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Revista SÍNTESE Direito Desportivo ANO VII – Nº 39 – OUT-DEZ 2017 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL Milena Sanches Tayano dos Santos COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Valdinéia de Cássia Tessaro de Souza CONSELHO EDITORIAL Alberto dos Santos Puga Barbosa Carlos Miguel C. Aidar Cristiano Augusto Rodrigues Possídio Domingos Sávio Zainaghi Fábio Lira da Silva Fernando Tasso de Souza Neto Gustavo Lopes Pires de Souza Marcelo Jucá Barros Martinho Neves Miranda Milton Jordão Paulo Bracks Rafael Teixeira Ramos Roberto Soares de Vasconcellos Paes COMITÊ TÉCNICO Caroline Nogueira Accioly Leonardo Schmitt De Bem COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Angelo Vargas, Domingos Sávio Zainaghi, Fábio Menezes de Sá Filho, Igor Rafael Galhardo Serrano, Layanny Carlos de Oliveira, Leonardo Schmitt De Bem, Marcelo Jucá Barros, Rafael Teixeira Ramos, Rafaela Dias Pinheiro, Sylvio Ferreira, Tibério Machado, Vitor de Araújo Evangelista ISSN 2236-9414

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Revista SÍNTESEDireito Desportivo

Ano VII – nº 39 – out-Dez 2017

DIretor executIVo

Elton José Donato

Gerente eDItorIAl

Milena Sanches Tayano dos Santos

coorDenADor eDItorIAl

Cristiano Basaglia

eDItorA

Valdinéia de Cássia Tessaro de Souza

conselho eDItorIAlAlberto dos Santos Puga Barbosa

Carlos Miguel C. AidarCristiano Augusto Rodrigues Possídio

Domingos Sávio ZainaghiFábio Lira da Silva

Fernando Tasso de Souza NetoGustavo Lopes Pires de Souza

Marcelo Jucá BarrosMartinho Neves Miranda

Milton JordãoPaulo Bracks

Rafael Teixeira RamosRoberto Soares de Vasconcellos Paes

comItê técnIcoCaroline Nogueira AcciolyLeonardo Schmitt De Bem

colAborADores DestA eDIçãoAngelo Vargas, Domingos Sávio Zainaghi, Fábio Menezes de Sá Filho, Igor Rafael Galhardo Serrano, Layanny Carlos de Oliveira, Leonardo Schmitt De Bem, Marcelo Jucá Barros, Rafael Teixeira Ramos,

Rafaela Dias Pinheiro, Sylvio Ferreira, Tibério Machado, Vitor de Araújo Evangelista

ISSN 2236-9414

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2011 © SÍNTESE

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Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 2.000

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Desportivo. – Ano 7, nº 39 (out./dez. 2017)- . – São Paulo: IOB, 2011- .

v. ; 23 cm.

Trimestral. ISSN 2236-9414

1. Ciências sociais aplicadas – Periódico. 2. Esportes – Legislação – Periódico. 3. Justiça desportiva – Periódico.

CDU: 34:796 CDD: 344.81099

Bibliotecária responsável Jucelei Rodrigues Domingues – CRB 10/1569

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Nesta edição da Revista SÍNTESE Direito Desportivo escolhemos como Assunto Especial o tema “As Contribuições Sindicais no Direito Des-portivo”, com a participação dos Mestres Fábio Menezes de Sá Filho e Layanny Carlos de Oliveira.

Os autores elucidam os pontos controvertidos acerca da cobrança da contribuição sindical no âmbito desportivo, salientando que, com a vigên-cia da Lei nº 13.467/2017, a qual alterou significativamente o texto conso-lidado, o desconto dessa contribuição só será permitido se de fato houver a filiação sindical.

Já na Parte Geral levamos a você um vasto conteúdo com a publica-ção de Doutrinas, Acórdãos na Íntegra, Seções Especiais, Clipping Jurídico, e Bibliografia Complementar.

Na Seção de Doutrinas contamos com a colaboração dos Mestres Domingos Sávio Zainaghi, Rafael Teixeira Ramos, Rafaela Dias Pinheiro, Sylvio Ferreira, Angelo Vargas, Tibério Machado, Marcelo Jucá Barros e Igor Rafael Galhardo Serrano.

Destacamos, por fim, a publicação da Seção Especial, denominada “De Frente para o Gol”, com um artigo analisado pelo Dr. Vitor de Araújo Evangelista intitulado “Brasil: O Gosto pelo ‘Retrocesso’ e o Oitavo Gol Alemão”; e a Seção Especial denominada “Subindo no Pódio”, com um texto da lavra do Dr. Leonardo Schmitt De Bem intitulado “Os Modelos Punitivos Belga e Francês Relacionados com o Doping Esportivo”.

Desejamos a você uma excelente leitura!

Milena Sanches Tayano dos SantosGerente Editorial

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos .......................................................................... 7

Assunto Especial

As Contribuições sindiCAis no direito desportivo

doutrinA

1. Análise da Legalidade da Cobrança de Contribuição Voluntária por Entidade Sindical de Atletas Profissionais em Face de um Clube Pernambucano de FutebolFábio Menezes de Sá Filho e Layanny Carlos de Oliveira ............................... 9

Parte GeraldoutrinAs

1. Evolução Histórica da Legislação Desportiva BrasileiraDomingos Sávio Zainaghi ............................................................................. 45

2. (Im)Possibilidade de Adicionais Integrantes do Salário do Praticante Desportivo ProfissionalRafael Teixeira Ramos ................................................................................... 59

3. O Direito à Saúde no MMARafaela Dias Pinheiro .................................................................................... 66

4. A Competência Cível do Juizado do Torcedor do Rio de JaneiroSylvio Ferreira, Angelo Vargas, Tibério Machado e Marcelo Jucá Barros ....... 80

5. Democracia em Campo: a Importância de Bangu Athletic Club e Club de Regatas Vasco da Gama no Processo de Inclusão Social no FutebolIgor Rafael Galhardo Serrano ........................................................................ 97

JurisprudênCiA

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça ........................................................................ 1262. Superior Tribunal de Justiça ........................................................................ 1353. Superior Tribunal de Justiça ........................................................................ 1454. Tribunal Superior do Trabalho .................................................................... 1535. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ...................................................... 1636. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região ............................................... 1697. Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol do Estado do Rio de Janeiro ....... 1748. Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol do Estado do Rio de Janeiro ....... 179ementário

1. Administrativo e Constitucional .................................................................. 1882. Civil ............................................................................................................ 1913. Penal .......................................................................................................... 194

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4. Trabalhista .................................................................................................. 1965. Tributário .................................................................................................... 210

Seção Especial

de Frente pArA o Gol

1. Brasil: O Gosto pelo “Retrocesso” e o Oitavo Gol AlemãoVitor de Araújo Evangelista ......................................................................... 212

subindo no pódio

1. Os Modelos Punitivos Belga e Francês Relacionados com o Doping EsportivoLeonardo Schmitt De Bem .......................................................................... 217

Clipping Jurídico ................................................................................................... 221

Bibliografia Complementar ....................................................................................... 227

Índice Alfabético e Remissivo ................................................................................... 228

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

1. Os artigos para publicação na Revista SÍNTESE Direito Desportivo deverão ser técni-co-científicos e focados em sua área temática.

2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho rece-bido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos

jurídicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter, além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO

AUTOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisa-mente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finalizadas por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-bico”. À Editora reserva-se o direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A primeira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comen-tários à jurisprudência, o número de páginas será de, no máximo, 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrô-nicos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

As Contribuições Sindicais no Direito Desportivo

Análise da Legalidade da Cobrança de Contribuição Voluntária por Entidade Sindical de Atletas Profissionais em Face de um Clube Pernambucano de Futebol

FáBIO MEnEzES DE Sá FILhOMestre em Direito, Membro da Asociacion Iberoamericana de Derecho del Trabajo y Segu-ridad Social (AIDTSS), Membro do Conselho Fiscal do Instituto Ítalo-Brasileiro de Direito do Trabalho (IIBDT), Coordenador Regional do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), Membro da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho (APDT), Vice-Presidente da Co-missão de Direito Desportivo da OAB/PE, Coordenador do Núcleo de Direito Desportivo da ESA/PE, Presidente do Conselho Fiscal e Associado Fundador do Instituto Pernambucano de Direito Desportivo (IPDD), Professor da Faculdade Damas da Instrução Cristã (Fadic), da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 6ª Região (Esmatra VI) e do Instituto dos Magistrados do Nordeste (IMN), Administrador e Associado Fundador da Academia Jurídica Virtual (AJV), Advogado.

LAyAnny CARLOS DE OLIvEIRAGraduada em Direito pela Fadic, Advogada.

ÁREA DO DIREITO: Desportivo; trabalho.

RESUMO: O presente estudo analisa, dentro do sistema sindical brasileiro, o financiamento das en-tidades sindicais, com ênfase nas cobranças efetuadas por um clube de futebol pernambucano, registradas como “Taxa Sind. Atleta”, recolhendo-as de futebolistas empregados, supostamente em favor de entidade sindical de atletas profissionais. A relevância da pesquisa sustenta-se no problema enfrentado pelos trabalhadores não filiados aos seus respectivos sindicatos. A CRFB/1988 permite indiretamente a imposição de uma contribuição obrigatória, mas, para o STF, as que são voluntárias dependem de filiação ao sindicato, não sendo possível, portanto, a retenção em face daqueles que não forem filiados. Para tanto, de início, analisem-se as características do sistema sindical brasi-leiro, para, em seguida, serem estudadas as espécies contributivas e, por último, a legalidade dos respectivos descontos para elucidação do exposto. O método utilizado na pesquisa foi o hipotético--dedutivo, com suporte em material bibliográfico, jurisprudencial e um caso concreto. Assim, a hi-pótese lançada foi totalmente comprovada, pois, na conjuntura atual brasileira, uma lei deveria ser editada, a fim de regulamentar aspectos gerais claros a respeito de tais contribuições voluntárias. O sistema atual não é livre e representativo, permitindo que alguns sindicatos tenham sido criados só para angariar rendas obrigatórias, o que certamente irá mudar após 11 de novembro de 2017. No próximo ano, apenas será possível o recolhimento das contribuições voluntárias, enquanto únicas fontes de receita sindical.

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PALAVRAS-CHAVE: Sistema sindical brasileiro; contribuição obrigatória; contribuições voluntárias.

ABSTRACT: The present study analyzes, within the Brazilian trade union system, the financing of trade unions, with emphasis on collections made by a football club from Pernambuco, registered as “Taxa Sind. Atleta”, collecting them from the athletes, supposedly in favor of union organization of professional athletes. The relevance of the research is based on the problem faced by workers not affiliated to their respective unions. The Brazilian Constitution of 1988 indirectly allows an imposition of a mandatory contribution, and, to the Brazilian Supreme Court, when they are voluntary depend on the union membership, so it’s not possible to collect if they aren’t affiliated. To do so, at first, it’s analyzed the characteristics of the Brazilian trade union system. Then, it’s studied the contributory species and, finally, the legality of the respective discounts to elucidate this study. The method used in the research was hypothetical-deductive, in which was carried out bibliographical studies, juris-prudence and analysis of a concrete case. Thus, the hypothesis launched was fully proven, because in the current Brazilian context a law should be published in order to regulate clear general aspects regarding such voluntary contributions. The current system is not free and representative, allowing some unions to be created just to raise mandatory incomes, which will certainly change after Novem-ber 11th, 2017. Next year, it will just be possible to collect voluntary contributions, as only sources of union revenue.

KEYWORDS: Brazilian trade union system; mandatory contribution; volunteers contributions.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Noções gerais sobre o sistema sindical brasileiro; 1.1 Breve contextualiza-ção do sindicalismo; 1.2 Organização sindical; 1.2.1 Fundação e registro; 1.2.2 Entidades sindicais de grau superior e centrais sindicais; 1.3 Liberdade sindical; 2 Das contribuições em espécie devi-das às entidades sindicais; 2.1 Contribuição sindical compulsória; 2.2 Contribuição confederativa; 2.3 Contribuição estatutária; 2.4 Contribuição negocial; 3 Análise da legalidade da cobrança de con-tribuição voluntária por entidade sindical de atletas profissionais em face de um clube pernambucano de futebol; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Este estudo, fruto de trabalho de conclusão de curso defendido na Faculdade Damas da Instrução Cristã (Fadic), em 14 de junho de 2017, faz uma análise a respeito da legalidade da cobrança de umas das espécies de contribuição devida à entidade sindical, cujo tema reflete um dos aspectos ligados ao direito coletivo de trabalho, o qual teve como auge de desenvol-vimento o período após a Revolução Industrial do século XVIII, possuindo como principal ponto, atualmente, o reconhecimento do direito de se criar associações profissionais. No Brasil, esse direito foi influenciado pelos tra-balhadores estrangeiros, que aqui chegavam por volta dos anos 1900, ha-vendo a permissão de criação, em 1903, de sindicatos rurais e, em 1907, no âmbito urbano.

O movimento sindical brasileiro vem alcançando, ao longo dos anos, um importante papel de desenvolvimento dos direitos trabalhistas, obtendo,

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de suas lutas, grandes conquistas, inclusive a partir das negociações diretas entre as entidades patronais e laborais. No entanto, resquícios da velha po-lítica sindical são perceptíveis até os dias atuais. E o progresso da sociedade não fez com que houvesse mudanças significativas no sistema sindical, o qual ainda é uno e possui controles estatais.

A CRFB/1988 trouxe em seu texto relativa autonomia sindical fun-dada em uma pretensa liberdade formal, e não fática. Tal ocorre porque manteve a noção de unicidade sindical com sindicalismo por categorias, bem assim permitiu que a lei exigisse contribuição sindical compulsória por filiados e não filiados às respectivas entidades, ao contrário de se ter apenas contribuições voluntárias.

Essa obrigatoriedade da contribuição sindical, de natureza tributária, é fundada, até 10 de novembro de 2017, no sistema de arrecadação para o custeio das atividades que as entidades desempenham. Possuem, assim, liberdade de arrecadação, desde que não tenham fins lucrativos.

As contribuições voluntárias, como o próprio nome aduz, são aque-las que devem ser estipuladas pela voluntariedade das partes (sindicato e sindicalizados) e possuem formas diversas de constituição. É o modelo de liberdade almejado pela OIT.

Por isso, este estudo é de fundamental importância, pois a arrecada-ção para o custeio das referidas entidades deve ser baseada na liberdade de instituição, levando em consideração a vontade dos sindicalizados em custear a entidade que lhe representa, como forma de apoio às atividades exercidas.

Desse modo, surge a seguinte questão: até que ponto as entidades sindicais podem instituir contribuições no modelo brasileiro, e de que forma podem cobrá-las?

Para o desenvolvimento do presente trabalho, é importante conside-rar a voluntariedade dos sindicalizados, na tentativa de se coibir abusos por parte das supracitadas entidades, proporcionando, de fato, uma autonomia sem amarras estatais, devendo ser criada uma lei apenas para esclarecer na CLT, por regras gerais, a necessidade de filiação ao sindicato, bem como au-torização expressa do sindicalizado, para que haja a cobrança de qualquer desconto remuneratório, na folha de pagamento, de natureza contributiva sindical. Isso quando a modalidade de adimplemento for por desconto em folha, pois poderia ser mediante quitação de boleto bancário, depósito em conta ou pagamento em espécie, o que já demonstraria a voluntariedade pelo trabalhador em contribuir com a sua entidade sindical representativa.

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Tem-se, como objetivo geral, a análise dos requisitos para cobran-ça das contribuições voluntárias. Por outro lado, os objetivos específicos são tratar brevemente sobre aspectos relativos ao sistema sindical brasileiro, identificar as espécies de contribuições sindicais e estudar, a partir de dados reais, a abusividade de cobrança de contribuição voluntária por um time de futebol pernambucano.

A metodologia do estudo utilizada é descritiva, qualitativa, por méto-do analítico hipotético-dedutivo, por meio de revisão bibliográfica, análise de precedentes judiciais e estudo de caso.

Inicialmente, faz-se uma breve contextualização do sindicalismo, bem assim é explicado como se dá a fundação e o registro das entidades sindicais, dentro do modelo de liberdade sindical. Em seguida, pretende--se entender como ocorre a arrecadação financeira das entidades sindicais, além das espécies contributivas. Por fim, a análise será feita em torno da legalidade da cobrança de contribuição voluntária em um clube de futebol pernambucano, de modo a verificar a forma de sua instituição, com base no ordenamento jurídico brasileiro.

1 NOÇÕES GERAIS SOBRE O SISTEMA SINDICAL BRASILEIRO

Sindicato é uma instituição reconhecida pelo Estado, que se constitui livremente de empregados ou empregadores, até mesmo de trabalhadores autônomos e profissionais liberais, para a defesa respectiva dos seus inte-resses profissionais ou econômicos. O associativismo sindical surgiu, ine-gavelmente, a partir das lutas de classes travadas coletivamente em busca de melhores condições laborais. Ademais, como descreve Andrade (2005, p. 79), “o Direito é um produto histórico-cultural”, e, por sua vez, o direito do trabalho é, sem dúvida, um dos produtos que transformou, e ainda trans-forma a sociedade, já que o labor dignifica o homem, alimenta-o, faz dele um ser capaz de produzir bens, produtos e serviços.

Por isso, o sindicato tem como finalidade primária a defesa dos inte-resses econômicos, sociais e políticos das categorias profissionais ou econô-micas que representam, ou seja, de uma coletividade.

1.1 Breve contextualização do sindicalismo

Ao longo dos tempos, as entidades sindicais vêm se organizando de forma bem peculiar, gerando dúvidas com relação ao seu marco inicial.

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Vale ressaltar que traços organizacionais já eram visualizados duran-te os séculos XI a XV, conforme Andrade (2005, p. 80), pois existiam as corporações de ofícios, onde as atividades eram desempenhadas de forma artesanal, e o mestre, que era o dono do negócio, ensinava aos companhei-ros, os subordinados, as etapas de produção daquela época. Ademais, os aprendizes igualmente compareciam às corporações, mas para aprenderem um ofício.

Além da existência das corporações, é importante mencionar o mo-mento das coalizões, cujo período ficou marcado pela inércia do Estado frente ao desenvolvimento capitalista – marcas do liberalismo –, visto que a não intervenção e a proibição da organização de trabalhadores marcaram essa fase de conspiração1.

Todavia, para o movimento sindical moderno, tem-se a Revolução Industrial (século XVIII) como marco inicial e transformador da concepção da associação, porquanto, com os avanços das inovações técnicas, das tec-nologias e das produções em massas, tudo isto ocasionou o agrupamento dos trabalhadores, que começaram a perceber as diferenças sociais que o cercavam perante um crescente progresso e desenvolvimento do modelo capitalista.

Outrossim, descreve Andrade (2005, p. 81) que o trabalhador é o produto da sociedade industrial, já que eram de suas forças e empenho que os resultados eram gerados, alimentando o sistema produtivo do capital.

Dessa forma, foi a partir dessa percepção que o agrupamento profis-sional, o qual, ora era impulsionado pelo trabalho, ora foi transformado em luta por melhores condições de trabalho, deu o pontapé inicial, a fim de permitir que o movimento classista fosse meio para o desenvolvimento em prol de uma vida laboral mais digna, em virtude de que, naquela época, os horários de trabalhos eram longos, com muitos deveres e poucos direitos, ocasionando, assim, um descontentamento nos trabalhadores.

E foi nesse cenário de insatisfação que, ainda, houve a substituição progressiva da mão de obra humana por máquinas, as crises econômicas, bem como a introdução das mulheres e das crianças nas indústrias, sendo, assim, os marcos iniciais para as reivindicações.

Na Inglaterra, devido ao movimento industrial que se instalou, foi possível o surgimento das associações de trabalhadores para reivindicar me-

1 Tal era o nome dado ao tipo delituoso de organização ou reunião de trabalhadores.

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lhores salários e condições de trabalho, cujo reconhecimento da possibili-dade de criação dos sindicatos deu-se com a Trade Union Act, em 1871.

Na França, a Lei de Le Chapelier, de 1791, teve efeitos na elimi-nação das corporações de ofício e no impedimento de desenvolvimento dos sindicatos, porém a liberdade de associação dos trabalhadores se deu, formalmente, apenas a partir de 1884, quando foi editada a Lei Waldeck--Rousseau.

No México, a matéria foi disciplinada na Constituição de 1917, con-siderada a 1ª Constituição socialista. Já para a Alemanha, a liberdade de associação foi admitida na Constituição de Weimar, de 1919.

Por outro lado, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, determina que todo homem tem direito a ingressar num sindicato (art. 23, IV).

É importante mencionar que, ao longo dos anos e das transformações, ocorreu a proibição da criação de entidades associativas, para, em segui-da, vir a tolerância e, por último, uma aceitação do modelo sindical sob 2 (duas) vertentes: a do controle Estatal e posteriormente a da entidade livre. Já Andrade (2010, p. 82-84) considera que o sindicalismo passou pelas fases da ilegalidade, da tolerância e do reconhecimento sindical.

Além disso, um outro ponto que merece destaque é o do posiciona-mento da Igreja Católica, atribuído na encíclica Rerum Novarum, de 1891, cujo documento critica as condições desumanas às quais os trabalhadores eram submetidos.

Já para o Brasil, o modelo sindical cresceu atrelado ao desenvolvi-mento industrial e ao capitalismo, tendo início por volta do século XIX, a partir das lutas de classes agrícolas, mais especificamente dos trabalhadores das lavouras de café, cujos patrões utilizavam-se de mão de obra escrava e, com o surgimento das fábricas, os sindicatos foram se desenvolvendo por ramo industrial. Porém, a sua organização tem fundamentos no intervencio-nismo estatal, já que o Estado pauta um modelo próprio, até hoje com seus desígnios e diretrizes.

Assim, é possível considerar a divisão do sindicalismo no Brasil, se-gundo Sá Filho (2017, p. 1-14), em 5 (cinco) fases, tomando-se por base as 4 (quatro) primeiras expostas por Barroso (2010, p. 58-82).

A fase do anarcossindicalismo, que inaugura a história do movimento de trabalhadores de característica industrial no Brasil, cuja organização se dava por várias correntes ideológicas e profissionais, não possuindo uma

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formação tipicamente sindical, já que ainda não existia um ramo intitulado direito do trabalho no País.

A do corporativismo estatal, entendida como a principal fase do sin-dicalismo brasileiro, surgindo nessa época a estruturação das entidades, por volta de 1930 a 1988, principalmente com a era Vargas, quando o país deu um salto no desenvolvimento econômico interno, sendo criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio – atualmente, Ministério do Trabalho –, onde havia uma comissão específica de enquadramento sindical. Nessa fase, as entidades eram controladas pelo Estado, sendo agentes e instrumen-tos de colaboração estatal.

Já a fase de relativa autonomia sindical adveio com a nova ordem constitucional de 1988, provocando importantes modificações no cenário do sindicalismo brasileiro. Houve, na época, certo desatrelando, parcial e formalmente, das entidades sindicais em relação ao Estado. Além do mais, cumpre salientar que a CRFB/1988 trouxe no seu texto relativa autonomia, atribuindo determinada libertação2 dos sindicatos aos desígnios estatais, não sendo mais, como outrora, controlados, bem assim deixou de serem permitidas a suspensão e a dissolução de entidades por atos administrativos. Contudo, as estruturas básicas da organização sindical, resquícios do ranço corporativo de Vargas, como entidade única, em restrito âmbito territorial e por categorias, permanecem até hoje.

A quarta fase é a do neocorporativismo, que teve início em aproxi-madamente 2003 e finda em meados do ano de 2016, sendo um fenômeno que esteve em construção, cujo principal compromisso era aproximar as atividades sindicais das políticas públicas, continuando, assim, servindo ao Estado, tendo como veículo de tal aproximação as centrais sindicais.

Por fim, a última e atual fase é a do neoliberalismo, com início no ano de 2016, passando a existir após o impeachment da ocupante do cargo de maior hierarquia no Poder Executivo Federal, o que ocasionou a mudança da Chefia de Estado, que foi ocupada pelo então Vice-Presidente.

O atual Chefe de Estado, após sua posse, deu início a projetos de reformas, tendo como exemplos os de caráter trabalhista e previdenciário, retomando, assim, ideais liberais no discurso, afirmando necessitar tomar medidas necessárias ao desenvolvimento econômico e social do Brasil (Pochmann, 2016). Exemplos disso são as Leis nºs 13.429/2017 (Lei da Ter-ceirização) e 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista), as quais refletem a

2 Libertação que para a época foi bem significativa, mas que, por não ter sido completa, precisa ser revista.

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possibilidade de flexibilização de direitos laborais. Por isso, já se pode afir-mar que se vive uma nova fase: o neoliberalismo sindical (Sá Filho, 2017, p. 14).

Embora a contribuição sindical compulsória tenha sido afetada pela referida reforma, o modelo de sindicalismo existente é ainda impregnado pela vontade do Estado, em virtude da unicidade, da necessidade do duplo registro (no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas e posteriormen-te no Ministério do Trabalho – MTb), mas é de se considerar que houve avanços bem significativos e construtivos, apesar de estar distante de ser o modelo que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) determina na sua Convenção nº 87/1948.

1.2 organização sindical

Organizar algo parte do princípio de estruturar um sistema, para que haja uma disposição conjunta, a fim de perseguir objetivos em comum. Segundo Barroso (2010, p. 99), “a organização sindical depende do grau de liberdade que cada modelo de relação de trabalho juridificado possui”. Essa liberdade é delineada por cada Estado-membro, a depender do modelo adotado, apesar de existir a Convenção nº 87/1948 da OIT, que demarca as bases gerais de um modelo sindical padrão, que leva em conta a indução à organização autônoma, livre das amarras, sobretudo, estatais.

Contudo, o Brasil não a ratificou, pois, diante da liberdade sindical que ela impõe, conflita com o sistema ainda intervencionista adotado na CRFB/1988, a exemplo da unicidade sindical, presente no art. 8º, II.

O modelo sindical assumido pelo Brasil é complexo, confuso e até mesmo contraditório, e é esse o entendimento de Barroso (2010, p. 172), porque há no seu arranjo regras que se contradizem, tanto em relação ao sistema adotado quanto à forma que são constituídas as entidades. E nesse viés, sob a ótica quantitativo-territorial, o sindicalismo pode ser classificado em pluralidade, unidade e unicidade sindical.

O sistema da unicidade sindical ocorre quando há critérios de res-trição estatal em relação à possibilidade de criação de entidades sindicais, sendo tal imposta por lei. Já o sistema da unidade refere-se a um monismo voluntário dos interessados em possuir apenas uma entidade representativa do grupo social, que não é, portanto, imposto por lei, pois, antes de se ter unidade, se pressupõe haver pluralidade. Já esse último sistema parte do princípio que não deve haver restrição de qualquer espécie, podendo haver

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mais de uma entidade sindical numa mesma base territorial que represente o mesmo grupo social.

A CRFB/1988, em seu art. 8º, II, impõe como sistema sindical brasi-leiro o da unicidade, disciplinando que os sindicatos devem ser constituídos em uma base territorial, limitada, no mínimo, a um município, só podendo existir para a mesma categoria representada por uma única entidade. É o modelo contrário ao defendido pela Convenção nº 87/1948 da OIT, o qual orienta o da pluralidade sindical, com a livre constituição de sindicatos para uma maior e melhor representatividade, além da autonomia administrativa e financeira.

É um sistema que confronta a liberdade de escolha dos sindicaliza-dos, já que o empregado ou empregador só pode se vincular à entidade sindical existente na respectiva base territorial, independentemente de este sindicato ser atuante ou não.

Reforçando a ideia da unicidade, tem-se o art. 516 da CLT, que deter-mina não ser reconhecido mais de 1 (um) sindicato representativo da mes-ma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal, em uma dada base territorial, o que reflete uma imposição estatal de manter o controle do sistema sindical, por ser fixado em lei e não pela livre vontade das pessoas, ferindo, assim, o princípio da não intervenção na organização sindical.

Ademais, sob a ótica qualitativa, o sistema sindical brasileiro é agre-gado por categorias, ou seja, cada trabalhador ou empregador integrará grupos sociais já delimitados previamente pelo Estado, embora o art. 511 da CLT dê a entender que o interesse de reunião das pessoas seja natural, tanto é verdade que o mesmo diploma consolidado prevê, nos §§ 1º e 2º do art. 581, que, se uma empresa realizar mais de uma atividade econômica, o que irá prevalecer é a sua atividade preponderante, que se caracteriza pela unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente em regime de cone-xão funcional. Tal definição não é perfeita, em virtude de gerar ainda assim insegurança quando um profissional pode ser enquadrado em mais de uma categoria, tamanha é a sua abrangência, a exemplo da dos bancários, meta-lúrgicos, panificadores, urbanitários, entre outras.

Desse modo, a categoria é determinada não pela atividade exerci-da pelo trabalhador, mas sim pela atividade econômica do empregador, não importando a função desempenhada, desde que não seja tido como trabalhador de categoria diferenciada (art. 511, § 3º, da CLT), a qual se configura numa situação de maior complexidade, por ser possível encaixar

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o profissional em diversas categorias ou em nenhuma delas, a exemplo dos vigilantes, professores, atletas profissionais, motoristas, entre outras. Não há que se considerar a forma de agrupamento una, pois elas se misturam, e é o que acontece no Brasil, com as categorias profissionais ou econômicas, bem assim a que respeitaria o critério por profissão, conhecida por categoria profissional diferenciada.

Desse modo, a categoria profissional diferenciada agrega trabalhado-res de mesmo ofício, funcionando de forma relativa no Brasil para aquelas categorias que possuem exigências especiais por lei, e que por tal razão não podem ser agrupadas por similitude ou conexidade.

Ademais, existe, ainda, o critério da especialização, que vem sendo utilizado pelo STF e TST3, quando há a necessidade de desmembrar grupos de pessoas integrantes de categorias mais abrangentes anteriormente fixadas em um outro grupo (ex.: entidade sindical dos trabalhadores de bares, res-taurantes e congêneres, que sofre o desmembramento sindical daqueles que prestam serviço no setor de hotelaria, antes integrada na referida categoria mais abrangente). O ato de desmembrar é, portanto, utilizado na tentativa de respeitar os princípios constitucionais da liberdade de associação e da autonomia sindical (Delgado, 2015, p. 82), permitindo a criação de grupos sociais mais específicos, o que outrora não era possível, em virtude da no-ção de enquadramento sindical (antes de se pensar num sindicato, tinha que preexistir a categoria, criada pelo Estado).

1.2.1 Fundação e registro

Para a fundação de um novo sindicato, devem ser observados os re-quisitos previstos na legislação, como o da observância da publicidade do ato de criação do sindicato, entre outros.

É medida disciplinada no art. 8º, I, da CRFB/1988 in verbis: “A lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalva-do o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferên-cia e a intervenção na organização sindical”.

O Poder Público a que o artigo se refere principalmente é o Poder Executivo, quanto a seu órgão ministerial do trabalho. Como visto, esse

3 “Representação. Desmembramento de base territorial. Legitimidade ativa da nova entidade. A entidade mais antiga, abrangente de base territorial ampla, não possui direito adquirido de representação. O art. 8º, II, da CF/1988 não proíbe o desmembramento de um sindicato com base territorial ampla em entidades de base territorial menor, desde que esta não seja inferior à área de um município. Recurso desprovido.” (RODC 505981-04.1998.5.15.5555, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Rel. Min. José Alberto Rossi, DJ 08.11.1999, publ. DJ 17.12.1999)

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registro não serve como marco existencial da entidade, porque a criação fica a cargo dos seus sindicalizados quando da respectiva formalização no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, não podendo o MTb exigir autorização para a fundação do sindicato, bem como não pode interferir e intervir na organização sindical, sendo que igual obrigação de não fazer é endereçada aos Poderes Legislativo e Judiciário.

Para o registro, primeiro, é necessário seguir os requisitos impostos pela Portaria nº 326, de 1º de março de 2013, do MTb, a qual delimita a documentação necessária a ser apresentada, a forma de análise do processo de registro, trata da impugnação que porventura pode acontecer caso te-nha outra entidade de mesma base territorial ou categoria, havendo que ser respeitada a unicidade sindical, proibindo o surgimento de nova entidade, ou permitido o respectivo desmembramento, em face de eventual maior especificidade.

Contudo, é possível afirmar que se trata de violação ao princípio da li-berdade sindical quando as condições estabelecidas para o registro possam equivaler a uma autorização prévia da autoridade pública a respeito, o que não poderia ocorrer. Ademais, é importante ressaltar, mais uma vez, que se exige duplo registro à entidade sindical, sendo um de natureza notarial, para existência enquanto pessoa jurídica, e outro no MTb (vide art. 42 da Portaria nº 326/2013)4. Esse último servirá para ser controlada a unicidade sindical, já que o cartório não tem condições de empreender ato repressivo que impeça o funcionamento daquela entidade, exigida decisão judicial neste sentido (art. 5º, XIX, da CRFB/19885), próprio da coercibilidade estatal. No mais, é importante ressaltar que o STF, no Enunciado de Súmula não Vinculante nº 677, admitiu a necessidade do registro no órgão ministerial até que lei venha dispor em sentido contrário.

1.2.2 Entidades sindicais de grau superior e centrais sindicais

O sistema sindical brasileiro é formado por um escalonamento de entidades, estando na base do sistema, e considerado como de primeiro grau, o sindicato6, propriamente dito, que é constituído por trabalhadores

4 “Art. 42. Os documentos relacionados nesta Portaria serão apresentados em originais, cópias autenticadas ou cópias simples, exceção feita aos comprovantes de pagamento da GRU, relativo ao custo das publicações no DOU, que deverão ser apresentados em original. § 1º Os estatutos sociais e as atas deverão, ainda, estar registrados no cartório da comarca da sede da entidade requerente. [...].”

5 “Art. 5º [...] XIX – as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; [...].”

6 Nesse sentido o art. 561 da CLT diz que: “A denominação ‘sindicato’ é privativa das associações profissionais de primeiro grau, reconhecidas na forma desta lei”.

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ou empregadores. Segundo a lição de Gomes e Gottschalk (2007, p. 565), sindicato profissional é

[...] o agrupamento estável de várias pessoas de uma profissão, que conven-cionam colocar, por meio de uma organização interna, suas atividades e par-te de seus recursos em comum para assegurar a defesa e a representação da respectiva profissão com vistas a melhorar suas condições de vida e trabalho.

Apesar de tal definição, é possível às pessoas que empreendem uma mesma atividade econômica a criação de um sindicato patronal.

Dessa forma, no Brasil, a associação sindical é obtida a partir da reu-nião de pessoas físicas ou jurídicas, que desempenham atividades profissio-nais ou econômicas, com o fim de perseguir direitos coletivos e/ou indivi-duais de seus membros ou da categoria. A CLT não define ao certo o que viria a ser o sindicato, mas, em seu art. 5117, esclarece o papel da entidade.

Segundo Arouca (2003, p. 589), o sindicato possui uma única natu-reza jurídica: a de somar forças para lutar pelos interesses da coletividade, a qual irá representar.

Outrossim, cabe salientar existir um sistema confederativo sindical, refletindo um escalonamento de entidades em busca de um fortalecimento de bases, sendo que Godinho (2015, p. 93) trata dele de forma piramidal, estando na base os sindicatos, em seguida vindo as federações, as confede-rações e, por último, as centrais sindicais. Pela CLT, é certo afirmar que só seriam entidades sindicais de grau superior as federações e as confedera-ções8, pois nestas está presente o paralelismo típico do sistema de categorias brasileiro, ao contrário das centrais, que apenas existem, qualitativamente, em âmbito profissional.

Por sua vez, as federações constituem-se de, no mínimo, 5 (cinco) sin-dicatos de mesma categoria, que representem a sua maioria absoluta, seja profissional ou econômica, tendo como base mínima territorial o âmbito estadual (art. 534 da CLT).

7 “Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas.”

8 “Art. 533. Constituem associações sindicais de grau superior as federações e confederações organizadas nos termos desta lei. [...] Art. 562. As expressões ‘federação’ e ‘confederação’, seguidas da designação de uma atividade econômica ou profissional, constituem denominações privativas das entidades sindicais de grau superior.”

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De criação exclusivamente em âmbito nacional e também integran-te do sistema confederativo sindical existem as confederações, que são constituídas por, no mínimo, 3 (três) federações, tendo sede em Brasília (art. 535 da CLT), possuindo como função básica a de coordenar federações e sindicatos do seu setor.

Já as centrais sindicais, que podem ser consideradas entidades de cú-pula profissional, são constituídas por sindicatos de trabalhadores, com fun-ções delineadas pela Lei nº 11.648/2008 (Lei das Centrais Sindicais) que as regulamentou. É uma entidade sindical ímpar, de interesse estratégico, para propor políticas e atuações coletivas em benefício geral dos trabalhadores. Além do mais, são constituídas não por uma categoria laboral específica, mas, ao menos, 5 (cinco) delas, o que torna inviável a representação direta daqueles por tal entidade.

A Lei das Centrais Sindicais, em seu art. 1º, caput, disciplina que se trata de entidade de representação geral dos trabalhadores, constituída ape-nas em âmbito nacional, a fim de poder, também, participar de fóruns de diálogo tripartite de interesse profissional, em relação a assuntos trabalhistas e/ou previdenciários, por exemplo. Desse modo, excluiu-se a possibilidade de criação de central sindical de natureza patronal, bem como se proibiu a instituição em âmbito territorial inferior a nacional. Isso, por si só, de-monstra intervenção estatal indevida, em prejuízo ao teor do art. 8º, I, da CRFB/1988, raciocínio esse corroborado por Barroso (2010, p. 136).

Potencial afronta constitucional pode ser percebida, ainda, nos arts. 2º e seguintes da Lei das Centrais Sindicais, na medida em que são estipulados requisitos para aferir a representatividade de tais entidades, des-tinando ao MTb a publicidade anual de quem os cumpre; é criada a noção de comparecimento proporcional nos fóruns tripartites (entre representantes de uma central sindical e outra, e dos representantes destas em paridade com os das confederações patronais, que se farão presentes), é destinado percentual da contribuição sindical compulsória à central sindical quando esta for indicada pelo seu sindicato filiado na hora da distribuição do total arrecadado por uma categoria e é realizada repristinação abusiva de dis-positivos celetistas, inclusive não recepcionados pela CRFB/1988 (os quais tratam do referido tributo), além de ser feita projeção futura da contribuição negocial, a qual se tornará uma realidade necessária a partir de 11 de no-vembro de 2017.

Outrossim, é certo afirmar que as centrais são diferentes das entidades que compõem o sistema confederativo, o qual gira em torno da unicidade sindical e da representação única de categoria profissional ou econômica,

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e como aquelas defendem interesses de diversas categorias, perfazendo a pluralidade na cúpula, não preenchem, assim, os mesmos requisitos das ori-ginárias entidades sindicais brasileiras (sindicatos, federações e confedera-ções). Desse modo, conforme o art. 589, II, b, da CLT, redação dada pela re-ferida lei em 2008, anomalamente as centrais sindicais passaram a perceber parcela da contribuição sindical compulsória, que serve para a manutenção do sistema confederativo sindical, contraditoriamente ao que era defendido e almejado por tais entidades, que surgem para combater os antigos ranços de corporativismo sindical, a exemplo da cobrança de tal tributo.

1.3 liBerdade sindical

A liberdade sindical é um dos princípios fundamentais do sistema sindical, sendo preceito objetivado pela OIT na sua Convenção nº 87/1948 e que deveria ter sido ratificada pelo Brasil, mas é impedida principalmente pela adoção constitucional da unicidade. Além do mais, o exercício pleno de tal direito pode ser analisado por diversas vertentes, como a liberdade de constituição de entidades, de eleição de dirigentes, de filiação, de adminis-tração, entre outras.

A liberdade constitucional é formal, sendo observada no art. 8º da CRFB/1988, que preceitua a livre associação e não intervenção estatal, como também a falta de autorização pelo Poder Público para sua criação, exceto o registro no MTb. Contudo, a não ratificação da referida convenção da OIT pelo Brasil reforça a falta de liberdade no sistema sindical local, acentuando a contradição constitucional existente desde a origem de prover autonomia, mas, ao mesmo tempo, restringe-a com a unicidade sindical.

Lado outro, a liberdade sindical também é consagrada na Declara-ção Universal dos Direitos do Homem, ao tratar do “direito à liberdade de reunião e associação pacíficas” (art. 20). Nesse sentido, Meirelles (2012, p. 12) defende que, “mais que um modelo ideal, a liberdade sindical cons-titui um dos pilares da dignidade da pessoa humana, principio maior de nossa lei fundamental”.

Ademais, a liberdade sindical está ligada à autonomia não sendo ex-pressões sinônimas, mas sim complementares, pois o princípio da autono-mia é mais um importantíssimo para o direito coletivo do trabalho, e diz respeito à possibilidade de auto-organização econômica e administrava, valendo salientar que um sindicato livre deve ser autônomo, o que engloba a sua criação, administração e seu funcionamento. Ser autônomo significa autorregular-se, tomando decisões conforme os interesses da entidade. Se-guindo nesse sentido, há a lição de Nascimento (2009, p. 357), para quem

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“o princípio constitucional da não interferência do Estado na organização sindical não é restrito ao direito de fundar sindicatos. É dirigido, também, à liberdade de auto-organização interna do sindicato”.

Na liberdade de filiação, o inciso V do art. 8º da CRFB/1988 deixa claro que ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindica-to. A filiação deve ser livre, analisada sobre os interesses dos filiados e da entidade. Não há por que haver a obrigação de estar ou permanecer filiado a uma entidade, considerando os valores que os gestores dela carregam, se não forem condizentes com os ideais que o empregado ou empregador ratificam.

Barroso (2010, p. 96) coloca como positiva a liberdade de estar e permanecer filiado, e como negativa a de não se filiar ou a de se desfilar. É a livre escolha, sendo demonstração do livre arbítrio.

A liberdade sindical plena, o que engloba a possibilidade real de livre criação de entidades sindicais representativas de um grupo social judicial e extrajudicialmente, deve ser sempre almejada pelos países democráticos, o que permite ser identificada uma enorme deficiência no sistema sindical brasileiro.

Ademais, além de clara violação à liberdade sindical, a unicidade aliada com a contribuição sindical arrecadada de forma compulsória possi-bilita o surgimento de entidades sem o devido compromisso de representati-vidade, mas com interesses meramente arrecadatórios de recursos, inclusive em contrariedade à lei, conforme será visto adiante.

2 DAS CONTRIBUIÇÕES EM ESPÉCIE DEVIDAS ÀS ENTIDADES SINDICAIS

As entidades sindicais devem desempenhar certas funções (de repre-sentação, negocial, assistencial, entre outras)9, e para isso é necessário ha-ver fontes de custeio, surgindo, assim, a necessidade de arrecadação de contribuições para que o desenvolvimento de suas atividades possa tomar forma e se exteriorizar aos trabalhadores e empregadores. O custeio deve ser realizado de maneira lícita e sem fins lucrativos.

9 “Art. 514. São deveres dos sindicatos: a) colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social; b) manter serviços de assistência judiciária para os associados; c) promover a conciliação nos dissídios de trabalho; d) sempre que possível, e de acordo com as suas possibilidades, manter no seu quadro de pessoal, em convênio com entidades assistenciais ou por conta própria, um assistente social com as atribuições específicas de promover a cooperação operacional na empresa e a integração profissional na Classe. Parágrafo único. Os sindicatos de empregados terão, outrossim, o dever de: a) promover a fundação de cooperativas de consumo e de crédito; b) fundar e manter escolas da alfabetização e pré-vocacionais.”

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Além do mais, é relevante mencionar que, no ordenamento jurídico brasileiro, existem contribuições que são tidas como voluntárias ou facul-tativas, assim consideradas por Nascimento (2015, p. 327), além da contri-buição sindical compulsória. Portanto, a voluntariedade diz respeito princi-palmente ao seu modo de contribuição, sendo tais instituídas pelas próprias partes (representantes dos trabalhadores e dos patrões), considerando os seus interesses, o que reflete a verdadeira noção do ato de contribuir, que jamais poderia ser compulsório.

A Convenção nº 87/1948, em seu art. 3º, I, dispõe que, in verbis:

As organizações de trabalhadores e de empregadores terão o direito de ela-borar seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente seus representantes, de organizar a gestão e a atividade dos mesmos e de formular seu programa de ação.

É a liberdade de auto-organização das entidades, permitindo que haja um sistema sindical mais representativo e com uma maior participação dos trabalhadores ou empregadores.

Sendo assim, prega-se a livre gestão, seja administrativa ou financei-ra. Entretanto, o Estado brasileiro se opõe a deixar que as entidades livre-mente se constituam e se organizem autonomamente. E é por tal razão que a OIT defende a voluntariedade da organização, inclusive contributiva, o que passará a ser realidade a partir de 11 de novembro de 2017. A seguir, passa-se a analisar as espécies contributivas com suas características, como a forma de instituição, cobrança e base normativa.

2.1 contriBuição sindical compulsória

A contribuição sindical é a nomeação dada atualmente ao antigo im-posto sindical, cuja substituição de nomenclatura foi instituída pelo Decre-to-Lei nº 229/1967, e é uma das mais antigas fontes de custeio das supra-citadas entidades. Suas bases encontram-se fixadas tanto na CRFB/1988, em seu art. 8º, IV, como, também, na CLT, nos arts. 578 a 610, além do art. 217, I, do Código Tributário Nacional (CTN), incluído pelo Decreto-Lei nº 27/1966, o que a caracteriza como de natureza tributária.

É uma forma contributiva involuntária, tendo em vista que independe da vontade do empregado ou empregador para a sua arrecadação, já que é uma imposição legal o desconto na folha de pagamento ou a obrigatorieda-de de adimplemento, e o empregador está sujeito à multa caso descumpra. Suas bases gerais estão delineadas no art. 580 da CLT, sendo devida uma vez ao ano. Quando o contribuinte for trabalhador, o desconto é de um

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dia de trabalho. Quando empregador, o desconto é feito a partir do capital social da empresa. Para os trabalhadores autônomos, toma-se por base 30% (trinta por cento) do maior valor de referência fixado pelo Poder Executivo.

Assim, para o sistema brasileiro, essa espécie de contribuição não faz distinção entre filiados ou não filiados às entidades, pois a forma de ar-recadação da contribuição sindical é compulsória e independe da vontade do empregado ou empregador, ou de qualquer outro que integra alguma categoria, sob pena de ser punido na forma da lei.

Por isso, é uma das mais controvertidas espécies de contribuição, por confrontar os princípios da autonomia contributiva, por não considerar a vontade das partes, mediante normas instituídas pelo Estado. Ademais, isso reflete, mais uma vez, afronta ao princípio da não intervenção, mas, ainda assim, foi recepcionada pela CRFB/1988. Nesse sentido, Godinho (2015, p. 112) defende que, por ser decorrente de lei e sendo devida também pelos trabalhadores não sindicalizados, a receita tem indisfarçável natureza para-fiscal. No mesmo viés, Barroso (2010, p. 173) afirma que a lei deu origem à contribuição sindical, ao invés de decorrer da autonomia das entidades sindicais.

Assim, é uma contribuição contrária aos princípios da OIT, cuja ins-tituição entende que a entidade sindical deve se auto-organizar, inclusive financeiramente. No entanto, trata-se de uma forma contributiva impositiva, a qual é destinada não somente à entidade de base (sindicato), mas ao siste-ma confederativo (federação e confederação, além da anômala destinação à central sindical).

Por tal razão, Arouca (2003, p. 878) defende que se trata da receita mais fácil de arrecadação, cuja estrutura emprestada pertence ao Estado (por intermédio da Caixa Econômica Federal), e tal situação estimulou o “peleguismo” e o continuísmo de dirigentes “carreiristas”, que se perpetuam nos cargos de direção, de forma direta ou indireta. Até a criação de sindica-tos falsos tem-se notícia, conforme Vasconcellos (2016).

Posto isso, a contribuição sindical serve para financiar todas as enti-dades sindicais, sejam estas econômicas ou profissionais, cuja finalidade é manter o sistema confederativo, possuindo como forma de divisão o previs-to no art. 589 e seus incisos da CLT, que disciplina a porcentagem devida a cada entidade, seja ela o sindicato, a federação, a confederação e, até mes-mo, a central sindical (apenas quando o sindicato indicar a central sindical a que estiver filiado), além de haver uma destinação para a Conta Especial Emprego e Salário, que tem como titular o Governo Federal que mantém o

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Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Tal disposição é feita da seguinte maneira:

Art. 589. Da importância da arrecadação da contribuição sindical serão fei-tos os seguintes créditos pela Caixa Econômica Federal, na forma das instru-ções que forem expedidas pelo Ministro do Trabalho.

I – para os empregadores:

a) 5% (cinco por cento) para a confederação correspondente;

b) 15% (quinze por cento) para a federação;

c) 60% (sessenta por cento) para o sindicato respectivo; e

d) 20% (vinte por cento) para a “Conta Especial Emprego e Salário”.

II – para os trabalhadores:

a) 5% (cinco por cento) para a confederação correspondente;

b) 10% (dez por cento) para a central sindical

c) 15% (quinze por cento) para a federação

d) 60% (sessenta por cento) para o sindicato respectivo;

e) 10% (dez por cento) para a “Conta Especial Emprego e Salário”.

[...]

Apesar de haver a regulação da contribuição no sistema normativo, este não pode regular a destinação quanto ao uso, pois feriria a autonomia sindical.

Por fim, cabe destacar que, a partir de 11 de novembro de 2017 (por força da Lei nº 13.467/2017 – Lei da Reforma Trabalhista), os arts. 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da CLT vão ser alterados para dispor, numa análise conjunta, que a contribuição sindical será possível de ser cobra-da, inclusive aquela descontada em folha de pagamento, se o empregado, trabalhador avulso, autônomo ou profissional liberal autorizarem prévia e expressamente tal desconto, bem assim o empregador poderá optar pelo re-colhimento da quota patronal, não se tratando mais de uma obrigação, mas prevalecendo a regra da cobrança posterior, caso autorizada, quando a pes-soa jurídica for estabelecida depois do mês de janeiro e a empregabilidade profissional ocorrer após o respectivo período de desconto. O próprio inciso XXVI do art. 611-B disporá que constituem objeto ilícito de convenção co-letiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução da liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qual-

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quer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em negociação coletiva de trabalho.

2.2 contriBuição confederativa

A contribuição confederativa é a espécie criada pela CRFB/1988 inse-rida no seu art. 8º, IV, que estabelece a possibilidade de instituição por meio de assembleia geral, sendo o mesmo dispositivo que igualmente consagra a contribuição sindical compulsória (na sua parte final), mas, embora constem em idêntica disposição constitucional, são diferentes, pois uma é obrigatória e a outra reflete a prevalência da autonomia sindical.

É a forma contributiva prevista no art. 548, b, da CLT, o qual dispõe constituir o patrimônio das entidades sindicais as contribuições dos associa-dos, na forma estabelecida pelas assembleias gerais.

Essa autonomia diz respeito ao momento de instituição, já que o sin-dicato não é obrigado a criá-la, sendo de livre deliberação da classe. Seu surgimento se dá por meio de assembleia geral sindical.

Além disso, como o próprio nome aduz, é uma contribuição que, também, alimenta o referido sistema confederativo, cujas bases de divisão serão delineadas em assembleia geral.

Desta forma, é uma contribuição que se constitui, na lição de Nascimento (2009, p. 351), como uma alternativa à contribuição sindical (compulsória) e tem um cunho democrático maior, pois é instituída pelos interessados e pode ser descontada na folha de pagamento destes. Outros-sim, é relevante destacar que, para haver o desconto de tal contribuição, deve existir primeiramente a filiação à respectiva entidade sindical. E, nesse sentido, tem-se o Enunciado nº 40 da súmula vinculante do STF, que assim dispõe: “A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constitui-ção Federal só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo”.

Por isso, vê-se que é uma espécie que na sua estrutura trouxe uma maior deliberação por parte da entidade, sendo necessária a participação dos filiados, isto é, a instituição da contribuição exige a criação em ato assemblear.

O referido artigo traz as principais características dessa contribuição, dispondo o que segue:

Art. 8º [...]

IV – a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederati-

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28 �������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 39 – Out-Dez/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

vo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei.

[...]

Dessa forma, é instituída em assembleia, cuja legitimidade de edição quem possui são as entidades sindicais, com a finalidade de sustentar o sistema confederativo, cuja destinação deverá igualmente ser deliberada. Assim, leva em consideração a vontade da entidade com a participação dos seus associados, além de ser distinta da contribuição sindical compulsória, a qual é prevista em lei.

2.3 contriBuição estatutária

A contribuição estatutária, como o próprio nome aduz, é aquela cujas bases encontram-se definidas no estatuto social da entidade. O estatuto é norma interna da entidade, devendo constar no seu texto o seu regulamen-to. Sua constituição se dá por meio de ratificação dos filiados ao sindicato10.

A nomenclatura é discutível, mas o contexto de constituição é o mes-mo. Há autores que a chamam de mensalidade sindical (Nascimento, 2009, p. 353), mensalidades dos associados e contribuição estatutária (Barroso, 2010, p. 184), como também contribuição social (Brito Filho, 2009, p. 128), entre outras nomenclaturas.

É a forma contributiva igualmente prevista no art. 548, b, da CLT, pois, também, constituem o patrimônio das associações sindicais as contri-buições dos associados, na forma estabelecida nos estatutos sociais.

Por ser espécie de arrecadação constituída por meio do estatuto, aca-bam trazendo suas características de quantum, de periodicidade de cobran-ça e forma de pagamento ali contidas.

A contribuição estatutária, a exemplo da contribuição confederativa, é paga pelos filiados à entidade sindical, não sendo possível a sua cobrança ao não filiado, já que sua fonte de instituição é o estatuto, e este é o ato que estabelece a sua existência, conforme (Barroso, 2010, p. 184). E, por ser norma interna, sua incidência deve ser dirigida a quem faça parte da enti-dade, visto que a associação é facultativa, e o Direito pátrio defende que a

10 A Assembleia Geral é o ato pelo qual os integrantes da categoria ou filiados às entidades tomam certas decisões que dependem de quorum para autorização. Como o próprio nome aduz, assembleia é reunião, e esta se faz com fundamento determinado. A forma de instituição dessa assembleia, seja ordinária ou extraordinária, depende da previsibilidade estatutária, que designa prazos para a divulgação da convocação, o quórum necessário, o que vai ser discutido. Como o sindicato é órgão coletivo, nada mais justo que a coletividade tome suas decisões.

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cobrança só é devida a quem faça parte do sistema, atraindo a necessidade de filiação.

2.4 contriBuição negocial

A contribuição negocial, ou assistencial, é mais uma forma contri-butiva que tem a autonomia como princípio, possuindo algumas denomi-nações que não interferem na sua natureza. Pode, assim, ser chamada de taxa assistencial (Nascimento, 2009, p. 353), taxa social, contribuição de solidariedade, entre outras.

Encontra fundamento nos arts. 8º da CRFB/1988, e 513, e, da CLT, que rezam a possibilidade de o sindicato instituir contribuições para a sua manutenção. Possui, também, um caráter de instituição não delineado pelo Estado, mas pela própria entidade.

Barroso (2010, p. 185) considera que a finalidade é a de custear as ne-gociações coletivas, as greves e os dissídios coletivos, além do próprio siste-ma assistencial da entidade (ex.: participação em custeio de plano de saúde ou outro benefício social aos filiados), cujo desconto pode ser estipulado em uma ou mais parcelas. Sendo assim, é preciso que haja uma cláusula de negociação coletiva de trabalho ou de sentença normativa, prevendo a possibilidade de haver o desconto em prol da entidade pelos filiados.

O TST segue a tese de que o desconto só pode ser realizado a quem seja filiado à entidade. E foi nesse sentido que se criou a OJ 17 da SDC11 e o PN 11912.

Por isso, como já mencionado nas outras espécies (estatutária e con-federativa), as quais igualmente necessitam da filiação para que o desconto seja permitido, nessa hipótese, o trabalhador, ou até mesmo o empregador, precisa ser filiado à entidade sindical para ter a possibilidade de sofrer qual-quer cobrança.

11 “Contribuições para entidades sindicais. Inconstitucionalidade de sua extensão a não associados. As cláusulas coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical, a qualquer título, obri gando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação e sindicalização, cons titucionalmente assegurado, e, portanto, nulas, sendo passíveis de devolução, por via própria, os respectivos valores eventualmente descontados.”

12 “Contribuições sindicais. Inobservância de preceitos constitucionais. A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX, e 8º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados.”

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Logo, o desconto tanto para o trabalhador quanto para o empregador segue o raciocínio da exigência de sua filiação à respectiva entidade.

Ademais, a cláusula do instrumento normativo pode determinar o quantum que será destinado à entidade pela sua atuação na negociação. Ressalta-se, entretanto, que deve ser condizente com a realidade da cate-goria, pois, sendo o desconto desproporcional, este deve ser questionado judicialmente.

Além do mais, é permitido que haja a cobrança por empregados ou empregadores, mesmo que não filiados às entidades, desde que manifestem o seu interesse de adesão. Isso se dá quando há o reconhecimento da ativi-dade exercida e, mesmo não sendo filiados, querem manifestar a solidarie-dade em prol da benfeitoria atingida.

Em sentido contrário, Godinho (2015, p. 115) alude que justa seria a cobrança por todos os que constituem a categoria econômica, pois a nego-ciação coletiva favorece não só aos filiados, mas também aos não filiados que formem a mesma categoria. É razoável o entendimento, pelo fato de o empenho da entidade poder querer favorecer, teoricamente, toda a ca-tegoria. Contudo, como visto, para o TST, a cobrança para quem não seja sindicalizado é indevida, salvo a contribuição compulsória, que vigorará até 10 de novembro de 2017.

O papel sindical é o de proteger os interesses da coletividade que representa, não podendo agir de má-fé só para angariar renda13, pois o fim do sindicalismo não é esse. Ademais, a arrecadação deve ser revertida em proveito dos representados.

É como consagra Meirelles (2012, p. 4), ao defender que “estão nas-cendo muitos ‘sindicatos de gavetas’, cuja existência está apenas no papel, sem qualquer ação concreta, colaborando para o crescente aumento no número de sindicatos registrados no MTE”.

Hoje, há, em média, 17.300 (dezessete mil e trezentas) entidades sin-dicais do sistema confederativo (sindicatos, federações ou confederações), sem distinguir classe empregada ou empregadora, isto sem levar em consi-deração as que ainda estão em fase de registro, o que não são poucas.

13 É possível ser lido em manchetes jornalísticas que entidades sindicais foram criadas apenas para angariar a renda da contribuição compulsória, pois, se for obrigatório o seu desconto, qual será o incentivo à entidade para buscar outros meios próprios para se manter?

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3 ANÁLISE DA LEGALIDADE DA COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO VOLUNTÁRIA POR ENTIDADE SINDICAL DE ATLETAS PROFISSIONAIS EM FACE DE UM CLUBE PERNAMBUCANO DE FUTEBOL

Antes de ser realizada a análise da forma que é descontada a contri-buição dos atletas pelo empregador em um time de futebol, faz-se mister ressaltar como se dá a categoria dos atletas profissionais – isso em uma breve abordagem.

O desporto é um direito previsto na CRFB/1988 como um dever do Estado a sua fomentação, seja a prática desportiva profissional ou não pro-fissional, devendo haver regulação distinta14. Essa regulação tomou um grande salto com a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, conhecida como a Lei Pelé, que é um conjunto normativo no qual caracteriza o papel do desportista, seja este amador ou profissional.

Conforme o seu art. 3º, o atleta não profissional ou amador é aquele que se utiliza da atividade física como lazer, hobby, sendo de classificação educacional ou de participação, diferentemente do atleta de rendimento ou de formação, cujas características o colocam num patamar de desportista profissional ou de preparação profissional.

A profissão do atleta é de resultados, dependendo de desempenho em alto nível e, por isso, precisa ter um comprometimento psicofísico di-ferenciado. Após o advento da já referida lei, o contrato de emprego do desportista passou a ter um caráter especial, mas não deixando de lado as características do contrato de emprego, que são a onerosidade, habitualida-de, subordinação jurídica e pessoalidade.

Outrossim, é salutar mencionar que existe a possibilidade de a vin-culação no âmbito desportivo ser de natureza mais ampla de trabalho, sem a natureza empregatícia, sendo o que se extrai do art. 29 da Lei Pelé, o qual trata da formação, cujo clube pode firmar contrato com atleta de 14 (quatorze) a 20 (vinte) anos incompletos, sendo espécie de aprendizagem diferenciada, conforme art. 29, § 4º, que assim dispõe:

Art. 29. [...]

§ 4º O atleta não profissional em formação, maior de quatorze e menor de vinte anos de idade, poderá receber auxílio financeiro da entidade de práti-ca desportiva formadora, sob a forma de bolsa de aprendizagem livremente pactuada mediante contrato formal, sem que seja gerado vínculo empregatí-cio entre as partes.

