vulnerabilidade do Consumidor Pessoa Jurídica e a Teoria Finalista: Mitigação e o Finalismo Aprofundado na Visão da Doutrina e do STJFelipe Cunha de Almeida .........................................................................90

3. A (Não) Sujeição da Ação de Despejo aos Efeitos da Recuperação Judicial: Comentários ao Acórdão no Conflito de Competência nº 123.116/SP da 2ª Seção do STJGabriela Wallau Rodrigues ....................................................................121

4. Considerações sobre a Necessidade de Resgatar o Conceito de Capital Social: Análise da Crise (ou Redefinição) da Noção de Capital SocialJosé Tadeu Neves Xavier ........................................................................130

JuriSprudência

Acórdão nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................168

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ementário

1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................175

Seção Especial

acontece

1. Por que Investir em ComplianceEuclides Rosa Filho ................................................................................206

Clipping Jurídico ..............................................................................................213

Bibliografia Complementar .................................................................................224

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................225

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação

do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-

bico”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Sociedade Anônima

Artigo 153 da Lei das S.A. – O Dever de Diligência dos Administradores Perante a Companhia

KARINE FIOR MORAESAdvogada atuante nas Áreas Cível e Societária, formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Especializada em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade IDC-RS, Cursando Especialização em Direito Empresarial com Ênfase na Advocacia Empresa-rial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS1.

RESUMO: O presente artigo versa sobre o dever de diligência dos administradores perante as compa-nhias, previsto no art. 153 da Lei nº 6.406/1976. Abrange questões como a origem do dever de dili-gência no direito societário brasileiro, as diferentes interpretações do standard de diligência, os deveres atrelados ao dever de diligência e as formas de verificação de violação desse dever de diligência.

PALAVRAS-CHAVE: Dever de diligência; administrador; obrigação de meio; violação; standard.

ABSTRACT: This article is about the duty of care of directors before the companies referred to in article 153 of Law nº 6.406/1976. It covers issues such as the origin of the duty of care in Brazilian corporate law, the different interpretations of the standard of care, the duties linked to the duty of care and ways to check for violation of that duty of care.

KEYWORDS: Duty of care; administrator; obligation of means; breach; standard.

SUMÁRIO: 1 Considerações iniciais; 2 O dever de diligência: Uma obrigação de meio do administra-dor; 3 Origens do dever de diligência no Direito Societário Brasileiro; 4 As diversas interpretações do standard de diligência que o administrador deve seguir; 5 Deveres adstritos ao dever de diligência; 6

A violação do dever de diligência; Conclusão; Referências.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Fundamentalmente, compete elucidar que o art. 1532 da Lei nº 6.404/1976 segue os moldes do art. 116, § 7º3, do Decreto-Lei 2.627/19404

1 E-mail para contato: [email protected] Brasil. Lei nº 6.404/1976, art. 153: “O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas

funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”.

3 Brasil. Decreto-Lei nº 2.627/1940, art. 116, § 7º: “Os diretores deverão empregar, no exercício de suas funções, tanto no interesse da emprêsa, como no do bem público, a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar, na administração de seus próprios negócios” [sic].

4 Antigo diploma legal que regulamentava as Sociedades por Ações, revogado, quase que em sua totalidade, pela Lei nº 6.404/1976.

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e traz em seu texto o dever de diligência como norma de conduta do admi-nistrador frente aos negócios da companhia.

O dever de diligência está diretamente relacionado com os deveres de proteção, de lealdade e cooperação; e de informação e esclarecimento anexos à boa-fé, posto que prevê, entre outras condutas, a necessidade de o administrador atuar visando à diminuição dos riscos do negócio, de ter conduta ilibada para a realização do negócio e de se informar quanto aos negócios que pratica, sempre no intuito de alcançar o melhor resultado pos-sível para a companhia, como se discorrerá a seguir.

Importa esclarecer, também, que o dever de diligência obriga o ad-ministrador apenas perante a companhia, e não perante os acionistas, pois diz com os atos que exerce ao praticar as suas funções de administração.

Por fim, corrobora o pensamento de Jean Carlos Dias5, ao dizer que “a clareza da lei, neste particular, é insofismável; o dever de diligência nada mais é que a obrigação de zelar na atividade administrativa pelos interesses da companhia”.

2 O DEVER DE DILIGÊNCIA: UMA OBRIGAÇÃO DE MEIO DO ADMINISTRADOR

Imperioso abordar, ademais, que o dever de diligência é considerado, majoritariamente pela doutrina, como uma obrigação de meio, isto é, o ad-ministrador tem o dever de agir com a melhor diligência para obtenção do melhor resultado possível para a companhia, não tendo, entretanto, obriga-ção de atingir resultado econômico positivo6.

Do mesmo modo, explica Marcelo Vieira Von Adamek7 sobre a obri-gação de meio dos administradores (ressalvando os casos de obrigações específicas em que serão estas de resultado, obviamente):

De regra, porém, o administrador obriga-se apenas a adotar o comportamen-to apropriado, com a diligência requerida, para a consecução de determina-do fim (no caso, os objetivos da companhia), mas não se obriga pela efetiva obtenção de resultado.

5 DIAS, Jean Carlos. Gestão das sociedades anônimas. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2008. p. 97.6 RIBEIRO, Renato Ventura. Dever de diligência dos administradores de sociedades. São Paulo: Quartier Latin,

2006. p. 211-215.7 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A (e ações correlatas).

São Paulo: Saraiva, 2009. p. 121.

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RDE Nº 42 – Jan-Fev/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA .............................................................................................................11

Nesse sentido, entendimento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em processo administrativo, cuja ementa segue colacionada8:

Ementa: Não convocação de Assembléia Geral Extraordinária da Telemar para tratar da compra da Oi. Absolvição.

O administrador de companhia aberta deve empregar no exercício de suas funções o cuidado e a diligência que todo homem probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. Dever de diligência, dever de agir no interesse da companhia e dever de lealdade. Advertência e absol-vição.

Celebração de negócio entre controladora e controlada, com administradores em comum. Violação ao dever de evitar conflito de interesses. Absolvição.

Divulgação genérica por meio de Fato Relevante sobre a operação de com-pra e venda da Oi. Informações mais detalhadas restritas ao conhecimento dos acionistas por meio de disponibilização de documentos em data room. Violação ao dever de informar. Absolvição.

Preço superior ao justo pago pela Telemar para aquisição da Oi, baseado em laudo de avaliação superestimado. Abuso do poder de controle. Absolvição. (sem grifo no original)

Há, ainda, nas decisões colegiadas da CVM, o voto proferido na Ata da Reunião do Colegiado nº 33, de 26 de agosto de 2008, registrado sob nº 5995/08, que traz considerações adicionais sobre a minuta de parecer de orientação dos deveres fiduciários dos administradores em processos de incorporação de controladas, com a seguinte disposição em seu texto:

Ao administrador é imposta uma obrigação de meio e não de fim, de modo que ele não se obriga pelo resultado de sua gestão quando esta for leal, dili-gente e regularmente exercida e o administrador somente será responsabili-zado quando atuar com desvio de conduta ou de forma desleal ou omitir-se no exercício de suas atividades.

8 Comissão de Valores Mobiliários. Sessão de julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº 25/03. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/port/inqueritos/2008/rordinario/inqueritos/03_25_25-03.asp>. Acesso em: 16 jul. 2013. Trata-se de processo administrativo em que se discutiu, entre outras questões, a responsabilidade dos administradores por possível conduta em desacordo com os deveres legais durante a operação de Compra da Oi, alegando falta de convocação para Assembleia Geral Extraordinária da Telemar, possível prática de Trading Information, omissão de dados contábeis, entre outros pontos falhos e obscuros na atuação dos administradores na referida operação, onde se salienta o seguinte trecho do voto do Relator: “Nesse sentido, observe-se que o poder conferido aos administradores para desenvolverem os negócios sociais é limitado, sendo que esse limite é determinado justamente pelo art. 154 que estabelece os critérios que irão nortear a atuação dos administradores, complementado pelo estatuto social da companhia. Destaque-se que o art. 154, assim como o art. 153, impõe ao administrador uma obrigação de meio e não de fim, de modo que ele não se obriga pelo resultado de sua gestão quando esta for leal, diligente e regularmente exercida e o administrador somente será responsabilizado quando atuar com desvio de conduta ou de forma desleal ou omitir-se no exercício de suas atividades” (sem grifo no original)

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Assim sendo, impende aclarar, suscintamente, o que se entende por obrigação de meio, segundo ensinamento de Adamek9, para melhor enten-der a questão da prova de descumprimento do dever por parte do adminis-trador:

No caso da obrigação de meio, o interessado precisa provar a completa omis-são do obrigado em adotar qualquer comportamento (= não geriu) ou, o que é mais comum suceder, provar que a conduta do obrigado não foi conforme o padrão ordinário de administrador diligente, de modo a assim caracterizar a culpa do administrador, e o correlato dever de reparar os danos que sejam decorrência direta e imediata de seu comportamento antijurídico.

Logo, para demonstrar irregularidade e descumprimento dos deveres de gestão de um administrador, não bastará a simples demonstração de vio-lação de obrigações específicas ou de prejuízos à companhia, e, sim, deverá o interessado em responsabilizar o administrador demonstrar o nexo de cau-salidade entre o dano causado à companhia e a conduta do responsável10.

3 ORIGENS DO DEVER DE DILIGÊNCIA NO DIREITO SOCIETÁRIO BRASILEIRO

O padrão adotado pelo Decreto-Lei nº 2.627/1940, anteriormente re-ferido, conforme lição de Adamek11, tem como essência a formação roma-nística do bonus pater famílias.

Nessa senda, também, Carvalhosa e Latorraca12 esclarecem que “o princípio é originário da tradicional figura romana do vir probus, do bonus pater familias”. Mas alertam que esse não é um paradigma fixo e rígido, “transformando-se com o passar dos tempos, dos costumes e das relações econômicas e políticas”.

Assim, Lamy Filho e Bulhões Pedreira13 sobre o projeto de lei e a exposição de motivos da Lei das S.A., no que tange aos deveres e às respon-sabilidades dos administradores:

As normas desses artigos são, em sua maior parte, meros desdobramentos e exemplificações do padrão de comportamento dos administradores definidos pela lei em vigor – o do homem ativo e probo na administração dos seus

9 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A (e ações correlatas). São Paulo: Saraiva, 2009. p. 134.

10 Idem, p. 134-135.11 Idem, p. 132.12 CARVALHOSA, Modesto; LATORRACA, Newton. Op. cit., p. 268.13 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S.A. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.

p. 243.

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próprios negócios (§ 7º do art. 116 do Decreto-Lei nº 2.627) e, em substân-cia, são as que vigoram, há muito tempo, nas legislações de outros povos; formuladas, como se encontram, tendo presente a realidade nacional, deve-rão orientar os administradores honestos, sem entorpecê-los na ação, com excessos utópicos. Servirão ainda para caracterizar e coibir abusos.

Inobstante está o entendimento de Renato Ventura Ribeiro14, que diz que o dever de diligência pode ser subdividido em dois tipos legais, quais sejam: “o dever de diligência do bom pai de família” e “o dever de diligên-cia de administrador profissional”.

Conforme explica Ventura Ribeiro15, o Direito justinianeu apurava a diligência do bonus pater familias levando em consideração os seguintes critérios:

a) o padrão de diligência exigido é absoluto: há ou não diligência; b) a con-duta visa não apenas o empenho, mas o resultado; c) para tanto, requer a presença da capacidade, conhecimento técnico e competência; d) a espe-cialização do agente é auferida m razão do tipo do negócio e da prestação devida; e) leva-se em consideração uma média do comportamento espera-do, de acordo com a qualificação notória, declarada ou esperada.

Além disso, vale ressaltar os ensinamentos de Tomazette16, quando fala que a legislação brasileira incorporou, igualmente, o duty of care17 do Direito norte-americano, que tem como escopo a ideia de que o adminis-trador “deve pautar sua conduta pela boa-fé, atuando com os cuidados que uma pessoa normalmente prudente tomaria em circunstâncias similares, de modo a atender da melhor maneira os interesses da companhia”.

Por derradeiro, cumpre mencionar que os doutrinadores, ao anali-sarem o tema, levam em consideração, também, outros padrões de com-portamento adotados pelas demais nações para auxiliar na caracterização do dever de diligência, que não serão exauridos aqui, mas entre os quais é possível citar: o da Itália, que, antes da reforma societária de 2003, tratava

14 Ribeiro, op. cit., p. 211/212.15 Idem.16 Tomazette, op. cit., p. 386.17 Sobre esse tema, diz Marcelo Vieira Von Adamek (op. cit., p. 135) que há a divisão em quatro deveres

derivados, quais sejam: “(i) duty to monitor (pelo qual se exige que o administrador fiscalize e supervisione os atos dos demais funcionários da empresa, por meio da adoção de mecanismos e sistemas de controle); (ii) duty to inquiry (pelo qual o administrador está obrigado a realizar as investigações apropriadas e razoáveis quando toma conhecimento de alguma denúncia); (iii) dever de cumprir a reasonable decision making process (a impor ao administrador que, antes de tomar uma decisão relevante, procure informar-se e aconselhar-se adequadamente); e, por fim, (iv) dever de assumir a reasonable decision (a sinalizar que, ao fim do processo consciente de decisão, esta seja ponderada e equitativa)”.

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como a diligência de um mandatário e, atualmente, como a diligência que a natureza de sua função e sua específica competência requerem (CC It., art. 2.392); o da Alemanha, que requer a diligência de um diretor ade-quado à colocação das grandes companhias na economia (AktG de 1965, §93); o de Portugal, com “a diligência de um gestor criterioso e ordenado” (CSC, art. 64º); o da Argentina, citando a lealdade e diligência de um bom homem de negócios (LSC, art. 59); entre diversas outras citadas na doutri-na brasileira18.

4 AS DIVERSAS INTERPRETAÇÕES DO STANDARD DE DILIGÊNCIA QUE O ADMINISTRADOR DEVE SEGUIR

Primeiramente, cabe lembrar que o dever geral de boa-fé contratual exige a máxima diligência para que ocorra o devido cumprimento do con-trato. Diligência esta que, no caso dos administradores, antigamente era entendida como aquela que deve ser a esperada do bom pai de família, apresentando este standard, por conseguinte, flexíveis interpretações, onde era necessária a análise do caso concreto pelo Judiciário para enquadra-mento da conduta do administrador19.

A grande maioria dos autores contemporâneos consideram a ideia do bom pai de família “padrão insuficiente, inadaptado e inadaptável”20. Isso porque, em nosso texto legal, no que tange à diligência a ser empregada pelo administrador da companhia, se verifica, como orientação de modelo, não aquela praticada pelo bom pai de família, mas sim aquela “diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”, pois, como ressalta Ventura Ribeiro21, “há a exigên-cia de conhecimentos específicos, estando implícita a ideia de capacidade, competência e especialização”.

Quanto a esse impasse na definição mais correta do standard a adotar para caracterizar dever de diligência ensina Ricardo Lupion22:

A dificuldade em dar uma definição a esse dever de diligência faz com que várias legislações recorram à figura do empresário para servir de padrão de

18 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A (e ações correlatas). São Paulo: Saraiva, 2009. p. 121-122.

19 Ribeiro, op. cit., p. 212/213.20 Idem, p. 214.21 Idem, p. 214.22 GARCIA, Ricardo Lupion. Boa-fé objetiva nos contratos empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 143.

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comparação com o administrador, sendo possível, então, afirmar que o ad-ministrador de uma sociedade deve adotar um agir profissional na condução dos negócios da empresa.

Dessa forma, se nota que as legislações atuais têm trazido um novo conceito, o chamado ordenado empresário (ou homem de negócios), onde o termo “ordenado” se refere à prudência do bom pai de família e o termo “empresário” diz com o seu caráter profissional, a sua especialização23.

Ainda, Lupion24, ao analisar os termos utilizados pelo legislador na redação do art. 153 da Lei das S.A., esclarece:

Embora o padrão de conduta seja o cuidado e a diligência de “todo homem” e não de um profissional, o emprego da expressão “seus próprios negócios” pode levar à ideia de que a atividade realizada pela empresa exige, daqueles que a ela se dedicam, cuidado e diligência de homem ativo, isto é, de uma pessoa sujeita à observância de padrões especiais de cuidado e diligência.

Já Adamek25 diz que a diligência sobre a qual dispõe o artigo de lei supracitado deve ser aquela “própria de um profissional”.

Fábio Ulhôa Coelho26 define o administrador diligente como “aquele que emprega na condução dos negócios sociais as cautelas, métodos, reco-mendações, postulados e diretivas da ‘ciência’ da administração de empre-sas”.

Nesse sentido, também, a jurisprudência, em decisão do Tribunal Re-gional do Trabalho de São Paulo:

EMENTA: RESPONSABILIDADE – ADMINISTRADOR DE SOCIEDADE – DE-VER DE DILIGÊNCIA – BOA-FÉ – Dispõe o art. 153 da Lei nº 6.404/1976 que o administrador da companhia deve, no exercício de suas funções, atentar ao “cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”, sendo certo que segundo Fabio Ulhoa Coelho, “os deveres de diligência e lealdade, prescritos aos adminis-tradores de sociedade anônima, embora referidos na LSA (arts. 153 e 155) podem ser vistos como preceitos gerais, aplicáveis a qualquer pessoa incum-bida de administrar bens ou interesses alheios” (Curso de direito comercial,

23 Idem, p. 215.24 GARCIA, Ricardo Lupion. Boa-fé objetiva nos contratos empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 144-145.25 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A (e ações correlatas).

São Paulo: Saraiva, 2009. p. 125-126.26 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial. 13. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2009. p. 252.

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v. II, p. 440, 5. ed., 2002, Saraiva). No mesmo sentido, dispõe o art. 1.011 do Código Civil, pelo qual “o administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”. Ensi-na Fabio Ulhoa Coelho que “o administrador diligente é aquele que emprega na condução dos negócios sociais as cautelas, métodos e recomendações, postulados e diretivas da ‘ciência’ da administração e empresas” e conclui o autor que “em outros termos, tem o dever de empregar certas técnicas – aceitas como adequadas pela ‘ciência da administração’ – na condução dos negócios sociais, tendo em vista a realização dos fins da empresa” (op. cit., p. 244). A expressão “fins da empresa” deve ser interpretada em consonância com os arts. 1º, incisos III e IV, e 173, caput, da Constituição Federal. Assim, não basta à empresa a busca pelos lucros, devendo exercer também sua fun-ção social, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com o objetivo de “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Dessarte, o descumprimento pela empresa da legislação trabalhista torna latente a incúria do administrador, que não se pautou pelos deveres de probidade e diligência ínsitos à sua função, e, nos termos do art. 1.016 do Código Civil, deve responder pelos débitos desta natureza de-vidos aos trabalhadores.27 (sem grifo no original)

Destarte, ao analisar o dever de diligência do art. 153 da Lei das S.A., em cada caso específico, deverá ser avaliada a correta ação de acordo com o standard majoritariamente adotado, qual seja, o de administrador com um agir profissional dentro dos padrões de probidade cabida para a melhor condução dos negócios da companhia que lhe cabe administrar.

27 Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (2ª Região), Agravo de Petição nº 20080120657, 12ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), Relª Vânia Paranhos, Julgado em 21 de fevereiro de 2008. Disponível em: <http://www.trt02.gov.br/Geral/Consulta/Jurisprudencia/Ementas/020080120657.html>. Acesso em: 22 jul. 2013. Cumpre citar trecho essencial do voto do relator deste processo (em que o gerente da sociedade se diz parte ilegítima para responder à execução que está sofrendo e que alega a insubsistência da penhora de seu bem imóvel) que aborda de forma explícita o dever do administrador de agir com diligência: “O administrador de qualquer sociedade deve, no desempenho de suas funções, observar três principais deveres, quais sejam: diligência, lealdade e informação e prestação de contas. [...] Exige-se, portanto, que o administrador se paute pela probidade, ‘incluindo boa-fé e diligência, máximas encontradas há muito no direito romano’ (Manual de direito comercial e de empresa, p. 323, v. I, 4. ed., 2005, Saraiva). A expressão ‘boa-fé’ tem sua origem etimológica na palavra latina fides. Segundo Plínio Lacerda Martins, ‘fides significa o hábito de firmeza e de coerência de quem sabe honrar os compromissos assumidos, significa, mais além do compromisso expresso, a fidelidade e coerência no cumprimento da expectativa alheia independentemente da palavra que haja sido dada, ou do acordo que tenha sido concluído, acordo entre homens honrados – compromisso expresso ou implícito de fidelidade e cooperação nas relações contratuais’ (O abuso nas relações de consumo e o princípio da boa-fé, p. 154, 2002, Forense)” (sem grifo no original)

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5 DEVERES ADSTRITOS AO DEVER DE DILIGÊNCIA

Ao tratar dos deveres adstritos ao dever de diligência, Adamek28 lem-bra que, tal qual o dever de lealdade, o de diligência é dever nuclear e, por-tanto, deles irradiam todos os demais previstos na legislação das sociedades por ações de forma expressa.

Corroborando com esse entendimento, Ventura Ribeiro29 traz em seus estudos uma relação de condutas, a seguir arroladas, contidas no dever de diligência, para apuração em cada caso concreto.

Com relação ao dever de informar-se e qualificar-se, a legislação não exige que o administrador seja habilitado profissionalmente para o exercício do cargo, apenas que tenha capacidade para exercê-lo. Vale dizer, não há necessidade de conhecer o negócio, nem de ter conhecimentos gerais sobre a companhia; é suficiente que tenha apenas disponibilidade e capacidade para adquirir estes conhecimentos.

Uma vez aceito o cargo de administrador, este deverá adquirir co-nhecimentos para desempenhar a sua função com diligência. Nesse dever estão contidas as obrigações do administrador de informar-se, preparar-se e qualificar-se.

O administrador tem, a partir do momento que assume o cargo, entre outras obrigações, as descritas supra, e, em virtude delas, no caso de apu-ração de responsabilidade por descumprimento do dever de diligência, não poderá alegar insuficiência de conhecimentos.

Quanto ao dever de participar, tem o administrador o dever de parti-cipar de todos os atos em que a sua presença é necessária, podendo a sua ausência injustificada, em determinados casos, ser motivo de responsabili-zação.

Sobre o dever de vigiar, diz-se que ao administrador compete o dever de vigilância na supervisão e fiscalização dos assuntos que lhe competem, incluindo os atos com delegação de poderes, de seus subordinados, de pro-curadores, de sociedades controladas, etc.

28 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A (e ações correlatas). São Paulo: Saraiva, 2009. p. 136.

29 As citações e considerações a seguir têm por base os ensinamentos de Renato Ventura Ribeiro (op. cit., p. 222-231).

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Já o dever de buscar informações estabelece que, para a tomada de decisões, é necessário que o administrador tenha conhecimento tanto da parte legal quanto da parte negocial.

Por esse motivo, o administrador tem direito de acesso aos documen-tos e às informações da sociedade e de seu pessoal, bem como de pareceres técnicos que possam lhe auxiliar.

Ocorre que, apesar de confiar nas informações que obtém junto aos demais funcionários da companhia, o administrador deve ser sempre apre-ensivo, agindo com diligência.

Deve o administrador acessar todas as informações necessárias para tomar a sua decisão visando à obtenção do melhor resultado possível para a companhia, visto que, dessa forma, estará cumprindo a sua obrigação de meio, ainda que o resultado alcançado não seja o desejado.

O dever de investigar se relaciona com os deveres de informação e vigilância, tendo por escopo o dever do administrador de verificar se as informações que recebe são “confiáveis, suficientes e corretas, sempre com análise crítica”.

Em virtude de seu poder discricionário, o administrador pode decidir sobre a conveniência das informações a serem investigadas, considerando custos, tempo e possíveis transtornos, devendo sempre buscar uma atuação diligente.

Quanto ao dever de intervir, caberá ao administrador garantir o poder de intervir em assuntos de sua competência, quando pretende “prevenir, eliminar ou reduzir atos prejudiciais e consequências danosas”.

Há, ainda, o dever de não praticar erros graves, para o qual legal-mente não há previsão expressa. Todavia, o erro grave caracteriza conduta culpável do administrador, ocasionando violação do dever de diligência.

Vale transcrever o que se entende por erro grave, nas palavras de Ventura Ribeiro30:

Por erro grave de gestão, deve-se entender decisões ou omissões inoportunas ou com risco desproporcional e contrárias à lei, estatuto ou ao interesse so-cial, como a conivência ou omissão com atos ilícitos de outros administrado-res (Lei nº 6.404/1976, art. 158, §§ 1º e 4º), inclusive os anteriores.

30 Ribeiro, op. cit., p. 230.

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Ressalta-se, também, que o mesmo autor31 refere que são considera-dos erros relevantes, entre outros, “a prática de operações especulativas e arriscadas, com risco elevado ou desproporcional ao benefício esperado, bem como aquelas com falta de garantias ou que impliquem endividamento excessivo para a sociedade”.

Como se percebe, o dever de diligência está contido no núcleo de cada um dos deveres a ele correlatos supramencionados, impondo, por-tanto, a observância, por parte do administrador, de todo o conjunto de premissas durante a prática de seus atos perante a companhia.

Em suma, observa bem Adamek32, ao declarar que, “na realidade, o dever de diligência funciona como verdadeiro cânone balizador de todos os demais”. E complementa, dizendo: “Antônio Menezes Cordeiro lucida-mente observa que ‘o preceito é fundamental, sendo que dele decorre, no essencial, todo o resto’”.

6 A VIOLAÇÃO DO DEVER DE DILIGÊNCIA

Conforme explica Ventura Ribeiro33, a apuração de violação ou não do dever de diligência se dá com base em dois critérios: subjetivo e objetivo.

O critério subjetivo serve para apurar a culpabilidade da conduta do agente, se dolosa ou culposa. Já o critério objetivo destina-se a verificar a observância das leis, dos estatutos e contratos sociais, da boa-fé e dos de-mais contratos e dos usos e costumes empresariais34.

Para responsabilização pelo descumprimento do dever de diligência, deve ser apurado o caso concreto, como ensina Ventura Ribeiro35, levando em conta, no caso dos administradores, entre outros, os seguintes aspectos:

A sociedade (seu tipo, objeto social, porte, estrutura, condições financeiras, setor de atividades e suas práticas costumeiras), a importância dos atos e operações praticados, a natureza da obrigação do administrador, seu profis-sionalismo e sua função, o lugar, momento e as circunstâncias da decisão, como o tempo do qual o gestor dispunha para decidir, bem como a outras particularidades e padrões de cada situação.

31 Idem, p. 231.32 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A (e ações correlatas).

São Paulo: Saraiva, 2009. p. 136.33 Ribeiro, op. cit., p. 218.34 Idem.35 Idem, p. 219-220.

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Por isso, diz Adamek36, ao analisar o administrador como profissional que é, ao auferir a sua conduta para definir se está adequada ao standard de diligência usual, deve se verificar cada caso especificamente, levando em conta fatores como:

(i) o tipo de atividade exercida pela companhia, bem como a sua dimensão e importância; (ii) os recursos disponíveis aos administradores; (iii) o momento e as circunstâncias que envolveram a tomada de decisão; e (iv) todas as de-mais particularidades, inclusive as qualidades individuais de administrador que serviram de base para sua nomeação.

Outra questão a ser observada é a consignação nas atas de Assem-bleia, por parte do administrador, de questões com as quais discorde, por considerar que não condizem com o melhor interesse da companhia. Diz Adamek37 a esse respeito:

Os administradores não estão obrigados a cumprir todas as deliberações da assembléia geral. Antes, pelo contrário, podem e devem recusar-se a cumprir deliberações assembleares usurpadoras de competência privativa da admi-nistração e violadoras da lei ou do estatuto, e de cujo cumprimento pode resultar a responsabilidade civil dos administradores.

É válido mencionar, outrossim, que a negligência por atos de subor-dinados submetidos à sua supervisão também é causa de responsabilização. Para que não seja responsabilizado, deve o administrador demonstrar que o subordinado ocultou os atos fraudulentos de seu conhecimento. Caso isso não se comprove, será o administrador responsável pela reparação do dano à companhia, por se caracterizar a sua negligência culposa38.

Portanto, essa verificação casuística servirá para auxiliar em futura responsabilização civil e criminal dos administradores, adotando todos os preceitos já mencionados para tanto, como as provas de nexo de causalida-de com a conduta do administrador e os possíveis desvios de padrões que ocasionaram danos à companhia.

CONCLUSÃO

Ao analisar a conduta dos administradores, tendo por base o regra-mento do art. 153 da Lei das S.A., é necessária uma interpretação cautelosa

36 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A (e ações correlatas). São Paulo: Saraiva, 2009. p. 139.

37 Idem, p. 125-126.38 CARVALHOSA, Modesto; LATORRACA, Newton. Op. cit., p. 269.

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do standard de diligência, onde o administrador deve ser visto como o pro-fissional ativo e probo, que age buscando alcançar o melhor resultado para aquela companhia que administra.

Entretanto, não se pode olvidar que, embora o resultado almejado para a companhia deva ser o mais benéfico, não basta a simples comprova-ção de um prejuízo para que se ateste a violação do dever de diligência do administrador, posto que, nesse aspecto do agir diligente, o administrador tem obrigação de meio para com a companhia, como já explicado anterior-mente, e, por isso, a sua conduta deve ser analisada caso a caso.

Ao final, então, é possível, então, compreender a necessidade de ana-lisar, também, se ocorreu a observância, pelo administrador, de todos os demais deveres conexos ao dever de diligência e, ainda, se há a prova ne-cessária de nexo causal entre o resultado indesejado aos negócios da com-panhia e a conduta do administrador – de violação do dever de diligência –, para que venha a ser possível a sua responsabilização.

REFERÊNCIAS

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______. Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (2ª Região), Agravo de Peti-ção nº 20080120657, 12ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), Relatora Vânia Paranhos, Julgado em 21 de fevereiro de 2008. Disponível em: <www.trt02.gov.br/Geral/Consulta/Jurisprudencia/Emen-tas/020080120657.html>. Acesso em: 22 jul. 2013.

CARVALHOSA, Modesto; LATORRACA, Newton. Comentários à lei de socieda-des anônimas: Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com as modificações das Leis nº 9.457, de 5 de maio de 1997, e nº 10.303, de 31 de outubro de 2001. Artigos 138 a 205. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2003.

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Assunto Especial – Doutrina

Sociedade Anônima

Responsabilidade Civil e Administrativa do Administrador de S.A., Seu Correlato Dever de Informar e a Regra do Business Judgment

JOSEANE DE SOUZA HEINECKAdvogada atuante na Área de Direito Empresarial: Consultivo e Contencioso, Especialista em Business Law pela FGV-RJ em 2010, Formada pela Escola da Ajuris em 2005.

RESUMO: A presente pesquisa propõe-se a estudar a responsabilidade do administrador de socie-dade anônima de capital aberto, com enfoque prático concernente ao dever de informar. Iniciar-se-á pela esfera administrativa, com o estudo das garantias alcançadas aos acusados em processo admi-nistrativo sancionador instaurado pela Comissão de Valores Mobiliários, bem como a sanção a eles imposta. No âmbito judicial, será analisada a responsabilidade civil do administrador, a ocorrência da conduta culposa, do dano e nexo de causalidade, a questão do ônus da prova e determinar-se-á quando a responsabilidade é individual ou coletiva. Para finalizar o exame, abordar-se-á a regra do business judgment como meio de proteção do administrador que age informado, com boa-fé e visan-do aos interesses da companhia.

ABSTRACT: The present research aims to discuss the responsibility of administrators of public companies taking a pragmatic perspective concerning the obligation to inform or disclosure. The paper will begin with the analysis of the administrative guarantees granted to the individuals charged by the Securities Exchange Commission, as well as the sanctions imposed in such procedures. In the judicial arena we will analyze the civil liability of administrators, the negligent acts, damages, causation, the burden of proof and personal or collective responsibility cases. Finally, we will proceed to consider the business judgment rule as means to protect the administrator who acts well informed, in good faith and protecting the interest of the company.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Responsabilidade administrativa do administrador. Processo administrativo sancionador da Comissão de Valores Mobiliários – CVM; 1.1 Processo administrativo sancionador (PAS) e sanção administrativa; 1.2 Princípios norteadores do PAS instaurados pela CVM; 1.3 Pro-cedimentos de maior importância instituídos pela Lei nº 9.784/1999; 1.4 Breves noções: dever de informar e fato relevante; 1.5 Interpretação da CVM acerca do dever de informar: análise do PAS CVM nº RJ2008/11199; 2 Responsabilidade civil do administrador relacionada ao dever de infor-mar; 2.1 Fundamento da responsabilidade dos administradores; 2.2 Responsabilidade civil aquiliana; 2.2.1 Responsabilidade subjetiva – Artigo 158 da Lei nº 6.404/1976; 2.3 O dever de informar do ad-ministrador em confronto com o dever de sigilo e a responsabilidade civil concernente; 3 A regra do business judgment: artigo 159, § 6º, da Lei nº 6.404/1976; 3.1 Breve noção conceitual; 3.2 Elementos da regra do business judgment; 3.3 Utilização da regra como meio de exclusão da responsabilidade do administrador; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta-se com o objetivo de estudar a res-ponsabilidade civil e administrativa dos administradores de companhias abertas, abordando, de forma objetiva e concisa, os aspectos do processo administrativo sancionador, a espécie de responsabilidade civil e os requisi-tos necessários à caracterização da responsabilidade de seus Diretores e do Conselho de Administração ao serem provocados a decidir sobre a divulga-ção de informações.

Assim sendo, o presente estudo ficará restrito à abordagem do dever de informar imposto aos administradores de companhia aberta, previsto no art. 157, § 4º, da Lei nº 6.404/1976, sob três principais enfoques: adminis-trativo, civil e societário.

A partir do dispositivo legal mencionado, extrai-se que incumbe ao administrador informar fato relevante ocorrido em seus negócios, capazes de influenciar na decisão dos investidores, de comprar ou vender valores mobiliários. Ocorre que, conforme se pretende demonstrar, em alguns mo-mentos o administrador está em tão delicada situação que o dever de infor-mar deve ser sopesado com o dever de sigilo como forma de atender aos deveres fiduciários.

Nessa linha, fundamentado em uma situação em concreto, abordar--se-á o entendimento da Comissão de Valores Mobiliários acerca do dever de informar, uma vez que é a responsável pela fiscalização das companhias abertas e para instaurar processo administrativo sancionador, ante a infra-ção às normas vigentes.

A responsabilidade do administrador, porém, não se esvai na esfera administrativa, podendo ocorrer condenação civil, amparada no dever de indenizar, desde que comprovada culpa, o dano e o nexo de causalidade pelo autor da ação.

Conforme será demonstrado, a regra é a presunção de conduta ho-nesta e de boa-fé em favor do administrador, e a exceção será a inversão do ônus da prova, momento em que ele deverá demonstrar que a decisão atendeu aos interesses da companhia.

Ao encontro desse entendimento, a jurisprudência norte-americana fez nascer o business judgment rule, como forma de preservar os adminis-tradores da responsabilidade civil decorrente de suas decisões, preservando o seu patrimônio, quando os elementos da regra estivessem presentes.

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Por fim, para finalizar o estudo, defender-se-á a aplicabilidade da re-gra do business judgment, tanto na esfera civil, quanto na administrativa, como forma de demonstrar que as decisões tomadas por administradores admitem um determinado risco inerente ao mundo dos negócios, sob pena de, muitas vezes, deixarem de ser concretizados.

1 RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA DO ADMINISTRADOR. PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS – CVM

1.1 Processo administrativo sancionador (Pas) e sanção administrativa

Antes de abordar o conceito de direito administrativo sancionador, é preciso conceituar o que vem a ser sanção administrativa.

A citada sanção consiste em uma punição outorgada pela Adminis-tração Pública, Poder Judiciário ou por corporações de direito público a um administrado, jurisdicionado ou agente público, sendo consequência da infração a uma ordem que proíbe a conduta praticada, com a finalidade de reprimir ou disciplinar1. Salienta-se que Fábio Medina Osório defende a possibilidade de autoridades judiciárias aplicarem sanções administrativas, uma vez que esta “não se define estruturalmente em razão da autoridade que a aplica, mas do ramo jurídico a que pertence”2.

Partindo desse conceito, é possível afirmar que o PAS consiste em um procedimento utilizado pelos órgãos da Administração Pública, com a finalidade de infligir penalidades expressamente previstas em lei.

No caso em estudo, a autoridade administrativa encarregada da fisca-lização do mercado de capitais e das companhias abertas com competência para processar, julgar e aplicar penas, quando constatada qualquer infração à Lei nº 6.385/1976, é a Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

Não se olvide que, ao processar e julgar os processos de sua com-petência, exercendo o poder de polícia que lhe foi outorgado, a citada au-tarquia deverá atender àquilo que a Constituição Federal, em seu art. 5º, LIV, LV e LXXVIII3, assegura aos jurisdicionados, que são as garantias do

1 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 104.

2 OSÓRIO, Fábio Medina. Op. cit., p. 257.3 “Art. 5º [...] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV – aos

litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e

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devido processo legal, contraditório, ampla defesa e a razoável duração do processo.

1.2 PrincíPios norteadores do Pas instaurados Pela cvm

A tais processos instaurados pela referida autarquia é assegurado o contraditório e a ampla defesa, conforme já afirmado, bem como “as prer-rogativas materiais e processuais asseguradas aos réus nos processos de natureza penal, ainda que não tenham sido objeto de disposição legal ou constitucional expressa”4.

Dessarte, são aplicáveis ao processo administrativo, além dos princí-pios a que Administração Pública está obrigada a obedecer, estabelecidos pelo art. 2º da Lei nº 9.784/19995, os princípios da legalidade, irretroativi-dade, tipicidade, culpabilidade e proporcionalidade, relacionados à esfe-ra do direito material. Estão também garantidos os princípios relacionados ao processo penal, quais sejam: princípios da presunção de inocência, da proibição de nova condenação sobre o mesmo fato (non bis in idem), pres-critibilidade da sanção administrativa, legalidade do procedimento e recor-ribilidade das decisões.

Nessa esteira, faz-se necessária uma breve incursão conceitual nos referidos princípios, a começar pela legalidade. O princípio está insculpido no art. 5º, XXXIX6, da Constituição Federal e garante a todos os administra-dos que não há crime nem pena sem lei anterior que os defina. Em seu viés administrativo, abrange o respeito e a obediência às normas constitucionais, relacionadas à legalidade dos tipos sancionadores.

O que diferencia a legalidade na esfera administrativa da penal é que, na primeira, não existe a reserva de lei federal, o que equivale a dizer que Municípios, Estados e União podem legislar em matéria de sanção adminis-trativa, tendo competência para criar e regrar os procedimentos e processos administrativos7.

administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

4 CARVALHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson. A nova lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 497.

5 “Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.”

6 “Art. 5º [...] XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; [...]”7 OSÓRIO, Fábio Medina. Op. cit., p. 258.

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Convém ressaltar que as competências outorgadas pela Constituição Federal a cada um dos entes federados é absoluta, não podendo um ente intervir nos domínios específicos do outro. No caso do presente estudo, a competência para criar e regrar as sanções administrativas às sociedades anônimas e a todos que atuam no mercado de capitais é da União, cabendo à CVM a fiscalização.

Em virtude de o pressuposto da sanção ser a tipicidade da conduta, o princípio da tipicidade, enquanto desdobramento da garantia da legalidade, garante a certeza e previsibilidade no conteúdo descritivo da norma. Sendo assim, não basta que a lei classifique determinado ato como ilícito, sendo indispensável a precisa caracterização dele como proibido.

Não é demais ressaltar que o acusado, ao responder a um processo administrativo sancionador, tem o direito de saber qual o ilícito que come-teu e qual o tipo sancionador que prevê o ilícito, para promover sua defesa. Ainda que as provas dos autos levem à conclusão de que se trata de outro tipo, não poderá haver condenação, sob pena de nulidade.

De outra parte, necessário registrar que procedimento deve ser legal. Como o presente estudo é voltado para os PAS instaurados pela CVM, im-portante que se esclareça que o procedimento está devidamente regulamen-tado pela Resolução nº 454/1977, alterada pela nº 2.785/2000, que regu-lamenta o processo administrativo ordinário, e a Resolução nº 1.657/1989, que disciplina o processo de rito sumário.

Ainda, é preciso frisar que a Lei nº 9.784/1999 introduziu a regula-mentação dos procedimentos e estabeleceu um rol de direito e obrigações ao administrado e à Administração, primando por assegurar o contraditório e o devido processo legal.

Uma vez descrita a tipicidade da conduta, seu alcance não retroagirá, salvo para beneficiar o acusado. Essa garantia é outorgada pelo princípio da irretroatividade, previsto no art. 5º, XL8, da Constituição Federal, que decorre dos princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica, de-monstrando que o sistema não deve ser interpretado de modo a sancionar condutas que, no passado, eram consideradas lícitas ou não proibidas pela ordem jurídica.

Complementando, é possível afirmar que a norma mais favorável ou a interpretação mais benéfica adotada retroagirá para beneficiar o acusado.

8 “Art. 5º [...] XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; [...]”

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Instaurado processo administrativo sancionador, deverá ficar demons-trado, além da infração à norma, a existência de culpa ou dolo por parte do agente, corolário lógico do princípio da culpabilidade. Assim,

em outras palavras, a aplicação de sanção administrativa pela CVM pres-supõe a caracterização perfeita e fundamentada do elemento intencional, ou seja, da “culpa própria, concreta e individual de cada indiciado”, con-forme já decidiu a própria CVM no julgamento do Inquérito Administrativo nº 23/1988.9

Verificada a tipicidade da conduta e apurada a culpabilidade, há de se observar a proporcionalidade da sanção. O princípio da proporcionalida-de estabelece que as autoridades estatais não devem empregar meios mais severos do que aqueles necessários para atingir os objetivos almejados pela norma sancionatória. Esse princípio exige análise do bem jurídico ofendido e a sanção prevista para tal conduta.

Nas palavras de Humberto Ávila, o postulado da proporcionalidade

se aplica apenas a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre os meio disponíveis e igual-mente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvan-tagens provocadas pela adoção do meio?)10

Correto afirmar que o referido princípio delimita os deveres dos admi-nistrados e jurisdicionados e vincula o Estado na compreensão das condutas não permitidas, para definir o âmbito de alcance dos tipos que irão reprimi--las e a sua concreta aplicação.

Aplicada a sanção, ainda é assegurado o direito à revisão da decisão proferida, como garantia da vigência do princípio da ampla defesa. Tal ga-rantia é alcançada a todos os administrados que sofrerem processo admi-nistrativo sancionador instaurado pela CVM, sendo oportunizado o recurso para o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, conforme previsão do art. 11, § 4º, da Lei nº 6.385/197611.

9 CARVALHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson. Op. cit., p. 500.10 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. rev.

São Paulo: Malheiros, 2004. p. 112-113.11 “Art. 11. [...] § 4º As penalidades somente serão impostas com observância do procedimento previsto no § 2º

do art. 9º desta lei, cabendo recurso para o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.”

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Outra importante garantia alcançada ao administrado é a vedação da dupla penalidade, proibição insculpida no princípio do non bis in idem, que está intimamente relacionado às garantias da legalidade, proporcionali-dade e devido processo legal.

Ressalte-se que o administrado será considerado inocente, até que seja demonstrada a sua culpabilidade, garantia prevista no art. 5º, LVII12, da Constituição Federal. Nos PAS que tramitam na CVM, é dela o ônus de provar os fatos caracterizadores do ilícito, bem como a responsabilidade do suposto infrator, que somente terá o ônus da prova contra si, quando alegar algumas das causas excludentes de ilicitude, antijuridicidade ou tipicidade.

Não se pode deixar de mencionar que existem documentos produzi-dos pelo Poder Público que podem dar origem a uma sanção, sobre os quais recai a presunção de legitimidade que não é absoluta ou intocável, porém a contraprova é ônus do acusado. Também existe a possibilidade de apli-cabilidade de sanções baseadas em provas indiciárias, que “devem formar um sólido conjunto capaz de gerar convicções razoavelmente persuasivas, aptas a produzir segurança jurídica na perspectiva do precedente que se forma e do exemplo pedagógico gerado”13.

Por fim, necessária a observância às regras de prescrição, uma vez que o Estado possui um prazo para aplicar as punições tanto penais quanto administrativas. Nessa esteira, todos os demais crimes são prescritíveis, com exceção dos crimes de racismo e ação de grupos armados contra ordem constitucional e o Estado Democrático.

Com o advento da Lei nº 9.457/1997, a dúvida que pairava acerca da prescritibilidade das sanções administrativas foi sepultada, uma vez que restou previsto o prazo prescricional de oito anos contados da prática do ilí-cito, para punir infração às normas legais cuja fiscalização cabe à CVM, pra-zo esse reduzido para cinco anos com a publicação da Lei nº 9.873/1999.

1.3 Procedimentos de maior imPortância instituídos Pela lei nº 9.784/1999

A referida lei disciplina o processo administrativo no âmbito da Ad-ministração Federal, direta e indireta, estabelecendo direitos e deveres aos administrados.

12 “Art. 5º [...] LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; [...]”

13 OSÓRIO, Fábio Medina. Op. cit., p. 497.

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Entre os procedimentos de maior importância está a ciência ao ad-ministrado dos processos administrativos em que ocupe a condição de in-teressado, o direito a ter vista dos autos, obter cópias de documentos, co-nhecer as decisões proferidas, formular alegações, apresentar documentos e se fazer representar, facultativamente, por advogado14, consoante previ-são do art. 3º15. Também é garantida a possibilidade de suscitar suspeição da autoridade administrativa ou servidor, consoante os termos do art. 2016, além do direito à obtenção de certidões, nos termos do art. 4617 da norma supracitada.

O capítulo IX da Lei nº 9.784 trata da comunicação dos atos e prevê que deve ser objeto de intimação do interessado os atos do processo que re-sultem de imposição de deveres, ônus, sanções ou restrições ao exercício de direitos e atividades e dos atos de outra natureza de seu interesse (art. 28)18.

Também deverá haver intimação quando se entender necessária a prestação de informações ou da apresentação de provas, consoante previ-são do art. 3919 da lei citada.

O art. 3820 dispõe sobre a fase instrutória e cita algumas possibilidades de exercício de defesa, bem como rejeita provas ilícitas, impertinentes, des-necessárias ou protelatórias, mediante decisão fundamentada.

Como a regra é a motivação de todos os atos administrativos, não poderia ser diferente nas decisões proferidas nos processos administrativos

14 Súmula Vinculante nº 5 do STF: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.

15 “Art. 3º O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados: I – ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações; II – ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas; III – formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente; IV – fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei.”

16 “Art. 20. Os órgãos e entidades administrativas divulgarão publicamente os locais das respectivas sedes e, quando conveniente, a unidade fundacional competente em matéria de interesse especial.”

17 “Art. 46. Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à imagem.”

18 “Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse.”

19 “Art. 39. Quando for necessária a prestação de informações ou a apresentação de provas pelos interessados ou terceiros, serão expedidas intimações para esse fim, mencionando-se data, prazo, forma e condições de atendimento.”

20 “Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo.”

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sancionadores, na qual há exigência expressa no art. 5021 acerca da indica-ção dos fatos e fundamentos jurídicos, quando os atos imponham ou agra-vem deveres, encargos ou sanções.

1.4 Breves noções: dever de informar e fato relevante

O presente trabalho propõe-se a analisar o dever de informar, o qual está inserto no art. 157, § 4º, da Lei nº 6.404/1976, que dispõe, in verbis:

Art. 157. [...]

§ 4º Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deli-beração da assembleia-geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia. (grifos nossos)

Note-se que o § 4º trabalha com dois conceitos importantes e inter--relacionados. O primeiro deles, o dever de informar atribuído aos adminis-tradores, e o segundo, o de fato relevante.

Full disclosure ou dever de informar é uma regra criada para proteger os acionistas da companhia e os investidores em geral, que os deixa em condições de avaliarem sobre a conveniência de comprar ou vender seus valores mobiliários. Ao cumprir o que é imposto pelo sistema de disclosure, a companhia coloca o investidor em condições de decidir sobre seus negó-cios.

Na lei, o dever de informar está subdividido em dois encargos, que são o dever de informar sobre o estado financeiro da companhia e sobre o estado dos negócios22 – este último objeto do presente estudo, pois trata da obrigação de divulgação de fatos relevantes na atividade da companhia que possa influenciar no comportamento mercadológico dos valores mobiliá-rios.

21 “Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V – decidam recursos administrativos; VI – decorram de reexame de ofício; VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.”

22 CARVALHOSA, Modesto. Comentário à lei de sociedades anônimas: Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2003. p. 328.

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Para a doutrina, fato relevante é aquele que interfere de maneira de-cisiva nos negócios sociais, como quebras de contrato, graves acidentes re-lacionados à atividade empresarial, atos de terceiros, lícitos ou ilícitos, que possam repercutir gravemente nos negócios da companhia, como a quebra contratual e a vocação de contratar.23

Portanto, é relevante o fato considerado pela coletividade dos inves-tidores comuns, não profissionais, na decisão de adquirir, alienar ou manter sua posição anterior, concernente aos valores mobiliários da companhia.

Por fim, convém salientar que a classificação do que vem a ser fato relevante em si é decisão que compete à própria administração da socie-dade, conforme entendimento do Diretor da CVM à época, Eliseu Martins, publicado na Revista Capital Aberto, in verbis: “Como só a administração da companhia tem os elementos para classificar a informação como ato ou fato relevante, a decisão de fazê-lo cabe a ela”24.

1.5 interPretação da cvm acerca do dever de informar: análise do Pas cvm nº rJ2008/11199

Ao realizar a abordagem dos princípios que norteiam o PAS, foi refe-rida, na abordagem do princípio da presunção de inocência, a possibilidade de haver sanção administrativa baseada em provas indiciárias.

É possível afirmar que os indícios são utilizados ainda mais pelo di-reito administrativo sancionador do que pelo direito penal, que, no art. 239, define o que vem a ser indício: “Considera-se indício a circunstância co-nhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por inclusão, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.

A CVM, ao apreciar os casos submetidos à sua análise e relaciona-dos ao dever de informar fatos relevantes, exerce seu poder administrativo sancionador de maneira ampla e severa. Em uma grande parte dos julgados administrativos de rito ordinário, é possível constatar a forte presença de julgamentos proferidos com base em prova indiciária.

Para a autarquia, a oscilação dos valores mobiliários no pregão de um certo período é indício da existência de um fato relevante capaz de in-fluenciar na decisão dos investidores de comprar ou vender ações. Esse en-tendimento é materializado no julgamento do PAS CVM nº RJ2008/11199,

23 CARVALHOSA, Modesto. Op. cit., p. 335.24 LOUREIRO, Marcelo. O que se passa lá dentro? Revista Capital Aberto, a. 6, n. 63, p. 12, nov. 2008.

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no qual há forte referência aos indícios quando o relator menciona que a companhia, no caso Minupar Participações S.A., deixou de informar fato relevante, após constatação de oscilação atípica das ações.

O voto proferido pelo Relator Eli Loria, que condenou o Diretor de Relação com Investidores da Minupar ao pagamento de multa, foi no senti-do de entender configurada a infração apontada:

Uma vez que a oscilação atípica ocorreu no período de 21 a 26.11.2003 enquanto as reuniões visando à celebração da parceria tiveram início no final do mês de outubro de 2003 com a participação dos diretores das duas companhias, conforme correspondência da Minupar, acostada às fls. 18, em resposta a Ofício enviado pela GMA-1.25

Necessário ressaltar que os membros do Conselho de Administração (CA) da companhia também foram condenados ao pagamento de multa, por não divulgarem o deferimento do pedido de habilitação de crédito de IPI, pela Receita Federal.

Para melhor explicar tal posicionamento, é preciso fazer uma bre-ve incursão sobre os fatos trazidos no relatório do processo administrativo, relacionados ao acordo firmado com a Sadia, bem como do crédito de IPI obtido por ação judicial.

Consoante relatado, os membros do CA tinham conhecimento das negociações em andamento com a Sadia desde 14 de novembro de 2003, quando realizada a Reunião do Conselho de Administração. Entre 21 a 26 de novembro, foi constatada a ocorrência de oscilação atípica do preço das ações, e, em 3 de dezembro, foi assinado um contrato de parceria da Minu-par com a Sadia, sendo tal fato publicado em 5 de dezembro e considerado relevante pela Companhia.

Não se olvide que a condenação havida ocorreu com base nos indí-cios que, apurados, não demonstraram cabalmente a ocorrência de infra-ção ao dever de informar, salvo melhor juízo. A negociação que se iniciou apenas com os Diretores das empresas em meados de novembro somente foi firmada em 3 de dezembro de 2003 e, dois dias após, divulgada como fato relevante.

25 Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2008/11199: “Dever dos administradores, em especial do DRI, de informar ao mercado fatos que, por sua relevância, possam influir na decisão dos investidores de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia. Não divulgação tempestiva de Fatos Relevantes. Multas”.

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O pequeno lapso temporal nos autorizaria a concluir que tanto o Di-retor de Relação com Investidores quanto os membros do CA agiram com prudência ao não divulgar um fato que não estava consumado, bem como sobre ele certamente existia um sigilo comercial, natural em negócios de grande vulto.

De outra banda, é do conhecimento que há orientação normatizada da CVM (Instrução Normativa nº 358 – IN 358), citando quem serão os res-ponsabilizados pela comunicação de fato relevante como sendo o diretor de relação com investidores, acionistas controladores, diretores, membro do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas criados por disposição estatutária, como sendo responsáveis pela divulgação de fato ou ato relevante, na omissão do primeiro.

Com relação ao entendimento da CVM de não divulgação do crédito de IPI, os fatos constantes no relatório informam que, em fevereiro de 2007, a Bovespa solicitou esclarecimentos acerca da oscilação das ações no pre-gão de 27 de fevereiro de 2007 para o Diretor de Relação com Investidores, que informou não ter conhecimento da causa. No mesmo ato, informou que as demonstrações financeiras relativas ao exercício findo estavam sen-do concluídas e que sua publicação ocorreria no mês de março.

No decorrer do ano alguns, ofícios solicitando esclarecimentos foram encaminhados à companhia. Em novembro de 2007, foi questionada pela CVM a data que o Diretor de Relação com Investidores teve conhecimento da decisão que deferiu a habilitação de crédito de IPI pela Receita Federal e porque ele não a divulgou como fato relevante.

Em resposta à solicitação, a Companhia afirmou que a documentação foi recebida em abril de 2006; contudo, havia discussões pendentes, como tributação incidente sobre o crédito, correção, forma de apropriação, com-pensações, entre outros, que somente foram resolvidos em meados do pri-meiro trimestre de 2007. Informou, ainda, que a ação judicial que buscava o referido crédito vinha sendo noticiada há tempos e que já era de domínio público.

Os argumentos de que a oscilação atípica de ações ocorrida entre 16 e 27.02.2007 não tiveram relação com o deferimento de habilitação de crédito (fato 2), não foram acolhidos pelo relator, que se manifestou no sentido de que a acusação se trata de descumprimento do dever de informar

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fato relevante e que, para a configuração da infração, “não é necessária a correlação entre as oscilações atípicas de fevereiro de 2007 e o Fato (2)”26.

Dos fatos narrados no processo administrativo, conclui-se que a CVM, ao julgar o dever de informar, zela pelos interesses de todos os investidores, ao exigir que a informação seja levada à autarquia e divulgada como fato relevante, não bastando, em seu entendimento, a divulgação como realiza-da no caso da Companhia Minupar.

A interpretação é bastante rígida e restritiva, uma vez que a lei exige a divulgação de fato relevante, na bolsa de valores e imprensa. No caso da Minupar, o relatório refere que o Conselho de Administração afirmou que houve divulgação ampla ao mercado desde o ano de 2000, nas notas expli-cativas de suas demonstrações financeiras.

Em que pese não ter sido divulgado na bolsa de valores, o fato vinha sendo divulgado pela companhia no decorrer dos anos quando da publi-cação das demonstrações financeiras, o que concede publicidade ao fato. Nesse caso, a existência de uma divulgação deveria ser levada em conside-ração na fixação da multa imposta.

2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR RELACIONADA AO DEVER DE INFORMAR

2.1 fundamento da resPonsaBilidade dos administradores

Para iniciarmos este estudo, é preciso ter claro que, na grande maioria das vezes, o fundamento da responsabilidade está na culpa que ocorre pela prática de condutas antijurídicas de um sujeito, que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causa dano ou viola direito de ou-trem27.

É de conhecimento que a regra em nosso sistema jurídico é a aplica-ção da responsabilidade civil subjetiva, sendo a responsabilidade civil obje-tiva aplicada, excepcionalmente, nos casos em que a lei assim haja previsto.

Na responsabilidade civil subjetiva, há existência de conduta culposa provada ou presumida e existem três elementos identificados como pressu-postos de aplicação da teoria, a saber: ocorrência de conduta culposa, nexo causal e dano. Já na teoria objetiva, não se perquire do elemento culpa,

26 PAS CVM nº RJ2008/11199, p. 10.27 SILVA, Alexandre Couto. Op. cit., p. 124.

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bastando a ocorrência do dano e do nexo causal para haver o dever de indenizar.

Uma importante distinção deve ser feita com relação aos órgãos da companhia e os titulares deles. A diretoria e o conselho de administração são órgãos da companhia e juridicamente irresponsáveis perante terceiros.

Já os titulares dos órgãos da administração são responsáveis perante a companhia e possuem deveres e encargos pessoais, tanto de caráter funcio-nal quanto patrimonial na condução dos negócios sob sua responsabilida-de. Guardam com a sociedade uma relação jurídica que gera os deveres de diligência, lealdade, de informar e de observar as regras da companhia no caso da existência de conflito de interesses.

Diante da dualidade existente entre órgão e pessoas que são seus titulares, é possível concluir que o administrador não é o próprio órgão. Nas palavras de Modesto Carvalhosa, “os órgãos da administração da com-panhia têm atribuições legais, ao passo que seus titulares têm deveres e responsabilidades ao exercerem suas funções”28.

Ao Conselho de Administração e Diretoria não são impostos deveres, sendo órgãos internos da pessoa jurídica que possibilitam a esta estabele-cer relações jurídicas que irão gerar responsabilidades dos titulares perante a própria companhia. Dessa inter-relação dos titulares com os órgãos da pessoa jurídica é que nasce o fundamento da responsabilidade dos admi-nistradores.

No que tange à responsabilidade dos Diretores, pondera-se que a Di-retoria de uma companhia é um órgão não coletivo no qual seus membros exercem suas funções de maneira individualizada, dentro de suas atribui-ções estatutárias e legais. Os Diretores são titulares de órgãos da adminis-tração com responsabilidade de manifestar perante terceiros a vontade da companhia, respondendo cada um dos Diretores, individualmente, pelo exercício de suas funções.

Com relação ao Conselho de Administração, ao contrário da Dire-toria, é um órgão colegiado, no qual o exercício dos encargos legais e es-tatutários dos conselheiros realiza-se por maioria dos seus integrantes. A vontade expressa individual de cada um dos membros somente terá eficácia quando se tornar coletiva, valendo como manifestação unilateral de vonta-de do órgão e acarretando a responsabilidade colegiada. Excepciona-se a

28 CARVALHOSA, Modesto. Op. cit., p. 350.

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regra, para o caso de algum conselheiro divergir da maioria e fizer consignar em ata a sua divergência.

Não acarretará a responsabilidade do órgão colegiado em questão qualquer fato, ato ou negócio jurídico praticado por Diretores da compa-nhia que não tenham sido levados ao conhecimento do conselho.

2.2 resPonsaBilidade civil aquiliana

A doutrina brasileira divide a responsabilidade civil em contratual e extracontratual. Em ambas há violação de um dever jurídico preexistente, e sua diferença se dá na origem desse dever, que pode ser contratual ou decorrente de lei.

Os doutrinadores classificam a responsabilidade civil do administra-dor como sendo aquiliana ou extracontratual por ser aquela que pode ter por causa geradora uma obrigação imposta por preceito geral de Direito, ou pela própria lei29. Não é responsabilidade contratual, pois “o diretor de sociedade anônima não é um mandatário, mas seu órgão”30.

Esse entendimento é facilmente compreendido pelas palavras de Mo-desto Carvalhosa, ao assegurar que os diretores de uma companhia repre-sentam a vontade da última e o exercício dessa representação legal configu-ra representação orgânica, não se cogitando da existência de mandato por não existirem duas pessoas: representante e representado. Assim, o Diretor não é mandatário da sociedade, nem representante; ele corporifica a com-panhia por meio do poder legal de manifestar a vontade dela31.

2.2.1 Responsabilidade subjetiva – Artigo 158 da Lei nº 6.404/1976

O art. 15832 da Lei das Sociedades Anônimas estabelece que o ad-ministrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão. Responderá civilmente pelos prejuízos quando proceder com culpa ou dolo dentro de suas atribuições, ou com violação da lei ou do estatuto.

29 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2007. p. 15.

30 GOMES, Orlando. Responsabilidade dos administradores de sociedade por ações. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 8, p. 11-16, 1972, p. 12.

31 CARVALHOSA, Modesto. Op. cit., p. 349.32 “Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da

sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II – com violação da lei ou do estatuto.”

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A doutrina, de maneira majoritária, tem entendido que o artigo su-pracitado aplica a teoria subjetiva para verificação da responsabilidade do administrador, à exceção de Modesto Carvalhosa, que afirma existir respon-sabilidade objetiva do administrador quando este violar a lei ou estatuto, com base na teoria do risco criado. Em que pese a notoriedade do autor, no presente estudo será defendida a aplicabilidade da responsabilidade subje-tiva do administrador com uma importante distinção entre o inciso I e II do art. 158 da Lei nº 6.404/1976.

Para os casos do inciso I, cabe ao autor da ação a prova da existência de culpa ou dolo administrador, enquanto que, para os casos enquadrados na tipificação do inciso II, há uma presunção de culpa do administrador e uma consequente inversão do ônus da prova. Assim, caberá ao administra-dor a prova da ausência de responsabilidade.

A possibilidade do exercício dessa defesa existe e é exemplificada por Nelson Eizirik com propriedade e grande importância para o presente estudo, no que se refere ao dever de informar:

Nos termos do § 4º do art. 157 da Lei das S.A., os administradores devem comunicar imediatamente à Bolsa de Valores e divulgar pela imprensa qual-quer fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, capaz de influir na decisão dos investidores de comprar ou vender os valores mobiliários de sua emissão. Ora, conforme já foi observado, o disclosure divulgação de infor-mações, embora constituindo elemento essencial no modelo de regulação do mercado de capitais, não é um princípio absoluto, que não comporte eventuais exceções. Assim, em determinadas circunstâncias, o administrador da companhia aberta, ambivalente entre o dever de informar e o de guardar sigilo, por estar envolvido um interesse legítimo da companhia (art. 157, § 5º), pode optar pela segunda alternativa. Mesmo que a CVM venha a res-ponsabilizá-lo administrativamente, tal não importa necessariamente na sua responsabilidade civil, posto que o juiz pode concluir que, dado o interesse da companhia, o sigilo (e não o disclosure) atenderia melhor aos padrões de cuidado e diligência, estando ausente, portanto, a sua culpa.33

Tal posicionamento parece-nos mais acertado, pois o administrador que agir demonstrando competência, estar informado sobre as circunstân-cias da decisão, exercendo os poderes que lhe foram conferidos por manda-to, ao tomar uma decisão que atualmente atende aos interesses da empresa, mas que, no futuro, pode gerar prejuízos para a companhia decorrente de

33 EIZIRIK, Nelson. Questões de direito societário e mercado de capitais. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 105-106.

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aspectos que hoje não se tem ciência, não poderá ser responsabilizado pes-soalmente, uma vez que inexiste a culpa.

Se considerássemos legítima a aplicabilidade da responsabilidade objetiva, estaríamos sujeitando qualquer administrador à responsabilidade pessoal decorrente de toda e qualquer decisão que trouxesse prejuízo à sociedade. Tal posicionamento tornaria os cargos de administração sempre vagos, visto que não se iria perquirir das circunstâncias em que, tomada a decisão, não importaria a existência ou não de culpa para que o administra-dor fosse responsabilizado.

Resumidamente, o administrador não responde por insucessos de-correntes da política e dos métodos administrativos adotados, ou por erro de avaliação mercadológica ou de investimento. Isso porque as obrigações contraídas na gestão e representação da companhia são de meio34.

Nos dizeres de Modesto Carvalhosa, “a companhia é que pratica os atos jurídicos e contrai obrigações, razão por que é responsável perante terceiros pelos atos exercitados, por meio de seus administradores”35, para explicar que o órgão administrativo da Diretoria age como expressão da vontade da companhia, e, assim sendo, os Diretores, ao se manifestarem por atos regulares de gestão, não podem ser responsabilizados pessoalmente por isso.

Ressalte-se que a responsabilidade civil é sempre individual, e assim cada administrador responde dentro do âmbito de suas atribuições, conso-ante previsão do art. 26536 do Código Civil. Essa regra é também aplicável aos Conselheiros, membros de órgão de atuação coletiva, o que, no entan-to, não induz à solidariedade.

A omissão na comunicação de fato ou ato envolvendo administra-dores anteriores traz como consequência a solidariedade. Nos dizeres de Modesto Carvalhosa:

O dever de comunicar abrange tanto atos e fatos da administração em exer-cício como das administrações passadas. E quanto a estas, não apenas as imediatamente anteriores, mas todas as precedentes, até o limite da prescri-ção (art. 287).37

34 CARVALHOSA, Modesto. Op. cit., p. 359.35 Idem, ibidem, p. 349.36 “Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.”37 CARVALHOSA, Modesto. Op. cit., p. 365.

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Outra importante distinção deve ser feita no que diz respeito à res-ponsabilização.

Não há dúvidas de que, quando o administrador pratica ato regular de gestão, será a sociedade quem responderá por eventuais prejuízos decor-rentes. Na situação em que o administrador age violando a lei ou estatuto, a companhia, em princípio, é responsabilizada pelos atos ultra vires do admi-nistrador em virtude do caráter orgânico da representação.

A regra da responsabilidade da companhia está alicerçada no princí-pio da segurança das relações jurídicas, não podendo a sociedade se eximir de responsabilidades e obrigações que tenha contraído com terceiros, ale-gando abuso de poder ou descumprimento da lei ou do estatuto por parte de seus administradores.

Poderá se eximir dessa responsabilidade realizando a prova de que o terceiro contratante tinha conhecimento do estatuto, eis que arquivado na junta comercial, o que lhe confere publicidade plena.

Ainda, uma importante diferença deve ser considerada no que tange aos atos do administrador e o objeto social da companhia. Havendo um desvirtuamento evidente, aberrante, do objeto social, não se presume a boa--fé do terceiro a quem incumbirá a prova do desconhecimento do abuso praticado pelo administrador.

2.3 o dever de informar do administrador em confronto com o dever de sigilo e a resPonsaBilidade civil concernente

Com a edição da Lei das Sociedades Anônimas em 1976, a obrigação de informar, que antes era restrita à divulgação da situação financeira da companhia por meio da divulgação dos documentos contábeis estabeleci-dos em lei, passou a ser mais ampla, sendo exigida a divulgação

completa da situação patrimonial dos administradores, com relação aos va-lores mobiliários emitidos pela companhia, bem como o de revelação opor-tuna de fatos negociais relevantes da mesma companhia que possam inter-ferir na cotação, negociação e liquidez desses mesmos valores, no mercado de capitais.38

Conforme já mencionado no item 2.4, o dever de informar abrange todas as alterações negociais da companhia como forma de proporcionar

38 CARVALHOSA, Modesto. Op. cit., p. 325.

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ao investidor o acesso a todos os dados que influenciem na sua decisão de adquirir ou alienar valores mobiliários da companhia.

Nos termos da IN 358 da CVM, em seu art. 2º, é considerado fato relevante qualquer ato ou fato, decisão de acionista controlador ou deli-beração de assembleia geral, capaz de influenciar na cotação dos valores mobiliários, na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter os valores mobiliários e na decisão dos investidores de exercer quaisquer direi-tos inerentes à condição de titular de valores mobiliários.

No parágrafo único do citado artigo, há um rol meramente exem-plificativo de fatos relevantes. A lista não exaure as possibilidades de fa-tos relevantes, nem mesmo determina definitivamente o que vem a ser fato relevante, fazendo-se necessário analisar os dados concretos do fato e da companhia a que se refere39.

A veiculação das informações relevantes deve ocorrer por meio da imprensa escrita em jornal de grande circulação em que a companhia está acostumada a realizar as publicações a que a lei obriga, como forma de tornar acessível aos acionistas e investidores.

O momento em que nasce o dever de divulgar é imediatamente após a prática do ato, conclusão do negócio ou ocorrência do fato. Nos dizeres de Fábio Ulhoa Coelho:

Muitas vezes, o fato relevante está ligado à concretização de negócios de vulto, cuja concepção e desenvolvimento demandam meses, até começarem a ganhar forma. A divulgação precipitada de transações em andamento não raro é altamente desinteressante para as partes e pode, mesmo, chegar a comprometê-las. Uma vez concluídas as negociações, no entanto, nasce o dever de informar os seus aspectos relevantes ao mercado.40

É preciso lembrar que a própria Lei das Sociedades Anônimas prevê uma exceção à divulgação, no art. 157, § 6º41, quando a divulgação colo-car em risco interesse legítimo da companhia. Há, porém, algumas outras válvulas de escape que legitimam a não divulgação de fato relevante não concluído.

39 LAZZARESCHI NETO, Alfredo Sérgio. Lei das sociedades por ações anotada. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 373.

40 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2008. p. 250-251.

41 “Art. 157. [...] § 6º Os administradores da companhia aberta deverão informar imediatamente, nos termos e na forma determinados pela Comissão de Valores Mobiliários, a esta e às bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, as modificações em suas posições acionárias na companhia.”

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Lazzareschi Neto afirma que o diretor de relação com os investidores deve ponderar a probabilidade de o negócio ser concluído, com a sua re-levância. A baixa probabilidade de conclusão, ainda que o negócio pareça ser relevante, não torna necessária a divulgação. Esse panorama pode ser mudado rapidamente se a outra empresa demonstrar interesse em analisar as circunstâncias com mais profundidade.

Nesse caso, a própria negociação passa a ser um fato relevante, e o enquadramento do dever de divulgar passa a ser previsto no art. 6º, pará-grafo único, da IN 35842, que estabelece como obrigação a divulgação pelo diretor de relação com os investidores, em caso de perda do controle da informação e quando ocorre oscilação atípica dos valores mobiliários.

O autor ainda estabelece uma diferença entre ambas, nos termos que seguem:

A função da divulgação em caso de perda de controle sobre a informação, como já disse, tem por objetivo colocar todos os participantes no mesmo nível. Já a obrigação de divulgar em caso de oscilação atípica tem outra fun-ção. [...] O fim é evitar eventual negociação com informação privilegiada. A divulgação é, portanto, preventiva.43

Precede o dever de informar do administrador de companhia aberta, o dever de guardar absoluto sigilo acerca das operações capazes de in-fluenciar no comportamento dos investidores, sendo vedada a utilização das informações para obtenção de vantagem própria ou para terceiros. O administrador que fizer uso de informações privilegiadas incorrerá em crime próprio tipificado no art. 27-D44 da Lei da CVM, ficando, dessa forma, sujei-to à responsabilidade penal, administrativa e civil45.

Esse dever de sigilo imposto ao administrador possui um caráter dú-plice. Inicialmente, cabe ao próprio administrador guardar sigilo. Em um se-

42 “Art. 6º [...]. Parágrafo único. As pessoas mencionadas no caput ficam obrigadas a, diretamente ou através do Diretor de Relações com Investidores, divulgar imediatamente o ato ou fato relevante, na hipótese da informação escapar ao controle ou se ocorrer oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados.”

43 LAZZARESCHI NETO, Alfredo Sérgio. Op. cit., p. 376.44 “Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da

qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.”

45 COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit., p. 251.

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gundo momento, cabe a ele zelar para que a violação da norma não ocorra por meio de subordinado ou terceiros de sua confiança46.

A tendência corporativa, portanto, é a máxima transparência.

Nos últimos anos, a cobrança de divulgação das informações tornou--se ainda maior por exigência da CVM, em que pese a discordância de autoridades no assunto. O presidente da Associação Brasileira das Compa-nhias Abertas (Abrasca), Antonio Castro, afirmou que a Nova Instrução nº 202, editada pela CVM, propôs um novo padrão de disclosure com o qual a maioria das companhias abertas não estava concordando. Isso porque “a linha que separa a transparência do dado estratégico é o fato de uma informação, em vez de ser útil para o acionista da companhia, ajudar os concorrentes”47.

Outros especialistas afirmam que a divulgação do nível de informa-ções exigida pela referida instrução normativa é desvantajosa para compe-titividade das companhias abertas brasileiras se comparada às multinacio-nais, pois elas ou divulgam poucas informações no mercado brasileiro, ou, em sua grande maioria, são de capital fechado.

3 A REGRA DO BUSINESS JUDGMENT: ARTIGO 159, § 6º, DA LEI Nº 6.404/1976

3.1 Breve noção conceitual

A regra do business judgment nasceu nos Estados Unidos e foi trazida ao Brasil pela Lei das Sociedades Anônimas com o objetivo de evitar que uma pessoa capacitada ficasse com receio de administrar uma companhia, por estar assombrado com a possibilidade de uma decisão sua acarretar até mesmo a perda de seu patrimônio.

Isso porque a regra protege o agir informado que visa aos interesses da companhia, com base na boa-fé, afastando, pois, a presunção de culpa do administrador48. Dessa forma, a regra busca evitar a responsabilidade do administrador que age com boa-fé e no interesse da companhia49.

46 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A e as ações correlatas. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 170.

47 YOKOI, Yuki. Mais abertas. Revista Capital Aberto, Editora Executiva, a. 7, n. 74, p. 11, out. 2009.48 RIBEIRO, Renato Ventura. Dever de diligência dos administradores de sociedades. São Paulo: Quartier Latin,

2006. p. 232.49 SILVA, Alexandre Couto. Op. cit., p. 142.

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Para melhor compreender, é preciso buscar a fundamentação e apli-cação na sua origem, ou seja, no direito norte-americano. O American Law Institute, ao traçar alguns regramentos para os princípios de governança cor-porativa, estabeleceu fundamentos básicos da regra do business judgment, determinando que estará amparado

o conselheiro-administrador ou diretor que atuar de boa-fé na tomada da de-cisão, observando seu dever de diligência e não for parte interessada no as-sunto da decisão ou julgamento do negócio; estiver devidamente informado a respeito do assunto a ser decidido e acreditar que as circunstâncias forneci-das para análise são apropriadas e razoáveis; e racionalmente acreditar que sua decisão esteja de acordo com os melhores interesses para a companhia.50

Importante lembrar que, dentro dos limites legais de atuação, o ad-ministrador age com discricionariedade, levando em conta a oportunidade e a conveniência das medidas. Essa discricionariedade empresarial é que a regra preserva, pois não é dado ao Poder Judiciário discutir o mérito da decisão, devendo analisar somente se houve violação da lei ou estatuto, o que é totalmente razoável, uma vez que administradores, via de regra, são mais habilitados que juízes e acionistas para tomar decisões, inclusive no que tange à conveniência51.

Repare que, ao se falar em aplicação da regra, sempre é mencionada a existência de uma decisão, seja ela comissiva ou omissiva. Não havendo tomada de decisão por parte do administrador, não há de se falar em aplica-ção da regra do business judgment.

Também está amparada pelo business judgment rule a decisão toma-da com fulcro em pareceres de técnicos especializados que o administrador acredita ser fidedigno e competente; contudo, cabe ao administrador inves-tigar se a pessoa possui perícia no assunto. Outro importante esclarecimen-to acerca da aplicabilidade da teoria é que ela não visa à proteção do ato ilícito praticado pelo administrador.

Alexandre Couto Silva ressalta que os Tribunais têm entendido a regra como presunção em favor do administrador, sendo uma “forte, poderosa e substantiva regra de Direito e não meramente uma forma de defesa”52.

Resumidamente, afirma-se que a tomada de decisão por um admi-nistrador que atuar com boa-fé, devidamente informado e no interesse da

50 Idem, ibidem, p. 143.51 RIBEIRO, Renato Ventura. Op. cit., p. 232-233.52 SILVA, Alexandre Couto. Op. cit., p. 193.

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companhia, atende aos deveres fiduciários que são a boa-fé, lealdade e di-ligência, tendo a seu favor a presunção da regra do business judgment e a sua consequente proteção. Caberá, portanto, ao acionista comprovar que houve quebra na tríade dos deveres fiduciários para que o ônus da prova reverta em seu favor.

Nessa linha, a decisão ou julgamento do negócio praticada com base em conduta ilegal, fraudulenta ou ultra vires, não está amparada pela regra, uma vez que constitui quebra dos deveres fiduciários.

3.2 elementos da regra da Business Judgment

Os elementos da regra que devem estar presentes como forma de evi-tar que as decisões dos administradores sejam analisadas pelo Poder Judi-ciário são decisão ou julgamento do negócio, desinteresse e independência, dever de diligência, lealdade, boa-fé e inexistência de abuso de discricio-nariedade.

No que tange à decisão ou julgamento do negócio, é pertinente escla-recer que as decisões tomadas por Diretores ou pelo Conselho de Adminis-tração são protegidas pela regra do business judgment. As omissões, desde que decorrentes de uma decisão de não agir, são igualmente protegidas.

O segundo elemento que deve estar presente é o desinteresse e inde-pendência do administrador. Ressalte-se que administrador desinteressado não é sinônimo de administrador indiferente que não possa ser possuidor de ações da companhia. A ressalva feita é que o administrador não deve ter interesse na conduta objeto de discussão, pois tal sentimento comprometerá o discernimento acerca de seus deveres fiduciários. Alexandre Couto Silva afirma que

o administrador será considerado interessado quando receber benefícios fi-nanceiros da transação que não são divididos com os acionistas, ou em que a decisão terá impacto financeiro para o administrador, mas não para a com-panhia ou para os acionistas.53

Registre-se que, para que haja a caracterização do interesse do ad-ministrador, ele deve ser substancial ou material, não bastando que seja incidental ou circunstancial.

53 SILVA, Alexandre Couto. Op. cit., p. 195.

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No que concerne ao conceito de independência do administrador, significa que sua decisão é baseada nos méritos da companhia antes mesmo das considerações ou influências do Conselho de Administração. Dessa for-ma, é possível concluir que

a decisão desinteressada e independente não está relacionada à indicação ou eleição administrativa, muito menos ao recebimento de remuneração, participação na sociedade. O interesse ou dependência ocorrerá se adminis-trador for dominado ou controlado por credor ou pessoa, natural ou jurídica, interessada na transação que possa influenciar a discricionariedade do ad-ministrador.54

O dever de diligência é um dos deveres fiduciários do administrador e está intimamente relacionado à atuação com a devida informação sobre a matéria que será objeto de decisão.

Uma importante consideração deve ser lançada pertinente ao custo da informação que deve ser ponderado com os benefícios. Essa dualidade entre custos e benefícios faz com que no mundo dos negócios os adminis-tradores arrisquem mais para tomar uma decisão. Não significa dizer que se está abrindo mão da informação, e sim que se aceitam decisões que não estejam amparadas na mais completa informação e que ela estará amparada pela regra do business judgment.

O quarto elemento, dever de lealdade, traduz a obrigação do admi-nistrador de ser fiel aos interesses da companhia, não podendo buscar, em primeiro lugar, os seus interesses pessoais.

De uma maneira geral, o dever de lealdade guarda similitude com a relação existente entre o dever de diligência e a regra do business judgment. Em ambos, o ônus da prova acerca da quebra do dever pertence ao autor da ação.

A boa-fé caracteriza-se como o quinto elemento da regra e se refe-re à conduta humana como maneira de ser que busca uma convivência harmônica, baseada na fidelidade, confiança e intenção de não prejudicar interesse alheio.

Ao se tratar da boa-fé, é preciso relembrar os conceitos de boa-fé ob-jetiva e subjetiva. Será subjetiva quando seu significado for relativo à pessoa ou ao sujeito de direito; quando for exterior ao sujeito, algo que lhe é im-

54 Idem, ibidem, p. 199.

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posto decorrente de regras, princípios ou ditames e limites, será classificada como objetiva.

No seu conceito objetivo, é possível afirmar que é uma norma de conduta a que o comportamento humano precisa se adequar, correspon-dendo à lealdade. Conduta oposta caracterizaria o dolo, a fraude.

O administrador de uma companhia, ao tomar uma decisão, deve agir com boa-fé, visto que decisões e julgamentos tomados com má-fé não serão protegidos pela regra. Não se confunda, porém, a má-fé, que é a vontade de causar prejuízo decorrente de uma “transação que infringe o genuíno objetivo para se sobrepor ao interesse da companhia ou violar disposição legal”55, com mau julgamento ou negligência.

A regra é que haja presunção de conduta honesta e de boa-fé na de-cisão tomada pelo administrador, o que implica admitir que ela foi tomada sem influência e com base nos melhores interesses da companhia. Também se presume a boa-fé da decisão quando ausente o significante interesse fi-nanceiro adverso, havendo necessidade de comprovação da má-fé para que seja afastada a aplicabilidade da regra.

Por fim, ao analisar o último elemento, que é a inexistência de abuso de discricionariedade, faz-se necessário esclarecer que poder discricionário é a faculdade de escolha alcançada ao administrador de tomar sua decisão tendo como limites os ditames legais, a racionalidade e a razoabilidade. Agindo dessa forma, o administrador estará amparado pela regra do busi-ness judgment, não sendo facultado ao Poder Judiciário exercer a revisão da decisão.

O comportamento reverso autoriza o Poder Judiciário a analisar a razoabilidade do julgamento do negócio, não havendo, portanto, proteção pela regra56.

3.3 utilização da regra como meio de exclusão da resPonsaBilidade do administrador

A regra do business judgment nasceu com a jurisprudência norte--americana no intuito de preservar o administrador que agiu com boa-fé, lealdade e diligência, preservando o seu patrimônio pessoal de futura ação de responsabilidade civil.

55 SILVA, Alexandre Couto. Op. cit., p. 207.56 Idem, ibidem, p. 208.

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Atendendo à tríade dos deveres fiduciários, o administrador estará amparado pela referida regra, impedindo o Poder Judiciário de revisar a sua decisão, bem como responsabilizá-lo pelo insucesso da decisão ou julga-mento empresarial.

Conforme mencionado, em algumas situações, o administrador é pro-vocado a decidir sem ter a mais completa informação. Tal fato deve-se ao custo de obtenção da informação, os riscos inerentes à decisão e a neces-sária adequação com os benefícios. É por isso que corretamente se afirma que, no meio empresarial, há necessidade de atuação sem a mais completa informação, uma vez que a sua busca poderia inviabilizar o negócio ou não se mostrar compatível com a dimensão da transação.

É importante ressaltar que há pouca doutrina que estuda a regra do business judgment e, quando existe, aborda o tema como meio de impedir o Poder Judiciário de revisar as decisões negociais e impor condenações pecuniárias decorrentes da responsabilização civil aos Diretores ou ao Con-selho de Administração. Contudo, a reflexão a que se propõe o presente estudo é no sentido de a regra ser utilizada como meio de defesa dos admi-nistradores quando condenados por processo administrativo sancionador, pela CVM.

Na presente pesquisa, o dever de informar do administrador de so-ciedade anônima foi o delimitador do estudo da responsabilidade civil e administrativa imposto aos diretores e Conselho de Administração. Nessa linha, será dada continuidade à análise da possibilidade de aplicabilidade da regra do business judgment.

Conforme já estudado, o administrador que tomar uma decisão ne-gocial com interesse e independência, atento aos deveres de diligência e boa-fé e não abusar da discricionariedade que o cargo lhe outorga, não será responsabilizado pessoalmente em virtude de futuro insucesso do seu julgamento comissivo ou omissivo.

No caso do PAS CVM nº RJ2008/11199, em que houve a condenação do Diretor de Relação com Investidores e de alguns membros do Conselho de Administração ao pagamento de multa pecuniária em virtude de não ter sido considerada tempestiva a publicação de informações tidas por relevan-tes pela CVM, entende-se plausível a aplicabilidade da regra do business judgment.

Dessarte, é possível concluir que as condenações impostas foram severas e deveriam ser objeto de recurso, demonstrando que o crédito

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de IPI obtido por meio de decisão judicial foi divulgado anualmente nas demonstrações financeiras e, portanto, o mercado tinha conhecimento. O investidor atento e interessado nos negócios da companhia tinha pleno acesso à informação, sendo satisfeito o dever de informar, além da boa-fé e do dever de lealdade, sendo, portanto, legítima a atuação dos admi-nistradores e plausível a aplicabilidade da regra como forma de afastar a condenação imposta.

Com relação ao fato 1 relatado pelo julgamento que diz respeito à parceria firmada pela Minupar com a Sadia, a CVM entendeu que não hou-ve divulgação tempestiva de fato relevante.

O que é preciso analisar nesse ponto é o julgamento do negócio, a decisão do Diretor de Relação com os investidores e do Conselho de Ad-ministração de não divulgar a informação antes da assinatura do contrato57. A atitude pode ser classificada como prudente, diligente, eis que a fase era de negociação.

É do conhecimento do homem médio que as operações envolvendo grandes empresas levam tempo a ser finalizadas e, em alguns casos, a fase de negociação se frustra e a expectativa acaba. Dessa forma, a não divul-gação ao mercado da intenção de celebração de acordo entre as empresas pode estar amparada nos deveres fiduciários dos administradores, sendo viável a aplicação da regra como forma de buscar a reversão do julgamento.

A postura prudente assumida deve-se ao fato de não haver conheci-mento do inteiro teor do processo administrativo em questão, o que impos-sibilita a plena ciência dos argumentos lançados pela defesa.

A conclusão que fica é da possibilidade de utilização da regra do business judgment como meio de defesa dos diretores e Conselho de Ad-ministração quando chamados a responder processos administrativos san-cionadores instaurados pela CVM, desde que a decisão tenha atendido aos deveres fiduciários e aos elementos da regra: existência de decisão, desin-teresse e independência, dever de diligência, lealdade, boa-fé, inexistência de abuso de discricionariedade.

57 Início das negociações em 14 de novembro de 2003. Oscilação atípica de ações constatada pela Bolsa de Valores entre 21 e 26 de novembro de 2003. Assinatura do Contrato de Parceria em 3 de dezembro de 2003 e divulgação ao mercado no dia 5 de dezembro 2003, considerada fato relevante.

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CONCLUSÃO

Com o desenvolvimento do presente tema, procurou-se demonstrar a importância da interdisciplinaridade existente na ciência jurídica, demons-trando que o direito administrativo, o civil e o societário guardam estreita relação no estudo da responsabilidade do administrador de sociedade anô-nima no tocante ao dever de informar.

A resolução dessa questão, contudo, não se restringe apenas ao estu-do do direito positivado, que é o corolário do sistema romano germânico, tendo em vista a grande influência sofrida pela common law. A aplicabi-lidade da regra do business jugdment como meio de defesa dos casos de responsabilidade dos administradores comprova a afirmação.

A favor do administrador sempre estará a presunção de que agiu com honestidade e boa-fé, atento aos deveres fiduciários que lhe são impostos em razão do cargo que ocupa. Tal presunção é aplicada tanto aos diretores quanto aos membros do Conselho de Administração.

Conforme examinado, a Diretoria é um órgão não coletivo, cuja res-ponsabilização pessoal de seus membros dá-se de maneira individualizada de acordo com as pertinentes atribuições. O Conselho de Administração, por sua vez, exerce as funções colegiadamente, possuindo responsabilidade coletiva, se o conselheiro dissidente não consignar em ata a sua divergência.

A presunção em favor do administrador deixa de existir quando hou-ver violação à lei ou a estatuto, cabendo a ele a prova de seu agir dentro dos ditames legais. Nesse caso, também não estará protegido pela regra do business jugdment.

A tônica da pesquisa relacionou-se ao dever de informar do adminis-trador, imposto pela Lei da Sociedade Anônima e de grande importância para o mercado de capitais, que busca a máxima transparência na quanti-dade e qualidade da informação repassada aos investidores.

A decisão sobre o que informar e do momento em que se deve pres-tar a informação é uma decisão negocial que incumbe aos Diretores e ao Conselho de Administração. Gize-se que o dever de informar não existe sozinho, pois é ponderado pelo dever de sigilo, naturalmente relacionado ao meio empresarial e às grandes empresas como forma de preservar-se da concorrência.

O custo de obtenção da informação também deve ser ponderado, uma vez que a mais completa informação pode ter um custo extremamente

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elevado, desproporcional ao negócio a ser firmado ou, até mesmo, pode inviabilizar a negociação. É por essas razões que, no meio empresarial, é aceitável decidir-se assumindo um determinado risco, desde que a deci-são esteja amparada pelas leis, pelos deveres fiduciários e pelo interesse da companhia.

Atento a essas circunstâncias, o administrador que decidir pela divul-gação ou não da informação não verá seu patrimônio pessoal ameaçado por futura ação de responsabilização civil. Ressalte-se que poderá buscar ampa-ro na regra do business judgment, impedindo o Poder Judiciário de revisar sua decisão, se restar demonstrada a presença dos elementos nos quais está baseada, vale dizer: decisão ou julgamento do negócio, desinteresse e in-dependência, dever de diligência, lealdade, boa-fé e inexistência do abuso de discricionariedade.

Com isso, dessume-se que a regra do business judgment também deve ser válida no âmbito administrativo, protegendo os administradores e suas razões de decidir, sem que isso importe, contudo, em impunidade, mas que para a responsabilização daqueles por ofensa ao dever de informar haja prova suficiente, e não meramente indiciária, à aplicação da sanção administrativa.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Sociedade Anônima

2339

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIII – Agravo de Instrumento nº 2013.02.01.016353‑2Nº CNJ: 0016353‑69.2013.4.02.0000Relator: Desembargador Federal Marcus AbrahamRelator p/pauta: Juiz Federal Convocado Antônio Henrique Corrêa da SilvaAgravante: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANPProcurador: Luiz Antonio Werdine MachadoAgravado: Posto Fenix II Ltda.Advogado: Sem advogadoOrigem: Oitava Vara Federal de Execução Fiscal – RJ (201251010303376)

ementa

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – DÍVIDA ATIVA DE NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA – EMPRESA NÃO ENCONTRADA EM SEU DOMICÍLIO REGISTRADO – VIOLAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO PRIVADO – ART. 4º, § 2º DA LEI Nº 6.830/1980 – DISSOLUÇÃO IRREGULAR PRESUMIDA – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL – POSSIBILIDADE

1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio-administrador em situação na qual a empresa agravada não foi encontrada pelo Oficial de Justiça no domicílio registrado perante os órgãos públicos comerciais e fiscais.

2. A dissolução irregular da sociedade empresarial configura uma in-fração à lei levada a cabo por seus administradores, por estar em desacordo com as normas de direito privado aplicáveis, as quais não permitem uma dissolução em que a sociedade deixe de funcionar em qualquer lugar conhecido.

3. A irregularidade ocorre, portanto, não só no cumprimento de obri-gações legais de registro do distrato social (baixa) na Junta Comercial e comunicação aos órgãos públicos pertinentes, mas principalmente no mundo fático – simplesmente a sociedade “desaparece” de qual-quer endereço conhecido.

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4. As normas de direito privado exigem dos administradores de so-ciedades empresárias que atuem com cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios, bem como que exerçam suas atribuições de acor-do com a lei e com os atos constitutivos da sociedade: Código Ci-vil – arts. 1.011, 1.016 e 1.080. / Lei das S.A. (Lei nº 6.404/1975) – arts. 153, 154, 158.

5. Se para a constituição da sociedade empresarial exige-se um pro-cedimento legal de registro, que lhe atribui personalidade jurídica e opera a distinção entre o patrimônio da sociedade e de seus sócios (societas distat singulis), sem o que restarão os sócios com responsa-bilidade ilimitada (a hipótese de sociedades irregulares), tampouco a dissolução da sociedade, que redundará depois em sua extinção, pode ser feita de forma irregular, sem que nem mesmo se saiba em que lugar pode se encontrar a pessoa jurídica para efeitos de cumpri-mento de suas obrigações, sob pena de também haver responsabili-zação dos sócios que deram causa à tal dissolução em contrariedade à lei.

6. O “desaparecimento fático” da sociedade empresarial por não ser possível encontrá-la no endereço registrado configura violação à lei, seja por conduta dolosa dos administradores (que não dese-jam adimplir as obrigações da sociedade), seja por conduta culposa (negligência no cumprimento dos deveres legais de baixa no registro e de comunicação de endereço em que possa ser encontrada), in-dependentemente da natureza do crédito que está sendo executado. Em ambos os casos, a irregularidade autoriza o redirecionamento da execução – seja de dívida tributária ou não tributária – contra o admi-nistrador que deu causa à dissolução irregular.

7. No mesmo sentido de aceitação do redirecionamento da exe-cução fiscal de dívida não tributária nos termos da legislação civil, desde que a sociedade não seja encontrada por oficial de justiça no domicílio informado nos registros públicos: STJ, REsp 1272021/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., J. 07.02.2012, DJe 14.02.2012; TRF 2ª R. – AG 201102010096420, Rel. Des. Fed. Reis Friede, 7ª T.Esp., J. 26.06.2013, Publ. 09.07.2013; TRF 2ª R., AG 201102010030912, Relª Desª Fed. Fatima Maria Novelino

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Sequeira, 8ª T.Esp., J. 07.12.2011, publ. 19.12.2011; TRF 3ª R., AI 15898 SP 0015898-19.2009.4.03.0000, Relª Desª Fed. Cecília Marcondes, 3ª T., J. 18.07.2013.

8. Ainda que assim não fosse, embora a aplicação do CTN não seja devida quando se trata de execução fiscal de dívida ativa de nature-za não tributária, esta aplicação é possível quando a própria Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/1980) excepciona tal regra, como, por exemplo, em seu art. 4º, § 4º: “Aplica-se à Dívida Ativa da Fazenda Pública de natureza não tributária o disposto nos arts. 186 e 188 a 192 do Código Tributário Nacional.” A LEF também abre exceção à regra em seu art. art. 4º, § 2º: “À Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial.”

9. O art. 135 do CTN encontra-se localizado no Capítulo V (Res-ponsabilidade Tributária), Seção III (Responsabilidade de Terceiros) do referido Código, qualificando-o inequivocamente como forma de responsabilidade prevista na legislação tributária, como prevê o art. 4º, § 2º da LEF.

10. Assim, como o E. STJ, por sua Súmula nº 435, admite o redi-recionamento da execução fiscal de dívida ativa tributária contra o sócio-administrador por dissolução irregular da sociedade com base no art. 135, III do CTN, seria possível entender também que tal artigo se aplica também a dívidas de natureza não tributária, por expressa exceção prevista no art. 4º, § 2º da LEF. Precedentes: TRF 2ª R.,

AG 201202010173387, Rel. Des. Fed. Guilherme Calmon Noguei-ra da Gama, 6ª T. Esp. J. 20.03.2013, publ. 03.04.2013; TRF 2ª R., AG 201102010051873, Rel. Des. Fed. Guilherme Calmon No-gueira da Gama, 6ª T.Esp. J. 15.08.2011, publ. 24.08.2011; TRF 2ª R. – AG 2008.02.01.015093-1, Rel. Juiz Fed. Conv. Theophilo Miguel, 7ª T.Esp. J. 15.04.2009, publ. DJU 25.05.2009; TRF 3ª R., AI 0011172-31.2011.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, 6ª T., J. 12.09.2013.

11. Portanto, seja com base na violação de normas de direito privado pelo administrador que não se desincumbiu de seu dever legal de dis-solver regularmente a sociedade (ao abandoná-la sem que possa ser encontrada em qualquer lugar conhecido), seja com base na hipótese excepcional de aplicação do CTN prevista pelo art. 4º, §2º da Lei nº 6.830/1980 (c/c art. 135, III do CTN e Súmula nº 435, STJ), a solu-

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ção não se altera: embora a dívida ativa seja de natureza não tribu-tária, pode ser redirecionada a execução contra o administrador que deu causa à dissolução irregular pelo fato de a empresa deixar de funcionar em endereço conhecido.

12. Agravo de instrumento provido.

acÓrdão

Vistos e relatados os presentes autos em que são partes as acima indi-cadas, decide a Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2a Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do Relatório e do Voto, que ficam fazendo parte do presente julgado.

Rio de Janeiro, (data do Julgamento)

Antônio Henrique Corrêa da Silva Juiz Federal Convocado

relatÓrio

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto em face de decisão que, em sede de Execução Fiscal proposta pela Agência Nacional do Petróleo--ANP contra Posto Fenix II Ltda. indeferiu a inclusão dos sócios no pólo passivo da relação processual.

Alega a Agravante, em síntese, que: 1) é aplicável ao caso em tela o art. 135, III do CTN, vez que a parte agravada encerrou irregularmente as atividades no seu domicílio fiscal, o que caracteriza ato de infração à lei e justifica a inclusão dos corresponsáveis no pólo passivo da execução, à luz do art. 4º, § 2º da Lei nº 6.830/1980; 2) como o encerramento irregular da devedora caracteriza ato de infração à lei e inviabiliza a sua localização e a penhora de bens, evidencia-se certo o direito de o credor redirecionar a execução contra o co-responsável na ação de execução fiscal; 3) ainda que se afaste a regra do art., 135, inc. II do CTN, por se entender inaplicável o comando previsto no art. 4º, § 2º da Lei nº 6.830/1980, o encerramento irregular da empresa e o descumprimento das normas que disciplinam os regulamentos técnicos da ANP, caracterizam abuso de personalidade, por desvio de finalidade, o que permite o redirecionamento da execução contra os corresponsáveis, tendo em vista o disposto no art. 50 do Código Civil, no art. 28 da Lei nº 8.078/1990 e no art. 18, § 1º da Lei nº 9.847/1999.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

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Antônio Henrique Corrêa da Silva Juiz Federal Convocado

voto

Conforme relatado, trata-se de Agravo de Instrumento interposto em face de decisão que, em sede de Execução Fiscal proposta pela Agência Nacional do Petróleo-ANP contra Posto Fenix II Ltda., indeferiu a inclusão dos sócios no pólo passivo da relação processual.

Conheço do recurso, pois presentes seus pressupostos de admissibi-lidade.

O Oficial de Justiça, à fl. 31, certificou que, ao se dirigir ao endereço indicado para citação da empresa ora Agravada, deixou de proceder a ci-tação, em virtude de estar sendo construída no logradouro uma Creche da Prefeitura.

Por sua vez, consta da Certidão da Dívida Ativa (CDA) emitida pela Autarquia-Agravante o nome de Elizabeth Santos de Souza como co-res-ponsável, e de Cátia Aparecida Bolico de Souza como sócia.

A dissolução irregular da sociedade empresarial configura uma infra-ção à lei levada a cabo por seus administradores, por estar em desacordo com as normas de direito privado aplicáveis, as quais não permitem uma dissolução em que a sociedade deixe de funcionar em qualquer lugar co-nhecido.

Frequentemente, nos casos de execução fiscal de dívida ativa não tributária, a dissolução irregular não se dá apenas por ausência de baixa do registro perante os órgãos públicos competentes. Ao revés, vários casos tratam de pessoas jurídicas que simplesmente deixam de funcionar no ende-reço registrado perante a Junta Comercial ou a Receita Federal, sem comu-nicar qualquer outro endereço em que possam receber citação, intimações e notificações. A irregularidade ocorre, portanto, não só no cumprimento de obrigações legais de registro do distrato social (baixa) na Junta Comercial e comunicação aos órgãos públicos pertinentes, mas principalmente no mun-do fático – simplesmente a sociedade “desaparece” de qualquer endereço conhecido. A este respeito, Tavares Borba:

“A prática às vezes encontrada de, em lugar de liquidar a sociedade, aban-doná-la, vem despertando, da parte da jurisprudência, uma reação bastante forte, no sentido da responsabilização, de forma ilimitada, dos sócios e admi-

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nistradores, principalmente daqueles mais diretamente ligados ao comando da empresa.

Tem-se entendido que a falta de liquidação ordinária significa relegar a so-ciedade à condição de sociedade irregular, com a consequente responsa-bilização dos administradores e sócios. Essa implicação, todavia, não deve alcançar aqueles que, para tanto, não contribuíram, tais como os sócios mi-noritários não envolvidos na administração social. [...]

O administrador não responde pessoalmente pelas obrigações assumidas em nome da sociedade. No entanto, sempre que agir de forma culposa (art. 1.016 do Código Civil), estará pessoalmente comprometido, e responderá com todos os seus bens particulares, tanto perante a sociedade como perante terceiros. [...]

Anote-se, pois, que os administradores que agirem regularmente, com plena observância das regras legais e do contrato social, e sem ocorrência de culpa (negligência, imprudência ou imperícia), não têm qualquer responsabilidade pessoal, devendo os seus bens particulares ficarem a salvo de execuções ou penhoras por dívidas da sociedade.”1

Tal irregularidade não apresenta natureza tributária – antes, trata-se de uma irregularidade no plano do direito privado, que pode trazer conse-quências de responsabilização de sócios-administradores também no cam-po tributário, mas não só neste.

O fato de uma sociedade simplesmente não poder ser encontrada em qualquer lugar conhecido ou no endereço registrado perante a Junta Comercial ou a Receita Federal indica muitas vezes um desejo de ocultar--se à possibilidade de ser demandada em juízo por obrigações de qualquer natureza (sejam elas cíveis, tributárias, trabalhistas, ambientais, etc).

Se para a constituição da sociedade empresarial exige-se um proce-dimento legal de registro, que lhe atribui personalidade jurídica e opera a distinção entre o patrimônio da sociedade e de seus sócios (societas dis-tat singulis), sem o que restarão os sócios com responsabilidade ilimitada (a hipótese de sociedades irregulares), tampouco a dissolução da sociedade, que redundará depois em sua extinção, pode ser feita de forma irregular, sem que nem mesmo se saiba em que lugar pode se encontrar a pessoa jurí-dica para efeitos de cumprimento de suas obrigações, sob pena de também haver responsabilização dos sócios que deram causa à tal dissolução em contrariedade à lei.

1 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 103 e 125-126.

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Assim, o “desaparecimento fático” da sociedade empresarial por não ser possível encontrá-la no endereço registrado configura violação à lei, seja por conduta dolosa dos administradores (que não desejam adimplir as obrigações da sociedade), seja por conduta culposa (negligência no cumpri-mento dos deveres legais de baixa no registro e de comunicação de endere-ço em que possa ser encontrada), independentemente da natureza do crédi-to que está sendo executado. Em ambos os casos, a irregularidade autoriza o redirecionamento da execução – seja de dívida tributária ou não tributária – contra o administrador que deu causa à dissolução irregular.

Observe-se que as normas de direito privado exigem dos administra-dores de sociedades empresárias que atuem com cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios, bem como que exerçam suas atribuições de acordo com a lei e com os atos constitutivos da sociedade:

“Código Civil

Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.

Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a socieda-de e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.

Art. 1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimita-da a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.

Lei das S.A. (Lei nº 6.404/1975)

Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.

Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.

Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:

I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II – com violação da lei ou do estatuto.

§ 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros adminis-tradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática.

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Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia-geral.

§ 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos cau-sados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.

§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que, por disposi-ção do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres.

§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a assembléia-geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.

§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto.”

Ora, evidentemente, dissolver irregularmente uma sociedade, em de-satenção às normas de direito privado, configura violação à lei e ao dever por ela instituído de cuidado e diligência dos administradores. Valiosa neste ponto a lição de Arnoldo Wald:

“352. O endereço onde a sociedade tem o seu domicílio é denominado sede social e deve ser informado por completo no contrato. Ademais, eventual modificação da sede posteriormente à constituição da sociedade deve ser objeto de alteração contratual e arquivamento no registro competente, para que terceiros, que travem relações com a sociedade, tomem conhecimento da modificação. Ressalta-se ainda que a declaração da sede é relevante para o fim de serem propostas as ações judiciais contra a sociedade e, ainda, na hipótese de insolvência, para orientar a definição do juízo universal. [...]

566. O legislador estabeleceu a solidariedade entre os administradores, em relação à sociedade e a terceiros, quando agirem com culpa ou dolo no de-sempenho de suas funções gestoras dentro da sociedade.

567. Deve ficar clara a relação entre a responsabilidade solidária e a cul-pa na prática do ato prejudicial, pois, pelo contrário, poder-se-ia concluir pela responsabilidade objetiva de administradores que não participaram da operação danosa ou nem mesmo tinham conhecimento da referida prática. Aliás, a solidariedade deve ser analisada conjuntamente com o tipo de ad-

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ministração – disjuntiva ou conjunta – e com a distribuição de competências conforme o contrato social.

568. Conforme a lição de Giuseppe Ferri, a responsabilidade solidária so-mente se justifica na administração colegiada ou conjunta, mas não no sis-tema de administração isolada, salvo se pretender punir o administrador que não manifestar a sua oposição à atuação dos demais e exigir que ele tenha uma constante fiscalização dos atos praticados pelos outros gestores. Ocorre que esta última conclusão deve ser examinada com cautela, para não agra-var demasiadamente a responsabilidade dos administradores. Assim, a regra deve ser interpretada conjuntamente com o dever de cuidado e diligência, do qual trata o art. 1.011 do Código Civil. Portanto, quando o gestor teve a cautela que dele normalmente se esperava, não deve ser responsabilizado pelo ato do outro administrador, que pode, até mesmo, estar atuando de forma escusa e não explicitamente, de maneira imperceptível.

569. Outra hipótese se dá quando há omissão nos deveres que cabem a todos os administradores, tais como o dever de elaboração das contas, nas quais a omissão é imputável a todos os administradores e, em última análise, quando há culpa de todos pela omissão de cumprimento de obrigação legal ou contratual. [...]

1.274. O administrador não responde pelos atos praticados dentro do objeto social e no interesse da sociedade.

1.275. Entretanto, agindo o administrador com excesso de poderes, isto é, extrapolando o objeto social ou contrariando as disposições do contrato, ele será pessoalmente responsável por seus atos. Neste sentido é a redação do art. 1.015, que determina poder o administrador praticar os atos con-cernentes à gestão social. Nos termos da lei acionária, especificamente no seu art. 158, os administradores não são responsáveis pessoalmente quando praticarem atos regulares de gestão, respondendo, todavia, pelos prejuízos que causarem à sociedade em virtude de atos praticados com culpa ou dolo mesmo dentro das suas atribuições e poderes ou com violação da lei ou do estatuto.”2

Também já foi manifestado pelo Desembargador Federal Marcus Abraham – ainda que em matéria tributária –, o entendimento de que a não observância das normas de direito privado enseja a responsabilização dos sócios a quem seja imputável a ilegalidade. A lógica aqui é a mesma – é antes a infração ao direito privado, que rege as obrigações dos sócios-admi-nistradores, que ensejará o redirecionamento da execução fiscal:

2 WALD, Arnoldo. Comentários ao Novo Código Civil. 2. ed. Forense: Rio de Janeiro. Vol. XIV. p. 115-116; 175-176; 389.

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“Portanto, se o nosso objeto de estudo é a responsabilidade que é atribuída aos sócios, não podemos deixar de considerar que as situações jurídicas são criadas, em um primeiro momento, na esfera do direito privado, para, após, ser capturada pelo Direito Tributário e, somente então, permitindo-se aplicar suas normas. Assim sendo, a inadimplência de tributos, bem como a inadim-plência de qualquer outra obrigação, surge primeiramente no âmbito do Di-reito Civil e lá já sofre os efeitos das respectivas normas. Em um segundo momento, o Direito Tributário irá aplicar suas regras, a fim de realizar o seu múnus. E as aplicará, repita-se, já considerando os efeitos e consequências ocorridas no Direito Privado, que em primeiro lugar se efetivam.”3

No mesmo sentido de aceitação do redirecionamento da execução fiscal de dívida não tributária nos termos da legislação civil, desde que a sociedade não seja encontrada por oficial de justiça no domicílio informado nos registros públicos:

“PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – DÍVIDA NÃO-TRIBUTÁRIA – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO AOS SÓCIOS DA PESSOA JURÍ-DICA – ART. 10 DO DECRETO Nº 3.708/1999 – DISSOLUÇÃO IRREGULAR – POSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 435/STJ

1. No caso sub judice, consta expressamente no acórdão que ‘a inexistência de baixa da empresa junto aos órgãos de registro comercial e fiscal, não pode ser considerada fraude, mas somente irregularidade que deve ser tratada nos respectivos âmbitos de competência, de modo que os seus efeitos não trazem qualquer consequência à relação jurídica existente entre a Fazenda Pública e o executado, por se tratarem de esferas independentes, motivos pelos quais é inadmissível o redirecionamento da execução fiscal aos sócios’.

2. Nos termos da Súmula nº 435/STJ, no entanto, ‘presume-se dissolvida irre-gularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente’.

3. Assim, reconhecido pela Corte de origem que houve a dissolução irregu-lar, cabível é o redirecionamento do feito ao sócio – com poderes de admi-nistração – em razão dos débitos da sociedade por quotas de responsabilida-de limitada, conforme o disposto no art. 10 do Decreto nº 3.708/1999.

4. Precedentes: AgRg no AREsp 8.509/SC, Rel. Min. Humberto Martins, Se-gunda Turma, DJe 4.10.2011; REsp 906.305/RS, Rel. Min. Castro Meira, Se-gunda Turma, DJ 15.3.2007, p. 305; e REsp 697108/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 13.05.2009.

3 ABRAHAM, Marcus. A responsabilidade tributária dos sócios em face do novo direito privado. In: MARTINS, Ives Gandra; BRITO, Edvaldo Pereira de (Org.). Direito tributário: outros tributos, temas atuais e direito tributário internacional. São Paulo: RT, 2011. p. 548 (Coleção doutrinas essenciais, v. 6).

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5. Recurso especial provido.”

(STJ, REsp 1272021/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, J. 07.02.2012, DJe 14.02.2012)

“PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – OMISSÃO – EFEI-TOS INFRINGENTES – EXECUÇÃO FISCAL – OBRIGAÇÃO DE NATURE-ZA NÃO TRIBUTÁRIA – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE EXE-CUTADA – COMPROVAÇÃO – REDIRECIONAMENTO EM FACE DOS SÓCIOS ADMINISTRADORES – CABIMENTO – I – Trata-se de Embargos de Declaração opostos pelo Ibama, buscando suprir omissão no acórdão lavrado por esta E. Turma Especializada quando do julgamento do Agravo Interno interposto contra a Decisão Monocrática do Relator, que negara se-guimento ao Agravo de Instrumento. II – A jurisprudência do STJ vem ampla-mente emprestando efeitos infringentes aos embargos de declaração quando a correção do vício existente acarretar, necessariamente, a modificação do decisum. III – Não encontrada a sociedade executada no domicílio fiscal, há presunção iuris tantum de dissolução irregular e a possibilidade de res-ponsabilização dos sócios-gerentes, nos termos da Súmula nº 435, do STJ. IV – O redirecionamento da execução em face dos sócios não está previsto, unicamente, no art. 135 do CTN, o qual não tem incidência nas demandas envolvendo obrigação de natureza não-tributária. Havia previsão no art. 10 do Decreto nº 3.708/1999, que, embora tenha sido revogado, tacitamente, pelo Código Civil de 2002, deve ser aplicado aos fatos ocorridos anterior-mente à vigência do novo Código Civil, em atenção ao princípio do tempus regit actum. Por sua vez, se a dissolução irregular ocorreu na vigência do novo Código Civil, viável o requerimento devidamente fundamentado, com base nos arts. 1.016, 1.053 e 1.036, quanto aos administradores, bem como, em relação aos sócios, por força da ausência das providências do art. 1.038, a justificar a aplicabilidade do art. 1.023. V – A responsabilidade pessoal do sócio-gerente – por meio da qual o sócio pode vir a ser chamado a res-ponder, de forma ilimitada, com seu próprio patrimônio, pelas dívidas da sociedade – decorre, entre outras hipóteses, nos casos em que há dissolução irregular da sociedade. VI – Embargos de Declaração providos para sanar o vício existente e, atribuindo-lhes efeitos infringentes, reformar a decisão pro-ferida pelo Juízo a quo e deferir o pedido de redirecionamento da execução fiscal em face dos sócios-gerentes.”

(TRF 2ª R., AG 201102010096420, Rel. Des. Fed. Reis Friede, 7ª T. Esp. J. 26.06.2013, publ. 09.07.2013)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONA-MENTO DA AÇÃO EM FACE DE SÓCIOS – GERENTES – DÉBITO DE NATU-REZA NÃO TRIBUTÁRIA – POSSIBILIDADE NA HIPÓTESE – AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO – I – Cuida-se de execução fiscal para cobrança

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dívida ativa não tributária, qual seja, multa imposta à executada, por infração ao art. 5º da Lei nº 9.933 de 20.12.1999, consoante se verifica da CDA fl. 15. II – Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça tem afastado a possibilidade de redirecionamento da execução para dívida não tributária, entendendo que o art. 135 do CTN é aplicável apenas às obrigações de natureza tri-butária. III – Precedentes (REsp 408618/PR, Rel. Min. Castro Meira, Segun-da Turma, J. 03.06.2004, v.u., DJ 16.08.2004, p. 174, REsp 638580/MG, Rel. Min. Franciulli Netto, Segunda Turma, J. 19.08.2004, DJ 01.02.2005, p. 514, REsp 644207/SE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, J. 18.09.2007, DJ 22.10.2007, p. 19, Agravo legal em AI 2009.03.00.006123-3, Rel. Des. Fed. Carlos Muta, 3ª Turma, J. 22.10.2009, v.u., TRF 3ª Região, AG 200905000422740, Segunda Turma, Rel. Des. Fed. Sérgio Murilo Wan-derley Queiroga, J. 13.10.2009, TRF 5ª R. e AC 200770010028751, Quarta Turma Relator Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia, J. 11.11.2009, v.u., TRF 4ª Região). IV – Quanto à aplicação da lei civil para o redirecionamento do exe-cutivo fiscal não-tributário contra os sócios da empresa executada, a juris-prudência se posiciona no sentido de se aplicar o Decreto nº 3.708/1999 ou o Novo Código Civil, conforme o período da respectiva vigência (Preceden-te do STJ: REsp 657935, Rel. Min. Teori Albino Zavascki DJU 28.09.2006). V – No caso dos autos, verifica-se que o pedido de inclusão dos sócios ocor-reu em 25.08.2008, portanto, na vigência do Novo Código Civil, o qual dispõe sobre a responsabilização dos sócios: ‘Art. 50 – Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações seja estendidos aos bens par-ticulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.’ ‘Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os tercei-ros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.’, ‘Art. 1.022. A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador.’, ‘Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária.’, ‘Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser execu-tados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.’, ‘Art. 1.025. O sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das dívidas sociais anteriores à admissão’. VI – Há decisões dos tribunais no sen-tido de que: ‘Os bens particulares dos sócios, uma vez integralizado o capital da sociedade por cotas, não respondem pelas dívidas desta, nem comuns, nem fiscais, salvo se o sócio praticou ato com excesso de poderes ou infra-ção da lei, do contrato social ou dos estatutos’ (RTJ 85/RTJ 82/936, 83/893, 101/1236, 112/812) (Código Civil e legislação civil em vigor. Theotonio Negrão e outros. Saraiva: São Paulo, 28. ed., 2009, p.67). VII – Nessa estei-

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ra, assim como reconhecido no âmbito de execuções fiscais, a dissolução irregular da empresa caracteriza infração que enseja a responsabilidade dos sócios, tendo o Superior Tribunal de Justiça pacificado o entendimento de que se presume ‘dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legiti-mando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente’ (Súmula nº 435). VIII – Não obstante, encontra-se sedimentada a jurisprudência no sentido de ser imprescindível, para o reconhecimento da dissolução irregular da sociedade, a apuração, por oficial de justiça, da respectiva situação de fato no endereço declarado nos autos (Precedentes do STJ: REsp 1072913, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJU 04.03.2009; REsp 1017588, Rel. Min. Humberto Martins, DJU de 28.11.2008). IX – Precedente desta Terceira Tur-ma de Julgamento (AI 2009.03.00.043356-2, Terceira Turma, Relatora De-sembargador Cecília Marcondes, J. 10.06.2010, v.u.) X – No presente caso, verifico pelo documento de fl. 32, bem como pela certidão do Oficial de Jus-tiça (fl. 38), que a empresa executada não foi localizada no endereço cons-tante dos cadastros da exequente, o que permite suspeitar que tenha havido a dissolução irregular. XI – Cabível, destarte, o redirecionamento da execução fiscal em face dos sócios-gerentes da empresa executada que figuravam na época da sua dissolução irregular. XII – Modificando, portanto, o entendi-mento por mim anteriormente manifestado, determino que sejam excluídos do polo passivo da ação executiva os sócios com poderes de gerência em 18.08.2004 e sejam incluídos os sócios Helio Gonçalves Dias e Antonio da Cruz Matos, que constam na ficha cadastral da Jucesp (fl. 29) como os sócios administradores, na época da dissolução irregular da sociedade executada. XIII – Agravo de Instrumento provido.”

(TRF 3ª R., AI 0015898-19.2009.4.03.0000, Relª Desª Fed. Cecilia Marcon-des, 3ª T., J. 18.07.2013)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – ANP – EXECUÇÃO FISCAL – DÍVIDA NÃO-TRIBUTÁRIA – REDIRECIONAMENTO – SÓCIO CO-RESPONSÁVEL CONSTANTE DA CDA – PRESUNÇÃO DE LIQUIDEZ E CERTEZA – I – A constatação, pelo oficial de justiça, do não funcionamento da pessoa jurídica executada no endereço indicado no respectivo cadastro fiscal, é indício de sua irregular dissolução. II – Constando da Certidão de Dívida Ativa os sócios co-responsáveis, possível é o redirecionamento da execução, sem a neces-sidade de demonstração da efetiva irregularidade da dissolução da pessoa jurídica, ante a presunção de liquidez e certeza da CDA. III – Ainda que não se entendesse pertinente a aplicação das normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária às dívidas não-tributárias, conforme previsto no § 2º do art. 4º da Lei nº 6.830/1980, mesmo à luz da legislação civil, os sócios respondem, ainda que subsidiariamente, pelas dívidas da sociedade cujos bens não sejam suficientes para cobri-las. IV – Não tendo sido locali-zado estabelecimento da pessoa jurídica, nem seus bens, aplicável é a norma

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do art. 1.023 do Código Civil, até que os sócios demonstrem o contrário, in-dicando onde se encontram a sede da pessoa jurídica e os respectivos bens. V – Agravo de Instrumento provido para determinar o redirecionamento da execução em face dos sócios constantes da CDA.”

(TRF 2ª R., AG 201102010030912, Relª Desª Fed. Fatima Maria Novelino Sequeira, 8ª T.Esp., J. 07.12.2011, publ. 19.12.2011)

Ainda que assim não fosse, embora a aplicação do CTN não seja devida quando se trata de execução fiscal de dívida ativa de natureza não tributária, esta aplicação é possível quando a própria Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/1980) excepciona tal regra, como, por exemplo, em seu art. 4º, § 4º: “Aplica-se à Dívida Ativa da Fazenda Pública de natureza não tribu-tária o disposto nos arts. 186 e 188 a 192 do Código Tributário Nacional”.

Quanto à aplicação de normas do CTN à execução de dívida não tri-butária, entendo que a LEF também abre exceção à regra em seu art. art. 4º, § 2º: “À Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial”.

Ora, o art. 135 do CTN encontra-se localizado no Capítulo V (Res-ponsabilidade Tributária), Seção III (Responsabilidade de Terceiros) do re-ferido Código, qualificando-o inequivocamente como forma de responsa-bilidade prevista na legislação tributária, como prevê o art. 4º, § 2º da LEF.

Assim, como o E. STJ, por sua Súmula nº 4354, admite o redirecio-namento da execução fiscal de dívida ativa tributária contra o sócio-ad-ministrador por dissolução irregular da sociedade com base no art. 135, III do CTN, seria possível entender também que tal artigo se aplica também a dívidas de natureza não tributária, por expressa exceção prevista no art. 4º, § 2º da LEF.

Neste sentido:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL PARA O SÓ-CIO ADMINISTRADOR – CABIMENTO – LEI Nº 6.830/1980 – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO – 1. Cuida-se de agravo de instrumento interpos-to pela ANP contra decisão interlocutória que, no bojo da ação de execução fiscal proposta pela agravante em face da sociedade ora agravada para a satisfação de divida ativa não-tributária (decorrente de infração administrati-va), indeferiu o requerimento da autarquia de citação do sócio-administrador

4 Súmula nº 435, STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”

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da sociedade executada. 2. A possibilidade de se propor a execução fiscal em face do sócio-responsável, seja pelas dívidas ativas tributárias, seja pela dívidas ativas não-tributárias, da pessoa jurídica de direito privado, inde-pendentemente de o sócio constar (ou não) da CDA, é extraída do art. 4º, inciso V, da Lei nº 6.830/1980. 3. À luz do disposto no § 2º do art. 4º da Lei nº 6.830/1980, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial à dívida ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza. 4. Quanto ao tema ora analisado, mostra-se aplicável o art. 135, inciso III, do CTN no sentido de que, in verbis: ‘São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resul-tantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.’ 5. Soma-se a isso, o teor da Súmula nº 435 do STJ, no sentido de que, in verbis: ‘Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente’. 6. In casu, resta evidente a dissolução irregular da so-ciedade, seja pela certidão negativa do ato citatório expedida pelo oficial de justiça, seja, sobretudo, pelo teor desta certidão, em que o auxiliar da justiça narra que, no domicílio da sociedade executada, foi encontrado, apenas, um prédio residencial com quatro pavimentos, composto por oito apartamentos, no qual, ao indagar aos moradores acerca da sociedade executada, nenhuma informação conseguiu obter, chegando à conclusão de que a pessoa jurídi-ca é aparentemente desconhecida ali. 7. Agravo de instrumento conhecido e parcialmente provido. Decisão reformada para determinar o redireciona-mento da execução fiscal para a pessoa do sócio-administrador.”

(TRF 2ª R., AG 201202010173387, Rel. Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, 6ª T.Esp., J. 20.03.2013, publ. 03.04.2013)

“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO LEGAL – ART. 557, § 1º, DO CPC – AGRA-VO DE INSTRUMENTO JULGADO MONOCRATICAMENTE – REDIRECIO-NAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL EM FACE DOS SÓCIOS – DÍVIDA ATIVA NÃO-TRIBUTÁRIA. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ART. 135 DO CTN – DISSOLUÇÃO IRREGULAR NÃO COMPROVADA – AGRAVO LEGAL DESPROVIDO – 1. Cuida-se de multa imposta com fundamento no art. 9º da Lei nº 5.966/1973; portanto, legalmente é Dívida-Ativa não-tribu-tária (art. 39, § 2º, da Lei nº 4.320/1964). 2. Para cobrança executiva desses créditos incide a Lei nº 6.830/1980 (art. 1º), cujo artigo 2º torna imune de dúvidas que constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela considerada tributária ou não-tributária pela Lei nº 4.320/1964. 3. No ambiente severo da Lei nº 6.830/1980 tem-se que ‘à Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qual-quer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial’ (destaque – § 2º do artigo 4º). Assim, não é correto dizer-se que o art. 135 do CTN não se aplica na execução de

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Dívida-Ativa não-tributária, já que existe norma legal (§ 2º, art. 4º da LEF) dizendo que se aplica. 4. No caso, a execução fiscal foi ajuizada apenas em face da empresa devedora, a qual não foi localizada quando da tentativa de citação por via postal com AR que retornou “negativo”. 5. Atualmente se considera presumida a dissolução irregular da empresa pela sua não loca-lização no endereço dos cadastros oficiais, consoante se extrai da Súmula nº 435 do STJ, circunstância apta a ensejar o redirecionamento da dívida em face do sócio-gerente com fundamento no art. 135, III, do CTN. 6. Sucede que esta presunção de infração à lei somente é admitida quando certificada pelo oficial de justiça, não bastando a devolução da carta citatória pelos Correios como indício suficiente para se presumir o encerramento irregular da sociedade. 7. Agravo legal desprovido.”

(TRF 3ª R., AI 0011172-31.2011.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Johonsom di Salvo, 6ª T. J. 12.09.2013)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – CURADOR ESPE-CIAL – DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA – REDIRECIONAMENTO DA EXECU-ÇÃO FISCAL PARA O SÓCIO ADMINISTRADOR – CABIMENTO – LEI Nº 6.830/1980 – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO – 1. Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu o pleito de re-direcionamento da execução para o sócio-administrador da empresa-agrava-da. 2. O recurso de agravo de instrumento é delimitado pelo teor da decisão impugnada. Uma vez que o Magistrado de Primeiro Grau apenas indeferiu o pleito de redirecionamento da execução para o sócio-administrador da empresa-executada, não é possível conceder, através do presente agravo, o deferimento do requerimento quanto à nomeação de curador. 3. A possibi-lidade de se mover a execução fiscal em face do responsável, nos termos da lei, pelas dívidas tributárias, ou não, da pessoa jurídica de direito privado, independentemente de o mesmo constar da CDA, extrai-se do art. 4º, in-ciso V, da Lei nº 6.830/1980. 4. À luz do disposto no § 2º do art. 4º da Lei nº 6.830/1980, à dívida ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tri-butária, civil e comercial. 5. No tocante à responsabilidade pessoal dos di-retores, gerentes ou representantes, da pessoa jurídica de direito privado, também se posicionam o art. 135 do CTN e a jurisprudência atual do C. STJ. 6. Resta evidente a dissolução irregular da sociedade. Primeiro porque a diligência foi negativa em razão de a empresa encontrar-se desativada há muito tempo –, conforme certidão lavrada pelo Sr. Oficial de Justiça. E se-gundo porque figura nos cadastros do Governo como se estivesse operando ativamente naquele local. 7. Agravo de instrumento parcialmente provido.”

(TRF 2ª R., AG 201102010051873, Rel. Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, 6ª T.Esp. J. 15.08.2011, publ. 24.08.2011)

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RDE Nº 42 – Jan-Fev/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ..........................................................................................69

“PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – DÍVIDA NÃO TRIBU-TÁRIA (MULTA) – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL AO RES-PONSÁVEL QUE NÃO CONSTA DA CDA – CABIMENTO – LEI 6.830/1980 – I – Com efeito, a possibilidade de se mover a execução fiscal em face do responsável, nos termos da lei, pelas dívidas tributárias, ou não, da pessoa jurídica de direito privado, independentemente de o mesmo constar da CDA, extrai-se do art. 4º, inciso V da Lei nº 6.830/1980. II – O art. 135 do CTN, também aplicável à execução fiscal de dívidas não tributárias, por força do disposto no § 2º do art. 4º da Lei nº 6.830/1980, o qual dispõe que são pes-soalmente responsáveis os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, quando atuam com excesso de poderes ou in-fração de lei, contrato social ou estatutos. III – A jurisprudência orienta-se no sentido de permitir o redirecionamento da execução fiscal contra o diretor, gerente ou representante da sociedade executada, sem depender da prévia inclusão do seu nome em inscrição em dívida ativa, desde que provado pelo Fisco que a atuação do responsável tenha sido com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, assim como na hipótese de dis-solução irregular da empresa. IV – Evidencia-se a dissolução irregular da sociedade, no caso em tela, porquanto restou inócua a diligência de citação da pessoa jurídica, em razão de a empresa não mais se encontrar localizada no endereço declarado. Assim, cabível na espécie o redirecionamento da execução fiscal para o responsável, eis que demonstrada nos autos a dissolu-ção irregular da sociedade. V – Agravo de instrumento conhecido e provido.”

(TRF 2ª R., AG 2008.02.01.015093-1, Rel. Juiz Fed. Conv. Theophilo Miguel, 7ª T.Esp. J. 15.04.2009, publ. DJU 25.052009)

Portanto, seja com base na violação de normas de direito privado pelo administrador que não se desincumbiu de seu dever legal de dissol-ver regularmente a sociedade (ao abandoná-la sem que possa ser encontra-da em qualquer lugar conhecido), seja com base na hipótese excepcional de aplicação do CTN prevista pelo art. 4º, §2º da Lei nº 6.830/1980 (c/c art. 135, III do CTN e Súmula nº 435, STJ), a solução não se altera: embora a dívida ativa seja de natureza não tributária, pode ser redirecionada a exe-cução contra o administrador que deu causa à dissolução irregular pelo fato de a empresa deixar de funcionar em endereço conhecido.

Por todo o exposto, dou provimento ao agravo para autorizar o redi-recionamento da execução fiscal contra a sócia-administradora.

É como voto.

Antônio Henrique Corrêa da Silva Juiz Federal Convocado

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Assunto Especial – Ementário

Sociedade Anônima

2340 – Sociedade anônima – ação de responsabilidade civil contra administrador – julga­mento antecipado da lide – cerceamento de defesa – aplicação analógica – ocor­rência

“Recurso especial. Processual civil e empresarial. Julgamento antecipado da lide. Cercea-mento de defesa (CPC, art. 130). Não ocorrência. Sociedade anônima. Ação de responsa-bilidade civil contra administrador (Lei nº 6.404/1976, art. 159) ou acionistas controladores (aplicação analógica): ação social ut universi e ação social ut singuli (Lei nº 6.404/1976, art. 159, § 4º). Danos causados diretamente à sociedade. Ação individual (Lei nº 6.404/1976, art. 159, § 7º). Ilegitimidade ativa de acionista. Recurso provido. 1. O art. 130 do CPC trata de faculdade atribuída ao juiz da causa de poder determinar as provas necessárias à instrução do processo. O julgamento antecipado da lide, no entanto, por entender o Magistrado encon-trar-se maduro o processo, não configura cerceamento de defesa. 2. Não viola os arts. 459 e 460 do CPC a decisão que condena o réu ao pagamento de valor determinado, não obstante constar do pedido inicial a apuração do valor da condenação na execução da sentença. 3. Aplica-se, por analogia, a norma do art. 159 da Lei nº 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas) à ação de responsabilidade civil contra os acionistas controladores da companhia por danos decorrentes de abuso de poder. 4. Sendo os danos causados diretamente à compa-nhia, são cabíveis as ações sociais ut universi e ut singuli, esta obedecidos os requisitos exi-gidos pelos §§ 3º e 4º do mencionado dispositivo legal da Lei das S/A. 5. Por sua vez, a ação individual, prevista no § 7º do art. 159 da Lei nº 6.404/1976, tem como finalidade reparar o dano experimentado não pela companhia, mas pelo próprio acionista ou terceiro prejudica-do, isto é, o dano direto causado ao titular de ações societárias ou a terceiro por ato do admi-nistrador ou dos controladores. Não depende a ação individual de deliberação da assembleia geral para ser proposta. 6. É parte ilegítima para ajuizar a ação individual o acionista que sofre prejuízos apenas indiretos por atos praticados pelo administrador ou pelos acionistas controladores da sociedade anônima. 7. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.214.497/RJ – (2010/0171755-3) – 4ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 06.11.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de ação ordinária proposta por Espólio de Martinho de Luna Alencar, representado por sua inventariante, contra a recorrente, com fundamento no art. 159 do Código Civil de 1916. Transcrevo parte do relatório constante do aresto recorrido para melhor compreensão da matéria:

Consta que o Espólio autor alegou, em síntese, como causa de pedir, que é sócio mi-noritário, com participação acionária de 3,3273% da Empresa Rádio Clube de Per-nambuco S/A. Disse que a referida empresa recebeu da União Federal a quantia de R$ 220.810.239,00 (duzentos e vinte milhões, oitocentos e dez mil, duzentos e trinta e nove reais) em decorrência de condenação judicial a esta imposta.

A empresa, por intermédio de seus acionistas controladores, celebrou com várias outras sociedades, também por eles controladas (mas das quais o autor não faz parte), contra-tos de mútuo, pelos quais foi transferida para as sociedades mutuárias a importância de R$ 172.662.142,59 (cento e setenta e dois milhões, seiscentos e sessenta e dois mil, cento e quarenta e dois reais e cinquenta e nove centavos).

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RDE Nº 42 – Jan-Fev/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO ...........................................................................................................71

Posteriormente, esses contratos foram transformados em adiantamento pecuniário para futuro aumento de capital.

O autor mencionou que quase todas as empresas beneficiárias dos empréstimos são controladas pelos mesmos sócios do recorrente, o que demonstra a ilicitude, a fraude e a simulação do procedimento dos réus.

Afirmou o autor que grande parte das empresas beneficiárias dos empréstimos está em situação financeira precária, o que inviabiliza a restituição da quantia emprestada.

Alegou ainda que não foi exigida nenhuma garantia das empresas mutuárias quando da celebração dos contratos, que foram feitos em condições extremamente desvantajosas para a empresa mutuante, principalmente se comparadas com aplicações que poderiam ser feitas no mercado financeiro.

Com fundamento no art. 159 do Código Civil de 1916, então vigente, e invocando a so-lidariedade entre as pessoas físicas que integram o Condomínio Acionário das Emissoras e Diários Associados, o espólio autor requereu: a anulação dos contratos de mútuo de-pois transformados em adiantamento pecuniário para futuro aumento de capital; a con-denação das sociedades rés a se abster de efetuar novas transferências patrimoniais que tenham como origem a indenização paga pela União Federal; a condenação dos réus (à exceção da primeira ré empresa mutuante), em caráter solidário, a restituir à primeira ré as importâncias dela recebidas com base nos contratos celebrados; a condenação dos mesmos réus ao pagamento de indenização das perdas e danos sofridos pelo autor.

O acionista não tem legitimidade para acionar judicialmente o controlador da compa-nhia que, em abuso de poder, causa prejuízo econômico à empresa. A legitimidade só ocorre se o prejuízo atingir diretamente o patrimônio do sócio, situação em que este pode ingressar com ação individual, mediante os requisitos legais previstos pela Lei nº 6.404/1976 (Lei da Sociedade por Ações).

O entendimento do STJ é que, em relação ao acionista controlador, pode ser aplicado com base no art. 159 da Lei nº 6.404. Entretanto, se os danos causados ao sócio ocor-rem de forma indireta, cabe ao prejudicado ajuizar a chamada ação social.

A Terceira Turma do STJ reformou a decisão do TJRJ e julgou o processo extinto sem resolução de mérito, com fundamento no art. 267, VI, do Código de Processo Civil.

O STJ entendeu que a decisão das instâncias inferiores não poderia ser mantida, já que os danos narrados pelo autor da ação não foram diretamente causados a ele. Tais prejuízos teriam sido causados primordialmente à sociedade.

Vale trazer trecho do voto do Relator:

“A propósito, ensina José Waldecy Lucena (Das sociedades anônimas – Comentários à lei, v. II, Renovar, 2009, p. 616):

‘Nada impede o acionista pessoalmente lesado, cumpre destacar, de cumular a ação social ut singuli ou a ação social derivada com a ação individua l, sendo mesmo, em determinados casos, difícil distinguir o objeto de cada uma.’

[...]

A professora Ana Frazão, em recente obra (Função social da empresa – Repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/As. Renovar, 2011, p. 248/249), aponta solução que reputo a mais adequada para o imbróglio.

Sustenta a ilustre professora:

Apesar de controladores e administradores exercerem diferentes funções e níveis de po-der na condução dos negócios sociais das companhias, têm em comum a circunstância de serem gestores da atividade empresarial. Estão, portanto, sujeitos aos mesmos prin-cípios da ordem econômica constitucional, que oferece os parâmetros para a delimitação dos fins e objetivos da atividade empresarial, bem como para a redefinição do interesse social das companhias.

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Daí a possibilidade do tratamento conjunto da responsabilidade civil de controladores e administradores, conclusão que é reforçada pelos pressupostos funcionais e pragmáticos já examinados, os quais mostram que o regime de responsabilidade civil dos gestores é arquitetado para assegurar uma boa gestão, em obediência aos interesses constitucional e legalmente protegidos, tanto ao nível do controle quanto ao nível da administração strictu sensu.

Também no que se refere aos pressupostos legais, já se viu que a disciplina da matéria na Lei das Sociedades Anônimas mostra o paralelismo entre a situação dos controlado-res e administradores, submetendo-los a regras e cláusulas gerais semelhantes.

Não se questiona que a Lei das S/A é bem mais pormenorizada em relação aos admi-nistradores do que em relação aos controladores, o que decorre até mesmo da maior experiência existente em relação aos primeiros, tendo em vista que a própria figura do controlador só começou a ser objeto de reflexões próprias na metade do século XX. Acresce que o principal conflito (agency conflict) existente no Direito norte-americano, que até hoje é uma das principais fontes das discussões sobre o assunto, diz respeito às relações entre os acionistas e administradores, de forma que o enfoque na conduta destes últimos é bem maior.

Tais distinções não impedem, entretanto, a aproximação entre os regimes de responsabi-lidade, o que já vem acontecendo na prática brasileira. Como exemplo, pode ser citada a recente disciplina sobre o dever de informar e o dever de sigilo, antes previstos apenas para os administradores e agora também exigidos expressamente dos controladores.’

Em complemento ao seu raciocínio, assevera a professora:

‘Já se viu que a própria Lei da S/A prevê a chamada ação de responsabilidade individual (art. 159, § 7º), por meio da qual acionistas ou terceiros podem exercer pretensões ressarcitórias contra os administradores. Embora não haja previsão expressa em relação ao controlador, impõe-se a aplicação analógica da mesma solução processual, tendo em vista que também ele está sujeito ao dever de diligência.

Daí porque se tratará da responsabilidade dos ‘gestores’ perante acionistas e terceiros, ressaltando-se que tal hipótese está sujeita às normas gerais de responsabilidade civil extracontratual contidas no Código Civil. Trata-se igualmente de responsabilidade subje-tiva, como já se examinou anteriormente.’ (op. cit., p. 364)

Na mesma esteira é o entendimento de Modesto Carvalhosa (Comentários à lei de sociedades anônimas, 3º v., Saraiva, 2009, p. 396) ao comentar o art. 159 da Lei nº 6.404/1976, verbis:

‘O controlador responderá solidariamente com os administradores, se tiver concorrido para a prática dos atos ilícitos (art. 158). Pode, portanto, o controlador ser sujeito passivo da ação.

Essa legitimidade passiva aplica-se tanto a pessoas físicas como jurídicas. Aplica-se notadamente às companhias controladoras, nas hipóteses previstas no art. 245 da lei.

Esse litisconsórcio passivo é diverso da responsabilidade direta e pessoal do controlador--administrador, prevista no art. 117 da lei. Convém enfatizar que cabe ação de res-ponsabilidade contra o controlador, a qual pode ser intentada pela própria companhia, diretamente ou por substituição processual, sem embargo da que cabe diretamente por acionista individual.

Muito embora a norma comentada não se refira ao acionista controlador como sujeito passivo da relação processual, o art. 117 explicitamente declara que ele responde pelos danos causados, nos casos que especifica.