14 “Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados: [...] III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional; [...].”

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[...]

Ademais, faz mister citar o art. 430 da CLT, que trata do contrato de aprendizagem e que, no seu inciso III, traz especificamente o vínculo des-portivo nesta modalidade, aludindo o que segue:

Art. 430. Na hipótese de os Serviços Nacionais de Aprendizagem não ofe-recerem cursos ou vagas suficientes para atender à demanda dos estabeleci-mentos, esta poderá ser suprida por outras entidades qualificadas em forma-ção técnico-profissional metódica, a saber:

[...]

III – entidades de prática desportiva das diversas modalidades filiadas ao Sistema Nacional do Desporto e aos Sistemas de Desporto dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Vale lembrar que entidade de prática desportiva é a nomenclatura adotada pelo legislador pátrio para definir os clubes, inclusive os de futebol.

Por outro lado, o vínculo de emprego ou de formação do atleta com o clube será firmado mediante contrato por escrito. E o vínculo desportivo com a inscrição do atleta em uma federação estadual e na respectiva con-federação nacional15, para que dispute competições organizadas por estas entidades federativas16.

Além do mais, ao pensar em atleta, vem logo à mente fama, sucesso e altas somas remuneratórias. E, no que toca à remuneração do desportis-ta, esta seria composta por todas as verbas pagas diretamente pelo clube enquanto empregado deste no desempenho das atividades desportivas, ou seja, podem estar compreendidas as contraprestações mensais, os bichos (gratificação paga ao atleta após metas obtidas, como forma de incentivo), a gratificação natalina, as luvas (gratificação que visa a premiar o atleta pela assinatura contratual) e o direito de imagem, este quando em fraude à lei (vide Sá Filho, 2010, p. 88-99).

15 É importante mencionar que a federação e confederação desportivas não são as mesmas entidades que compõem o sistema confederativo sindical, visto que aquelas encontram fundamento para existência no art. 217, I, da CRFB/1988, possuindo autonomia quanto a sua organização e funcionamento. Essas entidades têm caráter organizacional seja de âmbito regional, estadual ou nacional de competições e, por mais que se utilizem da mesma nomenclatura, suas naturezas são distintas das que formam o sistema confederativo sindical, que tem cunho representativo de profissionais ou empregadores.

16 Entidade federativa é uma expressão que pode ser empregada com o significado de entidades de administração do desporto, conforme o legislador infraconstitucional costuma nomeá-las, a exemplo da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em âmbito nacional, e da Federação Pernambucana de Futebol (FPF), em âmbito estadual.

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A profissão do atleta é um tanto peculiar e, por vezes, difícil, não vi-vendo, na grande maioria dos casos, de glória e fama, porquanto depende muito de vários fatores. Possui curta duração de carreira, que, após uma lesão sofrida, pode tê-la abreviada ainda mais. Outrossim, muitos atletas advêm de classes sociais menos abastadas, permitindo ascensão social não só a ele mesmo, mas aos seus familiares, e até mesmo amigos mais próxi-mos. E, por tal razão, pode ser recompensado, de maneira diferenciada, em comparação com os profissionais em geral.

Em virtude da extensão do tema, não cabe ser feita uma análise apro-fundada sobre o assunto, mas, em linhas gerais, é suficiente para ser enten-dido o que ainda está por vir.

A respeito do problema desta pesquisa, foi tomado conhecimento por meio de um processo judicial que um “clube X” efetuou, ao longo da dura-ção contratual, em face de seu funcionário desportista, descontos mensais relativos à rubrica intitulada “Taxa Sind. Atleta” em favor de entidade sindi-cal de atletas profissionais.

Nos contracheques, foi constatado que há um desconto no valor de R$ 12,00 (doze reais), em meses compreendidos entre os anos de 2011 a 2014, perfazendo um total de R$ 432,00 (quatrocentos e trinta e dois reais) descontados na fonte. Esse valor é um dos pedidos do processo, cujo autor requer a restituição por não ser sequer filiado à respectiva entidade, não possibilitando, assim, tal cobrança.

A entidade sindical em questão é representativa de desportistas pro-fissionais, cuja categoria é diferenciada. Em seu cadastro ativo no MTb17, possui hoje um total de 90 (noventa) sindicalizados.

Levando em consideração a nomenclatura utilizada nos contrache-ques, “Taxa Sind. Atleta”, passa-se a analisar cada uma das contribuições, a fim de permitir a identificação da fundamentação para o desconto. Para tanto, cabe lembrar que as espécies de contribuições são a sindical compul-sória, estatutária, confederativa e negocial.

A contribuição sindical é devida independentemente da vontade do empregado ou empregador, sendo a modalidade contributiva prevista na CRFB/1988 em seu art. 8º, IV. A esse respeito o atleta analisado sofreu cor-retamente os descontos referentes aos anos de 2011 a 2014, todos efetuados

17 O Cadastro do Ministério do Trabalho mostra de forma sintetizada as alterações e dados pertinentes à entidade. O número de sindicalizados pode mudar, pois o que consta cadastrado é o que foi obtido da última Solicitação de Alteração de Dados Perene – SD, cujo pedido foi baseado na eleição da diretoria (SD101855-DIR, validada em 06.07.2016).

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no mês de março dos respectivos anos, com o mesmo valor, já que sua re-muneração era no montante de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), e assim se manteve durante 4 (quatro) anos. Por isso, perfazia um valor contri-butivo de R$ 83,33 (oitenta e três reais e trinta e três centavos) por um dia de trabalho a cada ano. Tal rubrica não se confundia com a “Taxa Sind. Atleta”, o que demonstra que esta tinha outra natureza, que não era tributária.

Segundo Silva (2015, p. 3), em complemento ao que já foi explicado sobre a matéria, cabe, ainda, uma crítica especial ao sistema de contribui-ção sindical brasileiro, e este assim defende:

A peculiaridade da contribuição sindical está precisamente no fato de atingir 100% dos integrantes de uma categoria, sem direito de oposição ou resistên-cia, sem negociação do valor e sem se perguntar se a pessoa é associada ou não da entidade sindical. Daí a perplexidade da Organização Internacional do Trabalho, que historicamente propugna que as fontes de custeio sindical devem ser facultativas e proporcionais ao desempenho, à representatividade, à atuação e à militância.

Alheio ao entendimento supra, ressalta-se que, como modalidade obrigatória, não há que se falar em ilegalidade de tais cobranças efetuadas em proveito do respectivo sistema confederativo sindical, visto que foram realizadas na forma da lei e em função desta. Entretanto, é relevante salien-tar que, caso o empregador não efetuasse os descontos da referida contribui-ção, poderia sofrer pena de multa, e o não repasse, se efetuada a retenção, até mesmo ser tipificado como crime, pois caracterizaria uma apropriação indébita18. Dessa forma, percebe-se que a contribuição sindical compulsó-ria deve ser cobrada de maneira obrigatória e universal, sem possibilidade de oposição em virtude da sua natureza tributária (Silva, 2015, p. 9). Ao menos, esse entendimento prevalecerá até 10 de novembro de 2017.

Já a contribuição confederativa possui como origem a assembleia ge-ral, em razão de ser o ato pelo qual os associados decidem sobre a sua organização, impondo limites e regulamentando a atividade sindical. É ma-téria que pode depender de cada estatuto para determinar a sua forma de instituição, de cobrança e a finalidade. Entretanto, gera obrigações apenas para associados.

18 Matéria disciplinada no parágrafo único do art. 545 da CLT, dispondo o que segue: “O recolhimento à entidade sindical beneficiária do importe descontado deverá ser feito até o décimo dia subsequente ao do desconto, sob pena de juros de mora no valor de 10% (dez por cento) sobre o montante retido, sem prejuízo da multa prevista no art. 553 e das cominações penais relativas à apropriação indébita”.

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Deve ser registrado, desde já, que o atleta não era filiado à referida entidade sindical. Por isso, o desconto era indevido, conforme entendimen-tos esposados pelo TST e STF, os quais vinculam o desconto somente aos que são sindicalizados.

A associação à entidade, conforme previsto na CRFB/1988, art. 8º, V, é livre tanto a manifestação de querer se filiar quanto a desfiliação, não sendo, assim, devido o desconto a quem não externou sua vontade de se filiar, tendo em vista que é ato pessoal, que se dá por meio de autorização escrita do empregado, feito este que o atleta não realizou.

Nesse sentido, faz-se oportuno citar julgado do TST, que assim dispõe:

Agravo de instrumento. Sumaríssimo. 1. Contribuição confederativa. Tendo egrégio Tribunal Regional afirmado que contribuição confederativa só pode ser descontada da remuneração do empregado se ele estiver filiado à entida-de sindical profissional, sendo esta a interpretação que se dá ao disposto no art. 8º, V, da Constituição Federal, de se concluir que modo algum deixou-se de outorgar validade e legitimidade às convenções coletivas. Logo, não se cogita violação ao art. 7º, XXVI, da Carta Republicana. Agravo de instru-mento não provido. [...] Agravo de instrumento não provido, nos termos da Súmula nº 297 desta Corte. (AI-RR 9100840-89.2002.5.09.0656, 4ª T., Relª Maria Doralice Novaes, DJ 25.05.2005, publ. DJ 17.06.2005)

Os entendimentos citados baseiam-se na busca, mesmo que relativa, do princípio da liberdade de filiação e da não imposição contributiva a quem não faça parte do quadro social da entidade. Sendo assim, como não era filiado à entidade sindical em análise, o desconto fundado em contribui-ção confederativa não poderia prosperar.

No tocante à contribuição estatutária, é a que tem como origem a previsão em estatuto social sindical, devendo este ser aprovado em assem-bleia geral do sindicato, sendo mais uma forma em que há a necessidade de filiação do trabalhador à entidade, pois, do contrário, não poderia haver desconto.

Porquanto, como visto, o referido estatuto é norma interna, sendo criado pelos interessados e devendo estes seguirem suas normas. Em regra, o Poder Público não pode regular as atividades de gestão das entidades sindicais, em atenção aos princípios e valores constitucionais que consa-gram a inércia que deve o Estado ter perante a organização administrativa e financeira sindical.

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A diferença entre as contribuições estatutárias e confederativas são bem sutis, já que são debatidas em mesma instância deliberativa, ou seja, em assembleia geral. Porém, as bases normativas são diferentes: uma está prevista em estatuto social; já a outra pode ser disposta após convocação assemblear para, em um dado momento, ser deliberado sobre seu valor e justificar o porquê da sua existência, devendo, para tanto, receber o aval dos sindicalizados19.

Por esses fatos, não teria sido legítimo, no referido caso concreto, o desconto baseado em eventual contribuição estatutária, pelo mesmo mo-tivo da contribuição confederativa, visto que são formas contributivas que atingem, ou deveriam atingir, somente os filiados, e, ainda assim, desde que autorizassem a cobrança.

Por fim, a contribuição negocial é uma das modalidades contributi-vas que mais expressa a representatividade da entidade, em virtude de ser instituída em instrumentos coletivos: acordo coletivo, convenção coletiva ou sentença normativa. Isso se dá porque são alguns dos deveres de cada entidade sindical representar, defender e buscar melhorias para a categoria. E a norma coletiva, seja ela firmada entre sindicatos ou sindicato e em-presa, deve surgir para satisfazer anseios da categoria em comum acordo (Meirelles, 2012, p. 12).

De outra mão, a importância da atividade negocial é demonstrada na lição de Nascimento (2009, p. 446) da seguinte forma: “A negociação co-letiva é expressão do princípio da autonomia coletiva dos particulares e da liberdade sindical. Uma das principais funções do sindicato é, exatamente, a negociação coletiva”.

Assim, para que a “Taxa Sind. Atleta” tivesse como fato gerador ins-trumento coletivo seria necessário o registro da respectiva negociação cole-tiva de trabalho no MTb. Tal exigência é regulada por normas ministeriais internas, cuja obrigação é só no tocante ao registro, pois o MTb recepciona o protocolo, analisando apenas o conteúdo formal, e não o material, dando ainda publicidade ao negociado por meio do Sistema Mediador. E é nesse sentido a lição de Nascimento (2009, p. 544), ao afirmar que a competência do órgão ministerial toca somente à análise de elementos formais do instru-mento normativo, não podendo analisar as cláusulas, em virtude da falta de competência.

19 Como exemplo de necessidade de assembleia, tem-se a OJ 29 da SDC: “Edital de convocação e ata da assem-bleia geral. Requisitos essenciais para instauração de dissídio coletivo. O edital de convocação da categoria e a respectiva ata da AGT constituem peças essenciais à instauração do processo de dissídio coletivo”.

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No entanto, em consulta ao site do MTb, fazendo uso do Sistema Me-diador, bastando para tanto inserir somente o número do CNPJ da entidade, não foi encontrado qualquer instrumento registrado que tenha participação da entidade sindical em análise.

Dessa forma, induz-se que a cobrança da referida contribuição não tem natureza negocial, por total inexistência de instrumento coletivo que a instituísse.

Corroborando o que foi dito acima, há o recurso extraordinário com agravo, com matéria relativa ao aqui abordado, que foi consagrada como de repercussão geral pelo STF, o qual segue transcrito abaixo:

Recurso extraordinário. Repercussão geral. 2. Acordos e convenções co-letivas de trabalho. Imposição de contribuições assistenciais compulsórias descontadas de empregados não filiados ao sindicato respectivo. Impossi-bilidade. Natureza não tributária da contribuição. Violação ao princípio da legalidade tributária. Precedentes. 3. Recurso extraordinário não provido. Reafirmação de jurisprudência da Corte. (ARE 1018459-RG, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 23.02.2017, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-046, Data de Divulgação: 09.03.2017, Data de Publicação: 10.03.2017)

Dessa forma, foi constatado, empiricamente, que não só a categoria dos atletas, mas várias outras são atingidas por idêntico problema, no sen-tido de que, mesmo não havendo a sindicalização dos respectivos traba-lhadores, estes sofrem descontos sindicais, além de terem pago aquela de natureza obrigatória.

O sistema sindical adotado no Brasil da unicidade pode enfraque-cer a representatividade sindical, pois, durante a vigência da contribuição compulsória, houve um comodismo por parte de várias entidades porque a sua simples existência já é suficiente para auferir receita, garantindo a sua subsistência independentemente da sua atuação em defesa dos interesses da respectiva categoria.

Brito Filho (2009, p. 128), quando aborda sobre a resistência fiscali-zatória dentro da entidade sindical, dispõe assim:

Nosso modelo de organização sindical faz com que os dirigentes das entida-des sindicais rejeitem quantidade muito grande de sócios. É que, na unicida-de sindical, a única resistência que pode ser oferecida é a interna, e, quanto mais sócios tiver o sindicato, maior a possibilidade de que essa resistência apareça.

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Desse modo, os sindicatos podem preferir não ter muitos filiados, a fim de não serem melhores fiscalizados.

Por outro lado, Silva (2015, p. 4) defende que a contribuição de na-tureza tributária reflete um custeio compulsório, que pode ocasionar a exis-tência de pessoas que nem ao menos conhecem seu sindicato, não concor-dam com suas decisões ou tampouco lhe fazem oposição aberta.

Dessa feita, percebe-se um grande índice de permanência de deter-minadas pessoas nos cargos de maior gerenciamento das entidades, não ha-vendo, portanto, rotatividade nas diretorias, ocasionando o engessamento dos seus ideais, enquanto fundamento primordial da sua existência, isto é, das lutas em favor da coletividade.

A dessindicalização, no Brasil, dá-se em razão da descrença que os trabalhadores e empregadores possuem. Em pesquisa realizada pelo Institu-to Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 26 de abril de 2017, é mostrado que, em 2015, o número de sindicalizados atingiu o mon-tante de 19,5% (dezenove vírgula cinco por cento) de trabalhadores filiados aos seus sindicatos. Assim, não foi atingida sequer a casa dos 20% (vinte por cento), refletindo que cerca de 83,1 (oitenta e três vírgula um) milhões de trabalhadores não são filiados aos seus respectivos sindicatos (Silveira, 2017). Outrossim, em torno de 26,4% (vinte e seis vírgula quatro por cento) disseram que não eram filiados pelo fato de desconhecerem seu sindicato, enquanto que outros 16,6% (dezesseis vírgula seis por cento) disseram que a respectiva entidade sindical não representava os seus interesses ou não acreditavam nisso.

A deficiência do sistema sindical brasileiro fragiliza a atuação das suas entidades integrantes, principalmente em face do regime restritivo exi-gido pelo Estado para a criação destas. Cabe salientar, ainda, que os traba-lhadores não procuram seu sindicato porque acreditam não ser este atuante, inexistindo benefícios efetivos com a sindicalização, ao contrário do que aconteceu, em curto espaço de tempo, quando da criação das primeiras en-tidades. Corroborando com esse entendimento, diz Arouca (2012, p. 2) que:

No princípio os sindicatos mantinham-se com as contribuições dos sócios e simpatizantes, irregulares e módicas. A sede era uma casa modesta, uma sala emprestada, os dirigentes eram “agitadores” clandestinos quando não podiam ocultar sua condição nos locais de trabalho. Foi o tempo do sindica-lismo de resistência.

Se o trabalhador é o maior interessado para que o sistema sindical funcione em busca de melhorias, e se realmente acreditasse na entidade,

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talvez os percentuais fossem diferentes. Todavia, o que se tem é um sistema que mais se fundamenta em interesses pessoais de um pequeno grupo do que mesmo de uma luta classista, não desmerecendo aquelas entidades que efetivamente lutam pelos interesses do respectivo grupo social.

Faz-se oportuno mencionar que, no ano de 2016, houve uma arre-cadação de contribuição sindical num total de R$ 3.503.082.380,10 (três bilhões, quinhentos e três milhões, oitenta e dois mil e trezentos e oitenta reais e dez centavos), consoante dados do MTb (2016), levando a indagar a respeito de como um sistema que arrecada tanto serve apenas para sustentar entidades sindicais, as quais independem, até 10 de novembro de 2017, de participação ativa para ter a sua subsistência garantida? Isso fica mais notório ao se verificar a pequena quantidade de instituições que possuem normas coletivas criadas com a sua participação. Conforme já dito, deve ser relembrando que a entidade sindical em análise, até os dias atuais, não pres-tou qualquer auxílio aos trabalhadores representados, no sentido de sugerir melhores condições sociais e/ou subscrever instrumentos coletivos para a respectiva categoria.

Além do mais, é certo afirmar que, em virtude do sistema sindical brasileiro, deve-se ter algumas precauções devido à falta de representativi-dade e atuação no mundo fático, por parte de algumas entidades, e é, por tal razão, que existe a possibilidade de se levar à Justiça conflito que envolva uma ilegalidade com relação a valores cobrados a título de contribuição de natureza voluntária, sendo esta a hipótese aqui ventilada, em face de um clube pernambucano.

Diante do exposto, percebe-se que os atletas da supracitada entidade de prática desportiva não deveriam ter sofridos descontos relativos a outra espécie contributiva que não fosse a de natureza tributária, a qual é obri-gatória, pois o fato de não ser sindicalizado deslegitima a possibilidade de cobrança, e, mesmo que o fosse, ainda assim seria necessária a sua anuên-cia por escrito, autorizando a respectiva dedução na folha de pagamento. No entanto, foi comprovado, de maneira empírica, que se trata de um fato que há muito acontece no Estado pernambucano, preocupando as pessoas de boa índole que tomam conhecimento acerca de tal teratologia jurídica, porquanto, pelos princípios e valores que se esperam de um sistema social relevante, esses fatos não poderiam prosperar. Outrossim, a possibilidade de existir mais de uma entidade sindical que representasse os atletas na mesma base territorial faria com que aquela mais atuante recebesse maior número de associados e até incentivaria a contribuição voluntária por parte dos filiados.

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Nota-se, portanto, que a manutenção da retrógrada unicidade sindi-cal prejudica o alcance da efetividade dos princípios da OIT.

Por fim, cabe registrar que o modelo ideal é o consagrado pela OIT na sua Convenção nº 87/1948, o qual é livre, integrador e torna o sistema, de fato, representativo, não se tratando de um mero receptor de renda sem a menor produtividade, seja para o trabalhador ou empregador.

CONCLUSÃO

Antes de se adentrar nas últimas impressões sobre o tema, é preciso ressaltar algumas questões levantadas ao longo do trabalho, cujo conteúdo tratou, por diversas vezes, de temas primordiais para se ter um sindicalismo representativo, livre e integrador de trabalhadores ou empregadores.

Inicialmente, foi realizada uma análise dos principais fatos que mar-caram a história do sindicalismo brasileiro e mundial, prosseguindo, assim, para uma apreciação de como se dá o surgimento de entidades sindicais, inclusive as de grau superior, como e onde é realizado o registro de fun-dação de uma nova entidade, além do princípio fundamental da liberdade sindical.

Além disso, viu-se que o sistema sindical brasileiro é um misto de controvérsias e complexidades, já que mantém suas bases desde a época de Vargas (1930-1945). No entanto, com o advento da CRFB/1988, é certo afirmar que alguns aspectos foram alterados, como, por exemplo, o interes-se teórico de buscar o afastamento do Estado frente à organização sindical. Nos dias atuais, faz-se esse controle de forma a respeitar a unicidade sindi-cal de previsão constitucional, para o seu livre funcionamento. Assim, por ter o sistema da unicidade se mantido após 1988, demonstra que a vontade política, da época do Poder Constituinte, ainda não foi suficiente para fa-zer tal mudança, visto que agora é necessário enfrentar uma resistência de considerável das pessoas, a fim de extirpar de vez do ordenamento jurídico brasileiro esse regramento considerado há muito ultrapassado pela OIT, por ferir princípios básicos, a exemplo da não intervenção do Estado na atuação das entidades sindicais, reflexo da própria liberdade sindical.

Dessa maneira, o direito à liberdade de associação é garantia fun-damental, que o ser humano possui, cabendo registrar que a mesma Carta Constitucional que o consagra (inciso I do art. 8º) também o fere (inciso II do art. 8º).

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Em seguida, tratou-se das contribuições sindicais em espécie, expli-cando a fonte que as geram e sua fundamentação, observando as principais características de cada uma, para que, só assim, fosse possível concluir que, no caso concreto em análise, a “Taxa Sind. Atleta” não é contribuição com-pulsória ou negocial, mas, dentre as voluntárias, poderia ser estatutária ou confederativa.

Outrossim, é sabido que os descontos efetuados pelo respectivo clube de futebol pernambucano, durante todo o contrato de emprego de seu atle-ta, ocorrem igualmente com os demais desportistas empregados da mesma equipe, servindo de base para a conclusão de que se trata de um abuso que só se mantém por não existir concorrência de outra entidade sindical numa mesma base territorial, o que demonstra o prejuízo da manutenção da unici-dade no sistema brasileiro. Em verdade, o que mais preocupa é que, diante do fim da contribuição sindical compulsória, tal cobrança de contribuição de natureza voluntária à revelia do trabalhador que não é sindicalizado e/ou tampouco teria autorizado algum tipo de desconto pode passar a ser cada vez mais usual.

Portanto, não restam mais dúvidas de que o sistema sindical brasileiro precisa ser revisto e reformado, e isto é preciso antes de qualquer refor-ma laboral, pois muitos direitos trabalhistas se originam a partir das lutas classistas, que atingem as necessidades de uma determinada categoria, de-mandando com urgência uma reforma sindical, pois, com o fim da contri-buição sindical compulsória pela Reforma Trabalhista e com a mentalidade do trabalhador brasileiro de não contribuir voluntariamente com o que não conhece, até os sindicatos atuantes podem ter prejuízo para o desenvolvi-mento de suas atividades, ou até mesmo para a sua existência.

No entanto, não se pode ter uma reforma sem um debate social com consciência, pois é necessário rever as bases do sistema, inclusive conside-rando a inclusão expressa em lei acerca das contribuições voluntárias, que podem ser devidas às entidades sindicais, e a própria unicidade.

Além do mais, restou claro que o desconto de contribuições de índole voluntária só pode ser realizado em face dos trabalhadores que integrem o quadro social da entidade, não se permitindo a realização daquela cobran-ça sem prévia autorização para tanto.

Assim, deve ser lembrado que, no caso em questão, esses descontos não aconteceram exclusivamente de maneira única ao ano, mas todos os meses. O trabalhador, por vezes, não sabe o que significam os descontos efetuados pelo empregador, acreditando serem legais; portanto, terminam

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não se opondo à cobrança, ou, quando o faz, é lhe dito que o prazo de oposição já acabou. Ademais, o desconto é de autoridade do respectivo tomador de serviços, que o realiza por recomendação da entidade sindical, em alguns casos conforme previsão em ato normativo especial, ou até mes-mo sem qualquer amparo jurídico, o que é mais grave (hipótese que é aqui estudada).

Dessa forma, restou demonstrada a deficiência do sistema sindical brasileiro, a necessidade de reformá-lo, principalmente em face da ilegali-dade cometida por clube pernambucano, o qual efetuava descontos contri-butivos, que na teoria seriam de origem estatutária ou assemblear, mas na prática estava sendo descontada sem autorização específica e/ou tampouco sem a prévia filiação do desportista.

Atualmente, ao menos, os tribunais brasileiros, por meio de entendi-mentos firmados, corrigem parte das distorções existentes e aqui apontadas, dentro da medida do possível, na tentativa de dirimirem conflitos. No entan-to, para que haja tais decisões, é preciso movimentar a máquina judiciária, e nem todos fazem isso, sendo que, se fizessem, é certo que estaria mais sobrecarregada do que já está. Assim, com uma lei segura, clara e direta, sobre as espécies contributivas voluntárias, criando punição de caráter pe-dagógico eficaz (que poderia ser uma multa em montante considerável, mas reversível ao FAT), o Direito seria mais palpável e de fácil demonstração.

Por fim, afirma-se que caberá aos juristas e aos legisladores brasileiros a elaboração desse projeto de lei, inclusive com a ratificação da Convenção nº 87/1948 da OIT, o que já seria um avanço de extrema significância, recu-perando-se de atraso presente na conjuntura sindical brasileira desde 1937.

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Parte Geral – Doutrina

Evolução Histórica da Legislação Desportiva Brasileira

DOMIngOS SávIO zAInAghIMestre e Doutor em Direito do Trabalho pela PUCSP, Pós-Doutorado em Direito do Trabalho pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha), Pós-Graduado em Comunicação Jornalística pela Faculdade Casper Líbero, Presidente Honorário da Asociación Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social e do Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo, Membro da Academia Paulista de Direito e da Academia Nacional de Direito Desportivo, Pro-fessor Honoris Causa da Universidad Paulo Freire de Manágua, Nicarágua, Advogado.

RESUMO: Busca-se, neste ensaio, trazer a evolução da legislação desportiva no Brasil, partindo-se do período colonial até os dias de hoje. Estudar a história é primordial para se entender o avanço das normas dentro de um ordenamento jurídico, sobretudo e particularmente no direito desportivo, disciplina que ainda engatinha no seu desenvolvimento científico.

PALAVRAS-CHAVE: História do direito desportivo; esgrima; natação; educação física; futebol.

ABSTRACT: This essay seeks to bring the evolution of sports legislation in Brazil, starting from the colonial period to the present day. Studying history is fundamental to understand the advance of norms within a legal system, especially and particularly in the Sports Law, a discipline that still cracks in its scientific development.

KEYWORDS: History of sports law; physical education; swimming; soccer.

SUMÁRIO: Brasil Colônia; Império; Práticas esportivas na Primeira República; De 1930 até 1936; Estado Novo; A Lei nº 6.251, de 8 de outubro de 1975; Futebol: a Lei nº 6.354, de 2 de setembro de 1976.

BRASIL COLÔNIA

Durante o período colonial, não existiram normas que regulassem qualquer prática desportiva. Elas eram todas de caráter utilitário, praticadas pelos indígenas e pelos colonizadores.

As práticas esportivas desse período foram arco e flecha, natação, ca-noagem, corridas, caminhadas, caça e pesca, equitação, todas relacionadas com a subsistência e com a defesa pessoal ou de grupos.

IMPÉRIO

No período imperial, as práticas informais também ocorriam, mas já se previa a regulamentação de atividades esportivas nas escolas militares, quase sempre com determinação de obrigatoriedade.

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Nesse período, as práticas desportivas nas escolas militares eram pre-vistas em decretos, sendo estes os principais:

– Decreto nº 21.116, de 11.03.1858. Esse decreto tratava dos cur-sos de Infantaria e Cavalaria da Escola Militar da Corte, incluído esgrima e natação nesses cursos.

– Decreto nº 3.705, de 22.09.1866. Esse decreto incluiu esgrima, natação e ginástica na Escola da Marinha.

– Decreto nº 4.720, 22.04.1871. Regulamentou a Escola da Mari-nha, mantendo a obrigatoriedade da prática de esgrima, ginásti-ca e natação em seus cursos.

– Decreto nº 5.529, de 17.01.1874. Aprovou o regulamento para as escolas do Exército, incluiu a obrigatoriedade da ginástica, da esgrima, da natação e da equitação em seus cursos.

– Decreto nº 9.251, de 16.06.1884. Esse diploma legal incluiu a natação, a esgrima, a equitação e a ginástica como práticas obri-gatórias na Escola Militar do Rio Grande do Sul.

– Decreto nº 10.202, de 09.03.1889. Criou o Imperial Colégio Mi-litar, com obrigatoriedade de programas de natação, ginástica, tiro ao alvo e esgrima.

Sobre esse período, informa-nos Manoel Tubino1:

É evidente que a proliferação dessas práticas esportivas no âmbito das esco-las militares influenciou os colégios civis oficiais, como o Colégio Pedro II. Também as atividades esportivas no Brasil aumentaram muito. É importante acrescentar que os célebres pareceres de Rui Barbosa, em 1882, embora abordassem a necessidade de mais atividades físicas nas escolas, indireta-mente valorizaram as práticas esportivas para os brasileiros em geral. Na-quela época, o esporte e a Educação Física eram considerados concomitan-temente, não ocorrendo uma distinção teórica. Apesar disso, as competições esportivas já aconteciam isoladamente, começando a receber uma interpre-tação independente das sessões de Educação Física.

PRÁTICAS ESPORTIVAS NA PRIMEIRA REPÚBLICA

A partir da proclamação da República, começam a surgir no Brasil as principais modalidades esportivas. É nesse período que o remo passa a ser

1 500 anos de Legislação Esportiva Brasileira. Shape, 2002, p. 20.

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uma das práticas mais populares no Brasil. Vários clubes que hoje em dia são famosos pela prática do futebol têm em suas denominações a palavra remo ou regatas. Esse protagonismo manteve-se até as primeiras décadas do século XX, sendo ultrapassado pelo futebol após esse período.

Foi também no período da Primeira República que surgem a natação competitiva2, o basquetebol, o futebol e a esgrima, esta muito praticada no Rio Grande do Sul.

Os principais documentos legislativos desse período foram:

– Decreto nº 330, de 12.04.1890. Torna-se obrigatório o ensino de natação em todas as escolas militares do Rio de janeiro e do Rio Grande do Sul.

– Decreto nº 1.256, de 10.01.1891. Inclui a natação e a ginástica nos cursos da Escola Naval.

– Decreto nº 784, de 27.04.1921. Aprovou o Regulamento de Ins-tituição Física Militar, destinado a todas as armas.

– Portaria do Ministério da Guerra de 10.01.1922. Cria o Centro Militar de Educação Física.

Mais uma vez, valemo-nos dos ensinamentos do mestre Tubino3:

A partir de 1920, o Brasil passou a tomar parte regularmente em competições internacionais. Por outro lado, o futebol começou a tornar-se o primeiro es-porte em preferência popular. E foi justamente no futebol que começaram os grandes conflitos esportivos no Brasil. Esses conflitos levaram mais tarde, durante o Estado Novo, à intervenção do Estado no esporte. A intenção do Estado, embora tenha sido romper com os indícios de “desordem” existentes, não deixou de ser o início da regulamentação ou normatização do esporte brasileiro.

DE 1930 ATÉ 1936

Com a tomada do poder pelo grupo militar liderado por Getúlio Vargas em 1930, o que impediu a posse do presidente eleito, Júlio Prestes, o Brasil viveu momentos muito conturbados, com revoluções e revoltas, como em 1932 e 1935, com o que o Estado não tinha tempo nem interesse em voltar suas atenções para o esporte. Nesse estado de coisas, a desorgani-

2 Na cidade de São Paulo, vários clubes formaram-se à beira dos rios Tietê e Pinheiros para a prática da natação e do remo.

3 Ob. cit., p. 21.

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zação imperava, principalmente por não se ter órgãos com respaldo oficial para participação de equipes brasileiras no exterior.

O saudoso mestre Valed Perry4 faz estas considerações sobre esse período:

“Fora de tais normas legais”, o desporto regia-sepela sumária legislação das entidades dos diversos ramos desportivos, com obediência relativa aos pre-ceitos internacionais, sem a menor interferência do governo, em qualquer sentido, com organização precária, circunstâncias que mais põem em relevo esforço e o sacrifício dos dirigentes da época, plantando as sementes que frutificariam na potência esportiva em que se torna, aos poucos, o nosso país.

Tal desorganização e a falta de preceitos legais estruturais do desporto oca-sionaram, então, cisões que tantos malefícios causaram, sobretudo no fute-bol, onde se degladiaram (sic) entidades nacionais e entidades estaduais de direção, num desgaste de valores, de esforços e de trabalho, umas à margem da filiação internacional, outras desfrutando dela, mas desfalcadas pela luta.

ESTADO NOVO

Em 1937, implanta-se no Brasil o que se denominou Estado Novo, sendo outorgada nesse ano uma nova constituição, substituindo a de 1934, e o país vive um período de exceção, com garantias individuais restringidas, período esse chamado por muitos historiadores de ditatorial.

Nosso entendimento é que nesse período o governo já tinha resolvido o problema social, principalmente a questão trabalhista, e talvez o Estado precisasse do esporte para acalmar a população.

O Estado começa a legislar sobre esporte na cronologia abaixo:

Decreto-Lei nº 526, de 01.07.1938. Instituiu o Conselho Nacional de Cultu-ra, assim prevendo em seu art. 2º, parágrafo único:

Art. 2º O Conselho Nacional de Cultura será o órgão de coordenação de to-das as atividades concernentes ao desenvolvimento cultural, realizadas pelo Ministério da Educação e Saúde ou sob o seu controle ou influência.

Parágrafo único. O desenvolvimento cultural abrange as seguintes ativi dades:

[...]

h) a educação física (ginástica e esportes);

[...]

4 Futebol e legislação. Rio de Janeiro: Autor, 1977.

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Decreto-Lei nº 1.056, de 19.01.1939. Instituiu a Comissão Nacional de Des-portos, que ficou encarregada de desenvolver o projeto para a futura lei base para o esporte nacional.

Sobre esse diploma legal, informa João Lyra Filho5:

O primeiro ato de participação do Estado na disciplina das atividades despor-tivas, com caráter permanente e de continuidade, definiu-se com o Decreto--Lei nº 1.056, de 19 de janeiro de 1939, que criou a Comissão Nacional de Desportos, com a incumbência de realizar minucioso plano geral de sua regulamentação. Ela constituiu-se de cinco membros, escolhidos pelo Presi-dente da República, dentre pessoas entendidas em matéria de desportos ou a estes consagradas, além do diretor do Departamento Nacional de Educação, chamado a integrar o referido órgão com atribuição de organizar o relatório dos trabalhos, em virtude de suas funções, como indicado no Decreto-Lei nº 1.099, de 7 de fevereiro de 1939. Por decretos de 10 de março do mesmo ano, foram designados membros da referida Comissão os Srs. José Eduardo Macedo Soares, Luis Aranha, Arnaldo Guinle, Major Joaquim Alves Bastos e Capitão de Fragata Atila Monteiro Achê, sob a presidência do primeiro, além do Sr. Luis Teixeira de lemos, no impedimento do Sr. Luis Aranha.

Decreto-Lei nº 1.212, de 07.04.1939. Criou a Escola Nacional de Educação Física e Desportos. Matéria de esporte era tratada com a educa-ção física.

Decreto-Lei nº 10.409, de 14.08.1939, do Governo do Estado de São Paulo. Primeira norma legislativa sobre esportes, com previsões para orien-tar a prática esportiva, promovê-la e fiscalizá-la. Previa cobrança de ingres-sos, tratava das organizações de competições, das construções de praças desportivas e estádios, da produção de material esportivo e da previdência contra acidentes desportivos; enfim, um grande avanço para a época.

Decreto-Lei nº 11.119, de 30.05.1940. Criou benefícios fiscais para as sociedades esportivas, conforme previsão de sues dois primeiros artigos:

Art. 1º Ficam isentas de todos os impostos estaduais as sociedades civis de intuitos não econômicos, que tenham por objeto a difusão ou a prática do esporte amador, aplicando a totalidade de suas rendas nesse objetivo.

Art. 2º Ficam excluídas da isenção a que alude o art. 1º todas as atividades consideradas tecnicamente não esportivas, a critério da DEESP, e realizadas pelas sociedades, que se dedicam ao cultivo da prática do esporte.

5 Introdução ao direito desportivo. Pongetti. 1952, p. 120.

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Mas o principal diploma legislativo sobre esportes no Brasil veio a público em 1941. Tratou-se do Decreto-Lei nº 3.199, de 14 de abril, que estabeleceu as bases de organização dos desportos em todo o País.

De início, o decreto-lei anuncia a instituição do Conselho Nacio-nal de Desportos, atrelado ao Ministério da Educação e Saúde, destinado a orientar, fiscalizar e incentivar a prática dos desportos em todo o país (art. 1º).

O CND tinha suas atribuições previstas em seu art. 3º:

Art. 3º Compete precipuamente ao Conselho Nacional de Desportos:

a) estudar e promover medidas que tenham por objetivo assegurar uma con-veniente e constante disciplina à organização e à administração das associa-ções e demais entidades desportivas do país, bem como tornar os desportos, cada vez mais, um eficiente processo de educação física e espiritual da ju-ventude e uma alta expressão da cultura e da energia nacionais;

b) incentivar, por todos os meios, o desenvolvimento do amadorismo, como prática de desportos educativa por excelência, e ao mesmo tempo exercer rigorosa vigilância sobre o profissionalismo, com o objetivo de mantê-lo den-tro de princípios de estrita moralidade;

c) decidir quanto à participação de delegações dos desportos nacionais em jogos internacionais, ouvidas as competentes entidades subvenções de alta direção, e bem assim fiscalizar a constituição das mesmas;

d) estudar a situação das entidades desportivas existentes no país para o fim de opinar quanto às subvenções que lhes devam ser concedidas pelo Go-verno Federal, e ainda fiscalizar a aplicação dessas de princípios de estrita moralidade;

[...]

A referida norma também considerou como constituídas seis confe-derações:

I – Confederação Brasileira de Desportos.

II – Confederação Brasileira de Basket-ball.

III – Confederação Brasileira de Pugilismo.

IV – Confederação Brasileira de Vela e Motor.

V – Confederação Brasileira de Esgrima.

VI – Confederação Brasileira de Xadrez.

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A Confederação Brasileira de Desportos abarcaria, além de outras modalidades, o futebol, sendo que este só foi ter uma confederação especí-fica nos anos 1970, quando foi criada a Confederação Brasileira de Futebol – CBF.

O Decreto-Lei nº 3.199/1941 foi um documento legislativo de con-teúdo autoritário, o qual refletia o momento político do país. Por exemplo, uma entidade desportiva para disputar competições internacionais necessi-tava da autorização do CND:

Art. 27. Nenhuma entidade desportiva nacional poderá, sem prévia autoriza-ção do Conselho Nacional de Desportos, participar de qualquer competição internacional.

Outro dispositivo de cunho autoritário foi o art. 30:

Art. 30. Nenhuma associação desportiva poderá exigir qualquer indenização ou vantagem especial, em seu proveito, ou no de seus jogadores, quando estes estejam a serviço de uma confederação, federação ou liga, para com-petição internacional, nacional ou regional, que não se revista de caráter amistoso.

E, para deixar de maneira clara que o esporte era uma atividade im-portante para o país, o art. 48 arrematou:

Art. 48. A entidade desportiva exerce uma função de caráter patriótico. É proibido a organização e funcionamento de entidade desportiva, de que re-sulte lucro para os que nela empreguem capitais sob qualquer forma.

O artigo supra atribuía aos clubes uma função patriótica e a impossi-bilidade de se tornarem entidades mercantis. Essa previsão mostra o caráter visionário de Getúlio Vargas, que enxergou no esporte, particularmente no futebol, um elemento de identificação do povo e de identidade nacional.

A preocupação com as práticas esportivas era tamanha, que o DL 3.199 trouxe previsão de imunidade fiscal aos clubes:

Art. 40. As exibições públicas, promovidas pelas entidades desportivas fi-liadas direta ou indiretamente ao Conselho Nacional de Desportos, serão isentas de quaisquer impostos ou taxas federais devendo as autoridades esta-duais e municipais expedir os atos necessários a todas as isenções da mesma natureza.

Art. 41. O material importado pelas entidades desportivas filiadas direta ou indiretamente ao Conselho Nacional de Desportos e destinado à prática dos desportos gozará de isenção de direitos de importação para consumo e de-mais taxas aduaneiras, sempre que não haja similar na indústria nacional.

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Art. 42. Os componentes de delegação, escalados para representar o país no estrangeiro, em competições ou congressos desportivos, terão passaportes isentos de impostos ou taxas de qualquer natureza.

Parágrafo único. Quando os membros de uma delegação excederem de dez, os passaportes serão concedidos em lista coletiva, acompanhada de mais de três via, constando em todas, debaixo de cada fotografia, o nome do despor-tista, sua nacionalidade e outras indicações necessárias.

João Lyra6 leciona sobre as isenções fiscais aos clubes no período inicial pós-DL 3.199/1941:

Na forma do citado Decreto-Lei nº 4.799/1942, ficaram isentos de quaisquer tributos ou taxas municipais as exibições públicas promovidas pelas entida-des desportivas filiadas direta ou indiretamente ao Conselho Nacional de Desportos. Depois, já em 1944, por Decreto-Lei nº 6.714, de 19 de julho, ficaram isentas do pagamento de foros as entidades de desportos náuticos, titulares de aforamento de terrenos da marinha e seus acrescidos, concedidos antes da vigência do Decreto-Lei nº 3.438, de 17 de julho de 1941, enquanto utilizados para a prática de tais desportos. Ainda, em 1944, o presidente da República autorizou o prefeito do Distrito Federal, por Decreto-Lei nº 7.087, de 27 de novembro, a conceder isenção de impostos predial e territorial às associações desportivas em cujas sedes, praças ou campos se pratiquem des-portos náuticos ou terrestres, sem apostas, e a dispensar as mesmas entidades desportivas do pagamento de dívida relativa a qualquer tributo, até então apurada.

E, de maneira definitiva, a apropriação do esporte pelo Estado veio marcada no art. 46:

Art. 46. Toda a matéria relativa à organização desportiva do país deverá ser regulada por lei federal.

Um decreto-lei7 publicado no mesmo dia do DL 3.199/1941 assim previu:

Art. 31. Toda associação recreativa ou desportiva, que gozar de favor ofi-cial, admitirá, gratuitamente, como seus associados, na proporção de um por vinte dos sócios inscritos por título oneroso, filhos de famílias numerosas e pobres, residentes na localidade.

§ 1º A designação caberá ao prefeito e recairá em jovens, até dezoito anos de idade, que preencham os requisitos dos estatutos da associação, preferindo-

6 Ob. cit., p. 138.7 Decreto-Lei nº 3.200, de 19 de abril de 1941. Dispõe sobre a organização e proteção da família.

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-se, em equivalência de condições, os filhos das famílias de maior prole e de melhor educação.

§ 2º Se não houver, na localidade, filhos de famílias numerosas, nas condi-ções do parágrafo precedente, em número suficiente para preencher todas as vagas, serão indicados filhos de famílias não consideradas numerosas, preferindo-se sempre os das que tenham maior prole.

§ 3º Em caso de exclusão de associado admitido na forma dos parágrafos anteriores, em observância dos estatutos da associação, designará o prefeito outro jovem que lhe preencha o lugar.

Até o final do Estado Novo (1945), estes foram os principais diplomas legais sobre matéria desportiva:

– Decreto-Lei nº 3.617, de 05.09.1941 – Instituiu a Confederação Brasileira de Desportos Universitários, prevendo a criação de as-sociações atléticas.

– Decreto nº 9.627, de 16.04.1942 – Aprovou o Regimento do Conselho Nacional de Desportos (CND).

– Decreto-Lei nº 5.342, de 25.03.1943 – Tratou da competência do CND e da disciplina das atividades desportivas.

– Decreto-Lei nº 6.714, de 19.07.1944 – Isentou do pagamento de foros as entidades de desportos náuticos.

– Decreto nº 16.531, de 06.09.1944 – Reconheceu o Curso Nor-mal de Educação Física, o de Medicina Especializada em Educa-ção Física e Desportos, e o de Técnico Desportivo da Escola de Educação Física de São Paulo.

– Decreto-Lei nº 7.087, de 27.11.1944 – Autorizou o prefeito do Distrito Federal (atual Rio de Janeiro) a conceder isenção de im-posto predial e territorial aos clubes desportivos.

– Decreto-Lei nº 7.332, de 20.02.1945 – Tratou das subvenções federais a entidades desportivas.

– Decreto-Lei nº 7.674, de 25.06.1945 – Tratou da administração das entidades desportivas nos aspectos financeiros.

– Decreto nº 19.425, de 14.08.1945 – Aprovou o regimento do Conselho Nacional de Desportos.

– Decreto-Lei nº 9.012, de 29.09.1945 – Estabeleceu as bases das organizações das atividades sociais e desportivas dos servidores públicos.

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– Decreto-Lei nº 8.458, de 26.12.1945 – Tratou do registro dos estatutos das sociedades desportivas.

Criticando o sistema acima, Manoel Tubino8 afirma:

Os decretos mencionados acima evidenciam nitidamente uma dependência das entidades esportivas ao Estado. Estava lançada a base de uma tutela e de um paternalismo estatal, que começaria a ser desmoronado em 1995.

A LEI Nº 6.251, DE 8 DE OUTUBRO DE 1975

O Decreto-Lei nº 3.199/1941 vigeu até 1975, quando foi sancionada a Lei nº 6.251/1975, a qual declara, em seu preâmbulo, que “institui normas gerais sobre desportos, e dá outras providências”.

Essa lei inclui o conselho Nacional de Desportos como órgão do Mi-nistério da Educação e Cultura. “Aliás, nos anos 1970, havia uma expressão muito comum que era ‘esporte é cultura’”.

A competência do Conselho Nacional de Desportos eram estas:

Art. 42. Compete ao Conselho Nacional de Desportos:

I – opinar, quando consultado pelo Ministro da Educação e Cultura, sobre a Política Nacional de Educação Física e Desportos;

II – estudar, propor e promover medidas que tenham por objetivo assegurar conveniente e constante disciplina à organização e à administração das as-sociações e demais entidades desportivas do País;

III – propor ao Ministro da Educação e Cultura a expedição de normas re-ferentes à manutenção da ordem desportiva e à organização da justiça e disciplina desportivas;

IV – editar normas complementares sobre desportos, inclusive o desporto profissional, observadas, quanto a este, as normas especiais de proteção de tais atividades;

V – editar normas disciplinadoras dos Estatutos das entidades integrantes do Sistema Desportivo Nacional;

VI – decidir quanto à participação de delegações desportivas nacionais em competições internacionais, ouvidas as competentes entidades de alta dire-ção, bem assim fiscalizar a sua constituição e desempenho;

8 Ob. cit., p. 37.

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VII – editar normas gerais sobre transferência de atletas amadores e profissio-nais, observadas as determinações das entidades internacionais de direção dos desportos;

VIII – coordenar a elaboração do Calendário Desportivo Nacional;

IX – baixar instruções referentes ao regime econômico e financeiro das enti-dades desportivas, inclusive no que diz respeito aos atos administrativos e ao controle da aplicação de recursos de origem oficial;

X – disciplinar a participação de qualquer entidade desportiva brasileira em competições internacionais;

XI – baixar instruções que orientem a execução da presente Lei e do seu Re-gulamento pelas entidades desportivas;

XII – praticar os demais atos que lhe são atribuídos por esta lei.

Parágrafo único. O regulamento desta lei indicará quais as decisões do Con-selho Nacional de Desportos que dependerão de homologação do Ministro da Educação e Cultura.

Entendo que essa lei, apesar de ser do período do Regime Militar, era muito mais liberal que o Decreto-Lei nº 3.199/1941, até porque foi discuti-da no Congresso nacional antes da sanção presidencial, tendo apenas três vetos.

Do mesmo ano (1975) é a Lei nº 6.269, de 24 de novembro, que ins-tituiu o sistema de assistência complementar ao atleta profissional.

A Lei nº 5.939/1973 concedeu benefícios da Previdência Social ao atleta profissional de futebol e a Lei nº 6.269/1975 criou o sistema de assis-tência complementar também ao atleta profissional de futebol.

O mestre Manoel Tubino9 tece severas críticas à Lei nº 6.251/1973:

Os principais contrapontos da Lei nº 6.215/1975 e de seu Decreto regula-mentar nº 68.880/1977 foram a Carta Internacional de Educação Física e Esportes de 1978, editada pela Unesco em nível internacional, e em nível nacional, o ciclo de debates “Panorama do Esporte Brasileiro” no Congresso Nacional e a própria reestruturação da Secretaria de Educação Física e Des-portos do MEC.

A Lei nº 6.251/1975, assim como o Decreto-Lei nº 3.199/1941, tratou apenas do esporte de rendimento, pois o conceito de esporte compreendia essa ma-nifestação do esporte. Entretanto, a Carta Internacional de Educação Física e Esportes da Unesco, de 1978, no seu art. 1º, declara que a atividade física

9 Ob. cit., p. 87.

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ou a prática esportiva é um direito de todos. Com essa Carta, o conceito de esporte, antes centrado apenas no rendimento, ganhou uma maior abran-gência, passando a compreender o esporte na escola, o esporte para terceira idade e o esporte para pessoas portadoras de deficiência. É evidente que a legislação esportiva ficou completamente defasada do contexto mundial do esporte, em termos conceituais.

No plano nacional, a criação na Câmara dos Deputados de uma Comissão de Esportes, logo promovendo o ciclo de Debates “Panorama do Esporte Brasileiro”, trouxe a discussão do esporte brasileiro para o Poder Legislativo, estimulando o aparecimento de um clima de mudança. Desse ciclo de deba-tes saiu o Projeto Márcio Braga, que propunha total reviravolta na legislação esportiva brasileira. Outro fato importante foi a reestruturação da Secretaria de Educação Física e Desportos, que passou a contar com setores ligados ao esporte educacional, ao Esporte para Todos, em total desintonia (SIC) com a Lei nº 6.251.

O país caminhava para uma reestruturação democrática e, como não po-deria deixar de ser, um novo período de reflexões e discussões do esporte brasileiro viria junto com a desintoxicação autoritária do Brasil.

FUTEBOL: A LEI Nº 6.354, DE 2 DE SETEMBRO DE 1976

O futebol chegou ao Brasil de maneira oficial em 1894, com Charles Miller, paulistano que fora estudar na Inglaterra, e regressou ao Brasil em razão de problemas familiares, trazendo consigo bolas, livro de regras e uni-formes para a prática daquele esporte que já era popular em solo europeu.

Antes de Charles Miller, os padres do Colégio Jesuíta de Itu, no inte-rior de São Paulo, já haviam trazido o futebol para essa instituição de ensi-no, só que não divulgou a prática como o fez Miller.

Até 1976 o futebol era regulado por normas internacionais (FIFA) e por decretos do executivo.

A Lei nº 6.354/1976 foi efetivamente a primeira lei em sentido estrito que tratou da profissão de atleta de futebol.

Foi um grande avanço, sendo seus principais pontos a limitação de jornada, a previsão de férias anuais, a regulamentação do passe, o prazo do contrato de trabalho e os elementos obrigatórios que deveriam conter a proibição de o atleta analfabeto celebrar contrato de trabalho e previsão de aplicação de multa ao atleta.

Com a Constituição da República de 1988, o esporte ganha espaço na Lei Maior, assim prevendo o art. 217 da Carta:

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Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não for-mais, como direito de cada um, observados:

I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profis-sional;

IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação na-cional.

§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às com-petições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.

§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.

§ 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.

Diferentemente do que ocorria nos anos 1940, à prática esportiva é concedida liberdade na sua organização e funcionamento (inciso I).

Importante inovação trazida pela Constituição foi a inclusão da Justi-ça Desportiva em seu texto.

Em 1993, tivemos a edição de duas leis muito importantes, que foram a Lei nº 8.672, conhecida como Lei Zico, e a Lei nº 8.650, sobre a profissão de técnico de futebol.

A grande “revolução” na legislação esportiva brasileira, sem sombra de dúvidas, ocorreu em 1998, quando foi sancionada a Lei nº 9.615, de 24 de março, que ficou conhecida como Lei Pelé, que veio substituir a Lei Zico, e que fez com que o direito desportivo ganhasse o status que tem hoje em dia.

Reflexo de um novo momento no esporte brasileiro, a principal novi-dade trazida pela lei foi a extinção do instituto do passe, que vigia no Brasil seguindo as normas da FIFA. Tratou a lei da composição da Justiça Desporti-va, da prática desportiva profissional e não profissional, entre vários institu-tos. Essa lei foi muito alterada durante sua vigência e talvez esteja com seus dias contados, pois existem vários projetos de lei tramitando no Congresso Nacional que tratam de organizar o desporto em nosso país.

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Em 2003 surge a Lei nº 10.671, de 15 de maio, que é o Estatuto do Torcedor, um código do consumidor de esporte, um grande avanço nas re-lações entre o torcedor e organizadores de eventos desportivos.

A Lei nº 9.615/1998 sofreu sua última grande alteração em 2011, por força da Lei nº 12.395, de 16 de março, que reduziu a percentagem do direito de arena devido aos atletas pelos clubes de 20% para 5%, tra-tou do direito de imagem, criou as cláusulas indenizatória e compensató-ria para as rescisões antecipadas dos contratos de trabalho, revogou a Lei nº 6.354/1976, estabeleceu a jornada de trabalho do atleta profissional em 8 horas, entre outras inovações.

Muitas são as propostas de legislação feitas atualmente por institui-ções ligadas ao esporte, sendo que, como já afirmado, temos alguns projetos de lei tramitando no Congresso Nacional sobre matéria desportiva.

Renovo meus agradecimentos por poder participar desta obra e espe-ro ter contribuído com aqueles que fazem pesquisas histórico-legislativas.

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Parte Geral – Doutrina

(Im)Possibilidade de Adicionais Integrantes do Salário do Praticante Desportivo Profissional

RAFAEL TEIxEIRA RAMOSMestre em Ciências Jurídico-Laborais, Pós-Graduado em Direito do Desporto Profissional – ambos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Professor em Pós-Graduação de Direito e Processo do Trabalho, Direito Desportivo, Professor do Curso Intellegens, Conselheiro Editorial da Revista SínteSe Direito Desportivo – RDD, Advogado.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Adicional de horas extras; 2 Adicional noturno; 3 Adicional de insalubridade; 4 Adicional de periculosidade; 5 Adicional de transferência; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Os adicionais são parcelas pagas sobre o salário como uma compen-sação monetária por certas modalidades de trabalho exercidas em condi-ções especiais em que a sociedade requer a sua contínua duração e desen-volvimento.

Em ressonância das escritas de Gustavo Filipe Barbosa Garcia:

Quanto aos adicionais legais, o entendimento atualmente pacífico, na doutri-na e na jurisprudência, é no sentido da sua natureza salarial ou remunerató-ria. [...] Possuir natureza salarial, no entanto, não significa confundir-se com o próprio salário em sentido estrito; [...].1

1 ADICIONAL DE HORAS EXTRAS

O adicional de horas extras, segundo o próprio nome já denota, é o compensatório adicionado ao salário para reparar monetariamente a quan-tidade de horas laboradas acima do padrão constitucional e legal permitido (art. 7º, XVI, da CRFB/88; art. 28, § 4º, VI, da Lei Pelé; art. 95, VI, do PLS 68/2017 usque art. 59, § 1º, da CLT – estes padrões celetistas modificar-se--ão em breve com a entrada em vigor da PL 6.787/2016 e do PLC 38/2017 – reforma trabalhista).

1 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 404.

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No Brasil, o valor do adicional extraordinário quando dilatada a jor-nada máxima semanal é igual ao valor da hora normal mais o acréscimo de 50% sobre o seu valor. Quando há a superação do horário diário, mas não se dilata a duração máxima semanal, apenas é devido o valor de 50% sobre o valor da hora normal de labor (Súmula nº 85 do col. TST).

Em termos de trabalho no esporte, de acordo com o já relatado em tópicos anteriores sobre horas em concentração e horas itineres, dificilmen-te subsistirá horas extraordinárias devidas aos atletas. Apenas o que sobejar os três (3) dias consecutivos de concentração quando os jogos forem rea-lizados na sede do clube-empregador. Ainda assim, se este não conseguir provar que por balanceamento de jornada pactuada foi cumprido o padrão constitucional de quarenta e quatro horas (44) laboradas.

Porém, convém memorar que, dependendo da quantidade de horas ultrapassadas, da “hipersuficiência” do atleta e da remuneração compensa-tória estipulada em contrato de trabalho (art. 28, § 4º, III, da Lei Pelé; art. 95, III, do PLS 68/2017), seria razoável a não concessão de horas extraordinárias quando o caso concreto não evidência excesso, exploração.

Nessa esfera, caso se extraia horas extras por falta de acuidade do empregador na direção das atividades em concentração e horas itineres, o adicional constitui-se salário e reflete nas demais parcelas salariais compo-nentes.

2 ADICIONAL NOTURNO

Adicional noturno é a compensação adicionada ao salário para repa-rar monetariamente as horas trabalhadas em horário noturno, considerado por estudos científicos como prejudicial à saúde do ser humano trabalhador.

Em disposição consolidada no art. 73 da CLT, o horário considerado noturno para fins de incidência do adicional no valor de 20% sobre a hora normal diária é de vinte e duas horas de um dia às cinco horas do dia se-guinte (22:00h às 05:00h), contabilizando-se a hora noturna como cinquen-ta e dois minutos e trinta segundos (52min:30seg).

No trabalho desportivo, é pauta intrigante a aplicabilidade ou não do adicional noturno, tendo em vista que a Lei Pelé e suas seguintes modi-ficações legais nunca regulamentaram especificamente o labor noturno do atleta ou sequer o tangenciaram.

Uma corrente defende que o atleta profissional é também um empre-gado e, por ser assim, deve ter direito ao adicional noturno quando efetiva-

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mente trabalhar dentro do período considerado noturno para fins de aplica-ção do previsto no art. 73 da CLT2-3.

Há os defensores da não aplicação do adicional noturno aos jogado-res empregados, basicamente por três argumentos: a) a atividade desportiva é de entretenimento e por força dos costumes é praticada em horários de lazer, não devendo repercutir no salário dos atletas qualquer adicional no-turno; b) a extensão do espetáculo para além das vinte e duas horas (22:00h) da noite atende aos interesses empresariais da venda do espetáculo que sustenta em boa parte a atividade econômica esportiva e, consequentemen-te, sustenta os próprios salários dos atletas, sendo demais cobrar-se o adi-cional noturno; c) nem todos os jogos se estendem para além das vinte e duas horas (22:00h) e, quando ocorre, raramente ultrapassa as duas extras (00:00h), portanto, nem sempre o atleta trabalha nessas condições, e a es-magadora maioria dos empregados desportivos que trabalham nesses ho-rários são “hipersuficientes” com firmamentos contratuais financeiramente compensatórios de tal situação, já que o fundamento é a venda da trans-missão/retransmissão do espetáculo esportivo, somente abarcado por essa circunstância os jogadores empregados em grandes clubes que participam de grandes competições4.

Entre as duas correntes, adere-se à segunda, mais pelo terceiro ar-gumento do que por qualquer outro. Contudo, ressalte-se que, se o caso concreto revelar outra realidade divergente do argumento perfilado na letra

2 BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e regulamentações especiais de trabalho: peculiaridades, aspectos controvertidas e tendências. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 126-127; GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Op. cit., 2014. p. 908; e MARTINS, Sérgio Pinto. Direitos trabalhistas do atleta profissional de futebol. São Paulo: Atlas, 2011. p. 84-86.