Consequentemente, os procedimentos previstos no artigo ora comentado aplicam-se inteiramente aos controladores, pessoas físicas ou jurídicas, também por atos ilícitos próprios, independentemente daqueles praticados pelos administradores.

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Presente tais lições, não tenho dúvida em afirmar que o acionista, qualquer que seja sua participação no capital da companhia, tem, em tese, legitimidade para acionar judicialmente o controlador que, abusando do seu poder de controle, lhe causa prejuízo. Resta definir, no entanto, em que circunstâncias pode o acionista exercer sua pretensão individual e em que medida ela se confundiria com a ação social prevista nos §§ 1º a 6º do referido art. 159.

Na doutrina nacional, José Waldecy Lucena (op. cit., p. 615/616) esclarece:

‘Pode o acionista ut socii, finalmente, ingressar com a ação individual, quando pleiteará, em nome próprio, um direito seu, pessoal, sem embargo de que uma decisão favorável poderá vir a beneficiar outros consócios. Responsabilizando o administrador (ou o con-trolador, digo eu) faltoso (art. 158, I e II), não estará o acionista, com a ação individual, procurando recompor prejuízos da sociedade, mas sim prejuízo pessoal, ainda que po-tencial, ocasionado por ato ou omissão daquele.

Tanto ter a própria lei ressalvado que a ação social, em suas três modalidades (ut univer-si, ut singuli e derivada – caput e §§ 3º e 4º), não exclui a ação que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador (§ 7º).

Exemplo clássico de prejuízo ocasionado pelo administrador diretamente ao acionista ut socii tem-se na condenável prática de insider trading, do qual tratamos em comentários ao art. 155. Cabe, nesse caso, a ação individual contra o administrador que, como ex-põe Tavares Guerreiro, infringe o dever de lealdade, dispondo de informação relevante, não divulgada ao público, para obter vantagem na venda de ações da companhia no mercado, em detrimento do acionista que, ignorando referida informação relevante, dei-xa de vender suas próprias ações. ‘Se os dados reservados, de que dispõe o administra-dor, indicam uma tendência baixista das cotações das ações da companhia, o acionista sofre prejuízo se retém suas ações, na expectativa contrária, ou seja, na esperança de valorização das mesmas’. Outros exemplos incluem o dano personalizado, como ocorre na recusa do fornecimento de certidões, de que trata o art. 100, a determinado acionis-ta; ou a protelação no pagamento de dividendos, pela criação de formalidades inadmis-síveis ou abusivas, ou a preterição no exercício do direito de subscrição. Trata-se, em suma, de um prejuízo pessoal, que não diz respeito, nem se confunde com os interesses da companhia, em razão do que a ação individual do acionista não se submete a ne-nhum dos requisitos exigidos para a ação social ut singuli.

Oportuna, por isso, a observação de que o acionista não tem ação individual ut socii, para haver reparação do chamado prejuízo indireto, ao argumento de que, lesada a companhia, teria ele direito de pleitear, do administrador faltoso, a sua quota-parte no prejuízo.’

Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira não discrepam (A Lei das S.A., v. II, Renovar, 1996, p. 408/409):

‘A redação do art. 159 da lei de sociedades por ações deixa evidente que o acionista da companhia não tem ação contra os administradores para obter reparação dos chamados ‘prejuízos indiretos’.

Se o patrimônio da companhia sofre prejuízo por efeito de ato ilícito de administrador ou de terceiro, a ação para haver indenização compete à companhia, como pessoa jurídica titular do patrimônio que sofreu o dano e deve receber a reparação. Somente negando a existência da personalidade distinta da companhia seria possível atribuir a cada acionis-ta ação para haver, do administrador ou de terceiro, a sua quota-parte ideal no prejuízo causado ao patrimônio da companhia: a reparação do patrimônio social seria substituída pela reparação dos patrimônios dos acionistas que promovessem ações de indenização.

No regime da lei somente existem, portanto, dois tipos de ação:

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a) a ação social, cujo fundamento é o prejuízo causado ao patrimônio da sociedade e que pode ser proposta pela companhia ou (observados os requisitos da lei) pelo acionis-ta, como substituto processual da companhia; e b) a ação individual, cujo fundamento é o prejuízo causado diretamente ao patrimônio do acionista.

A reparação do chamado ‘prejuízo indireto’ somente pode dar-se, portanto, através do exercício da ação social: assim como o prejuízo é ‘indireto’, a reparação há de ser ‘in-direta’, ou seja, através da recomposição do patrimônio da companhia. Henri e Léon Mazeaud (apud CUNHA PEIXOTO, 1972-3, v. 4, n. 974) explicam por que não existe ação individual de acionista para haver reparação de prejuízo ao patrimônio social:

‘A pessoa jurídica se interpõe entre os sócios e o autor da falta; ela forma um obstáculo intransponível às ações individuais dos sócios.’

Também Vivante (1904, v. II, n. 640) destaca a distinção entre ação individual e so-cial, mostrando que enquanto na primeira o acionista é diretamente lesado pelo ato do administrador, na segunda ‘é lesado apenas mediatamente, através da sociedade que é lesada diretamente’. E adverte:

‘A tal distinção deve manter-se atento o magistrado a fim de que o acionista desprovido de ação social não tente.’”.

Sociedade anônima – conselho fiscal – remuneração – revisão do quantum fixado – impossibilidade

“Direito empresarial e processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso espe-cial. Conselho fiscal de sociedade anônima. Remuneração dos conselheiros. Revisão do quantum fixado. Impossibilidade. Súmula nº 7 do STJ. 1. O Tribunal a quo se baseou nos elementos fáticos para fixar o valor da remuneração dos conselheiros fiscais, consideran-do as deliberações da assembleia geral de acionistas, fundadas no art. 162, § 3º, da Lei nº 6.404/1976. 2. A alteração das conclusões do acórdão recorrido com o propósito de revisar a aludida remuneração demandaria o revolvimento do conteúdo fático dos autos, providência vedada a esta Corte, a teor da Súmula nº 7 do STJ. 3. Agravo regimen-tal a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 298.568 – (2013/0041418-7) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 25.03.2014)

2341 – Sociedade anônima – contrato de participação financeira – plano de expansão de rede de telefonia – subscrição de ações – complementação

“Processo civil. Recurso de agravo na apelação cível. Contrato de participação financeira em plano de expansão de rede de telefonia. Complementação de subscrição de ações. Pre-liminar de incompetência da justiça estadual. Rejeitada. Preliminar de ilegitimidade passiva. Não acolhida. Prefacial de prescrição. Rejeitada. Pagamento das cotas na data da subscrição da ação. Súmula nº 371 do STJ. Violação. Decisão mantida. Recurso que se nega provimen-to à unanimidade. 1. Já é pacífico o entendimento de inexistência de interesse da União nas causas que dizem respeito à subscrição de ações decorrentes de contratos de partici-pação financeira em plano de expansão dos serviços de telefonia. 2. As companhias telefô-nicas sucessoras daquelas participantes do sistema Telebrás possuem legitimidade passiva para figurar em ações judiciais relativas a negócios realizados pelas companhias sucedidas. 3. O direito à complementação de ações subscritas decorrentes de instrumento contratual firmado com sociedade anônima possui prazo prescricional de 20 (vinte) anos, por motivo de sua natureza pessoal. 4. O prazo prescricional dos dividendos somente se inicia a partir do reconhecimento do direito à complementação das ações que os teriam gerado. 5. ‘Nos contratos de participação financeira para a aquisição de linha telefônica, o Valor Patrimonial da Ação (VPA) é apurado com base no balancete do mês da integralização’ (Súmula nº 371). 6. Recurso improvido. Decisão unânime.” (TJPE – Ag-Ap 0036952-10.2012.8.17.0001 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Agenor Ferreira de Lima Filho – DJe 08.01.2015)

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Transcrição Editorial SINTESESúmula nº 371 do STJ:

“Nos contratos de participação financeira para a aquisição de linha telefônica, o Valor Patrimonial da Ação (VPA) é apurado com base no balancete do mês da integralização. É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.”

2342 – Sociedade anônima – contrato de participação financeira – sucessão das respecti­vas obrigações – prescrição – inocorrência

“Apelações cíveis reciprocamente interpostas. Subscrição de ações de telefonia. Contrato de participação financeira. Apelação da Brasil Telecom S/A. Ilegitimidade passiva. Alterca-ção no sentido de que a avença foi firmada com a Telebrás. Insubsistência. Sucessão das respectivas obrigações pela empresa concessionária prestadora de serviços de telefonia fixa e móvel. Argumento prejudicial igualmente invocado quanto às ações de telefonia celu-lar. Sucessão empresarial que, também neste tocante, transfere responsabilidade à apelante. Prescrição. Inocorrência. Entendimento pacificado no STJ, no sentido de que a pretensão é de natureza pessoal, incidindo, pois, o prazo estabelecido no art. 177 do CC/1916 ou art. 205 do CC/2002, condicionado à data da capitalização. ‘Nas demandas em que se dis-cute o direito à complementação de ações em face do descumprimento de contrato de par-ticipação financeira firmado com sociedade anônima, a pretensão é de natureza pessoal e prescreve nos prazos previstos no art. 177 do Código Civil revogado e arts. 205 e 2.028 do novo Código Civil’ (STJ, Recurso Especial nº 1.033.241, do Rio Grande do Sul, Relator Mi-nistro Aldir Passarinho Junior, julgado em 22.10.2008). Impossibilidade de pagamento de di-videndos. Tese infundada. Vantagem que constitui decorrência natural da complementação de ações. ‘Reconhecido o direito dos acionistas à complementação das ações, caso efetiva-mente subscritas a menor, emerge irrefutável ser-lhes igualmente devido o recebimento dos dividendos e das bonificações, observadas, necessariamente, a espécie, classe e quantidade das ações’ (Apelação Cível nº 2014.029898-3, Relator Desembargador Robson Luz Varella, Julgado em 29.07.2014). Apontada distinção entre os contratos de PCT e PEX. Fato que não influencia no cálculo do valor patrimonial das ações devidas. Alegação de que o cálculo do valor patrimonial das ações deve ser feito segundo o balancete do mês da integralização do capital. Consolidação do entendimento jurisprudencial do STJ neste sentido. Sentença consentânea a esta orientação. Ausência de interesse recursal neste ponto. Possibilidade de postergação da aferição do quantum devido para a fase de liquidação da sentença. ‘Afasto a alegada necessidade da definição de eventuais diferenças já no processo de conhecimento, eis que nada impede que a apuração do quantum debeatur se dê na fase de liquidação de sentença’ (Apelação Cível nº 2013.073017-2, de Chapecó, Relator Desembargador Substi-tuto Rubens Schulz, Julgado em 28.04.2014). Resistência da apelante à emissão de novas ações em favor do apelado. Condenação que, todavia, admite a conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, segundo o valor de cotação na bolsa de valores, no fechamento do pregão do dia do trânsito em julgado da decisão. Reforma da sentença no particular. Apelo conhecido apenas em parte e parcialmente provido. Apelo do acionista autor alegação de que a conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, deve se dar segundo o valor da maior cotação na bolsa de valores, entre a data da integralização e da decisão. Proposição afastada. Pretendida majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais, fixados em 15% sobre o valor da condenação. Inviabilidade. Importância que revela-se adequada à remune-ração dos serviços prestados pelo profissional. Recurso conhecido e desprovido.” (TJSC – AC 2013.042643-1 – Rel. Des. Luiz Fernando Boller – DJe 14.01.2015)

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2343 – Sociedade anônima – juros sobre capital – balanço patrimonial – dedução – possi­bilidade

“Processual civil. Agravo inominado. Art. 557, § 1º, do CPC. Mandado de segurança. De-dução de juros sobre o capital próprio da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, art. 9º, Lei nº 9.219/1995. Possibilidade a partir do ano-calendário de 1997. Concessão da segurança. Agravo improvido. 1. Verifica-se, do acima exposto, que a ora agravante, em seu recurso, não aduz qualquer acréscimo apto a modificar o entendimento esposado na decisão. 2. Con-soante os termos da Lei nº 6.404/1976, art. 7º, o capital social da sociedade por ações poderá ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro. 3. No curso do desenvolvimento da atividade empresarial, em face de interesses mercadológicos e de oscilações econômicas, tanto as sociedades limitadas como as anônimas necessitam de investimento de capital, para alcançar os seus anseios produtivos/expansivos/estruturais. 4. Para o caso específico dos autos, figurando como impetrante uma sociedade anônima, os aportes poderão ser realizados por terceiros (fora do quadro social) ou pelos próprios acionistas, sendo que, na primeira hipótese, necessariamente o montante será exigido na forma pactuada (in exemplis, na emissão de debêntures), quando, na segunda modalidade, em regra, o montante não é exigível (deixa o acionista/investidor de receber di-videndo pelo resultado lucrativo, reinvestindo o capital). 5. Vigendo no mundo globalizado o predomínio do padrão econômico capitalista, patente que o uso da importância investida tem um preço, este a estar representado, pela forma mais corriqueira de acréscimo, pelos juros. 6. Ou seja, os juros sobre capital próprio nada mais são do que as despesas que a so-ciedade anônima possui em relação à remuneração (juros) das quantias pelos seus acionistas aplicadas, a título de investimento na própria sociedade. 7. Importante diferenciação merece ser destacada, porque os juros sobre capital próprio não se confundem com o pagamento de dividendos, estes últimos, no conceito do Professor Rubens Requião, a representarem ‘a parcela de lucro que corresponde a cada ação. Verificado o lucro líquido da companhia, pelo balanço contábil, durante o exercício social fixado no estatuto, a administração da sociedade deve propor à assembleia geral o destino que se deva dar. Se for esse lucro distri-buído aos acionistas, tendo em vista as ações, surge o dividendo. Até então o acionista teve apenas expectativa do crédito dividendo. Resolvida a distribuição, surge o dividendo inte-grado pelo pagamento, no patrimônio do acionista’ (Curso de direito comercial. 23. ed. 2º v., p. 243, Editora Saraiva). Precedente. 8. Em plano normativo, o art. 9º da Lei nº 9.249/1995 expressamente permitiu a dedução, para fins de apuração do lucro real, dos juros pagos a título de capital próprio aos acionistas. 9. Primordialmente os §§ 9º e 10 de referido artigo faziam distinção para a dedução implicada, no caso de apuração da base de cálculo da CSLL. 10. Referidos §§ foram revogados pela Lei nº 9.430/1996, significando dizer que, a partir do ano 1997 (os exercícios considerados pela recorrente são 1997, 1998, 1999 e 2000), não mais existiu no sistema vedação para a dedução dos juros pagos sobre capital próprio da base de cálculo o IRPJ e da CSLL, inexistindo imposição para que os juros sejam pagos no mesmo exercício. 11. Trata-se de expresso permissivo legal para que referida despesa seja deduzida da base de cálculo dos tributos em cena, observada a disposição do § 1º do art. 9º da Lei nº 9.249, a impor que o pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existên-cia de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados, bem como frise-se que § 2º estabelece que os juros ficarão sujeitos à incidência do Imposto de Renda na fonte, à alíquota de quinze por cento, na data do pagamento ou crédito ao beneficiário. 12. Patente a existência de direito líquido e certo da pessoa jurídica apelante à dedução, para efeito de apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSL, dos juros

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sobre capital próprio pagos aos acionistas em 2001, relativamente aos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000, consoante o v. entendimento pretoriano. Precedentes. 13. Merece relevo, ou-trossim, a consideração tecida pelo Professor Rubens Requião acerca dos juros sobre capital próprio: ‘Apesar da perplexidade causada pelos juros para remuneração de capital próprio, sem dúvida que representam um estímulo, um incentivo à remuneração (em sentido leigo) do acionista ou sócio, com a possibilidade de seu montante ser abatido como despesa, o que não acontece com o dividendo. Com a vantagem complementar, para o Fisco, que tributa na fonte o seu pagamento’ (Curso de direito comercial. 23. ed., 2º v., p. 250, Editora Saraiva). 14. Agravo inominado improvido.” (TRF 3ª R. – AG-AC 0001680-63.2002.4.03.6100/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Márcio Moraes – DJe 08.01.2015)

2344 – Sociedade anônima – ilegitimidade passiva – deliberação da assembleia – reconhe­cimento

“Direito societário e processual civil. Recurso especial. Omissão. Inexistência. Prequestio-namento. Imprescindibilidade. Denunciação da lide. Só tem cabimento quando prestigia a celeridade e a economia processual. Sociedade anônima. Incorporação de companhia e in-corporação de ações. Institutos diversos, que não se confundem. Fatos narrados na exordial. Ausência de relação de causa e efeito entre os danos que os autores dizem ter experimentado e conduta atribuída a um dos réus. Inafastável reconhecimento da ilegitimidade passiva. Assembleia-geral da sociedade anônima. Órgão máximo de deliberação. Transação homo-logada em juízo que colocou fim ao litígio oriundo do aumento de capital social definido em assembleia da companhia. Pretensão de, por via transversa, questionar deliberação da assembleia, após o prazo previsto no art. 286 da Lei das S.A. Inviabilidade. A confirmação expressa ou a execução voluntária de negócio anulável importa renúncia da parte às vias de impugnação desse negócio. 1. A apreciação da litisdenunciação da Caixa Brasil SGPS, em sede de recurso especial, está prejudicada, pois, conforme a iterativa jurisprudência do STJ, a denunciação da lide só tem cabimento se presentes os princípios da economia pro-cessual e da celeridade. 2. A incorporação de ações é operação prevista no art. 252 da Lei nº 6.404/1976, pela qual uma sociedade anônima é convertida em subsidiária integral, não implicando, pois, em sua extinção, que subsiste com personalidade jurídica, patrimônio e administração própria, não ocorrendo a sucessão em direitos e obrigações como ocorre com o instituto jurídico da incorporação, disciplinado pelo art. 227 do mesmo diploma. Ademais, é bem de ver que, na emenda à inicial, não é apontado nenhum ato por parte do Uniban-co que tivesse contribuído para o alegado dano que afirmam os autores terem sofrido, e o próprio acórdão recorrido fundamenta a legitimidade passiva do Unibanco com base no instituto da incorporação, que nada tem a ver com incorporação de ações. 3. Na exordial, os autores expõem que a celebração de transação, homologada em Juízo, em ação movida por outros sócios minoritários, foi feita de forma a evitar os efeitos danosos do aumento de capital social experimentados pelos demais acionistas minoritários e que deve ser anulada a deliberação do conselho de administração e, por conseguinte, a assembleia-geral que ho-mologou o aumento do capital social. O fundamento do instituto da prescrição encontra--se na necessidade de consolidarem-se situações jurídicas pelo decurso do tempo que, no âmbito do direito comercial, é fundamental à segurança das relações jurídicas, abrangendo o preceito do art. 286 da LSA todas as assembleias que podem ser reunidas na sociedade anônima; por conseguinte, é forçoso o reconhecimento da perda da pretensão, porquanto não cabe a simples extensão dos efeitos das concessões feitas pelo controlador naquela aven-ça em benefício dos ora recorridos (autores da presente demanda). 4. Igualmente, procede a invocação feita pelo juízo de primeira instância ao art. 472 do CPC, para concluir que o

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acordo, homologado em juízo, estipulando obrigações apenas para o controlador, não bene-ficia terceiros e também não houve tratamento discriminatório por parte da sociedade anô-nima, que, a teor do pactuado, foi apenas objeto do ajuste, pois não foi a companhia quem acordou concessões àqueles acionistas minoritários. 5. Ademais, os autores expõem que o aumento de capital do Banco mediante a subscrição de ações por seus acionistas representou injustificada diluição da ‘participação dos acionistas minoritários na empresa, os quais, para manter a sua participação acionária, deveriam realizar investimentos substancialmente altos e arriscados, desproporcionais à segurança proporcionada por aquele Banco, cuja fragilidade levou à notória transferência de seu controle acionário para’ outra instituição financeira; e que o autor pessoa natural subscreveu a integralidade das ações às quais teria direito, todavia a autora pessoa jurídica, por considerar demasiadamente onerosas as condições estabeleci-das, requereu aos representantes do Banco que lhe fossem dados os meios necessários para viabilizar a disponibilização dos montantes, mas ‘foram-lhe negadas quaisquer possibilida-des de parcelamento ou de indicação de linhas de crédito que viabilizassem a realização da pretendida subscrição’, só tendo conseguido subscrever a quantidade de 342.000.000 ações. Nesse passo, é pertinente a tese recursal de que, a teor do art. 151 do CC/1916, dispositivo tido por violado – correspondente ao 175 do CC/2002 –, a ratificação expressa, ou a exe-cução voluntária da obrigação anulável, nos termos dos arts. 148 a 150 do diploma civilista revogado, importa renúncia a todas as ações, ou exceções, de que dispusesse contra o ato o devedor. 6. Recurso especial provido para restabelecer a sentença.” (STJ – REsp 1.202.960 – (2010/0126557-5) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 05.05.2014)

2345 – Sociedade anônima – prova – ausência de responsabilidade – possibilidade

“Embargos de terceiro. Diretor jurídico de sociedade anônima. Ausência de responsabilida-de. Não há provas suficientes nos autos que demonstram ter o agravante qualquer respon-sabilidade administrativa junto à reclamada devedora, pois se tratava incontroversamente de diretor jurídico, cujas atividades por ele exercidas, entre 1993 a 1996, não tiveram o condão de comprometer o lastro patrimonial da sociedade anônima executada.” (TRT 2ª R. – Proc. 00016089620135020066 – (20141104516) – Relª Desª Odette Silveira Moraes – DJe 13.01.2015)

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Parte Geral – Doutrina

O Estabelecimento Empresarial e a Responsabilidade do Adquirente e do Alienante no Trespasse

MATHEUS BISOTTO PEGORINIAdvogado, Especializando em Direito Empresarial pela PUCRS.

PALAVRAS-CHAVE: Estabelecimento empresarial; aviamento; cessão de titularidade; trespasse; pro-teção jurídica; responsabilidades; cautelas.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Conceito de estabelecimento empresarial; 2 Proteção jurídica ao estabele-cimento empresarial; 3 Aviamento; 4 Trespasse – Aspectos conceituais, a sucessão e a responsabi-lidade do adquirente e do alienante perante terceiros; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo de abordar e esclarecer o con-ceito de estabelecimento empresarial, bem como questões envolventes a este instituto jurídico, como o aviamento e a cessão de sua titularidade. Este artigo demonstrará a importância que, a partir do novo Código Civil de 2002, foi prestada ao tema, em virtude da necessidade demandada, tendo em vista o mercado empresarial extremamente dinâmico em que estamos inseridos. O artigo mencionará o prestígio dado pelo direito a este institu-to, protegendo-o juridicamente no que diz respeito ao caráter econômico, haja vista o complexo de bens reunidos de forma organizada possuir valor superior em relação a uma análise individualizada de cada bem. Ainda, no que tange à cessão de titularidade do estabelecimento empresarial, deno-minado trespasse, o que também será objeto de estudo conceitual, atribuiu responsabilidades ao adquirente e ao alienante, relatadas neste trabalho. Por fim, tendo em vista as responsabilidades poderem comprometer o bom andamento das atividades empresariais, o artigo traz especificadamente as cautelas a serem tomadas pelos contraentes, bem como os direitos e deveres existentes quando da efetividade do trespasse.

1 CONCEITO DE ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

Conceitua-se estabelecimento empresarial como o conjunto de bens materiais e imateriais organizados de forma racional para o desenvolvimen-to de uma determinada atividade econômica.

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Para fins de esclarecimento, os bens materiais e imateriais tratam-se dos elementos do estabelecimento empresarial, sendo exemplo do primeiro as mercadorias de estoque, imóveis de utilização, empregados diretos na atividade empresarial, os mobiliários, veículos, maquinários entre outros, e do segundo a patente, os registros de desenhos industriais, de marca, tam-bém o ponto empresarial, direitos decorrentes de contratos, etc.

Em consonância ao sucinto conceito anteriormente explanado, o es-tabelecimento empresarial é objetivamente conceituado pelo Código Civil de 2002, em seu art. 1.142, que dita: “Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.

Para melhor compreender, traz-se à baila o ensinamento do Professor Fábio Ulhoa Coelho, que, de forma análoga, resume:

Para se entender a natureza desse instituto jurídico é útil socorrer-se de uma analogia com outro conjunto de bens: a biblioteca. Nela, não há apenas livros agrupados ao acaso, mas um conjunto de livros sistematicamente reu-nidos, dispostos organizadamente, com vistas a um fim – possibilitar o aces-so racional a determinado tipo de informação. Uma biblioteca tem valor comercial superior ao da simples soma dos preços dos livros que a compõe, justamente em razão deste plus, dessa organização racional das informações contidas nos livros reunidos.1

Ou seja, percebe-se que o estabelecimento empresarial vai além de uma análise individualizada do patrimônio corpóreo e incorpóreo que o in-tegra, pois se deve necessariamente agregar valor enquanto estes estiverem reunidos e funcionando de maneira sistemática e organizada.

Importante também apegar-se no sentido de que não se pode confun-dir o patrimônio da sociedade empresária ou do empresário com o estabe-lecimento empresarial, conforme dita Gladston Mamede:

Embora seja o estabelecimento empresarial um patrimônio especificado, em-pregado para a consecução da atividade empresarial, ele não se confunde com o patrimônio do empresário ou da sociedade empresária. Em primeiro lugar, pois o empresário, pessoa natural, pode ter bens que não constem do patrimônio especificado da empresa. Em segundo lugar, pois o empresário, no âmbito do patrimônio especificado, e mesmo a sociedade empresária po-

1 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 56.

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dem ter bens que não constem deste complexo organizado para o exercício da empresa [...].2

Portanto, evidentemente há um valor econômico agregado aos bens que compõem o estabelecimento da sociedade empresária ou do empre-sário, tendo em vista o seu funcionamento organizado e toda a sistemática com que faz a atividade econômica se movimentar e gerar lucro, denomi-nado este fenômeno de aviamento, assunto que será abordado no presente trabalho.

Neste compasso, se traduz a importante redação de autoria do Profes-sor Fábio Ulhoa Coelho:

Ao organizar o estabelecimento, o empresário agrega aos bens reunidos um sobrevalor. Isto é, enquanto estes bens permanecem articulados em função da empresa, o conjunto alcança, no mercado, um valor superior à simples soma de cada um deles em separado.3

É de se mencionar que a separação de determinados bens, diga-se de passagem, não essenciais à prática da atividade empresarial, não compro-metem o valor econômico atribuído ao estabelecimento empresarial como um todo.

Entretanto, enfatiza-se que a desarticulação de determinados bens ti-dos como imprescindíveis para o exercício da atividade empresarial pode ser causa de desvalorização do estabelecimento, conforme explica Fábio Ulhoa Coelho:

Claro que a desarticulação de bens essenciais – cuja identificação varia enor-memente, de acordo com o tipo de atividade desenvolvida, e o seu porte – faz desaparecer o estabelecimento e o sobrevalor que gerava. Se o industrial desenvolveu uma tecnologia especial, responsável pelo sucesso do empreen-dimento, a cessão do knowhow pode significar a acentuada desvalorização do parque fabril.4

Essencialmente, há de se destacar determinados aspectos acerca do estabelecimento empresarial, entendendo que este não é sujeito de direito, e sim um bem que integra o patrimônio do empresário individual ou da sociedade empresária.

2 MAMEDE, Gladston. Empresa e atuação empresarial. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 188.3 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial – Direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

p. 112.4 Idem, p. 113.

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Assim, posteriormente ao entendimento do que é o estabelecimen-to empresarial e devido à relevância deste tema, é que o direito tratou de discipliná-lo juridicamente acerca de sua proteção, objeto das observações que seguem.

2 PROTEÇÃO JURÍDICA AO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

Nesta altura, tem-se que o estabelecimento empresarial é intangível.

Com efeito, o direito tratou de disciplinar este instituto de maneira isolada, embora não podemos deixar de relatar que cada bem que o com-põe tem proteção jurídica ressalvada, pertinente ao enquadramento da situ-ação enfrentada.

Pois bem, tratando do estabelecimento empresarial e a sua proteção jurídica, preocuparam-se o legislador e o jurista em resguardarem direito ao empresário ou à sociedade empresária no quesito econômico, não permi-tindo que a avaliação deste seja efetuada somente pelos bens de maneira singular, mas de forma que estejam atrelados a estes o valor referente a toda organização deste complexo, que enseja o pleno desenvolvimento de uma atividade empresarial.

Assim, este valor econômico atribuído ao estabelecimento empresa-rial, que transcende ao valor dos bens que guarnecem o estabelecimento, é chamado de aviamento, a seguir conceituado, o qual necessariamente pre-serva juridicamente os interesses do empresário ou da sociedade empresá-ria, bem como o do mercado, a fim de que não haja violação de direitos, in-clusive constitucionais, como o da ordem econômica e financeira nacional.

3 AVIAMENTO

Um dos mais amplos conceitos de aviamento se faz necessário em razão da importância que esta denominação tem para o estabelecimento empresarial.

Já é sabido que a atividade empresarial é compreendida por bens tangíveis e intangíveis e que, de maneira organizada, tem valor econômico agregado em relação ao valor dos bens se avaliados de maneira isolada.

Destaca-se que esta referida organização é capaz de gerar lucro.

Segundo Rubens Requião, “essa mais-valia constitui, precisamente, o que o direito denomina de aviamento”5. Ou seja, tem-se que o aviamento

5 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 334.

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é a denominação que o direito concedeu à valorização prestada pelo com-plexo de bens racionalmente organizado aliado à sua capacidade de gerar lucro.

Nesta senda, enriquecedora a redação de Gladston Mamede em sua obra, a seguir transcrita:

Trata-se de um plus, um algo a mais: sua estrutura, sua lógica (e logística), seu funcionamento adequado: o jeito como as coisas são feitas na empresa. Há, portanto, o reconhecimento de que a organização – as características dinâmicas dos bens especializados para a empresa – pode definir um so-brevalor (e, mesmo, um subvalor em alguns casos) fruto da agregação de elementos humanos, conceituais ou comportamentais; [...].6

A lucidez com que trata o autor sobre o assunto esclarece todo en-volvimento estrutural e logístico existente em uma atividade empresarial, o qual tem prestígio do direito, devendo ser considerado economicamente.

Tal conceito é importante quando a finalidade pretendida é a cessão do estabelecimento empresarial, a fim de mensurar o real valor econômico a ser estipulado nesta transferência de titularidade, assunto este que será abordado a seguir.

4 TRESPASSE – ASPECTOS CONCEITUAIS, A SUCESSÃO E A RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE E DO ALIENANTE PERANTE TERCEIROS

Tendo em vista os conceitos anteriormente tratados, cabível neste momento a explanação do conceito de trespasse e a responsabilidade do adquirente e do alienante nesta cessão perante terceiros.

Primeiramente, cabe destacar que o estabelecimento empresarial de titularidade da sociedade empresária ou do empresário pode ser, por estes que o compõem, objeto de venda. Assim, tem-se que o instrumento legal a fim de entabular este feito é chamado de trespasse.

Nas palavras de Gladston Mamede:

Chama-se de trespasse a transferência onerosa do estabelecimento empresa-rial. Como o estabelecimento empresarial é um complexo de bens ao qual se atribui certa organização, é variável o objeto da cessão (trespasse).7

6 MAMEDE, Gladston. Op. cit., p. 193.7 Idem, p. 198.

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Assim, com a cessão do estabelecimento empresarial, se concretiza a sucessão de sujeito, e, na clareza das palavras do mesmo autor supracitado, “o estabelecimento passará a ter um novo titular [...]”8.

Ainda, dita Ricardo Negrão acerca daquilo que compreende o tres-passe:

Inclui o trespasse do estabelecimento, salvo se os contraentes estipularem em contrário, todo o complexo de bens; como já se estudou, abrange ele contra-tos, direitos, negócios jurídicos, móveis, imóveis, bens corpóreos e incorpó-reos, etc. O adquirente se sub-roga em todos os contratos de exploração do estabelecimento [...].9

Imprescindível frisar com clareza que o trespasse não se confunde com a cessão de quotas sociais de uma sociedade limitada ou alienação do controle de uma sociedade anônima. Segundo Fábio Ulhoa Coelho, “são institutos jurídicos bastante distintos, embora com efeitos econômicos bas-tante idênticos, na medida em que são meios de transferência da empresa”10.

No trespasse, o objeto da venda é o estabelecimento comercial, ou seja, a reunião de bens corpóreos e incorpóreos organizados de maneira ra-cional, cuja questão conceitual foi abordada, enquanto na cessão de quotas ou da alienação do controle a venda é referente à participação societária11.

Tendo por concretizados os aspectos conceituais acerca do trespasse, passamos a analisar a questão da sucessão, bem como a responsabilidade do adquirente e do alienante do estabelecimento perante terceiros.

Por certo, este tema trouxe uma série de preocupações ao legislador e à doutrina no que concerne a resguardar direito de terceiros frente ao tres-passe entre adquirente e alienante, como se verifica nas palavras de Marlon Tomazette, que afirma: “O trespasse pode influenciar diretamente nos inte-resses dos credores do alienante do estabelecimento [...]”12.

Assim, coube ao legislador redigir um texto de lei pertinente aos efei-tos do trespasse em relação a terceiros, formalizado no art. 1.144 do Código Civil de 2002, o qual segue transcrito a seguir:

8 Idem.9 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 79.10 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial..., cit., p. 132.11 Idem, p. 133.12 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial – Teoria geral e direito societário. 4. ed. São Paulo: Atlas,

2012. p. 112.

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O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Re-gistro Público de Empresas Mercantis, e de publicação na imprensa oficial.

Ademais, por oportuno, transcreve-se a seguir trecho da obra de Gla-dston Mamede que se traduz na preocupação existente:

A dinamicidade jurídica das atividades empresariais recomenda redobrado cuidado com a sucessão de direitos e deveres, bem como com a constituição de relações jurídicas (mormente ônus) sobre o estabelecimento, sempre com a preocupação de preservar o interesse de eventuais credores, [...].13

Por meio desta posição, se vislumbra a inquietação deste tema, que pretende preservar o direito dos titulares de créditos, como os trabalhistas e os fiscais, bem como os fornecedores da empresa, instituições financeiras, consumidores, entre outros.

Assim, com a alteração do Código Civil em 2002, passou ao adqui-rente do estabelecimento empresarial a responsabilidade decorrente da atividade explorada, porém com uma condição, desde que devidamente contabilizadas. Alongou-se, ainda, o texto de lei, ao aduzir que a responsa-bilidade do alienante por tais obrigações apenas cessa no prazo de um ano.

A informação anteriormente escrita é trazida do art. 1.146 do Código Civil de 2002, que afirma:

O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos an-teriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação e, quanto aos outros, da data do vencimento.

Desta forma, tem-se que o contrato de alienação do estabelecimento necessariamente precisa ser levado a registro na Junta Comercial, para pos-teriormente ser publicado na imprensa oficial.

Cabe ressaltar, a partir desse entendimento, que o ato de registro e publicação tem eficácia tão somente em relação a terceiros, não compreen-dendo a validade do negócio jurídico entabulado entre as partes, desde que este atenda às exigências legais para sua constituição.

13 MAMEDE, Gladston. Op. cit., p. 199.

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Ou seja, o negócio é válido, e ocorre a sucessão do adquirente em relação ao alienante conforme firmado no trespasse, embora o terceiro, ti-tular de um crédito, tenha a faculdade de desconsiderar esta sucessão para satisfação do débito.

As formalidades vão além, pois cabe ao alienante, na hipótese de não ter bens suficientes para cumprir as obrigações relacionadas ao estabeleci-mento alienado, requerer previamente o consentimento dos seus credores, seja de forma expressa ou tácita. Tal dever somente é dispensado em caso de o alienante estar solvente, mesmo posteriormente à alienação.

Tendo em vista o prejuízo maior, no caso desta formalidade não ser preenchida, ser do adquirente, cabe a este diligenciar com responsabilida-de estas questões, pois, em caso de não fazê-las, correrá risco de perder o estabelecimento adquirido para a coletividade dos credores se o alienante tenha decretada a massa falida.

Assim, adequada a cautela transcrita por Fábio Ulhoa Coelho:

O adquirente que não se acautela, no sentido de exigir do alienante a prova da anuência dos credores ou da solvência, perde, em favor da massa falida, o estabelecimento empresarial que houvera comprado.14

Para maior esclarecimento da legislação, traz-se à baila teor do art. 129, VI, da Lei nº 11.101/2005:

São ineficazes em relação a massa falida, tenha ou não o contratante conhe-cimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores.

[...]

VI – a venda ou transferência do estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a essa tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos.

[...].

Assim, para solucionar este impasse e evitar a ineficácia do trespasse, poderá o adquirente do estabelecimento empresarial firmar com o alienante

14 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial..., cit., p. 135.

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a obrigação de assumir os débitos, inclusive pertinente ao interesse de ad-ministrar a integralidade dos passivos.

Obviamente, tem de estar previsto no instrumento legal que viabiliza a cessão do estabelecimento, por meio de cláusula contratual que prevê a transferência da responsabilidade dos débitos atrelados ao estabelecimento adquirido, ao adquirente.

O inverso também pode ser estabelecido, explico: pode o contrato prever a cláusula de que o adquirente não assumirá nenhum passivo do alienante. Assim, na hipótese de haver determinados débitos e o adquirente ser responsabilizado e demandado, caberá o direito de ação de regresso contra o alienante.

No entanto, há determinadas dívidas que não exigem a contabiliza-ção do passivo para fins de responsabilidade do adquirente do estabeleci-mento, nem mesmo em relação ao alienante no prazo previsto de um ano após a venda deste. São elas as dívidas trabalhistas e tributárias.

Enaltece o Professor Fábio Ulhoa Coelho de forma clara esta linha:

Considera-se sucessor o adquirente do estabelecimento, quando a obrigação do alienante se encontrava regulamente contabilizada. Independentemente de regular escrituração, o adquirente é sempre sucessor do alienante, em relação às obrigações trabalhistas e fiscais ligadas ao estabelecimento.

Tal entendimento consolidado emana da Consolidação das Leis Tra-balhistas, em especial no seu art. 448, que estabelece: “A mudança na pro-priedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregadores”.

Esta regra prevê a faculdade do empregado do alienante propor a reclamatória trabalhista tanto contra este como contra o adquirente, não podendo, nenhum destes, apresentar defesa baseada em cláusulas do con-trato de trespasse. Apenas caberá, entre adquirente e alienante, o direito de regresso na hipótese de previsão de cláusula no instrumento que viabiliza o trespasse.

Já em relação à dívida tributária, destaca-se o art. 133 do Código Tri-butário Nacional, que dita:

A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, qual-quer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra ra-

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zão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relati-vos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato:

[...].

Há, neste momento, a necessidade de esclarecer duas situações: se o alienante não explorar mais nenhuma atividade econômica posteriormente à venda do estabelecimento, o adquirente é responsabilizado de forma dire-ta pela dívida tributária. Agora, se o alienante continua a explorar atividade econômica, ainda que diferente da que explorava durante os seis meses após a venda do estabelecimento, o adquirente responde de forma subsidiá-ria, ou seja, nos casos de falência ou insolvência do alienante15.

Entretanto, imperioso destacar o importante trecho mencionado por Fábio Ulhoa Coelho em sua obra, afirmando que “[...] a sucessão tributária somente se caracteriza, em qualquer caso, se o adquirente continuar explo-rando, no local, idêntica atividade econômica do alienante [...]16.

Conclui-se, portanto, que, em caso de alteração do objeto da ativida-de empresarial, o adquirente não será responsabilizado diretamente, muito menos subsidiariamente pelo passivo do alienante.

Nesta senda, percebem-se a dimensão e a importância do estabeleci-mento comercial e a sua cessão, as cautelas necessárias que se devem tomar a fim de não acarretar prejuízos econômicos imensuráveis aos contraentes.

CONCLUSÃO

Tendo em vista os conceitos abordados neste trabalho sobre o esta-belecimento empresarial, o aviamento e o trespasse, perceptível a impor-tância do tema no que tange à responsabilidade da figura do adquirente e do alienante na cessão da titularidade do estabelecimento perante terceiros, em especial aos credores. Por esta razão, abrangeu-se a questão da respon-sabilidade, tanto no que diz respeito aos cuidados que deverão ser tomados no contrato da transferência de titularidade, denominado trespasse, quanto às formalidades legais e extracontratuais que devem ser observadas. Desta forma, o empresário ou a sociedade empresária que adquire ou aliena o es-tabelecimento empresarial tem, além de direitos, responsabilidades a serem averiguadas e exercidas, as quais foram explanadas de forma lúcida no pre-

15 Idem, p. 136.16 Idem, p. 136/137.

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sente trabalho, com a essencial finalidade de minimizar riscos financeiros, por vezes capazes até de fazer extinguir a atividade empresarial.

REFERÊNCIAS

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial – Direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

______. Manual de direito comercial. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MAMEDE, Gladston. Empresa e atuação empresarial. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo Saraiva, 2003.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial – Teoria geral e direito societá-rio. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

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Parte Geral – Doutrina

Vulnerabilidade do Consumidor Pessoa Jurídica e a Teoria Finalista: Mitigação e o Finalismo Aprofundado na Visão da Doutrina e do STJ

FELIPE CUNHA DE ALMEIDA1

Professor Convidado nos Cursos de Especialização da Universidade do Alto Uruguai (URI), Centro Universitário Ritter dos Reis, Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), entre outras Instituições, Advogado em Porto Alegre/RS.

RESUMO: O presente trabalho analisou a questão da vulnerabilidade como requisito para a mitigação da teoria finalista, quando aplicada às pessoas jurídicas, no sentido da incidência das normas de proteção pelo Código de Defesa do Consumidor.

PALAVRAS-CHAVE: Vulnerabilidade; teoria finalista; consumidor pessoa jurídica; Código de Defesa do Consumidor.

ABSTRACT: This study examined the issue of vulnerability as a requirement for mitigation finalist theory, when applied to legal entities, in the sense of the impact of protection standards in the Code of Consumer Protection.

KEYWORDS: Vulnerability; finalist theory; consumer entity; Code of Consumer Protection.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Origem constitucional do Código de Defesa do Consumidor; 2 Âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor; 3 Definição de consumidor; 4 Definição de forne-cedor; 5 Vulnerabilidade como determinante; 5.1 Espécies de vulnerabilidade; 6 Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça; 7 Consumidor por sub-rogação; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Tema importante e controverso no mundo jurídico revela a questão da possibilidade de a pessoa jurídica buscar a proteção das normas do Có-digo de Defesa do Consumidor, para os casos em que, segundo as palavras de Claudia Lima Marques, “comprove ser vulnerável e atue fora do âmbi-to de sua especialidade, como hotel que compra gás. Isso porque o CDC conhece outras definições de consumidor. O conceito-chave aqui é o de vulnerabilidade”2.

1 E-mail: [email protected] MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do

consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 97.

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De modo que a nossa intenção é, sempre considerando a vulnerabili-dade, esta como característica, ou um estado do sujeito mais fraco3, demons-trar o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca da possibilidade do que se denomina de mitigação da teoria finalista, ou então o denominado finalismo aprofundado4, para a identificação e definição sobre quem seja o consumidor, nas hipóteses aqui trabalhadas – de tal sorte a permitir que, para estas pessoas, incidam as normas relativas às relações de consumo.

1 ORIGEM CONSTITUCIONAL DO CóDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Claudia Lima Marques, Antônio Herman Benjamin e Bruno Miragem destacam que o Código de Defesa do Consumidor vem a tratar da reali-zação de um direito fundamental (positivo) de proteção do Estado para o consumidor, nos termos do art. 5º, XXXII, da Constituição Federal. De tal sorte, foi identificado o consumidor e elevado a nível constitucional, como agente a ser protegido de forma especial, nos termos do art. 48 do ADCT5.

A Constituição Federal influencia, diretamente e através de imposi-ção, uma nova ordem pública, nas relações particulares, que eram deixa-das ao puro arbítrio dos interessados. O que anteriormente era denominado de publicização do direito privado é, atualmente, chamado de direito civil constitucional, eis que se revela o domínio das linhas de ordem pública constitucional sobre as relações privadas. Assim, direitos como o do con-sumidor, entre outros, passam a exigir do Estado uma eficácia positiva, no sentido de, quando necessário, intervir nas relações na atividade privada, com o objetivo de proteção6.

Sérgio Cavalieri Filho, ao tratar do Código de Defesa do Consumidor, destaca que esta lei protetiva não é obra do acaso ou tampouco decorreu de simples projeto como inerente a qualquer lei ordinária. Trata-se, sim, da concretização de movimentos consumeristas que ocorreram anteriormen-te no Brasil e também no exterior. Ainda, tem a qualidade de realização de valores constitucionais de proteção e defesa dos consumidores, como a saúde, a segurança, a vulnerabilidade, entre outros. A conclusão do autor é a de que o Código de Defesa do Consumidor destina-se a efetivar, no plano

3 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 98.

4 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 97.

5 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 66.

6 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 67.

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infraconstitucional, princípios constitucionais, como a isonomia substancial e o da defesa do consumidor7.

Na década de 80, formou-se, no país, forte conscientização a nível jurídico sobre a necessidade de lei específica protetiva dos consumidores, haja vista que o então Código Civil de 1916 e demais legislações que trata-vam do direito privado não conseguiam mais lidar com situações tipicamen-te de massa. Essa circunstância acabou sendo levada à Assembleia Nacional Constituinte8, culminando por uma codificação das normas de consumo, como podemos observar da Constituição Federal. Com base nisto, Sérgio Cavalieri Filho faz a seguinte indagação: “Qual é o sentido desse dispositivo constitucional e que conclusão dele podemos tirar?”. A resposta vem nesta direção: “Não há nele uma simples recomendação ou advertência para ao Estado, mas sim uma ordem”. Assim, promover a defesa do consumidor não é opção, mera faculdade, mas sim um dever do Estado: é imperativo consti-tucional e garantia fundamental do consumidor9.

Cristiano Heineck Schmitt, ao lecionar sobre os direitos fundamentais e a sua justificativa quanto à devida proteção, assevera que se trata de estru-tura que expressa, reflete, uma hierarquia superior anexada “a um conjunto de direitos, que representam valores prioritários para a conservação do Esta-do Democrático, Social e de Direito”10. Para somar aos ensinamentos do au-tor referido, podemos observar a importância dos direitos fundamentais sob a ótica do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de vislumbrar a aplicação prática de seus conceitos. Nessa decisão, que envolvia discussão relativa a planos de saúde, restou decidido que:

Os arts. 18, § 6º, III, e 20, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor preveem a necessidade da adequação dos produtos e serviços à legítima expectativa que o Consumidor tem de, em caso de pactuação de contrato oneroso de seguro de assistência à saúde, não ficar desamparado, no que tange a proce-dimento médico premente e essencial à preservação de sua vida.11

7 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 10-11.8 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; [...]”

9 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 11.10 SCHMITT, Cristiano Heineck. Consumidores hipervulneráveis: a proteção do idoso no mercado de consumo.

São Paulo: Atlas, 2014. p. 03.11 “Seguro de saúde. Recurso especial. Apreciação acerca de violação à resolução. Descabimento. Natureza da

relação jurídica. Consumo. Prazo contratual de carência para cobertura securitária. Possibilidade. Consumidor que, meses após a adesão de seu genitor ao contrato de seguro, vê-se acometido por tumor cerebral e hidrocefalia aguda. Atendimento emergencial. Situação-limite em que o beneficiário necessita, com premência, de procedimentos médicos-hospitalares cobertos pelo seguro. Invocação de carência. Descabimento, tendo em vista a expressa ressalva contida no art. 12, V, c, da Lei nº 9.656/1998 e a necessidade de se tutelar o

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Humberto Theodoro Júnior, ao comentar o Código de Defesa do Con-sumidor, alerta que, todavia, tal codificação não tem o caráter de norma constitucional ou superior ao direito comum. Exemplifica que o direito de propriedade, o direito de herança e o de associação, entre outros, também estão na qualidade de direitos fundamentais elencados pelo art. 5º da Cons-tituição Federal. Todavia, as leis infraconstitucionais que disciplinam esses direitos não se configuram um superdireito em relação às regras do direito ordinário12.

Explica o autor suprarreferido que não se pode utilizar do Código de Defesa do Consumidor para anular, por exemplo, o princípio da livre iniciativa, que igualmente é de ordem pública. Portanto, defender os consu-midores não deve significar a tomada de partido sistematicamente por eles, na condição de que apenas os consumidores estão certos, como se apenas o direito os tivessem como preocupação. Assim, a sua proteção significa im-pedir que sejam vítimas de abusos nas relações com os fornecedores. Con-clusão é a de que se deve procurar um razoável equilíbrio, não se podendo imaginar que a proteção conferida pelo Código de Defesa do Consumidor venha a se sobrepor aos direitos dos fornecedores13.

direito fundamental à vida. 1. ‘Lídima a cláusula de carência estabelecida em contrato voluntariamente aceito por aquele que ingressa em plano de saúde, merecendo temperamento, todavia, a sua aplicação quando se revela circunstância excepcional, constituída por necessidade de tratamento de urgência decorrente de doença grave que, se não combatida a tempo, tornará inócuo o fim maior do pacto celebrado, qual seja, o de assegurar eficiente amparo à saúde e à vida’ (REsp 466.667/SP, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, J. 27.11.2007, DJ 17.12.2007, p. 174). 2. Diante do disposto no art. 12 da Lei nº 9.656/1998, é possível a estipulação contratual de prazo de carência, todavia o inciso V, alínea c, do mesmo dispositivo estabelece o prazo máximo de vinte e quatro horas para cobertura dos casos de urgência e emergência. 3. Os contratos de seguro e assistência à saúde são pactos de cooperação e solidariedade, cativos e de longa duração, informados pelos princípios consumeristas da boa-fé objetiva e função social, tendo o objetivo precípuo de assegurar ao consumidor, no que tange aos riscos inerentes à saúde, tratamento e segurança para amparo necessário de seu parceiro contratual. 4. Os arts. 18, § 6º, III, e 20, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor preveem a necessidade da adequação dos produtos e serviços à legítima expectativa que o consumidor tem de, em caso de pactuação de contrato oneroso de seguro de assistência à saúde, não ficar desamparado, no que tange à procedimento médico premente e essencial à preservação de sua vida. 5. Portanto, não é possível a Seguradora invocar prazo de carência contratual para restringir o custeio dos procedimentos de emergência, relativos a tratamento de tumor cerebral que acomete o beneficiário do seguro. 6. Como se trata de situação-limite em que há nítida possibilidade de violação ao direito fundamental à vida, ‘se o juiz não reconhece, no caso concreto, a influência dos direitos fundamentais sobre as relações privadas, então ele não apenas lesa o direito constitucional objetivo, como também afronta direito fundamental considerado como pretensão em face do Estado, ao qual, enquanto órgão estatal, está obrigado a observar’ (RE 201819, 2ª T., Relª Min. Ellen Gracie, Rel. p/o Ac. Min. Gilmar Mendes, J. 11.10.2005, DJ 27.10.2006, p. 00064, Ement. v. 02253-04, p. 00577, RTJ v. 00209-02, p. 00821). 7. Recurso especial provido para restabelecer a sentença.” (BRASIL. STJ, REsp 962980/SP, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 13.03.2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1129052&sReg=200701448355&sData=20120515&formato=HTML>. Acesso em: 12 maio 2014)

12 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do CDC e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 31-32.

13 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do CDC e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 32-33.

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Vamos adiante no sentido de observar a aplicação prática desses conceitos pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, da origem constitucional do Código, e, depois, por alguns tribunais estaduais, respectivamente.

No julgamento em questão, a Corte manifesta-se sobre a origem cons-titucional do Código de Defesa do Consumidor. As razões de decidir con-sideraram e invocaram cláusula constitucional pétrea no sentido de impor dever ao Estado para proteger o vulnerável na relação jurídica de consumo. O voto foi no sentido de referir que o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu, “entre seus direitos básicos, o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, e à facilitação da defesa” desses mesmos direitos (art. 6º, VII e VIII)14. Nesta outra decisão envolvendo por-

14 “Direito processual coletivo. Acesso à justiça. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos seguros e às atividades equiparadas. Efetivo acesso à justiça como garantia de viabilização dos outros direitos fundamentais. Ação civil pública. Legitimidade do Ministério Público. Sistema financeiro nacional. Sociedades de capitalização. Captação de poupança popular. ‘Tele Sena’. Prequestionamento implícito. Arts. 3º, § 1º, 6º, VII e VII, 81, e 82 do CDC. Interesses e direitos individuais homogêneos disponíveis. Distinção entre relevância social objetiva e relevância social subjetiva. Art. 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei nº 261/1967. 1. Hipótese em que o prequestionamento explícito do art. 81 do CDC (conceituação legal de interesses e direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos) leva, necessariamente, ao prequestionamento implícito do art. 82 do mesmo texto legal (legitimação concorrente do Ministério Público, associações e órgãos públicos). O manejo do art. 81 do CDC, pelo Tribunal a quo, só ocorreu para fulminar, por defeito de legitimidade, a própria propositura da ação civil pública pelo Parquet, prevista no art. 82, único assento legal dessa matéria em todo o CDC. 2. Afastando-se do exagerado formalismo e atento às finalidades de sua missão, o STJ admite prequestionamento implícito, configurado quando o Tribunal de origem trata de matéria ou tese jurídica controvertida, de tal modo que lhe seria impossível fazê-lo sem transitar, direta ou indiretamente, pelo dispositivo legal tido por violado, mesmo aquele não mencionado de forma expressa no acórdão. 3. A divergência jurisprudencial deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles. Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem se caracterizar a interpretação legal divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC, e art. 255 do RISTJ) impede o conhecimento do recurso especial, com base na alínea c do art. 105, III, da Constituição Federal. 4. Referentemente à cláusula constitucional pétrea que dispõe que é dever do Estado proteger o sujeito vulnerável na relação jurídica de consumo, o Código de Defesa do Consumidor – CDC estabeleceu, entre seus direitos básicos, o ‘acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos’ e à ‘facilitação da defesa’ desses mesmos direitos (art. 6º, VII e VIII). 5. O acesso à Justiça não é garantia retórica, pois de sua eficácia concreta depende a realização de todos os outros direitos fundamentais. Na acepção que lhe confere o Estado Social, a expressão vai além do acesso aos tribunais, para incluir o acesso ao próprio Direito, ou seja, a uma ordem jurídica justa (= inimiga dos desequilíbrios e avessa à presunção de igualdade), conhecida (= social e individualmente reconhecida) e implementável (= efetiva). 6. Se a regra do Ancien Régime era a jurisdição prestada individualmente, a conta-gotas, na sociedade pós-industrial, até por razões pragmáticas de eficiência e de sobrevivência do aparelho judicial, tem-se no acesso coletivo a única possibilidade de resposta à massificação dos conflitos, que se organizam em torno de direitos e interesses difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos (art. 81 do CDC). 7. Além de beneficiar as vítimas, que veem suas demandas serem resolvidas de maneira uniforme e com suporte institucional, a legitimação ad causam do Ministério Público e das ONGs para a propositura de ação civil pública prestigia e favorece o próprio Judiciário, que, por essa via, sem deixar de cumprir sua elevada missão constitucional, evita o dreno de centenas, milhares e até milhões de litígios individuais. 8. O CDC aplica-se aos contratos de seguro (art. 3º, § 2º), bem como aos planos de capitalização, atividade financeira a eles equiparada para fins de controle e fiscalização (art. 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei nº 261, de 28 de fevereiro de 1967). 9. O seguro, como outros contratos de consumo, pode ensejar conflitos

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tadores de doença celíaca, na qualidade de hipervulneráveis e a obrigação dos fornecedores de produtos e serviços, podemos observar que restou re-gistrada e ressaltada a defesa do consumidor como norma de proteção, bem como de ordem pública e interesse social15.

de natureza difusa (p. ex., um anúncio enganoso ou abusivo), coletiva stricto sensu e individual homogênea. 10. A legitimação do Ministério Público para a propositura de ação civil pública, em defesa de interesses e direitos difusos e coletivos stricto sensu, é automática ou ipso facto e, diversamente, depende da presença de relevância social no campo de interesses e direitos individuais homogêneos, amiúde de caráter divisível. 11. A indivisibilidade e a indisponibilidade dos interesses coletivos não são requisitos para a legitimidade do Ministério Público. 12. A relevância social pode ser objetiva (decorrente da própria natureza dos valores e bens em questão, como a dignidade da pessoa humana, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a saúde, a educação) ou subjetiva (aflorada pela qualidade especial dos sujeitos – um grupo de idosos ou de crianças, p. ex. – ou pela repercussão massificada da demanda). 13. Há relevância social na tutela dos interesses e direitos dos consumidores de sociedades de capitalização, grandes captadoras de poupança popular mediante remuneração, cuja higidez financeira importa à economia nacional, tendo por isso mesmo o Estado o dever de controlar ‘todas as operações’ e de fazê-lo ‘no interesse dos portadores de títulos de capitalização’ (arts. 1º e 2º do Decreto-Lei nº 261/1967). 14. Artifícios engenhosos criados pela empresa de capitalização – como a ausência de cadastro atualizado de endereços dos subscritores, o que a impossibilitaria de notificá-los da premiação por sorteio da Tele Sena e, consequentemente, de entregar-lhes o que lhes é de direito – prejudicam não apenas as vítimas diretas da desconformidade de consumo, mas a própria higidez difusa do sistema de capitalização como um todo. 15. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido para reconhecer a legitimidade do Ministério Público para a defesa judicial dos interesses dos consumidores de plano de capitalização.” (BRASIL. STJ, REsp 347752/SP, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, J. 08.05.2007. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=689972&sReg=200101258383&sData=20091104&formato=HTML>. Acesso em: 12 maio 2014)

15 “Direito do consumidor. Administrativo. Normas de proteção e defesa do consumidor. Ordem pública e interesse social. Princípio da vulnerabilidade do consumidor. Princípio da transparência. Princípio da boa-fé objetiva. Princípio da confiança. Obrigação de segurança. Direito à informação. Dever positivo do fornecedor de informar, adequada e claramente, sobre riscos de produtos e serviços. Distinção entre informação-conteúdo e informação-advertência. Rotulagem. Proteção de consumidores hipervulneráveis. Campo de aplicação da Lei do Glúten (Lei nº 8.543/1992 ab-rogada pela Lei nº 10.674/2003) e eventual antinomia com o art. 31 do Código de Defesa do Consumidor. Mandado de segurança preventivo. Justo receio da impetrante de ofensa à sua livre iniciativa e à comercialização de seus produtos. Sanções administrativas por deixar de advertir sobre os riscos do glúten aos doentes celíacos. Inexistência de direito líquido e certo. Denegação da segurança. 1. Mandado de segurança preventivo fundado em justo receio de sofrer ameaça na comercialização de produtos alimentícios fabricados por empresas que integram a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação – ABIA, ora impetrante, e ajuizado em face da instauração de procedimentos administrativos pelo Procon-MG, em resposta ao descumprimento do dever de advertir sobre os riscos que o glúten, presente na composição de certos alimentos industrializados, apresenta à saúde e à segurança de uma categoria de consumidores – os portadores de doença celíaca. 2. A superveniência da Lei nº 10.674/2003, que ab-rogou a Lei nº 8.543/1992, não esvazia o objeto do mandamus, pois, a despeito de disciplinar a matéria em maior amplitude, não invalida a necessidade de, por força do art. 31 do Código de Defesa do Consumidor – CDC, complementar a expressão ‘contém glúten’ com a advertência dos riscos que causa à saúde e segurança dos portadores da doença celíaca. É concreto o justo receio das empresas de alimentos em sofrer efetiva lesão no seu alegado direito líquido e certo de livremente exercer suas atividades e comercializar os produtos que fabricam. 3. As normas de proteção e defesa do consumidor têm índole de ‘ordem pública e interesse social’. São, portanto, indisponíveis e inafastáveis, pois resguardam valores básicos e fundamentais da ordem jurídica do Estado Social, daí a impossibilidade de o consumidor delas abrir mão ex ante e no atacado. 4. O ponto de partida do CDC é a afirmação do princípio da vulnerabilidade do consumidor, mecanismo que visa a garantir igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo, o que não quer dizer compactuar com exageros que, sem utilidade real, obstem o progresso tecnológico, a circulação dos bens de consumo e a própria lucratividade dos negócios. 5. O direito à informação, abrigado expressamente pelo art. 5º, XIV, da Constituição Federal, é uma das formas de expressão concreta do princípio da transparência, sendo também corolário do princípio da boa-fé objetiva e do princípio da confiança, todos abraçados pelo CDC. 6. No âmbito da proteção à vida e saúde do consumidor, o direito à informação é manifestação autônoma da obrigação de segurança. 7. Entre os direitos básicos do consumidor, previstos no CDC, inclui-se exatamente a ‘informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem’ (art. 6º, III). 8.

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Sergio Cavalieri Filho demonstra a preocupação do Superior Tribunal Federal16 acerca da proteção constitucional dos consumidores:

Informação adequada, nos termos do art. 6º, III, do CDC, é aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor. 9. Nas práticas comerciais, instrumento que por excelência viabiliza a circulação de bens de consumo, ‘a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores’ (art. 31 do CDC). 10. A informação deve ser correta (= verdadeira), clara (= de fácil entendimento), precisa (= não prolixa ou escassa), ostensiva (= de fácil constatação ou percepção) e, por óbvio, em língua portuguesa. 11. A obrigação de informação é desdobrada pelo art. 31 do CDC, em quatro categorias principais, imbricadas entre si: a) informação-conteúdo (= características intrínsecas do produto e serviço), b) informação-utilização (= como se usa o produto ou serviço), c) informação-preço (= custo, formas e condições de pagamento), e d) informação-advertência (= riscos do produto ou serviço). 12. A obrigação de informação exige comportamento positivo, pois o CDC rejeita tanto a regra do caveat emptor como a subinformação, o que transmuda o silêncio total ou parcial do fornecedor em patologia repreensível, relevante apenas em desfavor do profissional, inclusive como oferta e publicidade enganosa por omissão. 13. Inexistência de antinomia entre a Lei nº 10.674/2003, que surgiu para proteger a saúde (imediatamente) e a vida (mediatamente) dos portadores da doença celíaca, e o art. 31 do CDC, que prevê sejam os consumidores informados sobre o ‘conteúdo’ e alertados sobre os ‘riscos’ dos produtos ou serviços à saúde e à segurança. 14. Complementaridade entre os dois textos legais. Distinção, na análise das duas leis, que se deve fazer entre obrigação geral de informação e obrigação especial de informação, bem como entre informação-conteúdo e informação-advertência. 15. O CDC estatui uma obrigação geral de informação (= comum, ordinária ou primária), enquanto outras leis, específicas para certos setores (como a Lei nº 10.674/2003), dispõem sobre obrigação especial de informação (= secundária, derivada ou tópica). Esta, por ter um caráter mínimo, não isenta os profissionais de cumprirem aquela. 16. Embora toda advertência seja informação, nem toda informação é advertência. Quem informa nem sempre adverte. 17. No campo da saúde e da segurança do consumidor (e com maior razão quanto a alimentos e medicamentos), em que as normas de proteção devem ser interpretadas com maior rigor, por conta dos bens jurídicos em questão, seria um despropósito falar em dever de informar baseado no homo medius ou na generalidade dos consumidores, o que levaria a informação a não atingir quem mais dela precisa, pois os que padecem de enfermidades ou de necessidades especiais são frequentemente a minoria no amplo universo dos consumidores. 18. Ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis, mas sobretudo os hipervulneráveis, pois são esses que, exatamente por serem minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a massificação do consumo e a ‘pasteurização’ das diferenças que caracterizam e enriquecem a sociedade moderna. 19. Ser diferente ou minoria, por doença ou qualquer outra razão, não é ser menos consumidor, nem menos cidadão, tampouco merecer direitos de segunda classe ou proteção apenas retórica do legislador. 20. O fornecedor tem o dever de informar que o produto ou serviço pode causar malefícios a um grupo de pessoas, embora não seja prejudicial à generalidade da população, pois o que o ordenamento pretende resguardar não é somente a vida de muitos, mas também a vida de poucos. 21. Existência de lacuna na Lei nº 10.674/2003, que tratou apenas da informação-conteúdo, o que leva à aplicação do art. 31 do CDC, em processo de integração jurídica, de forma a obrigar o fornecedor a estabelecer e divulgar, clara e inequivocamente, a conexão entre a presença de glúten e os doentes celíacos. 22. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.” (BRASIL. STJ, REsp 586316/MG, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, J. 17.04.2007. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=683195&sReg=200301612085&sData=20090319&formato=HTML>. Acesso em: 12 maio 2014)

16 “Código de Defesa do Consumidor. Art. 5º, XXXII, da CB/1988. Art. 170, V, da CB/1988. Instituições financeiras. Sujeição delas ao Código de Defesa do Consumidor, excluídas de sua abrangência a definição do custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas na exploração da intermediação de dinheiro na economia [art. 3º, § 2º, do CDC]. Moeda e taxa de juros. Dever-poder do Banco Central do Brasil. Sujeição ao Código Civil. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. ‘Consumidor’, para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência. 4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro. 5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial

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Cumpre reiterar, bem por isso, a afirmação de que a função tutelar resultante da cláusula constitucional de proteção aos direitos do consumidor projeta--se, também, na esfera relativa à ordem econômica e financeira, na medida em que essa diretriz básica apresenta-se como um insuprimível princípio da atividade econômica (CF, art. 170, V). Dentro dessa perspectiva, a edição do Código de Defesa do Consumidor – considerados os valores básicos concer-nentes à proteção da vida, da saúde e da segurança, e relativas à liberdade de escolha, à igualdade nas contratações, ao direito à informação e à proteção contra publicidade enganosa, entre outras – representou a materialização e a efetivação dos compromissos assumidos, em tema de relações de consumo, pelo Estado brasileiro.17

2 ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO CóDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Claudia Lima Marques ensina que o âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor é analisado de acordo com determinado contex-to, ou seja, saber se a relação é de consumo. E tal análise deve partir, seja pelo intérprete, seja pelo Magistrado. E vai mais longe a autora, quando re-fere que o direito privado brasileiro, que vem garantido e também moldado pela ordem pública constitucional, limitado e construído pela eficácia dos direitos fundamentais, tem a seguinte divisão: a) um direito geral, direito ci-vil; b) o direito comercial ou o direito de empresa, voltado para as relações

na estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. 6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei nº 8.078/1990] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros. Art. 192 da CB/1988. Norma-objetivo. Exigência de lei complementar exclusivamente para a regulamentação do sistema financeiro. 7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade. 8. A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro. Conselho Monetário Nacional. Art. 4º, VIII, da Lei nº 4.595/1964. Capacidade normativa atinente à Constituição, funcionamento e fiscalização das instituições financeiras. Ilegalidade de resoluções que excedem essa matéria. 9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa – a chamada capacidade normativa de conjuntura – no exercício da qual lhe incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. 10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional. 11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade.” (BRASIL. STF, ADIn 2591/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, Redator p/o Ac. Min. Eros Grau, J. 07.06.2006. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&doc ID=266855>. Acesso em: 10 jul. 2014)

17 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 12.

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entre empresas e fornecedores; e c) o direito do consumidor, voltado para a proteção do vulnerável, ou seja, do consumidor18.

Portanto, pondera a jurista que ao aplicador e intérprete do Código de Defesa do Consumidor cabe o grande desafio de saber diferenciar e ver quem seria o comerciante, o civil, o consumidor, quem faz parte da cadeia de produção e de distribuição, quem retira o bem do mercado final e quem é equiparado a este, seja porque é uma coletividade que vem a intervir na relação, seja porque é vítima de um acidente de consumo ou, ainda, porque criou o risco no mercado. Portanto, para o caso do Código de Defesa do Consumidor, este é o exercício a ser feito, ou seja, de definição sobre quem é ou quem são os sujeitos de determinada relação contratual e extracontra-tual, para definir o campo de sua aplicação. Esse campo é subjetivo (pois envolve o consumidor e o fornecedor) e de aplicação ratione personae, uma vez que, materialmente, aplica-se, em princípio, o Código a todas as rela-ções, sejam contratuais, sejam extracontratuais, que envolvam consumido-res e fornecedores19.

Referindo-se à noção, à definição subjetiva deste novo direito priva-do, tem-se na qualidade relacional, ou seja, haverá uma relação de direito civil quando se verificar um civil diante de outro civil. Mas, se for o mes-mo civil frente a um empresário ou a um fornecedor, teremos uma relação de consumo. Trata-se de um direito privado complexo, que diferencia de forma subjetiva no sentido de proteção para os mais fracos, e valorando a presença, do outro lado da relação contratual ou extracontratual, um leigo ou então um expert20.

Bruno Miragem, em sintonia com Claudia Lima Marques, aduz que a identificação da relação de consumo, bem como os elementos que a in-tegram, é o critério básico para a determinação do âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor e, como consequência, da aplicação de suas normas. Todavia, ressalta o autor que a técnica legislativa adotada não define o que seja uma relação de consumo, mas, por sua vez, a opção do legislador foi a de conceituar os sujeitos da relação, ou seja, consumidor, fornecedor, produto e serviço. Importante referir, ainda, é que tais conceitos são relacionais e dependentes, ou seja, só haverá a existência de um con-

18 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 89.

19 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 89-90.

20 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 89-90.

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sumidor se também existir um fornecedor, bem como também a existência de um produto ou serviço. Assim, tais conceitos, além de não se sustenta-rem por si mesmos, também não podem ser considerados de forma isolada. Essa circunstância faz com que sejam dependentes entre si, devendo estar presentes para ensejar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor21.

Pois bem. O referido art. 2º trata do consumidor padrão, determinan-do que este pode ser tanto pessoa física como jurídica. Ainda, será consu-midor quem adquirir produto ou serviço, mas, como regra, na qualidade de destinatário final, circunstância essa que pode se tornar um desafio, pois a expressão destinatário final pode levar a distintas interpretações22.

O destinatário final, ensina Bruno Miragem, pode ser aquele que uti-liza o bem mediante a sua destruição, fato este que se aproxima do direito civil quanto aos bens consumíveis. Mas também pode ser o destinatário fático, ou seja, que retira o produto ou serviço do mercado de consumo, usufruindo, de modo definitivo, a sua utilidade. Mais ainda: pode ser con-siderado o destinatário final quem, além de retirar o produto ou serviço do mercado de consumo, tem a sua vida econômica exaurida, ou seja, não volta a reempregá-lo, tornando-se destinatário fático e econômico.23

Portanto, Bruno Miragem, em face dessas diversas interpretações acerca do destinatário final e, consequentemente, da definição de consumi-dor, assim conclui que este deve ser interpretado a partir de dois elementos: a) aplicação do princípio da vulnerabilidade; b) destinação econômica não profissional do produto ou do serviço, sem o reemprego no mercado e sem objetivo de lucro. Assim, entende o autor que, para a incidência dos princí-pios e das normas do Código de Defesa do Consumidor, este deve ser iden-tificado como o destinatário fático e econômico do produto ou do serviço24.

O parágrafo único do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor tem como finalidade a equiparação instrumental, fundamentando a tutela coletiva de direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. O consumidor, mesmo que não determinado, é considerado como tal, des-de que haja intervindo nas relações de consumo. Todavia, não é a relação de consumo propriamente dita, nesta hipótese, que vincula os sujeitos da relação jurídica, mas sim a mera situação do consumidor como membro de uma coletividade, ou seja, a subordinação aos efeitos das ações dos forne-

21 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 118.22 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 119.23 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 119.24 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

p. 119-21.

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cedores no mercado. De tal sorte que, sofrendo efeitos, como tal terá seus direitos e interesses protegidos pela norma protetiva, ou seja: a simples ex-posição às práticas dos fornecedores no mercado de consumo faz incidir a proteção referida25.

Já o art. 17 regula a proteção do consumidor em razão dos acidentes de consumo, no sentido de proteção do consumidor em relação a danos em face de sua saúde, integridade física, ao seu patrimônio. Importante: a proteção alcança as vítimas, não importando se tenham praticados atos de consumo; daí a equiparação prevista a todas as vítimas do evento, ou seja, uma extensão ao terceiro (bystander26). Exemplo trazido por Bruno Miragem é o do transeunte que, passando pela calçada, é atingido por explosão de caminhão de gás que realizava entregas27.

3 DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR

O consumidor, sujeito alvo de proteção pelo Código de Defesa do Consumidor, assume definições, a saber: 1) previsão pelo art. 2º, caput, e

25 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 121-22.

26 “Civil, processo civil e consumidor. Administradora de shopping center. Explosão por vazamento de gás. Cadeia de fornecimento. Responsabilidade solidária. Empregado do fornecedor. Figura do consumidor por equiparação. Aplicação. Impossibilidade. Existência de relação jurídica específica. Danos morais. Valor. Revisão em sede de recurso especial. Impossibilidade. Montante razoável. Dispositivos legais analisados: arts. 2º, 3º, 7º, parágrafo único, 17 e 25 do CDC; e 21, parágrafo único, do CPC. 1. Ação ajuizada em 13.04.1999. Recurso especial concluso ao gabinete da relatora em 14.03.2013. 2. Recurso especial em que se discute a extensão da figura do consumidor por equiparação prevista no art. 17 do CDC. 3. Os arts. 7º, parágrafo único, e 25 do CDC impõem a todos os integrantes da cadeia de fornecimento a responsabilidade solidária pelos danos causados por fato ou vício do produto ou serviço. 4. O art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor por equiparação (bystander), sujeitando à proteção do CDC aqueles que, embora não tenham participado diretamente da relação de consumo, sejam vítimas de evento danoso decorrente dessa relação. Todavia, caracterização do consumidor por equiparação possui como pressuposto a ausência de vínculo jurídico entre fornecedor e vítima; caso contrário, existente uma relação jurídica entre as partes, é com base nela que se deverá apurar eventual responsabilidade pelo evento danoso. 5. Hipótese em que fornecedor e vítima mantinham uma relação jurídica específica, de natureza trabalhista, circunstância que obsta a aplicação do art. 17 do CDC, impedindo seja a empregada equiparada à condição de consumidora frente à sua própria empregadora. 6. A indenização por danos morais somente comporta revisão em sede de recurso especial nas hipóteses em que o valor fixado se mostrar irrisório ou excessivo. Precedentes. 7. Nos termos do art. 21, parágrafo único, do CPC, se um litigante decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas verbas de sucumbência. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.” (BRASIL. STJ, REsp 1370139/SP, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 03.12.2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1286651&sReg=201200346250&sData=20131212&formato=HTML>. Acesso em: 11 jun. 2014)

27 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 122-123.

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parágrafo único28; 2) art. 1729; e art. 2930, segundo o que leciona Claudia Lima Marques. Assevera a autora, também, que a definição de consumidor não deve ser analisada tão somente pela ótica individual, mas sim também em relação ao transindividual, ou grupo. Logo, os interesses e direitos dos consumidores têm proteção individual e coletiva, ou seja, envolvem direitos individuais homogêneos, difusos e coletivos31.

O art. 2º trata do consumidor padrão, standard, e é complementado por outras três definições, cujas espécies são denominadas de consumidores equiparados, eis que, independentemente da realização de determinado ato material de consumo, são assim definidos no sentido de ver permitida a tute-la protetiva do Código de Defesa do Consumidor em favor da coletividade, ou seja, das vítimas de um acidente de consumo, da exposição à atuação abusiva do parceiro negocial mais forte32.

A seu turno, o art. 29 trata do consumidor equiparado exposto às práticas comerciais, abrangendo as fases pré-contratual, de execução e pós--contratual inerentes ao contrato de consumo. A definição do consumidor equiparado oferece maiores possibilidades no sentido da aplicação das nor-mas do Código de Defesa do Consumidor, mesmo para aqueles que não se-jam qualificados como consumidores em sentido estrito, destinatários finais do produto ou do serviço. Assim, Bruno Miragem, em referência a Antônio Herman Benjamim, explica que, enquanto o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor define o conceito de consumidor in concreto, o art. 29 da referida norma protetiva o faz de forma abstrata. Tal circunstância autoriza a proteção das práticas comerciais de forma coletiva. Conclusão a que se chega é a de que a equiparação do consumidor, no sentido de aplicação das regras do CDC sobre os contratos e práticas comerciais, mostra-se possível quando presente a vulnerabilidade do contratante, justificando a equipara-ção com o objetivo de equilíbrio entre os desiguais33.

28 “Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”

29 “Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.”30 “Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas

determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.”31 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do

consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 92.32 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 116.33 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 3. ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2012.

p. 124-125.

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4 DEFINIÇÃO DE FORNECEDOR

Como visto, a definição de consumidor34 é relacional e depende, por outro lado, da presença de um fornecedor no outro extremo da relação jurídica submetida aos ditames do Código de Defesa do Consumidor35. For-necedor é o gênero. As espécies são o fabricante, o produtor, o construtor, o importador e o comerciante36.

O conceito de fornecedor não exclui a pessoa jurídica, tendo em vista que o Código de Defesa do Consumidor é genérico e busca atingir todo e qualquer modelo; assim, são fornecedores as pessoas capazes, físicas ou jurídicas, incluindo-se, ainda, os entes desprovidos de personalidade37.

Em relação ao ente despersonalizado na condição de fornecedor, Ri-zzatto Nunes explica que a massa falida é exemplo. Alerta, também, que o fato de determinada pessoa jurídica falir não guarda consequência aos produtos e serviços que ela já ofereceu e efetivou. Portanto, estão ao abrigo do Código de Defesa do Consumidor38. Nesse sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça39.

5 VULNERABILIDADE COMO DETERMINANTE

O princípio da vulnerabilidade, segundo as palavras de Bruno Mi-ragem, “é o princípio básico que fundamenta a existência e aplicação do Código de Defesa do Consumidor”, de acordo com o art. 4º, I, da norma re-

34 “Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

35 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 112.

36 NUNES, Rizzatto. Curso de direito com consumidor. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 139.37 NUNES, Rizzatto. Curso de direito com consumidor. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 135.38 NUNES, Rizzatto. Curso de direito com consumidor. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 135-137.39 “Processual civil. Recurso especial. Sociedade civil sem fins lucrativos de caráter beneficente e filantrópico.

Prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e jurídicos a seus associados. Relação de consumo caracterizada. Possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Para o fim de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o reconhecimento de uma pessoa física ou jurídica ou de um ente despersonalizado como fornecedor de serviços atende aos critérios puramente objetivos, sendo irrelevantes a sua natureza jurídica, a espécie dos serviços que prestam e até mesmo o fato de se tratar de uma sociedade civil, sem fins lucrativos, de caráter beneficente e filantrópico, bastando que desempenhem determinada atividade no mercado de consumo mediante remuneração. Recurso especial conhecido e provido.” (BRASIL. STJ, REsp 519310/SP, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 20.04.2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=468454&sReg=200300580885&sData=20040524&formato=HTML>. Acesso em: 10 jul. 2014)

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ferida40. Assim, a vulnerabilidade é determinante para que o direito ocupe--se da proteção ao consumidor e que, ainda, tem presunção legal absoluta, informando a vulnerabilidade como e de que maneira devem ser aplicadas as normas do direito do consumidor. Leva em conta o desequilíbrio entre agentes econômicos, consumidor e fornecedor, nas relações jurídicas esta-belecidas entre si. Busca proteger o mais fraco41.

Cláudio Bonatto e Valério Dal Pai Moraes, ao ensinarem sobre os princípios constitucionais fundamentais, aduzem que as regras de conduta, bem como as de organização do Código de Defesa do Consumidor, exigem o que chamam de um norte para o devido entendimento e aplicação da lei protetiva dos consumidores. Assim, são os princípios os pilares do micros-sistema integrado pelo Código de Defesa do Consumidor.

Assim, os princípios exercem uma função básica, qual seja, a de serem os padrões teleológicos do sistema, com base nos quais poderá ser obtido o melhor significado das regras, como peças integrantes de uma engrenagem jurídica que é posta em ação pelas diretrizes maiores que dão movimento ao todo.42

Cristiano Heineck Schmitt, ao analisar a vulnerabilidade, instituto esse marcante quanto aos estudos de direito do consumidor, instiga o estudo ao assunto, trazendo a seguinte indagação: qual o motivo da proteção deste agente econômico, no sentido de colocá-lo em uma condição especial de sujeito de direitos? A resposta, como não deveria deixar de ser, é imediata, ou seja: tal proteção justifica-se e fundamenta-se na busca pelo equilíbrio nas relações entre profissionais e consumidores, eis que a origem, o nasce-douro das relações de consumo, vem acompanhado de desvantagens em face do consumidor. Objetiva-se, desta forma, o que chama o autor de “cor-reção de desvios nas práticas mercadológicas, que conduzem a resultados prejudiciais aos adquirentes de produtos e serviços postos no mercado”. Portanto, a vulnerabilidade é notória, circunstância essa que, de forma ins-tantânea, automática, posiciona o consumidor em situação de desequilíbrio ou, ao menos, de potencial desequilíbrio, quando comparado com o forne-

40 “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; [...]”

41 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 119.42 BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de Defesa do

Consumidor. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 27.

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cedor. Assim, sua proteção, inclusive com a valorização da igualdade entre as pessoas, vem fundamentar e reconhecer a vulnerabilidade43.

A vulnerabilidade do consumidor é conceito muito complexo, eis que abrange diversos enfoques. Vulnerável, pelas lições de Cláudio Bonatto e Valério Dal Pai Moraes, revela conceito jurídico relativo ao direito material, segundo o qual “alguém ou algo que pode ser atacado”. O consumidor pode ser alvo desse ataque de diversas formas, sofrendo pressões que inva-dam a sua privacidade, diversas vezes, de publicidades em massa que criam necessidades de consumo que antes não existiam, por mecanismos de ma-nipulação que induzem os consumidores a aceitar determinadas situações como se verdade fosse, por meio de mídia e marketing pesados. Decorrên-cia dessas circunstâncias evidentes que o consumidor é considerado como naturalmente vulnerável e, inclusive, não dependendo de seu nível, de seu grau econômico ou cultural. Também não admite prova em contrário, eis que não se trata de mera presunção legal44.

A jurisprudência também é pacífica, firme e acolhedora do princípio da vulnerabilidade. Podemos observar que o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar demanda envolvendo plano de saúde, considerou que

o ponto de partida do CDC é a afirmação do princípio da vulnerabilidade do consumidor, mecanismo que visa a garantir igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo, o que não quer dizer compactuar com exageros que, sem utilidade real, obstem o progresso tecnológico, a circulação dos bens de consumo e a própria lucratividade dos negócios.45

43 SCHMITT, Cristiano Heineck. Consumidores hipervulneráveis: a proteção do idoso no mercado de consumo. São Paulo: Atlas, 2014. p. 202.

44 BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 45-46.

45 “Direito do consumidor. Recurso especial. Ação civil pública. Atendimento por plano de saúde. Cobrança ou admissão, por parte do hospital, de que seja cobrado por empregado e/ou preposto, em tratamento médico-hospitalar coberto por plano de saúde, de adicional referente à suplementação dos honorários médicos, relativa à alegada majoração imposta pela prestação de serviço em determinados horários. Impossibilidade. Custo que deve estar presente no preço cobrado, na avença mercantil, pelo hospital da operadora do plano de saúde. Descabimento de sua imposição, em prevalecimento sobre a fragilidade do consumidor. Exigência de caução para atendimentos emergenciais. Inviabilidade. Conduta vedada pelos arts. 1º e 2º da Lei nº 12.653/2012. 1. ‘O ponto de partida do CDC é a afirmação do princípio da vulnerabilidade do consumidor, mecanismo que visa a garantir igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo, o que não quer dizer compactuar com exageros que, sem utilidade real, obstem o progresso tecnológico, a circulação dos bens de consumo e a própria lucratividade dos negócios’ (REsp 586316/MG, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, J. 17.04.2007, DJe 19.03.2009). 2. Independentemente do exame da razoabilidade/possibilidade de cobrança de honorários médicos majorados para prestação de serviços fora do horário comercial – desnecessário para a solução da demanda e sequer discutida pelas instâncias ordinárias –, salta aos olhos que se trata de custos que incumbem ao hospital. Estes, por conseguinte, deveriam cobrar por seus serviços diretamente das operadoras de plano de saúde, e não dos particulares/consumidores. 3. Com efeito, cuida-se de iníqua cobrança, em prevalecimento sobre a fragilidade do consumidor, de custo que está ou deveria estar coberto pelo preço cobrado da operadora de saúde – negócio jurídico mercantil do qual não faz parte o consumidor usuário do plano de saúde –, caracterizando-se como conduta manifestamente abusiva,

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Neste caso, as razões de decidir entenderam pela incidência do Có-digo de Defesa do Consumidor nas relações imobiliárias (contrato de ad-ministração imobiliária), reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor, a existência de relação de consumo e, como inarredável consequência, a incidência do Código de Defesa do Consumidor46. Já nesta outra decisão, a Corte consignou e diferenciou as espécies de vulnerabilidade, ou seja, técnica, jurídica e fática, e a questão do consumidor equiparado. O voto considerou que a Casa considera e elege, como regra, a teoria finalista para a definição de consumidor; todavia,

a jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplica-ção temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa

em violação à boa-fé objetiva e ao dever de probidade do fornecedor, vedada pelos arts. 39, IV, X e 51, III, IV, X, XIII, XV, do CDC e 422 do CC/2002. 4. Na relação mercantil existente entre o hospital e as operadoras de planos saúde, os contratantes são empresários – que exercem atividade econômica profissionalmente –, não cabendo ao consumidor arcar com os ônus/consequências de eventual equívoco quanto à gestão empresarial. 5. Antes mesmo da vigência da Lei nº 12.653/2012 – que trouxe ao ordenamento jurídico norma vedando expressamente a exigência de caução e de prévio preenchimento de formulário administrativo para a prestação de atendimento médico-hospitalar premente –, este Colegiado, por ocasião do julgamento do REsp 1.256.703/SP, havia manifestado que, em se tratando de atendimento médico emergencial, é dever do estabelecimento hospitalar, sob pena de responsabilização cível e criminal, da sociedade empresária e prepostos, prestar o pronto atendimento médico-hospitalar. 6. Recurso especial provido para restabelecer a sentença.” (BRASIL. STJ, REsp 1324712/MG, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 13.11.2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1267855&sReg=201201062200&sData=20131113&formato=HTML>. Acesso em: 22 maio 2014)

46 “Recurso especial. Contrato de administração imobiliária. Prestação de serviço. Destinação final econômica. Vulnerabilidade. Relação de consumo. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. 1. O contrato de administração imobiliária possui natureza jurídica complexa, em que convivem características de diversas modalidades contratuais típicas – corretagem, agenciamento, administração, mandato –, não se confundindo com um contrato de locação, nem necessariamente dele dependendo. 2. No cenário caracterizado pela presença da administradora na atividade de locação imobiliária se sobressaem pelo menos duas relações jurídicas distintas: a de prestação de serviços, estabelecida entre o proprietário de um ou mais imóveis e essa administradora, e a de locação propriamente dita, em que a imobiliária atua como intermediária de um contrato de locação. 3. Na primeira, o dono do imóvel ocupa a posição de destinatário final econômico daquela serventia, vale dizer, aquele que contrata os serviços de uma administradora de imóvel remunera a expertise da contratada, o know how oferecido em benefício próprio, não se tratando propriamente de atividade que agrega valor econômico ao bem. 4. É relação autônoma que pode se operar com as mais diversas nuances e num espaço de tempo totalmente aleatório, sem que sequer se tenha como objetivo a locação daquela edificação. 5. A atividade da imobiliária, que é normalmente desenvolvida com o escopo de propiciar um outro negócio jurídico, uma nova contratação, envolvendo uma terceira pessoa física ou jurídica, pode também se resumir ao cumprimento de uma agenda de pagamentos (taxas, impostos e emolumentos) ou apenas à conservação do bem, à sua manutenção e até mesmo, em casos extremos, ao simples exercício da posse, presente uma eventual impossibilidade do próprio dono, tudo a evidenciar a sua destinação final econômica em relação ao contratante. 6. Recurso especial não provido.” (BRASIL. STJ, REsp 509304/PR, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, J. 16.05.2013. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=consumidor+e+vulnerabilidade&&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=2>. Acesso em: 02 jun. 2013)

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expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor.47

Quanto à presunção absoluta da vulnerabilidade, há decisão diferen-ciando-a da hipossuficiência, esta sim presunção relativa, senão vejamos:

Veja-se que a vulnerabilidade do consumidor é presunção absoluta; já a hi-possuficiência gera presunção relativa e não em prejulgamento da questão invertida. Ante a ausência de qualquer indício da existência da conta, é de ser mantida a sentença de improcedência.48

47 “Consumidor. Definição. Alcance. Teoria finalista. Regra. Mitigação. Finalismo aprofundado. Consumidor por equiparação. Vulnerabilidade. 1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/1990, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor. 4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). 5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/1990, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora. 6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas, tornando inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade de atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à consecução do seu negócio. Também não se verifica nenhuma vulnerabilidade apta a equipar a empresa à condição de consumidora frente à prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, fica mantida a condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts. 186 e 927 do CC/2002 e tendo em vista a conclusão das instâncias ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os prejuízos suportados pela revendedora de veículos. 7. Recurso especial a que se nega provimento.” (BRASIL. STJ, REsp 1195642/RJ, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 13.11.2012. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=consumidor+e+vulnerabilidade&&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=8>. Acesso em: 02 jul. 2013)

48 “Apelação cível. Negócios jurídicos bancários. Planos econômicos. Ação cautelar de exibição de documentos. Da ausência de relação contratual. A inversão do ônus da prova não é automática, está sujeita à valoração do Magistrado no caso concreto. Veja-se que a vulnerabilidade do consumidor é presunção absoluta; já a hipossuficiência gera presunção relativa e não em prejulgamento da questão invertida. Ante a ausência de qualquer indício da existência da conta, é de ser mantida a sentença de improcedência. Sucumbência. Não restando demonstrada a existência de relação contratual com o réu, deve o autor arcar com o pagamento dos ônus sucumbenciais conforme estabelecido em sentença. Negaram provimento ao recurso

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Importante registrar, também, que há julgados que entendem pela presunção relativa da vulnerabilidade, quando retratada a presença de ativi-dade empresarial, circunstância esta que mitiga a aplicação da regra quanto à presunção absoluta em relação à vulnerabilidade, tornando-a relativa. A fundamentação do Superior Tribunal de Justiça, no sentido aqui colocado, assim se deu:

Uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídi-cas, visto que a imposição de limites à presunção de vulnerabilidade impli-caria restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, cir-cunstância que não se coaduna com o princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF. Em suma, prevale-ce a regra geral de que a caracterização da condição de consumidor exige destinação final fática e econômica do bem ou serviço, mas a presunção de vulnerabilidade do consumidor dá margem à incidência excepcional do CDC às atividades empresariais, que só serão privadas da proteção da lei consumerista quando comprovada, pelo fornecedor, a não vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica.49

da autora. Unânime.” (BRASIL. TJRS, AC 70043381615, 1ª CEspCív., Relª Des. Laura Louzada Jaccottet, J. 23.08.2011. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download/exibe_documento_att.php?ano=2011&codigo=1531175>. Acesso em: 02 jul. 2013)

49 “Processo civil e consumidor. Agravo de instrumento. Concessão de efeito suspensivo. Mandado de segurança. Cabimento. Agravo. Deficiente formação do instrumento. Ausência de peça essencial. Não conhecimento. Relação de consumo. Caracterização. Destinação final fática e econômica do produto ou serviço. Atividade empresarial. Mitigação da regra. Vulnerabilidade da pessoa jurídica. Presunção relativa. Por ser garantia constitucional, não é possível restringir o cabimento do mandado de segurança para as hipóteses em que a concessão de efeito suspensivo a agravo de instrumento provoca lesão ou grave ameaça de lesão a direito líquido e certo do jurisdicionado. Precedentes. A fim de bem cumprir a exigência contida no art. 525, I, do CPC, deve a parte instruir o agravo de instrumento com cópia da cadeia completa de instrumentos de mandato, com vistas a possibilitar a identificação dos advogados que efetivamente representam as partes. Esse entendimento prestigia o princípio da segurança do processo, e não pode ser olvidado. O rigor procedimental não é prática que deva subsistir por si mesma. No entanto, na hipótese em apreciação, a aplicação do formalismo processual é requisito indispensável para o fortalecimento, desenvolvimento e caracterização da legítima representação das partes, em preciso atendimento aos elementos indispensáveis da ação. Precedentes. A falta de peça essencial e, pois, indispensável ao julgamento do agravo de instrumento, ainda que estranha ao elenco legal das obrigatórias, impede o conhecimento do recurso. Precedentes. A jurisprudência consolidada pela 2ª Seção deste STJ entende que, a rigor, a efetiva incidência do CDC a uma relação de consumo está pautada na existência de destinação final fática e econômica do produto ou serviço, isto é, exige-se total desvinculação entre o destino do produto ou serviço consumido e qualquer atividade produtiva desempenhada pelo utente ou adquirente. Entretanto, o próprio STJ tem admitido o temperamento desta regra, com fulcro no art. 4º, I, do CDC, fazendo a lei consumerista incidir sobre situações em que, apesar do produto ou serviço ser adquirido no curso do desenvolvimento de uma atividade empresarial, haja vulnerabilidade de uma parte frente à outra. Uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites à presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, circunstância que não se coaduna com o princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF. Em suma, prevalece a regra geral de que a caracterização da condição de consumidor exige destinação final fática e econômica do bem ou serviço, mas a presunção de vulnerabilidade do consumidor dá margem à incidência excepcional do CDC às atividades empresariais, que só serão privadas da proteção da lei consumerista quando comprovada,

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No mesmo sentido o entendimento da Ministra Nancy Andrighi50.

A importância, como pudemos observar do princípio da vulnerabili-dade, é ímpar. Como se não bastasse, tal princípio representa a defesa dos princípios constitucionais da função social da propriedade, da defesa do

pelo fornecedor, a não vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica. Ao encampar a pessoa jurídica no conceito de consumidor, a intenção do legislador foi conferir proteção à empresa nas hipóteses em que, participando de uma relação jurídica na qualidade de consumidora, sua condição ordinária de fornecedora não lhe proporcione uma posição de igualdade frente à parte contrária. Em outras palavras, a pessoa jurídica deve contar com o mesmo grau de vulnerabilidade que qualquer pessoa comum se encontraria ao celebrar aquele negócio, de sorte a manter o desequilíbrio da relação de consumo. A ‘paridade de armas’ entre a empresa-fornecedora e a empresa-consumidora afasta a presunção de fragilidade desta. Tal consideração se mostra de extrema relevância, pois uma mesma pessoa jurídica, enquanto consumidora, pode se mostrar vulnerável em determinadas relações de consumo e em outras não. Recurso provido.” (BRASIL. STJ, RMS 27512, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 20.08.2009. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6031597/recurso-ordinario-em-mandado-de-seguranca-rms-27512-ba-2008-0157919-0-stj>. Acesso em: 02 jul. 2013)

50 “Consumidor. Definição. Alcance. Teoria finalista. Regra. Mitigação. Finalismo aprofundado. Consumidor por equiparação. Vulnerabilidade. 1. A jurisprudência do STJ encontra-se consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/1990, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor. 4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). 5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/1990, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora. 6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas, tornando inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade de atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à consecução do seu negócio. Também não se verifica nenhuma vulnerabilidade apta a equipar a empresa à condição de consumidora frente à prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, fica mantida a condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts. 186 e 927 do CC/2002 e tendo em vista a conclusão das instâncias ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os prejuízos suportados pela revendedora de veículos. 7. Recurso especial a que se nega provimento.” (BRASIL. STJ, REsp 1195642/RJ, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 13.11.2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1194152&sReg=201000943916&sData=20121121&formato=HTML>. Acesso em: 03 jun. 2014)

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consumidor, da redução das desigualdades regionais e sociais, também da busca pelo pleno emprego, refletidos no art. 17051 da Constituição Federal52.

Mas há a necessidade de diferenciarmos a vulnerabilidade do con-ceito de hipossuficiência. Flávio Tartuce orienta que “todo o consumidor é vulnerável, característica intrínseca à própria condição de destinatário final do produto ou serviço, mas nem sempre será hipossuficiente [...]”53. Conclui o autor, então, que a vulnerabilidade é o que chama de elemento posto da relação de consumo, e não um elemento pressuposto, este como condição de consumidor. Flávio Tartuce vai além, e entende que a expressão con-sumidor vulnerável é pleonástica, eis que tal condição é inerente a todos os consumidores, pois decorre de presunção que não admite discussão ou prova em contrário. Inclusive ressalta o autor que, para o reconhecimento da vulnerabilidade, pouco importa a condição social, econômica, política ou financeira da pessoa, mas sim a condição de consumidor nos termos dos arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor54.

A hipossuficiência, ensina Flávio Tartuce, recebe tratamento diferen-ciado do que o dado à vulnerabilidade. Esta é conceito jurídico; aquela é conceito fático, fundado em uma disparidade ou discrepância, verificada no caso concreto. E conclui o autor: “Assim sendo, todo o consumidor é vulnerável, mas nem todo o consumidor é hipossuficiente”55.

5.1 esPécies de vulneraBilidade

Sergio Cavalieri Filho apresenta e identifica três espécies vulnerabili-dade: a) fática, b) técnica e c) jurídica56.

51 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

52 BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 47.

53 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 3. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 33-34.

54 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 3. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 33-34.

55 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 3. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 33-34.

56 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 44.

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Quanto à primeira, assevera o autor que é a mais perceptível, eis que decorre da

discrepância entre a maior capacidade econômica e social dos agentes eco-nômicos – detentores dos mecanismos de controle da produção, em todas as suas fases e, portanto, do capital e, como consequência, do status, prestígio social – e a condição de hipossuficiente dos consumidores.57

É nítida a existência do preconceito social, que não pode e nem deve ser negado, tratando-se de uma das causas mais eficientes em relação à vul-nerabilidade econômica e social do consumidor.

“O conceito relativo à hipossuficiência vai além do sentido das ex-pressões pobre ou sem recursos”, que são relevados para a concessão da justiça gratuita, refletida no campo do direito processual. Para o direito do consumidor, o conceito de hipossuficiência é mais abrangente, e o caso concreto a ser analisado é que vai determinar a sua incidência quando reco-nhecida a sua disparidade informacional ou técnica, diante de situação de desconhecimento, como, por exemplo, em ação ajuizada por consumidor que teve saques indevidos em sua conta bancária. Neste caso, verificou--se a hipossuficiência técnica da parte, circunstância essa autorizadora da inversão do ônus da prova, com base no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Flávio Tartuce salienta que, quando o consumidor é desco-nhecedor do produto ou do serviço que adquire, ele pode ser considerado, então, como hipossuficiente58.

E em continuidade com as lições de Sérgio Cavalieri Filho em relação à vulnerabilidade fática, as ponderações são realmente impressionantes, haja vista que,

obscurecido em seu poder crítico, quer por razões de ordem biológica, quer por razões de ordem psicológica, o “ambicioso” consumidor “dá um passo maior que a perna”. O fim da história: o superendividamento, restrição de crédito, piora da situação socioeconômica do consumidor, maior distancia-mento do estilo de vida que pretendia adquirir, agravamento do preconceito social. Aquele que então seria apenas pobre e, quiçá, um “fracassado” (em oposição a bem-sucedido na vida) agora é “caloteiro”, “inadimplente”, “mau pagador”, “safado”, para ficarmos apenas nisso. Ciclo vicioso, aparentemen-

57 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 44.58 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e

processual. 3. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 35-36.

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te interminável, se não forem encontradas soluções políticas de consumo e no Direito do Consumidor.59

A vulnerabilidade técnica decorre da circunstância de o consumi-dor não ter os conhecimentos específicos sobre o processo de produção e dos atributos específicos e determinados dos produtos e serviços, até pela falta ou inexatidão das informações que lhe são prestadas. Por outro lado, o fornecedor é detentor dos controles e mecanismos utilizados na cadeia produtiva, restando, apenas e tão somente ao consumidor, a confiança, a boa-fé, a honestidade e a lealdade do fornecedor, circunstância essa que deixa aquele exposto de forma sensível60.

Por último, temos a vulnerabilidade jurídica, denominada também de científica. Ela resulta da falta de informação do consumidor acerca dos seus direitos, inclusive quanto aos aspecto sobre a quem recorrer, reclamar61. Podemos observar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca dessas três espécies de vulnerabilidade, ao mitigar o conceito de destinatá-rio final62.

6 JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Aqui reside um dos pontos centrais deste trabalho, qual seja, a pes-soa jurídica na condição de consumidora e a incidência das normas do CDC. Neste tópico, vamos analisar, de forma objetiva, a aplicação prática dos conceitos vistos até aqui, trazidos pela doutrina, mas, desta vez, sob a ótica do Superior Tribunal de Justiça, que nomeia a questão do consumidor

59 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 45.60 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 45.61 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 46.62 “Direito civil e direito do consumidor. Transporte aéreo internacional de cargas. Atraso. CDC. Afastamento.

Convenção de Varsóvia. Aplicação. 1. A jurisprudência do STJ encontra-se consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/1990, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 3. Em situações excepcionais, todavia, esta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista, para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade. 4. Na hipótese em análise, percebe-se que, pelo panorama fático delineado pelas instâncias ordinárias e dos fatos incontroversos fixados ao longo do processo, não é possível identificar nenhum tipo de vulnerabilidade da recorrida, de modo que a aplicação do CDC deve ser afastada, devendo ser preservada a aplicação da teoria finalista na relação jurídica estabelecida entre as partes. 5. Recurso especial conhecido e provido.” (BRASIL. STJ, REsp 1358231/SP, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 28.05.2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1238109&sReg=201202594141&sData=20130617&formato=HTML>. Acesso em: 10 jul. 2014)

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pessoa jurídica como “a mitigação da teoria finalista para a definição de consumidor”.

No caso em questão, restou decidido que:

O CDC não se aplica aos casos em que não estiver configurado o destinatário final da relação de consumo, podendo, no entanto, ser flexibilizada a aplica-ção da teoria finalista quando ficar comprovada a condição de hipossufici-ência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica.63

No mesmo sentido, o julgamento do Processo AgRg-REsp nº 1413889/SC, com a consideração do Ministro Relator de que, “embora não seja tecnica-mente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade”64. No caso dessa discussão, a questão envolve pessoa jurídica de direito público, na eventual condição de consumidora. O acór-dão sinalizou pela possibilidade de considerá-la como tal, deste que verifi-cada a vulnerabilidade. Todavia, em razão do óbice à análise de provas em decorrência da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça, tal questão não

63 “Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Cerceamento de defesa. Súmula nº 7/STJ. Incidência do CDC. Súmula nº 83/STJ. Capitalização mensal dos juros. Razões dissociadas dos fundamentos do acórdão recorrido. Súmula nº 284/STF. Continência de ações. Inovação recursal. 1. Não há cerceamento de defesa na hipótese em que ocorre julgamento sem a produção de prova pericial, quando o Tribunal de origem considerar substancialmente instruído o feito e reconhecer que existem provas suficientes para a formação do seu convencimento. A revisão do entendimento atrai a incidência da Súmula nº 7/STJ. 2. O CDC não se aplica aos casos em que não estiver configurado o destinatário final da relação de consumo, podendo, no entanto, ser flexibilizada a aplicação da teoria finalista quando ficar comprovada a condição de hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica. 3. A não impugnação específica dos fundamentos da decisão recorrida enseja a aplicação da Súmula nº 284 do STF. 4. As inovações recursais trazidas nas razões do regimental não comportam análise, tendo em vista a ocorrência da preclusão consumativa. 5. Agravo regimental desprovido.” (BRASIL. STJ, AgRg-AREsp 439263/SP, 3ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 27.03.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1309444&sReg=201303800848&sData=20140404&formato=HTML>. Acesso em: 04 jun. 2014)

64 “Agravo regimental no recurso especial. Responsabilidade civil. Contrato de abertura de crédito e novação de dívida. Relação de consumo. Teoria finalista mitigada. Inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. Violação do art. 535 do CPC. Súmula nº 7/STJ. Dano moral. Razoabilidade. 1. Tendo o Tribunal de origem fundamentado o posicionamento adotado com elementos suficientes à resolução da lide, não há que se falar em ofensa ao art. 535 do CPC. 2. A jurisprudência desta Corte tem mitigado a teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, apresenta-se em situação de vulnerabilidade. Precedentes. 3. A convicção a que chegou o acórdão acerca do dano e do aval decorreu da análise do conjunto fático-probatório, e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do mencionado suporte, obstando a admissibilidade do especial os Enunciados nºs 5 e 7 da Súmula desta Corte Superior. 4. A intervenção do STJ, Corte de caráter nacional, destinada a firmar interpretação geral do Direito Federal para todo o país e não para a revisão de questões de interesse individual, no caso de questionamento do valor fixado para o dano moral, somente é admissível quando o valor fixado pelo Tribunal de origem, cumprindo o duplo grau de jurisdição, se mostre teratológico, por irrisório ou abusivo. 5. Inocorrência de teratologia no caso concreto, em que foi fixado o valor de indenização em R$ R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), devido pelo ora agravante ao autor, a título de danos morais decorrentes de inscrição indevida em cadastro de proteção ao crédito. 6. Agravo regimental improvido.” (BRASIL. STJ, AgRg-REsp 1413889/SC, 3ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 27.03.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1309449&sReg=201303497186&sData=20140502&formato=HTML>. Acesso em: 04 jun. 2014)

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restou analisada pela Corte65. Portanto, o Superior Tribunal de Justiça tem admitido a possibilidade de a pessoa jurídica figurar na condição de consu-midora, por meio do que se denominou de mitigação da teoria finalista para a definição de consumidor, desde que comprovada a vulnerabilidade66.

7 CONSUMIDOR POR SUB-ROGAÇÃO

Mas importante também, para o desenvolvimento deste estudo, é o conceito do chamado consumidor por sub-rogação.

O caso em tela tratou de discussão envolvendo roubo de um veícu-lo, quando da conduta de manobrista de restaurante. No caso, o segurado acionou a seguradora e, esta, em decorrência dos valores que àquele pagou, buscou a tutela no sentido do ressarcimento frente ao restaurante. Assim, o Superior Tribunal de Justiça considerou que:

O fato exclusivo de terceiro, que importa ao deslinde da demanda, para ser caracterizado, para excluir a responsabilidade objetiva, deve ser a causa ade-quada e exclusiva do dano, sem a concorrência de outros fatores, especial-mente o defeito na prestação do serviço pelo fornecedor demandado, hipóte-se em que persistiria a plena responsabilidade do fornecedor de serviços. Em síntese, o fato de terceiro ou a força maior, como reconhecido pelo acórdão recorrido, devem surgir como causa adequada e exclusiva do dano sofrido pelo prejudicado para ensejar o rompimento do nexo causal. Nos serviços de

65 “Administrativo e processual civil. Energia elétrica. Ação revisional. Relação de consumo. Acórdão fundamentado em resolução da Aneel. Análise de normas contidas em resolução. Inviabilidade. 1. Preliminarmente, é de se destacar que os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar, mesmo com fins de prequestionamento, todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, IX, da Lei Maior. Isso não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. Quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, esta Corte já se pronunciou no sentido de que, para se enquadrar no conceito de consumidor, se aplica a teoria finalista, de forma mitigada, quando a parte contratante de serviço público é pessoa jurídica de direito público e se demonstra a sua vulnerabilidade no caso concreto. No caso dos autos, pretende-se revisar contrato firmado entre Município e concessionária de energia elétrica, sob o fundamento de haver excesso de cobrança de serviço fornecido a título de iluminação pública à cidade. Aqui, o Município não é, propriamente, o destinatário final do serviço. Entretanto, o acórdão recorrido não se manifestou a respeito de qualquer vulnerabilidade do ente público, razão pela qual a análise referente a tal questão demandaria o revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, o que é vedado nesta seara recursal, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. 3. Descabida a pretensão de análise a dispositivos da Resolução da Aneel, na medida em que o recurso especial não se presta para uniformizar a interpretação de normas não contidas em leis federais. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.” (BRASIL. STJ, REsp 1297857/SP, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 20.03.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1305971&sReg=201100124099&sData=20140326&formato=HTML>. Acesso em: 04 jun. 2014)

66 STJ, REsp-AgRg-AREsp 402817/RJ, 3ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 17.12.2013, DJe 04.02.2014; AgRg-AREsp 328043/GO, 3ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 27.08.2013, DJe 05.09.2013; AgRg-REsp 1149195/PR, 3ª T., Sidnei Beneti, J. 25.06.2013, DJe 01.08.2013; EDcl-AREsp 265845/SP, 4ª T., Rel. Min. Marco Buzzi, J. 18.06.2013, DJe 01.08.2013; REsp 1358231/SP, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 28.05.2013, DJe 17.06.2013; EDcl-Ag 1371143/PR, 4ª T., Rel. Min. Raul Araújo, J. 07.03.2013, DJe 17.04.2013; REsp 1195642/RJ, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 13.11.2012, DJe 21.11.2012.

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manobristas (valets) ofertados por restaurantes nas grandes cidades, deve-se estabelecer uma distinção entre a ocorrência de furto ou roubo de veículo para efeito de responsabilidade civil. Nas hipóteses de roubo, caracteriza--se o fato de terceiro ou a força maior, podendo-se discutir apenas eventual concorrência do demandado, mediante uma prestação defeituosa do seu ser-viço, para o evento danoso (fato exclusivo ou concorrente). Nas hipóteses de furto, em que não há violência, permanece a responsabilidade, pois o serviço prestado mostra-se defeituoso por não apresentar a segurança legitimamente esperada pelo consumidor. No caso concreto, a sentença entendeu não ter sido rompido o nexo causal entre o roubo do veículo e o serviço de mano-brista oferecido dada a previsibilidade pelo restaurante da ocorrência desse tipo de evento danoso naquela localidade, devendo responder tanto pelo furto, quanto pelo roubo. O Tribunal de origem, diversamente, entendeu que o caso de roubo, embora previsível, é inevitável, rompendo esse fato de ter-ceiro o nexo de causalidade entre o dano causado ao consumidor (perda patrimonial) e o serviço prestado pelo estabelecimento (manobrista).

Correta a conclusão do acórdão recorrido, esposando a orientação jurisprudencial tradicional desta Corte Superior, traçada pelo eminente Mi-nistro Eduardo Ribeiro, acerca da distinção entre a previsibilidade e a inevi-tabilidade do fato para caracterização da força maior, verbis:

Automóvel. Roubo ocorrido em posto de lavagem. Força maior. Isenção de responsabilidade. O fato de o art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consu-midor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas. Aplicação do art. 1.058 do Código Civil. A inevitabilidade e não a imprevisibilidade é que efetiva-mente mais importa para caracterizar o fortuito. E aquela há de entender-se dentro de certa relatividade, tendo-se o acontecimento como inevitável em função do que seria razoável exigir-se. (REsp 120647/SP, 3ª T., Rel. Min. Eduardo Ribeiro, J. 16.03.2000, DJ 15.05.2000, p. 156)67

67 “Recurso especial. Civil, processual civil e consumidor. Responsabilidade civil. Roubo de veículo. Manobrista de restaurante (valet). Ruptura do nexo causal. Fato exclusivo de terceiro. Ação regressiva da seguradora. Excludente da responsabilidade civil. Consumidora por sub-rogação (seguradora). 1. Ação de regresso movida por seguradora contra restaurante para se ressarcir dos valores pagos a segurado, que teve seu veículo roubado quando estava na guarda de manobrista vinculado ao restaurante (valet). 2. Legitimidade da seguradora prevista pelo art. 349 do Código Civil de 2002, conferindo-lhe ação de regresso em relação a todos os direitos do seu segurado. 3. Em se tratando de consumidor, há plena incidência do Código de Defesa do Consumidor, agindo a seguradora como consumidora por sub-rogação, exercendo direitos, privilégios e garantias do seu segurado/consumidor. 4. A responsabilidade civil pelo fato do serviço, embora exercida por uma seguradora, mantem-se objetiva, forte no art. 14 do CDC. 5. O fato de terceiro, como excludente da responsabilidade pelo fato do serviço (art. 14, § 3º, II, do CDC), deve surgir como causa exclusiva do evento danoso para ensejar o rompimento do nexo causal. 6. No serviço de manobristas de rua (valets), as hipóteses de roubo constituem, em princípio, fato exclusivo de terceiro, não havendo prova da concorrência do fornecedor, mediante defeito na prestação do serviço, para o evento danoso. 7. Reconhecimento pelo acórdão recorrido do rompimento do nexo causal pelo roubo praticado por terceiro, excluindo a responsabilidade civil do restaurante fornecedor

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Neste outro julgamento, a Corte referiu que, em discussão quanto ao prazo prescricional para cobrança:

Esta Corte já firmou entendimento de que, ao efetuar o pagamento da in-denização ao segurado em decorrência de danos causados por terceiro, a seguradora sub-roga-se nos direitos daquele, podendo, dentro do prazo pres-cricional aplicável à relação jurídica originária, buscar o ressarcimento do que despendeu, nos mesmos termos e limites que assistiam ao segurado.68

Nesta outra decisão, em que pese ter havido a sub-rogação, o Supe-rior Tribunal de Justiça afastou a relação de consumo, caracterizando como relação mercantil. Assim restou decidido:

A seguradora, arcando com a indenização securitária, está sub-rogada nos direitos de sua segurada, podendo, dentro do prazo prescricional aplicável à relação jurídica entabulada por esta, buscar o ressarcimento do que des-pendeu, nos mesmos termos e limites que assistiam à segurada. No entanto, a relação jurídica existente entre a segurada e a transportadora ostenta nítido caráter mercantil, não podendo, em regra, serem aplicadas as normas ineren-tes às relações de consumo, pois, segundo apurado pela instância ordinária. O segurado utilizou a prestação de serviço da ré transportadora como insu-mo dentro do processo de transformação, comercialização ou na prestação de serviços a terceiros; não se coadunando, portanto, com o conceito de consumidor propriamente dito, mas sim pretendendo a exploração da ativi-dade econômica visando à obtenção do lucro.69

do serviço do manobrista (art. 14, § 3º, II, do CDC). 8. Recurso especial desprovido.” (BRASIL. STJ, REsp 1321739/SP, 3ª T., Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, J. 05.09.2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1260974&sReg=201200887970&sData=20130910&formato=HTML>. Acesso em: 06 jun. 2014)

68 “Agravo regimental no recurso especial. Transporte marítimo de mercadoria. Seguradora. Cobrança. Prescrição civil. Ausência de relação de consumo. 1. Esta Corte já firmou entendimento de que, ao efetuar o pagamento da indenização ao segurado em decorrência de danos causados por terceiro, a seguradora sub-roga-se nos direitos daquele, podendo, dentro do prazo prescricional aplicável à relação jurídica originária, buscar o ressarcimento do que despendeu, nos mesmos termos e limites que assistiam ao segurado. 2. No caso de não se averiguar a relação de consumo no contrato de transporte firmado, já decidiu esta Corte Superior que é de 1 (um) ano o prazo prescricional para propositura de ação de segurador sub-rogado requerer da transportadora o ressarcimento pela perda da carga. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido.” (BRASIL. STJ, AgRg-REsp 1169418/RJ, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, J. 06.02.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1294781&sReg=200902369657&sData=20140214&formato=HTML>. Acesso em: 10 jun. 2014)

69 “Direito civil. Recurso especial. Seguro de transporte de mercadoria. Fatos ocorridos antes da vigência do Código Civil de 2002, que passou a regular o transporte de pessoas e coisas. Sinistro. Indenização. Sub-rogação. Seguradora assume a posição da segurada. Relação mercantil. Inaplicabilidade das regras do CDC. 1. A seguradora, arcando com a indenização securitária, está sub-rogada nos direitos de sua segurada, podendo, dentro do prazo prescricional aplicável à relação jurídica entabulada por esta, buscar o ressarcimento do que despendeu, nos mesmos termos e limites que assistiam à segurada. 2. No entanto, a relação jurídica existente entre a segurada e a transportadora ostenta nítido caráter mercantil, não podendo, em regra, ser aplicada as normas inerentes às relações de consumo, pois, segundo apurado pela instância ordinária, ‘o segurado utilizou a prestação de serviço da ré transportadora como insumo dentro do processo de transformação, comercialização ou na prestação de serviços a terceiros; não se coadunando, portanto, com o conceito de consumidor propriamente dito, mas sim pretendendo a exploração da atividade econômica visando a obtenção

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CONCLUSÃO

A importância do Código de Defesa do Consumidor realmente é ím-par e tem, igualmente, um papel de extrema relevância em nosso ordena-mento jurídico, além de sua base, de sua raiz constitucional, elegendo a proteção dos consumidores em nível de direitos fundamentais e, como se não bastasse, privilegia o princípio da igualdade.

Entendemos que os conceitos estudados, direcionados especifica-mente à definição do consumidor e da questão como destinatário final, têm lugar à devida mitigação, quando presentes qualquer das espécies de vul-nerabilidade: fática, técnica ou jurídica. E, em relação ao objeto de nosso estudo, entendemos como louvável a preocupação da doutrina e da ju-risprudência nesse sentido; afinal, o consumidor pode ser identificado em face de diversos aspectos. Portanto, o formalismo abre lugar à aplicação, de forma material, do princípio da igualdade.

Como vimos, as relações entre consumidores e fornecedores são ex-tremamente dinâmicas e, no caso concreto, podem levar a situações que coloquem em desequilíbrio as partes. Todavia, o Código de Defesa do Con-sumidor vem buscar o equilíbrio, de tal sorte que a situação fática de de-terminada relação entre as partes (sejam relações entre fornecedores) pode, sim, revelar a fragilidade e a vulnerabilidade de uma delas frente a outra, quando perquirida a questão acerca da aplicação das normas do Código de Defesa de Consumidor, mitigando-se a teoria finalista.

Humberto Theodoro Júnior é preciso em suas lições acerca do acima colocado. O autor explica que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável restritamente às pessoas físicas. As pessoas jurídicas também podem se beneficiar da norma protetiva referida, desde que observados os requisitos já aqui trazidos e estudados, como a definição de quem é o desti-natário final do produto ou do serviço, e presente a vulnerabilidade. O pro-duto ou serviço adquirido, nas relações envolvendo as sociedades empresa-riais e os fornecedores, por exemplo, em se cogitando de insumos, inserção de produtos que não se retire da cadeia produtiva de forma definitiva, não há falar no benefício e aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Mas o autor alerta:

do lucro’. 3. O Código Civil de 2002 regula o contrato de transporte de pessoas e coisas nos arts. 730 a 756. No entanto, a referida relação jurídica era anteriormente regulada pelo Decreto-Lei nº 2.681/1912, aplicando-se a prescrição ânua, conforme dispunha o art 9º do mencionado Diploma. Precedentes do STF e desta Corte. 4. Recurso especial não conhecido.” (BRASIL. STJ, REsp 982492/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 27.09.2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento. asp?sSeq=1091911&sReg=200702068247&sData=20111017&formato=HTML>. Acesso em: 10 jun. 2014)

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A vulnerabilidade da pessoa jurídica empresarial, quando invocada para jus-tificar a excepcional proteção do CDC, haverá de ser demonstrada e com-provada por quem alega, sob pena de não lhe ser reconhecida a condição de sujeito de uma relação de consumo.70

Ainda, temos a defesa do consumidor como imposição ao Estado, um dever. Por outro lado, trata-se de direito fundamental, dada a sua origem constitucional.

Não temos a intenção de esgotar o tema, muito pelo contrário. To-davia, buscamos, por meio do presente artigo, aprofundar as questões nele trazidas e apresentadas, no sentido de contribuição para os estudiosos. Con-tudo, e mais uma vez ressaltando, eis que extremamente relevante: dada a origem constitucional do Código de Defesa do Consumidor e da proteção dos interesses e direitos dos consumidores, estes devem ser tratados e res-peitados na forma de nossa Constituição, cabendo ao Estado, por meio de um dever a ele imposto, o devido cuidado e tutela.

REFERÊNCIAS

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______. Constituição da República Federativa do Brasil. 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 05 fev. 2014.

______. Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. REsp 1324712/MG. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em: 13.11.2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1267855&sReg=201201062200&sData=20131113&formato=HTML>. Acesso em: 22 maio 2014.

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70 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do CDC e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 27-28.

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______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 586316/MG, STJ. Segunda Turma. Relator: Min. Herman Benjamin. Julgado em 17.04.2007. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=683195&sReg=200301612085&sData=20090319&formato=HTML>. Acesso em: 12 maio 2014.

______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 982492/SP. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em: 27.09.2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistae-letronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1091911&sReg=200702068247&sData=20111017&formato=HTML>. Acesso em: 10 jun. 2014.

______. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. REsp 1297857/SP. Relator: Min. Mauro Campbell Marques. Julgado em: 20.03.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1305971&sReg=201100124099&sData=20140326&formato=HTML>. Acesso em: 04 jun. 2014.

______. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. REsp 347752/SP. Relator: Min. Herman Benjamin. Julgado em: 08.05.2007. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=689972&sReg=200101258383&sData=20091104&formato=HTML>. Acesso em: 12 maio 2014.

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Parte Geral – Doutrina

A (Não) Sujeição da Ação de Despejo aos Efeitos da Recuperação Judicial: Comentários ao Acórdão no Conflito de Competência nº 123.116/SP da 2ª Seção do STJ

GABRIELA WALLAU RODRIGUESAdvogada, Mestre em Direito pela PUCRS, Professora de Direito Empresarial na PUCRS.

RESUMO: O texto analisa o acórdão lavrado nos autos do Conflito de Competência nº 123.116/SP, no qual restou decidido pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça que as ações de despejo não se submetem aos efeitos decorrentes do deferimento da recuperação judicial.

PALAVRAS-CHAVE: Ação de despejo; recuperação judicial; suspensão.

ABSTRACT: The text analyses a decision taken by the Brazilian superior court (2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça), which leads to the conclusion that actions of ejectment cannot be suspended nor dismissed because of the procedures of a bankruptcy reinstatement.

KEYWORDS: Actions of ejectment; bankruptcy reinstatement; stay period.

SUMÁRIO: 1 Da decisão em comento; 2 Comentários; 3 Considerações conclusivas; Referências.

1 DA DECISÃO EM COMENTO

Em acórdão lavrado nos autos do Conflito de Competência nº 123.116/SP1, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu, de forma não unânime, que, nas ações de despejo, o locador não deve submeter-se aos efeitos da recuperação judicial, uma vez que deteria condição de pro-prietário de imóvel.

Vencida a Ministra Nancy Andrighi, entendeu o colegiado, sob a re-latoria do Ministro Raul Araújo, não conhecer do conflito positivo suscitado por empresa em recuperação judicial e determinar o prosseguimento da ação de despejo por falta de pagamento, com a consequente intimação da locatária para a desocupação do imóvel no prazo de 15 (quinze) dias. O acórdão restou assim ementado:

CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – LOCAÇÃO – AÇÃO DE DESPEJO – SUJEIÇÃO AO JUÍZO NATURAL

1 STJ, CC 123.116/SP, 2ª Seção, DJe 3 nov. 2014.

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1. Em ação de despejo movida pelo proprietário locador, a retomada da pos-se direta do imóvel locado à sociedade empresária em recuperação judicial, com base nas previsões da lei específica (a Lei do Inquilinato nº 8.245/1991), não se submete à competência do Juízo universal da recuperação.

2. O credor proprietário de imóvel, quanto à retomada do bem, não está sujeito aos efeitos da recuperação judicial (Lei nº 11.101/2005, art. 49, § 3º).

3. Conflito de competência não conhecido.

Considerando-se que a decisão teve de sopesar normas contidas em dois sistemas entre os mais importantes para o desenvolvimento econômico e social brasileiro – Lei do Inquilinato e Lei de Falências e Recuperação de Empresas –, as suas repercussões hão de se fazer sentir em larga medida, razão pela qual se entendeu pertinente tecer alguns concisos comentários, que seguem.

2 COMENTÁRIOS

Entre os aspectos comuns entre a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991) e a Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005), sem pre-juízos de outros que também possam ser identificados, merece especial destaque o objetivo de conferir eficácia às relações negociais. No caso do primeiro diploma, porque visa à maior oferta de imóveis, ao menor preço possível2; e, no do segundo, porque visa à recuperação das empresas viáveis e o afastamento do mercado das inviáveis3. Em última análise, buscam am-bos manter a dinamicidade do mercado.

Contudo, as vias pelas quais concretamente cada um dos citados tex-tos normativos propõe-se a atingir esse escopo são diferentes. E, com isso, potencialmente as regras se chocam, o que acaba por demandar a melhor solução por parte do intérprete.

2 “O espírito do legislador visou à dinamização das locações, de modo a serem colocados no comércio locatício os imóveis ociosos, partindo o projeto das sugestões da classe dos locadores, cujas ideias iniciais eram bem mais drásticas, com possibilidade, inclusive, de no curso da ação, impor o juiz, dentro de certa margem, o valor locatício indicado pelo retomante. É a nova lei acintosamente favorável ao locador, pelo menos nos aspectos que tratam diretamente da retomada [...].” (RIZZARDO, Arnaldo. A nova Lei do Inquilinato. Revista dos Tribunais, v. 683, p. 7, set. 1992)

3 Vera Helena de Mello Franco e Racher Sztajn destacam, sob o ponto de vista econômico, a importância de analisar-se a dinamicidade das relações empresariais e o giro dos negócios na sua complexidade. Referem as autoras que “o inadimplemento atinge não somente a esfera jurídica do credor singular insatisfeito; passa a ameaçar a esfera de todos os credores, posto que se o inadimplemento persistir (sintoma revelador de que o estado de insolvência aumenta de gravidade), todos serão prejudicados. Por outro lado, se o inadimplemento cessar abruptamente pode significar que alguma coisa foi retirada do patrimônio ativo do devedor para a satisfação de algum credor e, com isto, diminui-se a garantia patrimonial dos credores insatisfeitos” (FRANCO, Vera Helena de Mello; SZTAJN, Rachel. Falência e recuperação da empresa em crise: comparação com as posições do direito europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 6-7).

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Esse é justamente o caso do conflito de competência em comento. Por um lado, tem-se o sistema da Lei do Inquilinato, que garante ao loca-dor o direito de despejar o inquilino por falta de pagamento – inclusive em caráter liminar, no prazo de 15 (quinze) dias, quando preenchidos certos requisitos, conforme o seu art. 59, § 1º. Veja-se que, mais do que garantir o direito individual do credor-locador, o grande objetivo que a lei apresenta é o de aumentar o grau de certeza de recebimento dos valores devidos e, por conseguinte, levar à redução dos preços praticados no mercado, seguindo a lógica risco vs. retorno.

Por sua vez, a Lei de Falências e Recuperação Judicial prevê, diante do princípio da preservação da fonte produtora4 e da manutenção de em-pregos, que, uma vez concedida a recuperação judicial, sejam suspensas todas as ações e prescrições em curso contra o devedor, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias. É o chamado período de stay, previsto no art. 6º da Lei nº 11.101/2005.

Findo esse lapso temporal, caso aprovado o plano, estarão novados os créditos submetidos à recuperação judicial, de modo que, enquanto hou-ver o seu regular cumprimento, também não haverá que se falar no prosse-guimento das ações individuais contra a empresa recuperanda. Apenas no caso da não apreciação do plano dentro do período de stay é que haveria a retomada do curso das ações contra o devedor5.

Contudo, reconhecendo a posição jurídica de certos credores – espe-cialmente aqueles com direito de propriedade sobre bens, tal como ocorre nos contratos que envolvam alienação fiduciária e arrendamento mercantil –, a Lei de Falências e Recuperação entendeu por deles afastar os efeitos da recuperação judicial, conforme o seu art. 49, § 3º. Todavia, não há no dispositivo expressa menção quanto aos contratos de locação.

Eis, então, que se apresenta a seguinte tensão: Uma vez concedida a recuperação judicial, deverão as ações de despejo movidas contra o deve-dor ser automaticamente suspensas, prestigiando-se a manutenção da ati-vidade e frustrando-se a expectativa do locador em reaver o imóvel nos

4 Para abordagem mais analítica sobre o princípio da preservação da empresa, v. PERIN JÚNIOR, Écio. Preservação da empresa na lei de falências. São Paulo: Saraiva, 2009.

5 Vale mencionar que o prazo tem sido entendido pela jurisprudência como dilatório, ou seja, cabe a análise concreta do caso para, não sendo imputável ao devedor o retardo processual, prorrogar-se o período de suspensão. Nesse sentido: STJ, AgRg-CC 119.337/MG, 2ª Seção, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 23 fev. 2012. No mesmo sentido, o Enunciado nº 42 da I Jornada de Direito Comercial: “O prazo de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da Lei nº 11.101/2005 pode excepcionalmente ser prorrogado, se o retardamento do feito não puder ser imputado ao devedor” (Conselho da Justiça Federal. I Jornada de Direito Comercial. Brasília: Conselho da Justiça Federal – Centro de Estudos Judiciários, 2013).

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termos em que expressamente lhe assegura a Lei do Inquilinato? Ou, pela via oposta, deve-se prosseguir na demanda de despejo, ainda que isso in-viabilize a atividade empresarial e, consequentemente, o reerguimento da empresa devedora, conduzindo-a fatalmente à quebra?

Na decisão ora comentada, o Superior Tribunal de Justiça adotou o segundo caminho e determinou o prosseguimento da demanda de despejo regularmente, sem que quaisquer efeitos da recuperação judicial nela fos-sem sentidos.

Para o Relator, Ministro Raúl Araújo, o fato de tratar-se o locador de “credor proprietário de imóvel” atrairia a regra do § 3º do art. 49, afastando--se a suspensão da demanda individual que visava à retomada do imóvel, inclusive com a manutenção da medida liminar concedida pelo Juízo de origem. Em reforço, o voto proferido referiu que, por se tratar de demanda que envolvia quantia ilíquida, a efetivação do despejo não estaria submetida à competência do “Juízo Universal da Recuperação”, ou seja, aplicar-se-ia também o disposto no art. 6º, § 1º, da Lei nº 11.101/2005.

Em contraponto, a Ministra Nancy Andrighi realizou, em seu voto--vista, acurada crítica ao argumento, esclarecendo que

o indigitado dispositivo legal [art. 49, § 3º] contempla especificamente con-tratos que versem sobre propriedade fiduciária, arrendamento mercantil ou venda com reserva de domínio, além de contratos que contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, situações distintas da presente, em que a controvérsia origina-se de contrato de locação imobiliária.

Com o devido respeito ao voto vencedor, a ponderação realizada no trecho supra demonstra-se muito pertinente, valendo lembrar que, nos con-tratos de locação, a natureza jurídica embasadora da relação é a cessão de uso, e não a transferência da propriedade, de modo que, não raro, o locador realmente não detém a posição de proprietário6, podendo ser possuidor a outro título, como, por exemplo, de usufrutuário ou comodatário autorizado pelo comodante7.

6 “Os imóveis em geral podem ser objetos da locação, inclusive os que se encontram fora do comércio, como os gravados com cláusula de inalienabilidade. De acordo com Windscheid: ‘La cosa, Che vien locata, può essere mobile odim mobile, corporale odin corporale, própria odaltrui, anche una cosa própria del conduttore, se è locata appunto como tale’” (NADER, Paulo. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2010. p. 256).

7 Nesse sentido: “Civil e processual civil. Locador possuidor e não proprietário do imóvel locado. Ação de perdas e danos do locador contra o locatário. Direito obrigacional. Desnecessidade de prova do domínio. 1. O comodatário, devidamente autorizado pelo comodante, pode, perfeitamente, firmar contrato de locação com terceiros. 2. A pessoa que figura no contrato locatício como locador, ainda que não seja proprietária do imóvel, pode ajuizar ação de perdas e danos contra o locatário, porquanto a referida ação é de natureza obrigacional

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Indo além do argumento supra, a Ministra Nancy Andrighi salientou as particularidades do caso concreto, referindo que a retomada do imóvel por certo inviabilizaria a continuidade das atividades empresariais da sus-citante, “deflagrando circunstância apta a ensejar a convolação da recupe-ração em falência”. Reforçou também que o plano de recuperação estaria sendo cumprido a contento, e que não se trataria de conceder à empresa em recuperação o direito de utilizar o imóvel sem a referida contraprestação. Com isso, declarou a competência do Juízo da recuperação judicial, sendo, contudo, vencida por todos os demais integrantes do colegiado, como já referido.

O que se depreende do julgado é o prestígio aos princípios da cele-ridade e da eficiência norteadores da Lei do Inquilinato, em detrimento da preservação da empresa, norma expressamente previsto na Lei de Falências e Recuperação, mas que, por sua própria natureza principiológica8, não pode ser tida por absoluta.

Sobre os desafios para a definição do alcance do princípio da pre-servação da empresa, André Estevez9 destaca o necessário cotejo entre a preservação da empresa devedora e os direitos dos credores, embasando-se na atual jurisprudência do STJ10 e referindo que a corte “tem apresentado recentes precedentes em que observa que o princípio da preservação da empresa não serve para justificar toda e qualquer decisão em prol da ativi-dade empresarial”.

Como se vê, a mitigação de determinado princípio e o prestígio de outros depende essencialmente da análise concreta do caso. É esse o cerne do presente comentário: a generalização é certamente perniciosa. Embora a leitura precipitada da ementa do julgado em análise conduza à direta con-clusão de que “o contrato de locação não se submete aos efeitos da recupe-ração judicial”, há de se ponderar que o contexto fático em que analisado

e não real” (TJDF, AG 19990020029282/DF, 3ª Turma Cível, Rel. Mário Zam Belmiro, Julgado em 23 mar. 2000, DJU 7 fev. 2001, p. 23).

8 Assim é a lição de Robert Alexy, para quem “cuando dos princípios entran em colisión – tal como es el caso cuando segúnun principio algo está prohibido y, segúnotro principio, está permitido – uno de los dos princípios tiene que ceder ante elotro”, o que, contudo, não implica declarar inválido o princípio deslocado nem tampouco que este tenha de introduzir uma cláusula de exceção. O que de fato ocorre é que, sob determinadas circunstâncias fáticas (ou seja, no caso concreto), um dos princípios tem de ceder ao outro (ALEXY, Robert. Teoría de Los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 89).

9 ESTEVEZ, André. Influências do princípio da preservação da empresa no direito falimentar: critérios para a derrubada do veto dos credores (cramdown) sobre o plano de recuperação judicial. In: ______; JOBIM, Marcio Felix. Estudos de direito empresarial: homenagem aos 50 anos de docência do Professor Peter Walter Ashton. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 595.

10 Destaca o autor: STJ, AgRg-CC 110.250/DF, 2ª Seção, Relª Min. Nancy Andrighi, DJe 16 set. 2010.

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o tema pelo Superior Tribunal de Justiça no acórdão em comento era o de que, na data do julgamento, já haviam transcorrido mais de 180 (cento e oi-tenta) dias desde o deferimento da recuperação judicial, ou seja, a empresa já não se encontrava mais em período de stay.

Percebe-se, assim, que a decisão não chegou a analisar frontalmente o alcance da norma contida na parte final do art. 49, § 3º, da Lei de Falên-cias11, a qual proíbe expressamente a retirada de bens objeto de arrenda-mento mercantil e alienação fiduciária durante o stay period, quando estes forem essenciais à atividade empresarial12.

Embora, infelizmente, não tenha logrado o STJ analisar o caso dentro do período de stay, parece flagrante que, fosse essa a hipótese, o desdobra-mento da decisão poderia (e, ousa-se dizer, deveria) ter tido outro caminho. É nesse sentido que Scalzilli, Tellechea e Spinelli13, em texto que analitica-mente disseca os objetivos e princípios da Lei de Falências e Recuperação, discorrem sobre o princípio da preservação da empresa e destacam a pre-visão do art. 49, § 3º, in fine, como regra que efetivamente o materializa.

Para Sérgio Campinho14, o impedimento de que bens de capital es-senciais à atividade empresarial sejam retirados do estabelecimento durante o período de stay é norma que garante ao devedor continuar a sua operação e facilitar a reorganização da empresa e a negociação do plano, não apenas aumentando a probabilidade de que o plano seja aprovado pelos credores a ele sujeitos, mas ensejando também a renegociação com os credores não

11 “§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.”

12 “[...] apesar da Lei não obrigar os referidos credores [descritos no § 3º do art. 49] aos efeitos da recuperação judicial, dispôs no § 4º do art. 6º, que no período de 180 (cento e oitenta) dias improrrogáveis, a contar do despacho que recebe o pedido de recuperação, não se permitirá a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial, ainda que garantidores dos contratos de arrendamento, reserva de domínio, etc. Diante dos efeitos gravosos resultantes da retirada antecipada de bens do estabelecimento empresarial, louvável a preocupação do legislador na tentativa de manter a empresa em funcionamento, protegendo as instalações, maquinário e equipamentos do devedor em recuperação judicial, pelo menos nos primeiros seis meses em que o mesmo se encontra na fase inicial da recuperação judicial, sem prejuízo das garantias contratuais.” (Lídia Valério Marzagão apud MACHADO, Rubens Approbato (Coord). Comentários à nova lei de falências e recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 87)

13 SCALZILLI, João Pedro; TELLECHEA, Rodrigo; SPINELLI, Luis Felipe. Objetivos e princípios da Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Revista Síntese Direito Empresarial, ano V, n. 26, p. 17, maio/jun. 2012.

14 CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 145.

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sujeitos, ou seja, concretizando-se mais efetivamente os objetivos da Lei nº 11.101/2005.

Analisando o caso julgado pelo TJRJ em sentido semelhante ao aqui comentado, Gustavo Saad Diniz15 refere que “a celeridade preconizada pela legislação do inquilinato indica que as características do procedimento podem inviabilizar a recuperação de empresa locatária e, nesse sentido, a suspensão da ação de despejo é fundamental”. Contudo, pondera o autor que a norma certamente não pode ser tida como absoluta, não se podendo descuidar de algumas situações fáticas específicas, a exemplo da existência de outros estabelecimentos, ou seja, a não essencialidade do imóvel objeto da retomada pela ação de despejo, hipótese em que a suspensão não se justificaria16.

Reforça-se, assim, a necessidade da análise tópico-sistemática17 e a ponderação entre a celeridade preconizada pela Lei do Inquilinato e a pre-servação da empresa, normas cujo conteúdo principiológico afasta qual-quer possibilidade de aplicação em caráter absoluto.

3 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

Em notas conclusivas, identifica-se que, embora a atual jurisprudên-cia do Superior Tribunal de Justiça, reafirmada nos autos do CC 123.116/SP, incline-se no sentido de não submeter as ações de despejo aos efeitos da recuperação judicial, há de se ter cautela quanto à aplicação genérica do precedente.

Salvo melhor juízo, durante o período de stay, e tratando-se de imó-vel essencial para a continuidade da atividade empresarial, entende-se invi-ável a retomada, sob pena de frustrar-se a reorganização da empresa neste tão sensível período.