3 “Recurso do reclamante. Adicional noturno. 1. O fato de o atleta trabalhar em horário noturno, como algo inerente à sua função ou atividade, não afasta o direito ao respectivo adicional. Tanto é assim que, em diversas outras situações, o trabalho em período noturno também pode ser considerado inerente ou natural à função desempenhada, como ocorre no caso de vigias e vigilantes, mas são normalmente devidos o adicional noturno e a hora noturna reduzida. 2. Muito embora a Lei Pelé possua caráter especial, e ainda que sejam consideradas as evidentes peculiaridades do trabalho do atleta profissional, o adicional noturno ganhou status constitucional, previsto no inciso IX do art. 7º da Carta Magna. 3. A partir de então, a legislação infraconstitucional somente se limita a definir os percentuais aplicáveis ao caso concreto, sendo inadmissível que lei ordinária venha a afastar as garantias e direitos mínimos do trabalhador elevados ao patamar constitucional. 4. Cumpre ressaltar, ainda, que o art. 28, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 – Lei Pelé prevê a aplicabilidade ao atleta profissional das normas gerais da legislação trabalhista, ressalvadas as peculiaridades expressas na referida lei ou integrantes do contrato de trabalho, sendo certo que o art. 73 da CLT prevê o pagamento do adicional noturno. 5. Desta forma, se a partida da qual tenha participado o atleta efetivamente tenha extrapolado o horário de 22:00 horas, impõe-se o pagamento do adicional noturno ao atleta. 6. Dou provimento. Natureza jurídica do direito de arena. 1. O direito de arena e imagem é regulamentado pelo art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), que não trata da natureza jurídica da parcela. 2. A parcela em questão é devida em decorrência da relação de emprego, pois está diretamente vinculada à atividade profissional, ou seja, só é devida ao atleta que participa de evento cujo direito de transmissão de imagens é vendido pela [...].” (TRT 1ª R., RO 568007920035010005/RJ, 00568007920035010005, 10ª T., publ. 11.04.2012)

4 ZAINAGHI, Domingos Sávio. Os atletas profissionais de futebol no direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 85-86.

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c) acima, sendo o atleta não “hipersuficiente” (economicamente e negocial-mente) perante o clube, entende-se aplicável o adicional noturno tal e qual normatizado no art. 73 da CLT5-6.

Outra polêmica seria a participação dos atletas empregados menores de dezoito (18) anos em horários depois das vinte e duas horas (22:00h), já que a Lei Pelé permite o labor do jogador profissional a partir dos dezesseis anos (16) no art. 44, III. Todavia, tal tema será reservado à outra ocasião.

3 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

Adicional de insalubridade é a compensação adicionada ao salário para reparar monetariamente o tempo em que o empregado labora em am-biente com agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos (art. 7º, XXIII, da CRFB/1988 c/c art. 192 da CLT).

No labor esportivo, reside muita dissonância quanto à incidência ou não do adicional de insalubridade, mormente naquelas situações em que os atletas jogam partidas expostos ao calor intenso ou ao frio intenso.

No Brasil, por nossas questões climáticas, a crítica repousa acentua-damente sobre jogos ocorridos em climas de calor intenso, como já ocorreu em campeonatos regionais e até mesmo em horários inapropriados em com-petições nacionais (campeonato brasileiro).

A lacuna da Lei Pelé a respeito abre grande espaço para discussão, pois até 2012 prevalecia apenas o entendimento do col. TST no item I da OJ-SBDI 173, que “a atividade exercida a céu aberto, sujeitos à radiação solar, por falta de previsão legal, não se configurava trabalho em condições insalubres”.

Todavia, com a inserção do item II na referida OJ, a partir de 2012, o col. TST passou a entender que “se a exposição em ambiente externo com carga solar for acima dos limites de tolerância previsto no anexo 3 da NR 15 da Portaria nº 3.214/1978 do MTE, incide o adicional de insalubridade”.

5 Aproximação desta abordagem em SÁ FILHO, Fábio Menezes de. Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010. p. 91-93.

6 No mesmo sentido é o julgado: “Atleta profissional de futebol. Adicional noturno. Em razão das peculiaridades do contrato de trabalhado de atleta profissional de futebol, penso que não lhe são aplicáveis as regras celetistas relativas ao adicional noturno, em face da especificidade da atividade desportiva. Recurso a que se nega provimento, no particular” (TRT 6ª R., RO 0015600-50.2009.5.06.0003 (00156-2009-003-06- -00-3), 2ª T., Red. Acácio Júlio Kezen Caldeira, DJ 10.05.2011, publ. 22.05.2011).

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Nesse contexto, por ser a atividade trabalhista esportiva de perfor-mance, grande intensidade, disputa e impacto físico-mental, entende-se prudente que as federações, ligas e clubes organizem as competições em horários climáticos que não prejudiquem a saúde do trabalhador atleta, pondo-o em risco de vida, pois, caso comprovado que laborou nas circuns-tâncias constantes da OJ-SBDI-1 173, II, do col. TST, não se verifica como afastar o adicional de insalubridade7.

Nos países de estações de frio intenso, é também prudente se utilizar da tecnologia para averiguar as condições climáticas melhores para o dia e horário do jogo, bem como fornecer equipamentos de proteção, como geralmente ocorre, neutralizando o ambiente insalubre e preservando a in-tegridade psicofísica do jogador profissional.

Nada obstante, assinale-se que, se, no dia a dia do labor, o despor-tista empregado é submetido a ambientes insalubres ou exposição em trei-namento intenso a céu aberto com cargas solares, também terá direito ao adicional de insalubridade; no entanto, sabe-se que na realidade é quase impossível a ocorrência de tal fato, por vezes pode ser até meramente even-tual, o que não ensejaria o pagamento do adicional.

4 ADICIONAL DE PERICULOSIDADE

Adicional de periculosidade é a compensação adicionada ao salário para reparar monetariamente o tempo que o empregado labora em ambien-te com risco acentuado em virtude de exposição permanente a inflamáveis, explosivos ou energia elétrica, roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial, também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta (art. 7º, XXIII, da CRFB/1988 c/c art. 193 da CLT).

7 A aresta jurisprudencial a seguir do col. TST demonstra a dificuldade de se provar qualquer exposição não eventual do atleta empregado a ambiente insalubre no labor diário ou no jogo: “I – Agravo de instrumento em recurso de revista do Cruzeiro Esporte Clube. Interposição anterior à Lei nº 13.015/2014. Negativa prestação jurisdicional. O ordenamento jurídico vigente confere expressamente ao Presidente do Tribunal prolator da decisão recorrida a incumbência de decidir, em caráter prévio, sobre a admissibilidade da revista, sendo suficiente, para tanto, que aponte os fundamentos que o levaram a admitir o apelo ou a denegar- -lhe seguimento. Agravo de instrumento não provido. Domingos e feriados trabalhados. [...] Adicional de insalubridade. O art. 436 do CPC estabelece que, na apreciação da prova, o julgador não se acha adstrito aos laudos periciais, podendo valer-se de outros elementos de prova existente nos autos. Não há como se concluir pela violação deste dispositivo legal, pelo contrário, no caso, esse preceito do CPC fundamenta a decisão do TRT de origem que indeferiu o pagamento do adicional de insalubridade, com apoio em outras provas produzidas. [...] Agravo de instrumento não provido” (TST, AI-RR 1562-80.2011.5.03.0024, 2ª T., Relª Min. Maria Helena Mallmann, DJ 26.10.2016, DEJT 04.11.2016).

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Diante da própria definição do adicional de periculosidade descrita acima, reputa-se completamente inexistente na realidade cotidiana do tra-balho no esporte; portanto, não há de se aplicar adicional por periculosida-de no labor esportivo.

5 ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA

O praticante esportivo empregado é contratado e apresentado na sede do clube, mas a atividade laboral esportiva é itinerante por sua própria natureza de disputa das competições com partidas em casa ou nas instala-ções do adversário, ou, ainda, em local neutro.

Dessarte, atividade laboral itinerante não se confunde com aquelas transferências provisórias em decorrência da real necessidade do serviço, de modo implícito ou explícito pactuadas em contrato (art. 469 da CLT).

No exercício trabalhista itinerante, o trabalhador executa os serviços laborais em outro local, fora da sede do empregador e retorna assim que finaliza o mister. Já na transferência provisória, o empregado efetivamen-te muda de domicílio para laborar por tempo dito determinado, mas nem sempre com previsão imediata do retorno, ensejando aqui o adicional de transferência provisório subscrito no art. 469, § 3º, da CLT.

O trabalho esportivo é itinerante e não de transferência provisória, portanto não há como se aplicar adicional de transferência, nem mesmo na cessão temporária de atletas, já que, nesse caso, o jogador empregado passa a prestar serviço para outro empregador e se subordina às suas direções, muitas vezes recebendo todo o salário do cessionário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em resumo, sem a pretensão de fechar entendimentos jurispruden-ciais e doutrinários a respeito da possibilidade ou impossibilidade de exis-tência dos adicionais integrados ao pagamento da remuneração dos jogado-res empregados, contribui-se com algumas elucidações a fim de aperfeiçoar a prevenção/solução dos conflitos relacionados ao tema.

REFERÊNCIAS

BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e regulamentações especiais de trabalho: peculiaridades, aspectos controvertidas e tendências. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008.

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GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direitos trabalhistas do atleta profissional de futebol. São Paulo: Atlas, 2011.

SÁ FILHO, Fábio Menezes de. Contrato de trabalho desportivo: revolução concei-tual de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010.

ZAINAGHI, Domingos Sávio. Os atletas profissionais de futebol no direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015.

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Parte Geral – Doutrina

O Direito à Saúde no MMA

RAFAELA DIAS PInhEIRO1

Advogada, Cursando Máster en Derecho Deportivo na Escuela Universitária Real Madrid – Universidad Europea, Especialista em Direito Desportivo e Negócios no Esporte pelo Cedin – Centro de Estudos em Direito e Negócios.

RESUMO: Este artigo visa a discutir sobre a falta de amparo e a dificuldade de proteção legal para os lutadores de MMA – Mixed Marcial Arts e o desafio de garantir a eles o direito à saúde.

PALAVRAS-CHAVE: Artes marciais mistas; direito desportivo; integridade física.

ABSTRACT: This article aims to discuss the lack of protection and how difficult it is to provide legal protection for MMA – Mixed Marcial Arts fighters and the challenge of guaranteeing them the right to health.

KEYWORDS: Mixed Martial Arts; sports law; physical integrity.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Desenvolvimento; 1.1 O lutador de MMA é considerado por lei como um atleta profissional?; 1.2 Das condições de saúde dos atletas; 1.3 Do corte de peso; Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃO

O direito desportivo é um ramo incipiente do Direito. A bibliografia em geral ainda é escassa, os temas dessa área são pouco explorados e estão constantemente surgindo. A “Lei Geral do Desporto”, nº 9.615, de 1998, também conhecida como “Lei Pelé”, utilizada atualmente no Brasil, é frágil. Não por acaso, o Senado Federal aprovou o anteprojeto da Lei Geral do Esporte, que visa a trazer diversas alterações na “Lei Pelé” e transformá-la na Nova Lei Geral do Desporto. A Lei nº 9.615/1998, apesar de ser para todos os esportes, foi elaborada privilegiando o futebol. Isso dificulta a sua aplicação em outros esportes, em especial no MMA, que é uma modalidade individual. Os atletas do MMA não são empregados por ninguém. Logo, não possuem o amparo de um contrato de trabalho, tampouco da legislação, uma vez que é difícil encaixá-los nela. Ademais, a “Lei Pelé” define como atleta profissional aquele que possui um contrato formal de trabalho firma-do, realidade que poucos atletas, além dos jogadores de futebol, possuem

1 Telefone: +55 (31) 99791-6356. E-mail: [email protected].

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atualmente no Brasil. A ação da Justiça fica consequentemente prejudicada, tornando necessário o uso de analogias, hermenêutica e estudo caso a caso para decidir, da melhor forma, como aplicar o Direito para os atletas, espe-cialmente o direito à saúde e integridade física.

1 DESENVOLVIMENTO

1.1 o lutador de mma é considerado por lei como um atleta profissional?

A Lei Pelé, no art. 28, dispõe: “A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva”. Os jogadores de futebol enquadram-se facilmente nessa definição, já que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em respeito ao art. 34, I, da Lei nº 9.615/1998, obriga a formalização desse contrato para dar condição de jogo aos atletas. Além disso, o art. 94 da “Lei Pelé” dispõe:

Art. 94. O disposto nos arts. 27, 27-A, 28, 29, 29-A, 30, 39, 43, 45 e § 1º do art. 41 desta lei será obrigatório exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional da modalidade de futebol. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).

Parágrafo único. É facultado às demais modalidades desportivas adotar os preceitos constantes dos dispositivos referidos no caput deste artigo.

Diante disso, a obrigação da entidade desportiva contratar o seguro desportivo (art. 45) existe apenas para o futebol e é comum nas outras mo-dalidades a ausência de um contrato de trabalho, sendo celebrado apenas um contrato de natureza civil.

Segundo Souza (2014, p. 112), “o desporto será considerado profis-sional quando praticado para a obtenção de renda e disputado por atletas profissionais (art. 26 e parágrafo único da Lei nº 9.615/1998 – Lei Geral sobre o Desporto)”. Por mais que os atletas de MMA disputem competições visando a prêmios em dinheiro, não são considerados profissionais, tendo em vista o art. 3º, II, da Lei Pelé caracterizar o desporto de rendimento não profissional como aquele “identificado pela liberdade de prática e pela ine-xistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incen-tivos materiais e de patrocínio”.

Conforme Santoro (2016), a Lei nº 12.395/2011, que se aplica às mo-dalidades individuais, caracteriza como autônomo o atleta que não man-tenha relação empregatícia com nenhuma entidade de prática desportiva,

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mas aufira rendimentos por intermédio de contrato civil, como o de patro-cínio (art. 28-A).

Conclui-se que os atletas de MMA são considerados profissionais au-tônomos, não sendo protegidos pela CLT, pois não possuem vínculo de em-prego. Resta a eles recorrer ao direito constitucional no que diz respeito às garantias e direitos fundamentais, ao direito civil no que tange à teoria das obrigações, bem como às regras internacionais que regem o esporte.

Para que exista vínculo de emprego, precisam estar presentes cinco requisitos essenciais na relação entre empregado e empregador, a saber: trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação. Em que pesem os lutadores que se conside-ram profissionais possuírem quatro dos cinco requisitos previstos na Conso-lidação das Leis do Trabalho – CLT, geralmente falta o requisito da habitua-lidade (ou da não eventualidade), impedindo a sua caracterização como empregados. Isso porque, segundo o art. 30 da “Lei Pelé”, para serem consi-derados empregados, os contratos de trabalho dos atletas devem possuir um prazo mínimo de 3 meses de duração, o que nem sempre ocorre nas lutas, inexistindo, portanto, o vínculo empregatício na maioria das ocasiões. Em contrapartida, defendo que, quando os atletas assinam contrato de exclusi-vidade com determinado produtor de evento, o requisito da habitualidade está suprido. Afinal, o lutador é proibido de participar de qualquer outra luta ou competição de MMA que não seja realizada pelo organizador com quem mantém exclusividade. Portanto, nos casos em que haja contrato firmado entre atletas e produtores com cláusula de exclusividade, a relação de em-prego existe. Os organizadores do evento devem garantir direitos trabalhis-tas (incluindo o direito à integridade física) aos lutadores, enquanto durar o tempo determinado no contrato.

Os atletas não podem ser vistos como trabalhadores comuns, por cau-sa da peculiaridade de suas atividades e das particularidades do ambiente em que atuam. Por essa razão, são considerados pela legislação como um tipo especial de trabalhadores. Não por acaso, o contrato de trabalho deles é chamado de “contrato especial de trabalho desportivo (CETD)”.

O requisito da habitualidade, para eles, não pode ser visto pela mes-ma ótica das outras relações de emprego, em que o empregado possui uma carga horária certa e fixa a se cumprir. Se um atleta, por exemplo, lutou em quatro lutas no período de um ano, promovidas por determinado produ-tor, sua participação, em alguns casos, já pode ser considerada como não eventual, pois a quantidade anual de lutas de algumas ligas e competições existentes não costuma ser muito maior do que esta. É um requisito subjeti-

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vo para os atletas de MMA, devendo, se levado para a Justiça, ser analisado pelos Magistrados em cada caso específico, sem que isso implique instabi-lidade jurídica. Pelo contrário, significa mais estabilidade e segurança para os atletas que, atualmente, não são protegidos pela CLT e, em respeito ao princípio da primazia da realidade, podem passar a ter a relação de empre-go declarada, caso possuam todos os requisitos para a sua existência.

1.2 das condições de saúde dos atletas

Conforme relatado pela maioria dos atletas entrevistados, quando so-frem lesões, não obtêm apoio financeiro nem assistência médica dos orga-nizadores dos eventos brasileiros de MMA. Em regra, tanto nos eventos de MMA quanto em competições das modalidades isoladas de lutas, os respon-sáveis somente dispõem de ambulância e paramédicos no local, que darão os primeiros socorros e levarão o atleta até o hospital correspondente de seu plano de saúde e, caso o atleta não possua nenhum, o levarão ao hospital público do Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, qualquer cirurgia que precise ser feita e tratamentos médicos a partir da entrada do lutador no hospital serão por sua conta.

A segurança é princípio fundamental do desporto brasileiro, previs-ta no art. 2º da Lei Pelé, XI: “da segurança, propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto à sua integridade física, mental ou sensorial”. A lei não distingue o direito à segurança por modalidades, de-vendo ser igualmente garantida em todos os esportes. Tampouco distingue profissionais dos não profissionais, abrangendo a proteção ao dizer que a segurança deve ser propiciada aos praticantes. Portanto, ainda que os atletas de MMA não sejam considerados profissionais, o direito à saúde deles está estabelecido por lei e precisa ser respeitado.

Quanto à responsabilidade civil, Gomes ensina:

A necessidade de substituir o fundamento da responsabilidade civil mani-festou-se em face de novas situações nas quais a fidelidade ao subjetivismo importaria flagrante injustiça. Surgiram, então, as doutrinas objetivistas, que deslocam para a ideia de risco-proveito o fundamento da responsabilidade. Não indagam se a ação do causador do dano foi imprudente, negligente ou intencional. Obrigam-no a indenizar o prejuízo causado, desde que tenha criado o risco. (Gomes, 1997, p. 91, apud Rodrigues, 2004, p. 34)

Nos casos de lesões que ocorrerem no momento das lutas, as organi-zadoras dos eventos devem responder objetivamente pelos danos sofridos

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por seus atletas, no que tange ao pagamento das despesas médicas, ou seja, devem arcar com os custos independentemente de culpa.

O Código Civil dispõe:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmen-te desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifos nossos)

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

O art. 950 prevê, ainda, o direito à pensão quando a lesão impede a pessoa de trabalhar. Segundo Rodrigues (2004), basta a mera violação de um direito para a existência do ato ilícito, caso resulte em uma espécie de dano, que poderá ser indenizável. A Constituição tem como garantia fun-damental a inviolabilidade do direito à segurança, tratando a dignidade da pessoa humana como um dos seus maiores preceitos, sendo a integridade fí-sica um dos valores ligados a ela. A integridade física é direito fundamental. O direito à segurança também está presente no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) como um princípio desportivo.

A teoria do risco dispõe, segundo Gonçalves (2010), que todo aquele que exerce alguma atividade em seu proveito cria um risco de dano para terceiros, sendo obrigado a repará-lo, ainda que não exista culpa em sua conduta.

Portanto, quem explora economicamente essa modalidade desportiva por meio de competições está criando um risco de dano, independente-mente de o lutador ter ou não assumido esse risco. Até porque a aceitação desses riscos pelos atletas é questionável. Há um conflito entre os direitos fundamentais de autonomia da vontade e da integridade física. Estudos de-monstram ausência da plena capacidade de atletas de alto rendimento de assumirem os riscos à própria integridade física, seja pela falta de infor-mação ou da assimilação dela (devido à grande pressão sofrida, vinda de fontes diversas, que impactam seriamente no discernimento), seja por outros motivos, segundo Machado (2015).

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Em relação à responsabilidade civil e criminal do lutador que efetuou o golpe que resultou na lesão do adversário, este apenas cometerá o ato ilí-cito indenizável e passível de responsabilização quando fugir das regras do esporte. Isso porque o art. 23, III, do Código Penal prevê o exercício regular de um direito como excludente de ilicitude.

Como medida para tornar o esporte mais seguro, a New Jersey State Athletic Control Board (NJSACB), em 2000, criou as “Regras Unificadas de Conduta do MMA”, revisadas em 2009 pela Association of Boxing Comis-sions (ABC Boxing), conforme Vargas e Carvalho (2016). Em conformidade com tais Regras Unificadas, várias condutas são consideradas pela Comis-são Atlética Brasileira de MMA – CABMMA como faltas.

De acordo com Cavazzola (2014), são ações que podem resultar em faltas: dar cabeçada, pôr o dedo no olho, morder, cuspir no adversário, pu-xar os cabelos, agarrar pela boca, qualquer tipo de ataque à região genital, manipular juntas pequenas, dar cotovelada de cima para baixo, golpear a espinha ou parte de trás da cabeça, qualquer golpe na garganta, agarrar a clavícula, chutar a cabeça ou aplicar joelhadas ou pisar em um adversário caído, entre outras.

Uma das formas de o lutador ser desclassificado é cometendo uma falta em que o árbitro julgue ter sido feita intencionalmente e de modo fla-grante, segundo Vargas e Carvalho (2016). Defendo que, além das sanções previstas nas regras, causando uma lesão no adversário que decorra do fato de o atleta ter cometido uma falta apontada pelo árbitro como intencional e flagrante, o lutador pode responder pelo pagamento do tratamento médico ao oponente ferido.

Se um atleta fugir às regras estabelecidas para a prática do MMA e causar um dano ao seu oponente, poderá responder civilmente, de forma subsidiária, caso a organizadora do evento ou a seguradora por ela contra-tada recusem-se a arcar com os prejuízos. Isso não valeria para qualquer desvio às regras, pois tal hipótese seria muito abrangente e prejudicial aos atletas, que, por vezes, acabam cometendo uma falta por desatenção, sem intenção de praticar as condutas desaprovadas pela modalidade. Seria vá-lido apenas para os desvios de conduta desclassificatórios em decorrência de o árbitro ter apontado e julgado como falta realizada intencionalmente e de modo flagrante. Nesses casos, o atleta poderia responder, inclusive criminalmente. Seria o caso de um atleta, por exemplo, chutar a cabeça de um lutador caído, mesmo após o árbitro mandar encerrar a luta e este atleta vir a óbito. O atleta, no caso fictício, mesmo não tendo intenção de matar, cometeu uma falta intencional e flagrante, agindo de maneira irresponsável

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e o seu oponente veio a óbito. Defendo que ele poderia responder por ho-micídio culposo. Outro exemplo que cabe mencionar é o verídico do atleta Jon Jones, que, em diversas lutas, colocou os dedos nos olhos de oponen-tes e não foi sequer desclassificado. No documentário “The Hurt Business” (2016), Jon Jones declara:

Eu sei que é ilegal pôr o dedo no olho do oponente, mas eu faço assim mes-mo. As pessoas me falam que eu sou um lutador talentoso e não preciso fazer uso de práticas proibidas para vencer, mas agora eu sou conhecido por isso e... Fazer o quê? Está funcionando!

Em casos assim, os atletas poderiam responder por crime de lesão corporal, além de serem desqualificados da luta.

De acordo com o art. 187 do Código Civil, “também comete ato ilíci-to o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limi-tes impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Em outras palavras, no caso do lutador, é somente responsável quando fere o outro, extrapolando o exercício de seu direito, agindo fora dos limites da boa-fé, quando sai das regras do esporte e comete falta inten-cional. Agindo em conformidade com as regras da modalidade esportiva, não há de se falar em responsabilização do lutador.

Segundo Rodrigues (2004, p. 80), “exercício regular de um direito é a prática de um ato reconhecidamente permitido pelo direito. Exemplo: não pode responder por dano quem, dentro das técnicas desportivas, fere o adversário numa luta de boxe, judô, caratê etc.”. É também o que, segundo Salvador (2009), o penalista argentino Zaffaroni prega, em sua teoria da tipicidade conglobante, onde uma conduta não pode ser punida, se outras normas do Direito a fomentam. Como existem normas fomentando a prática do desporto, agindo dentro das regras do esporte, o atleta está protegido tanto civil quanto criminalmente no caso de lesionar o seu oponente.

Tal raciocínio, porém, é por vezes utilizado por profissionais e es-tudiosos do Direito para justificar que os atletas que firam os adversários jamais poderiam ser responsabilizados criminal ou civilmente. Nem os clu-bes ou ligas que tenham explorado economicamente os atletas poderiam ser responsáveis por lesões provenientes de uma situação de risco em que eles mesmos se colocaram, por livre e espontânea vontade. Defendem que os atletas assumem esse risco ao decidirem viver pelo esporte, exercendo um livre direito, fato que excluiria a responsabilidade objetiva descrita no parágrafo único do art. 927 do Código Civil, “[...] quando a atividade desen-volvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos

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de outrem”. Ora, quando um lutador decide entrar no ringue, ele não está assumindo, por exemplo, o risco de ficar cego porque seu oponente poderia pôr o dedo em seus olhos. O oponente não poderia. O MMA possui regras de conduta. O argumento da autonomia da vontade do lutador que teria assumido os riscos ao lutar, como forma de isentar a responsabilidade dos envolvidos, é perigoso, pois pode servir de justificativa para qualquer tipo de conduta antidesportiva, não só em modalidades de luta, como no futebol ou em qualquer outra. Sobre o direito à autonomia da vontade versus o di-reito à integridade física, o autor português explica:

Contudo, os atletas profissionais nem sempre têm a possibilidade de exerce-rem essa real autonomia, visto que o processo de escolha pode ser afetado por uma ausência de discernimento (provocada tanto pela falta de capacida-de psicológica, emocional e física, quanto pela falta de informação) e/ou por uma situação de pressão. [...] Mas seria mesmo possível que um profissional do esporte tivesse sua capacidade de decisão comprometida em razão de uma falha de percepção? Uma pesquisa realizada com jogadores de futebol e praticantes de MMA sugere que sim. A mencionada pesquisa revelou que estes atletas, mesmo quando confrontados com o diagnóstico de cardiopatia congênita, apresentavam uma visão dissociada de si próprios e da possi-bilidade de morte. Em outras palavras: os atletas tinham conhecimento de sua enfermidade, mas não acreditavam realmente que isto poderia levá-los à morte. Diante desses resultados, os pesquisadores sugeriram que a inadmissi-bilidade de ocorrência da morte poderia ser a razão pela qual os sujeitos do estudo assumiam os riscos de permanecerem na prática desportiva. A falta de real percepção dos riscos [...] é o primeiro motivo pelo qual a autonomia da vontade não deve ser encarada como valor absoluto. (Machado, 2015, p. 146)

Quando se questiona a fundo o quão livre seria essa vontade dos atletas ao assumirem os riscos da profissão, chega-se à conclusão de que os promotores de eventos de luta encaixam-se no art. 927, parágrafo único, do Código Civil e devem responder objetivamente, tendo em vista a natureza de suas atividades implicarem um risco para os outros.

A maior atenção dirigida à modalidade do futebol, pela Lei Pelé, de certa forma também fez olvidar para os outros esportes o direito à saúde, uma vez que obriga, no art. 45, os empregadores a contratarem seguro de vida e de acidentes pessoais para os atletas de futebol, deixando às outras modalidades apenas a faculdade de fazê-lo. Tal artigo também se contra-diz com a Carta Magna, que, em seu art. 7º, XXVIII, estabeleceu a todos os trabalhadores “seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado quando incorrer em dolo ou

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culpa”. Ainda que os lutadores sejam considerados profissionais autôno-mos, não sendo suas lesões caracterizadas como acidentes de trabalho, é possível fazer uma analogia com este preceito constitucional, aplicando-o aos atletas de MMA. Basta levar em conta que tanto o fato de a Constituição obrigar o empregador a contratar um seguro para os empregados quanto a necessidade de os organizadores de eventos contratarem seguro aos seus atletas baseiam-se no mesmo fundamento: o da teoria do risco do negócio. Conforme já mencionado, quem aufere lucro explorando uma atividade de outrem deve arcar com os riscos provenientes do negócio.

Outro fator que deslegitima a livre manifestação da vontade dos luta-dores, demonstrando a necessidade de proteção, mesmo quando exercem um livre direito de lutar, é algo que Cardoso (2017), sensei da arte marcial Kudo, também conhecida como MMA japonês, relatou, sobre o estado de “muga”. Ele explica:

Você já chegou no seu limite máximo. A partir dali, você entra no automáti-co, [...] como se fosse em um estado mais primitivo. [...] é um estado extremo de combate. Você já pode ter visto isso no UFC, às vezes, no quinto round, dois caras lutando totalmente fadigados e entraram no estado de “muga” e eles vão para cima no automático. Eles já não sentem mais dor, eles já não sentem mais cansaço. Existe uma hora em que cada célula do seu corpo pede para você parar. [...] Mas chega uma hora em que o seu corpo entende que você não vai parar, então ele entra em um estado que os japoneses chamam de “muga”, que é na hora em que você não sente medo mais. Você perde o medo, você está praticamente morto e no combate. Então, eu tinha atingido esse estado de “muga”, então ali eu já não respondia muito bem por mim mais. Eu ia até o final. Então, eu já estudei muito o “muga”, meus mestres japoneses sempre falaram de “muga” e eu nunca tinha entrado em “muga”. Ali, eu já não sentia mais os golpes, eu já não sentia mais cansaço, eu só ia para frente, eu só lutava no automático. Tudo o que eu já tinha treinado, tudo o que estava gravado na minha memória muscular eu usava automati-camente. [...] é isso que às vezes acontece com lutadores, com atletas, com guerreiros, com soldados... Você vê que soldado, às vezes, está tomando tiro e continua andando. Ele não sabe o que está acontecendo mais. Então, se você entra em estado de “muga”, o estado que os samurais falavam, você não tem medo de nada mais, você vai para cima. Então eu acho que esse é o problema. Às vezes, você entra no automático e pode lesionar seriamente. (CARDOSO, Eduardo “Samurai”. 2017. Depoente nº 7)

1.3 do corte de peso

Uma prática comum dos atletas é lutar em categorias abaixo do seu peso normal, sendo que, para bater o peso, fazem dietas rigorosas, se desi-

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dratam e têm alterações bruscas de peso, uma vez que emagrecem muito e, depois da pesagem, recuperam o peso rapidamente para a luta, ganhando, por vezes, mais de 10kg em apenas um dia. Tal prática, ainda que acompa-nhada por vários profissionais como médicos, nutricionistas e outros, não pode fazer bem para um corpo humano, principalmente se tratando de uma prática regular.

O direito desportivo pode ser capaz de auxiliar na diminuição do desgaste físico dos atletas de MMA e, consequentemente, de algumas das lesões ocorridas durante as lutas, já que, com um corpo saudável e forte, há uma menor probabilidade de elas ocorrerem. Para isso, proponho a criação de uma regra em que a pesagem deva ocorrer no mesmo dia da luta e não mais um dia antes. Assim, não haveria tempo hábil para a recuperação, in-viabilizando o doloroso processo.

São diversos casos drásticos de perdas de peso realizadas pelos lu-tadores profissionais. Em dezembro de 2015, Yang Jian Bing, um lutador chinês de MMA, que competia pelo ONE Championship, morreu em virtude de complicações com seu corte de peso na preparação para a 35ª edição do torneio asiático (Esportes, 2015).

Em 2014, Renan Barão, um lutador brasileiro que já havia realizado cortes de peso mais de 30 vezes em sua carreira, desmaiou e machucou du-rante procedimento. “[...] saiu da banheira na qual tentava tirar seus últimos quilos antes da pesagem, mas, assim que levantou, bateu com a cabeça na parede e desmaiou” (Graciemag, 2014).

O corte foi feito da maneira como sempre fazia, disse Jair Lourenço, líder da Kimura/Nova União e treinador de Barão [...]. Para a primeira luta con-tra TJ, Barão desceu para 61kg em dez dias. Desta vez, o faria em quatro, como sempre fez ao longo da carreira, e claramente o corpo do guerreiro não aguentou. (Graciemag, 2014)

A lutadora brasileira Cris Cyborg, atual campeã do peso pena femini-no do UFC, precisou perder 11 kg em cinco dias para lutar em uma catego-ria de peso casado contra Lina Lansberg no UFC Brasília, em setembro de 2016. Após bater o peso, muito debilitada, conforme se vê no vídeo exposto em matéria do Combate (2016), pesando 64kg, Cyborg afirmou que, no dia seguinte, estaria pesando até 75kg. Seu sofrimento foi tanto, que sua equipe publicou um documentário sobre sua batalha contra o peso, onde a atleta aparece chorando diversas vezes, inclusive quando consegue bater o peso.

O vídeo mostra toda a preparação para a luta, mas o que mais impressiona é a sua dedicação para vencer a balança. Apoiada por sua equipe sempre, Cris

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faz sauna, corre, treina com roupa especial… Enfim, de tudo um pouco para conseguir atingir os 140 pounds. A brasileira mal consegue andar e precisa de ajuda dos seus colegas sempre. (Agfight, 2016)

Em entrevista publicada pelo Lance! (2016), Cyborg declarou: “No UFC 198 eu estava com 69 kg na terça-feira. Hoje eu estou com 74 kg. Ago-ra estou comendo uma maçã e sementes. Pareço um passarinho”.

Há uma naturalização desse tipo de procedimento no ambiente das lutas e os atletas são tão habituados, que não consideram como um sacrifí-cio ou uma prática que prejudique sua integridade física e mental. Como já discutido anteriormente, os atletas de alto rendimento sofrem, muitas vezes, de ausência de discernimento e falta de assimilação dos riscos reais de seus atos.

Na cultura de extrema competitividade, em vez de se valorizar primordial-mente a saúde, valoriza-se o autossacrifício do atleta; a assunção de riscos; a rejeição de limites; a negação da dor (Dunquin, 2008, p. 479). A conse-quência disto é a formação de atletas autodestrutivos, que aceitam colocar em risco a própria integridade física pelo bem maior de vencer no esporte. (Monteiro, 2015, p. 142)

Em entrevista realizada com um lutador de alto nível do MMA, ao ser questionado sobre o procedimento para perder peso, respondeu:

A gente faz o processo chamado “desidratação”, que é perder a maior quan-tidade de líquido do corpo que a gente consegue perder, contanto que não atrapalhe na saúde. Trinta dias antes do processo de desidratação, começa o processo de “hiperhidratação”, quer dizer, eu vou tomar bastante água, mais ou menos 10, 8 litros de água todo dia, para criar como se fosse um minirre-servatório de água no corpo. Então, se o corpo tem 70% de água, ele passa a ter 75% até 80% de água. Feito isso, um dia antes, a gente corta a ingestão de água. 15 dias antes da pesagem eu corto a ingestão de alimentos que possam reter água no meu organismo (glúten, carboidrato, sódio, lactose) e, faltando um dia, eu corto a ingestão de água e aí a gente faz um trabalho na sauna, exercícios dentro da sauna seca e da sauna úmida, tem uma pomada que a gente passa no corpo que nos ajuda a suar mais. Nisso a gente consegue perder em um dia 5kg, no outro mais 5kg só de suor. Na verdade são 5 litros, né? Assim que somos pesados, nós vamos ao processo de recuperação do peso, que é a reidratação. Ela pode ser feita oral ou via intravenosa, através de soro fisiológico e você pode incrementar o soro. O médico que vai estar manuseando o soro pode colocar sais minerais e vitaminas para recuperar mais rápido, mas o UFC proibiu. A comissão atlética dos Estados Unidos proibiu o soro intravenoso, então agora só pode fazer a reposição via oral. Com isso, alguns atletas escolheram perder menos peso, para conseguir fazer essa recuperação de forma satisfatória. Acredito que até 7kg está ok. Mais do

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que isso fica complicado, se não puder tomar o soro na veia. (COSTA, Paulo Henrique “Borrachinha”. 2016. Depoimento nº 4)

O atleta afirmou, ainda, que chega a ganhar até 14kg em apenas um dia para lutar. Percebe-se que o UFC, por meio dos controles antidopagem, recentemente tomou o cuidado de proibir a aplicação de soro na veia, ten-do em vista a prática de desidratação antes das lutas. Isso mostra que regras para amenizar esse procedimento rigoroso de perda de peso também devem ser criadas.

CONCLUSÕES

Pelos motivos expostos ao longo do artigo, os produtores dos even-tos devem assumir os riscos desse negócio, assegurando aos atletas direitos básicos à segurança e à integridade física, garantidos constitucionalmente. Para se isentarem de responder por eventuais danos, precisam seguir todas as normas de segurança, contratando seguro de vida e de saúde que cubram os gastos com as lesões e indenização em caso de morte, diminuindo o risco criado por eles.

Como o organizador aufere lucro com uma atividade de risco, deve responder pelas lesões ocorridas em suas competições, ainda que não as te-nha causado diretamente, por causa da responsabilidade objetiva, levando em consideração a teoria do risco do negócio. Também se deve levar em conta o fato de a natureza do evento de luta implicar risco para os direitos de outrem, além do dano e nexo causal existentes.

Em relação ao corte de peso, deixo sugerido neste artigo que a pesa-gem seja realizada no mesmo dia das lutas. Como lutar em categorias abai-xo do peso real dos atletas é um hábito, algo que a grande maioria pratica, para que essa medida dê certo, a regra teria que vir de uma organização mundial muito reconhecida e respeitada no MMA, para as organizações de cada nacionalidade aderirem, alterando essa questão do corte de peso no mundo inteiro, de forma que ela passe a ocorrer em toda e qualquer competição. Se depender só dos atletas, isso só irá mudar depois que uma tragédia ocorrer com algum lutador famoso, um ícone que abale atletas e fãs da modalidade de forma global.

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Parte Geral – Doutrina

A Competência Cível do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro

SyLvIO FERREIRABacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universi-dade do Brasil (UFRJ), Advogado, Membro do Grupo de Estudos em Direito Desportivo da FND/UFRJ.

AngELO vARgASProfessor Associado responsável pela Cátedra de Direito Desportivo da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (UFRJ), Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Desportivo da FND/UFRJ, Professor Titular da Unesa, Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ), Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/RJ, Membro do Conselho de Beneméritos da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo (SBDD), Conselheiro do Conselho Federal de Educação Física (Confef).

TIBéRIO MAChADOMestre em Ciência do Movimento Humano, Membro do Corpo Editorial da Revista Pehuén: educatión y Actividad Física, Membro do Grupo de Estudos em Direito Desportivo da FND/UFRJ, Pesquisador do Laboratório de Estudos da Cultura Social Urbana – LECSU.

MARCELO JuCá BARROSMestre em Direito Público e Evolução Social pela Universidade Estácio de Sá em 2016, Doutorando em Direito Público e Evolução Social, Presidente da Comissão de Direito Despor-tivo e Eventos Esportivos da OAB/RJ, Coordenador da Pós-Graduação em Direito Desportivo da Universidade Cândido Mendes (Ipanema) e do Instituto de Ciências do Futebol (ICF/FFERJ), Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), Auditor Presidente do Tribunal Pleno do TJD/RJ do Futebol.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Competência constitucional para legislar sobre juizados especiais; 2 De-limitação da competência do juizado do torcedor em matéria cível; 2.1 Competência territorial; 2.2 Competência de juízo; 2.3 Competência absoluta ou relativa; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A possibilidade de os Estados criarem Juizados do Torcedor, órgãos da justiça ordinária com competência cível e criminal para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes das atividades reguladas no Estatuto do Torcedor (art. 41-A da Lei nº 10.671/2003), foi introduzida pela Lei nº 12.299/2010, que implementou modificações no Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003).

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O Juizado do Torcedor foi idealizado com o objetivo de superar as limitações enfrentadas pelo sistema de postos avançados dos Juizados Es-peciais Cíveis (“JECs”) e Juizados Especiais Criminais (“JECRIMs”) junto aos estádios.

Como assevera Ailton Alfredo de Souza (2015), os JECs e JECRIMs ficavam limitados às matérias da Lei nº 9.099/1995, ou seja, causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, sendo insuficientes para abranger a totalidade das lides ocorridas nos even-tos esportivos.

O Juizado do Torcedor, por sua vez, abarca tanto as causas previstas pela Lei nº 9.099/1995 quanto as que escapam à sua esfera de abrangência:

Em síntese, o Juizado do Torcedor, preconizado na Lei nº 12.299/2010, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 10.671/2003, Estatuto de Defesa do Torce-dor, abrangeria, em sua competência material, os fatos regulados pelo Esta-tuto do Torcedor, de natureza cível ou criminal, próprios da justiça ordinária, sem perder a competência própria dos juizados especiais cíveis e criminais. (Souza, 2015, p. 62-63)

Desse modo, embora conserve a sua natureza jurídica de Juizado Es-pecial, o Juizado do Torcedor tem competência mais abrangente, possuindo atribuição, em matéria cível, para processar e julgar feitos tanto pelo pro-cedimento comum, previsto no Código de Processo Civil, quanto pelo rito sumaríssimo da Lei nº 9.099/1995.

O Juizado Especial do Torcedor e Grandes Eventos do Rio de Janeiro foi criado por meio da Resolução nº 20/2013, editada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (“TJRJ”).

Embora a criação de Juizados Especiais seja constitucionalmente atri-buída aos Estados (art. 98, I, da CRFB), a inércia legislativa estadual e a proximidade da realização de grandes eventos esportivos no Rio de Janeiro, como a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, fizeram com que o TJRJ se adiantasse e implan-tasse o Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro.

Em que pese a inconstitucionalidade do meio jurídico utilizado para criação do Juizado do Torcedor, que deveria ter sido feita por meio de lei estadual, o próprio Conselho Nacional de Justiça (2013), órgão responsável pelo controle da atuação administrativa do Poder Judiciário, sugeriu, por meio da Recomendação nº 45/2013, que os Tribunais de Justiça dos Estados instalassem os Juizados do Torcedor.

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Além disso, a Lei Estadual nº 6.956/2015 (“Dispõe sobre a organiza-ção e divisão judiciárias do Estado do Rio de Janeiro”) passou a prever o Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro como órgão integrante da estrutura judiciária do Estado.

O presente artigo visa a analisar os limites da competência do Juiza-do do Torcedor do Rio de Janeiro em matéria cível, tratando dos principais temas controvertidos envolvendo a matéria, como a competência constitu-cional para legislar sobre Juizados Especiais, o âmbito territorial de abran-gência do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro, os critérios utilizados para delimitação de sua competência cível, bem como a natureza absoluta ou relativa desta.

1 COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA LEGISLAR SOBRE JUIZADOS ESPECIAIS

Existem três diplomas normativos, editados por órgãos distintos, versando sobre a competência do Juizado do Torcedor: a Lei Federal nº 12.299/2010, a Lei Estadual nº 6.956/2015 e a Resolução TJRJ nº 20/2013.

Sendo assim, é necessário identificar quais desses diplomas normati-vos deverão ser levados em conta na análise da competência cível do Juiza-do do Torcedor do Rio de Janeiro, averiguando-se quais órgãos possuem a atribuição constitucional para legislar sobre a matéria.

A competência constitucional para legislar sobre a criação, funciona-mento e processo dos Juizados de Pequenas Causas é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, nos termos do art. 24, X, da Consti-tuição:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concor-rentemente sobre:

[...]

X – criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas; [...] (Brasil, 1988)

Conforme ensina Alexandre de Moraes (2016), no âmbito da compe-tência concorrente, cabe à União estabelecer normas gerais, incumbindo aos Estados a tarefa de complementar essa legislação. Em caso de inércia legislativa da União, os Estados estão autorizados a exercer a competência legislativa plena até que lei federal sobre o tema seja editada.

A previsão da competência legislativa concorrente em matéria de Jui-zados de Pequenas Causas constitui exceção à competência privativa da

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União para legislar sobre direito processual, prevista no art. 22, I, da Cons-tituição:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; [...] (Brasil, 1988)

Pende grande celeuma na doutrina a respeito da existência de distin-ção entre Juizados de Pequenas Causas e Juizados Especiais.

Os Juizados de Pequenas Causas foram instituídos pela Lei nº 7.244/1984 e possuíam competência para o julgamento de causas de reduzido valor econômico. Com a promulgação da Constituição de 1988 e a previsão de criação de Juizados Especiais, foi editada a Lei nº 9.099/1995, que revogou totalmente a Lei nº 7.244/1984.

Uma primeira corrente afirma existir distinção entre ambos, de modo que a competência para legislar sobre Juizados de Pequenas Causas seria concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal (art. 24, X, da CF), enquanto a competência para dispor sobre Juizados Especiais seria privativa da União, por se tratar de direito processual (art. 22, I, da CF).

Para os adeptos dessa corrente, os Juizados Especiais seriam mais abrangentes do que os Juizados de Pequenas Causas, pois, além de abar-carem matéria penal, não estariam adstritos ao julgamento de causas de baixo valor econômico (pequenas causas), englobando também os feitos de menor complexidade:

A Constituição da República, em seu art. 24, X, faz alusão a um Juizado de Pequenas Causas. Já no art. 98, I, a Carta Magna fala dos Juizados Especiais Cíveis. Surge, então, uma questão a enfrentar: serão os Juizados Especiais Cíveis e os Juizados de Pequenas Causas dois nomes para o mesmo órgão jurisdicional? Entendo que não. A meu juízo, os Juizados de Pequenas Cau-sas devem ser órgãos competentes para causas de pequeno valor econômico, como eram os Juizados regidos pela Lei nº 7.244/1984 (que eram competen-tes para causas cujo valor não ultrapassasse vinte salários mínimos). De outro lado, os Juizados Especiais Cíveis são competentes para causas cíveis de me-nor complexidade. Parece-me evidente que a menor complexidade de uma causa não tem qualquer ligação com seu valor. (Câmara, 2008, p. 27-28)

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal endossa a tese da pri-meira corrente, entendendo pela competência privativa da União para le-gislar sobre Juizados Especiais, conforme se observa dos seguintes julgados:

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Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Definição de sua competência. Exi-gência de lei federal. 1. Os critérios de identificação das “causas cíveis de menor complexidade” e dos “crimes de menor potencial ofensivo”, a serem confiados aos Juizados Especiais, constitui matéria de direito processual, da competência legislativa privativa da União. 2. Dada a distinção conceitual entre os juizados especiais e os juizados de pequenas causas (cf. STF, ADIn 1.127, cautelar, 28.09.1994, Brossard), aos primeiros não se aplica o art. 24, X, da Constituição, que outorga competência concorrente ao Estado-membro para legislar sobre o processo perante os últimos. 3. Consequente plausibi-lidade da alegação de inconstitucionalidade de lei estadual que, antes da Lei Federal nº 9.099, outorga competência a juizados especiais, já afirmada em casos concretos (HC 71.713, 26.10.1994, Pleno, Pertence; HC 72.930, Galvão; HC 75.308, Sanches): suspensão cautelar deferida. (Brasil, 1998)

STF. Competência originária. Habeas corpus contra coação imputada a turma de recursos dos juizados especiais (CF, art. 98, I). [...] II – Juizado especial. Competência penal. “Infrações penais de menor potencial ofensivo”. Critério e competência legislativa para defini-las. Exigência de lei federal. 1. As penas cominadas pela lei penal traduzem presumidamente a dimensão do poten-cial ofensivo das infrações penais, sendo legítimo, portanto, que as tome a lei como parâmetro da competência do Juizado Especial. 2. A matéria, contudo, é de processo penal, da competência legislativa exclusiva da União. 3. Dada a distinção conceitual entre os juizados especiais e os juizados de pequenas causas (cf. STF, ADIn 1.127, cautelar, 28.09.1994, Brossard), aos primeiros não se aplica o art. 24, X, da Constituição, que outorga competência concor-rente ao Estado-membro para legislar sobre o processo perante os últimos. 4. Consequente inconstitucionalidade da lei estadual que, na ausência de lei federal a respeito, outorga competência penal a juizados especiais e lhe demarca o âmbito material. (Brasil, 1994)

A segunda corrente rechaça os argumentos utilizados para distinguir os Juizados de Pequenas Causas dos Juizados Especiais, defendendo que a competência para legislar sobre os últimos é concorrente. Os juristas favo-ráveis a essa linha de pensamento argumentam que a verificação da com-petência nos Juizados de Pequenas Causas não era marcada pelo exame exclusivamente econômico, sendo importante a análise da causa de pedir e do pedido (Sokal, 2015).

Além disso, como assevera Guilherme Jales Sokal (2015), o fato de os Juizados de Pequenas Causas não abrangerem matéria penal se devia a uma opção legislativa, e não a uma vedação constitucional.

Apesar de a jurisprudência do STF ser contrária a essa tese, a análise dos trabalhos legislativos de elaboração da Constituição de 1988 aponta para a ausência de distinção entre Juizados de Pequenas Causas e Juizados

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Especiais. É que, à época, apenas os Juizados de Pequenas Causas existiam, e a Lei nº 7.244/1984 batizou-os de Juizados Especiais de Pequenas Causas.

Tendo em vista os judiciosos argumentos dos partidários da segunda corrente, embora essa posição seja rechaçada pelo STF, entendemos por inexistir distinção entre os Juizados de Pequenas Causas e os Juizados Es-peciais, de modo que a competência para legislar sobre eles é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal.

Essa posição é encampada, entre outros notáveis juristas, pelo proces-sualista Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 356), segundo o qual “sobre a criação e funcionamento da justiça de paz e juizados especiais legislarão a União e os Estados (art. 98, I-II; v. ainda art. 24, X)”.

Nesse mesmo sentido é o entendimento de Athos Gusmão de Carneiro (2010, p. 76):

Pela Constituição de 1988, art. 98, I, e § 1º, cabe tanto à União como aos estados a criação de “Juizados Especiais” para o julgamento de causas cíveis de menor complexidade (e, no plano penal, de delitos de menor potencial ofensivo). Pela Lei Maior, tanto a União como os Estados podem legislar sobre o processo dos juizados de pequenas causas (rectius, dos Juizados Es-peciais), e sobre “procedimentos em matéria processual” (CF, art. 24, X e XI).

Desse modo, a Lei Estadual nº 6.956/1915, ao dispor sobre a compe-tência do Juizado do Torcedor, matéria adstrita ao direito processual, está em conformidade com a Constituição da República, por força da aplicação do art. 24, X, da CRFB, na medida em que se mostra em consonância com a norma geral editada pela União (art. 41-A do Estatuto do Torcedor).

Cabe agora analisar se o Órgão Especial do TJ/RJ poderia dispor sobre a competência do Juizado Especial do Torcedor. Já vimos que o referido órgão não poderia ter criado o Juizado do Torcedor, o que deveria ter sido feito por meio de lei estadual. Resta perquirir se as disposições presentes na resolução a respeito da competência do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro são aplicáveis, isto é, se o Órgão Especial do TJRJ poderia dispor sobre tal matéria.

Primeiramente, cabe analisar em que as disposições da Resolução TJ/RJ nº 20/2013 a respeito da competência do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro distinguem-se do disposto no Estatuto do Torcedor e na Lei Esta-dual nº 6.956/1915 sobre o mesmo tema.

O Estatuto do Torcedor dispõe que os Juizados do Torcedor terão competência cível para o processo, julgamento e execução das causas nele

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previstas. A Lei Estadual nº 6.965/2015, no âmbito cível, apenas torna ex-pressa a possibilidade de ajuizamento de ações coletivas perante o Juizado do Torcedor. Isso se deu, provavelmente, por causa da posição majoritária na doutrina pela inadmissibilidade do processamento de ações coletivas pe-rante os Juizados Especiais Cíveis, por não representarem causas de menor complexidade.

A Resolução nº 20/2013 repete o mesmo preceito do art. 41-A do Es-tatuto do Torcedor, apenas especificando a possibilidade de processamento de causas com interesse do Estado, Municípios ou entes da administração direta deles no Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro. Essa previsão deve-se pela inadmissibilidade do ajuizamento de ações com interesse da Fazenda Pública perante os Juizados Especiais Cíveis, por força do art. 8º da Lei nº 9.099/1995.

Desse modo, tanto a Lei Estadual nº 6.956/2015 quanto a Resolução nº 20/2013 do Órgão Especial do TJRJ especificam o âmbito de atuação dos Juizados do Torcedor, buscando amenizar possíveis incompatibilidades com o procedimento da Lei nº 9.099/1995. Pode-se dizer que os referi-dos diplomas normativos não tiveram a intenção de inovar na disciplina da competência do Juizado do Torcedor, mas apenas concretizar a previsão genérica trazida pelo art. 41-A do Estatuto do Torcedor.

A Constituição Federal, em seu art. 96, I, admite a especialização da competência dos órgãos jurisdicionais por deliberação dos tribunais, atri-buindo a estes a tarefa de elaborar seus regimentos internos “dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos” (Brasil, 1988).

Portanto, a análise da competência do Juizado do Torcedor deverá le-var em conta não só o disposto no Estatuto do Torcedor, mas também as dis-posições contidas na Lei Estadual nº 6.956/2015 e na Resolução nº 20/2013.

2 DELIMITAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUIZADO DO TORCEDOR EM MATÉRIA CÍVEL

Delimitado o âmbito normativo em que será procedida a análise da competência do Juizado do Torcedor em matéria cível, é necessário trazer a lume conceitos importantes sobre o instituto da competência no direito processual civil.

Comecemos pelo próprio conceito de competência, analisado pelo ilustre processualista Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 407):

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Competência é o conjunto das atribuições jurisdicionais de cada órgão ou grupo de órgãos, estabelecidas pela Constituição e pela lei. Ela é também conceituada como medida da jurisdição (definição tradicional) ou quantida-de de jurisdição cujo exercício é atribuído a um órgão ou grupo de órgãos (Liebman). Considerando determinado órgão judiciário, ou grupo de órgãos, sua competência é representada pela massa de atividades jurisdicionais que a ele cabe realizar, segundo o direito positivo.

Segundo Cândido Rangel Dinamarco (2001), para determinar o órgão jurisdicional competente em cada caso, é preciso identificar os problemas de competência a se resolver, que se articulam como sucessivas perguntas a partir do momento em que se reconhece a jurisdição nacional.

As principais indagações a serem feitas são as seguintes: (1) trata--se de caso de competência originária dos Tribunais Superiores?; (2) qual é a Justiça competente?; (3) é caso de competência originária do Tribunal?; (4) em que lugar do território situa-se o órgão perante o qual a causa deve ser processada?; (5) qual juízo é competente dentro desse território?; (6) em caso de recurso, qual o órgão competente?

A cada uma dessas questões, Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 415) relaciona um atributo da competência:

Na linguagem corrente, fala-se a) em competência originária, para designar a competência de algum tribunal para que perante ele a causa seja proposta (Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais); b) em competência de jurisdição, no trato da distribuição de competência entre as diversas Justiças; c) em competência territorial ou de foro, em relação à determinação geográfica do lugar onde a causa deve ser proposta; d) em competência de juízo, quando se indaga sobre a competência de varas comuns ou especializadas; e) em competência recursal, no tocante aos recursos a interpor.

Seguindo o roteiro apontado pelo prestigiado processualista, logo se identifica que os principais problemas de competência ligados ao Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro dizem respeito à competência territorial e à competência de juízo.

As hipóteses de competência originária dos Tribunais Superiores, Tri-bunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais encontram-se estabelecidas na Constituição Federal e nas Constituições Estaduais, de modo que pre-valecerão sobre a competência do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro mesmo em causas relacionadas ao Estatuto do Torcedor, hipótese difícil de imaginar.

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A competência de jurisdição diz respeito à divisão de atribuições entre as diferentes Justiças previstas na Constituição Federal, como Justiça Trabalhista, Justiça Eleitoral, Justiça Federal e Justiça Estadual (Dinamarco, 2001).

A esse respeito, o art. 41-A do Estatuto do Torcedor, a exemplo do art. 1º da Lei nº 9.099/1995, é claro ao dispor que os Juizados do Torcedor são órgãos da Justiça Ordinária, excluindo de sua competência os feitos re-lacionados às Justiças Especializadas (Justiça trabalhista, militar e eleitoral) e também aqueles abrangidos pela Justiça Federal.

Quanto à competência recursal, seu estudo só apresenta relevância para os órgãos que têm como atribuição o julgamento de recursos, o que não é o caso do Juizado do Torcedor.

Passemos então à análise da competência territorial e da competência de juízo relacionada ao Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro. O objetivo da primeira é delimitar o âmbito territorial de atuação do órgão jurisdicio-nal. Já a segunda tem por escopo a distribuição de jurisdição entre órgãos pertencentes à mesma Justiça, no caso a Justiça Estadual, e com a mesma abrangência territorial.

2.1 competência territorial

Para Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 480), competência terri-torial é a “quantidade de jurisdição cujo exercício se atribui aos órgãos de determinada Justiça situados em determinada base territorial”.

No que se refere à competência territorial do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro, é importante fazer uma observação.

O Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro inicialmente funcionou ad-junto à 2ª Vara Cível do foro regional da Ilha do Governador, conforme Ato Executivo Conjunto nº 26/2013. Posteriormente, em razão do elevado nú-mero de feitos em matéria criminal, e visando a facilitar o acesso das partes ao Juizado do Torcedor, este passou a ficar adjunto à 25ª Vara Criminal da Comarca da Capital, nos termos do Ato Executivo Conjunto nº 5/2017.

Contudo, isso não significa que a competência territorial do Juizado do Torcedor esteja adstrita ao foro da vara judiciária em que estiver adjun-to. Como disposto na Resolução nº 20/2013, o Juizado do Torcedor possui competência em todo o Estado do Rio de Janeiro, o que se justifica pela sua atuação itinerária junto aos locais em que vierem a ocorrer competições esportivas, culturais ou grandes eventos:

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Art. 1º Fica criado o Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Estado do Rio de Janeiro, com competência em todo o Estado, adjunto ao órgão judicial designado pela Presidência do Tribunal de Justiça, que terá a competência acrescida nos termos do art. 68, parágrafo único, do CODJERJ. (TJRJ, 2013)

Essa ressalva é importante, pois há julgados do TJRJ que, a partir de uma interpretação equivocada da competência territorial do Juizado do Tor-cedor, só reconhece sua competência para o julgamento das causas relacio-nadas aos consumidores domiciliados na comarca de sua sede.

Ressalta-se que nada impede que sejam criados outros Juizados do Torcedor no Estado do Rio de Janeiro, dividindo a competência territorial com o atual. Essa possibilidade exsurge da análise da Lei nº 6.956/2015, que fala dos Juizados do Torcedor, no plural, como integrantes da estrutura judiciária estadual:

Art. 3º São órgãos do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro:

[...]

X – Juizados do Torcedor e Grandes Eventos;

[...] (Estado do Rio de Janeiro, 2015)

Porém, na atual conjuntura, toda a demanda cível relacionada ao Estatuto do Torcedor oriunda de eventos esportivos realizados no Estado do Rio de Janeiro estará abarcada no âmbito territorial de competência do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro.

2.2 competência de juízo

Segundo Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 375), “competência de juízo é a quantidade de jurisdição cujo exercício se atribui a um especí-fico órgão judiciário ou a órgãos da mesma espécie, pertencentes à mesma Justiça, localizados no mesmo grau de jurisdição e ocupando a mesma base territorial”.

Como ensina o mencionado autor, a relevância do estudo da compe-tência de Juízo está na existência de órgãos judiciais de espécies diferentes pertencentes à mesma Justiça e ao mesmo âmbito territorial. É por meio da análise da competência de Juízo que é possível saber o órgão judicial adequado para o ajuizamento de uma demanda quando estivermos em dú-vida entre um ou mais juízos competentes territorialmente e pertencentes à mesma Justiça.

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O Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro tem sua competência de juízo determinada à luz do critério material. Os Juizados do Torcedor têm competência cível para o processo, julgamento e execução das causas de-correntes das atividades previstas no Estatuto do Torcedor, conforme prevê o art. 41-A do mencionado dispositivo legal. A Lei Estadual nº 6.956/2015 contém a mesma previsão, apenas tornando expressa a possibilidade de ajuizamento de ações coletivas perante o Juizado do Torcedor (art. 62).

A Resolução TJRJ nº 20/2013 ainda traz mais uma disposição atinente à definição da competência do Juizado do Torcedor. Ela dispõe que com-pete ao Juizado processar, julgar e executar os feitos “cíveis que tiverem correlação com o Estatuto do Torcedor, ainda que com interesse do Estado, Municípios ou entes da Administração Direta dos mesmos, pelos fatos ocor-ridos em razão desses eventos determinados”.

A Lei nº 9.099/1995 veda a presença da Fazenda Pública nos Juiza-dos Especiais Cíveis. Desse modo, não entendemos ser possível o ajuiza-mento de demandas contra a Fazenda Pública, pelo procedimento da Lei nº 9.099/1995, perante o Juizado do Torcedor. Mas, caso o procedimento escolhido pelo autor da demanda seja o previsto no CPC, é plenamente possível a presença da Fazenda Pública como parte no Juizado do Torce-dor. Por Fazenda Pública entenda-se o Estado do Rio de Janeiro, Municípios fluminenses e entes da administração direta e indireta deles. As causas com interesse da União, entidades da administração direta federal e empresas públicas federais são da competência da Justiça Federal, por expressa dis-posição constitucional (art. 109, I, da CRFB).

Como vimos, as três normas que disciplinam a competência cível do Juizado do Torcedor lhe atribuem o processo, julgamento e execução das causas decorrentes das atividades previstas no Estatuto do Torcedor. Cabe, portanto, especificar que causas são essas.

Comecemos pelo conceito de torcedor previsto no art. 2º da Lei nº 10.671/2003, segundo o qual “torcedor é toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompa-nhe a prática de determinada modalidade esportiva”.

O objetivo da Lei nº 10.671/2003 é justamente estabelecer normas de proteção e defesa do torcedor, resguardando seus direitos consumeristas e tipificando crimes especificamente relacionados com as atividades despor-tivas.

Desse modo, quaisquer demandas cíveis oriundas de fatos ocorridos no Estado do Rio de Janeiro, relacionados diretamente a eventos desporti-

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vos, encontram-se na seara de competência do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro.

2.3 competência aBsoluta ou relativa

Conforme se privilegie a liberdade das partes ou as razões de ordem pública que a restringem, a competência é classificada em relativa ou abso-luta (Dinamarco, 2001). A ambos os tipos de competência o direito positivo acarreta tratamento jurídico diverso.

A competência absoluta é improrrogável, ou seja, não pode ser alte-rada por conexidade, pela ausência de arguição ou pela vontade das partes. Ela deve ser declarada de ofício pelo juiz e pode ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 64, § 1º, do CPC).

O traço marcante da competência relativa é o fato de ser vedado ao juiz conhecê-la de ofício, devendo o réu argui-la em preliminar de con-testação. Caso não o faça, ocorre a prorrogação da competência do juízo relativamente incompetente (art. 65 do CPC). A competência relativa pode ser alterada por cláusula de eleição de foro (art. 63 do CPC) e por conexi-dade (art. 64 do CPC). Conexidade é o vínculo existente entre demandas que ocorre quando há identidade entre o pedido ou a causa de pedir de ambas, havendo risco de serem proferidas decisões conflitantes caso sejam julgadas separadamente. O efeito da conexidade é o julgamento conjunto dos processos, o que não ocorre caso o juízo prevento seja absolutamente incompetente para conhecer de uma das causas (Dinamarco, 2001).

Tratando-se de matéria processual, os critérios para definir se a com-petência é absoluta ou relativa estão dispostos na legislação federal, mais especificamente no Código de Processo Civil. A partir da interpretação dos arts. 62 e 63 do CPC, chega-se à conclusão de que a competência determi-nada em razão da matéria, da pessoa ou da função é absoluta, sendo inder-rogável pela vontade das partes, enquanto a competência determinada em razão do valor ou do território é relativa, podendo ser modificada de acordo com o interesse dos litigantes:

Art. 62. A competência determinada em razão da matéria, da pessoa ou da função é inderrogável por convenção das partes.

Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obri-gações. (Brasil, 2015)

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Desse modo, como a competência do Juizado do Torcedor é determi-nada ratione materiae, abrangendo todos os feitos cíveis que tiverem rela-ção com o Estatuto do Torcedor, ela é absoluta, de modo que a propositura de demandas no Estado do Rio de Janeiro ligadas aos direitos estabelecidos no Estatuto do Torcedor deve ser feita perante o Juizado.

Se o autor propuser a demanda em outro juízo, a incompetência deve ser declarada de ofício pelo juiz, podendo ser alegada em qualquer tempo ou grau de jurisdição pelas partes ou pelo Ministério Público. Igualmente, contratos envolvendo matérias dispostas na Lei nº 10.671/2003 não podem conter cláusula de eleição de foro, que somente podem ter por objeto as competências estabelecidas em razão do valor ou do território.

Uma questão de ordem prática que pode ser levantada diz respeito às demandas oriundas de eventos desportivos realizados no interior do Estado do Rio de Janeiro – longe, portanto, da sede do Juizado do Torcedor. O fato do processo perante o Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro ainda se dar perante meio físico constituiria óbice para que cidadãos domiciliados fora da Comarca da Capital tivessem acesso à justiça.

Por essa razão, a Resolução TJRJ nº 20/2013 trouxe um temperamento quanto à competência absoluta do Juizado do Torcedor, dispondo que ela só prevalecerá quando no evento esportivo tiver sido instalado posto do Juizado Especial do Torcedor, o que é dever do Tribunal de Justiça provi-denciar:

Art. 3º O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro fará instalar, por indicação e sob a supervisão da Cejesp, posto do Juizado Especial do Torce-dor e Grandes Eventos do Estado do Rio de Janeiro nos locais em que vierem a ocorrer competições esportivas, culturais, artísticas e/ou grandes eventos.

§ 1º Instalado o posto referido no caput, a competência em razão da matéria do Juizado será exclusiva, não admitindo a concorrência dessa competência nem mesmo pelo plantão judiciário. (TJRJ, 2013)

A atuação itinerante do Juizado do Torcedor, pois, é o que autoriza o caráter absoluto de sua competência. Não instalado o referido posto, seria um contrassenso considerar absoluta a sua competência, sob pena de se infringir a mola mestre dos Juizados Especiais: o acesso à justiça.

CONCLUSÃO

O Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro tem natureza jurídica de Juizado Especial, possuindo, no entanto, competência mais abrangente,

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processando causas cíveis tanto pelo rito sumaríssimo da Lei nº 9.099/1995 quanto pelo rito comum previsto no Código de Processo Civil.

O art. 24, X, da Constituição estabelece a competência concorrente para legislar sobre Juizados Especiais, de modo que os Estados podem legis-lar concorrentemente sobre a competência do Juizado do Torcedor, obser-vadas as normas gerais editadas pela União, que consistem basicamente no art. 41-A do Estatuto do Torcedor.

O Órgão Especial do TJRJ, embora não pudesse ter criado o Juiza-do do Torcedor, agiu dentro de suas atribuições constitucionais (art. 96, I, da CRFB) ao dispor sobre a competência deste órgão jurisdicional, es-tando a Resolução nº 20/2013 em harmonia com a legislação federal (Lei nº 10.671/2003) e estadual (Lei nº 6.956/2015) sobre o tema.

O Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro tem competência em todo o território fluminense para o processo, o julgamento e a execução das causas oriundas das atividades reguladas no Estatuto do Torcedor.

A competência cível do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro foi es-tabelecida em razão da matéria, que deve guardar relação com as atividades reguladas no Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003). Desse modo, é o critério material que define a competência cível do Juizado.

A competência cível do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro é ab-soluta, pois estabelecida em razão da matéria (art. 62 do CPC), devendo a incompetência de Juízo ser pronunciada de ofício ou a requerimento das partes, em qualquer tempo ou grau de jurisdição.

Caso o evento desportivo de que se originou a lide tenha ocorrido fora dos limites do Estado do Rio de Janeiro, mas ao réu seja atribuída a possibilidade legal de ajuizar a demanda no Estado fluminense, e ele assim escolha, a demanda também deverá ser proposta no Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro.

Ações coletivas podem ser ajuizadas perante o Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro, conforme autoriza expressamente a Lei nº 6.956/2015. A presença da União, entes da administração direta federal ou empresas públicas federais desloca a competência do feito para a Justiça Federal. A Fazenda Pública Estadual e Municipal e os respectivos entes da administra-ção direta e indireta deles podem ser parte perante o Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro, desde que seja adotado o procedimento previsto no Código de Processo Civil, já que a Lei nº 9.099/1995 veda o julgamento de causas com interesse da Fazenda Pública.

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Por fim, deve-se observar que, quanto aos domiciliados fora da Co-marca da Capital do Rio de Janeiro, a competência absoluta do Juizado do Torcedor restringe-se aos casos em que tenha sido instalado posto do Jui-zado no evento esportivo em questão, conforme art. 3º, § 1º, da Resolução nº 20/2013.

Essa mitigação da competência absoluta do Juizado do Torcedor está em plena consonância com o principal objetivo por trás da criação desse órgão, qual seja, a ampliação e facilitação do acesso à justiça pelo torcedor, impedindo que ele seja obrigado a propor sua demanda em local distante de seu domicílio.

Não obstante, a Lei nº 6.956/2015 prevê a possibilidade de criação de novos Juizados do Torcedor no Estado do Rio de Janeiro, dividindo a abrangência territorial com o já existente, de modo a aproximar a prestação jurisdicional especializada dos cidadãos.

REFERÊNCIAS

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Parte Geral – Doutrina

Democracia em Campo: a Importância de Bangu Athletic Club e Club de Regatas Vasco da Gama no Processo de Inclusão Social no Futebol

IgOR RAFAEL gALhARDO SERRAnOAdvogado, Residente Jurídico da Procuradoria-Geral do Município do Rio de Janeiro – PGMRJ desde outubro de 2015, Pós-Graduando em Direito Desportivo pelo Instituto de Ciências do Fu-tebol – ICF-FERJ/UCAM, Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Federal Fluminense – UFF, Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCeub. Editor dos livros. Autor de livros.

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a importância que as entidades es-portivas de prática do futebol the Bangu Athletic Club e Club de Regatas Vasco da Gama tiveram na busca da chamada justiça social no futebol. Criadas em uma época onde o racismo e o preconceito eram muito mais latentes do que hoje, tais equipes tiveram papel fundamental na luta pela inserção das camadas populares e, principalmente, da utilização de jogadores negros em um esporte domi-nado pelas elites da época dos sportsmen. Talvez nunca teríamos o prazer de ver os lances e gols espetaculares de Pelé, negro e maior jogador de futebol de todos os tempos, se não existissem Bangu e Vasco, Francisco Carregal e os Camisas Negras.

PALAVRAS-CHAVE: Futebol; Bangu; Vasco; justiça social.

ABSTRACT: The present work has the objective of demonstrating the importance that the sporting entities of football practice the Bangu Athletic Club and Club de Regatas Vasco da Gama had in the quest for the so – called social justice in football. Created in an age where racism and prejudice were much more latent than today, such teams played a key role in the struggle for insertion of the popular strata and, especially, the use of black players in a sport dominated by sportsmen elites. Perhaps we would never have the pleasure of seeing the spectacular throws and goals of Pele, black and greatest footballer of all time, if there were no Bangu and Vasco, Francisco Carregal and the Blackshirts.

KEYWORDS: Football; Bangu; Vasco; social justice.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O início da prática do futebol no Brasil: viés aristocrático diverso do popular inglês; 1.1 Breve histórico sobre o football e a Inglaterra; 1.2 A chegada do futebol ao Brasil; 1.3 O caráter elitista; 1.4 Os sportsmen; 1.5 Rio de Janeiro: clubes da elite x clubes do subúrbio; 2 Bangu Athletic Club: da fábrica para os gramados; 2.1 A Fábrica Bangu e o início do clube; 2.2 Thomas Donohoe; 2.3 Operários e um negro; 3 O Club de Regatas Vasco da Gama: do remo para as quatro linhas; 3.1 O ingresso no futebol; 3.2 A chegada à elite, o racismo e o preconceito; 3.3 A resposta histórica e a desfiliação da AMEA; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

Em 2009, a ESPN Brasil promoveu em sua página oficial na internet, durante todo mês de abril, uma enquete visando a escolher os cem maiores jogadores brasileiros de todos os tempos. Cada internauta podia escolher no mínimo um e no máximo cem jogadores de uma lista disponibilizada de cento e oitenta e dois nomes. O resultado da enquete gerou o livro Os cem melhores jogadores brasileiros de todos os tempos1, de autoria de André Kfouri e Paulo Vinícius Coelho. Dos cem atletas vencedores da enquete, apenas quarenta eram negros. Um número baixo, que por inúmeros fatores espelha a sociedade brasileira, mas totalmente impensável se remetermos às origens da prática do futebol no Brasil.

O futebol, como conhecido atualmente, tem seu marco na Inglaterra em 1863 com a criação da Football Association e a implementação das regras do esporte. Embora a entidade tenha sido fundada por membros da elite inglesa, o futebol inglês rapidamente se tornou um esporte de massa, principalmente das muitas fábricas e operários.

No Brasil, por sua vez, a prática foi iniciada através de jovens da aristocracia brasileira que foram enviados por suas famílias para estudar na Europa e, ao regressarem, trouxeram livros de regras, bolas e demais equi-pamentos.

O que poderia ser uma ferramenta de integração entre as classes so-ciais de um país recém-liberto da escravidão e com novíssima República instaurada, na verdade foi transformado em instrumento de segregação das camadas mais humildes, de exaltação à elite e fomento ao racismo.

Ao confrontarem esse panorama, dois clubes tiveram grande desta-que na história do futebol brasileiro: The Bangu Athletic Club e Club de Re-gatas Vasco da Gama. Foi por meio deles que o primeiro jogador de futebol negro do país entrou em campo e que uma equipe de futebol formada por jogadores negros e de profissões humildes tornou-se campeã.

Esta é a breve história das contribuições destes clubes na busca de igualdade e justiça no esporte, em uma época que o Rio de Janeiro, então capital federal, já demonstrava fortes indícios de sua faceta heterogênea e desigual.

1 COELHO, Paulo Vinicius; KFOURI, André. Os cem melhores jogadores brasileiros de todos os tempos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.

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1 O INÍCIO DA PRÁTICA DO FUTEBOL NO BRASIL: VIÉS ARISTOCRÁTICO DIVERSO DO POPULAR INGLÊS

1.1 Breve histórico soBre o footBall e a inglaterra

Muito embora se atribua à Inglaterra o título de criadora do esporte chamado de futebol, há registros espalhados por todo o mundo de que di-versas sociedades (Grécia, Roma, China do início do século II e até mesmo na Idade Média em França e Itália, por exemplo) ao longo dos tempos ti-nham como hábito a prática de rituais que em muito se assemelhavam ao futebol e que utilizavam diversos itens como a bola do jogo (sendo a bexiga de animais o mais comum)2.

Esses rituais faziam parte do calendário anual das localidades, sen-do a principal atração de festividades religiosas ou agrícolas. Os jovens da região reuniam-se para enfrentar os equivalentes da vizinhança rival. Não havia regras nem preocupação com a quantidade de participantes de cada lado, apenas um objetivo: levar a bola até os locais determinados (goals)3.

Os anos se passaram e as identidades locais foram se fortalecendo. Cada região passou a adotar costumes próprios para aquela prática asseme-lhada ao futebol. Com o desenvolvimento das escolas, alunos de diversas regiões na Inglaterra chegavam para as aulas e promoviam reuniões para jogar bola. Subitamente o caos instaurava-se com a dificuldade de enten-dimento sobre qual regra/costume aplicar. Algumas regiões inglesas, por exemplo, traziam em seus costumes do jogo levar as bolas com as mãos (em notória influência de outro esporte, o rugby) e inclusive lesionar intencio-nalmente os adversários sem que isso configurasse alguma infração4.

Em 1863, entretanto, ocorreu na Inglaterra aquilo que lhe deu popu-larmente o título de criadora do futebol (ou pelo menos do que moderna-mente é conhecido como futebol) com a introdução de um importante fator: as regras oficiais do jogo. Foi neste ano que foi criada a Football Association (Associação de Futebol) e, por consequência, o regulamento do esporte, contendo inicialmente apenas treze regras e com forte semelhança ao rugby (não havia travessão nem goleiro, não era permitido o passe para frente, so-mente para o lado ou para trás, e o gol era contabilizado sempre que a bola ultrapassasse as traves a qualquer altura)5.

2 ALVITO, Marcos. A rainha de chuteiras: um ano de futebol na Inglaterra. Rio de Janeiro: Apicuri, 2014. p. 23.3 Idem, p. 24.4 Ibidem, p. 30.5 Ibidem, p. 30.

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No decorrer do tempo, a F.A. entendeu ser necessário um distan-ciamento do rugby e assim começou o trajeto para o que hoje é conheci-do como futebol. Em 1865, estabeleceu o travessão (embora inicialmente composto por fitas) entre as traves. Cinco anos depois (1870), decidiu que somente o goleiro poderia tocar a bola com as mãos. Por fim, em 1877 estabeleceu como noventa minutos o tempo regulamentar de duração de cada partida6.

Além de estabelecer as regras do esporte, a F.A. também deu im-portante passo para tornar o esporte rapidamente popular ao criar aquele que é considerado o torneio mais antigo da modalidade: a F.A. Cup (Copa da Inglaterra). Em sua primeira edição, em 1871, a final entre Wanderers e Royal Engineers teve dois mil espectadores, número impensável para a época e para o pouco tempo do esporte instaurado com a regulamentação da Associação7.

Importante ressaltar que, nesse período, a Inglaterra era formada por grande número de fábricas e que a maioria de seus trabalhadores convivia com condições insalubres e salários miseráveis. Os operários viam então no futebol uma fuga para as mazelas diárias, além de uma opção relativamente barata de entretenimento, já que precisavam apenas de uma bola e o núme-ro necessário de jogadores para a prática.

Com a formação e o fortalecimento dos sindicatos, os ordenados da classe operária passaram a melhorar, ainda que timidamente, e melhores condições de trabalho foram conquistadas. A mais significativa delas foi a redução da jornada de sábado para meia jornada, o que estabeleceu como o horário quase que oficial das disputas do futebol (peladas ou até mesmo partidas entre clubes) na Inglaterra o das 15h do sábado8.

Importante ainda destacar que, embora os membros fundadores da F.A. fossem da elite inglesa, o esporte por lá se popularizou em uma propor-ção tão grande e rápida de forma a impossibilitar a sua manutenção sob o silo da nobreza. A multiplicação de clubes fundados em um curto período contribuiu para a criação da identificação além da prática, mas também da torcida. Alguns dos mais tradicionais da Inglaterra como Aston Villa FC (1874), Everton FC (1878), Manchester United FC (1878), Manchester City FC (1880) e Tottenham Hotspur FC (1882), vale lembrar, surgiram neste período.

6 ALVITO, Marcos. Op. cit., p. 30.7 Idem, p. 31.8 Ibidem, p. 31-32.

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O Manchester United FC, aliás, é um excelente exemplo da relação visceral do início da prática e popularização do futebol na Inglaterra pe-las camadas mais humildes. Foi fundado por funcionários da Lancashire e Yorkshire Railway que pretendiam montar uma equipe para jogar contra outras da mesma empresa ou de fora. Conseguiram a aprovação dos donos da Companhia e inicialmente sob o nome de Newton Heath LYR deram o primeiro passo daquele que anos mais tarde viria a se tornar um dos maiores times do mundo9.

Ao contrário da Inglaterra, no Brasil, no entanto, o futebol teve início com a propagação de sua prática pelas camadas sociais mais abastadas e permaneceu sob o domínio destas por muitos anos, como será demonstrado a seguir.

1.2 a chegada do futeBol ao Brasil

No fim do século XIX e início do século XX, era prática comumente adotada por famílias com alto poder aquisitivo no Brasil mandar os filhos para estudar na Europa, pois assim, na visão dos pais, seria garantida uma boa educação. Esse intercâmbio permitiu que jovens brasileiros ricos tives-sem contato com o futebol e no retorno ao Brasil teriam participação ele-mentar no rumo do esporte no País.

Um desses jovens da aristocracia foi Charles Miller, apontado como o pai do futebol brasileiro. Filho de ingleses, retornou ao Brasil em 1894 com um livro de regras, camisas, calções, chuteiras e bolas e passou a organizar partidas. Rapidamente, com a difusão propagada por Miller, diversos clubes paulistas foram surgindo, sendo criada, por consequência, a Liga Paulista de Football, visando a organizar um inédito campeonato da modalidade, o que aconteceria em 190210.

No Rio de Janeiro, em 1898, outro jovem da alta sociedade brasileira da época passaria a ter participação fundamental para o esporte ser desen-volvido. Tratava-se de Oscar Cox, também descendente de britânicos, que, após anos de estudos na Suíça, retornou ao Brasil disposto a fundar um clube para a prática daquilo que aprendeu em Lausanne. Prontamente Cox passou a reunir jovens, também de alto poder aquisitivo, no campo impro-

9 Disponível em: <http://www.manutd.com/en/History/History-By-Decade/History-By-Decade/2014/Oct/man - -ches ter-united-history-1878-to-1909.aspx>. Acesso em: jun. 2017.

10 ASSAF, Roberto; MARTINS, Clovis. História dos campeonatos cariocas de futebol – 1906/2010. Rio de Janeiro: Maquinária, 2010. p. 07.

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visado (de críquete) do Paysandu, no bairro do Flamengo, para ensinar as regras e os fundamentos do jogo e tentar realizar partidas11.

Tanto Oscar Cox quanto Charles Miller eram de famílias privilegiadas e tiveram oportunidade de estudar nos colégios mais caros da Europa, em uma época que o analfabetismo dominava grande parte da população bra-sileira. Esse fato, por si só, já os distinguia, dando um maior status social a tudo aquilo que se propusessem a fazer12.

Em pouco tempo, em sua casta, Oscar Cox conseguiu reunir quan-tidade razoável de outros interessados por aquela novidade trazida da Europa. Assim, na então capital federal, a primeira partida, segundo Malaia Santos (2010, p. 45), aconteceu em 1901, no clube Rio Cricket:

No dia 22 de setembro de 1901, um time, formado por alguns dos altos fun-cionários das mais diversas companhias inglesas que prosperavam na cidade e por sócios do Rio Cricket, jogou contra um time de brasileiros, alguns de-les sócios de outro cricket do Rio, o Paysandu. Oscar Cox, capitão do time dos brasileiros, enviou convites aos principais jornais e revistas da cidade para a divulgação do evento. Conseguiu a presença de jornalistas de cinco periódicos, sendo quatro especializados em esportes, o Brasil Athletico, a Semana Sportiva, o Correio do Sport e o Brasil Náutico, e apenas um jornal de grande circulação, o Correio da Manhã. Dois dias depois, este grande jor-nal publicava em sua seção Sport uma reportagem sobre a partida disputada num campo de cricket improvisado. O resultado de empate fez confusão ao repórter, que esperava que houvesse um vencedor. Por isso, afirmou que partida terminara “indecisa”. O horário da partida, 8 da manhã, e afirmação do jornal de que a “concorrência de espectadores foi seleta” revelam que, em seu nascedouro na cidade, o futebol também estava endereçado às eli-tes. Os objetivos daquele jogo passavam muito longe da lógica dos esportes profissionais de países como EUA e Inglaterra. Para Oscar Cox, Cawood, Robinson, Macullock e Julio Moraes, todos participantes desse match, o mais importante era introduzir o futebol na cidade, anunciá-lo aos seus habitan-tes e deixar claro quem eram os responsáveis pela sua introdução e difusão inicial. A preocupação de Oscar Cox em chamar elementos da imprensa carioca para o jogo deixa clara a intenção.13

11 Idem, p. 07.12 SILVA, Gustavo Santos da. Os proletários da bola: The Bangu Athletic Club e as lutas de classes no futebol da

Primeira República (1894-1933). Rio de Janeiro: Multifoco, 2017. p. 101.13 MALAIA SANTOS, João Manuel Casquinha. Revolução vascaína: a profissionalização do futebol e inserção

socioeconômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934). Universidade de São Paulo, 2010. p. 45-46. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-26102010-115906/pt-br.php>. Acesso em: jun. 2017.

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No ano seguinte (1902), o Rio de Janeiro ganharia seus dois pri-meiros clubes de futebol: O Rio Football Club e o Fluminense Football Club, este fundado especificamente por Oscar Cox no dia 21.07.1902. E tal como em São Paulo, a novidade rapidamente se espalhou pelos rapa-zes das boas famílias cariocas e não demorou muito para eclodir a criação de diversos clubes pela cidade. Nos anos a seguir, entre outros, surgiriam: Football & Athletic Club (1903); América Football Club, Bangu Athletic Club e Botafogo Football Club (1904); Sport Club Mangueira e Sport Club Petrópolis (1905)14.

O caminho natural seria a criação de uma Liga para também orga-nizar um campeonato, como já acontecera em São Paulo. Assim, em 8 de julho de 1905, na sede do Fluminense, foi criada a primeira Liga de Football do Rio de Janeiro. Em seu campeonato de lançamento, teve como jogo inau-gural a vitória por 7 x 1 do Fluminense sobre o Paysandu. Além de participar da primeira partida da história do torneio do Rio de Janeiro, o Fluminense também se tornaria o primeiro campeão15.

Alguns anos depois, em 1911, uma dissidência nos quadros do clube da rua Guanabara (atual Pinheiro Machado) provocaria a fundação do de-partamento de futebol de um outro clube inicialmente aristocrático e que surgira como clube de remo em 1895: o Clube de Regatas do Flamengo16.

O futebol no Rio de Janeiro nos primeiros anos de sua prática chega-ria ao seu ápice com a vinda do Campeonato Sul-Americano de Seleções de 1919, disputado por Brasil, Argentina, Chile e Uruguai, e vencido pelo selecionado brasileiro. Para tanto, foi erguido o Estádio das Laranjeiras (do Fluminense Football Club), onde todos os jogos foram disputados.

Outrossim, apesar do sucesso desportivo com a vitória brasileira e o grande apelo junto ao público, o campeonato internacional de seleções teve como cerne o mesmo acesso restrito que já havia no cotidiano dos clubes do Rio de Janeiro. Isso ficaria evidente pelos preços praticados nos ingressos daquela competição:

O preço do ingresso, apesar da grande procura, não era para qualquer um. As arquibancadas custavam 5$000 e as gerais 3$000. Com esse dinheiro se comprava, numa época de carestia e falta de muitos gêneros alimentícios,

14 ASSAF, Roberto; MARTINS, Clovis. Op. cit., p. 08.15 Idem, p. 08.16 Ibidem, p. 09.

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um quilo de bacalhau. Compravam-se também duas entradas para o chama-do cinematógrafo e se assinava por um mês o jornal O Paiz.17

O futebol havia chegado ao Brasil, e ao Rio de Janeiro especifica-mente, como produto importado pela elite local, que pretendia fazer uso do esporte como um símbolo de distinção. Aqueles que se interessassem por aquele jogo disputado por vinte e duas pessoas e uma bola também deveriam ser da alta sociedade e difundir os mesmos tipos de valores ou não seriam permitidos naquele restrito universo que começava a se formar.

1.3 o caráter elitista

Mais do que uma prática esportiva importada da Europa, o futebol era parte integrante do mundo dos clubes, ambientes criados com intuito de promover a distinção social, como demonstra Malaia Santos (2010, p. 33):

Com a introdução e posterior confirmação das práticas esportivas como parte integrante daquilo que Norbert Elias chamou de “Processo Civilizador”, pelo qual passavam algumas cidades do Brasil em finais do século XIX e início do século XX, a formação dos clubes passava a ser o passo seguinte para a dis-seminação dos esportes entre a alta sociedade carioca. Os clubes formados por membros da elite da cidade criaram uma estrutura para serem espaços de distinção social. Essa estrutura incluía a cobrança de duas taxas extremamen-te altas, a joia e a mensalidade. A joia era uma taxa mais alta, paga quando a pessoa se associava ao clube. Já a mensalidade, como o próprio nome mostra, era uma taxa mensal que o associado pagava para poder frequentar as dependências do clube e usufruir outras vantagens, como ingressos grátis – e posteriormente apenas descontos nos ingressos – para as competições das modalidades esportivas em que o seu clube estivesse envolvido. Além dessas taxas, os estatutos desses clubes impunham normas rigorosas para a aceitação de novos associados. O proponente deveria ser apresentado por um sócio do clube em assembleia geral e aprovado por ela, independente do fato de poder pagar a joia e as mensalidades em dia. Portanto, o que valia mesmo era o peso do associado que “apadrinhava” o proponente ao sócio, bem ao sabor da recém-inaugurada república brasileira.18

Toda essa atmosfera da distinção e da fidalguia resultantes da associa-ção entre futebol e as camadas sociais mais altas era abertamente seguida pela imprensa da época. Por uma questão um tanto quanto óbvia: os mem-bros da imprensa, majoritariamente, eram integrantes da mesma elite que

17 SANDER, Roberto. Sul-Americano de 1919: quando o Brasil descobriu o futebol. Rio de Janeiro: Maquinária, 2009. p. 49.

18 MALAIA SANTOS, João Manuel Casquinha. Op. cit., p. 33. Acesso em: jun. 2017.

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frequentava os clubes. Assim, colocar o futebol em suas páginas, com os importantes sobrenomes integrantes, seria uma forma de demonstrar o Rio de Janeiro evoluído/moderno para a massa carioca19.

População carioca que não poderia necessariamente desfrutar de ir assistir a uma partida de futebol, evento que não era apenas uma diversão, mas sim uma demonstração de status, em que o público (torcedores) utiliza-va suas melhores vestimentas, como menciona Silva (2017, p. 109):

As arquibancadas constituam verdadeiros desfiles de moda, onde as moças da alta sociedade se produziam para observar o jogo após as missas de do-mingo, os jogadores soltavam gritos de guerra que haviam aprendido com os “professores” ingleses (hip, hip, hurrah!), o juiz era o fino da elegância com seu paletó escuro e sua calça de flanela. Após os jogos, famílias renomadas como a Hime, Sodré ou o barão Wernerck preparavam festas para seus filhos jogadores com saraus musicais que adentravam a noite em salões espaçosos.

Em uma época na qual o analfabetismo atingia grande número de pessoas, a manutenção da terminologia inglesa de diversos personagens do esporte também era um símbolo de distinção20 (por muito tempo utilizou--se goalkeeper, fullback-right, full-back-left, halfback-right, center-half, halfback-left, winger-right, inside-right, center-forward, inside-left e winger- -left para se referir aos jogadores). E, para segmentar de vez isso, toda nobre-za e valores respeitados e praticados garbosamente dentro e fora das qua-tro linhas pelos mais distintos praticantes do football daquela época foram simbolizados em um termo, que praticamente definia um estilo de vida a ser seguido.

1.4 os sportsmen

O termo sportsman (sportsmen no plural) era a personificação de to-dos os valores defendidos pela elite em um de seus representantes, que participava do futebol (ou de outro esporte como o turfe, onde também se utilizava o termo). Uma pessoa evoluída, elegante, distinta, que tinha con-tato com algo que era moda na Europa (e por aqui uma grande novidade importada) e que disputava uma partida de futebol pelo prazer, mas não

19 Idem, p. 48.20 “O uso da língua inglesa, incessantemente nos jornais, demonstra uma já citada exclusão de leitores que

não dominavam o idioma estrangeiro e não tinham contato com os variados signos da construção do esporte. Uma exclusão que perpassa as diferenças classistas e adentra o próprio mundo burguês.” (SOUZA PINTO, Rodrigo Márcio. Do passeio público à ferrovia: o futebol proletário em Fortaleza (1904-1945). Universidade Federal do Ceará, 2007. p. 81. Disponível em: <http://www.historia.ufc.br/admin/upload/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Completa%20%20Arquivo%20Final.pdf>. Acesso em: jun. 2017)

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necessariamente para vencer. Um dito sportsman de verdade deveria jogar de forma leal, sem cometer faltas, embora existisse essa previsão nas regras do esporte.

Caso alguém de origem mais humilde tivesse algum contato com o fu-tebol, não receberia tal codinome, pelo fato de não compartilhar da mesma origem e ideais, não ser um cavalheiro. Uma forma inclusive de segregação:

O discurso criado pelos sportsmen segundo o qual o futebol é um jogo de cavalheiros é um mito construído para separar a prática desportiva da classe trabalhadora, como de qualquer outro segmento social. Não posso inferir que havia um direcionamento a uma divisão classista, todavia havia uma se-paração social clara. Os sportsmen criam um sistema de valores para definir a participação dos jogadores dentro do campo de futebol.21

Os herdeiros da elite jogavam futebol como sportsmen, entendiam-se mo-dernos e distintos ao emular práticas observadas na Europa. Os trabalhado-res – os subalternos, os ex-escravizados, os imigrantes pobres –, por outro lado, praticavam esportes naquilo que Adorno chama de tempo livre, aquele tempo que não é dedicado ao trabalho mas que existe em função dele, algo como uma recarga de energia (física e mental) essencial para a boa perfor-mance no tempo de serviço.22

Silva (2017, p. 116), ao detalhar o mundo dos sportsmen, ainda lem-bra da comum prática de fidalguia de um representante de determinada equipe se associar à de seu adversário como forma de respeito e admiração próprias de um sportsman:

O futebol se transformaria na tradução perfeita das ideias higiênicas, se cons-tituiria na imagem de jogo fidalgo ao mesmo tempo que útil. E através da construção desse distintivo de classe formaria uma espécie de homens di-ferenciados, até mesmo, um grupo especial dentro dos sportmens, que mais que sportmens, eram foot-ballers.

Essa fidalguia constituída marcaria a época do período amador do futebol no ciclo das elites, onde os diversos clubes refinados por esses sportmens cons-tituiriam um fiel laço de amizade ao longo do período em que conseguiram ter o pleno domínio dos rumos e do significado da prática.

Tal fidalguia constituída entre esses foot-ballers era tanta que era comum que os sportmens se filiassem a mais de um clube ao mesmo tempo para reforçar esses laços. Oscar Cox, além de fundador do Fluminense, se associaria ao

21 SOUZA PINTO, Rodrigo Márcio. Op. cit., p. 112. Acesso em: jun. 2017. 22 JEUKEN, Bruno. Esporte na Primeira República: a história do espetáculo. Revista de História da Universidade

de São Paulo, n. 176, p. XXX, 2017. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2017.121277>. Acesso em: jun. 2017.

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Botafogo em 1906. [...] Esses sportmens formavam uma verdadeira conduta a ser realizada nos jogos, regras de cavalheirismo e exemplo de educação, o que valia até mesmo para a torcida que devia ter o respeito máximo ao adversário, inclusive saudando gols do oponente a exemplo do scratch do Fluminense, que, ao enfrentar os rivais paulistas do S.C. Internacional, uma torcida dava gritos de “hurras” para os lances empolgantes da equipe da adversária.23

Com o surgimento de diversos clubes pelos subúrbios cariocas, a dife-renciação (preconceito) daquilo que seriam os verdadeiros sportmen passa-ria a ser cada vez mais destacada. Com apoio da imprensa, uma abordagem discriminatória passaria a pairar sobre os clubes de futebol que não foram fundados na nobreza da Zona Sul da cidade.

1.5 rio de janeiro: cluBes da elite x cluBes do suBúrBio

Diferentemente da Zona Sul, os clubes formados no subúrbio eram compostos majoritariamente por jogadores com profissões mais modestas. Algo que desagradava o ambiente elitista do futebol da época.

Como não podiam impedir o surgimento dos clubes suburbanos, res-tava aos sportsmen apenas denegrir as imagens daquelas agremiações. Até mesmo como uma tentativa de manutenção do status quo de dominadores/controladores do esporte:

Coisas do Andarahy...

– Vaes ao match?

– Não. Não fui convidado.

– Ora, meu amigo... isto de convites só se usa na cidade: aqui vem quem quiser...

Esse pequeno trecho, assinado pelo cronista de pseudônimo “Perigoso”, é uma expressão da ironia com que comumente os principais jornais do Rio de Janeiro tratavam as agremiações oriundas dos subúrbios nas primeiras décadas do século XX.

A crônica apresenta, por meio de uma narrativa cômica, o olhar dos sports-men sobre o que consideravam desorganização e facilidade de acesso aos jogos desses clubes.24

23 SILVA, Gustavo Santos da. Op. cit., p. 116-117.24 DOS SANTOS JUNIOR, Nei Jorge. A construção do sentimento local: o futebol nos arrabaldes de Bangu e

Andaraí (1914-1923). Rio de Janeiro: Multifoco, 2014. p. 82-83.

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Em 1907, o jornal O Paiz noticiou que o Mangueira FC iria propor aos clubes não filiados a Liga dos Sports Athleticos, a fundação de uma Liga Suburbana de Football com estatuto e condições próprios, visando a dar importância para os diversos times que não disputavam a elite do futebol carioca na Liga Metropolitana de Sports Athleticos. Foi por meio da cria-ção da Liga Suburbana que clubes como o Riachuelo FC, Nacional FC e Sampaio FC, distantes do centro da cidade, conseguiriam, enfim, disputar um campeonato25.

No entanto, um clube da então região rural de Bangu fazia parte da divisão principal do futebol carioca naqueles tempos. Unindo operários de uma fábrica da região, brasileiros e estrangeiros, aquela entidade esporti-va seria marcante para sempre nos primeiros passos do futebol no Rio de Janeiro.

2 BANGU ATHLETIC CLUB: DA FÁBRICA PARA OS GRAMADOS

2.1 a fáBrica Bangu e o início do cluBe

No fim do século XIX, o Brasil tinha forte dependência dos produtos e maquinários ingleses, situação resultante dos muitos benefícios concedidos ao país britânico desde a chegada da família real portuguesa em 1808. Da Inglaterra, aliás, importava-se não só objetos, mas também mão de obra especializada para as fábricas que iam surgindo gradativamente em solo tupiniquim. Geralmente eram contratados os chamados mestres de seções de fábrica, responsáveis pelo comando central do manuseio dos autômatos fabris26.

Uma dessas fábricas seria a de tecidos nomeada Companhia Progres-so Industrial do Brasil, ou popularmente Fábrica Bangu, erguida em 1892 na distante região de Bangu, naquela época uma zona rural (Freguesia de Campo Grande) e com acesso por meio da Estrada de Ferro Central do Brasil (desde 1890 havia uma estação de trem no local). A iniciativa de sua fundação foi tomada por um engenheiro brasileiro descendente de ingleses

25 SOUZA, Glauco José Costa. “O football nós podemos jogar”: uma análise sobre o desenvolvimento do futebol fora dos clubes da elite do Rio de Janeiro. Revista Recorde (Revista de História do Esporte), Universidade Federal do Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 18, jul./dez. 2015. 28 p. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/Recorde/article/view/2715>. Acesso em: jun. 2017.

26 SILVA, Gustavo Santos da. Op. cit., p. 35.

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chamado Henrique de Morgan Snell, representante do escritório, com sede em Londres, chamado De Morgann Snell27.

A ideia de subitamente criar uma fábrica de tecidos tinha como jus-tificativa a ainda recente abolição da escravidão e o aumento do merca-do consumidor gerado. Para viabilizar o projeto, houve financiamento dos banqueiros Conde de Figueiredo e Comendador Manoel Salgado Zenha. A constituição se deu por meio de ações, ficando os bancos Rural Hipotecário e Internacional do Brazil encarregados de seu lançamento no mercado28.

A escolha pelo local outrora conhecido como Fazenda Bangu, dis-tante do centro da cidade, para a instalação da fábrica ocorreu por alguns fatores. Primeiramente pela abundância de água da região – por ser uma indústria do ramo têxtil, a Fábrica Bangu utilizaria bastante água em seu ma-quinário a vapor e principalmente na qualidade do tecido que viria a produ-zir. Ademais, o acesso facilitado à região por meio da linha férrea reduziria o tempo de deslocamento até o centro, além de simplificar a chegada de matéria-prima. Definida a estrutura, faltava o elemento humano, cuja opção brasileira se mostraria insuficiente para as funções fabris29.

Apenas em 1894, dois anos após a fundação da Companhia, desem-barcaram no Brasil mais de sessenta mil imigrantes em busca de uma vida melhor do que a dura desigualdade proporcionada pelo capitalismo na Europa. A maioria eram portugueses camponeses, acompanhados de toda a família, e que estas muitas das vezes (crianças e mulheres) também acom-panhavam o patriarca na transformação em mão de obra barata para o mer-cado brasileiro30.

Já a população da região da Freguesia de Campo Grande (Bangu) era composta, em sua maioria, por homens negros e analfabetos e uma pequena parcela de estrangeiros (a maioria portugueses). A Companhia atraiu esse perfil ao convocar pedreiros e operários, fugindo da situação precária de seus países no caso dos estrangeiros, e ex-escravos da região, ao prometer trabalho na fábrica e moradia na vila operária31.

No Reino Unido, berço da Revolução Industrial, a situação não era menos delicada em relação às desigualdades sociais. Em regiões da Irlanda, por exemplo, a fome chegava a dizimar cerca de 20% da popula-

27 SILVA, Gustavo Santos da. Op. cit., p. 40.28 Idem, p. 40-41.29 Ibidem, p. 42.30 Ibidem, p. 46.31 Ibidem, p. 55.

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ção. Com isso muitos ingleses, escoceses e irlandeses partiam mundo afora em busca de melhores condições de vida e um trabalho que os exploras-se em condições um pouco menos desumanas. Pela facilidade da língua e a familiaridade dos costumes, buscava-se países com influências anglo--saxônicas como Canadá e Estados Unidos. Aqueles que se dispunham a desembarcar na América Latina geralmente iam para administrar negócios em empresas britânicas já instaladas no local32.

Um desses britânicos ficaria famoso não apenas por aceitar desem-barcar no Rio de Janeiro para trabalhar na supracitada Fábrica de Tecidos Bangu, mas pela contribuição que daria para o desenvolvimento do futebol no interior da cidade do Rio de Janeiro. Thomas Donohoe era o nome do escocês que, junto a mais vinte e um ingleses, topou a missão de tentar a vida em Bangu33.

Donohoe trabalhava em uma fábrica também do setor têxtil na cida-de de Busby (Escócia). Trabalhador especializado pela Busby Mechanics Insitute, era casado e dividia um sobrado com a esposa, o irmão, a sogra e mais quatro filhos. Estagnado na (não) evolução na carreira operária, via como praticamente impossível a ascensão ao cargo de Mestre de Seção, posto até então ocupado por seu pai. Por isso não pensou duas vezes ao aceitar a oferta para o trabalho almejado em outra indústria de tecidos, ain-da que fosse na cidade do Rio de Janeiro, e buscar uma vida um pouco mais digna34.

Ao chegar em Bangu, o escocês, fã de futebol (já havia inclusive joga-do pelo Busby Football Club em 1889), sofreu um grande choque de reali-dade ao se deparar com o afastamento da bucólica e rural região. Por lá não havia rugby, cricket e muito menos futebol. Além disso, ficava a uma hora de distância, por trem, do centro da cidade. A solução encontrada foi pedir que a Sra. Donohoe trouxesse da Escócia bolas de futebol, cinco meses após à sua instalação no novo trabalho35.

Thomas Donahoe e os ingleses não sabiam ainda, mas aquele navio que trazia a Sra. Donohoe e a garantia de futebol em Bangu mudaria para sempre a história do esporte brasileiro.

32 SILVA, Gustavo Santos da. Op. cit., p. 48-49.33 Idem, p. 32.34 Ibidem, p.33.35 Ibidem, p. 33.

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2.2 thomas donohoe

Tão logo as bolas chegaram na região de Bangu, Thomas Donahoe tratou de convidar os ingleses, já familiarizados, para um encontro com o intuito de praticar o futebol. Na primeira vez que isso aconteceu, em 09.09.1894, apenas doze britânicos apareceram. A partida aconteceu com-pletamente fora dos parâmetros definidos pela Football Association, com apenas seis jogadores para cada lado. Mas em pouco tempo passariam a acontecer regularmente com vinte e dois personagens36.

Os brasileiros locais enxergavam aquela diversão dos estrangeiros de uma forma um tanto quanto inusitada e sentiam estranheza com os muitos termos estrangeiros pronunciados ao longo da prática (boa parte da popu-lação local era formada por analfabetos, provocando a língua inglesa ainda mais dificuldade de compreensão). Os britânicos viam no futebol uma for-ma de matar a saudade da terra natal37.

Com a constância e a frequência com que as reuniões do futebol pas-sariam a acontecer, a modalidade seria incorporada na rotina da região. Os brasileiros e demais estrangeiros não britânicos começariam a se interessar pelo jogo e acabariam também inseridos na prática dos britânicos. E aqui ficava evidente um aspecto diferencial daquele cenário do futebol fabril banguense: a inclusão. Se em clubes como o Rio Cricket de Niterói somen-te era permitida o futebol para ingleses, nas partidas dos trabalhadores da Fábrica Bangu mesclavam-se diferentes nacionalidades, cor de pele e, prin-cipalmente, diversos escalões hierárquico da Companhia, sem distinção38.

Donohoe (ou Seu Danau, como era conhecido pelos brasileiros, diante da dificuldade na correta pronúncia em inglês) seguiria como gran-de entusiasta e incentivador daquele universo futebolista-banguense e, para tanto, aproveitava-se do transporte de encomendas oriundas da Inglaterra para a Fábrica Bangu, para também trazer chuteiras, novas bolas e bombas de ar. No ano de 1897, solicitou à direção da Companhia permissão para fundar um clube da fábrica, nos moldes do que acontecia em grande parte da Europa e especificamente na Inglaterra (como o Newton Heath LYR de Manchester, que posteriormente se tornaria o Manchester United Football Club), mas teve seu pedido recusado pelo então diretor-geral Sr. Eduardo

36 SILVA, Gustavo Santos da. Op. cit., p. 83.37 Idem, p. 83.38 Ibidem, p. 83.

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Gomes Ferreira, português, nada simpático à prática do futebol, a qual as-sociava a um jogo de azar39.

Mesmo com a negativa da fundação de um clube dos funcionários, em 1901, a Companhia destinou um terreno de suas dependências para que os funcionários pudessem seguir praticando o esporte bretão. Dois anos de-pois (1903), com a substituição de Eduardo Gomes Ferreira por João Ferrer na direção, enfim o futebol operário ganharia o elemento que faltava para a fundação do clube: a simpatia dos patrões40.

Assim, em 17.04.1904, na Rua Estevão nº 12, na casa do mestre têxtil John Stark, presentes os ingleses John Stark, Fred Jacques, Clarence Hibbs, Thomas Hellowell, William Procter, William Hellowell, William French e Andrew Procter, o brasileiro José Soares e o italiano Segundo Maffeu, ocor-reu a fundação do clube da fábrica, The Bangu Athletic Club, visando à prá-tica de futebol, cricket, lawn tennis e outros esportes, ficando definida a se-guinte composição: Presidente Honorário: João Ferrer; Presidente: William French; Vice-Presidente: Thomas Donohoe; Secretário e Tesoureiro: Andrew Procter; Conselho Fiscal: José Villas Boas, James Hartley e José Soares; Captain of football: John Stark; Captain of cricket: Thomas Hellowell; Captain of lawn tennis: Fred Jacques. As taxas de adesão (sócios) foram estabelecidas com valores acessíveis, sendo o de 1$000 de mensalidade (o que equivalia a uma jornada de trabalho da Companhia) e a joia de 2$000 (a título de comparação no Fluminense FC, apenas a mensalidade custava 5$000)41.

Como já era comum nas partidas disputadas no âmbito fabril antes da fundação do Bangu A. C., a inserção democrática ficaria clara na segunda assembleia do clube recém-nascido, ocasião em que foram aceitos para integrar o quadro de sócios os operários brasileiros da fábrica Bernardino Brito, Roldão e Antonio Bernardino. Ou seja, o quadro social não seria res-trito e muito menos aos britânicos apenas42.

A propósito de seu debut nos gramados forjado como Bangu A. C., o clube também daria um recado diretamente às elites dos sportsmen, com a utilização de um jogador específico que jamais seria escalado por seus adversários naquela época.

39 Ibidem, p. 83.40 SILVA, Gustavo Santos da. Op. cit., p. 85.41 Idem, p. 86.42 Ibidem, p. 87.

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2.3 operários e um negro

No ano seguinte à fundação, o Bangu, enfim, faria a sua estreia nos gramados como um clube. Em 14.05.1905, recebeu no campo do jardim da Fábrica Bangu (onde já era comum a prática do futebol) nada mais, nada menos que o Fluminense Football Club, um dos primeiros times da cidade do Rio de Janeiro, fundado pelo pai do futebol carioca, Oscar Cox, e próxi-mo de completar três anos de existência43.

A partida seria histórica não apenas por ser a primeira do Bangu e logo contra um dos mais tradicionais times da cidade, mas graças à esca-lação de um tecelão da Fábrica Bangu nos quadros banguenses: Francisco Carregal, o primeiro jogador negro do Brasil a disputar uma partida44.

Dotada de altíssimo simbolismo, a fotografia posada da equipe do Bangu antes do histórico confronto traz todos os onze jogadores alinhados, estando Carregal ao centro, segurando a bola do jogo com a data da partida. O Bangu não apenas ousava escalar um jogador negro em uma época domi-nada pelo racismo e preconceito no futebol, mas lhe dava posição central, de destaque, um recado claro dos valores que o clube pretendia passar. E, para tanto, nada melhor que a ocasião escolhida: o confronto diante de um dos times de maior defesa do elitismo e da segregação.

Convém relembrar que a partida aconteceu quatro anos após a pri-meira realizada no Rio de Janeiro por Oscar Cox (apenas para jovens da alta sociedade) e dezessete anos após a abolição da escravidão. Coube ao Bangu ser o primeiro a tentar romper com o preconceito instalado pelos sportsmen da elite do futebol carioca.

Infelizmente a escalação de Carregal não encerrou o racismo no fu-tebol. Episódios lamentáveis como o de Carlos Alberto do Fluminense45 e Manteiga do América46 aconteceriam poucos anos depois daquele quatorze de maio de mil novecentos e cinco.

A partida entre Bangu x Fluminense terminaria com vitória do time operário por incríveis 5x3. O resultado, no entanto, ficaria em segundo pla-no, diante do gol de placa marcado: a semente plantada (a escalação de

43 SILVA, Gustavo Santos da. Op. cit., p. 123.44 Idem, p. 123.45 Carlos Alberto, negro, jogador do Fluminense, passava talco (pó de arroz) no rosto para que, com a pele

embranquecida, não fosse discriminado. Com o decorrer do jogo e o consequente suor, a farsa era descoberta e o jogador perseguido com gritos de “pó de arroz!”.

46 Negro, descoberto no futebol dos marinheiros disputado na zona portuária, provocou histeria no clube ao ser escalado e foi motivo para que muitos sócios migrassem do América para o Fluminense. Chegou a ser até proibido de frequentar as festas no hall do América.

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Francisco Carregal) no enfrentamento do status quo racista do futebol. Esse ato, inclusive, seria ampliado por outro time de fora da elite alguns anos mais tarde.

3 O CLUB DE REGATAS VASCO DA GAMA: DO REMO PARA AS QUATRO LINHAS

3.1 o ingresso no futeBol

Em 21 de agosto de 1898, no bairro carioca da Saúde, sessenta e dois homens, todos portugueses ou luso-descendentes, reuniram-se e fun-daram o Club de Regatas Vasco da Gama, assim nomeado em razão do aniversário de quatrocentos anos do descobrimento das Índias pelo ilustre navegador homônimo. A ideia em fundar o clube partiu de quatro jovens (Henrique Ferreira Monteiro, Luis Antônio Rodrigues, José Alexandre de Avelar Rodrigues e Manuel Teixeira de Sousa Júnior) entusiastas da prática do remo e que viram na fundação do clube uma alternativa para as viagens a Niterói sempre que queriam praticar remo (no Club Gragoatá). Buscaram apoio na colônia portuguesa e detectaram o bairro da Saúde como local ideal para o estabelecimento do clube47.

Naquela época, o futebol ainda engatinhava no Brasil (o primeiro re-gistro de uma partida ocorrida no Brasil data de 1895, em São Paulo, apenas três anos antes da fundação do Vasco), sendo o remo e o turfe os principais esportes a despertar o interesse e atenção da população. Do aspecto social, era muito comum naquele período a chegada de portugueses (a maioria solteiros e oriundos de pequenas aldeias) ao Brasil em busca de melhores condições de vida, já que Portugal atravessava um período de dificuldades. Estes integrariam uma parcela da classe trabalhadora da cidade do Rio de Janeiro, enquanto os que chegavam com situação financeira mais favorável, ao desembarcarem na então capital federal, abriam comércios48.

Em pouco tempo de vida, o clube adquiriu protagonismo nas compe-tições e viria a sagrar-se bicampeão carioca de remo em 1905/1906 e, anos depois, tricampeão carioca em 1912/1913/1914. Mas foi fora das competi-ções que o Vasco começou a demonstrar a sua veia pioneira.

O ano era 1904, época da chamada Primeira República, em que, in-felizmente, tendo em vista os apenas dezesseis anos decorridos da abolição da escravidão (1888), o racismo e o preconceito ainda se faziam presentes

47 VENANCIO, Pedro. Nasce o Gigante da Colina. Rio de Janeiro: Maquinária, 2014. p. 12.48 Idem, p. 12.

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de uma forma muito forte. Naquele ano, o Vasco elegeu Cândido José de Araújo para a presidência. Seria um fato normal, se não fosse a época em questão, somada ao fato de Cândido ser negro e clubes como o Flamengo e o Fluminense terem ingleses como presidentes49.

Nove anos após a eleição de Cândido José (1913), a visita dos clubes portugueses de futebol Sporting Lisboa e Sport Club Império para amistosos contra o Botafogo (em razão da inauguração do campo de General Severia-no) fez nascer no Vasco a vontade de também ter uma divisão de futebol. Isso viria a acontecer em 1915, após a incorporação da equipe do Luzitânia F.C., que passou a ser o departamento de futebol do Vasco. No ano seguin-te, filiado à Liga Metropolitana de Sports Athleticos (LMSA), o Vasco ingres-sou na disputa da terceira divisão do Campeonato Carioca50.

A estreia do clube nos gramados ocorreu da forma mais decepcionan-te possível: com derrota. Mas não uma derrota qualquer, e sim uma sonora goleada por incríveis 10x1 para o Paladino F.C. O autor do primeiro gol da história vascaína foi o português Adão Antônio Brandão, que na época tinha apenas dezoito anos51.

O revés para o Paladino F.C, não seria o único na temporada de es-treia nos gramados. Ele viria acompanhado de mais outros sete e apenas duas vitórias, o que daria ao clube a última colocação no torneio disputado com River, Icaraí Parc Royal e S.C. Brasil. Entretanto, divergências políticas na Liga Metropolitana de Sports Athelticos (LMSA) resultaram na criação da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT) em 1917, transferindo todos os times da terceira divisão da antiga liga para a segunda da nova52.

O Vasco permaneceria na segunda divisão da LMDT até 1922, quan-do, treinado pelo uruguaio Ramón Platero, conquistou o campeonato e ga-rantiu o acesso para a primeira divisão de 1923. Na época, o clube não possuía estádio e mandava seus jogos em um campo alugado na Rua Morais e Silva, no bairro da Tijuca. Entretanto, por questões extracampo, quase teve sua promoção ameaçada53.

O zagueiro Leitão foi acusado pela LMDT de ter sido escalado irregu-larmente pelo fato de ser semianalfabeto e não conseguir escrever o próprio nome. O Vasco recorreu e conseguiu impedir a punição. Com um detalhe: o

49 Ibidem, p. 19.50 VENANCIO, Pedro. Op. cit., p. 23.51 Idem, p. 23.52 Ibidem, p. 23.53 Ibidem, p. 32.

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mesmo Leitão já havia disputado por quatro anos o campeonato da Primeira Divisão da LMDT pela equipe do Bangu e nunca havia sido objeto de in-vestigação. Qual a diferença entre o mesmo jogador no Bangu e no Vasco? Malaia Santos (2010, p. 272-273), com precisão, explica54:

Por que Leitão jogou quatro anos no Bangu, nos jogos da 1ª Divisão, e contra os maiores clubes da cidade, e só passaram a exigir a prova de alfabetização quando o jogador estava no Vasco, um clube que perambulava nas divisões inferiores e que o máximo que havia ganhado era algumas taças em festivais suburbanos? Porque o jogador Leitão do Vasco incomodava mais que o Lei-tão do Bangu? As diferenças eram claras. O Bangu introduzia alguns jogado-res humildes em suas fileiras, todos operários, sempre com a presença de um ou outro inglês no time. Era um time da fábrica de um bairro longínquo e era dirigido por capitalistas poderosos da Fábrica Bangu. O Vasco tinha o time inteiro de jogadores oriundos das camadas mais baixas da sociedade cario-ca, muitos negros e alguns brancos das camadas baixas. Leitão era branco e analfabeto e, segundo os diretores do Vasco, trabalhava em uma casa de comércio do Rio. Na verdade, era um profissional dedicado exclusivamente a treinar e jogar o futebol, assim como os outros jogadores do time. O time estava jogando bem, era treinado pelo melhor treinador da cidade, Ramon Platero, e chegava à elite do futebol carioca seguido por uma enorme legião de fãs. Essa era a diferença entre Vasco e Bangu. Na verdade, essa era a di-ferença entre o Vasco e qualquer outro clube carioca. Por isso incomodava tanto.55

Em pouco tempo de vida nos gramados, o Vasco já chegava à divi-são principal do futebol carioca incomodando os dirigentes da LMDT e os clubes ricos da Zona Sul, personagens mantenedores do status quo elitista e discriminatório que até então vigorava no esporte.

3.2 a chegada à elite, o racismo e o preconceito

Com uma equipe essencialmente formada por jogadores de origem humilde, alguns negros e boa parte descobertos em campeonatos dos subúr-bios do Rio de Janeiro, o Vasco chegava como azarão à disputa do Campe-onato Carioca de 1923, apesar do título da segunda divisão no ano anterior. Jogadores que, muito embora vigorasse à época a proibição de remunera-ção em prol da manutenção do amadorismo no esporte, eram custeados pelo clube, sendo até mesmo empregados nos comércios dos membros da diretoria vascaína. Tudo para que tivessem uma condição de vida mais dig-

54 MALAIA SANTOS, João Manuel Casquinha. Op. cit., p. 272-273. Acesso em: jun. 2017.55 Idem, p. 272-273.

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na em tempos duros para as camadas sociais mais baixas e principalmente para os negros, como pontua Venancio (2014, p. 38-39):

A abolição da escravidão ainda era muito recente e o racismo uma realidade inegável na sociedade e no futebol, com efeitos sociais significantes: pouco mais de 30 anos após a abolição da escravidão os negros estavam livres, mas sem nenhuma instrução que lhes permitisse sobreviver diante de uma nova realidade. A maioria era obrigada a disputar postos de trabalho com imigran-tes recém-chegados ao país que não sofriam as consequências do racismo e ainda conheciam melhor as regras do capitalismo.

A desvantagem dos negros no mercado de trabalho era evidente – a maioria acabava se sujeitando às tarefas braçais mais inglórias para ganhar salários modestos –, mas dentro de campo ela desaparecia: a qualidade dos negros no futebol era visível e começava a chamar a atenção dos times da zona sul da cidade.56

Os clubes da elite sabiam da existência de jogadores talentosos espa-lhados pelos subúrbios, mas não os buscavam por uma questão meramente de preconceito. No Vasco, por sua vez, privilegiava-se a técnica, não exis-tindo qualquer tipo de discriminação social ou racial. Fator que contribuía decisivamente para que muitos dos jogadores talentosos descobertos optas-sem por jogar pelo clube. Oportuna a colocação de Assaf e Martins (2010, p. 96) nesse aspecto:

Os clubes, especialmente os grandes, distribuíam benefícios distintos, de gra-tificações em dinheiro a empregos que não exigiam assiduidade. Mas recha-çavam o hábito perante o grande público, mantendo uma atitude sobretudo hipócrita. Além disso, só abriam espaço para os chamados “rapazes de boas famílias”, que chegavam precedidos de alguma recomendação, rejeitando sempre “as pessoas de cor” que não tardaram a tornar o Vasco vencedor.57

O Campeonato Carioca da Primeira Divisão de 1923 foi disputado por Vasco, Flamengo, Fluminense, Botafogo, América (campeão do ano anterior), Bangu, Andaraí e São Cristóvão. O regulamento era de pontos corridos em formato todos contra todos em turno e returno, sagrando-se campeão o maior pontuador.

O Vasco estreou com empate por 1x1 frente ao Andaraí. Mas, em pouco tempo, passaria a conquistar novos admiradores do seu time de pre-paro físico invejável (fruto do exaustivo sistema de treinos aplicado pelo

56 VENANCIO, Pedro. Op. cit., p. 38-39.57 ASSAF, Roberto; MARTINS, Clovis. Op. cit., p. 96.

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uruguaio Ramon Platero; costumava a sobrar fisicamente no segundo tem-po) e que conseguia proporcionar uma identificação do público com os atletas, especialmente nas camadas mais populares, que se sentiam repre-sentadas por aqueles jogadores58:

Além de negros e mulatos (eram quatro no time), o Vasco tinha em seu elen-co quatro semianalfabetos e era um clube da colônia portuguesa, sofrendo preconceito dos rivais cariocas. Mas o time contava com um importante alia-do: o grande número de torcedores, portugueses e brasileiros mais pobres que se identificavam com o clube. O aumento da torcida fez com que o Vasco alugasse o estádio do Fluminense para disputar alguns jogos.