15 DINIZ, Gustavo Saad. Suspensão de ação de despejo de locatário em recuperação judicial – Comentários ao acórdão da 2ª Câmara Cível do TJRJ no AgIn 0007989-38.2012.8.19.0000. Revista dos Tribunais, v. 920, p. 575, jun. 2012.

16 Idem. A título de ilustração, o autor cita o precedente do TJSP no acórdão do AgIn 0183874-08.2011.8.26, 28ª Câmara Cível, julgado em 24 de janeiro de 2012, no qual o Relator, Desembargador Celso Pimentel, decidiu que, caso o imóvel objeto da retomada não constitua o único estabelecimento da empresa em recuperação, não há que se cogitar a suspensão da ação de despejo.

17 Nesse sentido, Juarez Freitas denuncia a essencialidade das noções de sistema e complexidade, já que toda aplicação do Direito é necessariamente sistemática. O autor destaca que o intérprete sistemático deve ter sempre em mente a impossibilidade de adotar unilateralismos e simplificações reducionistas, tendo, muito antes, a visada de conjunto torna cognoscível o Direito em sua riqueza valorativa. Reforça que o todo é maior do que as partes (e deve ser, também, melhor), de modo a transcender o método de simplesmente decompor-se o sistema em elementos simples, ressaltando que o pensamento apto a dar conta da sua imanente complexidade há de mostrar-se dialógico em todas as suas etapas (FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 63).

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Por outro lado, tratando-se de apenas um entre os diversos imóveis locados pela empresa em recuperação – e após o transcurso do período de stay –, não se vislumbra, de fato, razão para a suspensão da demanda de despejo, sob pena de atacarem-se os objetivos da Lei do Inquilinato, mor-mente no que diz respeito à celeridade e à segurança do locador.

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoría de Los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1997.

CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insol-vência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. I Jornada de Direito Comercial. Brasília: Con-selho da Justiça Federal – Centro de Estudos Judiciários, 2013.

DINIZ, Gustavo Saad. Suspensão de ação de despejo de locatário em recuperação judicial – Comentários ao acórdão da 2ª Câmara Cível do TJRJ no AGIn 0007989-38.2012.8.19.0000. Revista dos Tribunais, v. 920, jun. 2012.

ESTEVEZ, André. Influências do princípio da preservação da empresa no direito falimentar: critérios para a derrubada do veto dos credores (cramdown) sobre o plano de recuperação judicial. In: ______; JOBIM, Marcio Felix. Estudos de direito empresarial: homenagem aos 50 anos de docência do Professor Peter Walter Ashton. São Paulo: Saraiva, 2012.

FRANCO, Vera Helena de Mello; SZTAJN, Rachel. Falência e recuperação da em-presa em crise: comparação com as posições do direito europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 4. ed. São Paulo: Malhei-ros, 2004.

MACHADO, Rubens Approbato (Coord). Comentários à nova lei de falências e recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

NADER, Paulo. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2010.

PERIN JÚNIOR, Écio. Preservação da empresa na lei de falências. São Paulo: Saraiva, 2009.

RIZZARDO, Arnaldo. A nova Lei do Inquilinato. Revista dos Tribunais, v. 683, p. 7, set. 1992.

SCALZILLI, João Pedro; TELLECHEA, Rodrigo; SPINELLI, Luis Felipe. Objetivos e princípios da Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Revista Síntese Direito Empresarial, ano V, n. 26, maio/jun. 2012.

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TJDF. AG 19990020029282/DF, 3ª Turma Cível, Rel. Mário Zam Belmiro, Julgado em 23 mar. 2000, DJU 7 fev. 2001, p. 23.

STJ. CC 123.116/SP, 2ª Seção, Rel. Min. Raul Araujo, DJe 3 nov. 2014.

______. AgRg-CC 119.337/MG, Rel. Min. Raul Araujo, DJe 23 fev. 2012.

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Parte Geral – Doutrina

Considerações sobre a Necessidade de Resgatar o Conceito de Capital Social: Análise da Crise (ou Redefinição) da Noção de Capital SocialConsiderations Regarding the Need of Bringing Out the Concept of Share Capital: Analysis of the Notion of Share Capital Crisis (Or Its Redefinition)

JOSÉ TADEU NEVES XAVIERDoutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Profes-sor da Faculdade Fundação do Ministério Público – FMP, Professor e Coordenador de Cursos de Pós-Graduação da Faculdade IDC, Professor da Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul – Femargs, Advogado da União.

RESUMO: O capital social é um dos temas de base do direito empresarial, mas que ainda não re-cebeu a devida atenção tanto do legislador como da doutrina jurídica. O presente estudo analisa os princípios orientadores da noção de capital social, as suas funções internas e externas e a problemá-tica da subcapitalização societária, objetivando contribuir para o debate acadêmico sobre a chamada crise do capital social.

PALAVRAS-CHAVE: Direito societário; capital social; princípios do capital social; funções do capital social; subcapitalização.

ABSTRACT: The share capital is one of the basic themes of business law, although it has not yet received due attention from both the legislature and the legal doctrine. This study examines the guiding principles of the concept of share capital, its internal and external functions, and the issues on the corporate capitalization, aiming to contribute to the academic debate on the so-called crisis of the share capital.

KEYWORDS: Corporate law; share capital; principles of share capital; share capital functions; under-capitalization.

SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 Definição de capital social; a) Noção econômica do capital so-cial; b) Noção contábil ou monetária do capital social; c) Noção jurídica de capital social; 2 Revisitan-do os princípios que orientam o capital social; a) Princípio da determinação; b) Princípio da unidade do capital; c) Princípio da publicidade; d) Princípio da estabilidade ou da fixidez do capital; e) Princípio da exata formação; f) Princípio da intangibilidade; g) Princípio da efetividade, da realidade ou da correspondência do capital; h) Princípio da congruência ou da adequação do capital ao objeto social; 3 Funções atribuídas ao capital social; a) Funções internas do capital; b) Funções externas do capital empresarial; 4 A crise da noção de capital social no cenário do mercado atual; 4.1 O debate sobre a exigência de capital inicial mínimo como forma de efetividade da função de garantia do capital social; 4.2 O problema da subcapitalização societária; Considerações finais; Referências.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O capital social representa uma das figuras de base do direito socie-tário, posicionando-se como elemento essencial de praticamente todas as espécies societárias personificadas do Direito brasileiro, assumindo diversas funções de notória relevância nas relações internas entre os sócios, entre estes e a sociedade e também servindo como referencial de segurança para os credores sociais. Neste sentido, o capital social auxilia na definição dos direitos e deveres dos sócios, formata a distribuição do poder na entidade e atua como garantia econômica dos credores e demais parceiros negociais das sociedades.

Diversamente da opção legislativa verificada em outros países1, o Di-reito brasileiro dispõe expressamente sobre a indicação do capital como elemento essencial dos tipos societários. Tal determinação consta do art. 997 do Codex Civil, com aplicação nas sociedades de viés contratual2, e do art. 5º da Lei nº 6.404/19763, que regra as sociedades anônimas e as sociedades em comandita por ações. Esse perfil normativo é excepcionado tão somente em relação às sociedades cooperativas, às quais foi outorgada a possibilidade de serem constituídas e funcionarem sem a existência de capital4. Também a legislação de registro das sociedades empresárias impõe a indicação do capital social como requisito para o arquivamento do ato constitutivo das entidades empresárias no órgão de registro mercantil5.

Apesar de todo o destaque que essa figura societária possui, no plano acadêmico, o tema não recebeu a devida atenção da doutrina, o que repre-senta lamentável lacuna no cenário do direito societário nacional, e que acabou por nos estimular a traçar estas breves linhas destinadas a refletir sobre a chamada crise do capital social.

1 É oportuno apontar que o Código Civil lusitano, ao listar os essentialia negotii dos contratos de sociedades civis, não contempla a referência ao capital e, no Código das Sociedades Comerciais deste país, é permitida a existência de determinados modelos societários desprendidos da necessidade de capital. No sistema jurídico norte-americano, o Model Business Corporation Act também deixou de incluir o capital como elemento essencial nas corporations.

2 Código Civil: “Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: [...] III – capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária”.

3 Lei nº 6.404/1976: “Art. 5º O estatuto da companhia fixará o valor do capital social, expresso em moeda nacional”.

4 Código Civil: “Art. 1.094. São características das sociedades cooperativas: I – variabilidade ou dispensa do capital social”.

5 Lei nº 8.934/1994: “Art. 35. Não podem ser arquivados: [...] III – os atos constitutivos de empresas mercantis que, além das cláusulas exigidas em lei, não designarem o respectivo capital, bem como a declaração precisa de seu objeto, cuja indicação no nome empresarial é facultativa; [...]”.

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1 DEFINIÇÃO DE CAPITAL SOCIAL

Apesar da expressiva importância que apresenta para a lógica empre-sarial, o conceito de capital é relativamente recente, tendo sido introduzido na vida do direito mercantil no começo do século XIX, de forma correlata à noção de limitação de responsabilidade. A partir de então, o tema pas-sou a integrar definitivamente os diálogos da doutrina empresarial, mas sem receber a devida atenção por parte dos estudiosos, tendo merecido pouco espaço na literatura jurídica, com honrosas exceções6. Porém, da análise daqueles que se aventuram nos debates sobre o tema, ainda não se con-seguiu obter uniformidade na sua conceituação. É um campo pantanoso, onde não é seguro fazer afirmações de caráter categórico.

A dificuldade na identificação de uma definição adequada para ex-pressar a essência do capital decorre, certamente, do caráter multifacetário que o delineia, em muito determinado pelas suas diferentes funções, o que não é nota exclusiva da doutrina interna, mas também uma tônica entre os autores de sistemas jurídicos estrangeiros.

Não podemos, porém, seguir nessa empreitada, sem antes por às cla-ras a discriminação que se deve ter sobre capital e patrimônio, para fins empresariais, que tanta confusão tem causado no plano doutrinário e ju-risprudencial, e que, inclusive, foi designado por Ernesto Simonetto como il problema del capitale7. Como lembra J. M. Coutinho de Abreu, são figuras que, muitas vezes, jogam em conjunto na organização e funcionamento da sociedade8, mas são concepções distintas que devem ser mantidas em separado, para que se possa obter adequada compreensão de suas funções no contexto da dinâmica societária.

O primeiro corresponde ao aporte realizado para a criação da entida-de, de regra integralizado na oportunidade da constituição desta, indicado no ato constitutivo, por meio de uma cifra fixa e invariável. O patrimônio, por sua vez, corresponde ao valor econômico que a entidade dispõe para

6 Paulo de Tarso Domingues, com esteio nas palavras do jurista espanhol Aurélio Menéndez, atribui a escassez de estudos sobre o capital ao senso vulgar de que este não seria um conceito técnico-jurídico, mas sim noção importada da ciência econômica, o que poderia levar a conclusão de que nenhuma utilidade teria, para os juristas, o aprofundamento no seu estudo, explicando: “A ideia arraigada de que se trata de um conceito econômico leva a que os autores se não debrucem sobre a figura, na convicção de que o jurista, para determinar o significado do capital social, não precisa de fazer qualquer esforço, bastando-lhe o recurso às respostas encontradas pelos mais reputados economistas, até porque seriam eles as pessoas mais qualificadas e melhor habilitadas para o efeito” (Do capital social: noção princípios e funções. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. p. 29).

7 Concetto e composizione del capital sociale. Rivista de Diritto Commerciale e del Diritto Generale delle Obbligazioni, a. LIV, p. 66, 1956.

8 Curso de direito comercial. 4. ed. Coimbra: Almedina, v. II, 2011. p. 446.

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a obtenção de seus objetivos, que irá variar de acordo com o sucesso do empreendimento. Está diretamente relacionado com a situação econômica real da atividade9, sendo representativo da realidade econômica tangível e imprescindivelmente, portanto, de caráter dinâmico. Para a exata compre-ensão da noção de patrimônio, cabe aqui nos valermos dos ensinamentos do jurista lusitano Paulo de Tarso Domingues, dizendo:

O patrimônio da sociedade, tal como o patrimônio de qualquer pessoa, pode – do ponto de vista do conteúdo – ser encarado sob três perspectivas: como patrimônio global, enquanto abrange o conjunto de todos os direitos e obri-gações susceptíveis de avaliação pecuniária de que a sociedade é titular em determinado momento; como patrimônio ilíquido ou bruto, enquanto englo-ba os elementos do activo a sociedade (bens e direitos) sem ter em conta o passivo; e finalmente, como patrimônio líquido – e é este o sentido que, as mais das vezes, se quer significar com a expressão “patrimônio social”, por ser o que maior interesse prático tem – que consiste no valor do activo depois de descontado o passivo.10

Em síntese, pode-se afirmar que o capital é representado pela cifra indicada no ato constitutivo, enquanto o patrimônio está relacionado a uma situação concreta, refletindo as reais condições econômicas da entidade. O capital tende à estabilidade, somente sofrendo alterações em situações singulares, motivado por aumentos ou reduções sujeitas a procedimentos especiais. O patrimônio, ao contrário, é volátil, podendo sofrer constantes variações. Mesmo nas hipóteses em que inicialmente o capital e o patrimô-nio da entidade coincidem – o que representa a regra geral –, a tendência é que estes, com o passar do tempo, venham a se distanciar11.

9 Neste sentido Alfredo de Assis Gonçalves Neto adverte que o capital não deve ser entendido como o próprio patrimônio, mas sim como o valor em dinheiro que corresponde ao patrimônio necessário, ou útil, para o desenvolvimento da atividade que o agente econômico desenvolve, servindo para determinar periodicamente sua situação econômico-financeira (A empresa individual de responsabilidade limitada, RT, v. 915, p. 174, jan. 2012).

10 Op. cit., p. 41. Na doutrina jurídica uruguaia, Nuri Rodriguez Olivera sintetiza os principais caracteres que o patrimônio assume na seara empresarial: “El património social es el conjunto de bienes, derechos y obligaciones de una sociedad. El patrimonio social no tiene características propias. Se rige por iguales principios y normas que los aplicables a las personas físicas. En consecuencia, toda sociedad tiene un patrimonio y sólo uno y responde con todo su patrimonio por las obligaciones que contraiga en su actividad. El patrimonio es esencialmente variable. El patrimonio inicial de la sociedad se forma con el aporte efectuado o prometido por los socios. El patrimonio luego ha de variar según los resultados de la gestión social. El patrimonio se acrecienta si tiene éxito la actividad social; disminuye si tiene malos resultados” (Capital y patrimonio. Montevidéu: Fundación de Cultura Universitaria, 1998. p. 20).

11 Cabe aqui a transcrição da lição oferecida por Jesus Rubio: “El capital constituye una cifra matemática. No representa bienes o cosas, sino un dado de valor, inmutable, y por ello sólo puede modificarse formalmente, jurídicamente. Su volumen no tiene nada que ver con las oscilaciones prósperas o adversas del negocio. El patrimonio crece o disminuye y el capital permanece invariable” (Curso de derecho de las sociedades anónimas. 2. ed. Madri: Editorial de Derecho Financiero, 1967. p. 51).

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Sem deixar de reconhecer a importância e a indispensabilidade das diversas funções que o patrimônio exerce na dinâmica das sociedades em-presárias12, tomaremos, como objeto da presente investigação, a análise es-pecífica sobre as implicações jurídicas decorrentes do capital social.

O direito positivo brasileiro não nos oferece uma conceituação legal sobre o capital social, restringindo-se a posicioná-lo como um dos elemen-tos que integram o ato constitutivo das sociedades, atribuindo-lhe, portanto, o caráter de valor monetário a ser indicado no documento de constituição das entidades societárias. Em algumas passagens, o legislador nacional tam-bém o vincula ao sistema de responsabilidade empresarial, apontando a sua função de instrumento de tutela dos credores.

Nesta linha, de um modo geral, a doutrina costuma ver o capital em-presarial como a cifra nominalmente indicada no ato constitutivo, corres-pondendo aos aportes do instituidor ou sócios (se empresa individual de responsabilidade limitada ou sociedade) apto ao exercício das funções que o ordenamento jurídico lhe atribui, em especial servir de suporte para o de-sempenho da atividade e atuar como mecanismo de garantia dos credores.

Para uma abordagem mais satisfatória sobre o tema, parece oportuno que se indique pelo menos três noções que auxiliam a desvelar matizes pre-sentes na noção de capital empresarial: econômica, contábil ou monetária e jurídica.

a) noção econômica do caPital social

No sentido econômico, o capital empresarial é compreendido como fator de produção, portanto com forte significado prático, mas de pouca transcendência para o diálogo jurídico13. Neste sentido, Paulo de Tarso Domingues observa que o capital é conceito

com um conteúdo e um significado que, para o Direito, não se identifica totalmente com o da economia. Desde logo, porque a perspectiva do eco-

12 Nuri Rodriguez Olivera indica as funções instrumental e de responsabilidade que são atribuídas ao patrimônio no contexto do direito societário: “a) una función instrumental. El patrimonio y los bienes que lo integran sirven para la explotación del giro previsto como objeto de la sociedad. b) Una función de responsabilidad. La sociedad, con su patrimonio, responderá frente a terceros. Con los bienes del patrimonio social, la sociedad debe afrontar el pago a los acreedores sociales. La sociedad en su actuación en el mundo de los negocios va a contraer obligaciones y el respaldo para ella está constituido por el patrimonio social”, complementando: “Para determinar la solvencia de una sociedad no se ha de estar a la cifra de capital, que es una cifra meramente ideal, suma de aportes oportunamente recibidos, lo que interesa es el patrimonio con que la sociedad cuenta, formado inicialmente por los aportes pero que se modifica dia a dia de acuerdo al resultado de la actividad empresarial de la sociedad” (Op. cit., p. 23).

13 Cf. BOSCO, Lucas Ramírez. Responsabilidad por infracapitalización societaria. Buenos Aires: Hammurabi, 2004. p. 31.

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nomista é absolutamente distinta do jurista: aquele analisa o capital social tendo em conta fundamentalmente os problemas atinentes à produtividade e à produção da empresa, enquanto na análise deste relevam, sobretudo, a contribuição e conservação de um fundo de bens que garanta credores.14

Essa distinção de enfoque entre o olhar econômico e o jurista, en-tretanto, não implica a ausência de conexão destes, que, inevitavelmente, com certa frequência, irão se entrosar com objetivo de maior proveito na compreensão da complexa noção do capital empresarial. A própria exigên-cia e capital mínimo que no ordenamento jurídico nacional se verifica na empresa individual de responsabilidade limitada15 e em determinadas espé-cies de atividades empresariais evidenciam essa miscigenação de enfoques econômico e jurídico sobre o capital.

B) noção contáBil ou monetária do caPital social

A noção contábil ou monetária de capital logicamente está relaciona-da à sua inserção dentro das regras de contabilidade, representando o acer-vo de bens disponíveis para o desempenho da atividade conforme consta do balanço. Tal definição é encontrada na obra de Waldemar Ferreira, ao referir que o capital é representado pelos “contingentes trazidos pelos sócios para a formação da arca communis, ou seja, do acervo de bens indispen-sável ao exercício da atividade mercantil ou industrial da sociedade”16 e referida por Paulo de Tarso Domingues como a definição clássica de capi-tal17. Na sistemática contábil, o capital é posicionado na conta passivo, do lado direito do balanço, como uma espécie de cifra de retenção, impedindo a distribuição de lucros aos sócios se não houver excedente àquele valor consignado como capital.

c) noção Jurídica de caPital social

Sob o prisma do Direito, apesar do incansável esforço doutrinário, ainda não se conseguiu extrair uma noção unitária de capital, o que levou o jurista argentino Hernán Verly, seguindo a doutrina predominante sobre o tema, a apontar três possíveis categorias de definições: (a) identificando o

14 Op. cit., p. 29.15 Sobre a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli), remetemos o leitor aos nossos ensaios “A

complexa natureza jurídica da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – Eireli” (Revista Síntese de Direito Empresarial, v. 29, p. 60, nov. 2012) e “Reflexões sobre a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – Eireli” (Revista de Direito Privado, v. 54, p. 197, abr. 2013).

16 Tratado de direito comercial. São Paulo: Saraiva, v. 3, 1961. p. 122.17 Op. cit., p. 32.

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capital com os aportes, (b) a concepção abstrata, nominalista ou clássica e (c) a concepção dualista18.

A primeira espécie é amplamente encontrada na doutrina mercantil, partindo da correlação necessária e direta entre capital e aporte empresarial. Tal concepção é encontrada nas lições de A. Ferrer Correia, ao se referir ao capital social como “a cifra representativa da soma das entradas dos sócios”19, e de J. M. Coutinho de Abreu, que o define como “elemento do pacto que se consubstancia numa cifra tendencialmente estável, representa-tiva da soma dos valores nominais das participações sociais que não corres-pondam a entradas em serviços, necessariamente expressa em moeda”20. É uma visão simplista, mas de acentuado caráter didático, porém que, em cer-tas situações, mostra-se inapta para expressar toda a complexidade jurídica do termo, eis que assume enfoque reducionista relacionado tão somente à forma de constituição do capital, desconsiderando as suas diversas funções, de primordial relevância que assume no cenário jurídico. Essa concepção também não resiste a uma abordagem mais apurada, pois, em certas situ-ações, pode vir a mostrar-se falha. Vejamos, neste sentido, a observação apontada por Lucas Ramírez Bosco, afirmando:

Se señalan en este punto las inconsistencias que se presentan frente a la emissón de acciones con prima, el aumento de capital con cargo a reservas o utilidades y la reducción por perdidas. En estos casos se revela la diferencia entre los conceptos de capital social y aportes de los sócios.21

Essa identificação do capital com as entradas realizadas pode se ma-nifestar doutrinariamente na visão do capital como a soma dos bens que constituem os apports, ou focando este como a cifra numérica correspon-dente ao valor em dinheiro das entradas no momento de constituição da entidade. Paulo de Tarso Domingues designa a primeira como acepção ma-terial e a segunda como acepção formal, explicando que aquela põe em re-

18 Apuntes para una revisión del concepto de capital social (con especial referencia a la sociedad anónima). La Ley, 1997-A, p. 760.

19 Lições de direito comercial. Lisboa: Lex, 1994. p. 329.20 Estudo de direito das sociedades. Coimbra, Almedina, 2007. p. 176.21 Op. cit., p. 32. Similarmente, porém de modo mais contundente, Ricardo Olivera Garcia aponta: “La

vinculación del concepto de capital social con los aportes realizados por los socios resulta incorrecta e inútil. No existe una correspondencia necesaria entre los aportes de los socios y el capital, ni aun en el momento mismo de creación de la sociedad. La circunstancia de que puedan realizarse integraciones de capital sobre la par y bajo la par elimina esta equivalencia. Tampoco existe esta correspondencia durante la vida de la sociedad, ya que los aumentos nominales de capital social – por capitalización de reservas u otros rubros patrimoniales – u las reducciones nominales de capital – por absorción de perdidas – determinan variaciones nominales de capital – por absorción de perdidas – determinan variaciones en el monto del capital, absolutamente independientes de toda aportación de los socios” (Crisis del concepto de capital social. R.D.C.O., 1999, a. 32, p. 372).

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levo a caráter concreto e real do capital constituído pelas contribuições dos sócios ou do instituidor, o que acaba por se mostrar acentuadamente falho, pois confunde o capital inicial com o patrimônio de partida da atividade, motivo pelo qual vem sendo a outra linha de orientação doutrinária a mais seguida pelos mercantilistas22.

A inoperância dessa concepção sobre capital empresarial fica eviden-ciada nas situações em que ocorre aumento deste em decorrência da incor-poração de reservas, ou seja, lucros acumulados sobre os quais se decide não realizar a distribuição aos sócios ou ao instituidor23. Também na situa-ção inversa, na qual se verifica a necessidade de redução do capital a fim de readequação face à ocorrência de perdas. Em ambas as hipóteses, o capital inicialmente resultante das entradas não se manterá como a cifra do capital da entidade. Em síntese, é possível se afirmar que a perfeita identificação entre as entradas e o capital empresarial é uma simples coincidência, que poderá ou não ser verificada nos casos concretos, e que, portanto, jamais deve ser tomada como fórmula definitiva.

A concepção abstrata, nominalista ou clássica parte da já destacada distinção de capital e patrimônio, definindo-os a partir de um cotejamento, numa mera técnica de comparação de conceitos. Capital é a cifra fixa e inflexível indicada no ato de constituição da entidade empresária, tomado em seu aspecto abstrato, formal e descomprometido com a realidade eco-nômica da entidade. Nas palavras de Paulo de Tarso Domingues, o capital, para essa concepção, é tomado como um puro nomen iuris24. Esse corte te-órico é encontrado quando recorremos às clássicas lições de J. X. Carvalho de Mendonça, o grande comercialista brasileiro, que conceitua o capital

22 Op. cit., p. 35. O autor é incisivo na crítica à acepção material, afirmando ser esta absolutamente inaceitável, argumentando: “Suponha-se, p. ex., a entrada de um sócio consubstanciada numa máquina. Uma vez que esta fará parte do capital social, caso fosse alienada ou abatida ao patrimônio da sociedade, o capital teria que ser proporcionalmente reduzido, o que seria, de todo, irrazoável e – como é óbvio – não é o que sucede”.

23 Paulo de Tarso Domingues lembra que “autores há, porém, que contornam a dificuldade defendendo que, no caso, se está perante uma entrada indirecta por parte dos sócios. Como é sabido, reservas são lucros acumulados que os sócios decidem não distribuir ente si; ora, afirmam, quando se incorporam as reservas no capital, através de deliberação da AG, tudo se passa como se os sócios – tendo decidido renunciar definitivamente à distribuição daqueles lucros (que constituem as reservas) – efectuassem uma contribuição (indirecta) proporcional à participação de cada um no capital, participação que assim será correspondentemente acrescida”, complementando: “Para que esta incorporação através de reservas fosse considerada uma entrada, ainda que indirecta – uma vez que a realização das entradas por parte dos sócios tem que partir da vontade individual de cada um – seria necessário, no entanto, que todos consentissem e deliberassem no sentido daquele aumento. Ora, isso não sucede com esta figura, uma vez que a deliberação é tomada por maioria qualificada dos sócios – portanto, mesmo contra a posição de alguns – que veem a sua participação social proporcionalmente aumentada, ainda que eventualmente contra a sua vontade, pois mais pretenderiam, p. ex., a distribuição dos lucros” (Op. cit., p. 37).

24 Op. cit., p. 41.

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com “o fundo originário e essencial da sociedade, fixado pela vontade dos sócios; é o monte constituído para a base das operações”25.

Não são poucas as críticas que podem ser levantadas a esta forma de visão doutrinária sobre o capital, pois, como já referido acima, este pode vir a variar de acordo com certas contingências econômicas da entidade, mesmo que de regra tal modificação deva ser aparelhada por uma série de requisitos formais intransponíveis. Ainda há de se lembrar que essa abor-dagem formal sobre o capital olvida da sua função primordial no cenário negocial, referente à atuação do fundo patrimonial como mecanismo de garantia econômica dos credores.

Buscando superar a concepção meramente nominalista, a definição dualista identifica a distinção entre capital real e nominal, mas entende se-rem essas acepções de um mesmo fenômeno, ou seja, duas faces de uma mesma realidade complexa26. A noção de capital nominal corresponde ao valor resultante do que foi aportado na constituição da entidade, enquanto no aspecto real o capital é visto com a cifra de retenção e, portanto, o fundo patrimonial intangível, valendo-se o legislador ora de uma, ora de outra faceta. Não há, portanto, um único significado para o capital empresarial.

As vantagens da aceitação da noção dualista do capital empresarial são inequívocas, na medida em que permite a adequação da atuação her-menêutica das regras que lhe são referentes, precisando, de forma efetiva, o seu verdadeiro significado no contexto legislativo em que estão inseridas, arredando confusões que seriam frequentes e inevitáveis. Ao mesmo tempo, o enfoque do capital como conceito complexo estabelece, mais claramente, uma linha de vinculação deste com as principais funções que a ordem jurí-dica lhe atribui, mormente em relação a sua atuação como meio de desem-penhar satisfatoriamente a atividade empresarial a que se propôs a entidade e também constituir mecanismo de garantia dos credores.

Deve o capital empresarial, em resumo, ser considerado como um fenômeno complexo, porém unitário. Somente a aceitação dessa compre-ensão sobre o capital social é que permitirá se extrair um conceito coerente com os diálogos normativos e doutrinários que servem de palco para a sua realização.

25 Tratado de direito comercial brasileiro. 7. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, v. III, 1963. p. 29.26 Cf. BOSCO, Lucas Ramírez. Op. cit., p. 33.

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2 REVISITANDO OS PRINCÍPIOS QUE ORIENTAM O CAPITAL SOCIAL

Vencida a tarefa de análise dos diversos fatores que influenciam na identificação da noção de capital social, passamos à verificação de seus princípios.

Aqui, assim como na questão conceitual, não se está a trabalhar sobre terreno firme. A falta de uniformidade e até mesmo a presença de contradi-ções doutrinárias inviabilizam que se alcance uma sistematização uniforme sobre os vetores de orientação relativos ao capital. No entanto, a importân-cia da construção de um panorama sobre as linhas de orientação relativas ao tema faz com que busquemos esta sistematização.

Inspirando-nos na doutrina de Paulo de Tarso Domingues, seleciona-mos as seguintes linhas orientadoras do capital na área empresarial, sem, é claro, reconhecer que se trata de uma organização artificial e, portanto, naturalmente incapaz de reproduzir toda a complexidade que o tema en-cerra: (a) princípio da determinação; (b) princípio da unicidade; (c) princí-pio da publicidade; (d) princípio da estabilidade, fixidez ou invariabilidade do capital; (e) princípio da exata formação; (f) princípio da intangibilidade; (g) princípio da efetividade ou princípio da realidade e (h) princípio da con-gruência. Vejamos, de forma sintética, esses vetores.

a) PrincíPio da determinação

Conforme a designação deste princípio espelha, a cifra do capital em-presarial deverá necessariamente estar determinada no ato de constituição da entidade empresária, na condição de elemento essencial deste. O nosso ordenamento jurídico impõe a previsão, no documento de origem da enti-dade, da consignação do valor do capital, expresso em moeda corrente na-cional, quer para as sociedades contratuais reguladas pela Codificação Ci-vil, v.g., a simples e a limitada, assim como para as modalidades de caráter acionário (anônima e em comandita por ações)27. Logo, o capital é elevado à condição de elemento estrutural dos entes empresariais28.

27 A não indicação do valor do capital expresso em moeda corrente nacional no ato de constituição ocasiona a invalidade deste. Acreditamos que, apesar da qualidade de elemento natural ou categorial dos atos constitutivos dos entes empresariais, a ausência de indicação do capital não deve ser tida como ocasionador da inexistência jurídica do ato constitutivo ou mesmo de sua nulidade, mas deve ser considerado como invalidade de menor grau, capaz de ser sanada. Lucas Ramírez Bosco indica que esta é a solução adotada no sistema argentino, de acordo com a disposição do art. 17 da Lei de Sociedades Comerciais deste país (Op. cit., p. 43).

28 Nas palavras de Hernani Estrella: “Ele é elemento básico à formação da sociedade e nesta desempenha papel tão relevante que todos os sistemas legislativos editaram normas visando a sua realidade e integralidade” (Curso de direito comercial. Rio de Janeiro: Jose Konfino Editor, 1978. p. 302).

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Inicialmente, essa determinação visava ao interesse dos próprios só-cios, mormente com vinculação ao reembolso que seria atribuído a estes em caso de findo o objeto da atividade proposta pela entidade. Com o passar do tempo, esse quadro veio a se modificar em face do regime da limitação de responsabilidade, tornando a indicação do capital como uma forma de con-templação, também e com maior ênfase, do interesse de terceiros, em espe-cial dos credores da atividade empresária29. Assim, é princípio de utilidade prática inquestionável para a viabilização do tráfego negocial no mercado.

B) PrincíPio da unidade do caPital

A noção de unidade do capital atua indicando que a cifra prevista do ato constitutivo da entidade deve ser uma só. Na precisa afirmação de Paulo de Tarso Domingues, não é possível fazer referência no pacto societário a dois ou mais capitais, pois a sociedade deve ter capital social único, expli-cando: “Trata-se de solução cuja justificação facilmente se alcança, uma vez que a fragmentação do capital social, não tendo qualquer efeito útil, seria contraditória e danosa para algumas das funções desempenhadas”30. O capital é único e responde por todas as dívidas da atividade, indepen-dentemente de representarem compromissos assumidos pela matriz ou por alguma das filiais da empresa.

c) PrincíPio da PuBlicidade

A publicidade do capital empresarial é decorrência do caráter públi-co do próprio ato registral, pois, conforme já referido, este é um elemento necessário do ato constitutivo levado a registro.

29 Cf. DOMINGUES, Paulo de Tarso. Op. cit., p. 55/56. O autor observa que: “A consagração legislativa do capital, tal como é hoje perspectivado, é historicamente recente. De fato, a partir da segunda metade do século XVII, começou a estabelecer-se, para certos casos, a exigência de um funds perpetual para as então designadas Companhias, de modo a assegurar a sua perenidade; somente em meados do século passado, porém, é que passou a ser reconhecida, mormente por via legislativa, a importância que hoje se atribui ao capital social. Na verdade, a primeira lei que consagrou o capital social como elemento essencial e necessário do contrato de sociedade – seguida depois por outros ordenamentos jurídicos – foi a Preussiches Gesetz über die Aktiengesellschaften de 1843”. Mais adiante, o autor reafirma essa informação, relatando que, ao surgirem as primeiras sociedades capitalistas típicas, as Companhias das Índias dos séculos XVII e XVIII, que viriam a influenciar, de forma decisiva, a legislação oitocentista, estabelecendo o esquema jurídico paradigmático para as futuras sociedades anônimas, não se fazia qualquer exigência quanto ao capital social destas espécies, pois cada sócio ingressava para a sociedade com os fundos que lhe fossem convenientes.

30 Op. cit., p. 58. O autor sugere que se reflita sobre a determinação do lucro que “se encontra, grosso modo, pela diferença entre o patrimônio líquido e o capital social ou na medida de distribuição do lucro e, em geral, na medida dos direitos e obrigações de cada sócio, que em princípio são proporcionais ao capital social”, arrematando: “São instrumentos jurídicos – e muitos outros podem referir-se – que, tal como são regulados, apenas se percebem e só funcionam, se o capital social for uno e não plural” (p. 59).

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Esse princípio está relacionado à preocupação em tornar pública a existência e o valor do capital empresarial, para que este venha a ser do co-nhecimento daqueles que travam relações negociais com a entidade e assim possam dimensionar o risco de suas transações econômicas e até mesmo decidirem por contratar ou não com a entidade empresária.

No Direito brasileiro, este postulado, em que pese a sua inegável con-tribuição para a segurança das relações mercantis, não goza de plena eficá-cia, pois a publicidade do capital é direcionada tão somente à cifra numéri-ca consignada expressamente no ato constitutivo, vinculando-se, portanto, à concepção abstrata ou formal do capital, enquanto se sabe que na análise da função de garantia que a base econômica da entidade fornece aos seus credores tem interesse, em especial, a acepção real do capital.

d) PrincíPio da estaBilidade ou da fixidez do caPital

Este princípio traduz a ideia do capital como uma cifra estável, fixa, que deverá estar indicada no ato constitutivo. De larga aceitabilidade no estrangeiro – principio di fissità, príncipe de fixité, principio de permanência –, é utilizado para traduzir a perenidade do valor do capital, em contraposi-ção à noção de patrimônio, que é eminentemente variável, de acordo com as vicissitudes da vida econômica a entidade. A inclusão desse princípio na noção de capital está diretamente correlacionada ao sistema de limitação de responsabilidade empresarial, assumindo dupla vinculação: ao interesse da sociedade e também dos seus credores31.

Parte da doutrina refere-se a este postulado valendo-se da expressão princípio da invariabilidade do capital social, o que é criticado por Lucas Ramírez Bosco, ponderando “no parece lo más acertado, pues no veda la mutabilidad del capital social, sino que exige el cumplimiento de determi-

31 Paulo de Tarso Domingues explica que “a consagração deste princípio da estabilidade era de todo inexistente quando surgiram as primeiras sociedades de capital típicas: as Companhias das Índias dos séculos XVII e XVIII, que, quase unanimemente, são consideradas as precursoras da forma jurídica paradigmática de sociedade capitalista que veio a ser consagrada nos códigos oitocentistas – a sociedade anônima. De facto, não se fazia então qualquer exigência quanto ao capital da sociedade, pois cada sócio entrava para a sociedade com les fonds que bon lui semblera. Mais tarde, porém, surgiu a necessidade de se estabelecer estatutariamente um determinado capital, não com o intuito de proteger o tutelar interesse de terceiros mas visando, antes, aos interesses da Companhia. É que a prossecução de atividades duradouras não mais era compatível com a existência de um capital, as mais das vezes constituído unicamente para um determinado objectivo (p. ex., uma viagem, a construção de uma ponte etc.), cuja consecução implicava o reembolso aos sócios do capital investido com os créditos eventualmente resultantes do empreendimento realizado. Só posteriormente, com a limitação de responsabilidade conseguida pela classe mercantil, é que a fixação do capital social começou a ser encarada não exclusivamente no interesse da sociedade, mas também no de terceiros, através da sua inclusão no passivo do balanço de exercício, desse modo desempenhando uma função de garantia para estes” (Op. cit., p. 64-65).

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nados pasos para hacerlo”32. Na doutrina nacional, Arnoldo Wald chega a referir que o capital social é caracterizado pela mutabilidade, uma vez que pode ser aumentado ou reduzido no decorrer da vida da sociedade, desde que não prejudique direito de credores, que nele encontram a garantia da satisfação de seus créditos33.

De fato, o capital é constante, somente podendo ser alterado em situa ções especiais e de acordo com o cumprimento das formalidades pre-vistas no ordenamento jurídico ou no ato de constituição da entidade. Pau-lo de Tarso Domingues, ao analisar o assunto, utiliza com propriedade da designação variabilidade condicionada, que se mostra mais adequada para espelhar esta realizada34. Tais formalidades, em geral, são rigorosas e tem por escopo acautelar e tutelar interesses tanto dos sócios como de terceiros, credores da sociedade35. Nesta linha, J. Girón Tena aponta a existência de dupla finalidade do princípio da estabilidade do capital, assegurando que as posições relativas a cada sócio na sociedade, bem como a medida de seus direitos e obrigações, venham a se manter inalteradas, eis que vinculadas à respectiva participação no capital social, e, por outro lado, contribui para assegurar a realização da função de garantia dos credores36.

No direito nacional, a rigidez deste princípio é flexibilizada para as sociedades cooperativas, que são orientadas pela variabilidade do capital, conforme disposição expressa na legislação civil37.

e) PrincíPio da exata formação

Indica que, na constituição da entidade, o valor do patrimônio (que é constituído pelos aportes) deve ter exata correspondência ao valor do capi-tal nominal. Não é necessário que as entradas em dinheiro tenham que ser integralmente realizadas no momento de constituição da entidade. No en-

32 Op. cit., p. 45. No mesmo sentido é a postura assumida por Hérman Verly (Op. cit., p. 764).33 Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, v. XIV, 2005. p. 124.34 Op. cit., p. 62.35 A tutela dos interesses dos credores ganha forma especial no que se refere à alteração que ocasione a redução

do capital, que poderá ser fortemente lesiva aos terceiros que se relacionam com a entidade, pois ocorre a diminuição do fundo que lhes representava a garantia de seus créditos. Joaquín Garrigues, ao comentar este princípio sobre o capital, aponta: “Significa que la cifra del capital no puede ser libremente alterada, ya que todo aumento de la misma significaría un engano para los acreedores si no va acompañado del correlativo aumento en el patrimonio, con la conseguinte disminución de la garantía de los acreedores” (Curso de derecho mercantil. Bogotá: Editorial Temis, t. II, 1987. p. 137).

36 Derecho de sociedades. Madri, t. I, 1976. p. 54.37 Código Civil: “Art. 1.094. São características da sociedade cooperativa: I - variabilidade ou dispensa do

capital”.

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tanto, o capital deverá estar totalmente subscrito, de forma que nas espécies societárias não haja quota ou ação sem o respectivo titular38.

Este postulado também é designado por parte da doutrina como prin-cípio da integralidade do capital social39.

f) PrincíPio da intangiBilidade

Este também é um postulado que marca presença da literatura jurí-dica mercantil de diversos países, sendo conhecido ainda como princípio da integridade, da conservação do capital ou da correspondência. Significa que o capital real, entendido como a fração ideal do ativo que se destina à cobertura da cifra do capital nominal, não poderá descer abaixo do valor nominal, em virtude de operações que visem ao benefício dos sócios – ou instituidor, no caso da empresa individual –, assegurando, assim, a conser-vação do capital real e da garantia que ele constitui a terceiros credores. Analisando a relevância deste princípio de tutela do capital social no direito societário lusitano, Elisabete de Martinho destaca que ele confere ao capital social status de integralidade e estabilidade, que se materializa num con-junto de normas legais que compõem o regime de conservação do capital40. Não é diversa a visão apresentada por Ernesto E. Martorell na doutrina ar-gentina, lecionando que esse princípio “compreende el conjunto de normas

38 Paulo de Tarso Domingues informa que, no direito português, são proibidas as chamadas quase entradas ou entradas simuladas, designação doutrinária atribuída às situações em que o sócio, no ato de constituição social, realiza a entrada em dinheiro e, em seguida, vende à sociedade bem de sua propriedade, que pretendia oferecer como entrada. O art. 29 do Código das Sociedades Comerciais lusitano veda expressamente essa aquisição de bem de acionista, ressalvados os casos de aquisição de bens em Bolsa, em processo judicial executivo ou aquisições compreendidas no objeto da sociedade, além das compras de objetos de pequeno valor e as ocorridas fora do chamado “período suspeito”, que se prolonga até dois anos após a escritura de celebração do contrato de sociedade ou do aumento do capital. Assim, evita-se que um sócio, pretendendo fugir ao regime imperativo e particularmente rigoroso das entradas em espécie, realize no momento da constituição da sociedade uma entrada em dinheiro e, em seguida, vendesse a sociedade, pelo preço que então poderia discricionariamente estabelecer, o bem com que efetivamente pretendia entrar para a sociedade. Essa preocupação também se faz presente no art. 11 da Segunda Diretiva sobre sociedades da Comunidade Econômica Europeia, nos seguintes termos: “1. Se antes do termo do prazo fixado pela legislação nacional, o qual será, no mínimo, de dois anos a contra do momento de constituição da sociedade ou da obtenção da autorização para iniciar as suas atividades, a sociedade adquirir qualquer elemento do ativo pertencente a uma pessoa ou a uma sociedade mencionada na alínea i do art. 3º por um contravalor de, pelo menos, um décimo do capital subscrito, essa aquisição deve ser objeto de uma verificação e de publicidade idênticas às previstas no art. 10 e deve ser submetida à aprovação da assembleia geral. Os Estados-membros podem igualmente prever a aplicação destas disposições no caso de o elemento de activo pertencer a um acionista ou a qualquer outra pessoa. 2. O n. 1 não se aplica às aquisições feitas no quadro das operações concorrentes da sociedade, nem às aquisições feitas no quadro das operações concorrentes da sociedade, nem às aquisições feitas por iniciativa ou sob a fiscalização de uma autoridade administrativa ou judiciária, nem às aquisições feitas na Bolsa”.

39 Cf. BOSCO, Lucas Ramiréz. Op. cit., p. 44.40 O princípio da intangibilidade do capital social. Revisores e Auditores, v. 41, p. 52, abr./jun. 2008.

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estabelecidas por el legislador, con el fin de evitar que termine afectando su integralidad”41.

Paulo de Tarso Domingues pondera que “este princípio não significa que o patrimônio líquido jamais possa ser inferior à cifra do capital social, pois, caso fosse esse o entendimento, ter-se-ia a dissolução da sociedade sempre que houvesse perdas”42. Ele tem por objetivo, portanto, inviabilizar que ocorra distribuição de bens e valores em prejuízo em prejuízo da inte-gralidade do capital. Neste sentido, Jorge Lobo indica, como exemplos de atos representativos de fraude ao capital, a repartição de dividendos irreais ou antecipados, o pagamento de juros aos sócios, além de diversas possibi-lidades de fraude aos balanços da entidade43.

A ideia de intangibilidade, inequivocamente, visa a proteger o capi-tal, estabelecendo, como condição sine quo non para que ocorra a distribui-ção de dividendos ou outras verbas aos sócios, a existência de patrimônio líquido superior à cifra do capital.

No sistema jurídico pátrio, o postulado da intangibilidade do capi-tal é consagrado de forma expressa na previsão contida no art. 1.059 da Codificação Civil, em que resta consignado: “Os sócios serão abrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem em prejuízo do capital”44. Essa determinação normativa impõe a restrição de o capital social vir a retornar ao patrimônio dos sócios durante a existência da sociedade. Por consequência, uma vez constituído o fundo patrimonial, este não poderá ser desafetado para fins e funções diversas daquelas para os quais foi constituído, salvo em caso de liquidação da sociedade ou de redução do capital social45.

41 Sociedades anónimas. 2. ed. Buenos Aires: Depalma, 1994. p. 73.42 Op. cit., p. 104.43 Fraude à realidade e integralidade do capital social das sociedades anônimas. Seleções Jurídicas, ADV

Advocacia Dinâmica, p. 59, abr. 1997.44 O Código das Sociedades Comerciais de Portugal possui normatização semelhante, dispondo em seu art.

32: “Limite da distribuição de bens aos sócios. 1. Sem prejuízo do preceituado quanto à redução do capital social, não podem ser distribuídos aos sócios bens da sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, seja inferior à soma do capital social e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição”. No mesmo sentido é a orientação prevista na Segunda Diretiva nº 77/91/CCE, que, em seu art. 15, n. 1, dispõe: “Exceptuados casos de redução do capital subscrito, nenhuma distribuição pode ser feita aos acionistas sempre que, na data do encerramento do último exercício, o activo líquido, tal como resulta das contas anuais, for inferior, ou passasse a sê-lo por força de uma tal distribuição, à soma do montante de capital subscrito e das reservas que a lei ou os estatutos não permitem distribuir”.

45 Cf. DOMINGUES, Paulo de Tarso. Op. cit., p. 104.

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Note-se que, em um sistema de limitação de responsabilidade disso-ciado da fórmula societária, esse princípio assume maior importância, pois permite verificar a relação existente entre o capital formal – estampado no ato constitutivo – e o patrimônio da entidade, permitindo medir a deteriora-ção deste e servindo como referencial de solidez da entidade46.

Apesar da importância deste princípio, em especial como norteador da ética societária, não há como deixar de se questionar a sua efetividade como instrumento de tutela do interesse dos credores, pois ele se restringe a outorgar proteção do capital no seu sentido formal, ou seja, como mera cifra contabilística. Sabe-se que a questão em si é mais profunda, na medida em que a garantia dos credores é consubstanciada sobre o patrimônio da sociedade. Neste sentido é a advertência firmada por Elisabete de Martinho, explicando que

este regime é visto como uma proteção secundária dos credores sociais, pois os seus interesses podem ser salvaguardados por meio de medidas mais con-cretas e eficazes, nomeadamente os termos e cláusulas que regem as rela-ções contratuais entre o terceiro e a sociedade. Estas podem inclusivamente impor limitações à distribuição de bens aos sócios.47

A autora informa sobre a existência no modelo jurídico norte-ameri-cano de técnicas alternativas que buscam flexibilizar o rigor deste princípio de intangibilidade do capital, indicando que a função de garantia e prote-ção dos credores pode ser assegurada por meio de um regime mais eficiente e tecnicamente mais viável. Tais instrumentos são conhecidos como equity insolvency test e balance sheet test, em que a sociedade, respectivamente, deve demonstrar ter capacidade de cumprir as suas responsabilidades futu-ras, após realizar a distribuição aos sócios, e o patrimônio líquido da socie-dade deve apresentar saldo positivo, de forma que não poderá ser inferior à soma de suas responsabilidades e nem se tornar inferior em consequência da distribuição de quantias aos sócios48.

46 Cf. ARAYA, Miguel C. Op. cit., p. 218.47 Op. cit., p. 55.48 Op. cit., p. 56. A autora aponta a existência de proposta elaborada por um grupo de especialistas de várias

áreas do conhecimento, nomeadamente do Direito, Economia e Contabilidade – Interdisciplinary Group on Capital Maintenance –, liderado por Jonathan Rickford – daí ser conhecido também como Rickford Group –, que oferece proposta similar ao modelo norte-americano, mas com perfil mais liberal, explicando: “Baseia-se na teoria de que o regime de conservação do capital deverá assentar em regras que mitiguem o risco de insolvência, resultante de distribuição de bens aos sócios, garantindo-se, por esta via, a proteção dos interesses dos credores sociais. Elimina a condição de subscrição de um capital mínimo, bem como da sua intangibilidade, e apresenta dois elementos chave para o novo regime: (i) certificado de solvência: assenta no equity insovency test supracitado, mas tenta eliminar a indefinição associada ao período de tempo a ser considerado pela gestão no que se refere às ‘responsabilidades futuras’ da sociedade. O horizonte temporal proposto para este teste é o ano subsequente à distribuição. O certificado de solvência materializa-se numa

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g) PrincíPio da efetividade, da realidade ou da corresPondência49 do caPital

Este princípio está dirigido a evitar que os ativos que integram o ca-pital sejam fictícios50 e, ao mesmo tempo, determinar que os bens que com-põem o capital real – isto é, integrantes do patrimônio líquido que cobrem a cifra do capital – sejam idôneos para garantir a terceiros credores. Na feliz síntese formulada por Paulo de Tarso Domingues, “quando se afirma que o capital social constitui uma garantia para terceiros, está obviamente a referir-se ao capital social real, uma vez que os credores são pagos com bens concretos, e não com números ou cifras aritméticas”51. Representa a imposição no sentido de que a cifra indicada como valor do capital seja efetiva, concretizando-se na realidade econômica da empresa. É a oposição à ideia do capital como mero valor nominal, simplesmente indicativo no ato constitutivo e sem correspondência ao efetivo contexto econômico da empresa52.

Assim, bastante correlacionado ao princípio da intangibilidade, o ide-al de efetividade do capital direciona-se à garantia de que os bens que com-põem o capital mostrem-se idôneos para servir de garantia aos credores. Como afirma Paulo de Tarso Domingues, aqui o foco é direcionado não so-mente à quantidade (valor) dos bens, mas, em especial, à qualidade destes53.

Por outro lado, esse princípio também está a indicar que, além de idôneo, o capital real está efetivamente contemplado no ativo líquido da entidade, com capacidade de cobrir o capital líquido.

declaração de gestão, na qual esta afirma que, tendo em conta o plano estratégico definido para a sociedade e os recursos que esta apresenta, após realizada a distribuição de lucros pelos sócios, a sociedade permanecerá com capacidade para cumprir as responsabilidades decorrentes do curso normal da sua atividade, ao longo do exercício seguinte; (ii) balance sheet test: embora usando o mesmo conceito definido no regime dos Estados Unidos da América, este elemento não se apresenta como determinante da decisão de distribuição dos bens aos sócios, ou seja, a distribuição poderá realizar-se mesmo que o patrimônio líquido da sociedade não apresente um saldo positivo. Neste caso, a gestão deverá justificar devidamente a opção tomada, sujeitando-se a uma declaração especial para o efeito” (p. 57).

49 A expressão princípio da correspondência é utilizada por Lucas Ramírez Bosco (Op. cit., p. 46).50 Cf. BOSCO, Lucas Ramírez. Op. cit., p. 46.51 Op. cit., p. 50. 52 Sobre a viabilidade de incorporação de bens intangíveis ao capital social, remetemos o leitor aos trabalhos de

Letícia Provebel (Considerações à incorporação de bens intangíveis ao capital social das empresas. Revista dos Tribunais, v. 801, p. 78, jul. 2002), Denis Borges Barbosa (Da conferência de bens intangíveis ao capital das sociedades anônimas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 37, jan. 1980) e Ana Cristina França de Souza (Avaliação da propriedade intelectual e ativos intangíveis. Revista da ABPI, mar./abr. 1999, n. 39). No direito comparado, destaca-se a obra de Maria Gabriela de Oliveira Figueiredo Dias (A assistência técnica nos contratos de know-how. Coimbra: Coimbra Editora, 1995).

53 Op. cit., p. 117.

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Por fim, voltamos aos ensinamentos de Paulo de Tarso Domingues, que, sintetizando esse princípio, leciona ser ele a combinação entre a ido-neidade e a existência do capital54.

Na subscrição de bens para a formação do capital empresarial nas sociedades limitadas, o sistema brasileiro é provido de técnica de controle inicial, por força do disposto no art. 1.055, § 1º, da Codificação Civil (“Pela exata estimação dos bens conferidos ao capital social respondem solida-riamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade”), mas desprovido de mecanismos que possam monitorar essa questão durante a vida da entidade. Segundo Vera Helena de Mello Fran-co, este postulado atua como salvaguarda da realidade do capital55, pois se posiciona como mecanismo normativo a serviço do monitoramento da efetividade do capital.

No mesmo sentido, nas sociedades anônimas, a legislação veda a imissão de ações com preço inferior ao seu valor nominal56.

Nas companhias, a contribuição in natura é imposta à prévia avalia-ção a ser realizada por peritos especializados, nomeados em assembleia geral, com aptidão técnica para a análise do valor de mercado destes bens. Este cuidado legislativo indica comprometimento com o princípio da efeti-vidade.

h) PrincíPio da congruência ou da adequação do caPital ao oBJeto social

O capital deve ser adequado à consecução do objeto da entidade empresarial, levando em conta a dimensão e a finalidade da empresa. Logo, a cifra patrimonial há de ser suficiente para viabilizar o exercício do objeto social e também absorver os riscos naturais que acompanham o desempe-nho da atividade, de forma a servir de garantia dos credores.

Paulo de Tarso Domingues, neste sentido, informa que a jurisprudên-cia italiana tem recusado a homologação de sociedades com capital mani-festamente inadequado ao objeto social, considerando tratar-se de hipótese de impossibilidade do objeto57.

54 Op. cit., p. 118.55 Direito empresarial: o empresário e seus auxiliares, o estabelecimento empresarial, as sociedades. 4. ed.

São Paulo: RT, 2012. p. 261. A autora ainda expressa o desejo de que se exigisse que tais bens sejam de proveito real para a sociedade, o que reforçaria ainda mais o ideal de efetividade do capital.

56 Lei nº 6.404/1976: “Art. 13. É vedada a emissão de ações por preço inferior ao seu valor nominal”.57 Op. cit., p. 179. O jurista esclarece que, na doutrina jurídica italiana, os autores fundamentam a consagração

do princípio da congruência ao longo da vida da sociedade nas normas do art. 2.448º, n. 2, do Codice

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Em que pese esse princípio vir a assumir importância decisiva para a efetividade do capital da empresa, ele carece de mecanismos hábeis a pro-porcionar a sua efetiva realização, representando o máximo de otimização do capital da empresa.

A análise desse princípio nos encaminha, inevitavelmente, para o de-bate sobre a subcapitalização, tema que será enfrentado na parte final deste ensaio.

3 FUNÇÕES ATRIBUÍDAS AO CAPITAL EMPRESARIAL

A doutrina tem atribuído ao capital empresarial o desempenho de pelo menos duas funções de destaque, quais sejam, a de garantia e de or-ganização. No entanto, considerando a importância do tema para objetivo deste trabalho, optamos pela sistematização proposta por Paulo de Tarso Domingues, que, de forma mais detalhada, vislumbra a necessidade de se-parar as utilidades do capital empresarial em dois planos: interno e o ex-terno. No primeiro, o autor enquadra as funções atribuição da qualidade de sócio, de determinação da posição jurídica do sócio, de arrumação do poder societário e de produtividade, enquanto, no segundo plano, são alo-cadas as funções de garantia, de avaliação econômica e socialização.

Passamos, então, à análise das funções do capital, de acordo com esses critérios.

a) funções internas do caPital

Conforme a expressão indica, as atribuições internas do capital dizem respeito a sua atuação como mecanismo capaz de auxiliar na dinâmica das relações ad intra da entidade empresária – entre estas e seus membros ou destes entre si –, e no aspecto concernente à obtenção de seus fins.

A primeira tarefa do capital, neste plano, é a atribuição da qualidade de sócio ou de instituidor e, por consequência, do reconhecimento das situ-ações que derivam dessas condições. Sabe-se que essas condições somente são adquiridas mediante a realização de contribuição – ou promessa de contribuição – para a formação do fundo patrimonial. Ressalva deve ser fei-ta aos chamados sócios de indústria, entendidos como aqueles que realizam a sua contribuição para a obtenção do status de sócio tão somente mediante a prestação de serviços, o que é autorizado em certos modelos societários

Civile, e na norma do art. 2.272º desta mesma legislação, quando estabelece como causa de dissolução da sociedade a impossibilidade superveniente de conseguir realizar o seu objeto.

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brasileiros de menor expressividade, como ocorre em relação à sociedade simples.

A função de determinação da posição jurídica de sócio está vinculada à capacidade do capital, de dimensionar os direitos e obrigações dos sócios e auxiliar na fixação dos quóruns deliberativos. J. M. Coutinho de Abreu, ao tratar desta tarefa do capital, designa-a como função de ordenação58, enquanto Paulo de Tarso Domingues apelidou essa aptidão de função de arrumação do poder societário59, pois, de regra, os aportes dos sócios irão corresponder ao quantum de valoração dos votos nas tomadas de decisões da entidade. Em síntese, as principais prerrogativas do status soci, consubs-tanciadas nos direitos econômicos e políticos, são, de regra, correlaciona-das, direta e proporcionalmente, com a participação que cada sócio contri-bui para a formação do capital.

A vinculação do capital empresarial à produtividade – função de pro-dução ou de financiamento da sociedade – é verificada no ideal de que este visa congregar meios que permitam o desenvolvimento da atividade negocial da entidade, proporcionando uma estrutura de produção60. To-mando-se como referência este enfoque, o capital é tido como o conjunto de meios patrimoniais – aportados pelos sócios, ou decorrentes de reservas e lucros acumulados – destinados a possibilitar a capacidade produtiva da empresa61.

Essa tarefa do capital está intimamente relacionada com a sua própria origem histórica, que, primeiramente, foi concebida tão somente no inte-resse interno das formas societárias. Na afirmação de Oliveira Ascenção, o capital destina-se a ser utilizado como alavanca ou como motor necessário da atividade econômica62.

A força desta função interna de servir à produção é correlacionada pela doutrina com a importância da sua atuação externa com base econô-mica de garantia dos credores, pois são estas formadoras do binômio de utilidade basilares do capital empresarial. Nas precisas palavras de Miguel C. Araya, a noção de produtividade do capital

58 Op. cit., p. 447.59 Op. cit., p. 188.60 Cf. DOMINGUES, Paulo de Tarso. Op. cit., p. 189.61 Nuri Rodriguez Olivera critica a atribuição da função de produção ao capital social, afirmando: “El capital es

una mera cifra: la función de productividad la cumplen los bienes aportados y los que se vayan incorporando con el desarrollo de la actividad social, incrementando el patrimonio” (Op. cit., p. 82).

62 Lições de direito comercial. Sociedades comerciais. Lisboa, v. IV, 1993. p. 163.

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no importa desconocer el significado de garantia del capital social, sino afir-mar que la mejor garantia para los acreedores es la produtividade de la so-ciedad, ya que el cumplimiento de las obligaciones con terceiros se assegura a través de su capacidade para obtener benefícios.63

Não se pode olvidar, ainda, a função de contenção exercida pelo capital social, que se expressa, em especial, na vedação de a sociedade vir a distribuir dividendos aos sócios se o patrimônio não estiver superando a cifra do capital. Nuri Rodriguez Olivera, ao analisar tal encargo outorgado ao capital, observa: “Por ello se hace figurar en el ‘pasivo’ del balance”, explicando:

no porque el capital sea pasivo, ya que indica la valoración inicial de los bie-nes del “activo”, sino sobre la base de la técnica contable por partida doble, utilizándolo como dique en garantía de acreedores con el fin de contrapesar los valores de los bienes correspondientes del activo e impedir que puedan distribuirse entre los socios mientras no exceden de esa cifra.64

As funções internas imputadas ao capital social são, portanto, de ex-trema relevância, justificando a sua condição de requisito indispensável para a constituição das entidades empresárias.

B) funções externas do caPital emPresarial

Por funções externas do capital entendem-se aquelas que este assume perante as relações ad extra, ou seja, para fora, no cenário econômico em que a entidade está inserida, focando a relação desta com terceiros, seus credores.

Neste plano, a função mestra do capital empresarial é a sua atuação como instrumento de garantia. A noção de que o capital empresarial re-presenta a garantia dos credores da entidade é inequivocamente um lugar comum na doutrina empresarial clássica, atuando como um verdadeiro cri-tério de justificação da limitação de responsabilidade. É nessa função que irão desaguar vários dos princípios acima indicados como monitoradores da noção de capital, mormente o da intangibilidade.

Esta é inequivocamente a mais relevante e antiga utilidade do fundo empresarial, servindo como fiel da balança entre os direitos dos sócios e dos

63 El capital social. Revista de Derecho Privado y Comunitario, Sociedades, n. 2, Rubinzal – Culzoni, p. 221-222, a. 2003.

64 Op. cit., p. 24.

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credores65 e que, conforme informa Maria de Fátima Ribeiro, tem crescido de importância nos últimos tempos, sobretudo no sistema norte-americano, mas também no cenário comunitário europeu, por influência das decisões do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, proferidas nos casos Centros, Überseering e Inspire Art66. É verificada sua atuação como instru-mento dos interesses econômicos dos credores de forma a servir como o referencial que estes terão da capacidade econômica desta entidade, permi-tindo-lhes realizar uma melhor avaliação econômica nas suas operações ne-gociais67. A função de garantia é designada por Paulo de Tarso Domingues como função rainha do capital68.

Considerando o fato de esta função servir de referencial ao foco deste estudo, ela será analisada mais vagarosamente no tópico seguinte.

O capital também serve para avaliar a situação econômica da em-presa, ou seja, de ao mesmo tempo suportar as vicissitudes e percalços de sua atuação no mercado e ter capacidade de gerar lucros69. Não são raros os casos nos quais se verifica a necessidade de analisar a saúde financeira da entidade empresária, tanto pelos seus membros ou instituidor como por terceiros que com ela travam as suas relações negociais.

65 Conforme GARCIA, Ricardo Olivera. Op. cit., p. 376. O autor explica que “la función de garantía del capital es aceptada por la doctrina en forma prácticamente unánime. Algunos autores, incluso utilizan atractivas figuras para discribir esta función. Thaller expresa, que el capital es una línea de retención trazada en el activo. Vivante, comparando la función que el capital cumple frente al patrimonio, hace el símil con un recipiente destinado a el grano, que ora supera la medida, ora no llega a colmarla. Garrigues, por su parte, sostiene que la cifra de capital representa un dique que va conteniendo las aguas (elementos del activo) hasta que el activo supera el nivel del dique. A partir de este instante, el agua que exceda irá a beneficiar a los acionistas bajo la forma de dividendo”.

66 A tutela dos credores da sociedade por quotas e a desconsideração da personalidade jurídica. Coimbra: Almedina, 2009. p. 183-184. A doutrinadora informa que este conjunto de decisões relaciona-se aos casos de liberdade de estabelecimento, ou seja, da possibilidade de sociedades validamente constituídas em um Estado-membro virem a exercer atividades em outro, quando este impõe a observância de capital mínimo, como também quando estabeleçam sanções relacionadas ao seu descumprimento (nomeadamente, consistentes na responsabilidade solidária dos administradores, quando o capital não atinge o montante mínimo previsto pela legislação nacional ou quando desce, no decurso da sua atividade, abaixo desse montante).

67 Vale transcrever, aqui, as palavras de Paulo Leonardo Vilela Cardoso, na defesa da exigência de capital mínimo para a constituição da empresa individual de responsabilidade limitada: “A Eireli, frise-se, foi constituída para dar segurança tanto ao empreendedor, que saberá ser aquele montante suficiente para dar início a atividade e capaz de suportar eventual fracasso no empreendimento, quanto, também, aos fornecedores e credores, pois saberão, conta a conta, passo a passo, o potencial de lucratividade da empresa e se possui ou não patrimônio suficiente para arcar com eventuais obrigações e encargos” (O empresário individual de responsabilidade limitada. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 100).

68 Op. cit., p. 139.69 Nuri Rodriguez Olivera, na doutrina uruguaia, esmiúça esta função do capital social, lecionando: “Cuando

una sociedad se constituye con ciertos aportes, el monto de éstos (capital integrado) ha de coincidir con el patrimonio inicial; pero en cuanto la sociedad comienza su actividad económica, el patrimonio ha de variar al ritmo de los resultados de esa actividad. El monto del patrimonio neto – concepto jurídico – relacionado con la cifra del capital que figura en el balance, refleja el desenvolvimiento económico de una sociedad. Si el valor del patrimonio va en aumento con respecto a la cifra del capital, ello significa que la sociedad ha mejorado su situación inicial. Si disminuye, ello significa que la sociedad está en dificultades económicas, que ha perdido bienes integrados al capital o los ha grabado con pasivos” (Op. cit., p. 23-24).

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Para aqueles que realizam investimentos na empresa, a cifra do ca-pital servirá como parâmetro para alertas sobre perdas acentuadas que ve-nham a comprometer a própria viabilidade da atividade econômica e jus-tificar a oportunidade de novos aportes ou mesmo de repensar os rumos a serem seguidos na condução dos negócios. Para os terceiros, tomando-se o capital como referência, poderá obter-se uma exposição da situação econô-mica real, permitindo a adequada escolha sobre a formação de contratos ou mesmo realização de investimentos.

A função de socialização, por fim, é voltada às formas societárias, mormente às companhias, sempre receptivas à dispersão do capital em grande número de investidores, proporcionando clara separação entre pro-priedade e controle e criando o fenômeno que Paulo de Tarso Domingues designou de surgimento de quase terceiros, ou seja, sócios que não preten-dem ter qualquer intervenção na direção dos negócios da empresa, desejan-do apenas receber a remuneração do capital investido, mediante a percep-ção do dividendo distribuído pela sociedade70.

4 A CRISE DA NOÇÃO DE CAPITAL SOCIAL NO CENÁRIO DO MERCADO ATUAL

A existência de estudos dos princípios norteadores e das funções que são esperadas e desejadas do capital não se mostram suficientes para evitar um fenômeno que tem ocupado a literatura jurídica dos mais diversos paí-ses, referente à chamada crise do capital.

O rigor técnico dos postulados sobre o capital empresarial não é su-ficiente para evitar que, em total descompasso com a realidade, ocorra a perda acentuada de bens, sem que tal situação econômica negativa venha a repercutir na estabilidade do capital indicado no respectivo ato constitutivo. A importância que a doutrina jurídica outorga à noção de capital parece não possuir qualquer ressonância no ambiente da prática empresarial.

Esta referida crise do capital social pode ser focada sobre diversos aspectos, passando inicialmente pela defasagem da importância da concep-ção meramente nominal deste, pois se sabe que os fundos aportados para a formação do capital não estão guardados em uma gaveta, aguardando o momento adequado para efetivamente servirem de garantia aos credores, mas estão, sim, investidos e afetados à realização dos negócios da entidade empresária.

70 Op. cit., p. 186.

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Os fortes questionamentos em relação à visão clássica sobre a noção de capital empresarial levaram o direito europeu a editar, em 13 de dezem-bro de 1976, a Segunda Diretiva em matéria societária, destinada ao trata-mento das questões referentes à constituição, integralização e alterações do capital nas sociedades anônimas.

Entretanto, essa diretiva manteve-se apegada à estrutura tradicional do capital, com forte ênfase na sua função de garantia, embora tenha in-dicado a aceitação das ações sem valor nominal. Essa preocupação com a função do capital como instrumento de garantia dos credores é visivelmente demonstrada na preocupação com a qualidade dos bens que servem de aporte para a integralização dos fundos econômicos quando da constituição da sociedade71.

O sistema jurídico norte-americano, por sua vez, desenvolveu forma diferenciada de tratamento da figura do capital, pois o colocou a desempe-nhar um papel de caráter secundário no cenário do direito empresarial.

Desde 1980, a partir do implemento do Revised Model Business Cor-poration Act, elaborado pela American Bar Association, houve o abandono da exigência do capital como elemento de constituição de entidades em-presárias. Entretanto, cabe lembrar que o Revised Model Business Corporate Act não tem caráter impositivo, portanto, a sua adoção não alcança a inte-gralidade dos Estados norte-americanos.

Em alguns Estados, como a Califórnia, a exigência de capital tam-bém deixou de existir, em que pesem algumas outras unidades federativas ainda cultuarem a noção de capital nominal, como ocorre em Delawere, onde o Delawere General Corporation Law (DGCL), em seu § 154, mantém essa exigência72. Situação semelhante também é verificada no New York Corporation Law (NYCL).

71 Miguel C. Araya observa que: “El contenido del texto comunitario, relativo a la cualidad de los bienes aportables, debe ser sometido a un triple análisis: a) debe tratarse de un bien, idóneo para ser cambiado por dinero, un bien que presente la nota de ‘patrimonialidad’. Por supuesto que esto incluye en la definición tanto los bienes materiales como los inmateriales, y excluye expresamente el aporte de industria; b) en segundo lugar, la doctrina mayoritaria, continuando una concepción europea en la materia, exige que los bienes objeto de la aportación ‘pueden ser inscriptos en el activo del balance. Los bienes no susceptibles de ser valorados en forma objetiva no pueden ser objeto de aportación a la sociedad, ya que se contraponen con la función de garantía que esa directiva asigna al capital social; c) en tercer lugar, corresponde analizar si los bienes susceptibles de aportación, además de las exigencias antes indicadas deben ser ‘ejecutables’ o ‘expropiables’”. No entanto, logo a seguir, o autor explica que este último aspecto não chegou a ser contemplado pela Segunda Diretiva sobre sociedades (Op. cit., p. 228).