O preconceito contra os portugueses era explicado pela conjuntura da épo-ca: ao mesmo tempo em que havia resquícios da relação colonizado/colo-nizador, os portugueses enfrentavam um momento de crise econômica e re-presentavam atraso, comparados aos ingleses e franceses. Pouco instruídos, logo foram tachados de burros e tiveram que aprender a conviver com piadas de todos os tipos, as famosas piadas de português, contadas até hoje pelos brasileiros.

[...] Negros e imigrantes encontraram no Vasco, a possibilidade de se desta-carem em um país marcado pela desigualdade social. O futebol era a chance que precisavam e o clube, a acolhida necessária para os excluídos do Cam-peonato Carioca que só seriam reconhecidos com as conquistas dentro de campo.59

A admiração só aumentou quando, após o empate na estreia, o clube, recém-promovido da segunda divisão e composto por jogadores de origem humilde, derrotou os quatro times então considerados mais importantes da cidade: Botafogo, Flamengo, América e Fluminense. E não pararia por aí.

O Vasco seguiria exibindo bom futebol e terminaria o campeonato de 1923 como campeão, seis pontos à frente do Flamengo, segundo colocado e responsável pela única derrota vascaína (doze vitórias e um empate). O time base escalado por Platero na vitoriosa campanha era composto por: Nelson (motorista de táxi), Leitão (semianalfabeto; ex-jogador do Bangu) e Mingote (pintor de paredes); Nicolino (negro; ex-jogador do Andaraí), Bolão (negro; ex-funcionário da Fábrica Bangu e ex-jogador do Bangu; motorista de cami-nhão) e Arthur (árbitro de campeonatos nos subúrbios cariocas); Paschoal (empregado de uma fábrica de móveis), Torterolli (operário da empresa Sin-ger), Arlindo (primeiro jogador de um clube da zona sul a ir jogar no Vasco;

58 Idem, p. 96.59 VENANCIO, Pedro. Op. cit., p. 59-60.

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era de classe social alta e havia atuado no Botafogo), Cecy (negro; pintor de paredes) e Negrito (apesar do apelido, era branco; descoberto em um time da Lapa). O uniforme todo preto, ainda sem a famosa faixa, acabou servindo de estandarte, eternizando a história dos Camisas Negras, equipe vascaí- na que, em sua estreia na primeira divisão do futebol do Rio de Janeiro, desbancou com o talento em campo a elite, o preconceito e o racismo para se tornar campeã60.

O Vasco seguiria incomodando a elite do futebol, que considerava a batalha perdida, mas não a guerra. E a prova disso é que América, Botafogo, Flamengo e Fluminense muito em breve iriam se reunir para contra-atacar.

3.3 a resposta histórica e a desfiliação da amea

Descontentes com o título vascaíno, as práticas de inclusão defendi-das pelo clube e a ameaça ao status quo61, Botafogo, Flamengo, Fluminense, América e Bangu reuniram-se para mudar o jogo. Decidiram então criar uma nova liga, paralela à LMDT e que, à exceção do Bangu – mantido apenas para suavizar o preconceito, reuniria apenas os times ricos da cidade. Assim foi criada a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA) no dia 1º de março de 1924. Vasco, Andaraí e São Cristóvão, excluídos da nova liga, teriam que ser aprovados por seus membros para também participar62.

Em seu estatuto, a AMEA determinava, dentre outras previsões, que: o clube interessado em se tornar filiado deveria possuir sede social e praça de exercícios atléticos e desportivos, própria ou arrendada por cinco anos no mínimo e que satisfizessem as exigências da diretoria técnica da Liga; os clubes deveriam indicar todos os dados possíveis sobre seus atletas, in-cluindo a residência atual e anterior e a profissão que exerciam naquele momento e anteriormente – com a indicação de algum superior hierárquico que as comprovasse; a AMEA seria obrigatoriamente reconhecida como a única entidade soberana no futebol carioca63.

60 Idem.61 Os clubes também eram contra o sistema de rebaixamento/promoção que obrigava o último colocado da

primeira divisão a enfrentar o primeiro da segunda para decidir quem ficaria com a última vaga na divisão principal. Muito embora esse critério tenha salvado o Botafogo de ser rebaixado em 1923 (em último lugar ao fim do campeonato da primeira divisão, com apenas quatro pontos, jogou contra o Vila Isabel, campeão da segunda, e, ao vencer o duelo, manteve-se na divisão). A proposta era de que passasse a se adotar o “critério olímpico”, que beneficiaria os clubes que praticassem maior número de modalidades das Olimpíadas em detrimento daqueles que só disputassem o futebol. Os clubes do subúrbio certamente seriam prejudicados com a adoção deste critério, algo interessante para os que sugeriam a mudança. Além disso, questionavam o fato de o Estatuto da LMDT dar direito de voto para equipes de menos prestígio. Em todo esse contexto, sentiam sua superioridade ameaçada.

62 VENANCIO, Pedro. Op. cit., p. 91.63 Idem, p. 95-97.

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Mesmo com as exigências acima que tornavam a participação do Vasco na AMEA dificultada (basta lembrar que o campo da Morais e Silva onde o Vasco mandava os jogos era alugado; muitos jogadores eram traba-lhadores informais, como os pintores, sem que houvesse um patrão a corro-borar suas profissões), o clube protocolou seu pedido de filiação à entidade. Ato contínuo, a LMDT ameaçou deixar de reconhecer o título conquistado no ano anterior, caso a filiação viesse a se confirmar64.

Os jornais O Correio da Manhã e O Imparcial, segundo conta Venancio (2014, p. 94-95), estavam ao lado dos clubes da elite e da criação da nova liga. Em reportagens próximas à fundação da AMEA, defendiam ser necessária uma elitização por melhores “praças para exercícios físicos e respectivas acomodações higiênicas”, algo que os clubes excluídos não ofereciam no entendimento dos periódicos65.

Com o pedido de filiação protocolado, a AMEA decidiu endurecer as condições para o Vasco: o campo utilizado da rua Morais e Silva, como previsto, foi contestado por não preencher os requisitos determinados no Estatuto. Além disso, o clube seria obrigado a jogar aos sábados por não ser um dos fundadores da Associação (ao contrário dos demais, que jogariam aos domingos). Por fim, mas não menos importante, veio a última cartada. A AMEA determinou a exclusão de doze jogadores vascaínos por serem analfabetos, negros ou de origem humilde. Nelson, Paschoal e Torterolli foram liberados para jogar, mas apenas pelo fato de terem sido convocados para a Seleção Brasileira anteriormente, pois no passado já tinham também enfrentado acusações de analfabetismo66.

A diretoria vascaína, revoltada com a situação, reuniu-se e optou pela desistência da filiação à AMEA. Essa vontade foi expressada por intermédio de um ofício assinado pelo presidente José Augusto Prestes (Ofício nº 261, de 7 de abril de 1924) e ficou conhecida como A resposta histórica, cuja íntegra segue abaixo:

Rio de Janeiro, 7 de abril de 1924.

Officio No 261

Exmo. Snr. Dr. Arnaldo Guinle,

M. D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos.

As resoluções divulgadas hoje pela Imprensa, tomadas em reunião de hon-tem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside,

64 Ibidem, p. 98.65 VENANCIO, Pedro. Op. cit., p. 94-95.66 Idem, p. 98.

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collocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferiori-dade, que absolutamente não pode ser justificada, nem pelas defficiencias do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa séde, nem pela condição modesta de grande numero dos nossos associados.

Os previlegios concedidos aos cinco clubs fundadores da A.M.E.A., e a forma porque será exercido o direito de discussão a voto, e feitas as futuras classi-ficações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.

Quanto á condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Directoria do C.R. Vasco da Gama não a dever acceitar, por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consocios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.

Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um acto pouco digno da nossa parte, sacrificar ao desejo de fazer parte da A.M.E.A., alguns dos que luctaram para que tivessemos entre outras victorias, a do Campeonato de Foot-Ball da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.

São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto publico que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles com tanta galhardia cobriram de glorias.

Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.

Queira V. Exa. acceitar os protestos da maior consideração estima de quem tem a honra de subscrever

De V. Exa. Atto Vnr., Obrigado.

(a) José Augusto Prestes

Presidente.67

A imprensa da época se dividiu, segundo afirma Venancio (2014, p. 100). O Imparcial e o Correio da Manhã, por exemplo, deram razão à AMEA, enquanto a Gazeta de Notícias tomou partido do Vasco. Aliás, foi pela imprensa que a AMEA tornou pública sua resposta à desistência de filiação vascaína. Em carta publicada no Imparcial, o Presidente da Asso-ciação, Arnaldo Guinle, declarou que não via alternativa senão o Vasco montar um time unicamente formado por portugueses por não existir no Rio de Janeiro, a seu ver, outra colônia que pudesse apresentar melhores ele-mentos para uma demonstração esportiva das verdadeiras qualidades desta

67 Disponível em: <http://www.vasco.com.br/site/noticia/detalhe/14833/93-anos-da-resposta-historica-1924- 2017>. Acesso em: jun. 2017, p. 100.

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nobre raça secular. Gracejos e elogios aos portugueses à parte, o recado era bem direto: com seus negros e brancos suburbanos, o Vasco não seria mais autorizado a jogar com os clubes da elite68.

A ruptura vascaína foi acompanhada pelo Andaraí, que se recusou a jogar pela AMEA. Em 14 de abril de 1924, o Correio da Manhã pronta-mente publicou uma nota anunciando o cancelamento das inscrições dos dois clubes. Mas não pararia por aí o problema enfrentado pelos jogadores cruzmaltinos69.

Sem o campeonato da AMEA para disputar, o clube buscou fazer amistosos para manter a equipe em atividade. Entrou em contato com Na-cional do Uruguai para tal finalidade, mas o time uruguaio desistiu de firmar o compromisso com medo de sofrer retaliações da Confederação Uruguaia de Futebol, já que teria sido notificado pela Confederação Brasileira de Des-portos (que reconheceu a AMEA como entidade oficial) sobre o imbróglio carioca. E o mesmo voltaria a se repetir em nível nacional. Ao tentar marcar amistoso com o Palestra Itália (que futuramente viria a se chamar Socieda-de Esportiva Palmeiras), campeão paulista de 1923, interferências externas (leia-se a interferência da Associação Paulista de Esportes Athléticos – APEA) também impediram que a partida acontecesse70.

Não restou alternativa ao Vasco que não fosse o retorno à LMDT, o que aconteceu naquele mesmo ano de 1924. O Campeonato Carioca de 1924 da LMDT reuniu vinte e dois clubes divididos em três divisões. O Vasco, na primeira, teria como adversários Andaraí (o outro insurgente), Carioca, Mackenzie, Mangueira, Palmeiras, River e Vila Isabel.

Com a manutenção da base do time campeão de 1923 aliado ao fato de enfrentar adversários de nível técnico mais modestos, não houve dificuldades em repetir o feito: com dezesseis vitórias nos dezesseis jogos disputados, o Vasco tornou-se bicampeão carioca da LMDT (1923-1924). O primeiro Campeonato Carioca da AMEA (1924), por sua vez, teve o Flu-minense como campeão.

Mesmo enfrentando outros adversários que não os rivais da zona sul, a torcida vascaína manteve-se fiel e comparecendo em grande número aos jogos da equipe. E isso começou a refletir na Zona Sul, mesmo com a rup-tura. Como? Simples: financeiramente. O Vasco ocasionalmente alugava o estádio do Fluminense ou o campo do Botafogo de General Severiano para

68 VENANCIO, Pedro. Op. cit., p. 101.69 Idem, p. 101.70 MALAIA SANTOS, João Manuel Casquinha. Op. cit., p. 343. Acesso em: jun. 2017.

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algumas partidas. Sem disputarem a mesma Liga, o Vasco parou de adotar tal prática. Além disso, a numerosa torcida vascaína gerava boas rendas de bilheteria nos confrontos contra Fluminense, Botafogo e Flamengo. Ainda que não quisessem o Vasco perto de si, os times da elite logo perceberam que precisavam dele, para o bem de suas finanças71.

Em 1925, após negociação intermediada pelo presidente do Bota-fogo, Carlitos Rocha, a AMEA voltou atrás e reconheceu Vasco e Andaraí como aptos a disputar seu campeonato. Sabendo que a AMEA precisava de si muito mais do que o contrário (pelo aspecto financeiro), o Vasco exigiu garantias: queria ter os mesmos direitos que os outros clubes e foi atendido (uma vitória da tentativa vascaína em promover a justiça social no futebol), à exceção apenas do local de jogos: não poderia mais utilizar o campo alu-gado da Rua Moraes e Silva, que comportava apenas cinco mil pessoas72.

Depois do mal-estar gerado pela ruptura com a AMEA, o Vasco não quis mais alugar o campo dos demais times da Zona Sul para mandar suas partidas. A opção provisória foi um acordo com o Andaraí, para que man-dasse por lá seus jogos, no campo da Rua Barão de São Francisco, até que erguesse seu próprio estádio73.

No mesmo ano de 1925, foi adquirido o terreno no bairro de São Cristóvão para que fosse erguido (e custeado integralmente pelos sócios), no dia 21.04.1927, o Estádio Vasco da Gama ou, popularmente, São Januário. Este foi até 1940 (quando o Pacaembu, em São Paulo, foi construído) o maior estádio do Brasil e alguns anos depois seria palco de um importante capítulo na história do Brasil: foi lá que o Presidente Getúlio Vargas, em um comício, anunciou a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)74.

CONCLUSÃO

Que o Brasil é um Estado formado por desigualdades políticas, finan-ceiras, sociais e raciais, não é nenhuma novidade. Muitas delas, embora

71 Para ilustrar, a força da torcida vascaína e as boas rendas de bilheteria em seus jogos, no anterior quando enfrentou como mandante o Fluminense pela 5ª rodada do Carioca de 1923 da LMDT, o Vasco optou por alugar o Estádio das Laranjeiras (do Fluminense) para ter uma melhor arrecadação. Demonstra Malaia Santos (2010, p. 297) que somente o Vasco na ocasião levou 22:000$000, descontado os 10% da LMDT, o imposto de 10% sobre as diversões cobrados pela prefeitura e as despesas com a bilheteria de um total de 27:268$500 recebidos. O público foi de aproximadamente 13 mil torcedores.

72 VENANCIO, Pedro. Op. cit., p. 104.73 Idem, p. 104.74 Ibidem, p. 108.

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ainda gerem reflexos na vida de cada cidadão brasileiro, possuem o cerne nos muitos anos que se passaram da história do País.

No futebol, por ser um espelho da sociedade em que está inserido, não foi diferente. Uma prática que na modalidade masculina adulta, de-tentora de cinco Copas do Mundo, inúmeros torneios internacionais (Copa América/Sul-Americano de Seleções, Copa das Confederações, Copa Roca etc.) e recentemente uma medalha de ouro olímpica, já nos rendeu o apeli-do de País do Futebol, as mesmas mazelas foram experimentadas.

Se hoje ainda assistimos a alguns resquícios de racismo no futebol brasileiro, com o baixo número de dirigentes, técnicos e capitães de times negros, demonstramos, no presente trabalho, que o panorama atual poderia ser muito pior.

Para a sorte de todos os brasileiros, negros ou não, pobres ou ricos, existiram Bangu e Vasco, Francisco Carregal e Os Camisas Negras, símbolos de uma luta que permanece sem fim, mas que a passos lentos vem trazendo vitórias na busca por um país mais justo e democrático, onde todos possam ter as mesmas oportunidades, independentemente de cor e condição social.

REFERÊNCIAS

ALVITO, Marcos. A rainha de chuteiras: um ano de futebol na Inglaterra. Rio de Janeiro: Apicuri, 2014.

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COELHO, Paulo Vinicius; KFOURI, André. Os cem melhores jogadores brasileiros de todos os tempos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.

DOS SANTOS JUNIOR, Nei Jorge. A construção do sentimento local: o futebol nos arrabaldes de Bangu e Andaraí (1914-1923). Rio de Janeiro: Multifoco, 2014.

JEUKEN, Bruno. Esporte na Primeira República: a história do espetáculo. Revista de História da Universidade de São Paulo, n. 176, p. XXX, 2017. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2017.121277>. Acesso em: jun. 2017.

MALAIA SANTOS, João Manuel Casquinha. Revolução vascaína: a profissionali-zação do futebol e inserção socioeconômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934). Universidade de São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-26102010-115906/pt-br.php>. Acesso em: jun. 2017.

SANDER, Roberto. Sul-Americano de 1919: quando o Brasil descobriu o futebol. Rio de Janeiro: Maquinária, 2009.

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SILVA, Gustavo Santos da. Os proletários da bola: The Bangu Athletic Club e as lutas de classes no futebol da Primeira República (1894-1933). Rio de Janeiro: Multifoco, 2017.

SOUZA, Glauco José Costa. “O football nós podemos jogar”: uma análise sobre o desenvolvimento do futebol fora dos clubes da elite do Rio de Janeiro. Revista Recorde (Revista de História do Esporte), Universidade Federal do Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 18, jul./dez. 2015, 28 p. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/Recorde/article/view/2715>. Acesso em: jun. 2017.

SOUZA PINTO, Rodrigo Márcio. Do passeio público à ferrovia: o futebol proletá-rio em Fortaleza (1904-1945). Universidade Federal do Ceará, 2007. Disponível em: <http://www.historia.ufc.br/admin/upload/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Completa%20-%20Arquivo%20Final.pdf>. Acesso em: jun. 2017.

VENANCIO, Pedro. Nasce o Gigante da Colina. Rio de Janeiro: Maquinária, 2014.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

2069

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.611.415 – PR (2016/0169479‑1)

Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze

Recorrente: Londrina Esporte Clube

Advogados: Artur Humberto Piancastelli – PR019751 Bruno Andrade Cesar de Oliveira – PR044846 Luiz Eduardo Ruas Barcellos do Monte – DF041950 Raíssa Helena Gomes Gritti – PR069421

Recorrente: Gabriel Contino

Advogado: Diogo Lima de Souza – RJ125376

Recorrido: os mesmos

ementa

1. RECURSO ESPECIAL DE GABRIEL CONTINO – CIVIL – CONTRATO DE PARCERIA DE ATLETA DE FUTEBOL – NULIDADE DECRETADA EX OFFICIO PELO JUIZ – DIREITO À RESTITUIÇÃO DOS VALORES ADIANTADOS PELOS CONTRATANTES – INDEPENDE DE PEDIDO DA PARTE – RECURSO PROVIDO – 2. RECURSO ESPECIAL DE LONDRINA ESPORTE CLUBE – PEDIDO DE MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS – PERDA DE OBJETO

1. A nulidade do contrato, por se operar ex tunc, acarreta o retorno das partes ao status quo ante, de maneira que o provimento jurisdicional de decretação de nulidade do ajuste contém em si eficácia restituitória –, nasce o direito de as partes serem ressarcidas pelo que despenderam na vigência do contrato nulo – e liberatória, pois desobriga ambos da rela-ção contratual.

2. No provimento judicial que decreta a rescisão ou a nulidade contra-tual está ínsito o direito de devolução das quantias eventualmente adian-tadas pelos contratantes, independentemente de requerimento expresso nesse sentido, sob pena de enriquecimento sem causa.

3. O provimento do recurso especial de um dos recorrentes, com a inver-são dos ônus sucumbenciais, torna prejudicado o recurso interposto pela parte contrária visando à majoração dos honorários advocatícios fixados na origem.

4. Recurso especial de Gabriel Contino provido. Recurso especial de Londrina Esporte Clube prejudicado.

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acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo-tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial de Gabriel Contino e julgar prejudicado o recurso de Londrina Esporte Clube, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Brasília, 21 de fevereiro de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

relatório

O Senhor Ministro Marco Aurélio Bellizze:

Trata-se de recursos especiais interpostos por Gabriel Contino e por Londrina Esporte Clube, ambos com fundamento nas alíneas a e c do per-missivo constitucional, contra acórdão, proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA – CONTRATO PARTICULAR DE PARCERIA DE ATLETA – NULIDADE – INTERVENÇÃO JUDICIAL PERANTE A ENTIDADE APELADA – ATOS DE ADMINISTRAÇÃO SOB A SUPERVISÃO DE ADMINISTRADOR NOMEADO – AUSÊNCIA DO AVAL DO ADMINISTRADOR JUDICIAL NOMEADO – INCABIMENTO DE COBRANÇA DA MULTA CONTRATUAL FACE À INEFICÁCIA DO CON-TRATO – RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO – RECURSO ADESIVO – PEDIDO DE MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – FI-XAÇÃO DE ACORDO COM A APRECIAÇÃO EQUITATIVA DO JUIZ E DO TRABALHO DESENVOLVIDO PELO PATRONO – ART. 20, § 4º DO CPC – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO ADESIVO DESPROVIDO APELAÇÃO CÍVEL E ADESIVO DESPROVIDOS. (e-STJ, fl. 232)

Em suas razões recursais (e-STJ, fls. 281-290), Gabriel Contino alegou que o acórdão hostilizado ofendeu os arts. 182 e 884 do Código Civil de 2002.

Sustentou, para tanto, que “a declaração judicial da nulidade do ne-gócio jurídico tem eficácia ex tunc, motivo porque retroage à data da cele-

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bração do pacto. Logo, pronunciada a nulidade, as coisas voltam ao estado anterior como se não tivesse sido celebrado o negócio nulo”. Assim, em razão da declaração de nulidade do contrato, deve, ao menos, ser restituído ao ora recorrente o valor que ele desembolsou para efetivação da compra de 30% dos direitos federativos/econômicos do contrato do jogador, com a devida incidência de correção monetária e juros moratórios, sob pena de se ensejar o enriquecimento sem causa do ora recorrido.

Por sua vez, em seu especial (e-STJ, fls. 239-247), Londrina Esporte Clube aduziu que o aresto recorrido incorreu em divergência jurispruden-cial e em ofensa ao art. 20, § 4º, do CPC/1973, ao não acolher o pedido de majoração dos honorários advocatícios fixados na sentença em R$ 1.000,00 (mil reais), “equivalentes a menos de 0,33% do valor pretendido pelo re-corrido ou menos de 0,5% do valor atualizado dado à causa (R$ 250 mil)”. Requereu, assim, a majoração da verba honorária para 5% sobre o valor atualizado da causa “ou a patamar razoável e adequado aos preceitos do art. 20, § 3º do CPC e ao valor em discussão no processo, valor digno, que respeita o munus do advogado”.

Contrarrazões apresentadas às fls. 299-306 (e-STJ) apenas por Gabriel Contino.

Admitidos os recursos especiais na origem, subiram os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

voto

O Senhor Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator):

I – RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO POR GABRIEL CONTINO:

De início, esclareço que, no presente recurso especial, não está sendo discutida a possibilidade de o julgador, de ofício, declarar a nulidade do contrato, com base no princípio jura novit curia, embora, no caso concreto, no bojo de ação de cobrança ajuizada pelo ora recorrente, tenha sido de-clarada, ex officio, a nulidade do contrato de parceria de atleta de futebol celebrado entre este e Londrina Esporte Clube.

Em seu apelo especial, Gabriel Contino visa a discutir apenas as con-sequências jurídicas da nulidade do aludido contrato. Afirma, para tanto, que, com a celebração do ajuste adquiriu 30% dos direitos econômicos de

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determinado jogador, pagando, para tanto, o preço de R$ 40.000,00 (qua-renta mil reais). Assim, em razão da dita declaração de nulidade do contrato com efeito ex tunc, deveria, ao menos, ser-lhe restituído o valor que desem-bolsou para efetivação da compra dos direitos federativos/econômicos do atleta, já que a multa por descumprimento de contrato foi repelida pelas instâncias ordinárias (R$ 150.000,00).

Eis o teor do voto condutor do acórdão recorrido:

O Apelante por sua vez alega que houve irregularidade e consequente nu-lidade do contrato por conta do Apelado e com isso pretende a reforma da sentença para receber tanto o valor da multa rescindenda no valor de R$ 150.000,00 constante na cláusula quinta do contrato como o reembolso do valor de R$ 40.000,00.

Possível notar à fl. 38 que em data de 27.10.2006 houve intervenção judicial do Londrina Esporte Clube ora Apelado, com decisão proferida pela Justiça do trabalho no sentido de declarar nulo o contrato de Trabalho do Jogador nº 585369, firmado entre as partes, para deliberar de forma definitiva, decla-rando ineficaz qualquer documento firmado com o Réu, de cessão a tercei-ros de direitos federativos/econômicos decorrentes do contrato.

Frise-se que intervenção da Justiça do Trabalho ocorreu em data de 27.10.2006 e não 12.11.12009 como afirma do Apelante, pois o documento de fls. 38 se trata de certidão informativa onde consta a data da intervenção como apontada.

Nesta esteira, temos que o referido contrato foi assinado em data posterior a da intervenção, de forma que resta caracterizada a nulidade do contrato, considerando que somente seria possível qualquer ato de administração da entidade deveria ser realizado sem a autorização do administrador nomeado Rubens Moretti cf. fls. 38/40 face o descaso, omissão e irresponsabilidade administrativa dos dirigentes do Clube Apelado.

Desta forma, havendo ineficácia do contrato celebrado que é objeto da de-manda, não há que se falar em aplicação da multa por inadimplemento ou atingir o ressarcimento perante a agremiação que não é parte no processo.

Da leitura do especial, tem-se que o ora recorrente abriu mão de discutir: (i) a possibilidade de o juiz ou o Tribunal reconhecer de ofício a nulidade de cláusulas contratuais; (ii) a própria causa de decretação da nu-lidade; e (iii) o afastamento do direito à percepção da multa por descumpri-mento contratual (R$ 150.000,00). Tão somente questiona que a declaração judicial da nulidade do negócio jurídico, por ter eficácia ex tunc, deve res-tabelecer as partes ao estado anterior como se não tivesse sido celebrado o contrato nulo. Assim, requer seja restituído do valor que desembolsou para

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efetivação da compra dos direitos federativos/econômicos do jogador, com a devida incidência de correção monetária e juros moratórios.

Com efeito, a nulidade do contrato, por se operar ex tunc, acarreta o retorno dos litigantes ao status quo ante, de maneira que o provimento jurisdicional de decretação de nulidade do ajuste contém em si eficácia restituitória – nasce o direito de as partes serem ressarcidas pelo que despen-deram na vigência do contrato nulo – e liberatória, pois desobriga ambos da relação contratual. Para tanto, não é necessário nenhum outro procedi-mento (reconvenção, interposição de recurso ou até mesmo ajuizamento de nova demanda), para simplesmente buscar a restituição das partes ao status quo ante, porquanto tal comando já está contido, ex officio, no provimento judicial que decreta a rescisão ou a nulidade contratual.

A orientação jurisprudencial de ambas as Turmas que integram a Se-gunda Seção desta Corte Superior é de que a declaração judicial de rescisão do contrato de compra e venda contém, per se, comando de devolução das quantias eventualmente adiantadas pela parte compradora, o qual indepen-de de requerimento expresso nesse sentido, sob pena de enriquecimento indevido da outra parte contratante.

A propósito, colacionam-se os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 1. EMBARGOS INFRIN-GENTES – MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA – CONHECIMENTO – EFEITO TRANSLATIVO – POSSIBILIDADE – 2. COISA JULGADA – OFENSA – INE-XISTÊNCIA – CONTRATO – COMPRA E VENDA – RESCISÃO – PARCELAS PAGAS – RESTITUIÇÃO – EFICÁCIA RESTITUITÓRIA – EX OFFICIO – DECI-SÃO JUDICIAL – 3. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO

1. É possível o conhecimento de questões de ordem pública em embargos infringentes, por força do efeito translativo (Precedente específico: REsp 304.629/SP, 4ª T., Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 16.03.2009).

2. Conforme entendimento pacificado no âmbito das Turmas que integram a Segunda Seção desta Corte Superior, a rescisão judicial do contrato de compra e venda implica, ex officio, a restituição das partes ao estado anterior (eficácia restituitória contida no provimento jurisdicional), razão por que não ofende a coisa julgada a inclusão, na conta de liquidação, dos valores pagos pelo comprador.

3. Agravo regimental parcialmente provido.

(AgRg-REsp 1.289.600/TO, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, Rel. p/ Ac. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª T., Julgado em 25.11.2014, DJe 17.12.2014)

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RECURSO ESPECIAL – CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA – IMÓVEL LOTEADO – PARCELAMENTO IRREGULAR – FALTA DE REGISTRO – NULIDADE DO CONTRATO

1. Ação de resolução de contrato de compromisso de compra e venda de imóvel loteado sem o devido registro do loteamento.

2. Ilicitude do objeto do contrato de promessa de compra e venda por dis-posições legais expressas da Lei nº 6.766/1979 (arts. 37 e 46) diante da au-sência de regularização do loteamento sem registro ou aprovação pelo Poder Público.

3. Precedentes jurisprudenciais específicos desta Corte e dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul.

4. A nulidade do contrato acarreta o retorno dos litigantes ao status quo ante, devendo ser reconhecida de ofício pelo juiz e gerando efeitos ex tunc.

5. Recurso especial provido.

(REsp 1.304.370/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., Julgado em 24.04.2014, DJe 05.05.2014)

RECURSO ESPECIAL – DIREITO CIVIL – RESOLUÇÃO DE CONTRATO – PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – DETERMINAÇÃO DE RESTITUIÇÃO, PELO PROMITENTE VENDEDOR, DAS PARCELAS DO PRE-ÇO PAGAS PELOS PROMITENTES COMPRADORES – DESNECESSIDADE DE PEDIDO EXPRESSO DOS RÉUS – CONCRETIZAÇÃO DA EFICÁCIA RESTITUTÓRIA DA RESOLUÇÃO – INOCORRÊNCIA DE DECISÃO EXTRA PETITA

1. Decretada a resolução do contrato de promessa de compra e venda, deve o juiz, ainda que não tenha sido expressamente provocado pela parte inte-ressada, determinar a restituição, pelo promitente vendedor, das parcelas do preço pagas pelos promitentes compradores.

2. Concretização da eficácia restitutória da resolução, aplicável em benefício das duas partes do contrato, como consequência natural da desconstituição do vínculo contratual.

3. Inocorrência de decisão extra petita.

4. Reafirmação da jurisprudência da Terceira e da Quarta Turma deste STJ acerca do tema.

5. Recurso especial não provido.

(REsp 1.286.144/MG, 3ª T., Relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 01.04.2013)

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CIVIL E PROCESSUAL – PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE LOTE – PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES – INADIMPLEMENTO DOS RÉUS – AÇÃO DE RESCISÃO MOVIDA PELA VENDEDORA – DESFAZIMENTO DA RELA-ÇÃO – DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS COM RETENÇÃO DE DETER-MINADO PERCENTUAL PARA FAZER FRENTE A DESPESAS DA CREDO-RA – CONTESTAÇÃO OMISSA A RESPEITO – PRECLUSÃO INEXISTENTE – CONSEQUÊNCIA INERENTE À RESCISÃO – CPC, ART. 300 – OFENSA NÃO IDENTIFICADA

I – Em havendo rescisão do compromisso de compra e venda, o desfazimen-to da relação contratual implica, automaticamente, como decorrência lógica e necessária, na restituição das prestações pagas, reservada uma parte, que fica deduzida, em favor da alienante, para ressarcir-se de despesas adminis-trativas, sendo desnecessário que tal devolução conste nem do pedido exor-dial (quando o autor é o vendedor), nem da contestação (quando o autor é o comprador), por inerente à natureza da lide.

II – Recurso especial não conhecido.

(REsp 500.038/SP, 4ª T., Relator o Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 25.08.2003)

PROMESSA DE COMPRA E VENDA– Parcelamento do solo. Resolução. Res-tituição. CDC. Reconvenção

O CDC se aplica à relação de consumo estabelecida entre a empresa que comercializa imóveis loteados urbanos e o promissário comprador, opera-ção que é regulada, no que tem de específico, pela legislação própria (Lei nº 6.766/1979).

Resolvido o negócio, cabe a restituição das parcelas mensais pagas pelos promissários compradores, que já perderam o sinal em favor da promitente vendedora.

A decisão sobre a restituição das partes à situação anterior integra resolução judicial do contrato e deve ser objeto de decisão do juiz ainda que não tenha sido requerido pela parte na contestação ou em reconvenção.

Recurso não conhecido.

(REsp 300.721/SP, 4ª T., Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 29.10.2001)

PROCESSO CIVIL – RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COM-PRA E VENDA PROPOSTA PELO VENDEDOR – DEVOLUÇÃO DE PARTE DAS PARCELAS DO PREÇO – DESNECESSIDADE DE RECONVENÇÃO

Na ação de rescisão de contrato de promessa de compra e venda, proposta pelo vendedor contra o comprador inadimplente, o juiz pode ordenar a de-

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volução de parte das parcelas do preço independentemente de reconvenção. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 97.538/SP, 3ª T., Relator o Ministro Ari Pargendler, DJ de 08.05.2000)

PROMESSA DE COMPRA E VENDA – RESCISÃO – DEVOLUÇÃO DO QUE FOI PAGO – RECONHECIDO QUE O PROMITENTE COMPRADOR TEM DIREITO A DEVOLUÇÃO DO QUE FOI PAGO, POSTO QUE NEGADO O PLEITO DO AUTOR, NO SENTIDO DA PERDA DAS IMPORTÂNCIAS COR-RESPONDENTES, AS PARTES HAVERÃO DE SER REPOSTAS NO ESTADO ANTERIOR. POSSIBILIDADE DE DETERMINAR-SE A DEVOLUÇÃO, SEM NECESSIDADE DE RECONVENÇÃO.

(REsp 49.396/SP, 3ª T., Relator o Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 12.06.1995)

Nesse contexto, concluo que deve ser provido o recurso de Gabriel Contino, com a consequente determinação de que seja ele ressarcido do valor que despendeu para a celebração do contrato de parceria de atleta de futebol, no montante de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), com a devida incidência de correção monetária e juros moratórios, contados da data em que decretada a nulidade do contrato.

Custas pelo ora recorrido e honorários advocatícios em favor do ad-vogado do ora recorrente no montante de 10% sobre o valor da condena-ção, após a devida apuração em liquidação.

II – RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO POR LONDRINA ESPORTE CLUBE:

Em seu recurso especial, o Clube pretende a majoração dos honorá-rios advocatícios fixados na sentença em R$ 1.000,00 (mil reais) e confirma-dos no acórdão de fls. 231-237 (e-STJ).

Contudo, com o provimento do recurso especial de Gabriel Contino, houve inversão da sucumbência, de maneira que o apelo especial interpos-to pelo Clube perdeu seu objeto.

Diante do exposto, julgo prejudicado o recurso especial de Londrina Esporte Clube.

É como voto.

certidão de julgamento terceira turma

Número Registro: 2016/0169479-1

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Processo Eletrônico REsp 1.611.415/PR

Números Origem: 00434069120128160014 13780764 1378076400 1378076401 201500119857 434069120128160014

Pauta: 21.02.2017 Julgado: 21.02.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Mário Pimentel Albuquerque

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

autuação

Recorrente: Londrina Esporte Clube

Advogados: Artur Humberto Piancastelli – PR019751 Bruno Andrade Cesar de Oliveira – PR044846 Luiz Eduardo Ruas Barcellos do Monte – DF041950 Raíssa Helena Gomes Gritti – PR069421

Recorrente: Gabriel Contino

Advogado: Diogo Lima de Souza – RJ125376

Recorrido: os mesmos

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos

sustentação oral

Dr(a). Benedito Pereira Filho, pela parte Recorrente: Londrina Esporte Clube

certidão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial de Gabriel Contino e julgou prejudicado o recurso de Londrina Esporte Clube, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

2070

Superior Tribunal de JustiçaConflito de Competência nº 144.989 – MG (2016/0006699‑4)

Relator: Ministro Luis Felipe Salomão

Suscitante: Juízo Trabalho Vara do Trabalho Araxá/MG

Suscitado: Juízo de Direito de Campos Altos/MG

Interes.: Camila Taynara Helrigel Vieira e outros

Advogado: Ruy Vicente de Paulo e outro(s) – MG090894

Interes.: VEC Produções e Eventos Eireli – EPP

Advogado: Alessandra do Carmo de Paiva – MG101622

ementa

CONFLITO DE COMPETÊNCIA – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS POR FALECIMENTO DE PEÃO DE RODEIO DURANTE COMPETIÇÃO – EQUIPARAÇÃO AO ATLETA PROFISSIONAL – LEI Nº 10.220/2001 – RELAÇÃO DE EMPREGO – COMPETÊNCIA DO JUÍZO TRABALHISTA

1. O reconhecimento da qualidade de atleta profissional ao peão de ro-deio, por força da Lei nº 10.220/2001, implica a necessária celebração de contrato formal de trabalho com a entidade promotora da competição, o que tem o condão de caracterizar o vínculo de trabalho entre as partes.

2. O art. 114 da Carta da República preconiza a competência material da Justiça do Trabalho para o processamento e julgamento das ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho.

3. Conflito de competência conhecido, para declarar a competência do Juízo laboral.

acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Juízo da Vara do Trabalho de Araxá/MG, o suscitante, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

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Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Raul Araújo.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Brasília (DF), 09 de novembro de 2016 (data do Julgamento)

Ministro Luis Felipe Salomão Relator

relatório

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

1. Cuida-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo do Trabalho da Vara de Araxá/MG, nos autos de ação visando à percepção de indenização por danos materiais e morais, decorrentes do falecimento do genitor do autor quando participava de rodeio realizado na Festa de Peão, na cidade de Lagoa Santa/MG (fls. 331-332).

A demanda foi proposta no Juízo estadual de Campos Altos, que pro-feriu decisão afirmando sua incompetência absoluta e remetendo o proces-so ao Juízo do Trabalho, ora suscitante, com base na seguinte fundamenta-ção (fls. 121-122):

Em sua peça contestatória, a demanda arguiu preliminar de incompetência do Juízo, entendendo, por se tratar de acidente de trabalho, o fato gerador do presente pedido de indenização, seria da competência da Justiça Trabalhista o processamento e julgamento da demanda.

Por sua vez, os autores insistiram na competência do presente Juízo. Con-tudo, tem que assiste razão a contestante. Fato é que o ato que ensejou o presente pleito de indenização decorreu de evento oriundo de relação de trabalho existente entre o falecido e a demandada, nos termos da Lei nº 10.220/2001. Sendo assim, nos termos do art. 114, VI da Constituição da República, com a interpretação que lhe foi dada pelo Pretório excelso, é da competência da justiça especializada o julgamento de ações de indenização movidas por sucessores do trabalhador em face do empregador. De outro lado trata-se de competência de natureza absoluta, nos moldes do art. 113 do CPC, e portanto, indeclinável. Considerando que a presente Comarca encontra-se submetida à jurisdição do Juízo da Vara do Trabalho de Araxá, devem os autos serem remetidos aquele Juízo para prosseguimento do feito,

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após o trânsito em julgado da presente decisão. Com tais fundamentos, de-clino da competência para o Juízo da Vara do Trabalho de Araxá, nos termos do art. 113 do CPC, e art. 114, VI da CR/1988, determinando que após o decurso do prazo recursal, sejam os autos remetidos para aquele Juízo, com as cautelas de praxe e consignando as nossas homenagens.

Contudo, afirma o Juízo laboral que o fato gerador do presente pedido de indenização não decorre de relação de trabalho, pois o de cujus não era empregado da reclamada ou mesmo prestador de serviços, mas apenas um dos participantes da competição por ela organizada, escapando da compe-tência material da Justiça Especializada.

O Ministério Público opinou pela declaração de competência do Juí-zo da Vara do Trabalho de Araxá/MG, o suscitante (fls. 340-343):

Conflito negativo de competência.

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar ação de indenização por danos materiais e morais em face de entidade promotora de provas de rodeio em razão do descumprimento da obrigação de contratar seguro de vida e de acidentes em favor do peão de rodeio, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei nº 10.220/2001. Isso porque o referido diploma normativo equiparou o peão de rodeio ao atleta profissional, conferindo às relações havidas entre este profissional e a entidade promotora do evento o status de típica relação de trabalho.

Parecer, preliminarmente, pelo conhecimento do conflito negativo de com-petência, para que, no mérito, seja declarado competente o MM. Juízo da Vara do Trabalho de Araxá/MG, o Suscitante.

O Juízo trabalhista prestou informações às fls. 348-349.

É o relatório.

ementa

CONFLITO DE COMPETÊNCIA – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS POR FALECIMENTO DE PEÃO DE RODEIO DURANTE COMPETIÇÃO – EQUIPARAÇÃO AO ATLETA PROFISSIONAL – LEI Nº 10.220/2001 – RELAÇÃO DE EMPREGO – COMPETÊNCIA DO JUÍZO TRABALHISTA

1. O reconhecimento da qualidade de atleta profissional ao peão de ro-deio, por força da Lei nº 10.220/2001, implica a necessária celebração de contrato formal de trabalho com a entidade promotora da competição, o que tem o condão de caracterizar o vínculo de trabalho entre as partes.

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2. O art. 114 da Carta da República preconiza a competência material da Justiça do Trabalho para o processamento e julgamento das ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho.

3. Conflito de competência conhecido, para declarar a competência do Juízo laboral.

voto

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

2. Cinge-se a questão controvertida à definição da competência para processar e julgar ação indenizatória ajuizada contra entidade promotora de provas de rodeio, em decorrência do falecimento de peão enquanto atuava no certame.

O Juízo suscitante apontou, como fundamento central do presen-te incidente, o fato de ser o falecido mero participante na competição de rodeio, não se configurando entre as partes nenhuma relação de trabalho (fls. 331-332):

Conforme se extrai da narrativa exposta na peça de ingresso, o Sr. Milton se inscreveu em uma competição de rodeio, em razão da qual sofreu o aci-dente que ceifou sua vida. Neste contexto, entendo que o fato gerador do presente pedido de indenização não decorre de relação de trabalho, já que o Sr. Milton, conforme relatado na petição inicial, não era empregado da recla-mada, ou mesmo prestador de serviços, mas, apenas um dos participantes da competição por ela organizada.

Assim, entendo que a relação havida entre o companheiro da autora, Sr. Milton, e a reclamada é matéria estranha à relação de trabalho e, portan-to, escapa à Justiça Especializada a competência material para julgamento do feito.

3. No entanto, a Lei nº 9.615/1998 define o atleta profissional em razão da existência de pactuação de contrato formal de trabalho com a entidade de prática desportiva, em oposição ao atleta não profissional, que carece desse instrumento e, portanto, não é parte em relação de trabalho (art. 3º, § 1º):

Art. 3º [...]

§ 1º O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:

I – de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em con-trato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva;

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II – de modo não-profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de in-centivos materiais e de patrocínio.

A Lei nº 10.220/2001, por seu turno, equiparou o peão de rodeio ao atleta profissional:

Art. 1º Considera-se atleta profissional o peão de rodeio cuja atividade con-siste na participação, mediante remuneração pactuada em contrato próprio, em provas de destreza no dorso de animais equinos ou bovinos, em torneios patrocinados por entidades públicas ou privadas.

Entre os direitos conferidos a esse trabalhador – que devem constar necessariamente do contrato de trabalho –, sobressaem: a) a forma de remu-neração, especificando-se o valor básico a ser pago, os prêmios, as gratifi-cações e, quando houver, as bonificações; b) a jornada de trabalho, que não pode exceder a oito horas diárias; c) o prazo de vigência, entre o mínimo de 4 dias e o máximo de 2 anos; e d) a cláusula penal.

Confiram-se os seguintes dispositivos:

Art. 2º O contrato celebrado entre a entidade promotora das provas de ro-deios e o peão, obrigatoriamente por escrito, deve conter:

I – a qualificação das partes contratantes;

II – o prazo de vigência, que será, no mínimo, de quatro dias e, no máximo, de dois anos;

III – o modo e a forma de remuneração, especificados o valor básico, os prê-mios, as gratificações, e, quando houver, as bonificações, bem como o valor das luvas, se previamente convencionadas;

IV – cláusula penal para as hipóteses de descumprimento ou rompimento unilateral do contrato.

Art. 3º O contrato estipulará, conforme os usos e costumes de cada região, o início e o término normal da jornada de trabalho, que não poderá exceder a oito horas por dia.

É forçoso concluir, portanto, que o reconhecimento da qualidade de atleta profissional ao peão de rodeio implica a necessária celebração de contrato formal de trabalho com a entidade promotora do certame, cuja inexistência, contudo, não tem o condão de descaracterizar o vínculo de trabalho, uma vez que deriva de imposição legal.

No mesmo sentido, o entendimento de doutrina especializada:

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A atividade de peão de rodeio é disciplinada pela Lei nº 10.220, de 11 de abril de 2001, a qual o equipara ao atleta profissional.

[...]

O contrato de trabalho do peão de rodeio, como todo ato jurídico, exige a concomitância dos requisitos da capacidade, objeto lícito e consentimento. Esse contrato possui também forma prevista em lei, fugindo do caráter con-sensual que, geralmente, norteia os contratos de trabalho.

[...]

O contrato de trabalho do peão de rodeio e a entidade promotora das provas é formal, exigindo, obrigatoriamente, a forma escrita. O ajuste deverá con-ter a qualificação dos co-contratantes; prazo máximo de vigência, que será no mínimo de quatro dias e no máximo de dois anos; o modo e a forma de remuneração, especificando-se o valor básico, os prêmios, as gratificações e, quando houver, as bonificações e o valor das luvas, se previamente con-vencionadas. Esse contrato conterá, ainda, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento ou rompimento unilateral do contrato. (BARROS, Alice Monteiro de. As relações de trabalho no espetáculo. São Paulo: LTr, 2003, p. 202-203)

Outrossim, é compulsória a contratação de seguro de vida e de aci-dentes pela promotora do rodeio em prol do peão, nos termos do art. 2º, §§ 1º e 3º, da Lei nº 10.220/2001, c/c o art. 6º da Lei nº 10.519/2002, a qual institui normas gerais para esse esporte:

Lei nº 10.220/2001

§ 1º É obrigatória a contratação, pelas entidades promotoras, de seguro de vida e de acidentes em favor do peão de rodeio, compreendendo indeniza-ções por morte ou invalidez permanente no valor mínimo de cem mil reais, devendo este valor ser atualizado a cada período de doze meses contados da publicação desta Lei, com base na Taxa Referencial de Juros – TR.

§ 3º A apólice de seguro à qual se refere o § 1º deverá, também, compreen-der o ressarcimento de todas as despesas médicas e hospitalares decorrentes de eventuais acidentes que o peão vier a sofrer no interstício de sua jornada normal de trabalho, independentemente da duração da eventual internação, dos medicamentos e das terapias que assim se fizerem necessários.

Lei nº 10.591/2002

Art. 6º Os organizadores do rodeio ficam obrigados a contratar seguro pesso-al de vida e invalidez permanente ou temporária, em favor dos profissionais do rodeio, que incluem os peões de boiadeiro, os “madrinheiros”, os “salva--vidas”, os domadores, os porteiros, os juízes e os locutores.

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De igual modo, ante a existência de expressa previsão legal, a au-sência de contratação do seguro não tem o condão de afastar a relação de trabalho, mas, antes, de imputar ao promotor do evento as penalidades cabíveis ao inadimplemento da obrigação legal.

Nessa linha de intelecção, tendo em vista que o art. 114 da Carta da República preconiza a competência material da Justiça do Trabalho para o processamento e julgamento das ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho, a meu juízo, é estreme de dúvida a competência do Juízo suscitante no presente feito.

4. Impende registrar, ainda, que, consoante se extrai da petição ini-cial, o falecido era peão de rodeio profissional (fl. 7). Mas, ainda que sua participação fosse eventual, o art. 2º, II, da Lei nº 10.2290/2001 estabelece o prazo mínimo de 4 dias para vigência do contrato, sendo certo que, no caso concreto, conforme se extrai da contestação, o falecido foi contratado para participar da Expô Lagoa Santa 2010, no período de 1 a 4 de julho de 2010 (fl.46), atendendo, assim, as normas de regência.

Nesse sentido, o parecer do Ministério Público (fl. 343):

De outro lado, a exiguidade da duração do contrato também não pode servir de fundamento para o afastamento da relação laboral, visto que, nos termos do art. 2º, inciso II, da Lei nº 10.220/2001, o prazo de vigência do contrato celebrado entre a entidade promotora das provas de rodeios e o peão é de, no mínimo, quatro dias e, no máximo, dois anos. No presente caso, a contra-tação se deu para a participação no evento Expô Lagoa Santa 2010, realizado no período de 01 a 04 de julho de 2010, conforme informado pela própria contratante (fl. 46). Logo, a contratação prevê o prazo mínimo de vigência instituído pela norma regulamentadora da atividade.

5. Outrossim, a título de reforço, extrai-se excerto do voto condu-tor de acórdão proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho, por ocasião do julgamento do agravo de instrumento no recurso de revista nº 403-72.2012.5.18.0211, publicado no DEJT de 19.09.2014, em que é confir-mada a competência dessa Justiça especializada para julgar ação de inde-nização proposta pelos sucessores de peão de rodeio vítima de acidente de trabalho, tendo sido afastada a competência trabalhista tão somente em relação ao pleito de responsabilização do Município pela falta de fisca-lização e pela não prestação de atendimento de urgência ao trabalhador acidentado:

[...] registro tratar-se o presente feito de ação de indenização por da-nos morais, materiais e substitutiva ao seguro obrigatório previsto na Lei nº 10.220/2001, que regulamenta a atividade de peão de rodeio, cumulada

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com cobrança de salários e de INSS, direitos vindicados pela mãe do traba-lhador autônomo (peão de rodeio, equiparado ao atleta profissional por força da referida Lei nº 10.220/2001), vítima fatal do acidente noticiado nos autos, havido durante a participação em evento organizado pelo segundo requeri-do, João Regis Nunes Saltão, com o apoio do primeiro, Município de Santa Vitória (inicial – fls. 03/05).

No caso, reconhecida tanto a responsabilidade objetiva direta das partes rés, quanto a culpa de cada qual no evento de que foi vítima o filho da reque-rente, o juízo de origem condenou o Município de Santa Vitoria, primeiro reclamado, ora recorrente, bem assim o Sr. João Regis Nunes Saltão, segundo reclamado, ao pagamento de indenização, por danos morais decorrentes da morte do trabalhador, arbitrada em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil re-ais), fixando o importe de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais) para cada um dos réus, bem assim ao pagamento de custas e honorários advocatícios. O segundo reclamado, João Regis Nunes, foi condenado, ainda, ao paga-mento de indenizações por danos materiais, na forma de pensionamento mensal, e substitutiva ao seguro obrigatório previsto para a profissão exercida pelo de cujus, além do saldo de salário referente a 03 dias de trabalho, no valor de R$ 750,00 (fundamentos de fls. 222v/225v e dispositivo de fl. 226 – anverso e verso).

Consoante se pode inferir da sentença proferida, a responsabilidade do Mu-nicípio de Santa Vitória foi reconhecida de forma direta, e não solidaria ou subsidiária, a despeito das alegações dos recorrentes, tendo ainda se restrin-gido aos danos morais. Isso porque o magistrado a quo entendeu que o muni-cípio requerido foi omisso tanto no que se refere ao seu papel fiscalizatório, uma vez que não exigiu o cumprimento dos requisitos necessários para a rea-lização do 2º Rodeio da Padroeira de Chaveslândia, evento em que vitimado o filho da autora, quanto em relação ao seu dever de prestar atendimento médico emergencial à vítima, vez que comprovado nos autos não haver no dia do acidente médico plantonista no Posto de Saúde do distrito em que se passou o episódio fatídico (fls. 223v/224).

Ocorre, com a devida vênia, que não se pode perder de visa que, no caso, sequer foi suscitada eventual prestação de serviços do de cujus ao município reclamado. A responsabilização, em verdade, cingiu-se ao fato de o Muni-cípio de Santa Vitória, réu em questão, ter apoiado o rodeio realizado pelo segundo reclamado, João Regis Nunes Saltão, do qual participou o de cujus, contratado pelo referido senhor. A falta de fiscalização por parte do municí-pio das condições em que realizado o rodeio – evento de que participou o filho da autora, tendo sido pisoteado por um touro – organizado pelo segun-do reclamado, João Regis Nunes Saltão, com o apoio/patrocínio da prefeitura e da câmara municipal, bem assim a sua omissão quanto ao dever de prestar atendimento médico de urgência ao acidentado naquela oportunidade, fun-damentos para a responsabilização direta do Município de Santa Vitória, são

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matérias estranhas à competência desta Especializada, consoante se infere do art. 114 da CF/1988.

Veja-se que, a teor do referido dispositivo constitucional, “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; [...] VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; [...] IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei” (art. 114 da CF/1988, redação dada pela EC 45 – grifos acrescidos).

No caso vertente, em momento algum foi ventilada a prestação de serviços por parte do de cujus, filho da autora, ao Município de Santa Vitória, não havendo nos autos sequer indício de qualquer relação de trabalho entre o falecido e a municipalidade, sendo ainda certo, vale reiterar, que a discussão acerca do dever da Administração Pública de fiscalizar eventos realizados por particulares para comemoração de festividades e de prestar serviços de urgência na área da saúde extrapola os limites da relação de trabalho/empre-go, e, portanto, a seara trabalhista, não sendo competência desta Especiali-zada apreciar as supostas omissões.

À vista do expendido, considerando que as indenizações vindicadas em de-corrência da falta de fiscalização e de prestação de atendimento de urgência por parte da municipalidade são questões a serem resolvidas pela Justiça Estadual, não cabendo a esta Especializada processar e julgar o feito quanto aos particulares aspectos, por incompetência material absoluta, mas, tendo em conta, lado outro, que é incontroversa a contratação do de cujus pelo segundo reclamado, João Regis Nunes Saltão, fato de que exsurge clara a competência da Justiça do Trabalho em relação às pretensões lançadas em face deste último, deixo de remeter os autos à Justiça Comum e julgo extinto o processo, sem resolução de mérito, relativamente ao Município de Santa Vitória (art. 267, IV do CPC), restando prejudicadas as demais matérias trata-das em seu recurso, bem assim as razões do recurso da requerente relativas à responsabilidade do Município. (fls. 446/449)

6. Ante o exposto, conheço do conflito para declarar a competência do Juízo da Vara do Trabalho de Araxá/MG.

É o voto.

certidão de julgamento segunda seção

Número Registro: 2016/0006699-4 Processo Eletrônico CC 144.989/MG

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Números Origem: 00017783220125030048 00198554920158130115 01778201204803001 1778201204803001 17783220125030048 198554920158130115

Pauta: 09.11.2016 Julgado: 09.11.2016

Relator: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Sady D‘Assumpção Torres Filho

Secretária: Belª Ana Elisa de Almeida Kirjner

autuação

Suscitante: Juízo Trabalho Vara do Trabalho Araxá/MG

Suscitado: Juízo de Direito de Campos Altos/MG

Interes.: Camila Taynara Helrigel Vieira e outros

Advogado: Ruy Vicente de Paulo e outro(s) – MG090894

Interes.: VEC Produções e Eventos Eireli – EPP

Advogado: Alessandra do Carmo de Paiva – MG101622

Assunto: Direito civil – Responsabilidade civil – Indenização por dano moral

certidão

Certifico que a egrégia Segunda Seção, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Segunda Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e declarou com-petente o Juízo da Vara do Trabalho de Araxá/MG, o suscitante, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Raul Araújo.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

2071

Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Agravo em Recurso Especial nº 615.950 – SP

(2014/0304966‑5)

Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca

Agravante: Carlos Coércio

Advogado: Estevan Luís Bertacini Marino

Advogada: Julia de Almeida Machado Nicolau Mussi e outro(s)

Agravado: Ministério Público do Estado de São Paulo

ementa

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – PENAL – CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – PROGRAMA MUNICIPAL DE AUXÍLIO AO ATLETA AMADOR – DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS EM BENEFÍCIO DE TERCEIROS NÃO ABRANGIDOS PELA LEI – PECULATO – DESCLASSIFICAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO – VEDAÇÃO – SÚMULA Nº 7/STJ

1. O recorrente foi condenado, nesta ação penal, como incurso nas pe-nas do art. 312 do CP, pois, enquanto Secretário de Esporte e Lazer do Município de Marília/SP, autorizou o pagamento de “auxílio-atleta”, ins-tituído pela Lei Municipal nº 5.192/2002, a pessoas que não atendiam às condições legais para obtenção do benefício.

2. A pretensão do recorrente, voltada à desclassificação de sua condu-ta para a figura típica do art. 315 do CP, esbarra no óbice da Súmula nº 7/STJ, que veda o reexame aprofundado de aspectos fático-probatórios em sede de recurso especial.

3. O mesmo enunciado sumular obstrui a análise do alegado dissídio jurisprudencial. O acórdão paradigma, além de referir-se a situação de fundo distinta do caso concreto – pagamento irregular de diárias a pes-soas contratadas pela Administração sem concurso público –, apoia-se principalmente na ausência do elemento subjetivo do tipo, ou melhor, do ânimo de apropriação, desvio ou subtração de recursos públicos em proveito próprio ou alheio.

4. A aferição da similitude fática entre os julgados – ausência de dolo – exigiria o reexame das provas disponíveis, providência incompatível com a via recursal eleita.

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5. O agravante não trouxe elementos suficientes para infirmar a decisão agravada, que, de fato, apresentou a solução que melhor espelha a orien-tação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.

6. Agravo regimental improvido.

acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 02 de agosto de 2016 (data do Julgamento).

Ministro Reynaldo Soares da Fonseca Relator

relatório

O Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator):

Trata-se de agravo regimental interposto por Carlos Coércio contra decisão monocrática de e-STJ fls. 2.250/2.255, que conheceu do agravo para não conhecer do recurso especial intentado com fundamento nas alí-neas a e c do inc. III do art. 105 da CF.

Carlos Coércio foi condenado nesta ação penal pela prática do crime previsto no art. 312, c/c o art. 71, ambos do CP, tendo-lhe sido aplicada pena privativa de liberdade de 3 (três) anos de reclusão, substituída por duas restritivas de direitos, e multa de 15 (quinze) dias-multa.

No recurso alega que a análise e julgamento do recurso especial in-terposto nos autos, em especial no que se refere à tese de desclassificação do crime imputado para a forma prevista no art. 315 do CP, prescinde de reexame do conjunto fático-probatório, bastando, tão somente, o exercício de mero juízo de revaloração (e-STJ fls. 2.261/2.272).

É o relatório.

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voto

O Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator):

O agravo regimental não merece acolhida.

Com efeito, dessume-se das razões recursais que o agravante não trouxe elementos suficientes para infirmar a decisão agravada, que, de fato, apresentou a solução que melhor espelha a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.

Portanto, nenhuma censura merece o decisório ora recorrido, que deve ser mantido pelos seus próprios e jurídicos fundamentos, in verbis (e-STJ fls. 2.251/2.255):

O recorrente foi condenado, nesta ação penal, como incurso nas penas do art. 312 do CP, pois, enquanto Secretário de Esporte e Lazer do Município de Marília/SP, autorizou o pagamento de “auxílio-atleta”, instituído pela Lei Municipal nº 5.192/2002, a pessoas que não atendiam às condições legais para obtenção do benefício.

No que se refere à tipificação da conduta delitiva atribuída nestes autos ao recorrente, o Tribunal a quo, por meio do voto condutor do acórdão recorri-do, fez as seguintes ponderações (e-STJ fls. 2.125/2.130):

[...]

Demonstra o acurado exame dos autos que a pretensão do recorrente não pode ser acolhida, e isto porque Carlos, de modo consciente, desviou dinhei-ro público em benefício de terceira pessoa, atentando contra o erário.

Observa-se, como oportunamente salientou o Dr. Promotor de Justiça, nas suas bem lançadas contrarrazões, que “a prova confirmou que o apelante concedia e pagava benefício da ajuda atleta sem respeitar o requisito primor-dial, que era a da condição de atleta amador.

Assim, qualquer concessão e pagamento a pessoa sem esse requisito primor-dial, constitui desvio de dinheiro público, sabido que muitos dos beneficiá-rios eram pessoas alheias à atividade esportiva, que não praticavam qualquer esporte.

E a responsabilidade por essas ações ilícitas era, sem dúvida alguma, do ora apelante, na condição de Secretário Municipal de Esportes e Lazer, por força da Lei Municipal nº 5.192/2002, de 9 de maio de 2002 (fls. 15/16).

Tanto assim que era dever do Secretário Municipal, por força de lei, efetuar o pagamento mediante ‘Termo de Recebimento e Compromisso’, firmado pelo atleta e pelo próprio Secretário, de modo que a lei impõe contato direto e obrigatório entre o Secretário e o beneficiário, advindo, daí, a certeza de que

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houve dolo, ao entregar o dinheiro, mês a mês, às pessoas que não atendiam ao requisito primordial, justamente a condição de atleta amador.

[...]

Conforme ficou apurado no curso da instrução, estranhos que nada tinham a ver com os esportes, tais como, cozinheira, técnicos, além de um prestador de serviço a cargo de Coércio, usufruíam, mês a mês, o referido auxílio, que era dinheiro público e foi desviado de modo evidente.

A prova testemunhal é toda nesse sentido. Configuram-se os testemunhos colhidos às fls. 1488, fls. 1604/1608, fls. 1515/1516.

A cozinheira Mara de Oliveira afirmou que nunca foi atleta, negou ter recebi-do o auxílio atleta amador. Afirmou que em sua carteira de trabalho constava como empregadora a Associação de Basquetebol de Marília, isso no período de 01.12.2006 até 14.06.2007, constando o valor de R$ 350,00 a título de salário. Ainda explicou, todavia, que, na verdade, recebia na própria tesou-raria da prefeitura o valor de R$ 500,00 mensais, em folhas de cheques no-minais, quando assinava uma lista com seu nome, informando o número do RG, seguindo o mesmo procedimento adotado para os atletas beneficiados com o auxílio (fls. 1484/1485).

O abocanhamento de dinheiro público foi tão evidente, às claras, crendo os réus na impunidade, ao ponto de a testemunha Leonildo Lino Costa, que tra-balhou na Secretaria de Esportes com o apelante Carlos Coércio, exercendo cargo de confiança à época dos fatos, ter dito que nunca praticou esportes em sua vida (fl. 1486). Veja-se que esse depoimento é mais um a evidenciar o forte desvio de numerário, especialmente diante da prova documental es-tampada às fls. 513 vº, 521vº.

Outra tática usada pelo apelante foi a de lançar na contabilidade dados fic-tícios sobre a qualificação de muitos dos beneficiários, o que dificultou e até impediu a apuração do total desviado. Assim, eles agiram para desviar dinheiro público em proveito próprio, legendo nomes e números de cédu-la de identidade fictícios, com o que lograram dar aparência de legalidade aos desvios de dinheiro que efetuaram em proveito próprio. A testemunha Fernando Arantes do Amaral, atleta, negou ter recebido qualquer quantia em dinheiro da cidade de Marília, nem sequer tendo jogado por esta cidade (fls. 1.558/1.590). Os documentos usados pelos réus e apresentados às fls. 430, 434 e 437, simularam pagamentos à testemunha.

Ciro Antônio Bochi Galetti, que atuou como técnico de futebol (cf. depoi-mento na polícia à fl. 922), apesar de ter seu nome na relação de beneficia-dos, negou qualquer relação com os fatos, bem como negou conhecer os réus (fl. 1561).

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A testemunha Reginaldo Recofka Silva, que requereu a investigação no âm-bito cível (fl. 14), afirmou que chegou a receber o auxílio-atleta, que foi suspenso em razão a um acidente que o deixou impossibilitado de praticar esportes. Entrementes, afirmou que outras pessoas que não eram atletas con-tinuaram recebendo o auxílio, inclusive filhos de políticos, que não treina-vam, apenas compareciam em datas de jogos para justificar o recebimento do auxílio, informações que recebia do próprio técnico do atletismo à época (fls. 1.517/1.519).

E a testemunha Rosa Cristina de Souza informou que trabalhou durante o inquérito policial entregando as intimações apurando informações. Contou que, em conversa com uma das pessoas intimadas, um atleta, este indicou na lista de beneficiados pelo auxílio, várias pessoas que trabalhavam em outros ramos que não o esportivo (fl. 1490).

Como se vê, foi grande o desfalque provocado ao Erário Municipal.

Soa evidente a responsabilidade dos réus, tal como já reconhecido na esfe-ra cível; [...] Apelação Cível nº 994.09.251004-2 (9800.037-5/4), TJSP, 13ª CDPúbl., Rel. Ivan Sartori, J. 28.04.2010 – fls. 1356/1369).

Finalmente, a alusão feita pela Defesa, sobre a caracterização do crime pre-visto no art. 315, do Código Penal, não passa de subterfúgio. Como muito bem sabe a defesa, e finge desconhecer, houve, no caso dos autos, desvio em benefício de outras pessoas, alguns que exerciam cargos de confiança, de modo que o crime é mesmo o de peculato.

O crime de emprego irregular de verbas ou rendas públicas só se aperfeiçoa se ‘[...] o funcionário não se apropria ou subtrai verbas em proveito dele ou de terceiro’ (p. 731 da obra Direito Penal Esquematizado, Parte Especial, Ed. Saraiva, 2012, de Victor Eduardo Rios Gonçalves).”

Diante disto, o que se percebe é que a prova coligida é harmônica e leva ao reconhecimento inescusável da autoria delitiva. As condenações do réu, como já referido, são medidas de rigor, sendo impossíveis suas absolvições ou a pretendida desclassificação.

Observa-se que o réu, no período compreendido entre novembro e dezem-bro de 2006, bem como no ano de 2007, nos meses de janeiro, fevereiro, abril e maio, enquanto ocupava o cargo de Secretário Municipal de Esportes e Lazer de Marília, no exercício de sua função, desviava em proveito próprio e também alheio, dinheiro público de que tinha posse.

Note-se que a Lei Municipal nº 5.192/2002 criou o auxílio para o Atleta Amador destinado a dar um respaldo financeiro àqueles que praticavam es-portes, exigindo, quando do pagamento do referido auxílio, que fosse assina-da uma lista constando a identificação nominal do atleta e seu RG.

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Ressalta-se, ainda, que a própria norma municipal, em seu art. 5º, deixava claro que “a concessão do ‘Auxílio Atleta Amador’ será formalizado em Ter-mo de Recebimento e Compromisso, elaborado pela Secretaria Municipal de Esportes e Lazer, que será assinado pelo beneficiário e pelo Secretário Muni-cipal”, daí porque, ser impossível acolher a tese defensiva de que a conduta de Carlos teria ocorrido com ausência de dolo, eis que tinha obrigação legal, ao efetivar o pagamento dos auxílios de ter contato pessoal com o pretenso atleta, por certo, para se certificar de que eventuais incautos não se aprovei-tassem do benefício de forma indevida.

É de valia lembrar, que a prova é cristalina no sentido de que a cozinheira Mara de Oliveira recebeu, indevidamente, da verba instituída para o auxílio atleta, em novembro de 2006 a quantia de R$ 250,00, em dezembro de 2006 mais R$ 250,00, em janeiro de 2007 outros R$ 250,00, em fevereiro de 2007 novamente R$250,00, em abril de 2007 recebeu R$ 300,00 e, por fim, em maio de 2007 embolsou a quantia de R$ 350,00.

A própria testemunha esclareceu que era cozinheira da municipalidade e que na sua carteira de trabalho recebia, oficialmente, cerca de R$ 300,00, porém seu salário era complementado com os valores já mencionados, mês a mês, quando assinava a lista de beneficiários do auxílio atleta amador.

Diante de toda a prova já retratada, impossível o acolhimento dos pleitos defensivos (absolutório e desclassificatório) como já referido.

[...]

Como visto, os fundamentos do acórdão recorrido demonstram resultado de exame aprofundado das provas constantes dos autos. A partir de amplo exer-cício cognitivo, o Tribunal a quo firmou entendimento pela prática do crime de peculato, na forma prevista pelo art. 312 do CP, indicando, inclusive, todos os elementos constitutivos do tipo penal.

Rever a conclusão formada pela instância ordinária, para, de modo diverso, promover a desclassificação pretendida pelo recorrente, demandaria neces-sariamente o revolvimento do contexto fático-probatório, o que, em sede de recurso especial, constitui medida vedada pelo óbice da Súmula nº 7/STJ.

Ressalte-se, por fim, que o mesmo enunciado sumular obstrui a análise do alegado dissídio jurisprudencial. Isso porque o acórdão paradigma, além de referir-se a pagamento irregular de diárias – a pessoas contratadas pela Ad-ministração sem concurso público –, funda-se principalmente na ausência do elemento subjetivo do tipo, ou seja, do ânimo de apropriação, desvio ou subtração de recursos públicos em proveito próprio ou alheio. Assim, a aferição da similitude fática entre as hipóteses concretas dos julgados exigiria o reexame das provas disponíveis, providência que, como já dito, é incom-patível com a via recursal eleita.

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Ante o exposto, com fundamento no art. 932, III, do CPC, c/c o art. 253, parágrafo único, II, a, do RISTJ, conheço do agravo para não conhecer do recurso especial.

Com essas considerações, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

Ministro Reynaldo Soares da Fonseca Relator

certidão de julgamento Quinta turma

Número Registro: 2014/0304966-5 AgRg-AREsp 615.950/SP

Matéria criminal

Números Origem: 00099786120088260344 3440120080099784 5632008 99786120088260344

Em Mesa Julgado: 02.08.2016

Relator: Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho

Secretário: Me. Marcelo Pereira Cruvinel

autuação

Agravante: Carlos Coércio

Advogados: Julia de Almeida Machado Nicolau Mussi e outro(s) Matheus da Silva Druzian

Agravado: Ministério Público do Estado de São Paulo

Corréu: Paulo Roberto Ramiro

Assunto: Direito Penal – Crimes praticados por funcionários públicos contra a administração em geral – Peculato

agravo regimental

Agravante: Carlos Coércio

Advogado: Estevan Luís Bertacini Marino

Advogada: Julia de Almeida Machado Nicolau Mussi e outro(s)

Agravado: Ministério Público do Estado de São Paulo

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certidão

Certifico que a egrégia Quinta Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental.”

Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

2072

Tribunal Superior do TrabalhoProcesso nº TST‑RR‑10679‑69.2013.5.12.0026

Acórdão

(1ª Turma)

GMWOC/dbs

RECURSO DE REVISTA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – CLUBE DE FUTEBOL – CONTRATO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE ATLETAS ADOLESCENTES – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 4º DO ART. 29 DA LEI Nº 9.615/1998 (LEI PELÉ) POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO – ERRO DE PROCEDIMENTO – CLÁUSULA DA RESERVA DE PLENÁRIO – ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – SÚMULA VINCULANTE Nº 10

I – Na espécie, a 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região reputou correta a sentença no ponto em que foi declarada a in-constitucionalidade incidental do § 4º do art. 29 da Lei nº 9.615/1998, por violar o disposto nos arts. 7º, XXXIII, e 227, da CRFB/1988.

II – Não se trata, portanto, de hipótese na qual o órgão fracionário do Tribunal se limita a interpretar e aplicar a legislação infraconstitucional ao caso concreto, mas, sim, a confirmação da sentença que declarou a inconstitucionalidade do preceito em tela.

III – No entanto, a jurisprudência do STF é firme no sentido de que “O afastamento, pelos órgãos judiciários a quo, de lei ou ato normativo do Poder Público sem expressa declaração de inconstitucionalidade cons-titui ofensa à cláusula de reserva de plenário, consistindo em error in procedendo no âmbito do acórdão recorrido, tal como previsto no art. 97 da Constituição Federal e na Súmula Vinculante nº 10 desta Su-prema Corte. Precedente: RE-QO-RG 580.108, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, DJe 19.12.2008” (ARE 907065-AgR, Relator(a): Min. Edson Fachin, 1ª T., DJe-25.11.2015).

IV – Violação, que se reconhece, do disposto no art. 97 da Constituição da República e da Súmula Vinculante nº 10, cassando o acórdão do ór-gão fracionário e determinando que a questão seja submetida ao plenário do TRT da 12ª Região.

Recurso de revista parcialmente conhecido e provido.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-10679-69.2013.5.12.0026, em que é Recorrente Figueirense Fu-tebol Clube e Recorrido Ministério Público do Trabalho.

O TRT da 12ª Região negou provimento ao recurso ordinário inter-posto pelo Clube réu, confirmando a sentença que declarou a inconstitu-cionalidade do disposto no § 4º do art. 29 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) e acolheu integralmente os pedidos formulados na ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (1. Abster-se de manter em suas cate-gorias de base, crianças ou adolescentes com idade inferior a 14 (catorze) anos; 2. Celebrar contrato formal de formação desportiva – aprendizagem – com todos os adolescentes maiores de 14 (quatorze) anos de idade se-lecionados para ingresso nas suas categorias de base, observado ainda o seguinte: 2.1 Anotar o contrato de aprendizagem – formação desportiva – na Carteira de Trabalho e Previdência Social; 2.2 Pagar ao atleta adolescente em formação, o salário-mínimo hora; 2.3 Limitar o prazo de duração do contrato, que não poderá ser superior a dois anos; 2.4 Conceder aos atletas em formação os demais direitos trabalhistas decorrentes da aprendizagem regulada pela CLT, tais como férias, 13º salário, FGTS, RSR e recolhimentos previdenciários; 2.5 Limitar o tempo destinado à efetiva atividade de forma-ção do atleta, não superior a 4 (quatro) horas por dia, respeitados ainda os horários de frequência escolar; 2.6 Abster-se de utilizar atletas em formação em sua equipe profissional; 2.7 Contratar seguro de vida e de acidentes pes-soais como parte do contrato de formação desportiva; 2.8 Exigir que todos os atletas adolescentes em formação tenham matrícula na escola, e garantir as condições para a sua frequência e o seu satisfatório aproveitamento es-colar, até a conclusão do ensino médio; 2.9 Acompanhar de maneira conti-nuada, e adotar as providências necessárias em caso de rendimento insatis-fatório, prestando efetiva assistência educacional; 2.10 Fornecer o meio de transporte, se necessário, para a frequência à escola, dos adolescentes em formação desportiva; 2.11 Registrar o contrato de formação desportiva do atleta em formação na entidade de administração da respectiva modalidade; 3. Aditar os contratos de formação já celebrados, adequando-os aos termos do pedido 2, supra; 4. Abster-se de realizar testes ou seleções com adoles-centes, salvo se atendidas todas as exigências a seguir: 4.1 O candidato não poderá ter idade inferior a 14 (quatorze) anos; 4.2 O período de teste não poderá ser superior a uma semana; 4.3 Prévia comprovação documental de matrícula e frequência escolar do candidato; 4.4 Submeter o atleta a exame médico prévio e específico, a fim de atestar-se a condição necessária à realização da atividade física decorrente da avaliação; 4.5 O período de seleção não poderá coincidir com os horários escolares; 4.6 Autorização

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prévia, datada, firmada por pelo menos um dos pais ou responsável legal para realização do teste no Clube, acompanhada de cópia de documento de identidade do subscritor da autorização, com especificação do período de realização do teste; 4.7 No caso do réu fornecer hospedagem para o teste, deverá exigir prévia autorização, por escrito, dos pais ou responsável legal ou da autoridade judiciária competente; 4.8 Registrar todos os testes realizados, mantendo em seu poder os seguintes documentos: ficha de iden-tificação do adolescente onde conste o seu nome completo, número do do-cumento de identificação, endereço, filiação, idade, escolaridade, nome e endereço da escola por ele frequentada e a data de início e término do teste; autorização para a realização do teste e documento de identidade do subs-critor da autorização (item 4.6); comprovação da matrícula e frequência escolar (item 4.3); atestado médico (item 4.4); autorização de hospedagem, se for o caso (item 4.7). 5. Manter equipe de profissionais especializados em formação técnico desportiva, incluindo os profissionais com formação na área médica e fisioterapêutica; 6. Realizar exames clínicos e complementa-res, com periodicidade não superior a um ano, necessários à avaliação da saúde dos atletas adolescentes, considerando a sua condição de pessoas em desenvolvimento e as exigências típicas da atividade desportiva de rendi-mento; 7. Manter prontuário clínico individual, para todos os atletas adoles-centes, onde deverão ser registrados os dados obtidos nos exames médicos, incluindo avaliação clínica e exames complementares, conclusões e medi-das aplicadas; 8. Prestar assistência médica, odontológica, psicológica e nu-tricional a todos os atletas adolescentes em formação ou profissionalizados; 9. Abster-se de manter residindo ou em regime de alojamento/internação em suas dependências, ou em outros locais como repúblicas, hotéis, pen-sões ou similares, atletas menores de 18 anos cujas famílias não residam em localidade que não permita o deslocamento diário do adolescente da resi-dência de sua família ao(s) centro(s) de treinamento do clube; 10. Abster-se de realizar contratos de parceria ou congêneres, com outras pessoas físicas ou jurídicas (escolinhas de futebol, clubes conveniados, etc.), para a forma-ção profissional de atletas de futebol em regime de internação/alojamento. Em caso de descumprimento, cominou multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), até o limite de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), por cada criança ou adolescente em relação ao qual for constatado o descumpri-mento de qualquer uma das obrigações determinadas (item ou subitem), sendo que o valor da multa deverá ser revertido ao Fundo Estadual para a Infância e Adolescência – FIA (Lei nº 8.069/1990, art. 88, inciso IV c/c com a Lei Estadual nº 12.536/2002, art. 11) ou outro fundo a ser indicado pelo Ministério Público do Trabalho.

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Foi mantida a sentença que aplicou multa pela interposição de em-bargos de declaração manifestamente protelatórios.

Os embargos de declaração interpostos pelo reclamado ao acórdão regional foram rejeitados.

Dessa decisão o reclamado interpõe recurso de revista, na forma do art. 896 da CLT.

Admitido o recurso de revista, foram apresentadas contrarrazões.

Autos não remetidos ao Ministério Público do Trabalho, por ser parte no processo.

É o relatório.

voto

1 CONHECIMENTO

Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, analiso os específicos de cabimento do recurso de revista.

1.1 preliminar de incompetência aBsoluta da justiça do traBalho

O Clube réu na ACP, ora recorrente, argui a preliminar de incompe-tência absoluta da Justiça do Trabalho para a análise de Contratos de For-mação estabelecidos na Lei Pelé, diante da inexistência de vínculo empre-gatício ou de trabalho. Afirma tratar-se de matéria de ordem pública. Aponta como violado o art. 114, I e IX, da Constituição da República.

Razão não lhe assiste.

A Corte Regional não se manifestou acerca da arguição de incompe-tência absoluta da Justiça do Trabalho para julgar a causa, o que inviabiliza o exame do tema.

Com efeito, é pacífico o entendimento deste Tribunal Superior no sentido de que a incompetência da Justiça do Trabalho, ainda que absoluta, é matéria que carece de prequestionamento.

A questão encontra-se sedimentada na Orientação Jurisprudencial nº 62 da SbDI-1 do TST, dispondo, verbis:

PREQUESTIONAMENTO. PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE EM APE-LO DE NATUREZA EXTRAORDINÁRIA. NECESSIDADE, AINDA QUE SE

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TRATE DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA (republicada em decorrência de erro material) – DEJT divulgado em 23, 24 e 25.11.2010

É necessário o prequestionamento como pressuposto de admissibilidade em recurso de natureza extraordinária, ainda que se trate de incompetência ab-soluta.

Dessarte, à míngua de debate e decisão prévios acerca da questão federal suscitada, não há falar em matéria de ordem pública cognoscível na via recursal de natureza extraordinária, tampouco em violação de disposi-tivo constitucional.

Não conheço do recurso de revista, nesse capítulo.

1.2 revelia. efeitos

O recorrente sustenta que, versando os autos sobre direitos à prote-ção da criança e adolescentes, considerados direitos indisponíveis, são ina-plicáveis os efeitos da revelia, nem induz confissão. Nesse sentido, indica como violados os arts. 5º, LV, da CF, 319, 320, 321 e 322, do CPC/1973 e arts. 769 e 844, da CLT e cita a Súmula nº 231 do STF.

Razão não lhe assiste.

O TRT da 12ª Região manteve a sentença quanto aos efeitos da reve-lia e da confissão ficta, nos seguintes termos:

[...] O réu não compareceu à audiência previamente designada, nem seu procurador e tampouco apresentou defesa naquela oportunidade, tendo pos-teriormente a apresentado de modo intempestivo, porquanto fê-lo somente após quase um mês da data do referido ato.

Não há falar em indisponibilidade dos direitos previstos na Lei nº 9.615/1998, mas sim, em contrapartida, daqueles dos quais são titulares os atletas ado-lescentes em formação e que estão assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como na Constituição da República de 1988, conforme re-conhecido na sentença e que estão sendo defendidos pelo Ministério Público do Trabalho em razão de suas finalidades institucionais e constitucionais.

A matéria albergada pela Lei nº 9.615/1998 e ora invocada pelo réu é de direito e, desta forma, foi apreciada na sentença e também será igualmente abordada na presente decisão, motivo pelo qual não há falar em ausência de interesse de agir do autor da presente ação civil pública.

Infere-se, daí, que o Tribunal Regional reconheceu que a matéria ob-jeto de debate nos autos é de direito, e, portanto, não sofre os efeitos pro-cessuais próprios da revelia e da confissão ficta.

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Em tal contexto, não se reconhece inequívoca violação dos dispositi-vos indicados no recurso de revista, na forma do que previsto na alínea c do art. 896 da CLT, tampouco é cabível a indicação de súmula do STF na via do recurso de revista.

Não conheço.

1.3. ação civil púBlica. ministério púBlico do traBalho. cluBe de futeBol. contrato de formação profissional de atletas adolescentes. declaração de inconstitucionalidade do 4º do art. 29 da lei nº 9.615/1998 (lei pelé) por órgão fracionário do triBunal regional do traBalho. erro de procedimento. cláusula da reserva de plenário. art. 97 da constituição federal. súmula vinculante nº 10

A 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, na fração de interesse, negou provimento ao recurso ordinário, mediante os seguintes fundamentos:

1 CONSTITUCIONALIDADE DO § 4º DO ART. 29 DA LEI Nº 9.615/1998 (LEI PELÉ)

[...] Objetiva o réu afastar a inconstitucionalidade reconhecida na sentença do § 4º do art. 29 da Lei nº 9.615/1998, cujas normas devem prevalecer em detrimento das regras gerais da CLT acerca dos contratos de aprendizagem quanto aos atletas em formação (a partir de 14 anos de idade) no que tange à anotação da CTPS e aplicação dos §§ 1º a 3º do art. 428 da CLT.

[...] Quanto à constitucionalidade do § 4º do art. 29 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), destaque-se para o fato de que a especificidade das atividades por ela regidas (atleta profissional de futebol) não obsta a correta observância por parte dos clubes de futebol dos direitos trabalhistas e previdenciários assegurado a essa categoria de trabalhadores, sobretudo diante da indisponi-bilidade dos direitos trabalhistas e constitucionais da proteção integral, que não confere ao contrato de formação profissional dos atletas adolescentes a possibilidade de lhes assegurar direitos trabalhistas e previdenciários.

Na verdade, a referida lei, ao estabelecer no § 4º do art. 29 que “o atleta não profissional em formação, maior de quatorze e menor de vinte anos de idade, poderá receber auxílio financeiro da entidade de prática desportiva formadora, sob a forma de bolsa de aprendizagem livremente pactuado me-diante contrato formal, sem que seja gerado vínculo empregatício entre as partes” objetivou assegurar o interesse dos clubes de futebol em detrimento dos atletas nessa faixa etária.

[...] Portanto, o referido § 4º do art. 29 da Lei nº 9.615/1998, viola o dis-posto nos arts. 7º, inc. XXXIII, 227 da CRFB/1988, motivo pelo qual reputo

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correta a sentença no ponto em que foi declarada sua inconstitucionalidade. (Destacou-se)

Irresignado, o Clube recorrente argumenta, em síntese, que “o v. acórdão combatido mencionado oriundo da 1ª Câmara do E. Tribunal Re-gional do Trabalho da 12ª Região, que julgou inconstitucional pelo órgão fracionário o § 4º do art. 29 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), contrariou frontalmente o disposto na Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal, ferindo inclusive o disposto no com base no art. 103-A, § 3º, da Constituição Federal, no art. 7º da Lei nº 11.417, de 2006”. Aponta, ainda, como violado o art. 97 da Constituição da República.

Razão assiste ao recorrente.

No caso concreto, resulta inequívoco que a 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região reputou correta a sentença no ponto em que foi declarada a inconstitucionalidade incidental do § 4º do art. 29 da Lei nº 9.615/1998, por violar o disposto nos arts. 7º, XXXIII, e 227, da CRFB/1988.

Não se trata, portanto, de hipótese na qual o órgão fracionário do Tribunal se limita a interpretar e aplicar a legislação infraconstitucional ao caso concreto, mas, sim, a confirmação da sentença que declarou a incons-titucionalidade do preceito em tela.

No entanto, não é cabível o órgão fracionário de tribunal declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do Poder Pública, ainda que em controle difuso, por violar a Cláusula da Reserva de Plenário estabe-lecida no art. 97 da Constituição da República, que dispõe:

SOMENTE PELO VOTO DA MAIORIA ABSOLUTA DE SEUS MEMBROS OU DOS MEMBROS DO RESPECTIVO ÓRGÃO ESPECIAL PODERÃO OS TRI-BUNAIS DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU DE ATO NORMATIVO DO PODER PÚBLICO.

Em seus comentários ao art. 97 da CF/1988, o emérito Constituciona-lista José Afonso da Silva (Comentário Contextual à Constituição, Malheiros, 7. ed., p. 523) pondera que, além do valor da supremacia constitucional, o preceito também prestigia “o valor da estabilidade da ordem jurídica, que requer que a declaração, no caso, tenha o significado de um pronuncia-mento do tribunal na sua expressão maior, que é seu Plenário, não de uma simples fração dele; e que este o faça representativamente, pela maioria absoluta de seus membros”.

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Por força do disposto no art. 103-A da Constituição da República, o Supremo Tribunal Federal aprovou a Súmula Vinculante 10, de teor seguinte:

Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fra-cionário de Tribunal que embora não declare expressamente a inconstitucio-nalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Sinale-se que a Súmula Vinculante do STF, como o próprio nome está a indicar, obriga os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública a adotar seu enunciado, não se tratando de mera súmula persuasiva.

No que diz respeito à necessidade de observância da Cláusula da Reserva de Plenário e do efeito obrigatório da Súmula Vinculante nº 10, a jurisprudência do STF é firme no sentido de que “O afastamento, pelos órgãos judiciários a quo, de lei ou ato normativo do Poder Público sem expressa declaração de inconstitucionalidade constitui ofensa à cláusula de reserva de plenário, consistindo em error in procedendo no âmbito do acór-dão recorrido, tal como previsto no art. 97 da Constituição Federal e na Sú-mula Vinculante 10 desta Suprema Corte. Precedente: RE-QO-RG 580.108, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, DJe 19.12.2008” (ARE 907065-AgR, Relator(a): Min. Edson Fachin, 1ª T., DJe-25.11.2015).

Em tal contexto, forçoso reconhecer que a Corte Regional incorreu em erro de procedimento (error in procedendo), haja vista não ter sido ob-servado o rito estatuído no art. 949, II, do Código de Processo Civil vigente (correspondente ao art. 481, caput, do CPC de 1973), segundo o qual, se acolhida a arguição de inconstitucionalidade, a questão será submetida ao plenário do tribunal ou ao seu órgão especial, onde houver.

Com apoio em tais fundamentos, conheço do recurso de revista por violação do art. 97 da Constituição da República e da Súmula Vinculante nº 10.

1.4 multa pela interposição de emBargos de declaração aplicada na sentença

O Tribunal Regional, na fração de interesse, confirmou a sentença, nos seguintes termos:

[...]

Na realidade, o réu questionou o próprio decisum, não sendo, entretanto, os embargos de declaração instrumento próprio e adequado para veicular esse tipo de pedido.

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Assim sendo, não justificada a oposição dos embargos pelo réu, mantenho a aplicação da multa em comento, uma vez que revelada a intenção de prote-lar o desfecho final do litígio.

Nego provimento.

O recorrente alega que a aplicação da multa sob o argumento de embargos protelatórios, seria o mesmo que tornar letra morta ao disposto no art. 897-A da CLT, diante da completa omissão jurisdicional. Colaciona arestos.

Razão não lhe assiste.

A jurisprudência deste Tribunal Regional, no tocante à multa aplica-da pela interposição de embargos de declaração reputados manifestamente protelatórios na instância ordinária, não tem admitido o recurso de revista calcado em divergência jurisprudencial, dada a ausência de similitude das situações fáticas a confrontar, nos moldes do que prevê a Súmula nº 296, I, do TST, considerada a subjetividade das razões que formaram o conven-cimento judicial em cada caso. E, na espécie, ocorre exatamente isso, isto é, o aresto paradigma se limita a adotar a premissa de que a matéria que comporta aclaramento não viabiliza a aplicação da multa, situação diversa daquela retratada nos autos.

A indicação do art. 897-A da CLT também não impulsiona o recurso, na medida em que o preceito não trata da multa pela interposição de em-bargos protelatórios.

Por fim, constata-se que na introdução das razões recursais a parte in-vocou o art. 538 do CPC/1973, sem, contudo, indicar o respectivo parágrafo único, que é o preceito que preconiza a aplicação da penalidade, atraindo a incidência da Súmula nº 221 do TST como óbice.

Não conheço.

1.5 multa para o caso de descumprimento da sentença

O recurso resulta prejudicado, nesse tema, porque intrinsecamente vinculado ao julgamento da arguição de inconstitucionalidade do § 4º do art. 29 da Lei nº 9.615/1998 (questão prejudicial), podendo a parte interes-sada, se for o caso, apresentar novo recurso.

Declaro prejudicado o exame da matéria.

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2 MÉRITO

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – CLUBE DE FUTEBOL – CONTRATO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE ATLETAS ADOLESCENTES – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO 4º DO ART. 29 DA LEI Nº 9.615/1998 (LEI PELÉ) POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO – ERRO DE PROCEDIMENTO – CLÁUSULA DA RESERVA DE PLENÁRIO – ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – SÚMULA VINCULANTE Nº 10.

No mérito, conhecido o recurso de revista por violação do art. 97 da Constituição da República e da Súmula Vinculante nº 10, seu provimento é medida que se impõe.

Dou provimento ao recurso de revista para cassar o acórdão proferido pela 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, por erro de procedimento, e determinar o retorno dos autos ao órgão fracionário, a fim de submeter a questão da inconstitucionalidade do § 4º do art. 29 da Lei nº 9.615/1998 ao plenário daquele Tribunal, em cumprimento ao disposto no art. 97 da Constituição da República e na Súmula Vinculante nº 10.

ISTO POSTO

Acordam os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso de revista por violação do art. 97 da Constituição da República e da Súmula Vincu-lante 10, e, no mérito, dar-lhe provimento para cassar o acórdão proferido pela 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, por erro de procedimento, e determinar o retorno dos autos ao órgão fracionário, a fim de submeter a questão da inconstitucionalidade do § 4º do art. 29 da Lei nº 9.615/1998 ao plenário daquele Tribunal, em cumprimento à Cláusula da Reserva de Plenário. Prejudicado o exame do tema relativo à multa para o caso de descumprimento da sentença.

Brasília, 18 de outubro de 2017.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001) Walmir Oliveira da Costa Ministro Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

2073

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoApelação Cível nº 0021595‑15.2013.4.03.6100/SP

2013.61.00.021595‑4/SP

Relator: Desembargador Federal Nelton dos Santos

Apelante: Rodrigo Marinho de Oliveira

Advogado: SP324326 Rodrigo Marinho de Oliveira e outro(a)

Apelado(a): União Federal

Advogado: SP000019 Luiz Carlos de Freitas

Apelado(a): FIFA World CUP Brazil Assessoria Ltda.

Advogado: SP139138 Carlos Eduardo da Costa Pires Steiner

Apelado(a): Copa do Mundo FIFA 2014 Comitê Organizador Brasileiro Ltda.

Advogado: SP298655A Mario Felippe de Lemos Gelli

Nº Orig.: 00215951520134036100 1ª Vr. São Paulo/SP

ementa

PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL – UNIÃO E FIFA – VENDA DE INGRESSOS PARA JOGOS DA COPA DO MUNDO FIFA DE 2014 – LEI Nº 12.663/2012 – HIPÓTESES RESTRITAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL – ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO – APELAÇÃO NÃO PROVIDA

1. O autor ingressou em juízo requerendo a responsabilização obje-tiva da União e da FIFA, nos termos da Lei nº 12.663/2012 e da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), por não ter consegui-do obter em tempo hábil os boletos para pagamento de ingressos para assistir a jogo de futebol da Copa do Mundo FIFA de 2014.

2. A Lei nº 12.663/2012 estabelece, em seus arts. 22 e 23, hipótese muito específica de responsabilidade da União, somente para os casos de ação ou omissão de seus agentes em face da FIFA, e relacionados à segurança dos eventos durante a Copa do Mundo FIFA de 2014.

3. A Lei nº 12.663/2012 não abrange, por via de consequência, a alegada responsabilidade pelo inadimplemento nos contratos de compra e venda de ingressos, decorrente de relação de consumo estabelecida entre o au-tor e a FIFA. Precedentes do TRF da 2ª Região.

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4. Não estando a FIFA nem o Comitê Organizador enquadrados em ne-nhuma das hipóteses taxativas do art. 109 da Constituição Federal, não há que se falar em competência da Justiça Federal.

5. Apelação não provida.

acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 18 de outubro de 2017.

Nelton dos Santos Desembargador Federal Relator

relatório

O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator):

Trata-se de apelação em ação de rito ordinário ajuizada por Rodrigo Marinho de Oliveira em face de José Maria Marin, representante da Fédéra-tion Internationale de Football Association (FIFA) e da União, requerendo, em síntese, a emissão de ingressos adquiridos por meio de sorteio para as-sistir a jogos da Copa do Mundo FIFA de 2014, bem como o pagamento de indenização por danos morais.

A Fédération Internationale de Football Association (FIFA) e o Co-mitê Organizador Brasileiro Ltda. – Copa do Mundo FIFA 2014 compare-ceram espontaneamente ao processo, e foram incluídas no polo passivo (fls. 186-187).

A sentença extinguiu o processo sem julgamento de mérito, nos ter-mos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil, em razão da ilegitimidade passiva.

O autor apelou (fls. 189-215), aduzindo, em suma, que:

a) em sorteio realizado no sítio eletrônico da FIFA, o apelante foi contemplado com dois ingressos para assistir a jogo de futebol da Copa do Mundo FIFA de 2014;

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b) ocorre que o apelante somente recebeu o e-mail da FIFA com o boleto para pagamento dos ingressos em 22.11.2011, após a data de vencimento dos boletos (que venciam em 15.11.2011), o que inviabilizou o pagamento e, consequentemente, a obten-ção dos ingressos;

c) de acordo com a Lei nº 12.663/2012 e com a Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), a União e a FIFA têm res-ponsabilidade objetiva em relação à Copa do Mundo FIFA de 2014, inclusive quanto à venda de ingressos;

d) nesse sentido, são responsáveis pela reparação dos danos que causarem ao consumidor devido à prestação de serviço defei- tuoso;

e) a sentença que extinguiu o processo sem julgamento de mérito em razão da ilegitimidade passiva da União deve ser reformada.

Com contrarrazões (fls. 220-233, fls. 234-240 e fls. 242-245), vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

voto

O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator):

A questão trazida aos autos refere-se à possibilidade de o autor ob-ter, junto a José Maria Marin, representante da Fédération Internationale de Football Association (FIFA), e junto à União, a emissão de ingressos adqui-ridos por meio de sorteio para assistir a jogos da Copa do Mundo FIFA de 2014, bem como o pagamento de indenização por danos morais.

A Fédération Internationale de Football Association (FIFA) e o Comitê Organizador Brasileiro Ltda. – Copa do Mundo FIFA 2014 compareceram espontaneamente ao processo, e foram incluídas no polo passivo.

Aduz o autor que em sorteio realizado no sítio eletrônico da FIFA, o apelante foi contemplado com dois ingressos para assistir a jogo de futebol da Copa do Mundo FIFA de 2014 e que, para obtê-los, precisava receber o boleto correspondente e pagá-lo até a data do vencimento.

Não obstante, alega o autor que não conseguiu pagar o respectivo boleto, pois o vencimento ocorreria em 15.11.2011, mas a FIFA somente o encaminhou ao autor em 22.11.2011. Isso acarretou uma enorme frustração

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ao autor, que havia criado expectativa de assistir in loco a um jogo da Copa do Mundo FIFA de 2014.

Sendo assim, ingressou em juízo requerendo a responsabilização ob-jetiva da União e da FIFA.

Afirma que, de acordo com a Lei nº 12.663/2012, a União tem res-ponsabilidade objetiva em relação à Copa do Mundo FIFA de 2014, inclu-sive quanto à venda de ingressos.

Acrescenta que a União e a FIFA são consideradas fornecedoras pela Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) e devem ser respon-sabilizadas pelo fato do serviço, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Ocorre que, conforme bem asseverado na sentença, a União é parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente ação.

De fato, a Lei nº 12.663/2012 estabelece, em seus arts. 22 e 23, as hipóteses de responsabilidade da União durante a Copa do Mundo FIFA de 2014. Por se tratar de uma regra excepcional, deve ser interpretada restriti-vamente. In verbis:

“Art. 22. A União responderá pelos danos que causar, por ação ou omissão, à FIFA, seus representantes legais, empregados ou consultores, na forma do § 6º do art. 37 da Constituição Federal.”

“Art. 23. A União assumirá os efeitos da responsabilidade civil perante a FIFA, seus representantes legais, empregados ou consultores por todo e qual-quer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos Eventos, exceto se e na medida em que a FIFA ou a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.

Parágrafo único. A União ficará sub-rogada em todos os direitos decorrentes dos pagamentos efetuados contra aqueles que, por ato ou omissão, tenham causado os danos ou tenham para eles concorrido, devendo o beneficiário fornecer os meios necessários ao exercício desses direitos.”

Trata-se, na verdade, de hipótese muito específica de responsabilida-de da União, somente para os casos de ação ou omissão de seus agentes em face da FIFA, e relacionados à segurança dos eventos.

Não abrange, por via de consequência, a alegada responsabilidade pelo inadimplemento nos contratos de compra e venda de ingressos, como quer fazer crer o autor.

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Nesses termos, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSUAL CIVIL – CADEIRAS PERPÉ-TUAS NO ESTÁDIO DO MARACANÃ – ACESSO AOS JOGOS DURANTE EVENTOS DA COPA DAS CONFEDERAÇÕES E DA COPA DO MUNDO DA FIFA – LEI Nº 12.663/2012 – RESPONSABILIDADE CIVIL RELACIONADA À SEGURANÇA DOS EVENTOS – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO FEDERAL – RECURSO IMPROVIDO – 1. Trata-se de Agravo de Instrumento a fim de reformar decisão que extinguiu o processo, sem reso-lução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, em relação à União, por entender ser a mesma carecedora de legitimidade passiva ad causam e determinou a remessa dos autos à Justiça Estadual. 2. Da dicção dos arts. 22 e 23 da Lei nº 12.663/2012, tem-se que a legitimidade da União só se justi-fica nas hipóteses de responsabilidade civil causadas pelos agentes públicos relacionados à segurança dos eventos da FIFA, diferentemente da preten-são autoral que objetiva ter acesso ao Estádio Maracanã durante os eventos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo de Futebol, organizados pela FIFA, por ser detentor de dois títulos de cadeira perpétua, não se justi-ficando assim a presença da União no polo passivo. 3. Recurso improvido.” (TRF 2ª R., 201302010094091, 8ª T.Esp., Rel. Des. Fed. Vigdor Teitel, DJe 21.01.2015) (grifei)

“PROCESSO CIVIL – DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR – AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – COPA DO MUNDO DE FU-TEBOL/2014 – LEI Nº 12.663/2012 – LEI GERAL DA COPA – ILEGITIMIDA-DE AD CAUSAM DA UNIÃO FEDERAL – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO – I – Previsão legal – Lei Geral da Copa: arts. 22 e 23 da Lei nº 12.663/2012 – no que se refere aos danos causados por representantes le-gais e empregados da União, bem como quanto à sua responsabilidade civil perante a FIFA, quando resultante de incidente ou acidente de segurança, relacionado aos Eventos. O art. 51, do mesmo dispositivo legal, prevê a inti-mação da União nas ações ajuizadas contra a FIFA e suas subsidiárias, com expressa remissão aos arts. 22 e 23, para que informe se possui interesse de integrar a lide. II – In casu, os arts. 22 e 23 da mencionada norma não englo-bam o objeto desta ação, que trata de situação jurídica diversa, uma vez que o seu tema não resta vinculado a questões de ordem e segurança em estádio. III – Ilegitimidade passiva ad causam da União Federal. IV – Mantida a de-cisão que extinguiu o processo, com fulcro no art. 267, inciso VI, do CPC, com a remessa dos autos para a Justiça Comum do Estado do Rio de Janeiro. V – Agravo Interno conhecido e desprovido.” (TRF 2ª R., 201302010094091, 8ª T.Esp., Rel. Juiz Federal Convocado Marcello Ferreira de Souza Granado, DJe 11.07.2014) (grifei)

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Tem-se, aliás, uma relação de consumo estabelecida entre o autor e a FIFA, regida pelo Regulamento de Venda de Ingressos para o Público em Geral (fls. 158-178). Destarte, a União não pode intervir em tal relação de consumo, sob pena de cercear a liberdade de contratar e a livre iniciativa, princípios próprios da ordem jurídica pátria, expressos na Constituição Fe-deral.

Ademais, não estando a FIFA nem o Comitê Organizador abrangidos em nenhuma das hipóteses taxativas do art. 109 da Constituição Federal, não há que se falar em competência da Justiça Federal.

Assim sendo, a sentença que extinguiu o processo sem julgamento de mérito em razão da ilegitimidade passiva da União e do Comitê Organiza-dor há de ser mantida tal como lançada.

A União e o Comitê Organizador devem ser excluídos do polo passi-vo e os autos, remetidos à Justiça Estadual do Rio de Janeiro, nos termos do item 19.4 do Regulamento de Venda de Ingressos para o Público em Geral (fl. 178 dentre 158-178).

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É o voto.

Nelton dos Santos Desembargador Federal Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

2074

Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região00927‑2003‑081‑03‑40‑3

Agravo de Petição

Agravante(s): Denilson Antonio da Costa

Agravado(s): Altevir Cristiano de Almeida e outros (1) Silvana Faria de Lima Pereira e outros (2) Diva Ribeiro Costa (3) Peter Luiz Duarte (4) União Federal (INSS) (5) Sociedade Esportiva Guaxupé (6)

ementa

AGRAVO DE PETIÇÃO – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – CLUBE DE FUTEBOL – RESPONSABILIDADE DOS DIRIGENTES – POSSIBILIDADE

A legislação especial que institui normas gerais sobre desporto e dá ou-tras providências (art. 27, da Lei nº 9.615/1998), estabelece a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica às entidades de prática desportiva, autorizando a sujeição dos bens particulares de seus dirigentes, ante o inadimplemento da verba trabalhista pela pessoa jurídica.

Vistos etc.

relatório

O MM. Juiz da Vara do Trabalho de Guaxupé, Anselmo Bosco dos Santos, pela v. decisão de fl. 2064, julgou improcedentes o pedido do exequente, postulado à fl. 2062, de redirecionamento da execução em detrimento de todos os membros da Diretoria da Sociedade Esportiva de Guaxupé, relacionados à fl. 2056, com mandado de 05.05.2015 a 05.05.2018.

O exequente interpôs o agravo de petição de fls. 2065/2066, por meio do qual insiste na desconsideração da personalidade jurídica do Clube de Futebol, com consequente responsabilização dos seus dirigentes, diante de sua má administração.

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Contraminuta, fls. 2083/2086, preliminarmente, pelo não conheci-mento do agravo, por ausência de delimitação da matéria e valores impug-nados e, no mérito, pelo desprovimento.

Juízo de admissibilidade recursal positivo, consoante decisão de fl. 2075, tendo sido determinada a remessa dos autos a esta Corte.

Parecer Ministerial às fls. 2089/2089v., pela ausência de interesse pú-blico primário, manifestando pelo prosseguimento do feito.

É o relatório.

voto

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

preliminar de não conhecimento do agravo arguida em contraminuta pelo executado

O executado argui preliminar de não conhecimento do agravo de petição, pela não delimitação de valores, não preenchendo os requisitos do art. 897, § 1º, da CLT.

Sem razão.

O art. 897, § 1º, da CLT, dispõe, in verbis: “O agravo de petição só será recebido quando o agravante delimitar, justificadamente, as matérias e os valores impugnados, permitida a execução imediata da parte remanes-cente até o final, nos próprios autos ou por carta de sentença.”

O dispositivo retro transcrito impõe um requisito intrínseco de admis-sibilidade do agravo de petição, qual seja, a delimitação da matéria e dos valores objeto do recurso.

In casu, todas as matérias tratadas no agravo de petição encontram-se delimitadas, restando preenchido o requisito legal.

Rejeito.

Quanto aos pressupostos objetivos, constato a regularidade da repre-sentação (procuração fl. 2008), a tempestividade da movimentação recursal (decisão publicada em 08.06.2017 e recurso interposto dentro do octídio legal, em 16.06.2016), e a adequação do remédio jurídico ministrado, tudo de acordo com o art. 897, a, da CLT.

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Há sucumbência em relação às matérias devolvidas, atingindo negati-vamente a esfera de interesses da agravante, donde emergem a legitimidade e o interesse recursais, pressupostos subjetivos.

JUÍZO DE MÉRITO

desconsideração da personalidade jurídica

O agravante, em suma, insiste no pleito da desconsideração da per-sonalidade jurídica, com o fim de redirecionar a execução em face dos membros da Diretoria da Sociedade Esportiva de Guaxupé, relacionados às fl. 2056, com mandado de 05.05.2015 a 05.05.2018.

Por oportuno, destaco as razões exaradas nas r. decisão guerreada para indeferir o pleito:

“Vistos etc.

Infere-se do art. 27 da Lei nº 9.615/1998 que os dirigentes de clubes de futebol podem ter seus bens particulares acionados para pagar dívidas da entidade quando aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros, praticarem gestão temerária ou contrária ao estatuto, ou quando configurado abuso da personalidade jurídica, desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Competia ao exequente demonstrar a ocorrência de uma das citadas hipóte-ses, o que não se verificou na espécie. O simples fato de constar como diretor da entidade, sem efetiva comprovação de ilícitos cometidos na gestão, não pode ensejar a responsabilização pessoal, já que a lei exige prova concreta da prática de ato que desvirtue a finalidade da associação.

Não havendo nos autos elementos que permitam a aferição da conduta do-losa ou culposa do administrador na aplicação de bens ou recursos em seu próprio proveito ou de terceiros, incabível a responsabilização solidária/sub-sidiária pelos créditos trabalhistas devidos neste feito, razão pela qual indefi-ro a pretensão do exequente, fl. 2062/2063.” (fl. 2064)

Com efeito, a Lei nº 9.615/1998, que institui normas gerais sobre des-porto e dá outras providências, estabelece a aplicação do instituto da des-consideração da personalidade jurídica às entidades de prática desportiva. Vejamos:

“Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os

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bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros. (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)”. Origi-nal sem destaques

A desconsideração da personalidade jurídica, dar-se-á, de acordo com o art. 50, do Código Civil:

“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pes-soa jurídica.”

Ainda que assim não fosse, a possibilidade de desconsiderar a perso-nalidade jurídica em detrimento do patrimônio particular insere-se, nesta Especializada, no art. 2º, da CLT, por meio do princípio justrabalhista da despersonalização da figura jurídica do empregador. Além disso, aplica-se analogicamente o disposto no art. 28, § 2º, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) e do art. 135, III do CTN, conforme autoriza o parágrafo único do art. 8º da CLT.

O citado dispositivo do CDC permite a incidência da desconsidera-ção da pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, pre-ceito adaptado aqui aos trabalhadores.

De efeito, esgotado o patrimônio da pessoa jurídica e inexistindo satisfação integral do débito, perde o sócio ou administrador o privilégio quanto à responsabilidade subsidiária, passando a responder, de forma ple-na, com o seu patrimônio, pela dívida da sociedade.

Trata-se de débito alimentar, assim, há que se ter em mira que o prin-cípio da proteção do crédito trabalhista traduz a observância do princípio da dignidade humana.

O inadimplemento da entidade de prática desportiva somado à ine-xistência de direitos federativos sobre atletas profissionais e de ativos fi-nanceiros em nome da executada, conforme informado pela Federação Mineira de Futebol respectivamente às fls. 1075 e 2032; aliado à ausência de nomeação de bens à penhora, torna patente a intenção de se furtar ao cumprimento da obrigação de pagar débito alimentar reconhecido judicial-

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mente, razão pela qual outra medida não há senão afetar o patrimônio de seus dirigentes, responsáveis pelos débitos por ela contraídos e não pagos.

Cumpre salientar que a possibilidade da execução atingir bens de pessoas físicas, in casu dirigentes da agravada, advém de norma especial – art. 27, da Lei nº 9.615/1998, retrotranscrito.

Em igual sentido é a jurisprudência deste Eg. Regional, in verbis:

“EMENTA: ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA – RESPONSABILIZAÇÃO DO PRE-SIDENTE – REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 27 DA LEI Nº 9.615/1998 – POSSIBILIDADE – Os bens particulares dos dirigentes das entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais podem res-ponder pelas obrigações por elas contraídas, quando incidirem em conduta prevista no art. 50/CCB, conforme previsão do art. 27 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé).” (TRT 3ª R., 0001320.26.2013.5.03.0033, 5ª T., Relª Desª Maria Cecília Alves Pinto, Data de publicação: 15.05.2015)

Por fim, consigne-se que os dirigentes listados à fl. 2.056, devem per-manecer no polo passivo da demanda até a satisfação integral do crédito do autor, para que se aumentem as garantias de adimplemento, assegurando--se o Juízo de que as possibilidades de cumprimento da decisão não sejam reduzidas.

Isto posto, dou provimento ao pleito de desconsideração da persona-lidade jurídica para redirecionar a execução em desfavor dos membros da diretoria da Sociedade Esportiva de Guaxupé, listados à fl. 2056, incluindo--os no polo passivo da demanda até a satisfação integral do crédito do autor.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Quarta Turma, por unanimidade, conheceu do agravo de petição; no mérito, sem divergência, deu provimento ao pleito de desconsideração da personalida-de jurídica para redirecionar a execução em desfavor dos membros da dire-toria da Sociedade Esportiva de Guaxupé, listados à fl. 2056, incluindo-os no pólo passivo da demanda até a satisfação integral do crédito do autor. Custas, no importe de R$ 44,26, pelo executado.

Belo Horizonte, 20 de setembro de 2017.

Paula Oliveira Cantelli Desembargadora Relatora

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

2075

Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol do Estado do Rio de JaneiroProcesso nº 181/2016

Denunciante: Procuradoria TJD/RJ

Denunciado: C. R. Vasco da Gama, associação, incursa nos arts. 213, II e 206 do CBJD e Alan Patrick Lourenço, atleta do C. R. Flamengo, incurso no art. 254 do CBJD

Relator: Dr. Jacinto Araujo de Sousa Junior

Origem: 8ª Comissão Disciplinar

voto divergente vencedor

Acompanhei à unanimidade a absolvição do 1º denunciado quanto à imputação do art. 213, II, em virtude da individualização do infrator e jun-tada de termo circunstanciado da ocorrência policial da invasão de campo, que faz atrair a isenção genérica de responsabilidade na forma do § 3º do mesmo artigo, assim considerado:

“§ 3º A comprovação da identificação e detenção dos autores da desordem, invasão ou lançamento de objetos, com apresentação à autoridade policial competente e registro de boletim de ocorrência contemporâneo ao even-to, exime a entidade de responsabilidade, sendo também admissíveis outros meios de prova suficientes para demonstrar a inexistência de responsabilida-de.” (sem grifos no original)

Ouso divergir, com a devida vênia, do voto do I. Relator, pela ab-solvição da 1ª denunciada, quanto à infração do art. 206 do CBJD, que considerava a súmula imprestável para o julgamento e do voto do I. Auditor Dr. Fernando de A. Menezes Junior, que votava pela condenação da 1ª denunciada na forma do art. 206 do CBJD na multa total de R$ 200,00 (duzentos reais), considerando-se o atraso do retorno em 02 (dois) minutos, ou seja, R$ 100,00 (cem reais) por minuto de atraso.

A divergência se funde na dosimetria da multa no caso do atraso do reinício da partida na 2ª etapa, em que foi relatado pelo Senhor Árbitro que a equipe da 1ª denunciada, C. R. Vasco da Gama, “começou com dois minutos de atraso, ocasionado pelo retardo do retorno da equipe do Vasco Gama” (sic).

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Não há dúvida que o CBJD exerce uma importante função pedagógi-ca, para garantia da disciplina nas competições desportivas.

Assim, em observância aos arts. 178 e seguintes do CBJD, levando em conta a gravidade da infração, a sua extensão, os meios empregados, os motivos determinantes, os antecedentes desportivos do infrator e as circuns-tâncias agravantes e atenuantes, entendi em fixar a pena acima do mínimo legal, como julgou o I. Auditor Dr. Fernando de A. Menezes Junior.

A divergência quanto ao I. Relator vencido se deu, pois este entendia que o erro do árbitro no preenchimento do Quadro 01 – Horários Detalha-dos da Partida, (fls. 02 da Súmula) em que elencou que a partida se iniciou às 16:00 e a entrada em campo das agremiações se deu as 16:58, inviabi-lizava aquele documento como meio de prova, apesar de não ter relatado qualquer atraso no inicio da 1ª etapa.

O relato do árbitro é claro ao afirmar que o atraso se deu no início na 2ª etapa da partida, com o atraso de 2 (dois) minutos da 1ª denunciada e não na 1ª etapa.

Entendo que o equivoco no preenchimento consistiu em mero erro material, derivado do fato que a cidade de Manaus, local da partida, no Estado do Amazonas, possui 1 (uma) hora a menos em relação ao horário oficial de Brasília, não tendo o condão de macular o documento oficial e sua presunção de veracidade, à míngua de outras provas que não foram produzidas.

Com isso, quando afirmou que o início da partida se deu às 16:00, o fez elencando o horário oficial de Brasília, enquanto que a entrada em cam-po das agremiações se deu às 16:58, o que trata-se de providência impos-sível sem o relato de atraso, presumiu ter que acrescer uma hora ao horário local, utilizando-se porém de relógio com o horário de Brasília.

Resta claro que a partida em que os fatos ocorreram se deu de forma atípica. Ambas as agremiações optaram por sugerir como local da partida a praça desportiva denominada popularmente “Arena da Amazônia”, na cida-de de Manaus, AM, distante aproximadamente 2.850 quilometros da capital do Estado do Rio de Janeiro com a finalidade de atrair grande público ao evento, o que acabou, de fato, se confirmando.

Conforme se verifica na Súmula da partida, o ingresso mais barato para o espetáculo desportivo custou ao torcedor a importância de R$ 75,00 (setenta e cinco reais), assim considerada a meia entrada regulamentar.

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Caso fosse fixada a pena no mínimo legal, portanto, a agremiação desportiva infratora sofreria penalidade equivalente a venda de 2,66 (dois inteiros e sessenta e seis centésimos) dos ingressos mais baratos do estádio.

Resta claro que tal fixação não exerce o caráter preventivo e pedagó-gico da pena. Há que se salientar que a capacidade econômica da agremia-ção infratora é de conhecimento amplo.

Ainda, o duelo válido pela semifinal do Campeonato Carioca, em que o Vasco venceu por 2 a 0 a equipe do Flamengo, levou 44.419 presentes e bateu o recorde do público do estádio, que pertencia à época da Copa do Mundo, quando Honduras x Suíça receberam 40.322 pessoas, no dia 25 de junho de 2014. A renda do duelo carioca foi de R$ 3.531.240,00 (sem contar quotas de televisionamento).

Levando em consideração a renda para um espetáculo de 90 (noven-ta) minuto, poderíamos concluir que o valor pago para assistir cada minuto de jogo seria da razão de R$ 39.236,00.

Mas quanto custaria cada minuto de seu atraso???? Para o defensor do Clube – absolutamente nada. Já para este julgador, valor que deva ser compatível com o caso em tela.

Também ressalto que se trata de partida da Categoria Profissional, que deve ser apenada de forma mais grave, pela notória especialização de seus atores principais.

Aqui, cabe descrever a infração do art. 206 do CBJD:

“Art. 206. Dar causa ao atraso do início da realização de partida, prova ou equivalente, ou deixar de apresentar a sua equipe em campo até a hora mar-cada para o início ou reinício da partida, prova ou equivalente.”

O referido artigo tem como razão principal coibir o atraso do início ou reinicio da partida.

E a inábil defesa em querer desconstituir os fatos ocasionados pelo Clube de Regatas Vasco da Gama se basearam tão somente pelo óbvio erro material na descrição do término do primeiro de tempo de partida.

Em rápida consulta em sites1 interativos e confiáveis de esportes, este julgador tomou o cuidado de buscar informações sobre o atraso que lá na súmula encontra-se muito bem definido e detalhado. E outra não foi a res-posta: houve atraso sim do clube ao retorno de campo.

1 http://globoesporte.globo.com/rj/futebol/campeonato-carioca/jogo/24-04-2016/vasco-flamengo/

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Veja-se:

Na página da rádio CBN, vinculada ao site do YouTube no link: https://www.youtube.com/watch?v=t0eptG2tiWM, pode-se escutar o radia-lista falando: “Vasco daqui a pouquinho entra em campo de jogo também para esse segundo tempo”, exatamente no momento da gravação (1 hora, 08 minutos e 09 segundos).

Entendo que por menor que seja o atraso, tal fato denota desrespeito aos seguintes participantes do espetáculo desportivo, podendo se exempli-ficar:

a) Atletas da equipe adversária: ao aguardarem a equipe descum-pridora do horário regulamentar, os atletas sofrem diminuição no aquecimento efetuado;

b) Equipe de arbitragem: pelos mesmos motivos dos atletas da equipe adversária;

c) Torcedores: que possuem o direito, como pagantes do ingresso na instalação desportiva, e, por vezes, vindos de grandes deslo-

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camentos desde suas residências, de poder prever o horário em que irão para suas casas, afetado pelo descumprimento da regra;

d) Membros da imprensa falada: qualquer minuto que seja de atra-so obriga ao jornalista a trazer novos assuntos ao torcedor, para que não se desinteresse de ouvir o relato da partida em sua emis-sora, aumentando o esforço do profissional em realizar sua ativi-dade;

e) Equipe de televisionamento: além do motivo acima, obriga a emissora a reprogramar a exibição de todos os programas poste-riores ao relato da partida, bem como desvaloriza o investimento realizado pelas emissoras detentoras dos direitos de transmissão da competição.

Deste modo, prudente que se aplique a capitulação do art. 206, do CBJD, pela condenação da 1ª denunciada, C. R. Vasco da Gama, à multa total de R$ 6.000,00 (seis mil reais), considerando-se o atraso do retorno em 2 minutos, sendo individualmente R$ 3.000,00 (três mil reais) por minuto de atraso.

Quanto ao 2º denunciado, acompanho in totum o brilhante voto do I. Relator.

É como voto.

Rio de Janeiro, 06 de maio de 2016.

Leonardo Rocha de Almeida – Auditor

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

2076

Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol do Estado do Rio de JaneiroProcesso nº 418/2016

Denunciante: Procuradoria TJD/RJ

Denunciado: Americano F. C., associação, incursa no art. 69 do Código Disciplinar da FIFA

Terceiro Interessado: Associação Desportiva Itaboraí

Relator: Leonardo Rocha de Almeida

Origem: 8ª Comissão Disciplinar

ementa

CÓDIGO DISCIPLINAR DA FIFA – DIRIGENTE DE ENTIDADE DESPORTIVA QUE, EM ÁUDIO, AFIRMA A PRETENSÃO DE COMBINAR RESULTADOS – IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAR COM A PROVA DOS AUTOS O NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A AÇÃO E O RESULTADO – PRESUNÇÃO VEDADA – APLICAÇÃO DE MULTA À AGREMIAÇÃO POR RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA AO SEU DIRIGENTE – PROCEDÊNCIA PARCIAL.

acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Processo nº 418/2016, em que figura, como denunciado Americano F. C.

Acordam os auditores que compõem a Oitava Comissão Disciplinar do Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro por unanimidade/maio-ria de votos, condenar o denunciado na pena da alínea 2 do art. 69 do Código Disciplinar da FIFA a pagar uma multa de 30.000,00 Francos Suíços (CHF), equivalentes, nesta data, a R$ 102.357,00 (cento e dois mil, trezen-tos e cinquenta e sete reais), na forma do art. 15 e suas alíneas, também do Código Disciplinar da FIFA.

Rio de Janeiro, 08 de julho de 2016.

Leonardo Rocha de Almeida Auditor Relator

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Processo nº 418/2016

Denunciante: Procuradoria TJD/RJ

Denunciado: Americano F. C., associação, incursa no art. 69 do Código Disciplinar da FIFA

Terceiro Interessado: Associação Desportiva Itaboraí

Relator: Leonardo Rocha de Almeida

Origem: 8ª Comissão Disciplinar

Relatório nos termos descritos na denúncia.

voto

Preenchidos os requisitos do art. 79 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, pela satisfatória descrição dos fatos, a perfeita qualificação do agente, além da indicação do dispositivo pretensamente infringido, recebo a denúncia.

Punição não prescrita, em virtude da interrupção pela instauração de inquérito para apuração da denúncia em 22.06.2016.