72 Ҥ 154. Determination of amount of capital; capital, surplus and net assets defined. Any corporation may, by resolution of its board of directors, determine that only a part of the consideration which shall be received by the corporation for any of the shares of its capital stock which it shall issue from time to time shall be capital; but, in case any of the shares issued shall be shares having a par value, the amount of the part of such consideration so determined to be capital shall be in excess of the aggregate par value of the shares

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Miguel C. Araya, ao traçar um panorama sobre as diferenças entre o sistema societário norte-americano e o modelo europeu, no tratamento destinado ao capital empresarial, indica que, no primeiro, a noção de capi-tal tem sido focada como instrumento para atender ao tensionamento entre os direitos dos sócios e os interesses dos credores sociais e, com fulcro nas lições de Manning e Hanks, explica:

El interés de los acreedores de la sociedad y el interés de los acccionistas de la sociedad son contrapuestos cuando los biens de los acionistas son com-prometidos por deudas de la sociedad y cuando biens de la sociedad son distribuídos por la misma. Los accionistas buscan minimizar lo primero y maximizar lo segundo. Los acreedores, lo opuesto.

E conclui: “El aparato legal construido por el common law acerca del capital legal está fundamentalmente orientado a encontrar una parcial acomodación a ese conflicto de intereses”73.

Pode-se afirmar que, atualmente, a forma como a maioria dos Estados no sistema norte-americano contemporiza o conflito de interesses entre os sócios e credores prescinde da noção de capital, substituindo-o por critérios de verificação da solvência da empresa.

issued for such consideration having a par value, unless all the shares issued shall be shares having a par value, in which case the amount of the part of such consideration so determined to be capital need be only equal to the aggregate par value of such shares. In each such case the board of directors shall specify in dollars the part of such consideration which shall be capital. If the board of directors shall not have determined (1) at the time of issue of any shares of the capital stock of the corporation issued for cash or (2) within 60 days after the issue of any shares of the capital stock of the corporation issued for consideration other than cash what part of the consideration for such shares shall be capital, the capital of the corporation in respect of such shares shall be an amount equal to the aggregate par value of such shares having a par value, plus the amount of the consideration for such shares without par value. The amount of the consideration so determined to be capital in respect of any shares without par value shall be the stated capital of such shares. The capital of the corporation may be increased from time to time by resolution of the board of directors directing that a portion of the net assets of the corporation in excess of the amount so determined to be capital be transferred to the capital account. The board of directors may direct that the portion of such net assets so transferred shall be treated as capital in respect of any shares of the corporation of any designated class or classes. The excess, if any, at any given time, of the net assets of the corporation over the amount so determined to be capital shall be surplus. Net assets means the amount by which total assets exceed total liabilities. Capital and surplus are not liabilities for this purpose. Notwithstanding anything in this section to the contrary, for purposes of this section and §§ 160 and 170 of this title, the capital of any nonstock corporation shall be deemed to be zero.”

73 Op. cit., p. 232. O doutrinador explica que, no sistema jurídico norte-americano, “originariamente, sin embargo, la nocion de capital legal (siglo XIX) tenía una marcada similitud con el sistema tradicional. El capital estaba formada por una cifra representativa del valor de los bienes aportados por los socios al momento de la constitución de la sociedad (stated capital). En el estatuto constitutivo debia figurar ese importe, distinguindose entre capital autorizado y capital suscripto. El capital se representaba en acciones, con valor nominal (par value). El capital social, era en consecuencia, la multiplicación del número de acciones emitidas por su valor nominal. Las reglas así fijadas variaron substancialmente durante el siglo XX. El valor nominal de las acciones (per value) que era usualmente alto durante el siglo XIX (high par stock) fue abandonado y reemplazado, primeramente por valor nominal bajo (low par stock) y más tarde, en algunos Estados, directamente sustituido por las acciones sin valor nominal (no par stock)”.

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A insolvência da empresa é verificada pela aplicação do chamado doble test, composto pelo equity insolvency test e o bankruptcy test. O equi-ty insolventy test permite analisar se a sociedade mostra-se capaz de pagar suas dívidas no respectivo vencimento no curso normal de suas atividades, enquanto o bankruptcy test – ou balance sheet – bassed test – verifica o valor do ativo total da sociedade frente ao passivo, tomando em conside-ração o momento do pagamento dos acionistas privilegiados em caso de liquidação.

Essa nova fórmula acaba por colocar o capital como mero argumento histórico, cultural ou psicológico na tarefa de atuação como instrumento hábil a servir de garantia dos credores, chegando-se a afirmar que, nas so-ciedades por ações, a noção de valor nominal estaria obsoleta74. Maria de Fátima Ribeiro, na doutrina lusitana, com o olhar sobre a doutrina germâ-nica, constata o surgimento de uma alternativa que pode se mostrar mais eficiente para a tutela dos credores sociais, consubstanciada no recurso ao seguro obrigatório dos riscos da atividade, ou seja, uma fora de internaliza-ção dos custos por parte das empresas que desenvolvem as atividades que os originam75.

4.1 o deBate soBre a exigência de caPital inicial mínimo como forma de efetividade da função de garantia do caPital social

O debate sobre a adequação da intervenção estatal no sentido de impor a constituição de capital mínimo para a constituição de entidades empresárias já vem ocupando o cenário acadêmico do direito comercial mundial há razoável tempo, proporcionando construções argumentativas sólidas em ambos os sentidos.

A imposição de existência de capital mínimo oferece uma série de vantagens, o que levou Raúl Ventura a afirmar

desistir da fixação dum capital mínimo parece conduzir a pior resultado prático, pois seria abrir a porta à inviabilidade declarada e, por outro lado, permitir ainda mais facilmente a limitação da responsabilidade dos sócios a

74 Cabe notar que o sistema norte-americano funda-se essencialmente no modelo das companhias de capital aberto – public corporation –, no que se difere substancialmente da orientação do sistema europeu continental e também do brasileiro, onde há um inequívoco predomínio das companhias de capital fechado. Por conseguinte, a proteção dos acionistas, no ordenamento norte-americano, é tarefa assumida pelo próprio mercado.

75 Op. cit., p. 179.

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montantes irrisórios, ou seja, aceitar claramente uma irresponsabilidade de facto dos associados.76

A principal linha argumentativa daqueles que se posicionam de for-ma favorável à fixação de capital mínimo para o desempenho da atividade empresária encontra-se, portanto, na ideia de reforço da atuação do capital como mecanismo de tutela dos interesses dos credores sociais. Nesta óti-ca, Maria de Fátima Ribeiro nota que os autores que rejeitam a eficácia e a necessidade da imposição do capital mínimo “veem-se a braços com a questão da tutela dos chamados ‘credores fracos’, ou ‘involuntários’, uma vez que estes não conseguem defender de forma satisfatória os seus inte-resses através da negociação com a sociedade”, explicando: “Ou porque, simplesmente, não se encontram em posição de o fazer, ou porque, embora lhes assista essa possibilidade, os custos a suportar são, face à dimensão do crédito em causa, incomportáveis”77.

A simples exigência de capital mínimo para a constituição não repre-senta garantia de adequada – ou suficiente – capitalização da empresa. Essa realidade vem acompanhada de duas armadilhas, que acabam por torná-la inapta para atingir os seus reais intuitos, a saber: (a) a possibilidade de in-congruência entre o capital inicialmente indicado e as verdadeiras neces-sidades e riscos do objeto social, de forma que em entidades que possuem atividade de maior porte a existência de eventual piso legal indicado poderá demonstrar-se insuficiente ou até mesmo inócuo; (b) a ausência de garantias que afastam o risco de desgaste superveniente do capital, decorrentes, v.g., da ausência de previsão normativa de atualização da cifra do capital, de forma a recompor as perdas decorrentes de surtos inflacionários.

A práxis demonstra, claramente, que a simples exigência de capital mínimo para a constituição da empresa individual não servirá, por si só, como instrumento suficiente para que este venha a exercer a sua função maior de garantia dos credores. Somente o monitoramento desta função, com a imposição de mecanismos legislativos adequados que possam man-ter a atualização do valor, é que ocorrerá a efetivação da intangibilidade do capital. Nesse aspecto, infelizmente, o direito pátrio tem assumido uma posição de total omissão, limitando-se apenas a dispor que a distribuição de lucros ou quaisquer outras quantias, em prejuízo do capital, gera a obriga-ção de restituição. Trata-se de previsão meramente formal e que facilmente

76 Sociedade por quotas: comentários ao Código das Sociedades Comerciais. Coimbra: Almedina, v. I, 1989. p. 113.

77 Op. cit., p. 178-179.

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pode mostrar-se integralmente inócua, na medida em que, se o capital pre-visto no ato constitutivo estiver depreciado, tal garantia torna-se pífia78.

O debate sobre a oportunidade de exigência de capital mínimo foi retomado no cenário nacional com o advento da empresa individual de res-ponsabilidade limitada (Eireli), em relação à qual é imposta a observância de capital empresarial equivalente ao valor de cem salários-mínimos para a sua constituição79.

4.2 o ProBlema da suBcaPitalização societária

O tema do capital social, além de todo o debate sobre a identificação dos princípios que lhe servem de orientação e da dificuldade de eleição de um critério adequado sobre a viabilidade de determinação de valor mínimo como requisito para a constituição das modalidades empresárias, também traz à tona a questão da sua suficiência para corresponder aos riscos da atividade, quer no momento de criação da entidade societária, quer mesmo no decorrer de sua existência, que correspondem, respectivamente, à sub-capitalização e a descapitalização80.

A doutrina do direito mercantilista enxergou, na designação subcapi-talização – infracapitalización, sottocapitalizzazzione, inadequate capitali-

78 Valendo-se das lições do direito comparado, Ricardo Olivera García faz referência à experiência do sistema norte-americano, em que o cuidado com a efetividade da função de garantia do capital empresarial mostra-se mais preciso. Vejamos: “A los efectos de proteger los derechos de los acreedores sociales, estos textos normativos recurren al concepto de ‘distribution’, estableciendo limitaciones para ella. Se entiende por ‘distribution’ toda transferencia de recursos de la sociedad al accionista que tenga su causa en el contrato social, ya sea por concepto de dividendos, de rescate de acciones o de cuotas de separación o liquidación. En este régimen, la ‘distribution’ no se encuentra sujeta a la existencia de benefícios o de reservas libres – tal como se exigía por el Model Bussines Corporation Act anterior a 1980 –, sino que se requiere que la sociedad satisfaga previamente dos tests fincancieros, que son habitualmente exigidos en la práctica por los prestamistas institucionales: el ‘equity insolvency test’ y el ‘balance sheet test’. De acuerdo con el ‘equity insolvency test’, la ‘distribution’ será ilícita si antes de la ‘distribution’ la sociedad es insolvente o deviene a la sociedad que no es capaz de pagar sus obligaciones a su respectivo vencimiento en el curso ordinario de sus negocios. De acuerdo con el ‘balance sheet test’, la ‘distribution’ será ilícita si, como consecuencia de ella, el total de los activos sociales es inferior a la suma del total de sus pasivos. En el derecho norteamericano la decisión de la ‘distribution’ corresponde al órgano de administración, el que deberá prever, en oportunidad de ella, la evolución futura del negocio y las expectativas de ingresos y gastos. Las consecuencias de una ‘distribution’ ilícita serán la responsabilidad de los administradores y la obligación de restitución de lo percebido por los accionistas de mala fe” (Op. cit., p. 383-384).

79 Código Civil: “Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País”.

80 Nuri Rodriguez Olivera apresenta interessante referência ao que designa como sobrecapitalização, para indicar a hipótese em que o capital social vem a se mostrar excessivo frente às necessidades da sociedade. O autor explica: “Cuando se fije una cifra de capital, podrá suceder que la sociedad esté supracapitalizada o infracapitalizada en función de las necesidades del giro. Se dice que una sociedad está infracapitalizada cuando su capital propio no es suficiente para la clase y volumen de la actividad prevista o efectivamente realizada, viéndose entonces en la necesidad de recurrir a crédito de terceros. Esta supracapitalizada cuando los aportes exceden las necesidades del giro” (Op. cit., p. 10).

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zation, undercapitalization – a expressão mais adequada a reproduzir, com nitidez, a noção de ausência de correspondência entre o capital social e a responsabilidade empresarial. Neste sentido, parte-se do princípio de que a limitação de responsabilidade legitima-se na constituição e conservação de um patrimônio suficiente para suportar os riscos econômicos normalmente verificados em certa atividade negocial, de modo a proporcionar segurança mínima aos credores e parceiros negociais da atividade. Entretanto, quando isso não se verifica, temos a ocorrência da subcapitalização81.

É importante esclarecer que não há um parâmetro exato capaz de medir, de forma objetiva, a adequação do capital social de forma que a sua insuficiência somente poderá ser aferida em função do próprio objeto da sociedade ou de sua atuação82.

Esta problemática acerca da necessária existência de proporção entre o capital empresarial e o tipo e porte da atividade proposta no ato constituti-vo tem ocupado a atenção da doutrina jusmercantilista europeia desde me-ados da segunda metade do século passado, colocando em destaque o que se convencionou por designar de princípio da adequação do capital social ou da assunção adequada dos riscos83, em um evidente menosprezo à mera observância sectária dos clássicos postulados da necessidade e da liberdade no valor do capital. Tal orientação assume a postura de verdadeiro princí-pio geral do direito societário, implícito em qualquer sistema jurídico, pois, como leciona Pedro Cordeiro, negar a sua existência significaria afirmar que o legislador, por meio da figura da pessoa jurídica, quis abrir a possibilidade de uma empresa desenvolver a sua atividade com capital claramente insu-ficiente em relação aos seus objetivos, transferindo, assim, o risco somente para os credores da sociedade, o que seria, por óbvio, um absurdo84.

Maria de Fátima Ribeiro assevera que o problema da capitalização pode ser verificado, com mais frequência, nas sociedades de capitais com estrutura personalista, mormente nas sociedades limitadas, que são tenden-cialmente fechadas, eis que, de forma diversa das sociedades anônimas, não

81 Nadia Zorzi, na doutrina italiana, conceitua a sottocapitalizzazzione como a situação de uma sociedade na qual “il capitali di cui è dotata non è suficiente a soddisfare il suo próprio fabbisogno finanziario a médio e lungo termine (non copribile attraverso crediti di terzi), calcolato basandosi sul tipo e sul volume dell’atività econômica programmata (e dunque potenziale) ed effettività econômica programmata (e dunque potenziale) ed efetiva, prendendo in considerazione i metodi di finanziamento utilizzati” (L’abuso della personalità giuridica. Padova: Cedam, 2002. p. 111).

82 Neste sentido é a lição de CORDEIRO, António Menezes. O levantamento da personalidade coletiva no direito civil e comercial. Coimbra: Almedina, 2000. p. 118.

83 Expressão utilizada por CORDEIRO, Pedro. A desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais. Lisboa: AFDL, 1989. p. 96.

84 Op. cit., p. 96.

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são vocacionadas para o objetivo de captar junto do público investidor os meios de financiamento suficientes para a exploração da atividade consti-tutiva de seu objeto social85. De outra banda, Cándido Paz-Ares aponta que também nos grupos societários poderá ser constatada certa tendência à sub-capitalização, pois, nestes casos, a função da limitação de responsabilidade não é uma função financeira, no sentido de estar a serviço da captação de recursos, mas, precisamente, uma função de diversificação de riscos86.

A inexistência da adequação da base econômica que serve de susten-to à atividade empresarial acarreta, portanto, a verificação da subcapitaliza-ção, que pode ser classificada, entre outros critérios possíveis, em subcapi-talização nominal e material.

António Menezes Cordeiro explica que, na modalidade da subcapi-talização nominal, a sociedade considerada encontra-se esteada em uma base econômica, tendo um capital formalmente insuficiente para o objeto ou para os atos a que se destina87, numa situação em que o capital provém de recursos de terceiros, encontrando-se total ou em grande parte compro-metidos com estes. Aqui também estão alocadas as situações em que o ca-pital/patrimônio da entidade está vinculado a empréstimos que os sócios realizam à empresa, geralmente agregados à consignação de condições pri-vilegiadas em eventual concurso de credores, como, v.g., os casos de alie-nação de bens pessoais dos sócios à sociedade com a inserção da cláusula de reserva de domínio88. Tais situações representam formas de empréstimos indiretos, proporcionando certo caráter duplo aos sócios, concebendo o que Pedro Cordeiro designou como sócio-credor89. Nesta hipótese, apesar de a entidade ser satisfatoriamente dotada dos meios econômicos para o exercício de sua atividade, estes não podem ser considerados como capital próprio ou capital de risco, mas sim, como designou Giuseppe Portale, ca-

85 Op. cit., p. 188-189.86 Apud RIBEIRO, Maria de Fátima. A tutela dos credores da sociedade por quotas e a desconsideração da

personalidade jurídica. Coimbra: Almedina, 2009. p. 188.87 Op. cit., p. 118.88 Sobre esta espécie de subcapitalização, Carmen Boldó Roda observa: “Os socios, en vez de financiar la

sociedad mediante los convenientes aumentos de capital, optan por llevar a cabo la financiación por medio de créditos o prestamos que ellos mismos conceden a la sociedad, para beneficiarse de la condición de acreedores en las situaciones de suspensión de pagos o quiebra” (Levantamiento del velo y persona jurídica en el derecho privado español. 2. ed. Navarra: Aranzadi Editorial, 1997. p. 425).

89 Op. cit., p. 98. Sobre esta figura do sócio credor, o autor explica: “Este papel duplo assegura-lhe não só uma comparticipação no êxito da empresa – fomentado pela concessão de créditos – como lhe proporciona ainda, em relação a terceiros, uma visão mais clara da situação financeira da sociedade e uma influência decisiva na sua evolução económica”, arrematando: “Ora, esta possibilidade de intervenção e permanente controlo do risco assumido – que não existe para os restantes credores – não pode deixar de ser valorada, não devendo os sócios mutuantes ser equiparados aos outros dadores de crédito”.

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pital de crédito90. Este mesmo autor informa que o risco da subcapitalização nominal para os credores já era debatido no sistema germânico desde a década de trinta do século passado, em que a jurisprudência do Reichge-richt notava que essa modalidade de financiamento conservava ao sócio a possibilidade de, em casos de insucesso da empresa, assumir a condição de credor em posição de vantagem em sede de concurso com os demais credores da entidade91.

Carmen Boldó Roda informa que a práxis jurisprudencial norte--americana e a germânica apresentam solução coincidente para os casos de subcapitalização nominal, determinando que os fundos provenientes dos empréstimos dos sócios e dos bens destes adquiridos pela entidade com alguma espécie de garantia especial, e ainda não quitados, passem a ser tratados como se fossem aportes sociais92.

Na subcapitalização material, a entidade empresária não se encontra aparelhada de suporte econômico suficiente para suportar a álea da ativida-de, ou mesmo a própria persecução do objeto que dá sentido à sua existên-cia. Há uma efetiva insuficiência de fundos próprios e alheios. Na precisa definição oferecida por Carmen Boldó Roda, essa modalidade é verificada quando “los socios no dotan a la sociedad de los recursos patrimoniales necesarios para llevar a cabo el objeto social, ni por la vía de un capital de responsabilidad, ni por la vía de créditos otorgados por ellos mismos”93.

90 Capitale sociale e società per azione sottocapitalizzata. Rivista della Società, a. 36, p. 29, 1991.91 Op. cit., p. 30. Segundo o autor, “in Germania in modo particolare nella prassi dele società a responsabilità

limitata, questo tipo de sottocapitalizzazione há trovato una regolamentazione nella novella di reforma (1980) dela legge sulla società a responsabilità limitatta (§§ 32ª e 32b GmbHG), regolamentazione che, tuttavia, deve essere integrata da una serie di principi di diritto giurisprudenziale e dottrinali. Tralasciando i dettagli del complesso sistema che resulta da questa rete di regole, per quanto qui interessa è suficiente dire, per il momento che oggi, per diritto tedesco, nel caso di assoggettamento dela società ad una procedura concursale, tutti i crediti concessi dai soci ala società, diretamente o indiretamente (ad es.: con il rilascio di garanzie a terzi), devono essere trattati come ‘capitale proprio’ se la società, nel momento in cui há avuto il finanziamento, non era più in grado di ottenere credito (c.d. Kreditunwürdigkeit) alle normali condizioni di mercato (si parla di prestiti dei soci sostitutivi del capitale proprio: Eigenkapitalersetzende Gesellschafterdarlehen)”.

92 Op. cit., p. 425. Em relação à matéria no sistema jurídico norte-americano, merece ser referida interessante pesquisa de campo levada a cabo por Robert B. Thompson, realizada na década de noventa, na qual este jurista aponta que, apesar de a undercapitalization ser frequentemente citada pela doutrina, em sede pretoriana, a sua aplicação não se mostra tão efetiva, informando que: “Of 327 contract cases in which courts pierced the veil, undercapitalization is present only in sixty-one (about 19%); of seventy tort cases in which courts pierced the veil, undercapitalization is present in only nine (just under 13%). A piercing result was somewhat more likely in the tort cases in which undercapitalization was present (75%) than in contract cases (70%), but the small number of tort cases in which undercapitalization is mentioned decreases the impact of this difference. In both contexts, courts refused to pierce in 25 to 30% of the cases evenwhen undercapitalization was presnet, belyng any automatic predictive value for that factor” (Piercing the corporate veil: an empirical study. Cornell Law Review, v. 76, p. 1065, jul. 1991).

93 Op. cit., p. 421.

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O tratamento destinado pela ordem pretoriana à subcapitalização material acaba por colocar o correto financiamento da empresa como um princípio não escrito do direito mercantil, no intuito de proteção dos credo-res e dos demais interessados na vitalidade econômica da empresa. Partin-do-se da premissa de que, num sistema de economia de mercado, existe o postulado fundamental, no sentido de que aquele que opera no âmbito da vida econômica deve também suportar os riscos conexos à empresa, impõe--se que haja efetiva congruência entre o capital e o escopo e dimensão da atividade – Geschätszweck und Geschäftsumfang –, cuja sanção pela inob-servância poderá acarretar a responsabilidade ilimitada dos sócios ou insti-tuidores94, trazendo à tona a oportunidade para reflexões sobre a aplicação do instrumento da desconsideração da personalidade jurídica, positivada, em especial, no art. 50 da Codificação Civil, no sentido de que,

em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendi-dos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.95

Esta solução já vinha apontada no clássico estudo de Fábio Konder Comparato sobre o poder de controle nas sociedades anônimas, lecionan-do: “É importante notar que o dever de capitalização da empresa constitui um princípio geral de direito mercantil96.

Nesta obra, o jurista indica precedentes dos sistemas jurídicos norte--americano e germânico, simpáticos à responsabilização pessoal dos con-troladores nos casos de subcapitalização nas sociedades anônimas97.

94 Analisando esta temática na jurisprudência tedesca, António Menezes Cordeiro leciona: “Com recurso à jurisprudência, encontramos, desde logo, situações nas quais a subcapitalização visou diretamente a prejudicar credores. Assim: RG 16-Nov.-1937: é contrário à boa-fé e aos bons costumes criar uma sociedade por quotas só com o objetivo de limitar a responsabilidade, concluir negócios com ele a e agir à custa dos efectivos credores; OLG Karlsruhe 13-Mai.-1977: a utilização propositada, perante um banco, duma sociedade subcapitalizada, gera responsabilidade por contrariedade aos bons costumes (§ 826 do BGB); BGH 30-Nov.-1978: a manutenção duma sociedade subcapitalizada gera responsabilidade quando se actue directamente contra os bons costumes” (Op. cit., p. 119).

95 Sobre o tema da teoria da desconsideração e de sua positivação na legislação civil, remetemos o leitor ao nosso estudo “A teoria da desconsideração da pessoa jurídica no novo Código Civil”, publicado na Revista de Direito Privado, v. 10, p. 69-85, abr. 2002. Não é diversa a forma como a questão da subcapitalização material é encaminhada no direito espanhol, pois, conforme informa Carmen Boldó Roda, “la infracapitalización material puede justificar la exigencia de la responsabilidad civil (y en su caso incluso penal) de los administradores y el levantamiento del velo de la persona jurídica de la sociedad, haciendo responder personalmente a los socios” (Op. cit., p. 422).

96 O poder de controle na sociedade anônima. Atualizado por Calixto Salomão Filho. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 450.

97 Op. cit., p. 450-451. O autor informa: “Nos Estados Unidos, os tribunais fixaram o princípio de que, quando o capital de uma companhia é manifestamente insuficiente para o exercício de sua atividade empresarial, o

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Calixto Salomão Filho, por sua vez, identifica duas possibilidades para a subcapitalização, entendendo que esta poderá assumir a forma qua-lificada ou simples98. Na primeira hipótese, designada pelos juristas norte--americanos de gross undercapitalization, a desproporção – inadequação – do capital da entidade é evidente, ocorrendo manifesta insuficiência eco-nômica de sustento dos fins empresariais a ponto de o risco da atividade ser efetivamente trasladado somente aos credores, ensejando a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica e, portanto, levando à responsabilidade pessoal dos sócios99. Na subcapitalização simples, a falta de conexão entre o capital e os riscos da atividade não se faz tão evidente, a sugerir que a questão está a requerer elevado grau de amadurecimento dou-trinário e jurisprudencial para o seu tratamento, o que leva Calixto Salomão Filho a afirmar que é necessário demonstrar o elemento subjetivo, ou seja, a culpa ou dolo dos sócios em não prover o capital suficiente à atividade social, para que se possa atribuir a estes a extensão da responsabilidade societária100.

Analisando a temática no direito espanhol, Rosa Otxoa-Errarte Goi-koetxea aponta que a subcapitalização, de regra, não é tomada como único motivo ensejador capaz de, por si, determinar a responsabilização dos só-cios, explicando:

La infracapitalizacion es sólo uno de los varios factores en los que se fun-damenta la desestimación de la personalidad de la sociedad. Junto con la misma aparecen el fraude, la confusión de patrimonios, el incumplimiento de formalidades exigidas por el derecho societario, etcétera.101

controlador (active shareholder) não pode opor o princípio da separação patrimonial, para evitar a execução dos créditos sociais sobre os seus bens, no caso de insolvabilidade da companhia. A manutenção da exploração empresarial, nessas condições, representa um risco criado, deliberadamente, perante terceiros”, acrescentando: “Igualmente, na Alemanha Federal, a insuficiente capitalização de uma sociedade mercantil tem fundamentado a desconsideração da personalidade jurídica, apreendendo-se, através desta, os bens particulares dos sócios ou acionistas (Durchgiff)”, arrematando: “A doutrina germânica justifica esse resultado com base na teoria da ‘finalidade normativa’, ou seja, considerando-se a deficiente capitalização da companhia como desvio da função ou finalidade do instituto, na economia societária” (p. 451-452). Mais recentemente, o tema foi abordado por Gustavo Saad Diniz em estudo específico (Subcapitalização societária: financiamento e responsabilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2012).

98 O novo direito societário. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 90.99 Neste mesmo sentido, posiciona-se Joaquim Antonio de Vizeu Penalva Santos, no estudo “Sociedade anônima,

subcapitalização, desconsideração da personalidade jurídica da sociedade anônima”, publicado na Revista Emerj, n. 14, p. 74-77, 2001.

100 Op. cit., p. 91. O autor pondera: “Sancionar a subcapitalização nessas hipóteses parece um rigor excessivo. Com efeito, se o legislador não impõe a obrigação de capital mínimo, é difícil exigir do sócio que faça a previsão correta no momento da constituição da sociedade”, concluindo: “O mais correto parece ser considerar a fixação do montante do capital como componente da business judgement rule do sócio e admitir a desconsideração somente nos casos em que a subcapitalização for extremamente evidente (qualificada)”.

101 La responsabilidad de los socios por la infracapitalización de su sociedad. 2. ed. Navarra: Editorial Aranzadi, 2011. p. 242. A doutrinadora acrescenta: “Sí encontramos referencias jurisprudenciales que recogen la infracapitalización como uno de los supuestos en que es aplicable la doctrina del levantamiento del velo,

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Certamente um dos enfoques que também merece atenção no estudo da subcapitalização é aquele referente à possibilidade de esta vir a se con-solidar no decorrer da vida da entidade empresária, pondo por terra toda a função que é idealizada para a referida cifra, o que é conhecido como subcapitalização superveniente ou posterior, também conhecida por alguns autores por descapitalização. Seguiremos aqui no magistério de Maria de Fátima Ribeiro, que, na doutrina portuguesa, distingue estas expressões, ex-plicando:

Na descapitalização foram colocados ao dispor da sociedade meios sufi-cientes para o exercício da atividade que constitui o objeto social, mas, por razões de mercado e em virtude do funcionamento da empresa, o valor do patrimônio da sociedade desceu perigosamente abaixo do nível desses meios considerados suficientes.102

Nesta espécie, não há malícia ou atuação indevida que possa ser atri-buída aos sócios ou administradores da entidade societária. Esta não é vo-luntariamente causada por estes, que, na verdade, acabam por ver também seus interesses ameaçados. Já a hipótese de subcapitalização superveniente ou posterior é motivada por conduta dos sócios que conscientemente to-mam decisões que podem levar a sociedade a necessitar de mais recursos patrimoniais, mas se omitem em provê-los de forma satisfatória. Essa situa-ção pode ocorrer nos casos de modificação do objeto social, ampliação ex-pressiva das atividades societárias, entre outras situações que proporcionem o desnivelamento do capital em relação à base patrimonial adequada para a atuação da empresa103.

pero con un tratamiento insuficiente de la cuestión. Así la sentencia de la audiencia Provincial de las Palmas de 16 de julio de 2009, ante la pretensión del demandante de reconocimiento del abuso por la demandada de la personalidad jurídica societaria ‘por infracapitalización de la sociedad, la confusión de patrimonios y los actos de fraude en perjuicio de los acreedores’, señala que ‘la infracapitalización es solamente un indicio de por sí insuficiente de dicho abuso’. La sentencia de la Audiencia Provincial de Barcelona de 18 de octubre de 2007 también menciona la infracapitalización como supuesto de posible de aplicación de la doctrina sobre el levantamiento del velo. Y aun reconocimiento que el caso representa ‘una clara situación de infracapitalización’ añade que ‘lo fundamental es que no se ha probado que tal escasa capitalización tuviera por objeto defraudar a los acreedores’, elemento que la jurisprudencia exige para aplicación de esta doctrina” (p. 243).

102 Op. cit., p. 190.103 Jorge Lobo atenta para essa questão, consignando a sua preocupação, ao afirmar: “Tão ou mais importante,

todavia, a nosso ver, do que todas essas garantias, salvaguardas, cautelas, é zelar pela realidade do capital social, quer quando da constituição da companhia, quer quando do seu aumento, e, por sua integralidade durante a vida da sociedade, a fim de que o capital possa atingir a sua finalidade, exercer a função para a qual foi concebido por juristas de escol: tutelar os direitos dos credores da companhia” (Fraude à realidade e integralidade do capital social das sociedades anônima. Seleções Jurídicas: ADV Advocacia Dinâmica, p. 06-07, abr. 1997).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao chegar ao crepúsculo deste despretensioso ensaio, dedicado a um dos assuntos mais relevantes do direito empresarial, resta a nítida convic-ção de que o fenômeno que a doutrina tem designado como crise do ca-pital social, na realidade, representa efetivamente um processo natural de metamorfose comum aos mais caros conceitos jurídicos da atualidade. É a fase de transição experimentada pela noção do capital social na direção da adaptação às novas realidades negociais e de mercado. Possivelmente, como mais relevante contribuição, o presente ensaio pretende ter demons-trado a necessidade de aceitação do surgimento de um novo estágio da con-cepção sobre o capital social, trazendo a reboque uma série de implicações tanto no plano teórico como pragmático.

A redefinição de valores propiciada pela pós-modernidade alimenta a busca de um novo sentido para as principais figuras que decoram o cenário jurídico. O Direito, na atualidade, assume função mais instrumental, a servi-ço da realização do projeto constitucional de realização de uma sociedade preocupada com a efetivação da justiça em todos os seus quadrantes. Neste sentido, afigura-se oportuno – e até mesmo necessário – revisitar os princí-pios e as funções que norteiam a noção de capital social, procedendo a uma releitura voltada à concretização de valores caros não apenas às entidades empresárias, mas também ao mercado.

Toda e qualquer forma de reflexão sobre a temática do capital so-cial só será válida se for orientada no sentido de valorar a sua importância como instrumento de promoção de um direito societário capaz de propiciar a segurança e a estabilidade necessárias para a obtenção de um sistema de mercado saudável, em que o ganho se faça acompanhar pela lealdade e confiança.

Por outro lado, não se pode olvidar que esses objetivos somente po-derão ser alcançados por meio de uma visão que enxergue o capital como ele realmente deve ser compreendido, dentro do esquadro do direito socie-tário, e não como mero patrimônio de afetação. É preciso passar a distinguir o direito das verdadeiras sociedades do direito do patrimônio de afetação. Não podemos nos contentar com raciocínios míopes; devemos nos engajar em uma reflexão com o espírito aberto ao novo e com a consciência de que estamos diante de uma nova etapa, que certamente não será a última, da evolução do capital social.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2346

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIII – Agravo de Instrumento nº 2014.02.01.002335‑0Nº CNJ: 0002335‑09.2014.4.02.0000Relator: Desembargadora Federal Vera Lúcia LimaAgravante: Caixa Econômica Federal – CEFAdvogado: Fernanda Franca da Silva e outrosAgravado: Posto de Gasolina ABC Ltda.Advogado: Sem AdvogadoAgravado: Adelina Costa Monteiro dos SantosAdvogado: Sem advogadoAgravado: José Antonio da Cunha CostaAdvogado: Sem advogadoOrigem: Décima Oitava Vara Federal do Rio de Janeiro (200851010115090)

ementa

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO FUNDADA EM TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL – ENDEREÇO DA PARTE DEVEDORA – REQUERIMENTO DE CONSULTA AO INFOJUD – RECURSO DESPROVIDO

Cuida-se de agravo de instrumento, interposto pela Caixa Econômica Federal – CEF, alvejando decisão que, nos autos de ação de execu-ção fundada em título executivo extrajudicial, indeferiu pedido no sentido de “solicitar através do sistema Infojud o endereço do 2º e 3º Réus”, sob a fundamentação de que “endereço do réu é requisito da petição inicial, como elemento indispensável, nos termos do art. 282 do CPC”, bem como de que “é ônus do exequente, por seus próprios esforços, efetuar as diligências hábeis à localização dos devedores, promovendo a sua citação (art. 219, § 2º, do CPC), não competindo ao Juízo o exercício de atividade probatória supletiva”.

O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que “a expedição de ofícios aos órgãos competentes é medida excepcional permitida tão somente após o esgotamento de diligências, por parte do credor, para a localização do devedor”.

Na hipótese, em um juízo perfunctório, ao que parece, não restou comprovado nos autos do presente agravo de instrumento o esgota-mento das medidas adotadas pela ora recorrente tendentes a obter os dados a respeito da localização da parte ré, circunstância esta que

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recomenda a manutenção da decisão prolatada pelo Magistrado de primeiro grau.

Segundo entendimento desta Egrégia Corte, apenas em casos de de-cisão teratológica, com abuso de poder ou em flagrante descompasso com a Constituição, a Lei ou com a orientação consolidada de Tri-bunal Superior ou deste Tribunal, seria justificável sua reforma pelo órgão ad quem, em agravo de instrumento. Precedentes do TRF da 2ª Região.

Recurso desprovido.

acÓrdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:

Decide a Oitava Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 27 de agosto de 2014 (data do Julgamento).

Desembargadora Federal Vera Lucia Lima Relatora

relatÓrio

A Desembargadora Federal Vera Lúcia Lima da Silva (Relatora): Cui-da-se de agravo de instrumento, interposto pela Caixa Econômica Federal – CEF, alvejando decisão que, nos autos de ação de execução fundada em título executivo extrajudicial, indeferiu pedido no sentido de “solicitar atra-vés do sistema Infojud o endereço do 2º e 3º Réus”, sob a fundamentação de que “endereço do réu é requisito da petição inicial, como elemento in-dispensável, nos termos do art. 282 do CPC”, bem como de que “é ônus do exequente, por seus próprios esforços, efetuar as diligências hábeis à loca-lização dos devedores, promovendo a sua citação (art. 219, § 2º, do CPC), não competindo ao Juízo o exercício de atividade probatória supletiva”.

A hipótese é de ação de execução fundada em título executivo ex-trajudicial ajuizada pela ora agravante em face de Posto de Gasolina ABC Ltda., Adelina Costa Monteiro dos Santos e José Antonio da Cunha Costa, objetivando, em síntese, o pagamento da importância de R$ 113.835,11,

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atualizada até 22.06.2007, oriunda de Contrato de Empréstimo/Finan-ciamento de Pessoa Jurídica, nos termos lançados na exordial (cópia às fls. 10/12).

Por meio do presente recurso, aduz a parte Recorrente que “o obje-tivo da agravante era a requisição à Secretaria da Receita Federal, através do Sistema INFOJUD, para obter pelo sistema de seu convenio a busca de endereço com o objetivo de dar celeridade processual”; que “embora a Au-tora tenha comprovado ter diligenciado em busca do endereço atualizado, sem lograr êxito tal pedido, (...) foi negado, cerceando o direito da agravante em conseguir endereço atualizado para efetivar citação do réu”; tecendo comentários a respeito do art. 399, inciso I, do CPC, do art. 5º da LICC e dos princípios da celeridade e da economia processual.

Cópia da decisão agravada à fl. 36.

Certificado, à fl. 43, que decorreu o prazo para resposta sem manifes-tação da parte agravada.

Às fls. 45/46, o Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

voto

A Desembargadora Federal Vera Lúcia Lima da Silva (Relatora): Con-soante relatado, cuida-se de agravo de instrumento, interposto pela Caixa Econômica Federal – CEF, alvejando decisão que, nos autos de ação de execução fundada em título executivo extrajudicial, indeferiu pedido no sentido de “solicitar através do sistema Infojud o endereço do 2º e 3º Réus”, sob a fundamentação de que “endereço do réu é requisito da petição ini-cial, como elemento indispensável, nos termos do art. 282 do CPC”, bem como de que “é ônus do exequente, por seus próprios esforços, efetuar as diligências hábeis à localização dos devedores, promovendo a sua citação (art. 219, §2º, do CPC), não competindo ao Juízo o exercício de atividade probatória supletiva”.

Sem embargo dos fundamentos esposados ao longo das razões recur-sais, o Douto Magistrado de primeiro grau, enquanto presidente do proces-so, e por estar mais próximo da realidade versada nos autos, detém melho-res condições para avaliar o conjunto fático e probatório que lastreiam a presente demanda, neste momento processual.

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Ressalte-se, ainda, que, segundo entendimento desta Egrégia Corte, apenas em casos de decisão teratológica, com abuso de poder ou em fla-grante descompasso com a Constituição, a Lei ou com a orientação conso-lidada de Tribunal Superior ou deste Tribunal, seria justificável sua reforma pelo órgão ad quem, em agravo de instrumento (AG 2010.02.01.017607-0, Sexta Turma Especializada, Rel. Des. Fed. Guilherme Couto, E-DJF2R 14.02.2011; AG 2010.02.01.007779-1, Sétima Turma Especializada, Rel. Des. Fed. José Antonio Lisboa Neiva, E-DJF2R 01.02.2011).

In casu, verifico que a decisão agravada de fl. 36, encontra-se funda-mentada, merecendo transcrição nas linhas abaixo, in verbis:

“Fls. 101/102: Requer a Caixa Econômica Federal seja citada a segunda ré Adelina Costa Monteiro dos Santos por hora certa e realizada consulta ao sistema Infojud a fim de localizar endereço atualizado dos 1º e 3º réus.

Quanto ao primeiro requerimento, defiro a citação da ré Adelina Costa Mon-teiro dos Santos, por hora certa, nos termos do art. 227 do CPC.

Quanto ao segundo requerimento, indefiro o pedido, tendo em vista que endereço do réu é requisito da petição inicial, como elemento indispensável, nos termos do art. 282 do CPC. É ônus do exequente, por seus próprios esfor-ços, efetuar as diligências hábeis à localização dos devedores, promovendo a sua citação (art. 219, §2º, do CPC), não competindo ao Juízo o exercício de atividade probatória supletiva.”

Compete ressaltar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justi-ça, vem entendendo que “a expedição de ofícios aos órgãos competentes é medida excepcional permitida tão somente após o esgotamento de diligên-cias, por parte do credor, para a localização do devedor” (REsp 1.210.335/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJE de 11.03.2011, AgRg no Ag 798.905/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 30.09.2008, e REsp 3066.570/SP, Segunda Turma, Relª Min. Eliana Calmon, DJ de 18.02.2002, dentre inúmeros julgados).

No ponto, deve ainda ser salientado que o posicionamento jurispru-dencial que vem sendo albergado por este Egrégio Tribunal Regional Fede-ral parece estar em consonância com a posição adotada pelo Colendo STJ. É ler:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – CON-SULTA AO INFOJUD, BACENJUD, RENAJUD, ENTRE OUTROS – LOCA-LIZAÇÃO DO ENDEREÇO DO DEVEDOR – IMPOSSIBILIDADE – EXAU-RIMENTO DE DILIGÊNCIAS À DISPOSIÇÃO DA EXEQUENTE – NÃO COMPROVAÇÃO

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1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela Caixa Econômica Fede-ral – CEF em face de decisão proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal de São João de Meriti/RJ (fl. 53) que, nos autos de ação de busca e apreensão, inde-feriu o pedido para que o Judiciário consultasse os sistemas Infojud, Renajud, SIEL, CEG – Companhia Estadual de Gás, visando obter o atual endereço de Agravada.

2. A requisição de informações a órgãos públicos pelo Judiciário, visando à localização do endereço do devedor, é providência admitida excepcional-mente, justificando-se tão somente na hipótese de o requerente comprovar ter esgotado todos os meios à sua disposição, o que não restou configurado nos autos. Precedentes: AG 201302010115707, Quinta Turma Especializa-da, Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, e-DJF2R 23.09.2013; AG 20130201013449, Sexta Turma Especializada, Relª Desª Fed. Nizete An-tônia Lobato Rodrigues Carmo, E-DJF2R 10.09.2013.

3. Para que se configure a excepcionalidade é indispensável que o credor, antes de postular o auxílio do Judiciário, cumpra uma série de diligências e que estas resultem inexitosas. Dentre as diligências a cargo do exequen-te, destaca-se: pesquisa nas Juntas Comerciais; pesquisa no site telelistas.net; expedição de ofícios diretamente às concessionárias de serviço público, empresas e autarquias públicas, como, por exemplo, empresas de telefonia móvel e fixa, CEG, Light, Detran, etc.

4. Assim, a credora não se desincumbiu de seu ônus processual; não de-monstrou que realizou as diligências possíveis e disponíveis a sua disposi-ção, visando à obtenção do atual endereço da parte executada.

5. No que concerne à expedição de ofício diretamente pela credora, se a prestação de informações estiver condicionada à prévia autorização judicial, esta poderá ser dada, e a Exequente se encarregará de solicitar as informa-ções pertinentes, por meios próprios, apresentando a autorização que lhe foi concedida.

6. Agravo de instrumento desprovido.”

(AG 201302010176393, Quinta Turma Especializada, TRF 2ª R., Rel. Des. Fed. Marcus Abraham, Publicado no E-DJF2R de 24.01.2014)

“PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO MONITÓRIA – UTILIZAÇÃO DE CONVÊ-NIOS EM BUSCA DE ENDEREÇO DO RÉU – IMPOSSIBILIDADE – AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO

1. Trata-se de Agravo de Instrumento, visando à reforma da decisão que in-deferiu o requerimento de consulta aos sistemas Bacenjud, Infojud, Renajud, Siel, Plenus e CNIS para fins de obtenção dos endereços das Rés.

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2. A realização das diligências necessárias a fim de esgotar todos os meios possíveis para a busca do endereço dos Réus cabe à Autora. Desta forma, não se justifica o deferimento, pelo Juiz, da consulta aos sistemas Bacenjud, Infojud, Renajud, Siel, Plenus e Cnis para obtenção de tal endereço.

3. O convênio Bacenjud tem por objetivo diligenciar em busca de bens pe-nhoráveis e não, ao intento da parte, em busca de informações cadastrais.

4. Tem-se, nesse diapasão, que a utilização do Sistema Infojud – ferramenta que permite comunicação eletrônica entre o Judiciário e a Receita Federal –, com a finalidade de fornecer o endereço do devedor para fins de citação, só deve ser autorizada, excepcionalmente, quando o credor comprovar que to-das as diligências extrajudiciais para localizar o endereço do devedor foram esgotadas, sobretudo em face do caráter sigiloso de tais dados.

5. Destarte, o ônus de diligenciar para obter documentos probatórios é da parte a quem tais provas interessam, tendo em vista que a mesma poderá requerer diretamente ofícios às concessionárias de serviço público, as in-formações pretendidas. Portanto, a intervenção do Judiciário só caberá caso haja comprovada recusa da Administração, o que não restou configurada na hipótese vertente.

6. Agravo de Instrumento desprovido.”

(AG 201302010133930, Quinta Turma Especializada, TRF 2ª R., Relª Juíza Fed. Convocada Helena Elias Pinto, Publicado no E-DJF2R de 13.02.2014)

“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO PELO JUÍZO A QUO – ENDEREÇO DO RÉU – IMPOSSIBILIDADE – ÔNUS AUTORAL – DILIGÊNCIAS NÃO ESGOTADAS

1. Trata-se de Agravo na modalidade de Instrumento, com pleito de tutela antecipada recursal, interposto pela CEF, objetivando cassar a decisão do Juízo da 30ª Vara Federal – Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que indeferiu o pedido para que o referido Juízo oficie ao Sistema da Receita Federal e demais órgãos públicos na busca do atual endereço da parte ré.

2. ‘A qualificação dos réus e o fornecimento de seu endereço para citação é ônus da parte autora. Por fim, não há sequer um artigo no CPC que impo-nha ao Poder Judiciário a obrigação de oficiar a diversos órgãos públicos ou entidades privadas para que essas forneçam, eventualmente, o endereço do réu que disponham, no caso de o réu não ser localizado no endereço fornecido pelo autor (STJ, REsp 364.424-RJ, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 04.04.2002; TRF 2ª Região, AGT 155.041-ES, 5ª T., Rel. Des. Fed. Antonio Cruz Netto, J. 11.12.2007).’.

3. Ao que apura, ajuizada a ação monitória, restou citada a fiadora, que, inclusive, já ofereceu os embargos respectivos.

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4. Noutro eito, a meu juízo, inexistindo demonstrativo do esgotamento mí-nimo de diligências, pela Agravante, não há como se dar trânsito à irresig-nação.

5. Recurso desprovido.”

(AG 201002010007818, Oitava Turma Especializada – TRF-2ªR, Rel. Des. Federal Poul Erik Dyrlund, Publicado no E-DJF2R de 11.05.2010)

“Processual Civil. Agravo de Instrumento. Ofício a Órgãos Públicos e Priva-dos – Endereço do Executado – Impossibilidade

1. Agravo de Instrumento contra decisão que indeferiu a expedição de ofício à Secretaria da Receita Federal para localização de bens em nome da agra-vada.

2. Não ficou comprovado nos autos que a exeqüente tomou todas as inicia-tivas cabíveis para tentar localizar o endereço do executado.

3. Não tendo a agravante esgotado todos os meios e recursos possíveis den-tro de seu alcance, inexiste o dever do Judiciário de atuar em proveito da exequente.

4. Precedentes do TRF da 2ª Região (AI 200302010044604 e AI 200002010553133)

5. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.”

(AG 200902010131631, Oitava Turma Especializada, TRF 2ª R., Rel. Des. Fed. Raldênio Bonifácio Costa, Publicado no E-DJF2R de 27.04.2010)

Com efeito, na hipótese, em um juízo perfunctório, ao que parece, não restou comprovado nos autos do presente agravo de instrumento o es-gotamento das medidas adotadas pela ora recorrente tendentes a obter os dados a respeito da localização da parte ré, circunstância esta que recomen-da a manutenção da decisão prolatada pelo Magistrado de primeiro grau.

Por tais fundamentos, nego provimento ao recurso.

É como voto.

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência 2347 – Ação de cobrança – locupletamento ilícito – cheque – título abstrato e autônomo

“Apelação cível. Ação de cobrança. Locupletamento ilícito. Cheque. Título abstrato e autô-nomo. Dispensa de menção à origem da dívida. Em ação de locupletamento ilícito fundada em cheque, ajuizada em face do emitente, é dispensável a menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula.” (TJMG – AC 1.0079.12.067816-8/001 – 16ª C.Cív. – Relª Aparecida Grossi – DJe 01.12.2014)

2348 – Ação de cobrança de fazer – legitimidade passiva – grupo econômico – plano de saúde – dano moral – configuração

“Direito processual civil. Ação de obrigação de fazer. Legitimidade passiva do grupo eco-nômico Unimed. Plano de saúde. Negativa de cobertura de materiais necessários ao pro-cedimento cirúrgico prescrito pelo médico da autora. Ato ilícito. Dano moral configurado. Critérios de fixação do valor da indenização. 1. Conquanto cada Unimed constitua uma pessoa jurídica distinta, todas elas integram o complexo empresarial cooperativo Unimed, o qual abarca todas as Unimed do País, o que justifica a responsabilidade solidária de todos os integrantes, independentemente de qual delas foi diretamente contratada. 2. Patente a responsabilidade do plano de saúde quanto ao dever de indenizar, pois a recusa injustificada de cobertura de procedimento essencial para o restabelecimento da saúde da paciente gera angústia e intranquilidade, frustrando a legítima expectativa quanto à sua recuperação, além de atentar contra os princípios da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde. 3. Afi-xação do valor devido a título de indenização por danos morais deve levar em consideração os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, assim como a extensão do dano, de forma a atender ao caráter compensatório e ao mesmo tempo desestimular a prática de novas condutas pelo agente causador do dano. 4. Recursos da autora conhecido e provido. Re-curso da ré desprovido.” (TJDFT – Proc. 20130310254193 – (840089) – Rel. Des. Sandoval Oliveira – DJe 19.12.2014)

2349 – Ação de dissolução de sociedade empresarial – exclusão de sócio – competência – conflito

“Conflito negativo de competência. Ação de dissolução de sociedade empresarial e exclusão de sócio. Incompetência da 18ª Vara de Família. Competência da 20ª Vara Cível. Matéria não adstrita a exame pelas Varas de Família. Previsão taxativa do art. 112 e competência re-sidual do art. 108, ambos do Código de Organização Judiciária do Estado do Ceará. 1. Trata--se de conflito de competência interposto pela Juíza de Direito da 18ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza, tendo como suscitado o Juízo da 20ª Vara Cível da mesma Comarca, relativamente à ação de dissolução de sociedade e exclusão de sócio. 2. A competência das Varas de Família são taxativamente previstas no art. 112 do Código de Divisão e Organiza-ção Judiciária e não comportam exceções. 3. No caso, a competência deve ser estabelecida pelo art. 108 do Código de Divisão e Organização Judiciária do Ceará (Lei nº 12.342/1994), que determina que as atribuições não privativas de outro juízo competem às Varas Cíveis. 4. Conflito conhecido para declarar-se competente o juiz suscitado da 20ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza.” (TJCE – CC 0002686-35.2014.8.06.0000 – Rel. José Tarcílio Souza da Silva – DJe 08.01.2015)

2350 – Ação de nulidade cambial – protesto de duplicata – ausência de aceite – irrele­vância

“Apelação. Ação de nulidade cambial. Protesto de duplicata. Ausência de aceite. Irrelevân-cia. Prova da compra e venda da mercadoria. Protesto devido. O aceite na duplicata torna-

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-se sem importância frente à comprovação da existência de relação jurídica entre as partes. Comprovada a relação jurídica, é irrelevante a ausência de aceite na duplicata protestada. Não há qualquer ilicitude no protesto da duplicata frente ao inadimplemento da contratante.” (TJMG – AC 1.0079.07.357904-1/001 – 16ª C.Cív. – Rel. Batista de Abreu – DJe 01.12.2014)

2351 – Ação monitória – cheque – prazo prescricional – incidência

“Agravo legal. Decisão monocrática. CPC, art. 557. Ação monitória. Contrato cheque azul empresarial. Incidência do prazo prescricional previsto no art. 206, § 5º, I, do Código Civil. Art. 2.028 do CPC. Constitucionalidade. Reserva de Plenário. Defensoria pública. Honorá-rios advocatícios sucumbenciais. Curador especial. Possibilidade. Agravo desprovido. 1. O instituto da prescrição é regido pelo princípio do actio nata, ou seja, o curso do prazo pres-cricional apenas tem início com a efetiva lesão do direito tutelado. Nesse momento nasce a pretensão a ser deduzida em juízo, acaso resistida, nos exatos termos do art. 189 do novo Código Civil, que assim preconiza: ‘Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206’. Na hipótese, deve ser considerada como termo a quo da prescrição a data em que o ré restou inadimplente, qual seja, 08.10.2001. 2. O caso em tela encerra pretensão de cobrança de dívida líquida constante de contrato e a inadimplência data de 08.10.2001, de maneira que o prazo vin-tenário previsto no Código Civil de 1916 ainda não havia transcorrido pela metade quando do advento do novo Código. 3. Assim, conta-se o prazo de cinco anos (art. 206, § 5º, I, do CC/2002), a partir da entrada em vigor do novo Código, em janeiro de 2003, que se encerrou em janeiro de 2008, nos termos da regra de transição insculpida no art. 2.028 do CC/2002. 4. Considerando que a presente ação foi ajuizada somente em 28.03.2008, donde inafas-tável que a pretensão foi fulminada pela prescrição. 5. Não vislumbro qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade nas disposições constantes do art. 2.028 do Código de Processo Civil. 6. A apreciação da inconstitucionalidade de dispositivo legal não pode ser objeto de deliberação por órgão fracionário do Tribunal, sob pena de violação à cláusula de reserva de Plenário. 7. A possibilidade de recebimento de honorários advocatícios sucumbenciais por defensor público nomeado como curador especial, que devem ser destinados a fundo insti-tucional próprio, restou consolidada na jurisprudência do eg. STJ. Precedentes. 8. O agravo legal, em especial, visa submeter ao órgão colegiado a legalidade da decisão monocrática proferida, afora isso, não se prestando à rediscussão de matéria já decidida. 9 Agravo legal desprovido.” (TRF 3ª R. – Ag-AC 0007627-88.2008.4.03.6100/SP – 11ª T. – Rel. Des. Fed. José Lunardelli – DJe 12.01.2015)

2352 – Ação monitória – desconsideração da personalidade jurídica – ex­sócio – dissolu­ção irregular

“Processo civil. Civil. Ação monitória. Desconsideração de personalidade jurídica. Ex-sócio. Localização da sede da empresa incerta. Lapso temporal considerável. Dissolução irregular. Inexistência de cláusula contratual de cessão de quotas acerca da responsabilidade dos só-cios e ex-sócios. Agravo de instrumento improvido. 1. Os cheques originários da obrigação foram emitidos quando a agravante fazia parte da sociedade empresarial Maranhão Prime Agente Autônomo de Investimentos Ltda., posto que seu ingresso na referida sociedade ocor-reu em 17.02.2011 e o cheque foi emitido em 04.07.2011. Todavia, sua saída da sociedade empresária ocorreu em 25.01.2012, conforme a 4ª alteração contratual colacionada às fls. 57-58. 2. Não ficou demonstrada qualquer regra no contrato social acerca que após a reti-rada da ex-sócia, ora agravante, seria de responsabilidade dos sócios remanescentes. Sem falar que verifiquei que na clausula décima primeira afirma que ‘o casos omissos do presente

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contrato serão dirimidos pela legislação brasileira aplicável a matéria e no Foro da Comarca do Município de São Luís, Estado do Maranhão’. 3. O Juízo a quo aplicou de forma devida os arts. 50 e 1003, parágrafo único, do CC. Não ficou demonstrado o fumus boni iuris e o periculum in mora do agravante no presente recurso. 4. Agravo de instrumento improvido.” (TJMA – Proc. 0007307-64.2014.8.10.0000 – (154570/2014) – Rel. Raimundo José Barros de Sousa – DJe 06.10.2014)

2353 – Ação revisional de contrato de mútuo – capitalização de juros – legalidade – servi­ços de terceiros – boa­fé objetiva – violação

“Direito do consumidor. Ação revisional de contrato de mútuo. Capitalização de juros re-muneratórios. Legalidade. Serviços de terceiros. Violação da boa-fé objetiva. Ilegalidade. Repetição de indébito na forma simples. Nos termos do STJ, ‘a importância cobrada a título de comissão de permanência não poderá ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, ou seja: a) juros remuneratórios à taxa média de mer-cado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52, § 1º, do CDC’. O STJ já firmou sob o rito de julgamento dos recursos repetitivos nos autos do REsp 1061530/RS, Relª Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, Julgado em 22.10.2008, DJe 10.03.2009, que ‘as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usu-ra (Decreto nº 22.626/1933), Súmula nº 596/STF’, que ‘a estipulação de juros remunera-tórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade’ e que, nos autos do REsp 973.827/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Relª p/o Ac. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, Julgado em 08.08.2012, DJe 24.09.2012, que ‘a capitalização de juros vedada pelo Decreto nº 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e per-mitida pela Medida Provisória nº 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros’. Permanece válida a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira. Os outros encargos pactuados a título de tarifa de avaliação do bem, inserção do gravame e serviços de correspondentes prestados à financeira ofendem a boa-fé objetiva prevista pelo art. 422 do Código Civil, pois, sem qualquer previsão em regulamento da autoridade mo-netária que regula a atividade, transferem ao consumidor os custos e riscos que deveriam ser arcados pelo lucro do exercício da atividade empresarial do fornecedor dos serviços de crédito bancário. A repetição de indébito deve se dar na forma simples pois os encargos abusivos cobrados encontram expressa previsão no contrato pactuado entre as partes e, por isso, consoante orientação do STJ, ‘configurado o erro escusável, fica afastada, no caso, a aplicação do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, e, por conseguinte, a obrigação de devolução em dobro dos valores indevidamente cobrados’.” (TJMG – AC 1.0017.13.000183-1/001 – 10ª C.Cív. – Rel. Cabral da Silva – DJe 10.12.2014)

2354 – Ação revisional de contratos – suposto propósito de recuperação judicial – requisi­tos legais – insatisfação – descaracterização

“Conflito negativo de competência. Ação revisional de contratos. Suposto propósito de re-cuperação judicial por via transversa. Inexistência. Não satisfação dos requisitos legais ap-tos à referida caracterização. Varas falimentares. Competência taxativa. Inteligência do art.

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108 c/c art. 113 da Lei Estadual nº 12.342/1994. Declaração da competência do juízo susci-tado. 1. É cediço que, pela organização judiciária estadual, houve na Comarca de Fortaleza a repartição da competência privativa dos juízes de direito, mediante a separação entre as jurisdições cível, criminal e especial; estando as Varas falimentares e as cíveis englobadas na primeira. O art. 108 do Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado do Ceará prevê a competência residual dos Juízos das Varas Cíveis, que serão competentes para pro-cessar e julgar as causas que versarem sobre matérias não elencadas como de competência privativa das demais Varas Especializadas. Ao passo que o art. 113 da referida norma es-tabelece a competência específica da Vara Especializada de Falências, utilizando precipu-amente o critério em razão da matéria, nas hipóteses em que se evidencia no deslinde da ação a incidência da Lei nº 11.101/2005. 2. Observa-se que, desde a edição da Lei Estadual nº 12.929, em 13 de julho de 1999, que dispõe sobre a criação das Varas Especializadas de Falências e Concordatas, é absoluta a competência dos referidos órgãos jurisdicionais para apreciar e julgar as ações de falência e de recuperação judicial, dentre as quais não está abrangida a presente ação revisional de contrato proposta pela Empresa Cina em face de vários credores, mesmo que denotando situação de crise econômico-financeira do devedor, em iniciativa de suposta recuperação judicial por ‘via transversa’, conforme asseverado pelo juízo suscitado. 3. É cediço que o pedido de recuperação judicial constitui um benefício legal disponibilizado aos empresários individuais e às sociedades empresárias a fim de re-verter a contingência de crise empresarial, mediante a execução de um plano emergencial de solvência de dívidas, com a implementação dos incentivos e favores previstos em lei, a viabilizar a continuidade da atividade econômica do devedor, evitando-lhe a decretação de falência; tendo, inclusive, por propósito primordial a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e do interesse dos credores no intuito de promover a pre-servação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, conforme enunciado no art. 47 da Lei nº 11.101/2005. Além do que cumpre asseverar que a iniciativa de instauração do processo de recuperação judicial é do próprio empresário, que apresenta perante o Poder Judiciário o pedido do benefício, com a demonstração de que atendidos os requisitos legais elencados no art. 48 da Lei de Falências. 4. Desta feita, tratando-se o presente caso de ação revisional de contrato ajuizada pela sociedade empresária, em cuja pretensão inexiste pedido expresso de recuperação judicial, com a demonstração das exi-gências legais para tal caracterização, não há o respectivo enquadramento na competência absoluta em razão da matéria inerente às Varas falimentares. Assiste, portanto, razão ao juízo suscitante. 5. Conflito conhecido para declarar competente o d. Juízo de Direito da 5ª Vara Cível de Fortaleza/CE.” (TJCE – CC 0000682-25.2014.8.06.0000 – Rel. Clécio Aguiar de Magalhães – DJe 14.11.2014)

2355 – Atividade empresarial – liberação de parte dos valores bloqueados – penhora sobre faturamento – discussão – possibilidade

“Processo civil tributário. Liberação de parte dos valores bloqueados. Substituição. Penhora sobre o faturamento da empresa. Comprovação da inviabilidade do exercício da atividade empresarial. Reexame de fatos e provas. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 1. Discute-se nos au-tos a possibilidade de liberação de parte dos valores bloqueados pelo Sistema Bacen-Jud na conta-corrente da empresa executada e sua substituição pela penhora sobre o faturamento da empresa, em decorrência da inviabilidade do exercício da atividade empresarial. 2. Rever a conclusão do Tribunal de origem, que analisou a controvérsia expressamente consignou que foi comprovada a necessidade de liberação dos valores bloqueados para o desenvolvimento das atividades da empresa e determinou a penhora sobre 5% do faturamento da empresa, de-

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manda o reexame do conjunto probatório dos autos. Incidência da Súmula nº 7/STJ. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.429.033 – (2014/0004696-7) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 15.10.2014)

2356 – Cédula de crédito bancário – revisão de cláusulas – incidência do Código de Defesa do Consumidor – prova pericial – inversão do ônus da prova

“Processual civil. Apelação cível. Embargos à execução. Cédula de crédito bancário. Revi-são de cláusulas. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Prova pericial. Inversão do ônus da prova. Julgamento antecipado da lide. Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Limitação de taxa de juros. Capitalização mensal. Tabela Price. MP 2.170-36/01 (art. 5º). Lei nº 10.931/2004 (art. 28, § 1º, inciso I). Declaração de inconstitucionalidade incidental. Não vinculação. Sentença mantida. 1. ‘O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras’ (Súmula nº 297/STJ). 2. O julgamento antecipado da lide, sem a análise da prova pericial postulada, não é, por si só, motivo para ensejar o cerceamento de defesa ou afronta à ampla defesa, pois o art. 130 confere ao magistrado a possibilidade de indeferir a prova que entender inútil ou protelatória. No caso dos autos, verifica-se que a comprovação ou não de capitalização de juros independe de prova pericial. Alegação de cerceamento de defesa afastada. 3. A inversão do ônus da prova nos processos regidos pelo CDC não se opera automaticamente, visto que a parte deve comprovar a verossimilhança de suas alegações, a sua hipossuficiência e a dificuldade intransponível de produção probatória. Ausentes tais requisitos, impossível a inversão. 4. Por expressa previsão legal, admite-se, nos contratos de cédula de crédito bancário, a capitalização mensal de juros (art. 28, § 1º, I, da Lei nº 10.931/2004). 5. O art. 5º da Medida Provisória nº 1963-17/2000, atualmente reedi-tada sob o nº 2.170-36/2001, permite a capitalização dos juros em periodicidade inferior a um ano, nos contratos celebrados após 31.03.2000, não só porque resultante da liberdade de contratar, como também por não ferir qualquer dispositivo legal. 6. É regra da experiência que a Tabela Price consiste numa metodologia de calcular prestações de um empréstimo ou financiamento mediante o pagamento mensal de um valor que abranja juros sobre o saldo devedor e uma quota de amortização do capital. Não há entendimento pacificado quanto a se saber se tal método implica ou não anatocismo, seja de juros sobre juros, em forma sim-ples ou composta. Assim, não há ilegalidade em sua utilização como método de amortização da dívida. 7. O colendo superior tribunal de justiça, em sede de recurso representativo de controvérsia, firmou entendimento no sentido de que é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.03.2000, data da pu-blicação da Medida Provisória nº 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada. 8. No caso em exame, o contrato de financiamento firmado pelas partes prevê que as taxas de juros mensal e anual não são lineares (índice anual não corresponde ao produto da multiplicação do índice mensal pela quantidade de meses do ano). Tais dados são suficientes para compreensão da parte consumidora quanto à cobrança de juros capita-lizados mensalmente. Tenho, portanto, que a forma composta de capitalização de juros foi expressamente pactuada. Inexistindo, pois, a comprovação de abusividade, é de se pressupor a pertinência da capitalização mensal de juros. 9. A decisão do conselho especial do TJDFT proferida em sede de arguição de inconstitucionalidade tem caráter incidental, valendo para o feito em que foi arguida, não ficando o julgador vinculado a esse entendimento, porquanto

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não possui força vinculante aos demais órgãos fracionários desta corte de justiça. 10. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida.” (TJDFT – PC 20100110330413 – (835931) – Rel. Des. Silva Lemos – DJe 04.12.2014 – p. 91)

2357 – Cheque – empresa de factoring – cancelamento do talonário – condenação do ban­co – impossibilidade

“Ação de indenização por danos materiais. Empresa de factoring. Devolução de cheque. Cancelamento do talonário pelo banco sacado (alínea ‘25’). Sentença de improcedência escorreita. Autor que não logrou comprovar fato constitutivo de seu direito. Exegese do art. 333, I, do CPC. Sentença mantida. 1. Descabida a condenação do banco sacado a indenizar empresa de factoring que recebeu cheque, o qual foi devolvido pela alínea ‘25’ (cancelamen-to do talonário pelo participante sacado) em razão do cancelamento do talonário extraviado ou subtraído antes da entrega ao correntista. No caso, inexiste nexo causal, uma vez que os prejuízos advindos do não pagamento do título decorrem da própria negligência de quem re-cebeu o cheque sem tomar as devidas precauções para evitar o ardil, e não do banco sacado que fez a devolução do cheque em conformidade com a norma regulamentar, Resolução do Bacen nº 1.631/1989. 2. Apelo desprovido.” (TJDFT – Proc. 20110710350457 – (823302) – Rel. Des. J. J. Costa Carvalho – DJe 03.10.2014)

2358 – Cheque – título nominal a terceiros – ausência de regular cadeia de endossos – ile­gitimidade ativa

“Cobrança. Cheque. Título nominal a terceiros. Ausência de regular cadeia de endossos. Ile-gitimidade ativa. 1. A portadora do cheque não faz parte da cadeia de endossos, razão pela qual a sentença do Juízo de origem corretamente julgou pela extinção da ação, nos termos do art. 267, VI do CPC. 2. Ainda que seja possível a circulação do cheque, com endosso, preto ou branco, a legitimidade do portador se vincula à regularidade desta cadeia. 3. Se o cheque foi emitido de forma nominal e não está corretamente endossado à portadora, demonstra-da está a sua ilegitimidade ativa para o ajuizamento da presente ação. Desconstituição da sentença sem julgamento do mérito por ilegitimidade ativa.” (TJRS – RIn 71004968145 – 4ª T.R.Cív. – Relª Glaucia Dipp Dreher – J. 28.11.2014)

2359 – Competência – recuperação judicial – juízo falimentar – conflito – possibilidade

“Agravo regimental no conflito positivo de competência. Recuperação judicial. Competência do juízo falimentar. Precedentes do STJ. Agravo regimental desprovido. 1. O Juízo universal é o competente para a execução dos créditos apurados nas ações trabalhistas propostas em face da Varig S/A e da VRG Linhas Aéreas S/A (arrematante da UPV), sobretudo porque, no que se refere à arrematação judicial da UPV, ficou consignado em edital, nos termos da Lei nº 11.101/2005, que sua transmissão não acarretaria a assunção de seu passivo. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-CC 129.364 – (2013/0262054-1) – 2ª S. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 15.12.2014 – p. 1633)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto em face da decisão que conheceu do conflito para declarar competente o r. Juízo da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro/RJ.

Em resumo, nas suas razões recursais, o recorrente sustenta que uma empresa aérea fora excluída da demanda na sentença dos autos principais, sendo a condenação so-mente em face de outra empresa aérea sendo que “somente a agravada está na execu-ção, não havendo sucessão tão pouco ofensa da lei, pois a suscitante do conflito não está em recuperação judicial”.

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Por fim, requer a reforma da decisão recorrida pra que não seja conhecido o conflito de competência suscitado, bem com o prosseguimento da execução.

O STJ negou provimento ao agravo regimental e o relator aduziu que diante das regras estabelecidas no art. 60, parágrafo único, e no art.14, ambos da Lei nº 11.101/2005, em se tratando das empresas envolvidas em processo de recuperação judicial, deverão se concentrar no Juízo universal todas as demandas referentes à causa, incluindo, nessa esteira, as relativas às empresas sucessora e sucedidas.

Oportuno trazer as lições de Tony Luiz Ramos sobre a recuperação judicial:

“Pensar que a objeção prescindisse de fundamentação daria azo à real contradição no sistema: se fosse princípio constitucional o tratamento favorecido para a micro e peque-na empresa (art. 170, IX), não se poderia pensar que a Lei estabelecesse critério que simplesmente tornasse impossível ou muito difícil este favorecimento.

Esse é o caso do parágrafo único do art. 72. De fato, se a simples objeção de mais da metade dos credores pudesse restringir o favor legal, independentemente de qualquer fundamentação, estar-se-ia estabelecendo empecilho, no mais das vezes, insuperável à empresa de pequeno porte e à microempresa.

Para se seguir uma interpretação literal do dispositivo, ter-se-ia a seguinte contradição: enquanto que no procedimento regular as objeções seriam submetidas à assembleia e fatalmente teriam de ser fundamentadas para exercerem poder de convencimento; no procedimento opcional, para as pequenas empresas, a simples objeção daria margem à inexorável decretação da quebra.

Outro contrassenso de uma exegese puramente gramatical seria a admissão de mera petição com a objeção simples no plano especial, enquanto que no procedimento regular o credor teria de se fazer presente à assembleia, com todos os custos envolvidos, para fazer valer sua contrariedade. Não poderíamos admitir uma visão totalmente distante do preconizado na Lei Maior.

Em resumo, o que pensamos é que qualquer objeção fundada na falta de adequação do pedido de recuperação especial aos requisitos da Lei (os gerais e os especiais do art. 71), se julgada procedente pelo juiz, dá margem por si só à decretação da quebra. Agora, para que as objeções fundadas em razões de natureza econômico-financeiras venham a determinar a convolação em falência, é necessário que tenham relevância e fundamento e que sejam levantadas pelos detentores de mais da metade dos créditos quirografários.

Desse modo, o procedimento especial seria simplificado, pois dispensaria a realização da assembleia (o objetivo principal do procedimento especial), e guardaria, ainda assim, certa similitude com a recuperação judicial ordinária, permitindo aos credores apresen-tar objeções fundamentadas de natureza não jurídica.

Esse é o entendimento que se harmoniza com o espírito geral da Lei e com a interpreta-ção do dispositivo à luz do art. 170, IX, da Constituição Federal.” (O plano de recupera-ção judicial especial para microempresas e empresas de pequeno porte e as objeções de credores com mais da metade dos créditos. Disponível em: http://online.sintese.com.)

2360 – Contrato bancário – juros remuneratórios – abusividade – não ocorrência – capita­lização mensal de juros – cobrança – possibilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Contrato bancário. Juros remuneratórios. Abusividade. Não ocorrência. Capitalização mensal de juros. Cobrança. Possibilidade. 1. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.061.530/RS, Rela-tora a Ministra Nancy Andrighi, submetido ao regime dos recursos repetitivos, firmou posi-cionamento no sentido de que: ‘a) as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933), Súmula nº 596/STF; b) a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica

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abusividade; c) são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/2002; d) é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto’. 2. Não tendo sido demonstrada a abusividade pelo Tribunal de origem, correto o julgado que manteve os juros remuneratórios nos termos da contratação. 3. A capitalização dos juros em periodicidade inferior a 1 (um) ano é admitida nos contratos bancários firmados após 31.03.2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17, desde que pactu-ada de forma clara e expressa, assim considerada quando prevista a taxa de juros anual em percentual pelo menos 12 (doze) vezes maior do que a mensal. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 541.312 – (2014/0160729-9) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 31.10.2014 – p. 676)

2361 – Contrato de factoring – duplicata – medida cautelar – pedido de substituição – in­deferimento

“Agravo de instrumento. Medida cautelar inominada. Contrato de factoring. Duplicatas. Ar-resto de bens móvel e imóvel. Pedido de substituição para arresto de créditos licitatórios. In-deferimento. Insurgência. Art. 526 do CPC. Descumprimento. Preliminar rejeitada. Alegação não comprovada. Ordem de gradação legal. Art. 655 do CPC. Prevalência. Substituição da penhora do imóvel e maquinário por créditos financeiros. Possibilidade. Equilíbrio sopesado entre o interesse do credor e forma menos gravosa ao devedor. Decisão reformada. Recurso provido.” (TJPR – AI 1183762-4 – 14ª C.Cív. – Rel. Des. Edson Vidal Pinto – DJe 08.10.2014)

2362 – Contrato de financiamento bancário – defesa do consumidor – pactuação expressa – capitalização de juros remuneratórios

“Civil. Embargos de declaração no agravo regimental no agravo em recurso especial. Direito do consumidor. Contrato de financiamento bancário. Pactuação expressa da capitalização de juros remuneratórios mensais. Alegada contradição. Inexistência. Pretensão de rejulga-mento da causa. Impossibilidade. Precedentes. 1. Os embargos de declaração objetivam apontar vícios de omissão, contradição ou obscuridade da decisão como preconizada no art. 535 do CPC. 2. O acórdão ora embargado adotou o fundamento de que o Tribunal a quo reconheceu que a pactuação da taxa de juros remuneratórios mensais se encontrava expres-samente prevista em contrato, e que é impossível rever tal conclusão pelo óbice da Súmula nº 5 desta Corte Superior. 3. Recurso interposto com o propósito de rediscutir a matéria jul-gada em nítida manifestação de inconformismo, o que torna inadmissível seu curso por meio de aclaratórios. 4. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-AgRg-Ag-REsp 531.209 – (2014/0142421-1) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 29.10.2014 – p. 954)

2363 – Contrato de licenciamento de uso de software – regras do CDC – não incidência

“Apelação cível. Contrato de licenciamento de uso de software. Não incidência das regras do código de defesa do consumidor. Inocorrência de cláusulas abusivas. Onerosidade exces-siva não configurada. Sentença mantida. 1. Trata-se de apelação cível manejada em face da sentença que julgou improcedente a ação declaratória de rescisão contratual cumulada com nulidade de cláusula e devolução de prestações pagas, bem como a ação cautelar incidental ajuizada para obstar a inserção do nome da autora em cadastro restritivo de crédito e sustar o protesto de valores devidos. 2. A relação jurídica instaurada entre as partes não atrai a incidência do Código de Defesa do Consumidor, vez que a pessoa jurídica somente poderá

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ser considerada consumidora se não utilizar o bem ou serviço na sua atividade empresarial e comprovar sua vulnerabilidade perante o fornecedor, elementos que não se encontram presentes no caso em análise. 3. Não se vislumbra hipótese de nulidade das cláusulas em exame, as quais somente poderiam ser consideradas abusivas se constituíssem violação aos deveres impostos a ambas as partes contratantes pelo princípio da boa-fé, entre os quais se inserem a cooperação, a informação, o cuidado, a lealdade e a não imposição de lesão ou desvantagem. 4. No que diz respeito ao inadimplemento das obrigações contratadas pela parte apelada, nota-se que igualmente não restou configurado, pois, não obstante a recor-rente indicar diversas falhas encontradas no software e na prestação de serviços, as provas carreadas aos autos indicam o regular funcionamento do sistema. 5. Recurso conhecido e desprovido.” (TJCE – Ap 675228-87.2000.8.06.0001/1 – Rel. Des. Washington Luis Bezerra de Araujo – DJe 08.01.2015)

2364 – Contrato de prestação de serviços – operadora de viagens e turismo – resilição – cobrança indevida de serviços – valor pago – devolução

“Direito do consumidor. Contrato de prestação de serviços. Operadora de viagens e turismo. Resilição. Cobrança indevida de serviços. Devolução do valor pago. Apelo conhecido e desprovido. 1. Consoante bem asseverado na sentença, operada a resilição do contrato, com suficiente antecedência, inclusive com a incidência do devido desconto da multa rescisória pactuada, ressai descabida a cobrança adicional, pretendida a título de taxa de interme-diação de serviços turísticos, porquanto não pode a fornecedora de serviços repassar ao consumidor os custos inerentes à sua atividade empresarial, mormente quando a penalida-de contratualmente prevista já se revela suficiente para compensar as despesas do contrato prematuramente resolvido por iniciativa do consumidor. Comporta, com isso, manutenção a sentença que determina a restituição dos valores indevidamente cobrados. Precedentes desta Turma. 2. Apelo conhecido e desprovido. Condenada a recorrente vencida ao pagamento das custas processuais. Sem condenação em honorários advocatícios, uma vez que não fo-ram ofertadas contrarrazões.” (TJDFT – Proc. 20140110708969 – (840265) – Rel. Juiz Luis Martius Holanda Bezerra Junior – DJe 18.12.2014)

2365 – Contrato de seguro empresarial – proteção ao patrimônio – pessoa jurídica – rela­ção de consumo – CDC – incidência – caracterização

“Recurso especial. Civil. Seguro empresarial. Violação do art. 535 do CPC. Inexistência. Pro-teção do patrimônio da própria pessoa jurídica. Destinatária final dos serviços securitários. Relação de consumo. Caracterização. Incidência do CDC. Cobertura contratual contra rou-bo/furto qualificado. Ocorrência de furto simples. Indenização devida. Cláusula contratual abusiva. Falha no dever geral de informação ao consumidor. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucio-nando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza, como destinatário final, produto ou serviço oriundo de um fornecedor. Por sua vez, destinatário final, segundo a teoria subjetiva ou finalista, adotada pela Segunda Seção desta Corte Superior, é aquele que ultima a atividade econômica, ou seja, que retira de cir-culação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou sa-tisfação própria, não havendo, portanto, a reutilização ou o reingresso dele no processo pro-dutivo. Logo, a relação de consumo (consumidor final) não pode ser confundida com relação de insumo (consumidor intermediário). 3. Há relação de consumo no seguro empresarial se a pessoa jurídica o firmar visando à proteção do próprio patrimônio (destinação pessoal), sem

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o integrar nos produtos ou serviços que oferece, mesmo que seja para resguardar insumos utilizados em sua atividade comercial, pois será a destinatária final dos serviços securitários. Situação diversa seria se o seguro empresarial fosse contratado para cobrir riscos dos clientes, ocasião em que faria parte dos serviços prestados pela pessoa jurídica, o que configuraria consumo intermediário, não protegido pelo CDC. 4. A cláusula securitária a qual garante a proteção do patrimônio do segurado apenas contra o furto qualificado, sem esclarecer o significado e o alcance do termo ‘qualificado’, bem como a situação concernente ao furto simples, está eivada de abusividade por falha no dever geral de informação da seguradora e por sonegar ao consumidor o conhecimento suficiente acerca do objeto contratado. Não pode ser exigido do consumidor o conhecimento de termos técnico-jurídicos específicos, ainda mais a diferença entre tipos penais de mesmo gênero. 5. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.352.419/SP (2012/02903-0) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Vilas Bôas Cuevae – DJe 08.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEPassamos a comentar o acórdão que trata de seguro empresarial.

Consta dos autos que a recorrente, empresa atuante no ramo de comércio de automóveis novos e usados, ajuizou ação ordinária contra a seguradora AGF Brasil Seguros S.A., visando a receber o pagamento de indenização securitária decorrente de contrato de seguro empresarial, em que a cobertura estava relacionada a riscos sobre o patrimônio da sociedade limitada, como veículos deixados em seu estabelecimento comercial. A autora alegou que uma caminhonete de sua propriedade foi objeto de furto nas suas dependências.

Em sua resposta, a seguradora alegou, em contestação, que a recusa do pagamento da indenização foi devido à falta de comprovação de ter havido o sinistro “furto qualificado” de bens, já que não existia a garantia para o sinistro “furto simples” na apólice.

O Magistrado de primeiro grau, aplicando a legislação consumerista, julgou procedente o pedido.

Inconformada com o resultado, a demandada interpôs recurso de apelação, o qual foi provido para julgar improcedente a pretensão inicial. O acórdão recebeu a seguinte ementa:

“SEGURO EMPRESARIAL – Contrato de seguro relativamente aos veículos de proprieda-de da autora, empresa atuante no comércio de veículos para revenda a consumidores. Alegação de furto de veículo. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Relação que é de insumo, e não de consumo. Não cabimento de inversão do ônus da prova. Não foram constatadas circunstâncias que caracterizassem o furto qualificado, havendo no máximo indícios de furto simples. Contrato de seguro que excepciona a cobertura de furto simples, cobrindo somente furto qualificado e roubo. O segurador res-ponde somente pelos riscos predeterminados, não se admitindo interpretação extensiva ou analógica das cláusulas de cobertura. A autora não pode alegar que não sabia das condições de cobertura da apólice do seguro, vez que se trata de relação empresarial e não de consumo. Autora que não comprovou o fato constitutivo do seu direito. Pedido julgado improcedente. Recurso provido.”

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.

No especial, a recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 423 do Código Civil (CC), 535, II, do Código de Processo Civil (CPC) e 2º e 47 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Mencionou a recorrente, nulidade do acórdão proferido em embargos declaratórios por negativa de prestação jurisdicional. Acrescenta que o Tribunal de origem deixou de se manifestar acerca de aspectos relevantes da demanda suscitados na petição recursal.

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Alegou também ser devida a indenização securitária pela ocorrência do sinistro furto, mesmo porque as cláusulas ambíguas ou contraditórias no contrato de adesão devem ser interpretadas favoravelmente ao aderente.

Por fim, busca a aplicação do CDC no caso dos autos, porquanto a relação é de consumo e não de insumo, ou seja, é a destinatária final do produto/serviço.

O Relator do caso acolheu a irresignação. Alegou que o fundamento de relação de con-sumo adotado pelo STJ é o de que toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza, como destinatário final, produto ou serviço de determinado fornecedor é consumidor.

Não se pode confundir relação de consumo com relação de insumo. Se a empresa é a destinatária final do seguro, sem incluí-lo nos serviços e produtos oferecidos, há clara caracterização de relação de consumo.

Vale trazer trecho do voto do Relator:

“Nesse passo, resta examinar se é abusiva, à luz do CDC, a cláusula do contrato de seguro que garante a proteção patrimonial apenas na hipótese de roubo/furto qualificado sem haver a cobertura também para o furto simples, ou se é uma cláusula limitativa do risco, lícita nos termos do art. 760 do CC. Como cediço, nos contratos de adesão, as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque para permitir sua imediata e fácil compreensão (art. 54, § 4º, do CDC). Ademais, um dos direitos do consumidor é receber a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, característi-cas, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem (art. 6º, III, do CDC). Desse modo, como o segurado é a parte mais fraca, hipossuficiente e vulnerável, inclusive no sentido informacional, da relação de consumo e o segurador detém todas as informações essenciais acerca do conteúdo do contrato, abusivas serão as cláusulas dúbias, obscuras e redigidas com termos técnicos, de difícil entendimento ao leigo.

Na lição de Cláudia Lima Marques:

‘[...]

Em verdade, a maioria dos consumidores que concluem contratos pré-redigidos o fazem sem conhecer precisamente os termos do contrato. Normalmente, o consumidor não tem a oportunidade de estudar com cuidado as cláusulas do contrato, seja porque ele as receberá só após concluir o contrato, seja porque elas se encontram disponíveis somente em outro local, seja porque o instrumento contratual é longo, impresso em letras peque-nas e em uma linguagem técnica, tudo desestimulando a sua leitura e colaborando para que o consumidor se contente com as informações gerais (e nem sempre totalmente verídicas) prestadas pelo vendedor. Assim, confiando em que o fornecedor cumprirá, pelo menos, o normalmente esperado naquele tipo de contrato, ele aceita as condições impostas, sem plena consciência de se alcance e de seu conteúdo. Porém, mesmo que o consumidor tenha oportunidade de inteirar-se plenamente do conteúdo contratual, lendo com calma as cláusulas pré-redigidas, ainda assim pode vir a aceitar cláusulas abusivas, ou porque a cláusula estava redigida de maneira a dificultar a compreensão de seu ver-dadeiro alcance por uma pessoa sem conhecimentos jurídicos aprofundados, ou porque o consumidor necessita do bem ou serviço oferecido.’ (MARQUES, C. L. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 160)”

Em decisão unânime, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de seguro empresarial, na hipótese em que a empresa contrata seguro para a proteção de seus próprios bens sem o integrar nos produtos e serviços que oferece.

Com esse entendimento, foi restabelecida a sentença que determinou o pagamento da indenização securitária.

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2366 – Corretagem – ação de cobrança ­ seguradora – pagamento de diferenças de comis­sões – prestação de serviços – ocorrência

“Agravo regimental no agravo (art. 544 do CPC). Ação de cobrança, manejada por corretora em face de seguradora, objetivando o pagamento de diferenças de comissões devidas pelo serviço prestado (intermediação de contrato de seguro-saúde coletivo). Decisão monocráti-ca negando provimento ao agravo, mantida a inadmissão do recurso especial. Irresignação da seguradora. 1. violação do art. 535 do CPC não configurada. Acórdão hostilizado que enfrentou, de modo fundamentado, todos os aspectos essenciais à resolução da lide, tendo sido, inclusive, afastados, expressa e especificamente, os vícios apontados nos aclaratórios opostos na origem. 2. Alegada ilegitimidade passiva ad causam da seguradora, ao argumen-to de que a prestação de serviços fora contratada apenas entre a estipulante da apólice e a corretora. Consoante firmado pelo Tribunal de origem, ‘a pretensão da autora consiste no recebimento de diferenças das comissões devidas em razão de intermediação na contratação do seguro-saúde oferecido pela demandada que, consoante se extrai dos demonstrativos de fls. 94/101, é quem efetivamente responde por tais pagamentos e, portanto, parte legítima para figurar no polo passivo da demanda’. No âmbito do julgamento de recurso especial, revelam-se inviáveis a interpretação de cláusula contratual e a incursão no contexto fático--probatório dos autos. Aplicação das Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. 3. Aduzida licitude da redu-ção do percentual das comissões incidentes sobre os prêmios pagos (de 5% para 1%) e con-sequente inexistência de diferenças a serem pagas à corretora. De acordo com a seguradora, a referida redução foi previamente consentida pela corretora. Nada obstante, restou assente no acórdão estadual que a corretora ‘não se sujeita à alteração do percentual da comissão, à qual não anuiu’, eis que convencionada apenas entre a seguradora e a estipulante da apó-lice. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 267.165 – (2012/0257947-6) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 17.11.2014 – p. 1585)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de agravo regimental, interposto por empresa de seguros em face de decisão monocrática da lavra deste signatário, que negou provimento ao agravo da ora insurgente, mantida inadmissão do recurso especial, ante a não constatação da alegada ofensa ao art. 53 do CPC e a incidência das Súmulas nºs 5 e 7do STJ.

Com base no fundado na alínea a do permissivo constitucional, desafia acórdão proferi-do pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:

“Corretagem. Comissão. Cobrança. Legitimidade passiva. A operadora de seguro-saúde, que responde pelo pagamento das comissões incidentes sobre os prêmios pagos pelos segurados, é parte legítima para figurar no polo passivo da ação de cobrança dessas verbas.

Redução do percentual da comissão devida à corretora pactuada entre estipulante se-guradora sem anuência daquela. Invalidade. Ajuste a que não se sujeita a corretora.

As comissões incidem tão somente sobre os prêmios efetivamente recebidos pela se-guradora não sobre aqueles que seriam percebidos caso a apólice não houvesse sido rescindida antecipadamente.

Recurso não provido.”

Consta dos autos que a seguradora opôs embargos de declaração, apontado: contradi-ção no julgado no tocante à rejeição da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, apesar de ter sido o contrato de prestação de serviços firmado entre a corretora e a estipulante da apólice sem qualquer participação da seguradora; e omissão quanto a argumento, lastreado em prova, de que a corretora teve conhecimento prévio sobre alteração do percentual de comissionamento.

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Dado juízo prévio negativo de admissibilidade, a seguradora interpôs agravo, ao qual foi negado provimento por este signatário.

O STJ negou provimento ao agravo.

Elucidamos com os ensinamentos do ilustre Voltaire Marensi, que discorre sobre o risco e aleatoriedade no contrato de seguro de acordo com o Tratado do Mestre Pontes de Miranda, in verbis:

“Contrato de seguro é o contrato com que um dos contraentes, o segurador, mediante prestação única ou periódica, que o outro contraente faz, se vincula a segurar, isto é, a se o sinistro ocorrer, entregar ao outro contraente soma determinada ou determinável, que corresponde ao valor que foi destruído, ou que se fixou para ocaso do evento previsto. A aleatoriedade existe mesmo se o evento é inevitável, como a morte: a álea, aqui, é no tempo, refere-se a quando, e não a se. Pretendeu-se que não há álea para o contraente que obtém a vinculação, porque, se o evento ocorre, está ele coberto. Também se sus-tentou que a álea, no seguro, é unilateral, e não bilateral. Basta considerar-se a diferença do valor e do objeto das prestações que incubem aos contraentes para se verificar que ambos os lados há álea: um quer eliminá-la; outro, assumindo-a, eliminou-a porque a isso se vincula.

Segundo é sabido e Stypmanus o disse, assecuratio quidem vox latina non est, nec tale verbum reperitur, quod securum facere significet.

O que se segura não é propriamente o bem, razão por que, nas expressões ‘seguro de bens’ ou ‘seguro de coisas’ e ‘seguro de responsabilidade’, há elipse. O que se segura é o status quo patrimonial ou do ser humano (acidentes, vida). Segura-se o interesse po-sitivo como se segura o interesse negativo.” (O contrato de seguro à luz do novo Código Civil. 3. ed. São Paulo: IOB/Thomson, 2005. p. 27)

O art. 1.454 do Código de 1916 correspondente ao art. 768 do novo Código Civil dispõe que:

“Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.”

Na verdade, a regra deste artigo prevê perda do seguro apenas para o caso de o segu-rado adotar conduta imprópria, aumentando o risco e, assim, prejudicando o equilíbrio do contrato. No evento ocorrido, em nenhum momento foi afirmado que a causa do acidente foi a embriaguez da segurada, ficando evidente que, mesmo que a segurada não estivesse alcoolizada, o acidente poderia ter ocorrido.

2367 – Dano social – ação individual – julgamento extra petita – qualidade de representa­tiva de controvérsia – analogia – indenização devida

“Reclamação. Acórdão proferido por Turma Recursal dos Juizados Especiais. Resolução STJ nº 12/2009. Qualidade de representativa de controvérsia, por analogia. Rito do art. 543-C do CPC. Ação individual de indenização. Danos sociais. Ausência de pedido. Condenação ex officio. Julgamento extra petita. Condenação em favor de terceiro alheio à lide. Limites ob-jetivos e subjetivos da demanda (CPC arts. 128 e 460). Princípio da congruência. Nulidade. Procedência da reclamação. 1. Na presente reclamação a decisão impugnada condena, de ofício, em ação individual, a parte reclamante ao pagamento de danos sociais em favor de terceiro estranho à lide e, nesse aspecto, extrapola os limites objetivos e subjetivos da deman-da, na medida em que confere provimento jurisdicional diverso daqueles delineados pela autora da ação na exordial, bem como atinge e beneficia terceiro alheio à relação jurídica processual levada a juízo, configurando hipótese de julgamento extra petita, com violação aos arts. 128 e 460 do CPC. 2. A eg. Segunda Seção, em questão de ordem, deliberou por atribuir à presente reclamação a qualidade de representativa de controvérsia, nos termos do art. 543-C do CPC, por analogia. 3. Para fins de aplicação do art. 543-C do CPC, adota-se a

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seguinte tese: ‘É nula, por configurar julgamento extra petita, a decisão que condena a parte ré, de ofício, em ação individual, ao pagamento de indenização a título de danos sociais em favor de terceiro estranho à lide’. 4. No caso concreto, reclamação julgada procedente.” (STJ – RCl 12.062/GO – (2013/0090064-6) – 2ª S. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 20.11.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEPor configurar julgamento extra petita, torna-se nula a decisão que condena a parte ré, de ofício, em ação individual, ao pagamento de indenização a título de danos sociais em favor de terceiro estranho à lide. A tese foi definida pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça em julgamento submetido ao rito do art. 543-C do Código de Pro-cesso Civil, que trata dos recursos especiais repetitivos, mas neste caso foi aplicado por analogia a uma reclamação contra acórdão de turma recursal dos Juizados Especiais.

Consta dos autos que uma cliente ajuizou perante o Juizado Especial requerendo inde-nização por danos morais e materiais em decorrência de débitos em sua conta-corrente realizados pelo seu banco em 2011. O valor se referia à cobrança de anuidade de cartão de crédito não solicitado por ela.

A sentença condenou o banco na devolução em dobro do valor cobrado indevidamente, no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para a cliente, como reparação pelos danos morais, e de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o Conselho da Comunidade de Minaçu (GO), Município onde a cliente residia, a título de reparação de danos sociais, ainda que a ação individual não trouxesse nenhum pedido expresso quanto a isso.

O banco recorreu à Turma Recursal, que manteve a decisão de pagamento da indeniza-ção suplementar ao argumento de que agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos dos consumidores geram danos à sociedade, que configuram ato ilícito por exercício abusivo do direito.

Por se tratar de uma ação de Juizado Especial, não cabe recurso especial ao STJ. Con-tudo, o banco apresentou reclamação à Corte Superior para adequar a decisão da Turma Recursal à jurisprudência sobre o assunto.

Alegou que houve violação dos limites objetivos da ação proposta pela cliente.

O Relator destacou que o caso não configura nenhuma das duas hipóteses de cabimento de reclamação contra decisão de Turma Recursal: violação a enunciado de súmula ou a tese definida em recurso repetitivo. No entanto, trata-se de “decisão teratológica”, o que justifica a análise pelo STJ.

O Relator mencionou, ainda, que a doutrina moderna tem admitido, diante da ocorrência de ato ilícito, a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização por dano social. Seria uma categoria inerente ao instituto da responsabilidade civil, uma espécie de dano reparável decorrente de comportamentos socialmente reprováveis (pois dimi-nuem o nível social de tranquilidade), a ser reclamado pelos legitimados para propor ações coletivas.

No entanto, constatou que a indenização por dano social não poderia ser aplicada na hipótese. A comparação do pedido da ação com o provimento judicial deixa claro, para o Ministro do STJ, que houve julgamento extra petita – quando a decisão proferida dá algo diverso daquilo que foi requerido pela parte.

O Relator concluiu que a decisão extrapolou claramente os limites objetivos e subjetivos da demanda. Ele acrescentou que, mesmo que a cliente, autora da ação, falasse em condenação em danos sociais, o pedido não poderia ser julgado procedente, porque esbarraria em ausência de legitimidade para tanto.

A propósito, Antônio Junqueira de Azevedo assim leciona:

“Portanto, a nossa tese é bem clara: a responsabilidade civil deve impor indenização por danos individuais e por danos sociais. Os danos individuais são os patrimoniais, avaliáveis em dinheiro – danos emergentes e lucros cessantes –, e os morais – caracteri-

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zados por exclusão e arbitrados como compensação para a dor, para lesões de direito de personalidade e para danos patrimoniais de quantificação precisa impossível. Os danos sociais, por sua vez, são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixa-mento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral de pes-soa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população.” (DE AZEVEDO, Antônio Junqueira. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: FILOMENO, José Geraldo Brito; WAGNER JR., Luiz Guilherme da Costa; GONÇALVES, Renato Afonso (Coord.). O Código Civil e sua interdisciplinaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 376)

O STJ julgou procedente a reclamação para declarar a nulidade do julgado reclamado, no tocante à condenação do reclamante ao pagamento de indenização a título de danos sociais.

2368 – Desconsideração da personalidade jurídica – contra empresário individual – inexis­tência de sócio – separação patrimonial – inaplicabilidade

“Agravo de instrumento. Ação de execução fiscal ajuizada contra empresário individual. Inexistência de sócio. Não há separação patrimonial entre a pessoa física e a pessoa jurídica instituída. Desconsideração da personalidade jurídica. Inaplicabilidade à espécie. Agravo conhecido e provido. 1. O empresário individual, a fim de desempenhar regularmente sua atividade comercial, necessita de registro perante a Junta Comercial, ocasião em que não cria personalidade jurídica diversa, mas apenas passa a ostentar um nome distinto destinado especificamente às práticas empresariais para fins de tributação. 2. Revela-se inaplicável ao caso a desconsideração da personalidade jurídica, cujos requisitos encontram-se insculpidos no art. 50 do CC, haja vista que não estamos diante de pessoa jurídica distinta, e tampouco de sócio. O que se busca é a satisfação de obrigação tributária cujo devedor é pessoa física – empresário individual – que desempenha atividades negociais e que, em virtude disso, pas-sou apresentar-se no mercado através de firma individual. 3. Recurso conhecido e provido.” (TJCE – AI 22875-49.2005.8.06.0000/0 – Rel. Des. Washington Luis Bezerra de Araujo – DJe 08.10.2014)

2369 – Duplicata – endosso translativo – anuência do sacado – Súmulas nºs 282 e 356 do STF – incidência

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil e empresarial. Duplica-ta sem aceite. Endosso-translativo. Anuência do sacado. Ausência de prequestionamento. Boa-fé do endossatário. Reexame de matéria fático-probatória. Súmula nº 7/STJ. Decisão mantida pelos próprios fundamentos. Provimento negado. 1. Quanto à alegada anuência do sacado, ante a falta de prequestionamento, ainda que implícito, incide o princípio cristali-zado nas Súmulas nºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provi-mento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 272.221 – (2012/0266506-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 14.11.2014)

2370 – Duplicata – protesto indevido – endosso­mandato – dano moral – configuração

“Direito civil e empresarial. Apelação. Protesto indevido de duplicata. Endosso mandato. Danos morais. Configurados. Repetição de indébito. Inocorrência. 1. ‘O endossatário de títu-lo de crédito por endosso-mandato só responde por danos decorrentes de protesto indevido

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se extrapolar os poderes de mandatário’ (Súmula nº 476 do STJ). 2. O protesto indevido de duplicata caracteriza ato ilícito do qual decorrem danos morais indenizáveis, especialmente quando se considera o abalo do crédito de uma empresa que necessita do mercado para manter-se. 3. Reconhecida a prática de ato ilícito, o dano moral dele decorrente e o nexo de causalidade entre ambos, o Magistrado, ao arbitrar o valor da indenização, além de obser-var os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, deve ponderar o grau de ofensa produzido, a posição econômico-social das partes envolvidas, a prolongação da ilicitude, proporcionando a justa recomposição à vítima pelo abalo experimentado e, de outra parte, advertir o ofensor sobre sua conduta lesiva, mediante coerção financeira suficiente a dissu-adi-lo da prática reiterada do mesmo ilícito sem consubstanciar enriquecimento sem causa para a vítima. 4. Mostra-se incabível a aplicação da pena para pagamento em dobro do valor pago a maior, porquanto é devida a cobrança da duplicata concernente à prestação de ser-viços efetuada. 5. Deu-se parcial provimento ao recurso.” (TJDFT – Proc. 20090111632755 – (833189) – Relª Desª Leila Arlanch – DJe 21.11.2014)

2371 – Factoring – direito de regresso – cláusula contratual – impossibilidade

“Civil. Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Factoring. Direito de regresso. Cláusula contratual. Impossibilidade. Decisão mantida. 1. Consoante jurispru-dência desta Corte, o risco assumido pelo faturizador é inerente à operação de factoring, não podendo o faturizado ser demandado para responder regressivamente, salvo se tiver dado causa ao inadimplemento dos contratos cedidos. 2. Agravo regimental a que nega provimen-to.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 424.925 – (2013/0365025-8) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 29.10.2014)

2372– Factoring – empresa de natureza mercantil – registro – inexigibilidade

“Administrativo e processual civil. Embargos de divergência em recurso especial. Empresa de factoring. Atividade desenvolvida pela empresa de natureza eminentemente mercantil. Registro no Conselho Regional de Administração. Inexigibilidade. Embargos de divergência acolhidos, para que prevaleça a tese esposada no acórdão paradigma. 1. In casu, observa-se a ocorrência de divergência de teses jurídicas aplicadas à questão atinente à obrigatorie-dade (ou não) das empresas que desenvolvem a atividade de factoring em se submeterem ao registro no Conselho Regional de Administração; o dissídio está cabalmente comprova-do, haja vista a solução apresentada pelo acórdão embargado divergir frontalmente daquela apresentada pelo acórdão paradigma. 2. A fiscalização por Conselhos Profissionais almeja a regularidade técnica e ética do profissional, mediante a aferição das condições e habilitações necessárias para o desenvolvimento adequado de atividades qualificadas como de interesse público, determinando-se, assim, a compulsoriedade da inscrição junto ao respectivo órgão fiscalizador, para o legítimo exercício profissional. 3. Ademais, a Lei nº 6.839/1980, ao regu-lamentar a matéria, dispôs em seu art. 1º que a inscrição deve levar em consideração, ainda, a atividade básica ou em relação àquela pela qual as empresas e os profissionais prestem serviços a terceiros. 4. O Tribunal de origem, para declarar a inexigibilidade de inscrição da empresa no CRA/ES, apreciou o contrato social da empresa, elucidando, dessa maneira, que a atividade por ela desenvolvida, no caso concreto, é a factoring convencional, ou seja, a cessão, pelo comerciante ou industrial ao factor, de créditos decorrentes de seus negócios, representados em títulos. 5. A atividade principal da empresa recorrente, portanto, consiste em uma operação de natureza eminentemente mercantil, prescindindo, destarte, de oferta, às empresas-clientes, de conhecimentos inerentes às técnicas de administração, nem de ad-ministração mercadológica ou financeira. 6. No caso em comento, não há que se comparar

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a oferta de serviço de gerência financeira e mercadológica – que envolve gestões estraté-gicas, técnicas e programas de execução voltados a um objetivo e ao desenvolvimento da empresa – com a aquisição de um crédito a prazo – que, diga-se de passagem, via de regra, sequer responsabiliza a empresa-cliente – solidária ou subsidiariamente – pela solvabilidade dos efetivos devedores dos créditos vendidos. 7. Por outro lado, assinale-se que, neste caso, a atividade de factoring exercida pela sociedade empresarial recorrente não se submete a regime de concessão, permissão ou autorização do Poder Público, mas do exercício do di-reito de empreender (liberdade de empresa), assegurado pela Constituição Federal, e típico do sistema capitalista moderno, ancorado no mercado desregulado. 8. Embargos de diver-gência conhecidos e acolhidos, para que prevaleça a tese esposada no acórdão paradigma e, consequentemente, para restabelecer o acórdão do Tribunal de origem, declarando-se a inexigibilidade de inscrição da empresa embargante no CRA/ES.” (STJ – ED-REsp 1.236.002 – (2012/0105414-5) – 1ª S. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJe 25.11.2014)

2373 – Falência – ação rescisória – depósito prévio – não recolhimento

“Recurso especial. Processual civil. Falimentar. Ação rescisória. Inexistência de violação ao art. 535 do CPC. Acórdão devidamente fundamentado. Não recolhimento do depósito pré-vio (CPC, arts. 480, II, e 490, II). Violação. Decreto-Lei nº 7.661/1945, art. 208. Aplicação apenas ao processo falimentar. Peculiaridade do caso. Ponderação. Recurso especial co-nhecido e parcialmente provido. 1. Rejeita-se a alegada violação ao art. 535 do CPC, pois o eg. Tribunal de Justiça manifestou-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide. 2. Segundo a jurisprudência desta eg. Corte, o benefício previsto no art. 208 do Decreto-Lei nº 7.661/1945 restringe-se ao processo principal de falência ou concordata, não se estendendo às ações autônomas em que a massa falida seja parte. 3. Conforme o in-ciso II do art. 490 do CPC, a petição inicial será indeferida ‘quando não efetuado o depósito, exigido pelo art. 488, II’. Assim sendo, mostra-se descabido abrir-se o prazo previsto no art. 284 do CPC, para a hipótese de ausência de depósito em rescisória. 4. Na espécie, contudo, não se mostra possível a pronta aplicação da norma processual tratada, pois, já na inicial da ação rescisória, houve pedido expresso de dispensa do depósito, o que foi deferido pelo Tribunal a quo. O acolhimento desse pedido implicou em que, até esta parte, a ora recorrida ficou dispensada do mencionado depósito, pelo que não pode ser agora surpreendida com o indeferimento da inicial, sob pena de violação ao devido processo legal. No contexto, faz--se necessária a intimação da parte promovente para realização do depósito prévio da ação rescisória. 5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.028.519 – (2008/0025242-4) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 17.11.2014)

2374 – Falência – convocação de assembleia – alegação de impossibilidade

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Falência. Alegação de impossibilidade de convocação de assembléia rejeitada. Recurso especial não admitido na origem. Decisão mo-nocrática que conheceu de agravo para negar seguimento a recurso especial, por ausência de prequestionamento. Insurgência da massa falida. 1. Para que se configure o prequestiona-mento da questão federal suscitada no recurso especial, ‘não basta que o recorrente devolva o exame da questão controvertida para o Tribunal. É imprescindível que a causa seja decidi-da à luz da legislação federal indicada como violada, bem como seja exercido juízo de valor sobre os dispositivos legais indicados e a tese recursal a eles vinculada, interpretando-se a sua aplicação ou não ao caso concreto’ (AgRg-REsp 1.413.816/PE, Min. Assusete Magalhães, 2ª T., DJe 22.04.2014). 2. ‘A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento’ (Enunciado nº 320 da Súmula do STJ). 3. É pacífico na

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jurisprudência desta Corte Superior que, em casos como este, nos quais o Tribunal estadual, mesmo após a oposição de embargos declaratórios, não emite juízo de valor sobre o conte-údo normativo da legislação apontada como violada, cabe à parte prejudicada fundamentar seu apelo nobre na negativa de vigência ao art. 535 do CPC, requerendo a anulação do julgado e o retorno dos autos à Corte local para que supra a omissão em que incorreu. 3.1 Como a agravante não fundamentou seu recurso especial na alegação de ofensa ao art. 535 do CPC, não há como conhecer da insurgência. 4. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AI 1.400.779 – (2011/0059384-5) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 14.11.2014)

2375 – Falência – cumprimento de sentença – honorários devidos – administrador judicial – remuneração – despesas relativas

“Apelação. Falência. Cumprimento de sentença. Honorários devidos ao administrador ju-dicial. Recurso provido. A remuneração do administrador judicial é realizada nos moldes do art. 24 da Lei nº 11.101/2005, que regula a recuperação judicial e falência da sociedade empresarial. Cabe, pois, à massa falida, bem como os responsáveis pela empresa devedora, arcar com as despesas relativas à remuneração do administrador judicial e seus auxiliares.” (TJMG – AC 1.0024.13.308695-9/001 – 1ª C.Cív. – Relª Vanessa Verdolim Hudson Andrade – DJe 03.12.2014)

2376 – Falência – edital do leilão – descrição dos bens arrecadados – reprodução – nuli­dade

“Agravo de instrumento. Falência. Edital do leilão. Descrição dos bens arrecadados. Corres-pondência com a descrição contida no auto de arrecadação. Verificação. Carta de arremata-ção. Reprodução das especificações contidas no edital. Nulidade. Ausência. Desprovimento. O edital de leilão comunica que será levado a público o leilão dos bens arrecadados junto às Massas Falidas de Marialva Construtora Ltda. e Marialva Empreendimentos Ltda., razão pela qual, ao descrever de forma pormenorizada as benfeitorias e edificações do empreendimen-to denominado Lagoa Center, faz referência a prédio comercial e residencial, descrevendo cada um dos pavimentos do Shopping Center, da torre empresarial e daquilo que seria a torre residencial em construção. A Carta de Arrematação, a seu turno, se limita a reproduzir as especificações contidas no edital do leilão. Logo, não há que se falar tenha o edital do leilão ampliado a descrição do imóvel a ser leiloado ou incluído o que sequer havia sido arrecadado.” (TJMG – AI-Cv 1.0672.03.114323-9/083 – 5ª C.Cív. – Rel. Barros Levenhagen – DJe 04.11.2014)

2377 – Falência – impontualidade injustificada – insolvência econômica – demonstração – desnecessidade

“Direito empresarial. Falência. Impontualidade injustificada. Art. 94, inciso I, da Lei nº 11.101/2005. Insolvência econômica. Demonstração. Desnecessidade. Parâmetro. Insol-vência jurídica. Depósito elisivo. Extinção do feito. Descabimento. Atalhamento das vias ordinárias pelo processo de falência. Não ocorrência. 1. Os dois sistemas de execução por concurso universal existentes no direito pátrio – insolvência civil e falência –, entre outras diferenças, distanciam-se um do outro no tocante à concepção do que seja estado de insol-vência, necessário em ambos. O sistema falimentar, ao contrário da insolvência civil (art. 748 do CPC), não tem alicerce na insolvência econômica. 2. O pressuposto para a instauração de processo de falência é a insolvência jurídica, que é caracterizada a partir de situações objetivamente apontadas pelo ordenamento jurídico. No caso do direito brasileiro, caracte-riza a insolvência jurídica, nos termos do art. 94 da Lei nº 11.101/2005, a impontualidade

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injustificada (inciso I), execução frustrada (inciso II) e a prática de atos de falência (inciso III). 3. Com efeito, para o propósito buscado no presente recurso – que é a extinção do feito sem resolução de mérito –, é de todo irrelevante a argumentação da recorrente, no sentido de ser uma das maiores empresas do ramo e de ter notória solidez financeira. Há uma presunção le-gal de insolvência que beneficia o credor, cabendo ao devedor elidir tal presunção no curso da ação, e não ao devedor fazer prova do estado de insolvência, que é caracterizado ex lege. 4. O depósito elisivo da falência (art. 98, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005), por óbvio, não é fato que autoriza o fim do processo. Elide-se o estado de insolvência presumida, de modo que a decretação da falência fica afastada, mas o processo converte-se em verdadeiro rito de cobrança, pois remanescem as questões alusivas à existência e exigibilidade da dívi-da cobrada. 5. No sistema inaugurado pela Lei nº 11.101/2005, os pedidos de falência por impontualidade de dívidas aquém do piso de 40 (quarenta) salários-mínimos são legalmente considerados abusivos, e a própria lei encarrega-se de embaraçar o atalhamento processual, pois elevou tal requisito à condição de procedibilidade da falência (art. 94, inciso I). Porém, superando-se esse valor, a ponderação legal já foi realizada segundo a ótica e prudência do legislador. 6. Assim, tendo o pedido de falência sido aparelhado em impontualidade injus-tificada de títulos que superam o piso previsto na lei (art. 94, I, da Lei nº 11.101/2005), por absoluta presunção legal, fica afastada a alegação de atalhamento do processo de execução/cobrança pela via falimentar. Não cabe ao Judiciário, nesses casos, obstar pedidos de falên-cia que observaram os critérios estabelecidos pela lei, a partir dos quais o legislador separou as situações já de longa data conhecidas, de uso controlado e abusivo da via falimentar. 7. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.433.652 – (2013/0200388-3) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 29.10.2014)

2378 – Falência – protesto – intimação – cobrança de dívida – alegação – inocorrência

“Processual civil. Empresarial. Agravo de instrumento. Pedido de falência. Intimação do protesto feita ao devedor no endereço fornecido pelo apresentante do título. Identificação da pessoa que a recebeu. Regularidade do ato. Súmula nº 361 do STJ e art. 14 da Lei nº 9.492/1997. Alegação de cobrança de dívida revestido de pleito de quebra. Inocorrência. Procedimento realizado em conformidade com o art. 94 da Lei nº 11.101/2005. Recurso não conhecido, somente no que atine à alegação de desnecessidade de depósito elisivo e, no mérito, desprovido. Decisão mantida. 1. O cerne da questão em desate consiste em verificar a higidez da decisão recorrida, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara de Recuperação de Empresas e Falências da Comarca de Fortaleza/CE, que decretou a quebra da Empresa Moreira Holanda Ltda., aqui agravante. 2. Em primeira linha, anoto que a regu-laridade da intimação do devedor quanto ao protesto comprova-se pela indicação da pessoa que recebeu o instrumento, bem ainda com o endereço fornecido pelo apresentante do título ou documento, nos termos do regramento contido no Verbete Sumular nº. 361/STJ e art. 14 da Lei nº 9.492/1997. 3. Na espécie, observo que o ato supostamente maculado cumpriu sua finalidade legal e se encontra em consonância com as disposições normativas aplicáveis a caso, tendo em vista que a notificação foi enviada para o endereço da empresa agravante e há o apontamento da pessoa que a recebeu. 4. De outra face, não se pode olvidar que não é admitido pedido de falência que tenha natureza de cobrança. Entretanto, a meu sentir, a referida hipótese não ocorreu no caso em exame, uma vez que a instituição financeira agra-vada manejou o procedimento em consonância com o que preceitua o art. 94, inciso I, da Lei nº 11.101/2005. 5. Recurso não conhecido, somente no que atine à desnecessidade de depósito elisivo e, no mérito, desprovido, mantendo incólume a decisão objurgada.” (TJCE – AI 0075283-70.2012.8.06.0000 – Relª Lisete de Sousa Gadelha – DJe 07.10.2014)

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2379 – Fiança bancária – validade por tempo determinado – prazo escoado – execução da garantia – perda do objeto

“Processual civil. Tributário. Validade de fiança bancária por tempo determinado. Prazo de validade escoado. Execução da garantia. Perda do objeto. 1. Na origem, cuida-se de mandado de segurança impetrado com o objetivo de ‘determinar que a autoridade coatora promova todos os atos necessários ao desembaraço dos sete contêineres amparados pela DI 12/1194581-4’. 2. A concessão da segurança pelo juízo de primeira instância decorreu da presunção de que o procedimento fiscal estaria concluído antes de expirada a validade da fiança bancária, o que afastaria a necessidade de prestação da garantia por tempo indeter-minado. O entendimento foi reiterado no Tribunal de origem. 3. A fiança bancária dada em garantia já teve seu prazo de validade expirado em 02.09.2014, sendo que a Fazenda Nacio-nal já tomou as devidas providências para executar a garantia antes de seu vencimento. Tal providência foi reportada à esta Corte quando as afiançadas ajuizaram a Medida Cautelar nº 23102/SC visando que a Fazenda Pública se abstivesse de exigir a execução da fiança, sendo indeferida a pretensão. 4. Diante do contexto delineado, onde é incontroverso que a Fazenda Pública já providenciou a execução da fiança bancária antes de seu vencimento, reitera-se entendimento no sentido de que o recurso especial perdeu seu objeto, visto que a declaração de imprestabilidade da fiança em nada socorreria à Fazenda Nacional, pois com a execução da fiança, passou o órgão fazendário a possuir, em garantia, dinheiro, que tem prevalência sobre a fiança bancária. 5. Improcedente ainda a alegação da agravante de que ‘no período em que há garantia do crédito, a exigibilidade fica suspensa e o contribuinte pode, inclusive, ter acesso a certidões positivas com efeito de negativas’, pois ‘a fiança bancária não é equi-parável ao depósito integral do débito exequendo para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ante a taxatividade do art. 151 do CTN e o teor do Enunciado Sumu-lar nº 112 desta Corte’ (REsp 1123669/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, Julgado em 09.12.2009, DJe 01.02.2010 – submetido ao rito dos recursos repetitivos). Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.462.823 – (2014/0151521-9) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 17.11.2014)

2380 – Grupo empresarial – penhora do faturamento – excepcionalidade – operações com cartão de crédito – viabilidade; operações com cartão de débito – impossibilidade

“Processual civil. Tributário. Agravo de instrumento. Exceção de suspeição. Não conhecida. Intempestividade. Situação de urgência. Justificativa. Medida cautelar fiscal. Grupo empresa-rial. Penhora do faturamento. Excepcionalidade. Operações com cartão de crédito. Viabili-dade. Operações com cartão de débito. Impossibilidade. Limitação física e jurídica. Dinheiro e cheque. Intervenção na sociedade. 1. Nos termos do art. 266 do CPC, não padecem de nulidade as decisões de caráter urgente que venham a ser proferidas pelo Magistrado excep-to, enquanto ainda pendente de resolução da exceção de suspeição ajuizada. 2. O fatura-mento da empresa, que não é igual a dinheiro, é expectativa de receita ainda não realizada, somente passível de penhora em situação excepcional, quando não encontrado qualquer bem penhorável. 3. Demonstrada a ineficácia de determinações judiciais anteriores, que objetivaram a constrição patrimonial, em razão das manobras perpetradas pela sociedade ora agravante, é adequado o comando que prevê a ampliação do espectro de abrangência da penhora sobre o faturamento parcial da sociedade, de modo que possa atingir não somente os valores faturados em operações com cartões, senão também todos os valores que, com-provadamente, caracterizem faturamento. 4. A determinação para a arrecadação indiscri-minada de dinheiro em espécie e de cheques encontrados nos estabelecimentos comerciais afigura-se violadora dos direitos de propriedade e de exploração da atividade econômica da

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sociedade, e tem aptidão para acarretar danos patrimoniais a terceiros, caso dos fornecedores e dos empregados e colaboradores. 5. A medida constritiva de direitos atinente ao arresto de dinheiro em espécie e de cheques que estiverem no caixa dos estabelecimentos comer-ciais pressupõe ato de intervenção no comando da sociedade agravante, possível apenas em situações excepcionais e mediante a nomeação de um administrador/síndico/depositário, dado o seu caráter invasivo. 6. Agravo de instrumento a que se dá parcial provimento.” (TRF 1ª R. – AI 0000291-44.2014.4.01.0000/DF – Relª Desª Fed. Maria do Carmo Cardoso – DJe 28.11.2014)

2381 – Juros – capital próprio – dedução – possibilidade

“Processual civil. Agravo inominado. Art. 557, § 1º, do CPC. Mandado de segurança. De-dução de juros sobre o capital próprio da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, art. 9º, Lei nº 9.219/1995. Possibilidade a partir do ano-calendário de 1997. Concessão da segurança. Agravo improvido. 1. Verifica-se, do acima exposto, que a ora agravante, em seu recurso, não aduz qualquer acréscimo apto a modificar o entendimento esposado na decisão. 2. Con-soante os termos da Lei nº 6.404/1976, art. 7º, o capital social da sociedade por ações poderá ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro. 3. No curso do desenvolvimento da atividade empresarial, em face de interesses mercadológicos e de oscilações econômicas, tanto as sociedades limitadas como as anônimas necessitam de investimento de capital, para alcançar os seus anseios produtivos/expansivos/estruturais. 4. Para o caso específico dos autos, figurando como impetrante uma sociedade anônima, os aportes poderão ser realizados por terceiros (fora do quadro social) ou pelos próprios acionistas, sendo que, na primeira hipótese, necessariamente o montante será exigido na forma pactuada (in exemplis, na emissão de debêntures), quando, na segunda modalidade, em regra, o montante não é exigível (deixa o acionista/investidor de receber di-videndo pelo resultado lucrativo, reinvestindo o capital). 5. Vigendo no mundo globalizado o predomínio do padrão econômico capitalista, patente que o uso da importância investida tem um preço, este a estar representado, pela forma mais corriqueira de acréscimo, pelos juros. 6. Ou seja, os juros sobre capital próprio nada mais são do que as despesas que a so-ciedade anônima possui em relação à remuneração (juros) das quantias pelos seus acionistas aplicadas, a título de investimento na própria sociedade. 7. Importante diferenciação merece ser destacada, porque os juros sobre capital próprio não se confundem com o pagamento de dividendos, estes últimos, no conceito do Professor Rubens Requião, a representarem ‘a par-cela de lucro que corresponde a cada ação. Verificado o lucro líquido da companhia, pelo balanço contábil, durante o exercício social fixado no estatuto, a administração da sociedade deve propor à assembleia-geral o destino que se deva dar. Se for esse lucro distribuído aos acionistas, tendo em vista as ações, surge o dividendo. Até então o acionista teve apenas expectativa do crédito dividendual. Resolvida a distribuição, surge o dividendo integrado pelo pagamento, no patrimônio do acionista’ (Curso de direito comercial, 23. ed., 2º v., p. 243, Editora Saraiva). Precedente. 8. Em plano normativo, o art. 9º da Lei nº 9.249/1995 expressamente permitiu a dedução, para fins de apuração do lucro real, dos juros pagos a título de capital próprio aos acionistas. 9. Primordialmente os §§ 9º e 10 de referido artigo faziam distinção para a dedução implicada, no caso de apuração da base de cálculo da CSLL. 10. Referidos §§ foram revogados pela Lei nº 9.430/1996, significando dizer que, a partir do ano 1997 (os exercícios considerados pela recorrente são 1997, 1998, 1999 e 2000), não mais existiu no sistema vedação para a dedução dos juros pagos sobre capital próprio da base de cálculo o IRPJ e da CSLL, inexistindo imposição para que os juros sejam pagos no

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mesmo exercício. 11. Trata-se de expresso permissivo legal para que referida despesa seja deduzida da base de cálculo dos tributos em cena, observada a disposição do § 1º do art. 9º da Lei nº 9.249, a impor que o pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existên-cia de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados, bem como frise-se que § 2º estabelece que os juros ficarão sujeitos à incidência do Imposto de Renda na fonte, à alíquota de quinze por cento, na data do pagamento ou crédito ao beneficiário. 12. Patente a existência de direito líquido e certo da pessoa jurídica apelante à dedução, para efeito de apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSL, dos juros sobre capital próprio pagos aos acionistas em 2001, relativamente aos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000, consoante o v. entendimento pretoriano. Precedentes. 13. Merece relevo, ou-trossim, a consideração tecida pelo Professor Rubens Requião acerca dos juros sobre capital próprio: ‘Apesar da perplexidade causada pelos juros para remuneração de capital próprio, sem dúvida que representam um estímulo, um incentivo à remuneração (em sentido leigo) do acionista ou sócio, com a possibilidade de seu montante ser abatido como despesa, o que não acontece com o dividendo. Com a vantagem complementar, para o Fisco, que tributa na fonte o seu pagamento’ (Curso de direito comercial, 23. ed., 2º v., p. 250, Editora Saraiva). 14. Agravo inominado improvido.” (TRF 3ª R. – Ag-AC 0001680-63.2002.4.03.6100/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Márcio Moraes – DJe 08.01.2015)

2382 – Juros remuneratórios – negócios jurídicos bancários – período da inadimplência – limitação à taxa pactuada

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Negócios jurídicos bancários. Juros remu-neratórios. Período da inadimplência. Limitação à taxa pactuada. REsp 1.063.343/RS, jul-gado pelo rito do art. 543-C do CPC. Adequação da decisão agravada. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 478.739 – (2014/0037554-2) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 15.12.2014 – p. 1930)

2383 – Liquidação extrajudicial – exclusão de associado – Cetip – autorização do Bacen – desnecessidade

“Recurso especial. Civil e empresarial. Exclusão de associado. Cetip. Liquidação extraju-dicial. Autorização do Banco Central. Desnecessidade. Alteração do estatuto. Alegação de nulidade. Óbice das Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 1. Controvérsia acerca da licitude no procedi-mento de exclusão de membro da associação que deu origem à Cetip. 2. Desnecessidade de autorização do Banco Central do Brasil para se impor a sanção de exclusão dos quadros associativos uma instituição financeira, mesmo em liquidação extrajudicial, por não se tratar de alienação de cotas. Inaplicabilidade do disposto no art. 16, § 1º, da Lei nº 6.024/1974. 3. Ausência de previsão no Código Civil de 1916, diversamente do Código Civil de 2002 (art. 57), de regras acerca do procedimento de exclusão de associado, regendo-se a matéria exclusivamente pelas disposições estatutárias. 4. Inviabilidade de se contrastar, no âmbito desta Corte Superior, as conclusões do Tribunal a quo acerca da validade da deliberação assemblear que alterou o estatuto e da validade da intimação do associado por edital, pois tal providência demandaria reexame de provas e exegese de disposições estatutárias, o que encontra óbice nas Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 5. Precedente específico do STJ. 6. Recurso espe-cial desprovido.” (STJ – REsp 1.349.261/RJ – (2012/0172869-4) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 19.11.2014)

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Comentário Editorial SÍNTESEO presente acórdão trata de recurso especial interposto pelo recorrente em face de acór-dão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado:

“Direito empresarial. Nulidade de ato jurídico. Ausência. Apelação desprovida. 1. Não havendo necessidade de outras provas além das produzidas nos autos, não é nula a sen-tença que julga antecipadamente a lide. 2. Não negam as apelantes sua inadimplência. 3. O procedimento que conduziu à sua exclusão da primeira apelada não padece de qualquer nulidade, tendo observado as regras estatutárias previstas. 4. Apelação a que se nega provimento.”

Foram opostos embargos de declaração e rejeitados.

Nas razões, o recorrente alegou violação dos arts. 16, § 1º, da Lei nº 6.024/1974, 57 do Código Civil, 232, inciso III, do Código de Processo Civil e 5º, incisos LIV e LV, da Constituição, sob os argumentos de: (a) falta de autorização do Banco Central para o cancelamento das cotas; (b) nulidade da deliberação assemblear de 20.03.2001; (c) nulidade do procedimento administrativo.

Argumentou, ainda, que o cancelamento das cotas sociais dependeria de autorização prévia do Banco Central, já que a instituição estava submetida ao regime de liquidação extrajudicial, conforme disposto no art. 16, § 1º, da Lei nº 6.024/1974.

Diz o dispositivo que, “com prévia e expressa autorização do Banco Central do Brasil, poderá o liquidante, em benefício da massa, ultimar os negócios pendentes e, a qual-quer tempo, onerar ou alienar seus bens, neste último caso através de licitação”.

Ao analisar esse dispositivo, o Tribunal a quo concluiu pela desnecessidade de autori-zação do Banco Central, uma vez que o cancelamento das cotas decorreu de sanção aplicada por inadimplemento, e não de uma alienação.

O Tribunal a quo estabeleceu correta distinção entre alienação de cotas e imposição de sanção de exclusão da sociedade, razão pela qual deve ser integralmente mantido quanto a esse ponto.

Com base no art. 16, § 1º, da Lei nº 6.024/1974, o Relator observou que não se aplica ao caso julgado, e é dispensável a autorização do Banco Central para se impor sanção de exclusão de uma instituição financeira dos quadros associativos, mesmo em liquidação extrajudicial, por não se tratar de alienação de cotas.

O Superior Tribunal de Justiça manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmando a exclusão da recorrente dos quadros da CETIP com base nas regras esta-tutárias da sociedade.

Vale trazer trecho do voto do Relator:

“Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado:

‘AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – CETIP EDUCACIO-NAL – ASSOCIAÇÃO CIVIL – ASSEMBLEIA-GERAL – MODIFICAÇÕES PREVISTAS NO ESTATUTO SOCIAL PREVENDO APLICAÇÃO DE PENALIDADES – INTIMAÇÃO DO ASSOCIADO INATIVO INADIMPLENTE – OCORRÊNCIA – CANCELAMENTO DA COTA SOCIAL – ANÁLISE DOS ELEMENTOS FÁTICO-PROBATÓRIOS DOS AUTOS E DO ES-TATUTO SOCIAL – ÓBICE DAS SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ – 1. Não há falar em afronta ao art. 535 do CPC se o Tribunal de origem examinou os aspectos delineados na lide e apresentou os fundamentos fáticos e jurídicos nos quais apoiou suas conclusões. 2. Para que se configure o prequestionamento da matéria, há que se extrair do acórdão recorrido pronunciamento sobre as teses jurídicas em torno dos dispositivos legais tidos como violados, a fim de que se possa, na instância especial, abrir discussão sobre de-terminada questão de direito, definindo-se, por conseguinte, a correta interpretação da legislação federal. 3. Na hipótese, para se chegar a conclusão diversa da adotada pela instância ordinária, não se reconhecendo a inércia da agravante, ao argumento de falta de intimação quanto à sua mora e quanto à data da assembleia-geral da sociedade,

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bem como pela impossibilidade de alteração de dispositivos estatutárias, nos termos do estatuto social, demandaria o revolvimento fático-probatório dos autos e das cláusulas do contrato social, o que encontra óbice nas Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. 4. Agravo regi-mental a que se nega provimento.’ (AgRg-AREsp 29.320/RJ, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 27.06.2012)”

2384 – Monitória – alteração de endereço – falta de comunicação junto à Junta Comercial – fato não comprovado – Súmula nº 435 do STJ – inaplicabilidade

“Civil. Agravo de instrumento. Monitória. Alteração de endereço sem comunicação à Junta Comercial. Fato não comprovado. Súmula nº 435 STJ. Inaplicabilidade. Desconsideração da personalidade jurídica. Impossibilidade, até porque não comprovada a desconstituição irregular da sociedade empresarial. Agravo improvido. 1. A desconsideração da personali-dade jurídica da sociedade constitui medida excepcional, aplicável somente nos casos em que evidenciadas as circunstâncias legalmente definidas. No direito positivo, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica disregard doctrine está disciplinada no art. 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas, no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, no art. 4º da Lei nº 9.605/1998 e no art. 50 do CC/2002. 2. O art. 50 do Código Civil dispõe que, ‘em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas rela-ções de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da empresa jurídica’. 3. Assegura-se a desconsideração da personalidade jurídica de sociedades empresárias que interrompem suas atividades ou alterem sua localização, sem providenciar a competente baixa junto ao registro público de empresas mercantis. Presume-se, nestes casos, que houve uma dissolução irregular da empresa. 3.1. Orientação da Súmula nº 435 do STJ: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da exe-cução fiscal para o sócio-gerente. 4. No presente caso, não houve a devida comprovação da alteração do endereço da agravada, tampouco não se comunicou tal fato aos órgãos competentes. 4.1. Não restando evidente a alteração de endereço, especialmente pela falta de documentos no presente recurso, não há se falar em desconsideração da personalidade jurídica. 5. Recurso improvido.” (TJDFT – Proc. 20140020160203 – (823822) – Rel. Des. João Egmont – DJe 09.10.2014)

2385 – Patente pipeline – INPI – prazo de vigência

“Agravo regimental no recurso especial. Mandado de segurança contra ato do diretor de pa-tentes do INPI. Patentes pipeline. Discussão sobre o prazo de vigência. Consideração do pri-meiro depósito realizado no exterior, ainda que posteriormente abandonado. Jurisprudência pacífica do STJ sobre o tema. Decisão monocrática que deu provimento ao recurso especial do INPI. Insurgência da empresa impetrante. 1. A Segunda Seção desta Corte decidiu, no julgamento do REsp 731.101/RJ, relatado pelo Ministro João Otávio de Noronha, que ‘a Lei de Propriedade Industrial, em seu art. 230, § 4º, c/c o art. 40, estabelece que a proteção ofere-cida às patentes estrangeiras, chamadas patentes pipeline, vigora “pelo prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido”, até o prazo máximo de proteção concedido no Brasil – 20 anos – a contar da data do primeiro depósito no exterior, ainda que posteriormente abandonado’. Esse entendimento vem sendo reiterado pelas Terceira e Quarta Turmas. 2. Estando as decisões das instâncias ordinárias em manifesto confronto com a jurisprudência dominante desta Corte Superior sobre o tema objeto da lide, pode o relator

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dar provimento ao recurso especial em decisão monocrática, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.207.571 – (2010/0141781-0) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 14.11.2014 – p. 482)

2386 – Plano de saúde empresarial – cancelamento por culpa da empresa – repasse dos valores descontados – ausência

“Plano de saúde empresarial. Cancelamento do plano por culpa da empresa. Ausência de repasse dos valores descontados do salário do reclamante para pagamento do benefício. Au-sência de cobertura para tratamento médico, inclusive intervenção cirúrgica. O reclamante sofreu lesão no joelho, decorrente de acidente automobilístico, o que ensejou a necessidade de intervenção cirúrgica, não realizada por ausência de cobertura do plano de saúde em-presarial em razão da empresa não repassar valores descontados do salário para pagamento do benefício que, embora voluntário, aderiu ao contrato de trabalho. A inadimplência da ré, consentânea ao contrato de trabalho, constituiu conduta culposa (ato ilícito) que provocou alteração contratual ilícita (nexo causal), configurando ofensa à saúde e à dignidade do em-pregado (dano) em razão do mesmo ficar privado de tratamento médico quando dele mais necessitava.” (TRT 22ª R. – Proc. 0001778-08.2013.5.22.0003 – Relª Desª Enedina Maria Gomes dos Santos – DJe 08.01.2015)

2387 – Protesto – duplicata prescrita – ação de indenização por danos morais – decisão monocrática

“Agravo regimental no agravo regimental em recurso especial. Ação de indenização por da-nos morais. Protesto de duplicata prescrita. Decisão monocrática que reconsiderou anterior pronunciamento a fim de dar parcial provimento ao recurso especial do autor. Insurgência do credor. 1. O protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o des-cumprimento de obrigação originada em título e outros documentos de dívida, sendo hígido quando a obrigação estampada no título se revestir de certeza, liquidez e exigibilidade. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que o protesto de título de crédito prescri-to enseja o pagamento de indenização por dano moral, que inclusive se configura in re ipsa. Precedentes. A duplicata prescrita serve apenas como princípio de prova da relação jurídica subjacente que deu ensejo a sua emissão, não possuindo a necessária certeza e exigibilidade que legitimam o portador a exigir seu imediato pagamento e, por conseguinte, a fazer prova do inadimplemento pelo protesto. 2. Em que pese o art. 9º da Lei nº 9.492/1997 estabelecer que não cabe ao tabelião investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade, é preciso ob-servar a inovação legislativa causada pelo advento da Lei nº 11.280/2006, que alçou a pres-crição ao patamar das matérias de ordem pública, cognoscíveis de ofício pelo juiz, passando, portanto, o exame da prescrição a ser pertinente à observância da regularidade formal do título, condição para o registro de protesto, como exige o parágrafo único do mesmo art. 9º da Lei nº 9.492/1997. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AgRg-REsp 1.100.768 – (2008/0242316-9) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 17.11.2014)

2388 – Protesto – sustação – ação declaratória – nulidade de título – endosso do cheque

“Recurso especial. Comercial. Ação declaratória de nulidade de título com pedido de sus-tação de protesto. Endosso do cheque. Circulação. Princípios da autonomia e da abstração dos títulos de crédito (CC/2002, arts. 915 e 916; Lei nº 7.357/1985; Lei do Cheque, art. 25). Verificação da causa subjacente do negócio jurídico. Oposição de exceções pessoais ao portador do título endossado. Hipótese de comprovação de má-fé. Não ocorrência no caso. Recurso especial provido. 1. De acordo com o que dispõem o Código Civil de 2002, em seus

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arts. 915 e 916, e a Lei do Cheque, em seu art. 25, o devedor somente pode opor ao portador as exceções fundadas em relação pessoal com este ou em relação ao título, em aspectos formais e materiais. Nada pode opor ao atual portador relativamente a relações pessoais com os portadores precedentes ou mesmo com o emitente do título. 2. A única ressalva legal, que viabiliza as exceções mencionadas, tem cabimento quando o portador estiver agindo de má-fé, circunstância que não se verifica na espécie. 3. Recurso especial conhecido e provido para julgar improcedente a ação declaratória de nulidade de títulos e de sustação de protesto.” (STJ – REsp 889.713 – (2006/0206958-1) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 17.11.2014 – p. 1650)

2389 – Recuperação judicial – bens oferecidos em garantia mediante alienação fiduciária – continuidade da execução – possibilidade

“Agravo regimental em conflito de competência. Recuperação judicial. Busca e apreensão. Bens oferecidos em garantia mediante alienação fiduciária. Não submissão aos efeitos da recuperação judicial. Continuidade da execução. Possibilidade. 1. O credor titular da posi-ção de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis não se sujeita aos efeitos da recu-peração judicial (art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005). 2. Não ocorrência, na hipótese, de peculiaridade apta a recomendar o afastamento circunstancial da regra, porquanto não de-monstrado que o objeto da busca e apreensão envolva bens de capital essenciais à atividade empresarial, de maneira a atrair a exceção contida no § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-CC 128.658 – (2013/0197821-9) – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 06.10.2014)

2390 – Recuperação judicial – sociedade empresarial – constrição patrimonial – compe­tência – juízo universal – reserva de Plenário – violação – inexistência

“Agravo regimental no conflito positivo de competência. 1. Recuperação judicial. Deferi-mento. Execução fiscal. Constrição patrimonial. Competência. Juízo universal. 2. Reserva de Plenário. Violação. Inexistência. 3. Agravo regimental desprovido. 1. Nos termos da pacífica jurisprudência da Segunda Seção desta Corte Superior, embora a execução fiscal não se sus-penda em virtude do deferimento da recuperação judicial, os atos que importem em constri-ção do patrimônio da sociedade empresarial devem ser analisados pelo juízo universal, a fim de garantir o princípio da preservação da empresa. 2. Inexistência de violação à cláusula de reserva de Plenário (art. 97 da CF e Súmula Vinculante nº 10/STF), pois a decisão agravada apenas realizou uma interpretação sistemática dos dispositivos legais aplicáveis ao caso con-creto. Precedentes desta Corte e do STF. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-CC 132.717 – (2014/0046619-5) – 2ª S. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 19.11.2014)

2391 – Relação empresarial – prova testemunhal – contradita – inimizade capital – não configuração – CDC – inaplicabilidade