Relata a denúncia que houve infração por parte da agremiação Ame-ricano F. C., e que seu dirigente teve um áudio captado em que afirmava a vontade de combinar resultados.

Afirma a denuncia do terceiro interessado que: “O clube citado atu-almente é o líder geral do campeonato, já estando garantido no Triangular Final. Perdendo os próximos jogos, o Itaboraí ficará fora da disputa, o que parece ser interesse do Americano.” (sic)

O áudio detalha um plano para que o Itaboraí não se classificasse para o Triangular Final, que é a fase da competição de onde saem os dois clubes que vão jogar a Série A no ano que vem.

Participam dessa etapa o campeão do primeiro turno (Nova Iguaçu), o campeão do segundo (cujo resultado é o objeto dos presentes autos) e o líder na classificação geral (Americano).

Como teve a segunda melhor campanha no geral, o denunciante po-deria obter uma vaga no Triangular caso o Americano vencesse o segundo turno.

Não houve a transcrição integral do áudio pela D. Procuradoria, con-tudo, este Relator obteve acesso ao áudio integral, pelos meios de comuni-cação, na forma do inciso V do art. 19 do CBJD.

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De acordo com o inciso VII do art. 2º do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, aplica-se o princípio da Moralidade na interpretação das regras desportivas.

De fato, como já menciona o Inquérito que deu origem ao Presen-te processo, brilhantemente conduzido pelo Auditor do Tribunal Pleno, Dr. Dílson Neves Chagas, não há como se afastar a ocorrência da infração e a autoria do fato, que deve ser confirmada.

Sendo certa a autoria e a existência do áudio, não resta alternativa senão a aplicação da penalidade, que, contudo, deve ser avaliada sob o prisma da proporcionalidade.

Deixou a D. Procuradoria de denunciar o autor do áudio, que reco-nheceu aos meios de comunicação tal fato, o diretor do departamento cultu-ral e cívico do Americano Sr. Wagner Azeredo Peçanha. (“Guito Wagner”)

O “dicionário Criativo”, afirma:

“Jogar com o regulamento no bolso Time que sabe que tem um resultado favorável e joga para mantê-lo.”1

Apesar de ter sido assinado por todas as agremiações, resta claro que nenhum regulamento poderá ser totalmente perfeito e sujeitará os campeona-tos a possibilidade de agremiações “jogarem com o regulamento no bolso”.

Para isso, vale trazer trechos de reportagens de casos análogos ao presente:

Site Globoesporte.com, em 14.07.2015.

1 Disponível em: <http://dicionariocriativo.com.br/expressoes/meio-campista/futebol/29218-jogar-regulamen - -tobolso>. Acesso em: 08/07/2016.

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Site Globoesporte.com, em 02.10.2010.

Menciona a reportagem:

É uma mancha negra na minha carreira. Sei que todo mundo aqui também não está contente com o que aconteceu. Mas o campeonato começa na se-gunda-feira – lamentou Giba ao deixar a quadra, em entrevista ao SporTV, criticando a Bulgária por ter entrado com um time misto.

Site UOL, em 10.10.2010, portanto, oito dias após a reportagem an-terior:

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“O Brasil foi acusado de perder de propósito para cair em chave mais fácil na terceira fase e evitar Cuba. Neste domingo, a seleção brasileira masculina de vôlei provou que não precisava ‘fugir’ dos caribenhos. Com um convin-cente 3 a 0 (25-22, 25-14 e 25-22) no lotado Palalottomatica, em Roma, os comandados de Bernardinho deixaram a polêmica derrota para a Bulgária no passado para ratificar a hegemonia no Campeonato Mundial. Agora, são tricampeões.”

Temos que a Justiça Desportiva deve exercer uma importante função pedagógica, para garantia da disciplina nas competições desportivas.

Assim sendo, entendo correta a capitulação dada pelo I. Procurador Geral quanto à infração ao art. 69 do Código Disciplinar da FIFA.

Concordo, ainda, pela inaplicabilidade do art. 243-A do CBJD e sim pela aplicação do art. 69 do Código Disciplinar da FIFA.

Jogar com o regulamento não significa, por si só, a entrega do jogo.

Não verifico, portanto, nexo de causalidade entre as palavras proferi-das pelo dirigente (officials) e o resultado da partida.

Tratando-se de jogadores profissionais, não há como se deduzir que a escalação da equipe com alguns suplentes representará, necessariamente, uma “conspiração” para influenciar o resultado de um jogo que afirma a alí-nea 1 do art. 69 do Código Disciplinar da FIFA, conforme abaixo transcrito:

“Artigo 69-1

Quem conspira para influenciar o resultado de um jogo de forma contrá-ria à ética desportiva será punido com suspensão de partida ou a proibição de participar de qualquer atividade relacionada ao futebol, bem como uma multa de pelo menos CHF 15.000 (francos suíços). Em casos graves, deve ser imposta uma proibição vitalícia para tomar parte em qualquer atividade relacionada com o futebol.”

Entender-se de forma diversa representaria a adoção de uma respon-sabilidade integral da associação desportiva, sendo certo que a alínea 1 do art. 69 do Código Disciplinar da FIFA faz de forma evidente a distinção das responsabilidades entre atletas, dirigentes (officials) e associações despor-tivas.

“O tribunal está aqui para fiscalizar o campeonato com celeridade, eficiência e dentro dos ditames que a Legislação Desportiva determina.” Estas não são palavras deste relator, mas do I. Presidente do TJD/RJ, Dr. José Teixeira Fernandes.

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Deste modo, prudente que se aplique a capitulação da alínea 2 do art. 69 do Código Disciplinar da FIFA, que afirma, em tradução livre:

Artigo 69-2

No caso de um jogador ou dirigente de forma ilegal conspirar para influen-ciar o resultado de um jogo de acordo com o parágrafo 1, o clube ou asso-ciação ao qual o jogador ou dirigente pertence pode ser multado. Os delitos graves podem ser punidos com a expulsão de uma competição, o rebaixa-mento para a divisão inferior, perda de pontos e a devolução de prêmios.

Caso aplicássemos as penas da 2ª parte da alínea 2 do art. 69 do Có-digo Disciplinar da FIFA estar-se-ia penalizando não somente a agremiação, mas os atletas da equipe infratora que poderiam ter que jogar a temporada seguinte em um clube despromovido, perderiam a chance de trabalhar em campo por um título, do qual é inegável que conquistaram o maior numero de pontos no Campeonato.

Também estaríamos penalizando os atletas e torcedores da equipe do Campos Atlético, que, ao menos nos presentes autos, não fizeram nada além do seu objetivo, que era conquistar o título da Taça Corcovado.

Em nosso Direito Constitucional, no art. 5º, XLV, está elencado o prin-cípio da intranscendência de pena, que afirma que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”.

Resta claro que, em caso de novas provas que possam ser produzi-das e que seja verificada a atuação direta de algum atleta ou dirigente no resultado da partida entre Campos Atlético e Americano, a D. Procuradoria deverá oferecer nova denúncia.

Os órgãos da Justiça Desportiva de nosso país sempre foram chama-dos, pela população, de “tapetão”, aonde havia a capacidade de se modifi-car resultados conquistados dentro de campo.

Causa-me tristeza que, neste momento, inúmeros torcedores das agremiações envolvidas, alguns deles que estiveram nas arquibancadas e pagaram ou não por seus ingressos, mas quiseram apenas ter momentos de lazer e distração ao acompanhar a “paixão nacional” ao vivo, tenham que ficar acompanhando uma sessão do Tribunal para saber o futuro de seu clube na competição.

Não entendo correto, portanto, que uma decisão baseada em suposi-ções tenha o condão de substituir o resultado conquistado pelos vencedores dentro de campo.

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Sempre que possível, o suor e esforço dos atletas deve ser valorado.

A denunciante, apesar dos esforços de seus patronos, a quem cabe ressaltar a dedicação com que apresentaram os fatos, dependia de resulta-dos de terceiros para se classificar ao Triangular Final.

Se estes resultados não ocorreram, lamenta-se e devem se esforçar para que, no próximo Campeonato, não necessitem de torcer por resultados de agremiações adversárias.

Neste específico caso, para além do já mencionado, aplicar-se as pe-nas da 2ª parte da alínea 2 do art. 69 do Código Disciplinar da FIFA também representaria uma presunção de “falta de qualidade” dos jogadores suplen-tes da denunciada, o que não pode ser adotada por este Relator.

Ao contrário, neste ponto, socorro-me das notícias de nosso país ir-mão, Portugal, que ao afirmar que os jogadores, titulares e suplentes, rela-cionados para uma partida são convocados, assim como nós mencionamos os jogadores da Seleção Nacional.

Pois bem: se os jogadores são convocados, presume-se que estejam prontos a auxiliar o seu clube.

Não podemos, portanto, acolher a denúncia da Procuradoria ao con-centrar esforços na baixa presença de alguns jogadores durante o campeo-nato, para presumir que teriam deixado o adversário ganhar a partida.

Repita-se: jogadores profissionais jamais pretendem e devem entrar em uma praça de esportes para perder suas partidas. Se o fazem, são por interesses diversos que culminarão, com certeza, no banimento do futebol, conforme dispõe a alínea 1 do art. 69do Código Disciplinar da FIFA.

Quanto à aplicação da pena, já que mencionada a autoria e existên-cia do fato, tenho que deverá ser punida exemplarmente.

A agremiação é de fato responsável pela fala ou tentativa de um de seus agentes. Se o fato não se consumou ou consumou sem a sua interferên-cia, a escolha de um dirigente que profere as palavras constantes do áudio deve ser, no mínimo, responsável pela escolha que fez quando das eleições da agremiação desportiva.

O Código Disciplinar da FIFA faz questão de mencionar expressa-mente os dirigentes como officials, ou seja, também possuem responsabili-dade.

A alínea 4 do art. 15 do Código Disciplinar da FIFA, afirma, em tra-dução livre:

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As associações são responsáveis solidárias por multas impostas a represen-tantes, jogadores e dirigentes. O mesmo aplica-se aos clubes com relação aos seus jogadores e dirigentes. O fato de uma pessoa natural deixar um clube ou associação não cancela sua responsabilidade solidária.

O infrator não pode se escusar ao afirmar que fez tal afirmação na qualidade de torcedor. Não há como se prover uma espécie de máscara, na qual o dirigente utilizará acordo com sua faceta de torcedor ou dirigente.

Neste caso, o dirigente deve ser a primeira pessoa em zelar pelo bom nome da instituição. Permita-se a transcrição, com grifos do Relator.

O Americano terminou em primeiro. Inclusive, ganhou o título do interior tanto nas categorias de base quanto no profissional. Sobre o Triangular, o que acontece? Esse campeonato é meio maluco. Por exemplo, seria mais justo se o Americano, vencendo o geral e vencendo um turno, assegurar a vaga, não é isso? Mas isso só aconteceria se o Nova Iguaçu vencesse o primeiro e o segundo turnos. Isso corresponde aos vencedores dos turnos, não no geral.

Portanto, o Americano está assegurado no Triangular. A gente tem duas op-ções. Ganhar a semifinal agora, ganhar um ponto de bonificação e levar o Itaboraí, que é um time que está sendo ajudado pelo poder público lá, teve 13 pênaltis nesse campeonato. A gente sabe que é perigoso. Eles quase se classificaram agora, precisavam fazer cinco gols, fizeram quatro, mesmo roubando. Ou a gente leva o Itaboraí ou deixa entrar um dos três agora, Olaria, Campos ou Audax. Eu entendo que, com o Campos, dá para a gente fazer uma parceria lá. Tipo, Americano e Campos se unem, arrebentam o Nova Iguaçu e entram os dois.Dá até para combinar os resultados, daria para fazer isso, temos uma boa relação com o pessoal de Campos. Ou entraria um Olaria e um Audax, que são todos mais fracos que o Itaboraí. Tem isso aí, temos que saber o que fazer. Eu acredito que não é interessante levar o Itaboraí para o Triangular. Porque seria Americano, Itaboraí e Nova Iguaçu, três times parecidos tecnicamente, apesar de eu achar que o Americano é o melhor time do campeonato.

Então é isso aí, tem que ver isso aí, analisar bem, controlar as emoções, pen-sar com a razão. Temos que fazer as coisas com a razão, não pode dar mole. Acredito que o Americano não perder o acesso esse ano, tem que agir com sabedoria e compreensão de todos. Agir com inteligência.

Em síntese, o dirigente ofende de forma transversa todas as agremia-ções que assinaram o regulamento do Campeonato e afirma a vontade de combinar resultados, que, contudo, não possui relação direta com o que ocorreu em campo.

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A pena, portanto, deve ser aplicada também com caráter pedagógico, de modo a desestimular a prática de outras ações similares.

Por todo o exposto, voto por condenar o denunciado, America-no F. C., na pena da alínea 2 do art. 69 do Código Disciplinar da FIFA a uma multa de 30.000,00 Francos Suíços (CHF), equivalentes nesta data, a R$ 102.357,00 (cento e dois mil, trezentos e cinquenta e sete reais), na for-ma do art. 15 e suas alíneas, também do Código Disciplinar da FIFA.

É como voto.

Rio de Janeiro, 08 de julho de 2016.

Leonardo Rocha de Almeida Auditor Relator

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência

Administrativo e Constitucional

2077 – Bolsa-atleta – preenchimento dos requisitos – concessão

“Apelação cível. Concessão de bolsa-atleta. Preenchimento dos requisitos necessários. Classificado em 3º lugar geral na categoria Windsurf Open. Sentença mantida. 1. Não há limite de idade para os atletas praticantes de windsurf na categoria principal, a não ser a idade mínima de 14 (quatorze) anos, e que os documentos atestam que o requerente atende os requisitos. 2. O conjunto probatório observado, não há como me dissociar do que restou fixado na sentença, razão pela qual a mesma merece ser mantida pelos seus próprios e jurídicos fundamentos. 3. Recurso conhecido e nega-do provimento.” (TJES – Ap 0026932-08.2010.8.08.0024 – Rel. Des. Walace Pandolpho Kiffer – DJe 23.10.2017)

Remissão Editorial SÍnTESEVide RDD nº 34, dez./jan. 2016, Ementa nº 1885 do TJDFT.

2078 – Dano moral – loteca – jogo não realizado – sorteio – pagamento integral do prêmio – impossibilidade – indenização devida

“Administrativo. Loteca. Jogo não realizado. Sorteio. Pagamento integral do prêmio. Impossibilida-

de. Falha na prestação do serviço. Danos morais. Cabimento. Redução do quantum. Recurso de

apelação da parte autora desprovido. Recurso de apelação da CEF parcialmente provido. 1. A parte

autora ajuizou a presente demanda em face da CEF – Caixa Econômica Federal, alegando ter acer-

tado todos os prognósticos relativos ao concurso nº 674 da Loteca, de forma que pretende lhe seja

outorgado o prêmio máximo prometido no referido certame, além de indenização a título de danos

morais. Como causa de pedir, alega, sucintamente, que acertou todos os jogos relativos ao concurso

indicado, mas que, por erro da CEF, em um dos jogos Nigéria x Somália não foi acolhido o resultado

efetivo, o que lhe teria trazido prejuízo. 2. Da análise dos autos, depreende-se que escorreita a solu-

ção da CEF, que diante da não realização do jogo indicado no cartão de apostas – Níger x Somália –

realizou o sorteio, nos termos do previsto pelo item 9.4 da Circular Caixa nº 678/2015. Note-se que

sendo Níger e Nigéria dois países distintos, passíveis de inclusão no concurso a que a parte autora

se submeteu, não há como acolher a alegação desta no sentido de que o lógico seria considerar

que o que constava do boleto de apostas era a abreviação do nome da Nigéria, país que efetiva-

mente iria disputar a partida contra a Somália. 3. Tratando-se de jogo que não se realizou, não há

como atribuir à parte autora o acerto do resultado indicado em seu boleto de apostas, não havendo

que se falar em pagamento integral do prêmio e merecendo ser mantida a sentença neste tocante.

4. Apesar de não reconhecida a necessidade de modificação do resultado do concurso, com o

pagamento do prêmio integral à parte autora, no caso, restaram demonstrados a conduta ilícita da

CEF vez que falhou na divulgação do boleto de apostas e, ainda que tenha tomado a atitude correta

em relação ao sorteio, deixou de realizar a devida publicidade após o ocorrido – o dano –, tendo

em vista o abalo psicológico, a angústia e a grande decepção sofridas pela parte autora ao descobrir

que não teria acertado todos os jogos – e o nexo de causalidade – pois é a CEF a responsável por

divulgar e garantir a acuracidade do concurso em questão – razão pela qual não pode eximir-se de

sua responsabilidade ao argumento de que não restou comprovado o dano moral alegado. 5. Sope-

sando o evento danoso e a sua repercussão na esfera do ofendido, revela-se proporcional, razoável

e adequado reduzir o montante fixado pelo juízo a quo de R$ 12.000,00 (doze mil reais) para

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RDD Nº 39 – Out-Dez/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������189

R$ 5.000,00 (cinco mil reais), eis que tal valor efetivamente concilia a pretensão compensatória, pe-

dagógica e punitiva da indenização do dano moral com o princípio da vedação do enriquecimento

sem causa, além de estar de acordo com os parâmetros recentes e com o estabelecido pelo art. 944

do Código Civil. 6. Recurso de apelação da parte autora desprovido. Recurso adesivo de apelação

da CEF parcialmente provido.” (TRF 2ª R. – AC 0136760-44.2015.4.02.5106 – 5ª T.Esp. – Rel. Des.

Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – DJe 17.10.2017 – p. 228)

2079 – Jogos de azar – funcionamento de lotérica – permissão – revogação – efeitos

“Administrativo. Apelação cível. Lotérica. Permissão para funcionamento. Revogação. Prática de

jogos de azar. Insuficiência da prova acerca da materialidade da infração. In casu, do compulsar

dos autos, constata-se a insuficiência de prova material da comercialização de jogos de azar pela

lotérica autora. O processo administrativo movido contra a demandante não está autuado com

número próprio e sequer possui numeração de páginas ou qualquer referência a procedimento

em sistema digital. Ademais, a prova testemunhal produzida nos autos aponta pela inexistência da

materialidade, de forma que a procedência da demanda é medida que se impõe.” (TRF 4ª R. – AC

5003300-83.2013.4.04.7111 – 4ª T. – Relª Vivian Josete Pantaleão Caminha – J. 13.09.2017)

2080 – Professor – instrutor de voleibol – registro no CREF – desobrigatoriedade

“Agravo de instrumento. Mandado de segurança. Conselho Regional de Educação Física do Es-

tado de São Paulo – CRF-4. Professor/instrutor de voleibol. Desobrigatoriedade de registro. Lei

nº 9.696/1998. Recurso improvido. 1. A questão dos autos cinge-se averiguar eventual possibilidade

de o Conselho Regional de Educação Física fiscalizar a profissão de técnico/treinador de voleibol,

bem como a exigibilidade do registro perante o mesmo. 2. A Lei nº 9.696/1998, que regulamenta

a Profissão de educação Física e cria os Conselhos, dispõe em seu art. 3º que: ‘Art. 3º Compete ao

Profissional de Educação Física coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir,

organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços

de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes

multidisciplinares e interdisciplinares e elaborar informes técnicos, científicos e pedagógicos, todos

nas áreas de atividades físicas e do desporto’. 3. Por outro lado, a lei supramencionada, em seu

art. 2º ao dispor sobre a inscrição dos profissionais nos quadros dos conselhos Regionais de Educa-

ção Física, determina: ‘Art. 2º Apenas serão inscritos nos quadros dos Conselhos Regionais de Edu-

cação Física os seguintes profissionais: I – os possuidores de diploma obtido em curso de Educação

Física, oficialmente autorizado ou reconhecido; II – os possuidores de diploma em Educação Física

expedido por instituição de ensino superior estrangeira, revalidado na forma da legislação em vigor;

III – os que, até a data do início da vigência desta Lei, tenham comprovadamente exercido ativida-

des próprias dos Profissionais de Educação Física, nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho

Federal de Educação Física’. 4. Destarte, anota-se que a mencionada lei não alcança os técnicos/

treinadores de modalidade esportiva, cuja orientação tem por base a transferência de conhecimento

tático e técnico do esporte e cuja atividade não possui relação com a preparação física do atleta

profissional ou amador, como tampouco exige que estes sejam inscritos no Conselho Regional de

Educação Física. 5. Dessa forma, qualquer ato infralegal no sentido de exigir a inscrição no indi-

gitado Conselho Profissional de técnico/treinador de modalidade esportiva específica padece de

ilegalidade. 6. Agravo de instrumento improvido.” (TRF 3ª R. – AI 0021080-39.2016.4.03.0000/SP

– 4ª T. – Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva – DJe 10.08.2017 – p. 315)

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Remissão Editorial SÍnTESEVide RDD nº 36, abr./maio 2017, Ementa nº 1961 do TRF 4ª R.

2081 – Servidor público – afastamento para participar como atleta em campeonato sulameri-cano – tempo de serviço – cômputo

“Administrativo. Recurso. Afastamento para participar como atleta convocada em campeonato sul americano. 1. A Lei nº 9.615/1998 dispõe acerca da convocação de atletas e demais profissio-nais e servidores públicos para competição desportiva nacional e internacional. 2. Nos termos do art. 84 da Lei nº 9.615/1998, será considerado como efetivo serviço o período em que o atleta servi-dor público estiver convocado para integrar representação nacional em treinamento ou competição desportiva no País ou no exterior. 3. Dessa feita, os documentos acostados aos autos demonstram que, efetivamente, houve a convocação da recorrente pelo Presidente da Confederação Brasileira de Tiro Prático para participar de um Campeonato Sul Americano, o que se enquadra na espécie competição desportiva no País, prevista no dispositivo retro. 4. Recurso administrativo conhecido e provido.” (TJAP – Proc. 0001372-33.2017.8.03.0000 – PA – Rel. Des. Joao Lages – DJe 21.08.2017 – p. 59)

2082 – Técnico de futebol – preparador físico – registro no CREF – descabimento

“Embargos de declaração. Conselho Regional de Educação Física do Estado de São Paulo. Registro licenciatura/bacharelado. Preparador físico e técnico de futebol em escolas de educação básica e clubes, academias e condomínios contradição. Embargos acolhidos. 1. Restou assinalado no voto condutor do acórdão, o autor cursou Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita, com título de licenciatura, de modo que sua inscrição deve se ater à educação básica. Porém, nada obsta seja preparador físico e técnico de futebol em escolas de educação básica e clu-bes, academia, condomínios. 2. A despeito da impossibilidade de registro na categoria licenciado/bacharel na carteira profissional, nada obsta exercício da profissão de preparador físico e técni-co de futebol, tanto em escolas de educação básica, como em clubes, academias, condomínios. 3. Resta razão à embargante quanto ao provimento do voto condutor do acórdão, na medida em que deveria constar parcial provimento à apelação. 4. A condenação em verba honorária, desta for-ma, deve ser fixada em R$ 2.500,00, fixada nos termos do art. 21, caput, do CPC/1973, pelos mes-mos fundamentos. 5. Embargos acolhidos.” (TRF 3ª R. – EDcl-AC 0000553-22.2015.4.03.6137/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Nery Junior – DJe 11.10.2017 – p. 584)

Remissão Editorial SÍnTESEVide RDD nº 36, abr./maio 2017, Ementa nº 1961 do TRF 4ª R.

2083 – Técnico de futebol – registro no CREF – irrelevância

“Embargos de declaração. Conselho Regional de Educação Física do Estado de São Paulo. Registro licenciatura/bacharelado. Preparador físico e técnico de futebol em escolas de educação básica e clubes, academias e condomínios contradição. Embargos parcialmente acolhidos. 1. Restou assi-nalado no voto condutor do acórdão, o autor cursou Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita, com título de licenciatura, de modo que sua inscrição deve se ater à educação básica. Porém, nada obsta seja preparador físico e técnico de futebol em escolas de educação básica e clubes, academia, condomínios. 2. A despeito da impossibilidade de registro na categoria licenciado/bacharel na carteira profissional, nada obsta exercício da profissão de prepara-

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RDD Nº 39 – Out-Dez/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������191

dor físico e técnico de futebol, tanto em escolas de educação básica, como em clubes, academias, condomínios. 3. Resta razão à embargante quanto ao provimento do voto condutor do acórdão, na medida em que deveria constar parcial provimento à apelação. 4. A condenação em verba honorá-ria, desta forma, deve ser fixada em R$ 2.500,00, fixada nos termos do art. 21, caput, do CPC/1973, pelos mesmos fundamentos. 5. Embargos parcialmente acolhidos.” (TRF 3ª R. – EDcl-AC 0000445-62.2015.4.03.6114/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Nery Junior – DJe 27.10.2017 – p. 338)

Civil

2084 – Clube amador – federação de futebol – estatuto social – direito de voto – supressão – efeitos

“Agravo de instrumento. Federação de futebol. Estatuto social. Direito de voto. Supressão. Tutela cautelar. I – Diante da alteração do estatuto social referente ao direito de voto de clubes amadores de futebol do Distrito Federal, devem ser suspensos os efeitos da assembleia geral que deliberou sobre questões patrimoniais da Federação, tal como decidido pela r. decisão agravada. II – Agravo de instrumento desprovido.” (TJDFT – Proc. 07077695620178070000 – (1051553) – 6ª T.Cív. – Relª Vera Andrighi – J. 10.10.2017)

2085 – Dano moral – loteria – pagamento da aposta com cheque – não realização do jogo – indenização – descabimento

“Ação ordinária. Necessidade de análise integral da peça vestibular, mediante interpretação lógico-

-sistemática, não somente de determinado tópico. Loterias. Realização da aposta somente com o

registro em terminal lotérico com a entrega do comprovante ao apostador, que deverá apresentá-lo

junto à CEF, para a retirada do prêmio. Dano moral não caracterizado. Pagamento da aposta com

cheque, a qual não realizada, sob o argumento da lotérica de que o apostador possuía dívidas a se-

rem saldadas, assim teria realizado imputação de pagamento. Não comprovação dos débitos. Dano

material configurado parcial procedência ao pedido. Parcial provimento à apelação. 1. Destaque-se

que a prefacial contém tópico específico a tratar do dano material (cheque que pagou a aposta),

fl. 09, item 28, em que pese não conste do pedido, fl. 13, item 41, onde delimitada a pretensão

indenizatória (constou apenas o pedido para indenização moral). 2. Embora o deslize cometido

pela parte requerente, a singela leitura da prefacial a não deixar dúvida de que também combatida

a questão envolvendo o cheque para pagamento da aposta. 3. A teor da pacífica jurisprudência do

C. STJ, ‘o pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir

da análise de todo o seu conteúdo’. Precedentes. 4. Nítida a possibilidade de apreciação de enfo-

cado ângulo, máxime porque este pode ser facilmente extraído da peça vestibular, embora a falha

praticada pelo Advogado, que não fez constar o pedido no tópico adequado. 5. Extrai-se dos autos

e confessado pelo próprio autor se cuidar de apostador contumaz, fl. 03, item 1, tanto que realiza

apostas de alto valor, como a em prisma, da ordem de R$ 8.748,00, fl. 04, item 4, portanto a se

tratar de pessoa com conhecimentos amplos sobre loterias. 6. Afigura-se incontroverso do caderno

processual que o polo autor e os proprietários da lotérica mantinham relação de confiança, tanto

que estes últimos admitiram faziam jogos sem o pagamento imediato pelo apostador/autor (fiado),

tanto quanto a lotérica, por meio de seus responsáveis, tinha por hábito complementar valores fal-

tantes para a concretização de apostas, fls. 133/134. 7. Frederico e Milton realizavam apostas com

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Carlos, fl. 04, item 2, situação que pode ser confirmada pela fiança que era prestada pelos lotéricos,

como visto. 8. Desta relação de confiabilidade, os corréus arguíram que a parte autora possuía uma

dívida de R$ 5.830,00 em jogos, fl. 133, terceiro parágrafo, sendo que teriam informado a Carlos,

na ocasião, não seria possível complementar a diferença para concretizar a aposta na ‘Loteca’, cuja

pretensão era da ordem de R$ 8.748,00, uma vez que o cheque enviado era de R$ 6.561,00, cor-

respondentes a 3/4 do valor do jogo, sendo que não possuíam o dinheiro faltante e pesava contra o

apostador o aventado débito. 9. Pontuaram, então, os lotéricos, foi o autor comunicado do cenário

e que o cheque de R$ 6.561,00 seria imputado à dívida vencida de R$ 5.830,00, sendo que o saldo

remanescente pagaria um jogo de valor menor, fl. 134. 10. Neste passo, reitere-se, o autor, assíduo

apostador, sabia que a capa de volante acostada às fls. 23/24 não era o bilhete de recibo de aposta,

mas mero demonstrativo, sem efeito jurídico hábil a gerar responsabilidade. 11. Ao tempo dos fatos,

ano 2010, não permitia a Caixa Econômica Federal a modalidade de aposta denominada ‘bolão’,

conforme se extrai dos documentos de fls. 68/72, sendo que, para a concretização do jogo, deveria

ser entregue ao cliente o comprovante emitido pelo terminal lotérico. 12. Seja qual for a qualifica-

ção que se dê à forma do jogo, afigura-se incontroverso dos autos que a aposta não foi realizada,

sendo que o autor sequer enviou o valor integral para quitar aposta daquele quilate, expressivos

R$ 8.748,00. 13. Inexiste à causa qualquer prova de que Frederico ou Milton tenham anuído à

complementação do importe faltante da aposta, muito menos possuíam obrigação jurídica, como

permissionários da CEF, de realizar o jogo em tais condições. 14. O pagamento do prêmio, que nes-

ta demanda foi postulado transversalmente sob o enfoque indenizatório moral, somente é devido

se houver registro do jogo no terminal lotérico, devendo o ganhador apresentar o título ao portador

para fazer jus ao pagamento. Precedentes. 15. Em âmbito cambial isso a equivaler à cartularidade,

ou seja, vale se o que descrito no título/na cártula. 16. Se o autor pretendia realizar aposta no valor

de R$ 8.748,00, deveria ter encaminhado cheque nesta ordem e exigir o comprovante da aposta;

não o fazendo, assumiu integralmente o risco de experimentar o resultado litigado, sendo que os

responsáveis pela lotérica não tinham qualquer obrigação de complementar a diferença monetária

para integralizar a aposta, logo nenhuma indenização moral a ser devida aos autos. 17. Afigura-se

axiomático que o cheque de R$ 6.561,00 foi compensado pelos réus, fl. 134, não havendo qualquer

prova de que o demandante fosse devedor da lotérica ou dos seus responsáveis, ônus que competia

aos réus, art. 333, II, CPC vigente ao tempo dos fatos. 18. Se a aposta não foi realizada, o cheque

deveria ter sido devolvido ao requerente, à medida que as supostas dívidas existentes não foram

comprovadas, assim o dano material deve ser ressarcido. 19. A responsabilidade pela devolução

recai unicamente sobre a pessoa jurídica A Vencedora Loterias Ltda. e sobre Frederico Meinberg

Neto e Milton Nogueira, solidariamente, pois alheia a CEF a toda a tratativa privada entre os entes,

cujo valor será atualizado desde o efetivo desembolso e com juros a partir da citação, pelos índices

previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013. 20.

Na relação entre o Carlos versus A Vencedora Loterias Ltda., Frederico Meinberg Neto e Milton

Nogueira, decaíram os litigantes reciprocamente, o que aponta para cada parte arcar com os hono-

rários de seu Patrono, à luz das disposições do CPC/1973, aplicável à espécie (Súmula Administra-

tiva nº 2, STJ). Precedente. 21. Mantida, por outro lado, a sujeição sucumbencial autoral em favor

da CEF, porque integralmente derrotado o autor, na forma arbitrada pela r. sentença. 22. Parcial

provimento à apelação, reformada a r. sentença, para julgamento de parcial procedência ao pedido,

na forma aqui estatuída.” (TRF 3ª R. – AC 0023627-61.2011.4.03.6100/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed.

Nery Junior – DJe 09.08.2017 – p. 633)

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2086 – Indenização – acidente ocorrido em quadra de esporte – projeto de acesso ao esporte – fratura e posterior amputação de dedos da mão esquerda – lesão irreparável – dano moral – configuração

“Civil. Administrativo e constitucional. Ação indenizatória. Acidente ocorrido em quadra de espor-te. Projeto de acesso ao esporte. Fratura e posterior amputação de dedos da mão esquerda. Lesão irreparável dano moral configurado. Lucros cessantes. Não comprovados. Nos termos do que dis-põe o art. 37, § 6º da Constituição da República de 1988, ‘as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa’. Fundada na teoria do risco administrativo, a responsabilidade objetiva por ato comissivo independe da apuração de culpa ou dolo na atuação do agente em nome da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa de direito privado prestadora de serviço público, bastando que se encontre provada a existência do dano – material ou moral –, a ação ou omissão e o nexo de causalidade entre ambos. O dano moral, no presente caso, decorre da lesão sofrida pelo autor e do abalo psíquico decorrente da deformidade permanente e de suas limitações físicas definitivas, além do transtorno que lhe foi causado em face da internação hospitalar, situações que não são integralmente recompostas pela indenização no plano material. Era dever do Estado, no mínimo, a conservação das instalações em que seriam desenvolvidas as atividades esportivas para evitar aci-dentes. O quantum da reparação, portanto, não pode ser ínfimo, para não representar uma ausência de sanção efetiva ao ofensor, nem excessivo, para não constituir um enriquecimento sem causa em favor do ofendido, Nesse contexto, e considerando as circunstâncias do caso, em decorrência dos fatos narrados, devidamente comprovados nos autos, atingindo agressivamente suas esferas físicas e psíquicas, entendo que o montante indenizatório por danos morais, fixado na primeira instância em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), deve ser majorado para R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). Não há prova nos autos de que o autor tenha deixado de auferir qualquer importância em decorrência da lesão, não cabendo se presumir eventual impacto em atividade profissional futura de forma a justificar a indenização por lucros cessantes, pois é cediço que a indenização por dano material demanda a efetiva comprovação da sua extensão. Apelações da parte autora e da União parcial-mente providas.” (TRF 1ª R. – AC 2009.34.00.021055-1 – 5ª T. – Rel. Juiz Conv. Roberto Carlos de Oliveira – J. 09.08.2017)

2087 – Ingresso – venda – taxa de serviço – cobrança indevida

“Ação declaratória. Venda de ingresso. Cobrança de taxa de serviço em postos alternativos ou pela internet. Impossibilidade. Matéria preliminar rejeitada. Apelação e remessa oficial providas. Discute-se, in casu, se é legítimo o acréscimo de uma ‘taxa de serviço’ pela empresa contratada pelo clube para oferecer postos alternativos de venda e pela internet, além daqueles obrigatórios em lei, sob o fundamento, em síntese, de que decorre dos custos da empresa intermediária e representa o pagamento por uma comodidade posta à disposição do torcedor – A autora possui um contrato com o clube de futebol para o fim de oferecer postos alternativos de venda e pela internet, além daque-les obrigatórios em lei (art. 24 da Lei nº 10.671/2003). Não se sabem os precisos termos do pacto porque não está acostado, mas está demonstrado que o adquirente do ingresso paga uma taxa de três reais, além do preço do ingresso, por esse serviço. Destarte, o clube contratou a empresa autora única e exclusivamente para aumentar a venda de ingressos por meio de torná-la mais acessível ao público. É, pois, no seu próprio interesse capitalístico de incrementar o lucro. Não se sabe se há o pagamento de alguma espécie de comissão ao intermediário, além da taxa cobrada do torcedor, à

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falta do contrato. De qualquer modo, não se afigura que tenha sido colocado à disposição deste um serviço na acepção da palavra, tal como, por exemplo, a entrega do ingresso em casa, mas mera-mente o oferecimento de mais postos/meios de compra, que são menos uma comodidade e mais a mera realização da atividade fim do vendedor, que, assim, deve arcar com o custo, sem repassá-lo ao consumidor travestido em comodidade. Sob esse aspecto, portanto, violado o inciso IV do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, que assegura proteção contra cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. Matéria preliminar rejeitada. Apelação e remessa oficial providas para julgar improcedente a demanda.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0015827-60.2003.4.03.6100/SP – 4ª T. – Rel. p/o Ac. Des. Fed. André Nabarrete – DJe 28.09.2017 – p. 788)

2088 – Responsabilidade civil – União e FIFA – venda de ingressos para jogos da copa do mun-do – limitação

“Processual civil. Administrativo. Responsabilidade civil. União e FIFA. Venda de ingressos para jogos da Copa do Mundo FIFA de 2014. Lei nº 12.663/2012. Hipóteses restrita de responsabilidade civil. Ilegitimidade passiva da união. Apelação não provida. 1. O autor ingressou em juízo reque-rendo a responsabilização objetiva da União e da FIFA, nos termos da Lei nº 12.663/2012 e da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), por não ter conseguido obter em tempo hábil os boletos para pagamento de ingressos para assistir a jogo de futebol da Copa do Mundo FIFA de 2014. 2. A Lei nº 12.663/2012 estabelece, em seus arts. 22 e 23, hipótese muito específica de responsabilidade da União, somente para os casos de ação ou omissão de seus agentes em face da FIFA, e relacionados à segurança dos eventos durante a Copa do Mundo FIFA de 2014. 3. A Lei nº 12.663/2012 não abrange, por via de consequência, a alegada responsabilidade pelo inadimple-mento nos contratos de compra e venda de ingressos, decorrente de relação de consumo estabele-cida entre o autor e a FIFA. Precedentes do TRF da 2ª Região. 4. Não estando a FIFA nem o Comitê Organizador enquadrados em nenhuma das hipóteses taxativas do art. 109 da Constituição Federal, não há que se falar em competência da Justiça Federal. 5. Apelação não provida.” (TRF 3ª R. – AC 0021595-15.2013.4.03.6100/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos – DJe 27.10.2017 – p. 305)

Penal

2089 – Jogos de azar – apreensão de máquinas “caça-níqueis” – contrabando – comprovação de dolo – necessidade

“Penal. Processual penal. Recurso em sentido estrito. Apreensão de máquinas ‘caça-níqueis’. Con-

trabando. Comprovação de dolo. Necessidade. Instrução processual. Presença dos requisitos do

art. 41 do CPP. Decisão revogada. Denúncia recebida (Súm. 709/STF). Recurso provido. 1. Recurso

em sentido estrito em face de decisão que rejeitou a denúncia contra os recorridos, por terem incor-

rido, em tese, no delito tipificado no art. 334, § 1º, inciso II, do CP, com arrimo no art. 395, inciso

III, do CPP. 2. O juízo a quo rejeitou a denúncia ao fundamento de que ‘A mera constatação pericial

de componentes de origem estrangeira em máquinas tipo caça-níquel (equipamentos eletrônicos

utilizados para softwares de jogos de azar) apreendidas, por si só, não é suficiente para caracterizar

o tipo penal previsto no art. 334 do CP’. 3. Narra a denúncia que ‘Os denunciados mantiveram em

depósito e utilizaram em proveito próprio e alheio, no exercício de atividade comercial, mercadoria

de procedência estrangeira que sabiam ser produto de introdução clandestina no território nacional

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RDD Nº 39 – Out-Dez/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������195

e de importação fraudulenta por parte de outrem, qual seja, 03 (três) máquinas caça-nível, o que

foi constatado em 12 de março de 2012, na rua Triunvirato, nº 383, Mercearia Nossa Senhora do

Pilar, bairro Cidade Velha, Belém/PA’. 4. A decisão prolatada pelo juízo de primeira instância deve

ser reformada. Não obstante tenha se entendido pela ausência de dolo na conduta imputada aos

acusados, não pode o órgão ministerial ser privado da possibilidade de demonstrá-lo, sob pena

de lesão ao princípio do devido processo legal e de restrição ao exercício da pretensão punitiva

estatal, sobretudo por se tratar de fase pré-processual. 5. A denúncia preenche os requisitos do art.

41 do CPP, não se vislumbrando, ainda, no caso, a presença de qualquer das hipóteses do art. 395

do CPP que estariam a autorizar a rejeição da peça acusatória. 6. Segundo o Enunciado da Súmula

nº 709 do Supremo Tribunal Federal, ‘salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que

provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela’. 7. Recurso

em sentido estrito provido para receber a denúncia e determinar a remessa dos autos à origem para

regular processamento e julgamento do feito.” (TRF 1ª R. – RSE 0031308-04.2015.4.01.3900 –

4ª T. – Rel. Des. Néviton Guedes – J. 21.08.2017)

Remissão Editorial SÍnTESEVide RDD nº 29, fev./mar. 2016, Ementa nº 1665 do JESP.

2090 – Jogos de azar – contrabando – máquina caça-níquel – princípio da insignificância – ma-terialidade e autoria – comprovação

“Penal. Processual penal. Contrabando. Máquina caça-níquel. Princípio da insignificância. Materia-

lidade e autoria. Comprovação. 1. A consumação do crime de contrabando ocorre com a simples

entrada ou saída do produto proibido. Demonstradas a autoria e a materialidade do contrabando de

máquinas ‘caça-níqueis’, e tendo a pena sido aplicada de forma criteriosa e moderada, o suficiente

para reprovação e prevenção do crime, é de ser confirmado o Decreto condenatório. 2. A aplica-

ção da teoria da insignificância, que aconselha, na maioria dos tipos, excluir os danos de pouca

importância, não devendo o direito penal ocupar-se com bagatelas, não se aplica à hipótese em

julgamento, pois o produto contrabandeado tem aplicação em jogos de azar, atingindo a conduta

o bem maior da estabilidade da ordem pública, que pode ser afetada pela prática desses jogos,

consistindo ainda a atividade em contravenção penal. 3. Apelação desprovida.” (TRF 1ª R. – Proc.

00070513820034013801 – Rel. Des. Olindo Menezes – J. 07.08.2017)

2091 – Jogos de azar – exploração em lugar público – atipicidade da conduta – denúncia – re-jeição

“Recurso em sentido estrito. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível

ao público. Atipicidade da conduta. Rejeição da denúncia. Reforma. Afastamento do princípio

da insignificância. Diante da ofensividade expressiva da conduta e do considerável grau de re-

provabilidade do comportamento, qual seja, exploração de onze máquinas ‘caça-níqueis’, que se

encontravam em pleno funcionamento, enquadrando-se a conduta praticada ao estatuído no tipo

de contravenção penal, evidencia-se não manifesta a atipicidade do fato. Sendo certo que, ain-

da que reconhecida no curso do processo, tal só poderá ocorrer após um exame valorativo dos

elementos probatórios dos autos. Recurso em sentido estrito conhecido e provido.” (TJGO – RSE

201690727209 – 2ª C.Crim. – Rel. Jairo Ferreira Junior – DJe 30.08.2017 – p. 220)

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2092 – Nulidade – exploração de jogos de azar – corrupção ativa – flagrante preparado – ab-solvição – não ocorrência

“Apelação criminal. Corrupção ativa. Exploração de jogos de azar. Nulidade. Flagrante preparado. Absolvição. Não ocorrência. Não há que se falar em flagrante preparado, se não evidenciado, pe-las circunstâncias do fato, tenha sido o agente induzido ou instigado a cometer a infração penal. 2. Restituição do valor monetário apreendido. Inviabilidade. inviável a restituição da quantia em dinheiro apreendida, quando ausente prova da sua origem lícita e evidenciado que ela era prove-niente da prática de exploração de jogos de azar. Apelação conhecida e desprovida.” (TJGO – ACr 201591291917 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Leandro Crispim – DJe 30.10.2017 – p. 191)

Trabalhista

2093 – Atleta profissional – alegação de contrato irregular – ausência de prova – responsabili-dade do dirigente – descabimento

“Jogador de futebol. Responsabilização do dirigente do clube esportivo. Inexistência de situação legal. Indeferimento. Vínculo. Rescisão a pedido. Prova documental suficiente. Saldo salarial ine-xistente. Danos morais não configurados. Multa do art. 467 incabível. Recurso obreiro conhecido, preliminar rejeitada e desprovido.” (TRT 10ª R. – RO 0000221-59.2016.5.10.0861 – Rel. Alexandre Nery de Oliveira – DJe 12.09.2017 – p. 571)

Comentário Editorial SÍnTESENo julgamento do recurso em destaque o Tribunal entendeu pelo inocorrência de ilegalidades no

contrato de trabalho do atleta jogador de futebol e ausência de responsabilidade do dirigente.

Segundo o § 11, do art. 27 da Lei nº 9.615/1998, temos que:

“§ 11. Os administradores de entidades desportivas profissionais respondem solidária e ilimita-

damente pelos atos ilícitos praticados, de gestão temerária ou contrários ao previsto no contrato

social ou estatuto, nos termos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. (Re-

dação dada ao parágrafo pela Lei nº 12.395, de 16.03.2011, DOU 17.03.2011)

[...]”

Com efeito, qualquer irregularidade será atribuída a responsabilidade aos dirigentes.

O TRT da 15ª Região assim se pronunciou:

‘Clube de futebol. Responsabilidade solidária dos dirigentes. Nos termos do § 11 do art. 27 da

Lei nº 9.651/1998 (Lei Pelé), só haverá responsabilidade solidária dos dirigentes das entidades

desportivas profissionais se comprovada a prática de atos ilícitos, gestão temerária ou atos

contrários ao previsto no estatuto social, conforme disposição constante art. 1.017 do Código

Civil. Uma vez não comprovado que o 2º réu aplicou créditos ou bens sociais em favor próprio

ou de terceiros, agiu com desvio de finalidade, cometeu ato ilícito ou praticou gestão temerária,

de rigor a rigor a exclusão da responsabilidade solidária que lhe foi imputada por ser dirigente

do clube esportivo.’ (TRT 15ª R. – RO 0001399-92.2013.5.15.0090 – (10955/2017) – Relª

Tereza Aparecida Asta Gemignani – DJe 02.06.2017 – p. 3566)”

O Dr. João Paulo Romero Baldin assim comenta:

“Entidades de prática desportiva são aquelas que se organizam para fins de prática de alguma

modalidade esportiva, e, no caso do artigo em estudo, os clubes de futebol.

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Estatuto social é o conjunto de normas jurídicas, previamente acordadas pelos sócios ou funda-

dores, que regulamentam o funcionamento de uma pessoa jurídica. Em geral, é comum a todo o

tipo de órgãos colegiados, incluindo entidades sem personalidade jurídica.

No Brasil, a grande maioria dos clubes de futebol ainda são regidos pelos seus estatutos sociais.

Na fundação destes clubes, suas atividades eram sócio esportivos, sendo considerados como

clubes associativos e até hoje continuam desta mesma maneira, haja vista que é facultativa

sua transformação em clubes-empresa. Como exemplo constam como clubes-empresa Osasco

Audax São Paulo, Audax Rio de Janeiro, Red Bull Brasil, Ituano Futebol Clube, entre alguns

outros.

[...]

A responsabilidade dos sócios é o ponto mais importante da administração das entidades de

prática desportiva por parte de seus dirigentes ou quem lhe faça as vezes.

[...]

Existem quatro situações. Uma intrinsecamente ligada à constituição da entidade desportiva,

outra atinente a sua administração; a terceira no que tange aos direitos do torcedor e, por fim,

a responsabilidade penal.

Importante observar os §§ 9º, 11 e 13 do art. 27 da Lei Pelé. No § 9º, afirma que é facultado

às entidades desportivas profissionais constituírem-se regularmente em sociedade empresária;

no § 11, os administradores de entidades desportivas profissionais respondem solidária e ilimita-

damente pelos atos ilícitos praticados, de gestão temerária ou contrários ao previsto no contrato

social ou estatuto nos termos do CC/2002; no 13, as atividades profissionais das entidades de

que se trata o caput do art. 27, independentemente de forma jurídica sob a qual estejam cons-

tituídas, equiparam-se às das sociedades empresarias.

Ainda que a entidade de prática desportiva seja constituída como sociedade limitada ou anôni-

ma, o dirigente pode ser responsabilizado pessoalmente, nos termos do art. 50 do CC, ou seja,

trata-se da desconsideração da personalidade jurídica a fim de atingir o patrimônio dos sócios

em caso de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Portanto, caso o dirigente administre

a entidade utilizando-se indevidamente ou conferindo destino diferente ao previsto nos Estatutos

ou de forma que torne difícil distinguir patrimônio pessoal e da entidade, ele pode ser responsa-

bilizado pessoalmente, mediante determinação judicial.

O art. 37 prevê penalização aos dirigentes: destituição dos dirigentes no caso de violação das

regras referentes à transparência na organização e à segurança do torcedor e aos ingressos e

suspensão por seis meses dos dirigentes por violação de regras não contidas nos capítulos do

item anterior. Além disso, equipara o torcedor de qualquer modalidade a consumidor; sendo

assim, o Código de Defesa do Consumidor prevê a desconsideração da personalidade jurídica

para anular ato fraudulento ou abusivo. Considerando a inversão do ônus da prova, em face de

dois princípios: 1) da vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor; e 2) da responsabilidade

objetiva do fornecedor de bens e serviços: é o fornecedor que deverá provar que a culpa pelo

defeito ou fato do produto ou serviço é exclusiva do consumidor ou terceiro, ou que o defeito não

existe, ou que não efetuou o serviço ou não colocou o produto no mercado: arts. 12, § 3º, e 14,

§ 3º, do CDC. Assim, havendo ato fraudulento da entidade de prática desportiva que viole direito

de seu torcedor, também pode ocorrer a responsabilidade dos dirigentes.

O capítulo XI do Estatuto do Torcedor traz um rol de crimes que se aplicam aos envolvidos no

meio esportivo; dessa forma, os dirigentes/administradores também se enquadram nas condutas

descritas do capítulo XI, em seus arts. 41-B a 41-G.

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Vale ressaltar que concorrem os dirigentes e, da mesma forma, em sua responsabilidade penal,

nos delitos previstos no Código Penal pátrio, como sanções fiscais, lavagem de dinheiro etc., ou

seja, em todas as previsões legais que o ordenamento jurídico enquadra como conduta crimi-

nosa.” (O Regime Societário dos Clubes de Futebol e as Responsabilidades de Seus Dirigentes.

Revista SÍNTESE Direito Desportivo, n. 20, ago./set. 2014, p. 88)

2094 – Atleta profissional – cessão por empréstimo – responsabilidade do clube cessionário – alcance

“Recurso ordinário. Atleta. Cessão por empréstimo. Responsabilidade do cessionário pelos débitos trabalhistas atinentes ao lapso do contato temporário. O clube cessionário é responsável pelos dé-bitos trabalhistas relativos ao período do contrato de empréstimo. A uma, por força do estipulado contratualmente. A duas, porque a jurisprudência dominante tem consubstanciado que o cessio-nário arca com a responsabilidade pelos débitos de ordem trabalhista quanto ao tempo que durar o ‘empréstimo’ do atleta. Recurso a que dá provimento parcialmente.” (TRT 6ª R. – RO 0000907-11.2016.5.06.0005 – Relª Nise Pedroso Lins de Sousa – DJe 16.08.2017 – p. 3637)

Remissão Editorial SÍnTESEVide RDD nº 30, abr./maio 2016, Ementa nº 1715 do TRT 3ª R.

2095 – Atleta profissional – direito de arena – natureza remuneratória – alcance

“I – Agravo de instrumento em recurso de revista do reclamante. Não regido pela Lei nº 13.015/2014. Irregularidade de representação. Recurso de revista subscrito por advogado sem mandato regular. Recurso juridicamente inexistente. Caso em que inexiste nos autos instrumento de mandato vá-lido em nome do advogado que subscreveu o recurso de revista, não havendo falar, ainda, em mandato tácito, que ocorre mediante o comparecimento do advogado à audiência, sem procura-ção, mas acompanhado do cliente. Desse modo, considera-se juridicamente inexistente o recurso. Em se tratando de recurso interposto antes da vigência do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), não é possível, nesta fase recursal, a abertura de prazo para regularização da re-presentação processual prevista no art. 13 do CPC/1973, a teor da Súmula nº 383, II, do TST (com redação da Res. 129/2005). Agravo de instrumento não provido. II – Recurso de revista do reclama-do. Não regido pela Lei nº 13.015/2014. 1. Coisa julgada. Ação individual x ação coletiva. Se as ações coletivas devem ser manejadas para a defesa de direitos e interesses coletivos e individuais homogêneos (CDC, art. 81, II e III), apenas estando legitimados os sujeitos expressamente previstos em lei (CDC, art. 82), não se revela correto afirmar a presença de litispendência ou coisa julgada em razão do ajuizamento de ação individual, proposta para a defesa de interesse individual homogêneo ou heterogêneo. Aliás, a análise da litispendência em razão do trânsito de ação coletiva, voltada à defesa de direitos e interesses individuais homogêneos (CDC, art. 81, III), há de se processar em conformidade com o art. 104 do CDC. Além disso, se a coisa julgada na ação coletiva, com efeitos erga omnes, depende necessariamente do resultado de procedência (CDC, art. 103, III), é evidente que nada obsta o trânsito simultâneo das ações coletiva e individual, de sorte que não se pode co-gitar, em qualquer hipótese, do pressuposto processual negativo da coisa julgada. Incide a Súmula nº 333/TST como óbice ao processamento da revista. Recurso de revista não conhecido. 2. Direito de arena. Atleta profissional de futebol. Natureza jurídica remuneratória. reflexos. Esta Corte reco-nhece a natureza remuneratória do direito de arena, aplicando, por analogia, a orientação contida na Súmula nº 354/TST. Recurso de revista não conhecido.” (TST – ARR 133900-14.2009.5.05.0030 – 7ª T. – Rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues – DJe 15.09.2017)

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2096 – Atleta profissional – direito de arena – natureza salarial – contribuição previdenciária – incidência

“Acordo homologado em juízo. Direito de arena. Atleta profissional de futebol. Natureza jurídica salarial. Contribuição previdenciária. Incidência. No caso, o contrato de trabalho firmado entre as partes encerrou-se em 12.01.2011, antes, portanto, da alteração introduzida na Lei nº 9.615/1998 pela Lei nº 12.395/2011. O art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, na sua redação original, estabelecia o seguinte: ‘Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem. § 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autori-zação, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento’ (grifou-se). Com efeito, o direito de arena corresponde ao percentual pago aos atletas profissionais em razão de transmissão e televisionamento dos jogos em que participou, de forma a remunerar o seu direito de imagem. É de se esclarecer que, embora o direito de arena tenha sido estabelecido em razão da transmissão dos eventos esportivos, decorre na verdade da relação empregatícia firmada entre o atleta e a entidade desportiva. A participação do atleta nos eventos esportivos que são televisionados, justificadora do percentual denominado direito de arena, tem fundamento direto na prestação de serviços ao clube, motivo pelo qual não há como afastar a natureza salarial da referida parcela. Salienta-se que, na hipótese, as partes por meio de acordo individual homologado em Juízo, estabeleceram a natureza indenizatória do direito de arena, o que não encontra respaldo na lei, e na jurisprudência, pois, além da alteração da natureza jurídica somente ser possível por meio de convenção coletiva de trabalho, na forma dos arts. 7º, inciso VI, da Constituição Federal e 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, esta Corte superior consagrou o caráter salarial do direito de arena, como espécie de ‘gorjeta’ paga por terceiros e repassada pelo emprega-dor ao empregado, tornando-se, pois, direito indisponível. Assim reconhecida a natureza salarial do ‘direito de arena’, torna-se devida a incidência de contribuição previdenciária sobre o valor transa-cionado pelas partes. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – RR 322-66.2012.5.02.0471

– Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta – DJe 15.09.2017)

Comentário Editorial SÍnTESENo acórdão em estudo verificou-se a incidência da contribuição previdenciária na parcela paga

ao atleta denominada direito de arena.

A incidência da contribuição previdenciária está vinculada as parcelas pagas ao empregado a

título de remuneração.

O Mestre Halley Henares Neto leciona nesse sentido:

“Constituição Federal, em seu art. 195, I, determina que a contribuição previdenciária ao INSS,

devida pelo empregador, incide sobre a folha de salários. De tal modo, a Lei nº 8.212/1991

também preceitua, em arrimo com a Constituição, que a contribuição previdenciária, a cargo do

empregador, incidirá sobre a folha de salários.

O Supremo Tribunal Federal, em reiteradas oportunidades, sobretudo no Recurso Extraordinário

referente à cobrança do antigo pró-labore – Lei nº 7.787/1989 –, já explicitou que por folha de

salários entende-se a remuneração oriunda do trabalho, caracterizado pela existência da relação

de vínculo empregatício, e a jurisprudência trabalhista, em síntese, esclarece, de um modo geral,

que o empregado é aquele que possui vínculo de subordinação e trabalho habitual e exclusivo

em relação a determinado empregador, pessoa jurídica ou pessoa física.

Pois bem, presentes estes conceitos, podemos ver que a contribuição previdenciária deve incidir,

nos termos da lei e da Constituição Federal, sobre as verbas (valores) de caráter remuneratório,

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entendidas como aquelas que são pagas em virtude do produto do trabalho empreendido pelo

empregado durante sua jornada de trabalho.

Por consequência, estão excluídas da incidência da referida contribuição previdenciária todas as

verbas que não tenham esta natureza salarial, de perfil estritamente remuneratório, sob pena

de se incorrer num alargamento do campo de incidência tributária no caso desta contribuição.

[...]

A contribuição previdenciária deverá incidir apenas sobre verba de natureza remuneratória, ex-

cluídas aquelas de natureza indenizatória.

Para determinar quais verbas, dentre as inúmeras existentes em nossa legislação, possuem na-

tureza remuneratória ou indenizatória, os critérios jurídicos usualmente utilizados (habitualidade

x recomposição de dano) não se mostram suficientes à resolução do problema, devendo o intér-

prete lançar mão de um conceito especial (juízo de ponderação), radicado na análise dos fatos

e dos motivos, sobretudo econômicos, existentes no caso concreto (critério pragmático). Nesta

análise, não se deve pura e simplesmente tomar a jurisprudência trabalhista como estabelecida e

estritamente vinculante para o fenômeno tributário, sob pena de ofensa ao art. 109 do CTN, cujo

alcance mostra-se de vital importância para a compreensão do estudo acerca da natureza dessas

verbas em discussão.” (Contribuição previdenciária sobre verbas indenizatórias – proposta de

um novo critério jurídico para análise da legalidade da cobrança. Disponível em: http://online.

sintese.com. Acesso em: 03 nov. 2017)

2097 – Atleta profissional – direito de imagem – fraude – natureza jurídica

“Recurso de revista interposto antes da vigência da Lei nº 13.015/2014. Atleta profissional. Direito de imagem. Natureza jurídica. Fraude. O Tribunal Regional, com base nas provas dos autos, consig-nou que ‘o valor relativo ao “direito de imagem” foi pactuado de forma mensal, independentemente da efetiva exposição da imagem do autor, ou mesmo da quantidade de vezes em que houve tal exposição’. O Colegiado a quo fixou, ainda, que ‘a contratação do pagamento pela exploração do direito de imagem decorreu da relação de emprego, era paga habitualmente e foi concedida irres-tritamente, evidenciando que tal pactuação foi realizada com o fim de burlar direitos trabalhistas, tornando inquestionável a natureza salarial dos valores pactuados’. Ao final, o TRT concluiu que ficou caracterizada a fraude, ‘implicando na invalidade do negócio jurídico pactuado (art. 166, VI, do Código Civil)’. Tendo a instância ordinária decidido que houve burla à legislação, inviável o pro-cessamento do apelo, pois para se concluir de forma distinta, seria imprescindível a reapreciação da prova coligida nos autos, procedimento vedado em sede de recurso de revista, nos termos da Súmula nº 126 do TST. A par disso, esta Corte firmou o entendimento de que a parcela a título de direito de imagem paga ao atleta profissional possui natureza salarial, quando comprovado o intuito fraudulento do contrato de natureza civil. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. Rescisão indireta. Duplo fundamento. Insurgência contra apenas um deles. Verifica-se que o Tribunal Regio-nal, ao manter a rescisão indireta reconhecida na sentença de primeiro grau, amparou-se em dois fundamentos, tratamento com rigor excessivo pelo empregador e pelos superiores hierárquicos do reclamante; e, não cumprimento das obrigações do contrato, nos termos do art. 483, incisos b e d, da CLT. Contudo, o reclamado só insurgiu-se contra um deles, alegando genericamente que o art. 483, d, da CLT não é aplicável ao atleta profissional. Inviável, portanto, o processamento do recurso quando o Tribunal Regional utiliza mais de um fundamento para proferir o acórdão regional e o recorrente ataca apenas um deles, desconsiderando completamente a outra razão de decidir sobre a qual constituída a decisão, suficiente para mantê-la de forma autônoma. Incidência da diretriz inserta no item I da Súmula nº 422 do TST. Recurso de revista não conhecido.” (TST – RR 351-18.2013.5.09.0009 – 2ª T. – Relª Min. Maria Helena Mallmann – DJe 08.09.2017)

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2098 – Atleta profissional – jogador de futebol – direito à liberdade do trabalho – rescisão indireta – cabimento

“Agravo regimental interposto contra decisão da relatora que deferiu o pedido liminar em sede de habeas corpus. Jogador de futebol. Direito à liberdade do trabalho. Rescisão indireta. Verificação da ocorrência, em juízo perfunctório, da fumaça do bom direito e do perigo da demora. 1. Agravo regimental interposto pelo Esporte Clube Internacional de Lajes/SC contra a decisão monocrática desta relatora que deferiu o pedido liminar em habeas corpus para autorizar o paciente, Marcelo dos Santos, a exercer livremente a profissão de atleta de futebol, participando de jogos e treinamen-tos em qualquer localidade e para qualquer empregador, conforme sua livre escolha. 2. Constata-ção do cabimento de habeas corpus na Justiça do Trabalho, ainda que não atrelado às hipóteses de prisão civil e depositário infiel, para abranger não apenas a tutela da liberdade de locomoção, mas também toda e qualquer matéria afeta à atividade jurisdicional trabalhista. 3. Exame do caso con-creto se deu em sede de liminar, cujo juízo próprio é perfunctório e exige apenas o concurso de dos requisitos da aparência do bom direito e do perigo da demora. Não se procede à análise percuciente acerca da rescisão indireta, a qual deve ser objeto na seara própria em sede da reclamação traba-lhista. 4. Relativamente ao fumus boni iuris, permanece plausível o fato de o paciente encontrar-se impedido de exercer a função de jogador de futebol no clube que lhe interessa, em suposta inob-servância aos arts. 1º, II e IV, 5 º, XIII, 6º e 7º da Constituição Federal. 5. No tocante ao periculum in mora, tem-se que manter por tempo indeterminado o paciente vinculado ao empregador sob o qual impôs a pecha de mau cumpridor das obrigações trabalhistas, até porque a própria reclamação trabalhista deve durar longos anos, ofende o direito de liberdade de locomoção, consubstanciado no livre exercício da profissão em qualquer localidade e para qualquer clube de futebol que acaso tenha interesse na sua contratação. 6. Não fosse só isso, a hipótese reclamava medida urgente, pois está em debate questão que envolve o exercício de profissão de curta duração – jogador de futebol – e cujo atleta já tem 41 anos de idade, não sendo crível entender que estaria no auge, mas sim que se encontra em fim de carreira. 7. Precedentes. Agravo regimental conhecido e não provido.” (TST – AgR-HC 5451-88.2017.5.00.0000 – Relª Min. Delaíde Miranda Arantes – DJe 10.08.2017)

Comentário Editorial SÍnTESENo presente caso foi analisada a liberdade ao trabalho do atleta profissional.