“Direito processual civil. Agravo retido. Prova testemunhal. Contradita. Inimizade capital não configurada. Suspeição inexistente. Direito civil e do consumidor. Relação empresarial. Inaplicabilidade do CDC. Prestação de serviços. Inadimplemento não demonstrado. Respon-sabilidade civil não reconhecida. I – Segundo prescreve o art. 405, § 3º, III, do Código de Processo Civil, somente o inimigo capital da parte pode ser considerado suspeito. II – O fato da litigância trabalhista, desprovido de qualquer outro subsídio apto a demonstrar inimizade aberta e profunda, não pode respaldar a suspeição da testemunha. III – A Lei nº 8.078/1990, ao delinear o conceito de consumidor com manifesta preferência pela teoria finalista, não permite a expansão dos seus domínios normativos a situações ou relações jurídicas de na-

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tureza empresarial. IV – Demonstrando o conjunto probatório a prestação dos serviços con-tratados, não se pode reconhecer o inadimplemento imputado e a existência de danos ma-teriais ou morais. V – Apelação conhecida e desprovida.” (TJDFT – Proc. 20120111064899 – (823558) – Rel. Des. James Eduardo Oliveira – DJe 10.10.2014)

2392 – Sociedade – objeto social – cisão de empresa – hipótese de sucessão – falta de pre­visão legal

“Processo civil. Tributário. Agravo de instrumento. Agravo legal. Cisão de empresa. Hipótese de sucessão não prevista no art. 132 do CTN. Consoante documentação trazida aos autos, que a Empresa. Dedini Metalúrgica S.A. teve uma cisão parcial, realizada em julho de 1996, ocasião em que a já extinta Badoni ATB Indústria Metalmecânica assumiu parte de seu pa-trimônio e foi transformada na M. Dedini Participações Ltda. em junho de 1997 (fls. 40). Por seu turno, em 11.12.1996, a Empresa Badoni ATB Indústria Metalmecânica foi incorporada pela então DZ S/A Engenharia, Equipamentos e Sistemas, hoje Dedini S/A Equipamentos e Sistemas (CNPJ 67.541.961/0001-84). Conforme ficha cadastral da Jucesp (fls. 16/19), a executada M. Dedini Participações Ltda., CNPJ 44.813.863/0001-53, iniciou atividades em 26.05.1997, com objeto social classificado em ‘outras atividades profissionais, científicas e técnicas não especificadas anteriormente’, tendo entre os sócios a NG Metalúrgica Ltda., com participação majoritária de R$ 78.609.990,00 no capital social de R$ 78.610.000,00. Após transformação da M. Dedini Participações Ltda. em M. Dedini S.A. Metalúrgica em 16.06.1997, a empresa foi cindida parcialmente, com transferência de parte de seu patrimô-nio para a NG Metalúrgica Ltda., conforme ato arquivado em 02.10.1997, a qual manteve participação majoritária (fls. 17). Em 23.11.1998, foi arquivada na Jucesp nova cisão parcial, com transferência de parte do patrimônio da M. Dedini para a NG, sendo reduzido o capital social a R$ 60.000,00, dos quais a NG manteve participação de R$ 59.997,00, adquirindo quase a integralidade do patrimônio da cindida. Em 15.07.1999, a executada alterou sua denominação social, novamente para M. Dedini Participações Ltda. quando, então, a NG retirou-se da sociedade, com modificação do objeto social, sendo o último ato arquivado na Jucesp em 30.01.2003 (fls. 17). A NG Metalúrgica Ltda., CNPJ 01.939.979/0001-20, me-diante quinta alteração do contrato social (fls. 167/173), aprovou o ‘Protocolo de Cisão e Incorporação’, firmado em 28.10.1998, com relação à parte do patrimônio da M. Dedini, avaliado no montante de R$ 15.825.418,42. A cláusula 7 do ‘Protocolo de Cisão e Incorpo-ração’ declarou que a NG Metalúrgica Ltda. recebe os bens da M. Dedini Metalúrgica Ltda., na condição de sucessora, respondendo com ela por todas as obrigações existentes, a partir desta data sendo que a M. Dedini Metalúrgica Ltda., se compromete no prazo de 30 dias a desonerar todas as hipotecas e qualquer ônus que recaiam sobre os imóveis transferidos, liberando-os para registro de escritura pública a ser outorgada em favor da NG Metalúrgica Ltda. (fls. 169). Consoante consignado na decisão agravada, diante da antiga redação do art. 185 do CTN, antes do advento das modificações introduzidas pela LC 118/2005, o caso em foco não se subsume a hipótese de fraude à execução, uma vez que a oneração ou alienação dos imóveis, conquanto não regularmente formalizada, ocorreu antes do ajuizamento da execução fiscal Neste juízo de cognição estreita, evidencia-se esquema de esvaziamento pa-trimonial da executada M. Dedini S/A Participações Ltda. e de seus sócios, o que se demons-tra por meio de diversas cisões parciais sofridas pela executada e pelas empresas do grupo. É questão incontroversa a cisão parcial, por duas vezes, abrangendo quase a integralidade do patrimônio da empresa cindida, o que caracteriza sucessão tributária entre a executada M. Dedini Participações Ltda. e a NG Metalúrgica Ltda., independentemente da existência de cláusula expressa de transferência de dívidas fiscais. Diante da documentação trazida aos autos, a NG Metalúrgica responde, de forma solidária, pelas obrigações contraídas antes da

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cisão, a teor do que dispõe o art. 132 do CTN. Entrementes, em que pese o art. 132 do CTN não fazer menção expressa à modalidade cisão, tendo em vista que seu conceito somente foi normatizado após a edição do CTN, pela Lei nº 6.404/1976, não pode ser afastada sua inclusão dentre as hipóteses de responsabilidade tributária por sucessão. Destarte, é aplicá-vel à cisão a norma do art. 132 do CTN, sob o argumento de que o termo ‘transformação’ deve ser interpretado em sentido amplo, sendo gênero do fenômeno sucessão empresarial em que a cisão é sua espécie. Consolidada a jurisprudência no sentido de que é solidária a responsabilidade por sucessão tributária prevista no art. 132 do CTN, respondendo a empre-sa que adquire o patrimônio pelos débitos fiscais anteriores da alienante, seja nas hipóteses de cisão, fusão, transformação ou incorporação, não se aplicando o disposto no parágrafo único do art. 233 da Lei nº 6.404/1976 às obrigações de natureza tributária, acerca das con-venções particulares (REsp 1237108, Rel. Min. Castro Meira, DJe 12.09.2013; REsp 852972, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 08.06.2010; REsp 970585, Rel. Min. José Delgado, DJe 07.04.2008). Nessa mesma linha, afirma-se que o art. 5º do Decreto-Lei nº 1.598/1977 esta-beleceu expressamente a responsabilidade tributária no caso de cisão, seja parcial ou total, aplicando-se a todos os tributos, embora o aludido decreto-lei se refira à alteração da legis-lação do imposto sobre a renda. Não obstante, o instituto da cisão não esteja textualmente indicado no art. 132 do CTN, é de aplicação obrigatória, diante da similitude de situações, o que também se explica pelo fato de a cisão ter surgido apenas com a Lei nº 6.404/1976, que é posterior ao CTN. A agravada responde solidariamente pelos débitos da outra empresa adquirida pelos fatos imponíveis ocorridos até a data da cisão. Imperiosa se faz a manuten-ção da penhora incidente sobre os imóveis de matrículas nºs 1535, 1536 e 1537, junto ao 1º Cartório de Registro de Imóveis de Piracicaba, os quais foram transferidos à parte agravada, qual seja, NG Metalúrgica Ltda. Agravo legal a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – Ag-AI 0033114-22.2011.4.03.0000/SP – 11ª T. – Rel. Des. Fed. José Lunardelli – DJe 09.12.2014)

2393 – Sociedade empresarial – antecipação de tutela – garantia da administração da sócia – divergência

“Sociedade empresarial. Antecipação de tutela para garantir a administração da sócia. Con-sonância da medida com a própria previsão do contrato social. Divergência ocasionada pela outorga de procuração ao filho da sócia que já se discute em outra demanda. Acesso à gestão da empresa que deve ser garantido. Decisão mantida. Agravo de instrumento desprovido.” (TJSP – AI 2109777-95.2014.8.26.0000 – São Paulo – 1ª C. – Rel. Claudio Godoy – DJe 17.10.2014)

2394 – Sociedade empresarial – vícios ou irregularidades – falta de demonstração – nulida­de – não configuração

“Civil. Apelação cível. Sociedade empresarial. Formação e existência. Nulidade não confi-gurada. Indenização por danos materiais e danos morais. Ausência. 1. A responsabilidade pelas dívidas adquiridas pela sociedade empresarial é de todos os sócios se não demons-trados quaisquer vícios ou irregularidades na formação e existência da affectio societatis. 2. Recurso desprovido.” (TJDFT – Proc. 20110610125040 – (825239) – Rel. Des. Mario-Zam Belmiro – DJe 15.10.2014)

2395 – Sociedade limitada – pedido de tutela antecipada – afastamento de sócio minoritá­rio – intervenção judicial – desnecessidade

“Sociedade limitada. Pedido de tutela antecipada, para o fim de afastamento de sócio mino-ritário, titular de apenas 1% do capital social, da função de administrador. Inicial que não prima pela clareza e cumula diversos pedidos, alguns ligados à sociedade, outros à aquisi-

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ção de imóveis, supostamente maculados por vícios de consentimento. Desnecessidade de intervenção judicial, vez que a destituição de sócio administrador minoritário pode se dar em assembleia com quórum de 2/3 do capital social (art. 1.063 do CC). Recurso não provi-do.” (TJSP – AI 2100154-07.2014.8.26.0000 – São Paulo – 1ª C. – Rel. Francisco Loureiro – DJe 06.10.2014)

2396 – Sucessão empresarial – dissolução irregular – citação editalícia – regularidade

“Processual civil. Agravo inominado. Art. 557, § 1º, do CPC. Embargos à execução fiscal. Sócio da empresa principal devedora a não se escusar do debate de sua legitimidade passiva em função de já reconhecida sucessão empresarial por outro empreendedor. Dissolução irre-gular da empresa inafastada (Súmula nº 435/STJ). Regularidade da citação editalícia (Súmula nº 414/STJ). Improvimento ao agravo inominado. 1. De se recordar consagra o ordenamen-to tributário dois sujeitos passivos – um a não escusar o outro, destaque-se! – seja o direto, nominado contribuinte, seja o indireto, nominado responsável tributário, art. 121 do CTN. 2. Na espécie, evidentemente a sucessão reconhecida (fls. 82/84 e 85) objetivamente estendeu o elenco de subjetiva sujeição passiva ao crédito tributário cobrado, ausente ambicionada ‘exclusão’, aliás exatamente de um potencial representante do originário devedor principal, do contribuinte, a pessoa física do aqui embargante, Carlos Ronda. 3. Evidentemente que o cená-rio de responsabilidade tributária (ou não) ao embargante em prisma em nada interfere na am-pliação (também subjetiva, não apenas de patrimônio) já firmada nos termos do noticiado aos autos, assim carecendo de razão intentada ‘prejudicialidade’ formal. 4. Cediço que a pretendi-da responsabilização tributária dos sócios, consoante a remansosa jurisprudência, demanda a comprovação, por parte da fiscalidade, de alguma das hipóteses previstas no art. 135 do CTN. 5. Necessária se faz a demonstração da prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, ou ainda da dissolução irregular da empresa, inadmitindo-se, em dito contexto, a pessoal responsabilização de sócios, tão somente em virtude do inadimplemen-to de tributos. 6. Este é o entendimento da v. jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça, consoante a v. Súmula nº 430/STJ e o Recurso Repetitivo nº 1101728/SP, transitado em julgado em 24.04.2009, abaixo transcritos: ‘O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente’ (Precedente). 7. No caso em análise, constata-se foi a empresa devedora dissolvida irregularmente, realidade exposta pela r. sentença e não afastada satisfatoriamente pelo polo apelante. 8. De todo aplicável a v. 435 do eg. Superior Tribunal de Justiça, destacando-se figura até os dias atuais como sócio administra-dor da executada o ora embargante (fls. 76/78): ‘Presume-se dissolvida irregularmente a empre-sa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente’. 9. Nenhuma ilegiti-midade se constata na postulação fiscal de localização dos sócios no polo passivo da execução. 10. Embora também não se tenha trasladado aos autos cópia da certidão respectiva, extrai--se da r. sentença que, apesar de localizado quando da citação da empresa sucedida, o polo embargante já não mais residia no local onde fora anteriormente encontrado, quando realiza-da nova diligência pelo Meirinho, pondo-se desconhecido o seu paradeiro. 11. Fracassada a citação por meio de Oficial de Justiça, nenhuma outra providência poderia se exigir do ente fiscal embargado, ausente qualquer nulidade do ato citatório, consoante a v. Súmula nº 414/STJ (precedente). 12. Deu-se a nomeação do curador especial, no caso em análise, imediatamente após a efetivação da penhora (fls. 121), inexistindo qualquer prejuízo à defesa do embargante, que pôde através do D. Causídico indicado formular tempestiva insurgência. 13. Também sem sucesso a desejada anulação do executivo fiscal, a partir da citação editalícia do ora embar-gante/apelante (precedentes). 14. Agravo inominado improvido.” (TRF 3ª R. – Ag-AC 0005989-94.2011.4.03.6106/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Márcio Moraes – DJe 08.01.2015)

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2397 – Terceirização de serviços – rescisão unilateral de contrato administrativo – razões de interesse público – direito dos particulares – desrespeito – irregularidade na contratação – precedente

“Mandado de segurança. Administrativo. Rescisão unilateral de contrato administrativo. Ter-ceirização de serviços de apoio à atividade fim. ‘Distrato’. Alegação de razões de interesse público. Impossibilidade. Ausência de vedação. Remessa oficial a que se nega provimento. 1. Não se nega o poder que a Administração detém de rescindir unilateralmente os contratos administrativos, o que se apresenta como decorrência natural do regime jurídico administra-tivo e das denominadas cláusulas exorbitantes, inerentes aos contratos com ela celebrados, forte no interesse público. 2. A atuação unilateral da Administração, todavia, não deve des-respeitar os direitos dos particulares contratantes, que possuem a garantia ao contraditório, notadamente quando a justificativa para o término da relação negocial é oriunda de suposta irregularidade na contratação. 3. Remessa oficial a que se nega provimento.” (TRF1ª R. – Re-exame Necessário nº 0024898-66.2011.4.01.3900/PA – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Kassio Nunes Marques – J. 03.11.2014)

Comentário Editorial SÍNTESENão se nega o poder que a Administração Pública detém de rescindir unilateralmente os contratos administrativos. A atuação unilateral da Administração Pública, todavia, não deve desrespeitar os direitos dos particulares contratantes, que possuem a garantia ao contraditório, notadamente quando a justificativa para o término da relação negocial é oriunda de suposta irregularidade na contratação.

Esse foi o entendimento da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal ao manter a sentença proferida em mandado de segurança que concedeu a suspensão dos efeitos da decisão que determinara o distrato do Termo de Contrato nº 011/2011, celebrado por uma empresa de serviços especializados, ora impetrante, e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFPA), Campus Belém.

Trata-se de análise quanto à disponibilidade ou não de cancelamento da decisão ad-ministrativa do IFPA que decidiu pelo distrato do contrato que tinha como objetivo a contratação de serviços auxiliares das especialidades de eletricista, encanador, inspetor escolar e recepcionista.

A requerente alegou que o houve o distrato do contrato sem o seu direito ao contraditório e à ampla defesa no devido processo administrativo.

O juízo de primeiro grau entendeu correta a alegação da impetrante.

Segundo o Magistrado, estão presentes indícios de que houve violação aos princípios administrativos da obediência à forma e aos procedimentos e à ampla defesa e ao contraditório.

O processo chegou ao TRF1 por remessa oficial.

O Relator, Desembargador Federal Kassio Marques, concordou com a sentença proferida pelo juízo de primeiro grau.

Em face do exposto, o TRF 1ª Região negou provimento à remessa oficial.

2398 – Título de crédito – duplicata mercantil – título causal – desfazimento do negócio jurídico – protesto – direito de regresso

“Direito empresarial. Títulos de crédito. Duplicata mercantil. Título causal. Desfazimento do negócio jurídico. Protesto. Endosso translativo. Direito de regresso. I – O pagamento da duplicata mercantil só pode ser exigido mediante demonstração do efetivo cumprimento das obrigações contratuais, quais sejam, a entrega de produto ou a prestação de serviço contrata-do entre as partes. II – Caracterizada a falta de aceite fundada no art. 8º da Lei nº 5.474/1968,

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ante o desfazimento do negócio jurídico contratado, e verificando-se que a emissão do título integrou operação financeira de crédito junto à instituição bancária em favor do sacador, pelo que configurado o endosso translativo na cártula, não obstante ser indevido o protesto, deve ser resguardado o direito de regresso da instituição credora em face da emitente (saca-dor), para quem foi transferida a titularidade da duplicata. Inteligência da Súmula nº 475 do STJ. REsp 1213256/RS (art. 543-C do CPC). III – Apelação cível desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 2007.51.01.000860-7 – (498538) – 8ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva – DJe 17.12.2014)

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Seção Especial – Acontece

Por que Investir em Compliance

EUCLIDES ROSA FILHOAdvogado.

Compliance é um dos termos mais difundidos dentro das corporações brasileiras atualmente. Com o advento da Lei nº 12.846, de 13 de agosto de 2013, conhecida como a Lei Anticorrupção, foi sentida dentro das or-ganizações a necessidade de cautelas para mitigar eventual penalização da empresa e de seus administradores em função de infringência da citada lei, por funcionários ou prepostos. A lei em comento pune com excepcional severidade empresas que cometem atos lesivos por meio de práticas nela cominadas e que resultem em prejuízo da Administração Pública, nacional ou estrangeira. Estabelece um critério objetivo de responsabilidade civil e administrativa por qualquer dos atos infracionais nela previstos (art. 5º da lei), com penalidades pecuniárias significativas, que podem chegar ao paga-mento de R$ 60.000.000,00, podendo na esfera judicial implicar até o per-dimento dos bens auferidos até o limite da prática infracional e dissolução compulsória da sociedade, em casos extremos.

Em função desta circunstância, as pessoas jurídicas são hoje pressio-nadas a ter atitudes proativas que possam mitigar ou reduzir significativa-mente as penalidades previstas, se aplicadas.

BREVE HISTóRICO DO COMPLIANCE

As regras anticorrupção já existem desde há muito nos países ditos como de primeiro mundo. Desde a década de 1960, já existiam codifica-ções de atos que visavam a restringir práticas lesivas no comércio interno dos países. Nas atividades externas, desde a Revolução Industrial, originou--se um crescimento considerável pela demanda de produtos, açodados pelo competente marketing de mercado, que, em vez de satisfazer necessida-des, passou progressivamente a criá-las. Isso gerou um modelo de produção cada vez mais aperfeiçoada, que, por sua vez, gerou entre as empresas uma competição cada vez maior para conquista de fatias do mercado que pu-desse lhes garantir o break even financeiro necessário para gerar os lucros esperados. Toda esta competição exigiu criatividade, inovação contínua e, como elemento negativo, práticas comerciais competitivas não ortodoxas. Nesse período, a sociedade americana se debatia com o denominado Wa-

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tergate que indiscutivelmente inspirou o legislador americano à inserção da legislação de programas de compliance. Foram, portanto, os norte america-nos os primeiros a tipificar os atos de corrupção por meio da promulgação do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) pelo Governo dos Estados Unidos da América, no ano de 1977. Esta lei norte-americana criou severas pena-lidades para as empresas daquele País que se valessem da corrupção de oficiais de governos estrangeiros para expandir seus negócios em outros países. Posteriormente, foi promulgada a Lei Sarbanne-Oxley, que também responsabilizava as empresas e administradores nos Estados Unidos por prá-ticas de suas subsidiárias no exterior.

Claro que tais regras, disciplinadoras e com severas penalidades e fiscalização eficiente, obrigaram as empresas a investirem para organizar seus processos para diminuir a possibilidade de serem constatadas as de-nominadas más práticas. Como consequência, a competitividade das em-presas norte-americanas foi impactada pelos custos adicionas necessários para manter os programas de compliance. A reação do governo americano foi rápida, incisiva, e escudado na saudável fundamentação de moralizar o mercado internacional, pressionou a Organização para a Cooperação e De-senvolvimento Econômico (OCDE), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das Nações Unidas (ONU) para que tais regramen-tos fossem tornados obrigatórios para todos os países que participassem do comercio internacional.

Tal pressão foi exitosa, e, como resultado, foram firmadas três con-venções internacionais (uma na ONU, uma na OCDE e outra na OEA), insti-tuindo mecanismos visando a coibir a corrupção no mercado internacional. Os Estados Unidos, de imediato, emendaram a FCPA para adaptá-la às con-venções firmadas. Seguiu-se a Inglaterra como UK BriberyAct, disciplinan-do as práticas comerciais para evitar condutas constantes das convenções internacionais. No Brasil, a reação internacional culminou na promulgação da Lei nº 10.467/2002, que criminalizou as condutas relacionadas à corrup-ção de funcionários públicos estrangeiros, nos mesmos termos das referidas Convenções e do FCPA. No entanto, em momento algum adotava as con-dutas sugeridas nos tratados internacionais. Esta situação persistiu até que fosse promulgada a Lei nº 12.846, de 2 de agosto de 2013, que começou a viger em fevereiro de 2014.

Estava dessa forma o Brasil cumprindo com o compromisso assumido nos tratados internacionais para coibir práticas corruptivas em seu comér-cio interno e externo, colocando-se no mesmo patamar de seus parceiros comerciais. Convém ressaltar, no entanto, que, na realidade, tais regras de-

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sembarcaram no Brasil por meio das subsidiárias de empresas norte-ame-ricanas ou europeias e foram logo assimiladas para disciplinar o mercado financeiro, estabelecendo regras e punições severas às instituições financei-ras e assemelhadas na apuração de práticas que acobertassem lavagem de dinheiro, falta de segregação de funções operacionais que colocassem em risco a integridade patrimonial de clientes e investidores.

REAÇÃO DO BRASIL NESTE CENÁRIO

Para atender ao compromisso assumido nas convenções à que aderi-ra, o Brasil, enfim, promulgou em 2 de agosto de 2013 a Lei nº 12.846/2013, que busca, por meio de expressas disposições neste sentido, punir com se-veridade as más práticas.

A lei em comento trouxe a responsabilidade objetiva civil e adminis-trativa, ou seja, a simples constatação da prática de determinado ato con-siderado lesivo aos interesses de terceiros. As penalidades impostas pelo diploma legislativo referido, que está em vigor desde fevereiro de 2014, são extremamente onerosas às empresas. Elas variam de 0,1% a 20% do faturamento do ano imediatamente anterior ao processo administrativo, de-duzidos os impostos devidos.

Na fase de judicialização, é admitido, inclusive:

I – perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;

II – suspensão ou interdição parcial de suas atividades;

III – dissolução compulsória da pessoa jurídica;

IV – proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.

§ 1º A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado:

I – ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou

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II – ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a iden-tidade dos beneficiários dos atos praticados.

Acrescente-se que as responsabilidades pela prática do ato lesivo en-volvem as controladoras, controladas, pessoas físicas dos sócios, que soli-dariamente assumem a responsabilidade pelos atos praticados pela pessoa jurídica. Até mesmo a desconsideração da personalidade jurídica é prevista, para atingir o patrimônio pessoal dos administradores.

Assim, pelo simples fato de comercializarem ou interagirem com a Administração Pública, a empresa cria contingências passivas considerá-veis. Tanto o patrimônio social quanto o patrimônio de empresas coligadas e dos sócios podem responder pela simples constatação de práticas elenca-das pela legislação. A responsabilidade objetiva está umbilicalmente ligada à empresa, e, mesmo que haja qualquer reorganização societária que im-plique negociação do controleacionário ou societário, a responsabilidade também se transmite por expressa disposição legal.

PORQUE INVESTIR EM COMPLIANCE NO BRASIL

É extremamente importante ressaltar que, a exemplo das legislações internacionais, o Brasil também estabeleceu uma “dosimetria” para aplica-ção das penalidades previstas na lei, quando no art. 7º da Lei nº 12.846/2013 estabelece:

Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:

I – a gravidade da infração;

II – a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;

III – a consumação ou não da infração;

IV – o grau de lesão ou perigo de lesão;

V – o efeito negativo produzido pela infração;

VI – a situação econômica do infrator;

VII – a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações;

VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;

IX – o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados; e

X – (Vetado).

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Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimen-tos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.

Como se depreende do citado artigo da lei, esta dosimetria, apesar de não afastar a responsabilidade, admite a redução da penalidade na consta-tação de elementos capazes de mitigar a culpa ou dolo da empresa, dire-to ou indireto, na ocorrência do evento danoso. O inciso VIII enumera os exemplos de procedimentos capazes de embasar a pretensão de redução da penalidade. Todos os procedimentos previstos se enquadram nas melhores práticas de compliance hoje colocadas à disposição dos empresários. Os mecanismos internos de integridade não se limitam a Códigos de Condutas Éticas, mas também em processos e controles confiáveis e que obtenham a aderência dos funcionários.

Mais adiante, no capítulo V, o legislador expressamente prevê a pos-sibilidade de reduzir ou até mesmo tornar simbólica a penalidade, caso a empresa atenda a determinados pressupostos. Vejamos os dispositivos le-gais neste sentido:

CAPÍTULO V

DO ACORDO DE LENIÊNCIA

Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá ce-lebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investiga-ções e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:

I – a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e

II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

§ 1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preen-chidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I – a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;

II – a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo;

III – a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, compa-recendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processu-ais, até seu encerramento.

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Quando a lei expressamente mitiga a penalidade, se a empresa coo-perar com a apuração do caso, ou quando a empresa possua sistemas e pro-cessos hábeis e capazes de evitar problemas, ou caso ocorram, identifiquem o responsável direto, mesmo admitindo uma parcela da culpa, a penalidade a ser imposta será seguramente, bastante reduzida.

Por isso, tais dispositivos justificam os investimentos para adequar a empresa aos riscos de sua operação. Além da área legal, deve ser criada uma figura de compliance office, diretamente ligada à alta administração, que assuma a coordenação de todos os movimentos da empresa no sentido de aderir e buscar a aderência de seus prepostos e empregados aos ditames legais e normativos de seu universo. Um administrador que motive todos os stakeholders da empresa a trabalhar sob ditames éticos definidos pela em-presa, associado a total obediência aos parâmetros normativos e legais que regem a atividade empresarial, que se preocupe em manter auditorias em todos eles para certificar-se da aderência, certamente não terá dissabores de gestão ou ameaças à lucratividade pretendida no exercício.

O reforço dos sistemas de controles, a dedicação na criação de pro-cessos documentados e consistentes, a elaboração de um Manual de Ética nas atividades e o encorajamento para que atos que não combinem com as determinações da empresa sejam denunciados, garantindo ao denunciante o sigilo e a proteção contra qualquer punição, consistem em ferramentas adequadas para reduzir as contingências da empresa neste universo de prá-ticas. Atente-se para o fato de que as auditorias externas, tanto das empresas quanto dos órgãos da Administração Pública, vão exercer um severo con-trole sobre o sistema de compliance nas empresas, e seus pareceres serão confortos consideráveis em eventual apuração de irregularidades.

É importante referir também, como ganho marginal, na instituição de uma bem elaborada metodologia de controles e na criação de um “Código de Ética” que deixe claro que a empresa não compactua nem compactuará com práticas antiéticas ou criminosas, o que aumentará significativamente o orgulho dos empregados (self-proud), dos fornecedores e prepostos por trabalharem na empresa, fidelizando-os e, com isso, reduzindo a rotativi-dade dos trabalhadores e manutenção da mão de obra mais qualificada. O mercado também se fidelizará à marca por entender que a conformidade na adequação legal e ética certamente protege a qualidade do produto a ser consumido.

Por tais motivos, a criação de uma política de compliance, além de reduzir a exposição da empresa e de seus administradores, pode aumentar a

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lucratividade da empresa por ganhos marginais de incentivo e consequente manutenção em função da estrutura criada. Os custos para criação da estru-tura não são significativos, se justificam plenamente e podem seguramente ser classificados como investimentos de médio e curto prazo.

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Clipping Jurídico

Terceira Turma confirma exclusão do Banco Aplicap dos quadros da Cetip

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que confirmou a exclusão do Ban-co Aplicap S/A dos quadros da Cetip com base nas regras estatutárias da so-ciedade. Por unanimidade, a Turma acompanhou o voto do Relator, Minis-tro Paulo de Tarso Sanseverino, e negou provimento ao recurso especial. O banco recorreu ao STJ alegando falta de autorização do Banco Central e nu-lidade do procedimento administrativo e da assembleia que formalizou sua exclusão. Argumentou que o cancelamento das cotas sociais dependeria de autorização prévia do Banco Central, já que a instituição estava submetida ao regime de liquidação extrajudicial, conforme disposto no art. 16, § 1º, da Lei nº 6.024/1974. Diz o dispositivo que, “com prévia e expressa autorização do Banco Central do Brasil, poderá o liquidante, em benefício da massa, ultimar os negócios pendentes e, a qualquer tempo, onerar ou alienar seus bens, neste último caso através de licitação”. Ao analisar esse dispositivo, a Justiça do Rio de Janeiro já havia concluído pela desnecessidade de autorização do Banco Central, uma vez que o cancelamento das cotas decorreu de sanção aplicada por inadimplemento, e não de uma alienação. Segundo o Ministro Sanseveri-no, o acórdão do TJRJ estabeleceu correta distinção entre alienação de cotas e imposição de sanção de exclusão da sociedade, razão pela qual deve ser integralmente mantido quanto a esse ponto. Para ele, o art. 16, § 1º, da Lei nº 6.024 não se aplica ao caso julgado, e é dispensável a autorização do Banco Central para se impor sanção de exclusão de uma instituição financeira dos quadros associativos, mesmo em liquidação extrajudicial, por não se tratar de alienação de cotas. Em seu voto, Sanseverino explicou que os fatos narrados nos autos ocorreram em 2001, na vigência do Código Civil de 1916, que dava ampla liberdade às associações para disciplinar em seus estatutos as hipóteses e o procedimento de exclusão de associado. Ele ressaltou que o Código Civil de 2002, em seu art. 57, traz previsão expressa de que a exclusão de associa-do depende de justa causa e de procedimento administrativo que assegure o direito de defesa. “Porém, esse dispositivo legal não se aplica a fatos pretéritos, eis que a exclusão ocorreu em 2001, enquanto o novo Código Civil entrou em vigor em janeiro de 2003”, concluiu o relator. Sobre as demais alegações, o ministro entendeu que o acórdão está fundamentado nas normas estatutárias e nas circunstâncias fáticas da causa, o que torna inviável seu reexame pelo STJ em razão das Súmulas nºs 5 e 7. REsp 1349261. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Projeto fixa valor mínimo para arremate em leilão para execução judicial de bens

A Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei nº 7.517/2014, do Deputado Rubens Bueno (PPS-PR), que estabelece valor mínimo para bens a serem arre-

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matados no segundo leilão público para execução judicial. Pela proposta, não será aceito lance que ofereça preço inferior a 80% do que o estipulado na ava-liação. O texto altera o Código de Processo Civil (Lei nº 5.869/1973). Segundo as regras atuais, no primeiro leilão, o piso do lance será o valor da avaliação; e, no segundo leilão, o bem será arrematado por quem fizer a maior oferta. Porém, pela lei, não será aceito lance que ofereça “preço vil”. “No entanto, não há nenhuma previsão legal definindo o que é lance vil”, salienta o autor do projeto. “Isso leva a uma série de injustiças e acaba fazendo com que o bem do devedor muitas vezes seja totalmente desperdiçado e fiquem frustrados ambos: o exequente (porque o bem não rende o suficiente para saldar a dívida) e o executado (porque acaba sendo privado de seu bem, mas não se livra das dívidas)”, complementa. Rubens Bueno explica que, na jurisprudência do Su-perior Tribunal de Justiça, encontram-se decisões no sentido de que preço vil é aquele que não alcança 60% do valor da avaliação. “Porém, a conceituação fica a critério e arbítrio do magistrado”, ressalta. Além disso, segundo ele, essa jurisprudência tem causado diversos prejuízos, “porque mesmo 60% é muito pouco, causando profundas injustiças”. Para o parlamentar, garantir o mínimo de 80% do valor do bem avaliado judicialmente “é medida de justiça”. A pro-posta será analisada em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Banco do Nordeste deve pagar indenização por negativar nome de cliente indevidamente

O Banco do Nordeste do Brasil S/A deve pagar 50 salários-mínimos de inde-nização por negativar nome de cliente que já havia pago dívida. A decisão é da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) e teve a relatoria da Desembargadora Maria de Fátima de Melo Loureiro. De acordo com os autos, quando ainda estava casada, a cliente contraiu empréstimo junto ao banco como avalista do esposo. Durante processo de separação conjugal, o ex-marido, por meio de acordo, ficou responsável pela obrigação. Ao se dirigir a uma concessionária de veículos, teve financiamento negado em virtude de protesto no valor de R$ 7.638,83. Sentido-se prejudicada, ajuizou ação na justiça contra o banco requerendo reparação por danos morais. Sustentou que a referida dívida já havia sido devidamente quitada. Defendeu ainda que não deve ser punida, pois não era a responsável pelo débito. Em contestação, a empresa alegou que a cliente é devedora e avalista da operação de crédito, e por isso responde pessoalmente pela obrigação financeira. Alegou, também, a ausência de comprovação dos danos sofridos e requereu a total improcedência do pedido. Ao analisar o caso, em setembro de 2013, o Juiz Manoel Jesus Silva Rosa, da 8ª Vara Cível do Fórum Clóvis Beviláqua, condenou a instituição fi-

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nanceira a pagar 50 salários-mínimos a título de danos morais. Inconformado, o banco apelou (nº 0771003-32.2000.8.06.0001) no TJCE. Alegou ausência de responsabilidade por ter agido no exercício regular do direito. A 4ª Câmara Cível manteve a decisão. De acordo com a relatora do processo, “com relação à irregularidade da inscrição no rol dos inadimplentes e a consequente caracte-rização dos danos morais indenizáveis, tenho que a decisão a quo não merece nenhum reparo quanto ao reconhecimento do dano moral, uma vez que a dívida que gerou tal inscrição fora devidamente quitada, conforme informação judicial acerca do processo de execução”. (Conteúdo extraído do site do Tri-bunal de Justiça do Estado de Ceará)

Devolução do valor de produto não entregue não gera dever de indenizar

A 2ª Turma Recursal Cível isentou a Lojas Americanas de pagar indenização por danos morais à consumidora que adquiriu uma bicicleta para presentear seu filho no natal, mas o produto não foi entregue. A loja devolveu o valor da mercadoria, mas a autora ingressou na justiça pedindo indenização por danos morais. O caso ocorreu na Comarca de Canela. Na sentença do Juizado Especial Cível, foi negado o pedido à autora. Ela recorreu da decisão. A Juí-za de Direito Vivian Cristina Angonese Spengler, Relatora do processo na 2ª Turma Recursal Cível, manteve a sentença. Conforme o voto da magistrada, é inquestionável que as tentativas de ressarcimento geraram incômodo, porém não determinam o direito à indenização. O caso em questão configura mero descumprimento contratual, sendo incabível indenização por danos morais a título punitivo ou dissuasório. O dano ou lesão à personalidade, merecedo-res de reparação a este título, somente se configurariam com a exposição do consumidor a situação humilhante, bem como ofensa a atributo da sua honra, imagem ou qualquer dos direitos personalíssimos tutelados no art. 5º, V e X, da CF/1988, o que não ocorreu neste caso, afirmou a relatora. Também participa-ram do julgamento os Juízes de Direito Ana Cláudia Cachapuz Silva Raabe e Roberto Behrensdorf Gomes da Silva, que acompanharam o voto da relatora. Processo nº 71005045299. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Sul)

Justiça determina rescisão de contrato de arrendamento rural

A 5ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco julgou parcialmente procedente o pedido formulado por Danilo Francisco Link e Ivete Feitosa Link (Processo nº 0702446-74.2013.8.01.0001) e determinou a rescisão de arrendamento rural firmado entre os autores e Francisco Umberto Prado Couto. A decisão da Juíza titular da unidade judiciária, Olívia Ribeiro, que também decretou o despejo do demandado e o pagamento do saldo devedor remanescente de

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R$ 161.486,40 pela utilização do imóvel durante dois anos, foi publicada na Edição nº 5.279 do Diário da Justiça Eletrônico (fl. 131) de 19.12.2014. Os autores ajuizaram ação de rescisão contratual cumulada com cobrança de alu-guel e reparação de danos, com pedido de antecipação de tutela, em face de Francisco Umberto Prado Couto, visando à rescisão do contrato de arrenda-mento rural celebrado com o demandado e o seu consequente despejo. Os autores relataram que , “no dia 24 de dezembro de 2010, firmaram contra-to de arrendamento de pastagem com o demandado, de uma área de 1.500 hectares, para exploração pecuária de 2.500 cabeças de gado, pelo aluguel mensal de R$ 12.500 que corresponde a R$ 5,00 por cada rês”. Aduziram que, “muito embora conste na cláusula segunda do contrato o pagamento de R$ 300 mil, não receberam nenhum valor pelo arrendamento”. Os autores argumentaram que “o demandado descumpriu as cláusulas contratuais, tendo em vista que, além de não efetuar o pagamento do arrendamento, colocou gado acima da quantidade estipulada; invadiu pastos que não correspondem à área arrendada, e realizou benfeitorias sem autorização”. Alegaram ainda que “o demandado tem praticado atos desrespeitosos em relação ao primeiro demandante e, em conjunto com terceiros, tem lhe torturado psicologicamen-te, ameaçado e coagido, fazendo com que assine documentos sem que tenha ciência do conteúdo”. Com base nestes fatos, os autores ajuizaram ação junto à 5ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco. Ao analisar os autos, a Juíza titular da unidade judiciária, Olívia Ribeiro, considerou que a controvérsia nos autos restringe-se ao pagamento ou não, no ato da assinatura do contrato, do valor de R$ 300 mil “referente ao adiantamento de 2 anos do arrendamento, compreen-dido entre o período entre 31 de março de 2011 a 31 de março de 2013; a apli-cação ou não da multa contratual em razão do descumprimento do mesmo; e o pagamento de indenização por possíveis danos sofridos pelos autores por força do descumprimento do contrato”. Ao analisar o mérito da questão, a juíza de-clarou que, com base na legislação, “no contrato de arrendamento rural, assim como nos demais contratos bilaterais, cada um dos contratantes (arrendador e arrendatário) é simultânea e reciprocamente credor e devedor do outro, pois tal negócio jurídico gera direitos e obrigações para ambos, devendo cada parte cumprir com o que se obrigou, sob pena de não poder exigir da outra a con-traprestação”. Em relação ao cumprimento do contrato, a magistrada concluiu que, “do acervo probatório acostado aos autos, mormente das provas colhidas no curso da instrução, que tanto os autores quanto o réu não cumpriram suas obrigações”. Em seguida, a juíza passou à análise do direito dos autores em res-cindir o contrato de arrendamento por força do referido inadimplemento. Sob esse aspecto, a magistrada concluiu que, “diante da falta de pagamento, a res-cisão do contrato, com o consequente despejo, e o pagamento do saldo deve-dor remanescente de R$ 161.486,40 pela utilização do imóvel no período de

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31 de março de 2011 a 31 de março de 2013, é medida que se impõe”. Dessa forma, com base nos arts. 26, IV, 27 e 32, III, do Decreto nº 59.566/1966, que regulamenta o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), a magistrada julgou par-cialmente procedentes os pedidos formulados pelos autores “para, rescindindo o contrato de arrendamento rural firmado entre as partes, decretar o despejo do demandado, Sr. Francisco Umberto Prado Couto, do imóvel rural descrito na exordial, fixando o prazo de 15 dias, contados do trânsito em julgado da presente sentença, para desocupação voluntária, sob pena de, não o fazen-do, seja expedido contra si o competente mandado de despejo”. A titular da 5ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco condenou, ainda, o réu ao pagamento de R$ 161.486,40. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado do Acre)

Terceiro beneficiado com produto de fraude bancária tem legitimidade pas­siva

Em decisão monocrática, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) de-cidiu ser parte legítima para o polo passivo de ação de declaração de nulidade, proposta pela Caixa Econômica Federal (CEF), terceiro que não possui relação jurídica com a instituição bancária. Narra a decisão do Tribunal que um cor-rentista da CEF solicitou a transferência para a conta do terceiro, réu na ação declaratória, no valor total de R$ 10.889,20. A conta do terceiro pertence ao Banco Itaú S.A. Posteriormente, foi verificado que a transferência se tratava de fraude bancária, pois os cheques que cobririam a operação de crédito foram devolvidos, por terem sido furtados. Mesmo tendo sido constatada a fraude, os valores transferidos para a conta do terceiro não foram estornados nem bloque-ados pelo banco destinatário, o Banco Itaú S.A. Somente após determinação judicial ocorreu o bloqueio de tais valores. A ação ajuizada pela CEF para anulação do negócio foi sentenciada em primeiro grau sem análise do mérito, por entender o juízo que tanto o banco público como o terceiro destinatário dos valores não têm legitimidade de parte para litigarem. A CEF apelou alegan-do ser o terceiro o principal beneficiário da transferência de valores, sendo, portanto, parte legítima para responder a ação declaratória. O TRF3 entende que, considerado a fraude ocorrida, e tendo o réu se beneficiado dos valores indevidamente transferidos pela CEF, tem legitimidade para integrar o polo passivo da ação, mesmo não possuindo relação jurídica com o banco público. De outra parte, como a CEF realizou a transação que pretende anular, também é parte legítima para pleitear em juízo da devolução dos valores. Assim, o Tri-bunal determinou a remessa dos autos à Vara de origem para apreciação do mérito, já que a matéria trazida a exame requer dilação probatória. Nº do Pro-cesso: 0017458-10.2001.4.03.6100. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

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Projeto dá direito a voto a acionistas minoritários em assembleia de credores

O Projeto de Lei nº 7.603/2014, em análise na Câmara dos Deputados, garante ao acionista minoritário o direito a voto nas assembleias-gerais de credores, caso se trate de empresa constituída na forma de sociedade anônima em pro-cesso de recuperação judicial ou falência. Pela proposta, do Deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), esse direito será assegurado sempre que a assembleia for deliberar sobre qualquer mudança relevante na sociedade que possa atingir os direitos relativos a essa classe de acionistas. O projeto altera a Lei de Falên-cias (nº 11.101/2005). De acordo com Bezerra, nos processos de recuperação judicial ou de falência, “tem-se observado que, no caso de sociedades anô-nimas, os direitos dos acionistas minoritários vêm sucumbindo”. Isso ocorre, segundo afirma, devido à falta de previsão legal que lhes permita participar das assembleias com direito a voto. O deputado cita artigo do advogado Leo-nardo Adriano Ribeiro Dias sobre o tema. O especialista explica que nos pro-cessos recuperacionais há uma multiplicidade de interesses: de trabalhadores, fornecedores, clientes, financiadores, Fisco. Segundo sustenta, os acionistas, especialmente os minoritários, “encontram-se marginalizados”. Nesses casos, o advogado ressalta que, se decretada a falência da sociedade, os acionistas minoritários receberiam apenas eventual saldo da liquidação do ativo, após o pagamento de todos os credores. O projeto foi encaminhado para análise conclusiva das Comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comér-cio; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Comissão rejeita criação do Estatuto da Micro e Pequena Empresa Rural

A Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados rejeitou o Projeto de Lei Complementar nº 103/2011, que ins-titui o Estatuto da Microempresa Rural (MER) e da Empresa Rural de Pequeno Porte (ERPP). De autoria do Deputado João Rodrigues (PSD-SC), a proposta define regras para o tratamento diferenciado a ser conferido às micro e peque-nas empresas rurais em relação à constituição jurídica, ao recolhimento de impostos e contribuições e ao enquadramento como segurado especial da Pre-vidência Social. Além disso, estabelece normas para o acesso ao crédito rural e ao mercado institucional (mecanismo governamental que garante a compra de parte da produção de alimentos, principalmente da agricultura familiar). O Relator da matéria, Deputado Antonio Balhmann (Pros-CE), foi contrário à proposta. Para ele, o projeto “não cumpre o objetivo de promover uma ampla organização dos pequenos e micro empreendimentos rurais”. “Pouco é espe-cificado no texto com relação à simplificação das obrigações tributárias, previ-

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denciárias e creditícias que incidem sobre os pequenos e microempresários do campo”, disse. “Grande parte do conteúdo da proposição debruça-se sobre a simplificação das obrigações administrativas associadas à criação das peque-nas e micro empresas rurais”, completou. • Trâmite simplificado: O estatuto determina, por exemplo, que o processo de abertura, registro, alteração e baixa de MER e de ERPP, bem como qualquer exigência para o início de funciona-mento, deve ter trâmite especial e simplificado. O texto também isenta essas empresas do pagamento de taxas, emolumentos e demais custos relacionados a esses processos. De acordo com o texto, a pessoa jurídica ou firma mercantil individual poderá ser enquadrada como microempresa rural se tiver receita bruta anual igual ou inferior a R$ 110 mil. Para requerer registro como empre-sa rural de pequeno porte, é preciso ter receita bruta anual igual ou inferior a R$ 1,2 milhão, desde que não esteja enquadrada como microempresa rural. • Tramitação: O projeto também já foi rejeitado pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, e agora segue para análise das comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cida-dania. Depois, segue para o Plenário. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Recuperação judicial não suspende execução contra avalistas e fiadores

O processamento da recuperação judicial de empresa ou mesmo a aprovação do plano de recuperação não suspende ações de execução contra fiadores e avalistas do devedor principal recuperando. Esse é o entendimento firmado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão foi tomada em julgamento de recurso especial sob o rito dos repetitivos, estabelecido no art. 543-C do Código de Processo Civil (CPC). A Seção fixou a seguinte tese: a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções, nem tampouco induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei nº 11.101/2005. • Devedor solidário: Segundo o Relator do caso, Ministro Luis Felipe Salomão, a controvérsia é bastante conhecida no STJ. Após o deferimento da recupera-ção judicial e, mais adiante, com a aprovação do plano pela assembleia de credores, surgem discussões acerca da posição a ser assumida por quem, junta-mente com a empresa recuperanda, figurou como coobrigado em contratos ou títulos de crédito submetidos à recuperação. Frequentemente, os devedores so-lidários da empresa em recuperação pedem a suspensão de execuções contra eles invocando a redação do art. 6º da Lei nº 11.101/2005: “A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende

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o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário”. Salomão expli-cou que o referido artigo alcança os sócios solidários, pois na eventualidade de decretação de falência da sociedade, os efeitos da quebra estendem-se a eles. A situação é bem diversa, por outro lado, em relação aos devedores soli-dários ou coobrigados. Para eles, a disciplina é exatamente inversa, prevendo a lei expressamente a preservação de suas obrigações na eventualidade de ser deferida a recuperação judicial do devedor principal. O art. 49, § 1º, da Lei nº 11.101 estabelece que “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obriga-dos de regresso”. Assim, o relator afirmou que não há suspensão da execução direcionada a codevedores ou devedores solidários pelo simples fato de o de-vedor principal ser sociedade cuja recuperação foi deferida, pouco importando se o executado é também sócio da recuperanda ou não, uma vez não se tratar de sócio solidário. Salomão ressaltou que na I Jornada de Direito Comercial re-alizada pelo CJF/STJ foi aprovado o Enunciado nº 43, com a seguinte redação: “A suspensão das ações e execuções previstas no art. 6º da Lei nº 11.101/2005 não se estende aos coobrigados do devedor”. • Novação de créditos: No caso julgado, o avalista de Cédula de Crédito Bancário pretendia suspender execu-ção ajuizada contra ele pelo Banco Mercantil do Brasil. No curso do processo, foi aprovado o plano de recuperação judicial e concedida a recuperação, com novação da dívida. O Ministro Salomão afirmou que, diferentemente da pri-meira fase, em que a recuperação é deferida pelo juiz e é formado o quadro de credores, nessa segunda fase, em que já há um plano aprovado, ocorre a novação dos créditos e a decisão homologatória constitui, ela própria, novo título executivo judicial. Segundo o relator, a novação prevista na lei civil é bem diversa daquela disciplinada na Lei nº 11.101. Se a novação civil, como regra, extingue as garantias da dívida, inclusive as reais prestadas por terceiros estranhos ao pacto (art. 364 do Código Civil), a novação decorrente do pla-no de recuperação traz, como regra, ao reverso, a manutenção das garantias (art. 59, caput, da Lei nº 11.101), as quais só serão suprimidas ou substituí-das mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia, por ocasião da alienação do bem gravado. “Portanto, muito embora o plano de recuperação judicial opere novação das dívidas a ele submetidas, as garantias reais ou fidejussórias são preservadas, circunstância que possibilita ao credor exercer seus direitos contra terceiros garantidores e impõe a manutenção das ações e execuções aforadas em face de fiadores, avalistas ou coobrigados em geral”, disse o ministro. As duas Turmas de Direito Privado do STJ entendem que tanto na primeira quanto na segunda fase da recuperação não cabe a sus-pensão das ações de execução, em razão do processamento da recuperação ou extinção, por força da novação. • Aval: O entendimento das duas Turmas

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de Direito Privado vale para todas as formas de garantia prestadas por terceiro, sejam elas cambiais, reais ou fidejussórias – garantia pessoal em que terceira pessoa se responsabiliza pela obrigação, caso o devedor deixe de cumpri-la. É o caso da fiança e do aval. A garantia prestada por terceiro no processo julgado é na modalidade aval, que, diferentemente da fiança, é obrigação cambiária que não tem relação de dependência estrita com a obrigação principal assumi-da pelo avalizado, subsistindo até mesmo quando a última for nula, conforme explicou o relator. “Portanto, dada a autonomia da obrigação resultante do aval, com mais razão o credor pode perseguir seu crédito contra o avalista, independentemente de o devedor avalizado encontrar-se em recuperação ju-dicial”, afirmou Salomão no voto. REsp 1333349. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Média de mercado da taxa de juros de cheque especial não pode ser aplica­da em operações de cartão de crédito

A inexistência de cálculo pelo Banco Central de taxa média de juros para as operações de cartão de crédito não é razão suficiente para aplicar a essas tran-sações a taxa média cobrada nas operações de cheque especial. Esse foi o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em jul-gamento de recurso especial do Hipercard Banco Múltiplo S/A. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), ao considerar abusiva a taxa de juros cobrada pelo banco em contrato de cartão de crédito, decidiu limitá-la às taxas médias cobradas em contratos de cheque especial. Segundo o acórdão, “como inexiste uma tabela elaborada pelo Banco Central acerca da taxa média de mercado para os contratos de cartão de crédito, no caso da abusividade dos juros, utiliza-se, como paradigma, a média para os contratos de cheque espe-cial”. No recurso especial, a instituição financeira sustentou a impossibilidade de ser adotada a taxa média de mercado do cheque especial constante da ta-bela do Banco Central do Brasil, por se tratar de operação de crédito distinta. A Relatora, Ministra Isabel Gallotti, entendeu pela reforma do acórdão. Ela lembrou que a mesma controvérsia já foi apreciada pela Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp 125639, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi. De acordo com a fundamentação do precedente citado, a média das taxas praticadas nas operações de cartão de crédito é superior àquela relativa ao cheque especial, não sendo lícita a equiparação das operações. Na ocasião, a Ministra Nancy Andrigui destacou que, nas operações de cartão de crédito, “a relação de mútuo intermediada pela administradora somente se concretizará nas hipóteses de efetivo inadimplemento pelo cliente. Este fato, por si só, se traduz economicamente em aumento da taxa de juros, afora outras discussões acerca dos riscos do negócio, certamente assumidos pela administradora, mas traduzidos em custo operacional com reflexo nas taxas de juros praticadas”.

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A solução encontrada pela Ministra Gallotti em relação ao Hipercard foi a devolução dos autos à fase instrutória para exame da alegação de abuso, mas com base nas taxas aplicadas pelo mercado nos contratos de mesma natureza (cartão de crédito). REsp 1487562. (Conteúdo extraído do site do Superior Tri-bunal de Justiça)

Direito ao contraditório e à ampla defesa deve ser cumprido em caso de distrato de contrato

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal manteve a sentença proferida em mandado de segurança que concedeu a suspensão dos efeitos da decisão que determinara o distrato do Termo de Contrato nº 011/2011, celebrado por uma empresa de serviços especializados, ora impetrante, e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFPA), Campus Belém. Trata-se de análise quanto à disponibilidade ou não de cancelamento da decisão administrati-va do IFPA que decidiu pelo distrato do contrato que tinha como objetivo a contratação de serviços auxiliares das especialidades de eletricista, encanador, inspetor escolar e recepcionista. A requerente alega que o houve o distrato do contrato sem o seu direito ao contraditório e à ampla defesa no devido pro-cesso administrativo. O juízo de primeiro grau entendeu correta a alegação da impetrante. Segundo o magistrado, estão [...] presentes indícios de que houve violação aos princípios administrativos da obediência à forma e aos procedi-mentos e à ampla defesa e ao contraditório. O processo chegou ao TRF1 por remessa oficial. Trata-se de um instituto previsto no Código de Processo Civil (art. 475) que exige que o juiz singular mande o processo para o Tribunal de segunda instância, havendo ou não apelação das partes, sempre que a senten-ça for contrária a algum ente público. A sentença só produzirá efeitos depois de confirmada pelo Tribunal. O Relator, Desembargador federal Kassio Marques, concordou com a sentença proferida pelo juízo de primeiro grau. O magistra-do citou partes da decisão monocrática para embasar seu voto. “Não se nega o poder que a administração detém de rescindir unilateralmente os contratos administrativos, o que se apresenta como decorrência natural do regime jurí-dico administrativo e das denominadas cláusulas exorbitantes, inerentes aos contratos celebrados com a Administração, sempre com base no interesse pú-blico. Porém, essa atuação unilateral da Administração não deve desrespeitar os direitos dos particulares contratantes, que possuem a garantia ao contradi-tório, notadamente quando a justificativa para o término da relação negocial é oriunda de suposta irregularidade na contratação”, opinou o desembargador. O julgador citou ainda jurisprudência do TRF da 5ª Região que segue o mesmo entendimento (AC 200083000025926, 3ª T., Rel. Des. Federal Paulo Gadelha, DJ de 09.06.2005). Nº do Processo: 0024898-66.2011.4.01.3900. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

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Associações são admitidas como amici curiae em ADIn sobre propriedade industrial

O Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), admitiu o ingresso da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) e da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) na condição de amici curiae [amigos da Corte] na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 5061. Nela, a Asso-ciação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especia-lidades (Abifina) solicita a declaração de inconstitucionalidade do art. 40, pa-rágrafo único, da Lei nº 9.279/1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. O Ministro Luiz Fux salientou que há pertinência entre a questão de fundo debatida na ADIn e as atribuições institucionais da Interfar-ma e da Andef, o que autoriza as sua admissão no processo. Ele lembrou que o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade não deve se restringir “ao mero cotejo de diplomas normativos”, e a intervenção do amici curiae per-mite a pluralização do debate, a fim de trazer elementos informativos possíveis e necessários ou novos argumentos para a solução da controvérsia. A autora da ação direta, Abifina, alega que a norma questionada prorroga a vigência de patentes de invenção e de modelos de utilidade por prazo indeterminado, em afronta ao art. 5º, inciso XXIX, da Constituição Federal, e desestimula a reso-lução, em tempo razoável, de processos administrativos de exame de pedidos de patentes, com violação aos princípios da duração razoável do processo (art. 5º, inciso LXXVIII) e da eficiência da administração pública (art. 37, caput). A entidade argumenta que o dispositivo contestado desloca para os particulares a responsabilização pela demora do Estado em analisar os processos adminis-trativos, em ofensa ao art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Sustenta, ainda, violação à liberdade de concorrência e de iniciativa e ao princípio da defesa do consumidor. “A incerteza do prazo de vigência da patente provoca insegu-rança jurídica e atenta contra o direito adquirido de terceiros de explorar-lhe o objeto”, afirma. Por fim, alega afronta ao princípio da moralidade adminis-trativa, pois “consagra a impunidade pela delonga indevida da Administração, contribui para e incentiva o desvio de finalidade no exercício da atividade estatal”. Em novembro de 2013, o relator da ADIn adotou o rito abreviado do art. 12 da Lei nº 9.868/1999 (Lei das ADIns), para que a ação seja julgada pelo Plenário do STF diretamente no mérito, sem prévia análise do pedido de limi-nar. Processo relacionado: ADIn 5061. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Fechamento da edição: 07.01.2015

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os

seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS• Registro de Empresa Francisco de Salles Almeida Mfra Filho Júris Síntese Online e SINTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• As Licitações Exclusivas para Microempresas e Empresas de Pe-queno Porte: Regra e Exceções

Jessé Torres Pereira Junior e Marinês Restelato Dotti Júris Síntese Online e SINTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• Comentários à Lei nº 12.846, de 1º de Agosto de 2013 Toshio Mukai Júris Síntese Online e SINTESENET disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

Sociedade anônima

• Artigo 153 da Lei das S.A. – O Dever de Diligên-cia dos Administradores Perante a Companhia (Karine Fior Moraes) ..............................................9

• Responsabilidade Civil e Administrativa do Administrador de S.A., Seu Correlato Dever de Informar e a Regra do Business Judgment (Joseane de Souza Heineck) .................................23

Autor

Karine Fior moraeS

• Artigo 153 da Lei das S.A. – O Dever de Diligência dos Administradores Perante a Companhia ............9

JoSeane de Souza HeinecK

• Responsabilidade Civil e Administrativa do Admi-nistrador de S.A., Seu Correlato Dever de Informar e a Regra do Business Judgment ...........................23

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Sociedade anônima

• Agravo de instrumento – Execução fiscal – Dí-vida ativa de natureza não tributária – empresa não encontrada em seu domicílio registrado – Violação das normas de direito privado – Art. 4º, § 2º da Lei nº 6.830/1980 – Dissolução irregular presumida – redirecionamento da execução fis-cal – Possibilidade (TRF 2ª R.) ....................2339, 53

EMENTÁRIO

Sociedade anônima

• Sociedade anônima – ação de responsabilidade civil contra administrador – julgamento anteci-pado da lide – cerceamento de defesa – aplica-ção analógica – ocorrência ........................2340, 70

• Sociedade anônima – contrato de partici-pação financeira – plano de expansão de rede de telefonia – subscrição de ações – complementação .......................................2341, 74

• Sociedade anônima – contrato de participação financeira – sucessão das respectivas obrigações – prescrição – inocorrência ........................2342, 75

• Sociedade anônima – juros sobre capital – ba-lanço patrimonial – dedução – possibilidade ..................................................................2343, 76

• Sociedade anônima – ilegitimidade passi-va – deliberação da assembleia – reconhe-cimento .....................................................2344, 77

• Sociedade anônima – prova – ausência de res-ponsabilidade – possibilidade ....................2345, 78

Índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

capital Social

• Considerações sobre a Necessidade de Resgatar o Conceito de Capital Social: Análise da Crise (ou Redefinição) da Noção de Capital Social (José Tadeu Neves Xavier) ..................................130

direito do conSumidor

• Vulnerabilidade do Consumidor Pessoa Jurídi-ca e a Teoria Finalista: Mitigação e o Finalismo Aprofundado na Visão da Doutrina e do STJ (Felipe Cunha de Almeida) ..................................90

eStabelecimento empreSarial

• O Estabelecimento Empresarial e a Responsabi-lidade do Adquirente e do Alienante no Trespas-se (Matheus Bisotto Pegorini) ...............................79

recuperação Judicial

• A (Não) Sujeição da Ação de Despejo aos Efeitos da Recuperação Judicial: Comen-tários ao Acórdão no Conflito de Compe-tência nº 123.116/SP da 2ª Seção do STJ (Gabriela Wallau Rodrigues) ..............................121

Autor

Felipe cunHa de almeida

• Vulnerabilidade do Consumidor Pessoa Ju-rídica e a Teoria Finalista: Mitigação e o Fi-nalismo Aprofundado na Visão da Doutrina e do STJ ..............................................................90

Gabriela Wallau rodriGueS

• A (Não) Sujeição da Ação de Despejo aos Efeitos da Recuperação Judicial: Comentários ao Acór-dão no Conflito de Competência nº 123.116/SP da 2ª Seção do STJ .............................................121

JoSé tadeu neveS Xavier

• Considerações sobre a Necessidade de Res-gatar o Conceito de Capital Social: Análise da Crise (ou Redefinição) da Noção de Capital Social ................................................................130

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226 ..........................................................................................................RDE Nº 42 – Jan-Fev/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

matHeuS biSotto peGorini

• O Estabelecimento Empresarial e a Respon-sabilidade do Adquirente e do Alienante no Trespasse .......................................................79

ACONTECE

Assunto

ComplianCe

• Por que Investir em Compliance (Euclides Rosa Filho) .................................................................206

Autor

euclideS roSa FilHo

• Por que Investir em Compliance ........................206

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

título eXecutivo eXtraJudicial

• Processual civil – Agravo de instrumento – Ação de execução fundada em título execu-tivo extrajudicial – Endereço da parte deve-dora – Requerimento de consulta ao Infojud – Recurso desprovido (TRF 2ª R.) .............2346, 168

EMENTÁRIO

ação de cobrança

• Ação de cobrança – locupletamento ilícito – che-que – título abstrato e autônomo .............2347, 175

• Ação de cobrança de fazer – legitimidade pas-siva – grupo econômico – plano de saúde – dano moral – configuração ......................2348, 175

ação de diSSolução de Sociedade empreSarial

• Ação de dissolução de sociedade empresarial – exclusão de sócio – competência – conflito ................................................................2349, 175

ação de nulidade

• Ação de nulidade cambial – protesto de duplicata – ausência de aceite – irrele vância .............2350, 175

ação monitória

• Ação monitória – cheque – prazo prescricional – incidência ................................................2351, 176

• Ação monitória – desconsideração da persona-lidade jurídica – ex-sócio – dissolução irregular ................................................................2352, 176

ação reviSional

• Ação revisional de contrato de mútuo – capitali-zação de juros – legalidade – serviços de tercei-ros – boa-fé objetiva – violação ...............2353, 177

• Ação revisional de contratos – suposto propósito de recuperação judicial – requisitos legais – in-satisfação – descaracterização .................2354, 177

atividade empreSarial

• Atividade empresarial – liberação de parte dos valores bloqueados – penhora sobre faturamen-to – discussão – possibilidade ..................2355, 178

cédula de crédito bancário

• Cédula de crédito bancário – revisão de cláusulas – incidência do Código de De-fesa do Consumidor – prova pericial – in-versão do ônus da prova ..........................2356, 179

cHeque

• Cheque – empresa de factoring – cancela-mento do talonário – condenação do banco – impossibilidade .....................................2357, 180

• Cheque – título nominal a terceiros – ausência de regular cadeia de endossos – ilegitimidade ativa ........................................................2358, 180

competência

• Competência – recuperação judicial – juízo fali-mentar – conflito – possibilidade .............2359, 180

contrato bancário

• Contrato bancário – juros remuneratórios – abusividade – não ocorrência – capitalização mensal de juros – cobrança – possibilidade ................................................................2360, 181

• Contrato de factoring – duplicata – me-dida cautelar – pedido de substituição –indeferimento ..........................................2361, 182

• Contrato de financiamento bancário – defesa do consumidor – pactuação expressa – capita-lização de juros remuneratórios ...............2362, 182

• Contrato de licenciamento de uso de software – regras do CDC – não incidência ..............2363, 182

• Contrato de prestação de serviços – opera-dora de viagens e turismo – resilição – co-brança indevida de serviços – valor pago – devolução .............................................2364, 183

• Contrato de seguro empresarial – prote-ção ao patrimônio – pessoa jurídica – re-lação de consumo – CDC – incidência – caracterização ......................................2365, 183

corretaGem

• Corretagem – ação de cobrança - seguradora – pagamento de diferenças de comissões – presta-ção de serviços – ocorrência ....................2366, 186

dano Social

• Dano social – ação individual – julgamen-to extra petita – qualidade de represen-tativa de controvérsia – analogia – inde-nização devida ........................................2367, 187

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RDE Nº 42 – Jan-Fev/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO .........................................................................................................227 deSconSideração da perSonalidade Jurídica

• Desconsideração da personalidade jurídi-ca – contra empresário individual – ine-xistência de sócio – separação patrimonial – inaplicabilidade ....................................2368, 189

duplicata

• Duplicata – endosso translativo – anuên-cia do sacado – Súmulas nºs 282 e 356 doSTF – incidência ......................................2369, 189

• Duplicata – protesto indevido – endosso-manda-to – dano moral – configuração ...............2370, 189

Factoring

• Factoring – direito de regresso – cláusula contra-tual – impossibilidade ..............................2371, 190

• Factoring – empresa de natureza mercantil – re-gistro – inexigibilidade .............................2372, 190

Falência

• Falência – ação rescisória – depósito prévio – não recolhimento ...........................................2373, 191

• Falência – convocação de assembleia – alega-ção de impossibilidade ............................2374, 191

• Falência – cumprimento de sentença – honorá-rios devidos – administrador judicial – remune-ração – despesas relativas ........................2375, 192

• Falência – edital do leilão – descrição dos bens arrecadados – reprodução – nulidade ......2376, 192

• Falência – impontualidade injustifica-da – insolvência econômica – demonstra-ção – desnecessidade ..............................2377, 192

• Falência – protesto – intimação – cobrança de dívida – alegação – inocorrência .............2378, 193

Fiança bancária

• Fiança bancária – validade por tempo determi-nado – prazo escoado – execução da garantia – perda do objeto ....................................2379, 194

Grupo empreSarial

• Grupo empresarial – penhora do faturamento – excepcionalidade – operações com cartão de crédito – viabilidade; operações com cartão de débito – impossibilidade .........................2380, 194

JuroS

• Juros – capital próprio – dedução – possibilidade ................................................................2381, 195

• Juros remuneratórios – negócios jurídicos bancários – período da inadimplência – limi-tação à taxa pactuada ..............................2382, 196

liquidação eXtraJudicial

• Liquidação extrajudicial – exclusão de associado – Cetip – autorização do Bacen – desnecessidade ................................................................2383, 196

monitória

• Monitória – alteração de endereço – falta de comunicação junto à Junta Comercial – fato não comprovado – Súmula nº 435 do STJ – inaplicabilidade ....................................2384, 198

patente pipeline

• Patente pipeline – INPI – prazo de vigência ................................................................2385, 198

plano de Saúde empreSarial

• Plano de saúde empresarial – cancelamento por culpa da empresa – repasse dos valores descontados – ausência ...........................2386, 199

proteSto

• Protesto – duplicata prescrita – ação de indeni-zação por danos morais – decisão monocrática ................................................................2387, 199

• Protesto – sustação – ação declaratória – nulida-de de título – endosso do cheque ............2388, 199

recuperação Judicial

• Recuperação judicial – bens oferecidos em garan-tia mediante alienação fiduciária – continuidade da execução – possibilidade ....................2389, 200

• Recuperação judicial – sociedade empre-sarial – constrição patrimonial – competên-cia – juízo universal – reserva de Plenário – violação – inexistência ............................2390, 200

relação empreSarial

• Relação empresarial – prova testemunhal – con-tradita – inimizade capital – não configuração – CDC – inaplicabilidade ........................2391, 200

Sociedade

• Sociedade – objeto social – cisão de empre-sa – hipótese de sucessão – falta de previsão legal ........................................................2392, 201

• Sociedade empresarial – antecipação de tu-tela – garantia da administração da sócia – divergência ...........................................2393, 202

• Sociedade empresarial – vícios ou irregula-ridades – falta de demonstração – nulidade – não configuração ..................................2394, 202

• Sociedade limitada – pedido de tutela antecipa-da – afastamento de sócio minoritário – inter-venção judicial – desnecessidade ............2395, 202

SuceSSão empreSarial

• Sucessão empresarial – dissolução irregular – ci-tação editalícia – regularidade .................2396, 203

terceirização de ServiçoS

• Terceirização de serviços – rescisão unila-teral de contrato administrativo – razões de

Page 228: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 42_miolo.pdf · Considerações sobre a Necessidade de Resgatar o Conceito de Capital ... Revista em que o artigo foi publicado,

228 ..........................................................................................................RDE Nº 42 – Jan-Fev/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

interesse público – direito dos particulares – desrespeito – irregularidade na contratação – precedente ............................................2397, 204

título de crédito

• Título de crédito – duplicata mercantil – título causal – desfazimento do negócio jurídico – protesto – direito de regresso ...................2398, 204

CLIPPING JURÍDICO

• Associações são admitidas como amici curiae em ADIn sobre propriedade industrial ...............223

• Banco do Nordeste deve pagar indenização por negativar nome de cliente indevidamente ..........................................................................214

• Comissão rejeita criação do Estatuto da Micro e Pequena Empresa Rural .....................................218

• Devolução do valor de produto não entregue não gera dever de indenizar ..............................215

• Direito ao contraditório e à ampla defe-sa deve ser cumprido em caso de distratode contrato ........................................................222

• Justiça determina rescisão de contrato de arren-damento rural ....................................................215

• Média de mercado da taxa de juros de che-que especial não pode ser aplicada em opera-ções de cartão de crédito ...................................221

• Projeto dá direito a voto a acionistas minoritá-rios em assembleia de credores .........................218

• Projeto fixa valor mínimo para arremate em leilão para execução judicial de bens ..........................213

• Recuperação judicial não suspende execução contra avalistas e fiadores .................................219

• Terceira Turma confirma exclusão do Banco Aplicap dos quadros da Cetip ...........................213

• Terceiro beneficiado com produto de fraude ban-cária tem legitimidade passiva ...........................217