Do artigo escrito pelos Drs. Carla Mara Rezende de Oliveira, Daizy Ohana Xavier Gonzalez, Elaine

Cristina Pereira da Costa e Monique Meireles, colhemos a seguinte lição:

“Mas, partindo dessa lógica, é necessário garantir a dignidade da pessoa humana e a liberdade

contratual do atleta em virtude da sua prestação de serviço. Mesmo que o clube negue o direito

do profissional, não pode o mesmo ficar vinculado ao clube que atrasou, em parte ou no todo,

os seus honorários, pois é direito do atleta e existe um labor de contrapartida, devendo ser pago

por existir um vínculo entre as partes.

Se, anteriormente, foi realizado um acordo assinado bilateralmente, isto é, existem direitos e

deveres entre as partes, o empregador, mesmo por meio de contrato por prazo determinado,

deverá obedecer às normas de Direito Desportivo, da CLT e da Constituição Federal, lembrando

que, perante um juiz, na dúvida quanto à interpretação de normas, opta-se pela interpretação

mais favorável ao empregado, por ser hipossuficiente.

[...]

A liberalidade do atleta profissional de futebol chama a atenção no caso de possibilidade de

empréstimos e transferências, pois, a qualquer momento, o atleta pode ser emprestado ou trans-

ferido de um clube para outro. Claro, se estiver previsto em contrato e com consentimento de

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ambas as partes, poderá o atleta ser emprestado ou transferido, mas, mesmo assim, esse fato

muda todo o seu contexto de vida, pois há mudança não só física como mudança habitual de

vida, cultura e tantas outras peculiaridades, envolvendo também a mudança de seus familiares.

Com relação aos benefícios, o atleta ainda tem como renda extra, assim dizendo, a possibilidade

de realizar outros tipos de trabalhos, como: fazer propagandas de marcas esportivas, empresas

do ramo alimentício, bebidas, sucos refrigerantes e, também, o recebimento de ‘bicho’ pelos

atletas de futebol, ‘luvas’, licenciar seu direito de imagem que deve ser observado por ser de

suma importância por fazer parte dos direitos da personalidade, ensejando possíveis transtornos

por envolver a honra, o nome e o corpo do atleta, entre outros (Silva, 2014).

[...]

A legislação específica do Direito Desportivo trouxe, de forma detalhada, a possibilidade da

rescisão indireta, que é a possibilidade de quebra contratual ou rompimento do contrato de tra-

balho por parte do empregado, desde que caracterize motivo justificado, como: atraso no saldo

de salário ou ‘contrato’ de direito de imagem, no todo ou em parte, por período igual ou superior

a três meses, apontando, inclusive, cláusulas de mora, contumaz pelo descumprimento, por

exemplo, de pagamento do FGTS e das contribuições previdenciárias, conforme o art. 31, § 2º.

Vale ressaltar que o direito de imagem possui caráter personalíssimo garantido pela CF/1988, o

que enseja, no termo ‘contrato’ de direito de imagem, uma versão distorcida, pois os direitos de

personalidade são protegidos por ser de suma importância e não podem ser tratados de forma

grosseira ou meramente contratual.

A possibilidade de rescisão indireta do atleta profissional devido aos meses sem receber saldo

de salário e recolhimento irregular do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), com base

na liberdade contratual do profissional, está garantida pelo art. 31 da Lei nº 9.615/1998 [...].”

(Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho em Virtude da Liberdade Contratual do Atleta Profis-

sional. Revista SÍNTESE Direito Desportivo, n. 33, out./nov. 2016, p. 97)

2099 – Atleta profissional – unicidade contratual – prescrição – não configuração

“I – Agravo de instrumento em recurso de revista do reclamante. Prescrição. Atleta profissional. Unicidade contratual. Não configuração (Súmula nº 333 do TST). Não merece ser provido agravo de instrumento que visa a liberar recurso de revista que não preenche os pressupostos contidos no art. 896 da CLT. Agravo de instrumento não provido. II – Recurso de revista do reclamado. 1. Litispendência. Ação individual x ação coletiva ajuizada pelo sindicato como substituto proces-sual. Não configuração. Conforme entendimento da SBDI-1 desta Corte Superior, a existência de ação coletiva não obsta o ajuizamento e o prosseguimento de ação individual ajuizada pelo titular do direito material, ainda que idêntico o objeto das referidas ações. Tal situação, nos termos do art. 104 do CDC, não induz litispendência, uma vez que os efeitos da decisão de eventual procedência da ação coletiva não se estenderão ao autor da ação individual que, inequivocamente ciente do ajuizamento da ação coletiva, não haja optado, anteriormente, pela suspensão do curso da sua ação individual. Recurso de revista não conhecido. 2. Carência de ação. Ausência de interesse de agir. Considerando-se a conclusão anterior, de que a ação coletiva não induz litispendência (nem coisa julgada) em relação à ação individual, não há de se falar em ausência de interesse de agir, na medida em que o autor teve de se valer da via judicial para alcançar o bem da vida pretendido, porquanto resistido pela parte adversa, sendo o processo o meio concreto para lhe trazer utilida-de real. Além disso, o autor alega na inicial que o referido acordo confere quitação apenas até o limite do valor recebido, sem excluir a possibilidade de o atleta pleitear a diferença que entender cabível. Evidente o binômio necessidade/utilidade. Recurso de revista não conhecido. 3. Direito

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de arena. Lei nº 9.615/1998. Contrato de trabalho anterior à Lei nº 12.395/2011. Redução do per-centual. Segundo a atual jurisprudência desta Corte, o percentual de 20%, previsto no art. 42, § 1º, da referida Lei nº 9.615/1998, vigente à época do contrato de trabalho do autor, é o mínimo a ser distribuído aos atletas, para o cálculo do direito de arena, não podendo ser reduzido por acordo judicial ou negociação coletiva, nem tampouco ser suprimido ou ser considerado incluído no valor da remuneração, sob pena de configurar ou a mera renúncia a direito expressamente assegurado pela Constituição Federal (art. 5º, XXVIII, a) ou o seu pagamento de forma complessiva, o que é vedado pelo ordenamento trabalhista, nos termos da Súmula nº 91 do TST. Recurso de revista não conhecido. 4. Direito de arena. Natureza jurídica. Nos termos do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, o direito de arena refere-se ao percentual pago aos atletas profissionais em face da transmissão e televisionamento dos jogos em que o jogador participou, remunerando seu direito de imagem. Daí infere-se que o direito decorre da relação de emprego firmada entre ente desportivo e atleta, sendo que este presta serviços ao clube, motivo pelo qual enseja a natureza salarial da verba. Precedentes. Recurso de revista não conhecido.” (TST – ARR 15300-51.2009.5.04.0001 – Relª Min. Delaíde Miranda Arantes – DJe 01.09.2017)

2100 – Atleta profissional de futebol – acréscimos remuneratórios – necessidade de contrata-ção expressa – descabimento

“Atleta profissional de futebol. Acréscimos remuneratórios. Necessidade de contratação expressa. Os acréscimos remuneratórios, parcela salarial que se destina à satisfação dos períodos de concen-tração, viagens, pré-temporada e participação em partidas, prova ou equivalente, são um direito assegurado ao atleta profissional, cujo pagamento, porém, depende de expresso ajuste contratual. A mera previsão legal, conforme se extrai da parte final da Lei nº 9.615/1998, art. 28, § 4º, III, é insuficiente para gerar à entidade desportiva a obrigação de adimplemento e, ao atleta, o direito ao seu recebimento. Inexistente a pactuação, inexiste o direito aos acréscimos remuneratórios.” (TRT 12ª R. – RO 02286-2013-041-12-00-0 – Relª Ligia Maria Teixeira Gouvêa – DOE 22.08.2017)

2101 – Atleta profissional de futebol – direito de arena – percentual mínimo legal – redução por acordo judicial ou norma coletiva – impossibilidade

“Agravo de instrumento em recurso de revista interposto pelo reclamante em face de decisão pu-blicada antes da vigência da Lei nº 13.015/2014. Atleta profissional de futebol. Direito de arena. Contrato de trabalho regido pela Lei nº 9.615/1998, antes da edição da Lei nº 12.395/2011. Per-centual mínimo legal. Impossibilidade de redução por acordo judicial ou norma coletiva. Compe-tições nacionais e internacionais. Agravo de instrumento a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, ante a demonstração de possível afronta ao art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998. Recurso de revista em face de decisão publicada antes da vigência da Lei nº 13.015/2014. Prescrição. Contratos sucessivos. Matéria fática. O Tribunal regional, soberano na análise do conjunto fático-probatório dos autos, registrou que, ‘na inicial, o reclamante em nenhum momento aponta a existência de dois contratos nem almeja o reconhecimento da nulidade dos mes-mos ou a unicidade contratual’. Diante disso, manteve a sentença que declarou prescritas as pre-tensões referentes às parcelas relativas ao primeiro contrato, cujo término ocorre em 30.01.2006. O exame da tese recursal, em sentido contrário, esbarra no teor da Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista de que não se conhece. Atleta profissional de futebol. Direito de arena. Contrato de tra-balho regido pela Lei nº 9.615/1998, antes da edição da Lei nº 12.395/2011. Percentual mínimo legal. Impossibilidade de redução por acordo judicial ou norma coletiva. Competições nacionais e

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internacionais. Nos termos do disposto no art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento. O atual entendimento que tem se firmado no âmbito desta Corte é no sentido de que nem a norma coletiva nem o acordo judicial firmado entre o reclamado e o sindicato da categoria podem afastar a incidência da norma legal, por ser mais benéfica ao atleta e, também, porque deve ser respeitada como patamar mínimo a que alude o caput do art. 7º da Constituição Federal. Merece reforma a decisão regional. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. Agravo de instrumento em recurso de revista interposto pelo reclamado em face de decisão publicada antes da vigência da Lei nº 13.015/2014. Atleta profissional de futebol. Direito de arena. Contrato de trabalho regido pela Lei nº 9.615/1998, antes da edição da Lei nº 12.395/2011. Percentual mínimo legal. Competições nacionais e inter-nacionais. Em virtude da aplicação do percentual mínimo de 20%, previsto no art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, tanto para os campeonatos nacionais quanto para os internacionais, fica prejudica-da a análise do agravo de instrumento do réu.” (TST – ARR 190200-23.2009.5.02.0048 – 7ª T. – Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão – DJe 10.08.2017

Comentário Editorial SÍnTESEO cerne da controvérsia girou em torno da redução do percentual do direito de arena.

Na lição do Dr. Rafael Miziara, encontramos:

“O direito de arena não abarca o direito à imagem fora do campo, como bem adverte Homero

Batista Mateus da Silva (2015, p. 224). Não se confundem direito de arena e direito de imagem.

Podem-se apontar, pelo menos, quatro principais diferenças entre os institutos.

O direito de arena, que pertence à entidade de prática desportiva, é outorgado coletivamente aos

atletas profissionais pela mera participação nos eventos desportivos, ainda que, por permanecer

no banco de reservas, não tenha entrado em campo. Já o direito de imagem é cedido ou explo-

rado, mediante ajuste contratual personalíssimo, que visa às qualidades individuais do atleta,

não sendo mera decorrência do serviço prestado, mas fruto daquilo que ele consegue expressar

fora do evento esportivo.

Quanto à titularidade também se diferenciam, pois o direito de arena, como visto, pertence à

entidade de prática desportiva e o direito de imagem pertence ao atleta, singularmente consi-

derado.

Igualmente, o direito de arena decorre da execução natural do contrato de trabalho e o direito de

uso de imagem não decorre da execução do contrato.

[...]

Caso concreto: é possível a redução do percentual do direito de arena via negociação coletiva?

O TST entendeu que quer se trate de acordo judicial cível, quer se trate de negociação coletiva,

o percentual a título de direito de arena não comporta redução.

O art. 5º, XXVIII, a, da CF, destinado à proteção dos direitos fundamentais, engloba o direito de

arena, de modo que a expressão ‘salvo convenção em contrário’, contida no art. 42, § 1º, da Lei

Pelé, em sua redação original, não configura permissão para a redução do percentual mínimo

estipulado.

No caso, registrou o TRT a existência de acordo judicial, perante o juízo cível, autorizando a

redução de 20% para 5% do montante devido aos profissionais de futebol participantes dos

eventos desportivos.

Advirta-se que, mesmo na atual redação da Lei, não se admite a redução do percentual via

negociação coletiva, por se tratar de direito de indisponibilidade absoluta.

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Com efeito, o § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, ao resguardar ao atleta profissional per-

centual do valor negociado a título de direito de arena pela entidade desportiva, estabelece-o

em patamar mínimo, não podendo este ser renunciado ou transacionado a menor, sob pena de

ofensa ao princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas.

Sob esses fundamentos, a SBDI-1, por unanimidade, conheceu do recurso de embargos, por

divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, negou-lhe provimento.

Vencidos os Ministros Aloysio Corrêa da Veiga, Ives Gandra Martins Filho, Brito Pereira,

Guilherme Augusto Caputo Bastos e Walmir Oliveira da Costa.” (Direito de arena. Revista SÍN-

TESE Direito Desportivo, n. 31, jun./jul. 2016, p. 227)

2102 – Atleta profissional de futebol – indenização substitutiva pela não contratação do seguro contra acidentes – cabimento

“Atleta profissional de futebol. Indenização substitutiva pela não contratação do seguro contra aci-dentes previsto no art. 45 da Lei nº 9.615/1998. Indeferimento. O art. 45 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) impõe aos clubes de futebol profissional a obrigação de contratar seguro contra acidentes em benefício de seus atletas. Contudo, considerando que o comando legal retro não estabelece regra punitiva para a hipótese de descumprimento da obrigação de contratar ali instituída, o deferimento de indenização substitutiva exige a demonstração do efetivo prejuízo causado ao atleta por essa omissão do clube ao qual ele está vinculado. In casu, ausente a prova do alegado prejuízo, indefere--se a indenização pleiteada. Dano moral. Indenização indevida. Ausência de ilicitude na conduta patronal. O reconhecimento do dano moral indenizável demanda a presença dos requisitos essen-ciais da prática de ato ilícito, do prejuízo causado e do nexo de causalidade. No caso dos autos, inexistente prova de que o empregador haja se conduzido de modo abusivo ou ilegal ao romper o liame empregatício com o reclamante, denega-se a pretensão reparatória a esse título.” (TRT 7ª R. – RO 0000281-92.2012.5.07.0008 – Rel. Antonio Marques Cavalcante Filho – DJe 30.10.2017 – p. 1290)

2103 – Direito de arena – redução do percentual – acordo judicial – efeitos

“Agravo em agravo de instrumento em recurso de revista. Pedido de nulidade do despacho do relator por negativa de prestação jurisprudencial. Tem-se pleno conhecimento do disposto no § 3º do art. 1.021 do CPC/2015, que limitou o relator a simplesmente reproduzir as decisões agravada/recorrida (fundamentação per relationem) que seriam, no seu entender, suficientes para embasar sua decisão. Contudo, do exame detido da r. decisão denegatória concluiu-se que a parte agravante não logrou demonstrar o preenchimento de qualquer das hipóteses de admissibilidade do recurso de revista, nos termos do art. 896 da CLT. Assim, não foi simplesmente ratificada ou reproduzida a decisão agravada, mas sim realizada uma análise da possibilidade do provimento do apelo, assim como afastados os argumentos e dispositivos invocados nas razões recursais, mesmo que de forma sucinta pelo relator, nos termos do art. 5º, LV, LXXVIII, da CF/1988. Dessa forma, não há negativa de prestação jurisdicional a ser declarada, assim como fica afastada a violação do art. 93, IX, da CF. Redução do percentual do direito de arena. Acordo judicial. Trata-se de redução do direito de arena de contrato desportivo que teve toda a sua vigência em período anterior à alteração da Lei nº 12.395/2011, em que as partes firmaram acordo judicial perante o juízo cível prevendo a redu-ção do percentual do direito de arena de 20% para 5%. A nova lei alterou o texto do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, estabelecendo para os atletas o percentual de 5% a título de direito de arena e a natureza civil da parcela. Pelo texto anterior da lei, o direito de arena era de, no mínimo, 20% e a jurisprudência firmou-se no sentido de que a parcela era de natureza remuneratória. A lide deve ser analisada sob a redação e interpretação da lei antiga (tempus regit actum), porque o contrato

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desportivo teve início, desenvolvimento e fim antes da vigência da Lei nº 12.395/2011. Pelo texto da lei antiga, salvo convenção em contrário, o percentual aplicável era o de 20%. A convenção a que aludia a lei era, evidentemente, a coletiva, inclusive porque a participação era para distribuição coletiva aos atletas. E a convenção coletiva de trabalho, redutiva de direitos para 5%, não foi fir-mada. O que foi firmado foi um acordo em juízo incompetente para o desiderato (Juízo Cível), sem que a categoria representada pelo sindicato dos atletas o tivesse autorizado em assembleia. Assim, tem-se por ineficaz, para efeitos trabalhistas, o acordo judicial, visto que foi celebrado sem que a ca-tegoria profissional fosse ouvida, com vício de forma, e sendo o referido acordo firmado perante um juízo incompetente. Direito de arena. Natureza jurídica remuneratória. A decisão regional está em conformidade com a atual jurisprudência desta c. Corte, cujo posicionamento é de que o direito de arena tem natureza salarial, repercutindo nos reflexos da remuneração do empregado. Precedentes. Agravo conhecido e desprovido.” (TST – Ag-AIRR 15200-38.2006.5.02.0040 – Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte – DJe 18.08.2017)

2104 – Execução – associação desportiva – desconsideração da personalidade – dirigente – pe-nhora de conta bancária – alcance

“Mandado de segurança. Execução. Associação desportiva. Desconsideração da personalidade. Di-rigente. Penhora de conta bancária. O art. 50 do Código Civil adotou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ‘Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica’. No caso vertente, a ausência de pagamento de salários e outros recolhimentos trabalhistas em favor do atleta profissional caracteriza mau gerenciamento das finanças pelos diri-gentes dos clubes. Portanto, possível a assunção da responsabilidade dos dirigentes das associações esportivas nos termos do art. 1.017/CC e do art. 27 da Lei nº 9.615/1998. Ademais, em relação ao bloqueio na conta bancária propriamente dito, é de se verificar que o impetrante, apesar da alega-ção, não comprovou se tratar de conta salário ou que os depósitos nela existentes fossem impenho-ráveis na forma da lei. Por nenhum ângulo se afigura hipótese de malferimento de direito líquido e certo, porquanto o ato praticado pela autoridade dita coatora decorre de previsão legal, não se verificando, no caso concreto, qualquer elemento que lhe subtraia a legalidade. Não há falar em afronta às garantias constitucionais invocadas pela parte impetrante, decorrendo o referido ato, pre-visto em lei, de procedimentos processuais regularmente praticados.” (TRT 10ª R. – MS 0000135-18.2017.5.10.0000 – Rel. Dorival Borges de Souza Neto – DJe 18.09.2017 – p. 79)

2105 – Relação de emprego – atleta não profissional – inexistência

“Atleta não profissional. Relação de emprego inexistente. Não ficou evidenciada a existência de vínculo empregatício entre as partes, eis que o conjunto fático-probatório, carreado aos autos, não demonstra os requisitos necessários ao preenchimento da condição de empregado, na forma do art. 3º, da CLT, mas de atleta não-profissional de futebol de salão, à luz da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998.” (TRT 8ª R. – RO 0001129-86.2016.5.08.0016 – Rel. Vicente Jose Malheiros da Fonseca – DJe 02.10.2017 – p. 780)

2106 – Rescisão indireta – atleta profissional de futebol – inocorrência

“Recurso de revista. Rescisão indireta. Atleta profissional de futebol. Inocorrência No caso, não

é possível reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho do atleta profissional devido ao

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inadimplemento dos salários relativos aos dois últimos meses do pacto laboral, pois a hipótese não

se amolda ao art. 31, caput, da Lei nº 9.615/1998, que exige a mora do empregador por período

igual ou superior a três meses. Cláusula penal. Rescisão contratual. Atleta profissional de futebol o

acórdão regional está em harmonia com a jurisprudência desta Corte no sentido de que a cláusula

penal disciplinada pelo art. 28 da Lei nº 9.615/1998. Na redação, vigente à época da celebração do

contrato de trabalho, corresponde à indenização devida apenas à entidade desportiva, na hipótese

de extinção do contrato por iniciativa do empregado. Julgados. Alimentação e alojamento. Nature-

za jurídica o Eg. TRT registrou que a alimentação e o alojamento fornecidos não ostentavam caráter

contraprestativo pelo trabalho realizado, mas comodidades propiciadas ao atleta. Óbice da Súmula

nº 126 do TST. Recurso de Revista não conhecido.” (TST – RR 250-59.2012.5.15.0005 – 8ª T. – Relª

Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi – DJe 18.08.2017)

2107 – Responsabilidade trabalhista – clube de futebol – desconsideração da personalidade jurídica – alcance

“Agravo de petição. Desconsideração da personalidade jurídica. Clube de futebol. Responsabilida-de dos dirigentes. Possibilidade. A legislação especial que institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências (art. 27, da Lei nº 9.615/1998), estabelece a aplicação do instituto da des-consideração da personalidade jurídica às entidades de prática desportiva, autorizando a sujeição dos bens particulares de seus dirigentes, ante o inadimplemento da verba trabalhista pela pessoa jurídica.” (TRT 3ª R. – Ap 0092740-17.2003.5.03.0081 – 4ª T. – Relª Paula Oliveira Cantelli – DJe 02.10.2017)

2108 – Responsabilidade trabalhista – dirigente do clube esportivo – inexistência de situação legal – efeitos

“Jogador de futebol. Responsabilização do dirigente do clube esportivo. Inexistência de situação legal. Indeferimento. Vínculo. Rescisão a pedido. Prova documental suficiente. Saldo salarial ine-xistente. Danos morais não configurados. Multa do art. 467 incabível. Recurso obreiro conhecido, preliminar rejeitada e desprovido.” (TRT 10ª R. – RO 0000221-59.2016.5.10.0861 – Rel. Alexandre Nery de Oliveira – DJe 12.09.2017 – p. 571)

2109 – Responsabilidade trabalhista solidária – clube de futebol – grupo econômico – alcance

“Recurso de revista em face de decisão publicada antes da vigência da Lei nº 13.015/2014. Respon-sabilidade solidária. Grupo econômico. O Tribunal Regional concluiu, com base nos fatos e nas provas dos autos, pela responsabilização solidária da Celsp. Além dos depoimentos prestados, cons-tam vários trechos no v. acórdão proferido em sede de recurso ordinário que comprovam a confi-guração do grupo econômico: ‘a responsável pelo departamento pessoal da segunda reclamada era empregada da primeira reclamada. Além disso, os documentos apresentados pelo autor demons-tram que as rés foram representadas em audiência por preposta comum, tendo as solenidades se realizado contemporaneamente ao contrato de trabalho do autor... O clube de futebol reclamado nasceu no seio da Universidade Luterana do Brasil, criado pelos membros da administração daque-la entidade escolar na época, a exemplo do reitor, vice-reitor e diretores, inclusive jurídico. O clube de futebol sempre utilizou as dependência do campus da Ulbra de Canoas, inclusive o estádio de futebol, restaurante universitário, equipamentos de treinos, etc. Ostentou o time de futebol em sua insígnia a Rosa Luterana Estilizada, tal como a universidade... A defesa dos interesses da reclamada no presente processo sempre foi levada a efeito pelo quadro jurídico da Celsp, tanto que a procura-

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ção restou outorgada na fl. 25 por Leandro Eugênio Becker, vice-presidente do clube de futebol e vice-reitor da Ulbra. A representação da reclamada nas audiências no presente processo se deu através da preposta Paula Fantinel conforme a carta de preposto de fl. 24, empregada a Celsp. A defesa da reclamada sempre atuou no presente processo com papel timbrado da Celsp – vide con-testação das fls. 28 e seguintes... Na ficha de registro de empregados do reclamante consta a refe-rência da primeira reclamada e não do segundo reclamado. Nos termos de rescisão, referente ao mesmo contrato, consta como empregador o segundo reclamado. Neste sentido, também são os documentos da fls. 140-156, 161 e 185-190, dentre os quais se incluem o contrato de trabalho do reclamante e os recibos de pagamento correspondentes... As atas de audiência demonstram já terem os reclamados sido representados pela mesma preposta em mais de uma oportunidade’. Conforme se constata do quadro fático delineado, os elementos configuradores da responsabilidade solidária das rés estão presentes. Nesse esteio, a reforma da decisão como pretendida pela Ré, com a verifi-cação de que não haveria grupo econômico, demandaria o reexame de fatos e provas, procedimen-to vedado nesta instância extraordinária, conforme a Súmula nº 126 do TST. Incólume o art. 2º, § 2º, da CLT. Inviável o processamento do recurso de revista por divergência jurisprudencial, pois o único aresto transcrito é inespecífico, nos termos da Súmula nº 296/TST. Recurso de revista não conhecido. Ajuda de custo. A Corte a quo, após apreciação do conjunto fático-probatório, registra que os valores pagos se tratavam de efetiva retribuição pelo trabalho realizado pelo autor, não ten-do vinculação a eventual despesa por ele realizada. O quadro fático delineado é de que a verba citada era paga mensalmente, em valores fixos, que variavam apenas em decorrência dos reajustes ocorridos; consta ainda que não há demonstração de que o seu pagamento estava condicionado à apresentação de algum comprovante de despesa realizada pelo autor. Assim, a conclusão inafastá-vel é de que a parcela paga não se trata de ajuda de custo. Nesse contexto, diante das premissas fáticas estabelecidas no julgado, a acolhida da tese recursal em sentido contrário demandaria o re-exame do contexto fático-probatório, procedimento que encontra óbice na Súmula nº 126 desta Corte, o que inviabiliza o prosseguimento do apelo. Incólumes os arts. 457, § 2º, da CLT e 7º, XXVI, da Constituição da República. Recurso de revista não conhecido. Direito de imagem. Técnico de futebol profissional. A conclusão do Tribunal Regional foi de que os valores pagos a título de ‘direi-to de imagem’ remuneravam, na verdade, a contraprestação do serviço e não o uso da imagem do atleta, motivo por que atribuiu natureza salarial à parcela. O TRT registra expressamente que não há prova de que o autor tenha tido sua imagem veiculada no curso do contrato, de forma a dar publi-cidade à sua pessoa ou ao clube; que a exposição ocorrida no curso do contrato se resumiu a ter o nome do autor veiculado em nominatas da comissão técnica e também em página da internet; os valores a título de direito de imagem eram pagos mensalmente ao empregado em valor fixo; Ocor-reu a incorporação do valor correspondente no salário do autor a partir de janeiro de 2008. Ora, direito de imagem é o direito de comercialização do retrato ou do valor que pessoa representa. Cuidando-se de agremiação da série C, do interior do Rio Grande do Sul, cuja própria notoriedade e dos jogadores é bastante restrita, chega-se à conclusão de que, apesar da importância do trabalho do técnico de futebol do Canoas Sport Club, tudo leva a crer que ele não tinha imagem a vender e nem interessados a obtê-la, presumindo-se, assim, a fraude. Acrescente-se ainda o registro expresso pelo Tribunal Regional que em 2008 o valor do direito de imagem foi incorporado ao salário do atleta. O fato de o direito de imagem ter sido incorporado ao salário do autor implica em reconhe-cimento pela ré de que era salário propriamente dito e não direito de imagem. Além disso, diante da falta de notoriedade do técnico, para efeito de sua imagem, caberia à entidade de prática despor-tiva, comprovar não apenas o fato da contratação da imagem, mas também o fato da efetiva explo-ração dela. Assim, não há como esta Corte Superior incursionar no contexto fático-probatório dos autos para desautorizar tal conclusão, nos termos da Súmula nº 126 do TST. E consta do acórdão regional que a ré não juntou aos autos o acordo coletivo alegado, motivo pelo qual a Turma Regio-

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nal não analisou a controvérsia sob esse enfoque. Nesse esteio, não há como se constatar ofensa ao art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, ante a ausência de prequestionamento (Súmula nº 297/TST). Os arestos colacionados não impulsionam o conhecimento do recurso de revista porque provenien-tes de Turma do TST e do mesmo órgão prolator da decisão recorrida, órgãos judicantes não elen-cados no art. 896, a, da CLT. Incólumes os arts. 457, § 2º, da CLT e 7º, XXVI, da Constituição da República. Recurso de revista não conhecido. Indenização pelo término antecipado do contrato. Ausência de condenação em danos morais. Recurso que não impugna os fundamentos da decisão recorrida. Recurso calcado apenas na alegação de violação dos arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC e em divergência jurisprudencial. A Corte de origem, com base nas provas dos autos, concluiu que o autor firmou ‘contrato por prazo determinado’ com a ré, em 07.10.2007, sendo estipulado como termo final o término do Campeonato Gaúcho de 2008 e que o contrato de trabalho foi ‘extinto antes do prazo’ previamente ajustado. Por essa razão, entendeu ser devida a indenização do art. 479 da CLT. Todavia, não há no recurso de revista qualquer insurgência contra o fundamento ado-tado pelo acórdão recorrido. Nas razões do recurso de revista, a reclamada limita-se a sustentar ser indevida a indenização por danos morais, pois o dano moral não pode ser presumido, devendo existir prova concreta e robusta acerca do dano e do nexo causal. Nesse particular, o recurso de revista esbarra no item I da Súmula/TST nº 422. Recurso de revista não conhecido. Honorários ad-vocatícios. Assistência sindical. Necessidade. Esta e. Corte, pacificando entendimento acerca do cabimento de honorários assistenciais na Justiça do Trabalho, nos termos da Súmula nº 219, I, regis-tra que nas lides decorrentes da relação de emprego é necessário o preenchimento de dois requisi-tos para o deferimento da verba, quais sejam: estar a parte assistida por sindicato da categoria pro-fissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família. No caso dos autos, o empregado não está assistido por entidade sindical. Considerando que nesta Justiça Especializada o deferimento de honorários advocatícios se sujeita à constatação da ocorrência concomitante dos requisitos já citados e não existindo a assistência sindical ao empre-gado, indevido é o pagamento de honorários advocatícios. Incide à espécie a Súmula nº 219, I, do TST. Recurso de revista conhecido por contrariedade à Súmula nº 219 do TST e provido. Conclusão: Recurso de revista parcialmente conhecido e provido.” (TST – RR 316-04.2010.5.04.0203 – 3ª T. – Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte – DJe 15.09.2017)

Tributário

2110 – Embargos de declaração – CDs/DVDs contendo jogo eletrônico para aparelho de videogame – software – regulamento aduaneiro – inaplicabilidade

“Embargos de declaração. Tributário. Direito aduaneiro. CDs/DVDs contendo jogo eletrônico para aparelho de videogame. Software. Regulamento aduaneiro, art. 81, caput. Incidência. Omissão. Não ocorrência. 1. Não merecem prosperar os aclaratórios opostos pela impetrante, no que atine à suposta omissão quanto à União Federal ser a demandada, e não a autoridade coatora apontada. 2. Nesse sentido, igual sorte é reservada ao pleito atinente à suposta ilegitimidade da autoridade coatora, invocada pela União Federal em seu contrarrazoado de fls. 122 e ss. do presente writ. 3. Nesse passo, cumpre assinalar que, segundo a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a estrutura complexa da Administração Pública muitas vezes dificulta o exato apontamento da autoridade que deve figurar no feito, motivo pelo qual eventual falha nessa indicação não pode ser, de plano, óbice ao reconhecimento de direito líquido e certo amparado por remédio constitu-cional. 4. Em que pese, com efeito, a jurisdição administrativa em tela estar submetida à Inspeto-

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ria Alfandegária responsável pelo desembaraço das mercadorias, face aos termos da Portaria RFB nº 1.300/2012, importa anotar que as informações, efetivamente prestadas pelo Delegado da Recei-ta Federal do Brasil em Ribeirão Preto/SP – fls. 54 e ss. do presente mandamus – denotam a ausência de efetivo prejuízo à União Federal e ao Fisco, seja em razão da inexistência de qualquer limitação de acesso ao Poder Judiciário, seja quanto ao exercício do direito de defesa, nos termos do art. 277 do CPC vigente, a tanto que a União, inclusive, interveio reiteradas vezes, ao longo do processo, apresentando contrarrazões ao recurso da impetrante, às fls. 100 e ss., e agora opondo os presentes embargos, bem como oferecendo contraminuta aos embargos também opostos pela referida im-petrante – fls. 122 e ss. 5. Destarte, não merece guarida os argumentos alinhados pela impetrante, uma vez que a autoridade apontada como coatora encontra-se devidamente representada pela Pro-curadoria da Fazenda Nacional, Divisão de Acompanhamento Especial da PRFN da 3ª Região. 6. Precedentes: STJ, AgRg-Ag 1.076.626/MA, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, J. 21.05.2009, DJe 29.06.2009; TRF 3ª R., AC/Reex 2014.61.00.011120-0/SP, Relª Desª Fed. Marli Ferreira, 4ª T., J. 21.10.2015, DE 04.11.2015. 7. Quanto às questões de fundo, suscitadas pelos embargos opostos pela União Federal, também falecem à míngua de fundamento legal. 8. Inicialmente, importa observar que os embargos de declaração são cabíveis quando houver na sentença ou acórdão obscuridade, con-tradição ou omissão, conforme prevê o art. 1.022 do Código de Processo Civil. 9. Na verdade, no que toca à alegação de omissão e possível prequestionamento, pretende, a União, simplesmente, que esta Turma proceda à reapreciação da matéria, o que não se admite em sede de embargos de declaração, que não se prestam à modificação do que foi minudentemente decidido. 10. Adira-se, a propósito, que a questão ora ventilada, acerca do acréscimo, efetuado pela Receita Federal, quando do despacho aduaneiro, da cobrança do valor atinente ao software ao do suporte físico do produto, ao arrepio do disposto no Regulamento Aduaneiro, o Decreto nº 6.759, de 05.02.2009, em especial o seu art. 81, foi exaustivamente examinada no acórdão ora atacado, onde lá restou assentado que ‘com efeito, com razão a apelante. Como bem pontuou o I. Parquet, em seu judicioso parecer de fl. 108 e ss. Do presente writ, ‘[...] não cabe no caso em tela, aplicar o valor do acréscimo do valor do software, tendo em vista se tratar apenas de suporte físico, que permite o processamento de da-dos ao ser acompanhado de outros programas, não estando configurada, inclusive, a possibilidade do conceito de software ser integrado a uma valoração do trabalho intelectual e artístico dos pro-gramadores, conforme entendimento exarado na r. sentença’, bem como ficou expressamente fir-mado que ‘destarte, a decisão da Receita Federal, ao equiparar os CDs/DVDs, peças integrantes dos softwares que compõem os videogames em processo de importação, objetos da presente demanda, à mídia digital de música e filmes, afastando a regra insculpida no referido art. 81, caput, do Regu-lamento Aduaneiro, acaba por acarretar um aumento da base de cálculo do tributo, ao arrepio da legislação de regência’. 11. Nesse exato sentido, restou ainda assinalado que ‘restringindo o objeto recursal ao enquadramento da mídia de videogame para fins da incidência do art. 81 do Decreto nº 6.759/2009, mister reconhecê-la como software, já que se amolda ao conceito previsto no art. 1º da Lei nº 9.609/1998 [...] A tese de que a finalidade da mídia como entretenimento afastaria a aplicação do art. 81 deve ser refutada. Do cotejo das duas normas aventadas, conclui-se não haver qualquer restrição quanto à finalidade do software, seja para sua definição ou para a abrangência da delimitação de sua base de cálculo como o custo do suporte físico, não cabendo à Adminis-tração, sponte sua, restringir uma determinação legal’ (Ag.Leg.-AC/Reex 2010.61.19.009253-7/SP, Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, 6ª T., J. 07.04.2016, DE 20.04.2016). 12. No mesmo diapa-são, esta C. Corte, no Ag.Leg.-AC/Reex 2014.61.02.006588-7/SP, Rel. Des. Fed. Antônio Cedenho, 3ª T., J. 19.11.2015, DE 30.11.2015; no AI 2010.03.00.024342-8/SP, Relª Desª Fed. Marli Ferreira, 4ª T., J. 10.03.2011, DE 06.04.2011. 13. Em idêntico andar, STJ, REsp 1.478.412/PR, Relª Min.

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Regina Helena Costa, decisão de 18.04.2016, DJe 20.04.2016. 14. Ambos os embargos de declara-ção rejeitados.” (TRF 3ª R. – EDcl-AC 0000538-27.2016.4.03.6102/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Marli Ferreira – DJe 22.08.2017 – p. 401)

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Seção Especial – De Frente para o Gol

Brasil: O Gosto pelo “Retrocesso” e o Oitavo Gol Alemão

vITOR DE ARAúJO EvAngELISTAGraduando em Direito pela Escola Superior Dom Hélder Câmara.

RESUMO: O presente artigo trata dos reflexos trazidos aos clubes brasileiros pela lei do Profut e como eles os afetam e contribuem para a evolução do esporte, além da decisão proferida pelo Ministro do STF Alexandre de Moraes em setembro de 2017. O objetivo do estudo é apontar em que medida a derrubada de determinadas exigências da lei pode ser prejudicial ao ludopédio.

PALAVRAS-CHAVE: Profut; retrocesso; liminar STF; evolução esporte; clubes brasileiros; finanças.

ABSTRACT: This article deals with the reflexes brought to Brazilian clubs by the law of Profut and how they affect and contribute to the evolution of the sport, in addition to the decision made by STF Minister Alexandre de Moraes in September 2017. The purpose of the study is to point out to what extent the overruling of certain requirements of the law may be harmful to soccer.

KEYWORDS: Profut; regress; injuction STF; sports evolution; Brazilian clubs; finances.

SUMÁRIO: Introdução; I – Finanças dos clubes e Profut – II – Liminar do STF e seus desdobramentos; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Em 2014, o Brasil sediava a Copa do Mundo recheado de expectativas quanto ao hexa. Porém, numa fatídica noite em Belo Horizonte, a seleção canarinho sucumbiu diante dos alemães através de uma goleada expressiva por 7 x 1. A partir daí, milhares de teorias sobre retrocesso em relação ao futebol praticado, aperfeiçoamento de esquemas táticos, tratamento dado às categorias de base e atraso em relação aos principais rivais em âmbito mundial pairaram sobre o Brasil, tendo em vista as atuações superiores de seleções como Alemanha e Argentina, e a organização das ligas nacionais de países como Espanha, Itália e Inglaterra.

Além de questões técnicas e organizacionais, um dos temas mais discutidos foi a forma como governantes, dirigentes e todos aqueles que controlam o esporte por terras tupiniquins agem e tratam o esporte. Dessa forma, divagações relevantes diretamente relacionadas a isso serão feitas nos próximos capítulos.

O futebol é indiscutivelmente uma das maiores paixões do brasileiro e traz consigo a capacidade de emocionar, criar momentos inesquecíveis.

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Os clubes de maior expressão geralmente possuem enormes torcidas que os seguem em busca dos mais diversos triunfos, nações de aficionados que se constituíram ao longo dos anos. Essas nações representam a grandeza e a importância destas equipes em âmbito nacional.

Devido à expressão de tais instituições, facilmente se afere o poten-cial delas em movimentar diferentes segmentos da sociedade, inclusive o econômico. Invariavelmente há créditos e débitos exorbitantes, contraídos nas incontáveis maneiras que o mundo da bola proporciona. Foram consul-tadas legislações, artigos e opiniões de especialistas no assunto.

Ao final, diante dos resultados apontados, concluiu-se.

I – FINANÇAS DOS CLUBES E PROFUT

Ao longo da história, as entidades desportivas foram dotadas de uma liberalidade econômica por vezes injustificável, à medida que receberam regalias governamentais (579 milhões de reais em dívidas de impostos fo-ram perdoados, por exemplo) que culminaram na naturalidade e aceitação em relação a alguns abusos cometidos.

Tais regalias minimizaram a responsabilidade de dirigentes que por vezes fizeram investimentos distantes da realidade de seus clubes ao longo das gestões, aumentando consideravelmente as dívidas das agremiações. A título de exemplo, em fevereiro de 2015 a dívida dos doze principais clubes do futebol brasileiro à União chegava à casa dos bilhões. Somente o Atlético-MG possuía um débito de aproximadamente R$ 284,2 milhões.

Em razão dos fatos supracitados, a inércia por parte dos mandatários seria inaceitável. Em agosto de 2015, foi sancionada a Lei nº 13.155/2015, mais conhecida como Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro), com o objetivo de auxiliar as entidades no adimplemento de suas dívidas fiscais. As associações pode-riam refinanciar suas dívidas num prazo de 20 anos (240 parcelas), além de terem reduzidos 70% das multas e 40% dos juros.

Em contrapartida, elas deveriam cumprir algumas obrigações, como não atrasar salários da carteira ou direitos de imagem, regularizar as ações trabalhistas, restringir os mandatos presidenciais, utilizar no máximo 80% da receita bruta do clube para o futebol profissional, entre outros encargos, que, se não cumpridos, poderiam acarretar em punições como a proibição de contratar jogadores e até mesmo risco de serem rebaixadas ou excluídas

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de competições – medidas razoáveis tendo em vista a inibição de novas condutas esdrúxulas por parte dos dirigentes.

II – LIMINAR DO STF E SEUS DESDOBRAMENTOS

No dia 18.09.2017, Alexandre de Moraes, ministro do STF, decidiu pela derrubada de algumas das exigências criadas pelo Profut (o rebaixa-mento, por exemplo), permitindo que clubes disputem competições ainda que sem certidões negativas de débito. A decisão foi baseada na possível “insegurança jurídica” do dispositivo, tendo em vista que a sanção poderia causar situações peculiares, como o não acontecimento de alguns certames por conta da impossibilidade financeira de alguns clubes. O ministro do STF baseou sua argumentação no possível cerceamento da autonomia desporti-va das agremiações, que poderiam não exercer suas atividades dependendo das circunstâncias.

O advogado Luiz Roberto Leven Siano, especialista em direito des-portivo, ensina:

É direito do Estado cobrar posturas para conceder benefícios. Não se trata de violação à autonomia, mas a opção de participar de um programa de fruição de benefícios fiscais. A organização do futebol nacional não vai avançar se posturas de rigor fiscal e trabalhista não puderem ser exigidas.

Michel Assef Filho, advogado especialista no tema, acredita que essa decisão, ainda que em caráter liminar, pode causar insegurança jurídica

Apesar de compreender a posição do ministro, fico preocupado quando uma lei em vigor é revista tempos depois pelo Judiciário. E os clubes de que ade-quaram a ela? – questiona o advogado, que acredita que a questão deve ser discutida em profundidade. – Se teve uma reação de clubes e instituições como CBF e federações e se o STF entendeu assim, então teremos de voltar ao tema e discuti-lo.

Seria de grande valia para que agremiações, atletas e todos os envol-vidos no processo pudessem vislumbrar um cenário favorável no futuro do futebol que o Brasil se espelhasse em políticas financeiras rigorosas e exi-tosas praticadas nos grandes centros, como o fair play financeiro da UEFA, que obriga seus clubes a operar dentro de seus faturamentos, sendo pouco suscetíveis a mudanças que contrariem o transcurso de evolução do fute-bol. Apesar de coerente em sua fundamentação, na prática a liminar pode ser vista como um retrocesso ao esporte do país, prejudicando aqueles que

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adimplem suas obrigações da forma correta e abrindo caminho para que os atos abusivos que mancham o ludopédio voltem a fazer parte do cotidiano.

Nesse sentido, o Rio Preto, participante da Série A3 do Campeona-to Paulista, ingressou em juízo pleiteando a revalidação do art. 40 da Lei do Profut, que menciona as certidões negativas de débito, comprovantes de pagamentos de salários, entre outros, condicionando a participação nos campeonatos. A equipe pagou regularmente seus impostos nos últimos 14 meses e acabou rebaixada na Série A2. Dos 20 clubes participantes, apenas 6 estavam regulares, sendo 4 rebaixados. Se o valor pago em dívidas fosse realocado para investimento no plantel, a briga seria pelo acesso, e não pelo descenso, seria provável, explicitando em um caso concreto a “vantagem” dos que preferem insistir nas más administrações em detrimento dos que cuidam de suas respectivas saúdes financeiras.

Desde 2015, quanto o Profut foi sancionado, 13 dos 27 clubes estu-dados pelo Itaú BBA conseguiram diminuir suas dívidas ou mantê-las no mesmo patamar. A lei também contou com o apoio do Bom Senso F.C., mo-vimento que reuniu diversos jogadores do maior escalão no País, lutando por maior organização e transparência no esporte. Tendo em vista os fatos destacados, pode-se concluir que gradativamente as finanças dos clubes vão evoluindo, os atletas têm maior amparo quanto a seus direitos trabalhis-tas, entre outras melhorias.

CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, conclui-se que uma lei sancionada em busca de evolução em aspecto financeiro e de gestão deveria ser respeitada, uma vez que inibe os gastos exorbitantes e “reeduca” dirigentes ao dirigirem seu clube. O Profut é válido e importante para aumento na responsabilidade das agremiações, não devendo ter seus dispositivos alterados. A liminar que vilipendia avanços tão importantes pode ser tratada como um verdadeiro presente aos maus gestores e um dos maiores retrocessos da história recente do futebol brasileiro, podendo ser representada com uma melancólica me-táfora: o oitavo gol alemão!

REFERÊNCIAS

FERNANDEZ, Martín. Disponível em: <https://globoesporte.globo.com/blogs/basti-dores-fc/post/stf-derruba-exigencias-do-profut.ghtml>. Acesso em: 12 out. 2017.

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GONÇALVES, Emerson. Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/platb/olharcronicoesportivo/2013/12/05/analise-economico-financeira-individual-de-24--clubes-brasileiros-flamengo/>. Acesso em: 12 out. 2017.

LEI Nº 13.155, DE 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/L13155.htm>. Acesso em: 10 out. 2017.

MAZZUIA, Ivan. Disponível em: <http://mazzuia.com/2017/09/22/campeonatos--de-futebol-vazios-profut/>. Acesso em: 2 fev. 2016.

SCAFF, Fernando Facury. Futebol e finanças: o Profut é bola na rede ou na trave?, 2015.

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Seção Especial – Subindo no Pódio

Os Modelos Punitivos Belga e Francês Relacionados com o Doping Esportivo

LEOnARDO SChMITT DE BEMProfessor Adjunto de Direito Penal na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Doutor em Direito Penal pela Università degli Studi di Milano, Doutor em Direito e Liberdades Funda-mentais pela Universidad de Castilla-La Mancha, Espanha, Mestre em Ciências Criminais pela Universidade de Coimbra.

No contexto do doping esportivo, a tendência dos legisladores euro-peus é a de regular a matéria por meio de leis distintas e independentes do Código Penal. Nesse sentido, a legislação belga destaca-se no quadro de direito comparado. Rápido como seus principais ciclistas, pois na Bélgica houve muitos campeões, o legislador foi o primeiro a reprimir penalmente o doping em termos considerados amplos1. A lei belga foi promulgada em 02.04.1965 e modificada por um decreto de 27.03.1981.

A lista de sujeitos ativos inclui os próprios esportistas e aqueles que facilitam, de alguma forma, a prática do doping. Os esportistas podem ser responsabilizados tanto pela prática do doping como pela recusa à reali-zação dos exames nas inspeções. Entre os demais, estão incluídos os mé-dicos, em especial pela posse de produtos estimulantes ou prejudiciais aos esportistas, e também os torcedores, que, “com o pretexto de refrescar a seu corredor favorito, por exemplo, lhes oferece uma laranja impregnada de an-fetaminas, embora o ciclista ignore completamente a presença do produto dopante no fruto”2.

O controle pode ser realizado tanto nas competições como duran-te os treinamentos. É essencial que as substâncias proibidas presentes nos controles de urina ou saliva, por exemplo, hajam sido usadas com o fim de aumentar artificialmente o rendimento esportivo. Portanto, o dolo é espe-cífico. A lista fica submetida às normas regulamentares. Ademais, é preciso que as substâncias proibidas sejam ofensivas aos interesses jurídicos que

1 A respeito, entre outros: RAMOS GORDILLO, Antonio. Lucha contra el dopaje como objetivo de salud. In: Adicciones, v. 11, 1999, p. 304, menciona literalmente que “durante o ano de 1965 foram realizados 254 controles, detectando-se um total de 65 positivos, o que corresponde com 25,59% de positivos”.

2 CONSTANT, Jean apud ROLDÁN BARBERO, Horacio. La creación política de una nueva delincuencia: el uso del dopaje en el deporte. In: ZAPATERO, Luis Arroyo; DE LA TORRE, Ignacio Berdugo Gómez (Coord.). Homenaje al Dr. Marino Barbero Santos: in memoriam. Ediciones de la UCLM, 2001. p. 577.

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se pretendem proteger penalmente. É necessário que o efeito nocivo seja potencial. Porém, não é necessário esperar sua materialização. Trata-se de um delito de perigo3.

A cominação de sanções é alternativa, ou seja, as penas previstas para os delitos são de prisão de oito dias a três anos, ou multa. Entre as penas acessórias existe previsão, inclusive, de inabilitação definitiva para a partici-pação em qualquer competição. A doutrina entende que penas exemplares contribuem para frear o desastroso contágio do doping. Para reforçar as sanções penais, ainda há penas disciplinares4.

O legislador francês, por sua vez, em algo mais de quarenta anos, estabeleceu seis leis penais combatendo o doping. O ciclismo foi o esporte que motivou as principais alterações, em especial depois do caso Festina no Tour de France, pois representou a entrada da Justiça ordinária no mundo esportivo, com o efeito da intervenção do Parlamento francês com a apro-vação de uma nova lei antidoping com penas rígidas5.

As diferentes legislações apresentam características punitivas distin-tas. Enquanto a primeira norma apontava aos esportistas consumidores de produtos dopantes e às pessoas ao seu redor, a lei decorrente do caso Festi-na castigava os terceiros, com privação de seis meses a cinco anos e multa pelas práticas, consumadas ou tentadas, de administração, de aplicação, de incitação ou de facilitação do doping. Essas penas eram agravadas com a realização dos fatos mediante grupo organizado ou nos casos de vítimas menores de idade. Os esportistas eram sancionados apenas por via disci-plinar e inclusive poderiam ser submetidos à inabilitação definitiva. Sem embargo, eles não estavam inteiramente à margem da punição penal, pois a oposição ao exercício de investigação dos agentes da Polícia Judicial cons-tituía delito6.

Atualmente, na regulação francesa vigente, os atletas consumidores continuam sendo castigados somente pelos tribunais federativos e espor-tivos. Não há castigo penal para o esportista que utiliza ou tenta utilizar substâncias dopantes, porém em face do fato de que possua ou tente possuir

3 ROLDÁN BARBERO, Horacio. La creación política de una nueva delincuencia, p. 577-778. 4 ROLDÁN BARBERO, Horacio. La creación política de una nueva delincuencia, p. 579.5 Previamente à Lei nº 223/1999, de 23 de março (relacionada ao caso Festina, rede de doping desarticulada

em pleno Tour de France de 1998), vigoraram a Lei Herzog (Lei nº 412/1965, de 1º de junho) e a conhecida Lei Bambuck (Lei nº 432/1989, de 28 de junho). Posteriormente outras três leis foram promulgadas: a Lei nº 548/2000, de 15 de julho; a Lei nº 405/2006, de 5 de abril; e a atual Lei nº 650/2008, de 3 de julho. (ROCA AGAPITO, Luis. Los nuevos delitos relacionados con el dopaje. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, n. 09-08, p. 29, 2007)

6 ROLDÁN BARBERO, Horacio. La creación política de una nueva delincuencia, p. 579.

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tais produtos, sem uma razão médica justificada, é sancionado com um ano de prisão e multa7. Ademais, são castigados com prisão de seis meses e multa quando se opõe ao exercício das funções de controle realizadas pelos agentes da Polícia Judicial e quando não respeitam as proibições da agência francesa antidoping8.

O legislador continua equiparando a ação consumada à tentada no concernente à sanção que é cominada a terceiros. Essa técnica permite a opção pelos chamados delitos de atentado. Particularmente penso que essa situação constitui violação ao princípio da proporcionalidade. Logo, cabe-ria aos juízes corrigir essa imprecisão quando aplicarem a pena inicial, ou seja, para a tentativa de doping no esporte, a pena inicial deverá ser mais branda que aquela que seria aplicada à conduta consumada.

Os terceiros também estão proibidos de prescrever, administrar, apli-car, ceder ou oferecer aos esportistas – que participem em competições ou manifestações esportivas organizadas ou autorizadas pelas federações ou por uma comissão permanente especialmente instituída ao efeito – uma ou várias das substâncias ou procedimentos proibidos, facilitar sua utilização ou incitar seu uso. À violação dessas condutas é cominada pena de prisão de até cinco anos e multa. Essas penas aplicam-se também a quem produz, fabrica, importa, exporta, transporta, possui ou adquire uma ou várias das substâncias proibidas ou procedimentos proibidos com a finalidade de que sejam usados por um esportista, sem razão médica devidamente justificada9.

Nesses casos, as mesmas penas elevam-se até sete anos de prisão e multa quando as condutas forem praticadas no seio de um grupo organi-zado para tal, segundo o art. 132-71 do Código Penal francês ou quando a vítima é menor de idade ou, ainda, quando a pessoa responsável tenha autoridade sobre um ou mais esportistas10. A legislação, ainda, prevê para as pessoas físicas uma série de consequências acessórias como o confisco das substâncias, a interdição para o exercício da profissão ou função pública, a difusão da sentença e o fechamento dos locais11. Também foi prevista a responsabilidade dos entes coletivos no âmbito do doping esportivo12.

7 Art. L.232-26-I do Código do Esporte (multa de 3750 euros).8 Art. L.232-25 do Código do Esporte (multa de 7500 euros). 9 Art. L.232-26-II do Código do Esporte (multa de 75000 euros). 10 Art. L.232-27 do Código do Esporte.11 Art. L. 232-28 do Código do Esporte.12 Art. L. 232-26 do Código do Esporte (multa de 150000 euros). A lei portuguesa antidoping igualmente prevê

a responsabilidade penal das pessoas jurídicas (art. 47). A esse respeito, ainda relacionado à lei anterior, seguir os comentários de: CASTANHEIRA, Sérgio Nuno Coimbra. O fenómeno do doping no esporte. Coimbra: Almedina, 2011. p. 133.

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As mesmas penas cominadas para as ações relacionadas com o doping humano estão previstas para o doping de animais13. Com prisão de cinco anos e multa são castigadas as condutas anteriormente assinaladas para o doping humano (salvo prescrever sem autorização, ceder ou ofere-cer, e salvo quanto à lista de substâncias proibidas, que, nesse caso, é con-feccionada pelo Ministério de Esportes, da Saúde e da Agricultura) quando se levam a efeito em animais14. Para o fato de evitar ou opor-se por qualquer meio a que um animal seja submetido às medidas de controle, aplicam-se as sanções de prisão de seis meses e multa15. Ainda assim, são aplicadas as mesmas consequências acessórias previstas para as pessoas físicas, e tam-bém nesse contexto há responsabilidade dos entes coletivos segundo as dis-posições penais16.

13 O doping em animais está previsto de igual modo no art. 12 redatado segundo a Lei argentina nº 25.387/2000, de 30 de novembro. Ainda houve previsão no art. 184 do Código Penal brasileiro de 1969 (revogado durante a vacatio legis), nos seguintes termos: “empregar substância excitante ou deprimente, ou qualquer outro ardil, para fraudar jogo esportivo ou qualquer competição de animais, não vedada em lei, com o fim de obter vantagem econômica, para si ou para outrem”. Para uma análise, particularmente por sua relevância histórica: FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. São Paulo: Bushatsky Editor, 1978. p. 129; DE BEM, Leonardo Schmitt. A intervenção penal no doping desportivo. In: Curso de direito desportivo sistêmico, São Paulo, v. II, p. 436, 2010.

14 Art. L. 241-5, II, 1º, do Código do Esporte (multa de 75000 euros).15 Art. L. 241-5, II, 2º, do Código do Esporte (multa de 7500 euros).16 Respectivamente, art. L. 241-5, II, 4º, e art. L. 241-5, II, 5º, do Código do Esporte.

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Clipping Jurídico

Turma afasta inconstitucionalidade de dispositivo da Lei Pelé não submetida ao

Plenário do TRT

A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho proveu recurso do Figueirense Futebol Clube e cassou acórdão da 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) que declarou a inconstitucionalidade do art. 29, § 4º, da Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998), que trata sobre o vínculo de atleta não profissional de 14 a 20 anos de idade. No entendi-mento da Turma, a declaração de inconstitucionalidade violou o art. 97 da Constituição Federal (cláusula de reserva de plenário) e a Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribu-nal Federal (STF), que a condicionam ao voto da maioria absoluta dos membros de um tribunal ou do seu órgão especial. O caso teve início em ação civil pública (ACP) ajuizada Ministério Público do Trabalho requerendo, entre outras medidas, que o Figueirense se abstivesse de manter em suas categorias de base crianças e adolescentes menores de 14 anos e celebrasse contrato formal desportivo com os jovens de 14 a 20, observando as regras previstas na CLT para os contratos de aprendizagem, como anotação na CTPS e existência de vínculo empregatício. O clube, no entanto, alegou que, conforme o dispo-sitivo da Lei Pelé, o atleta não profissional em formação pode receber auxílio financeiro sob a forma de bolsa de aprendizagem sem que seja caracterizado vínculo empregatício entre as partes. O juízo de primeiro grau acolheu integralmente os pedidos formulados na ACP e declarou a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Pelé. A 1ª Câmara do TRT-SC manteve a integralmente a decisão. O clube, então, recorreu ao TST, sustentando que a decisão do órgão fracionário violou a cláusula de reserva de plenário. O relator do recurso, Ministro Walmir Oliveira da Costa, ressaltou que, ao invés de a arguição de inconstitucio-nalidade ter sido submetida ao Plenário ou órgão especial da Corte, a decisão foi tomada pelo próprio órgão fracionário (1ª Câmara). A Corte regional incorreu em erro de procedi-mento, haja vista não ter sido observado o rito estatuído no art. 949, inciso II, do Código de Processo Civil vigente, segundo o qual, se acolhida a arguição de inconstitucionalidade, a questão será submetida ao Plenário do Tribunal ou ao seu órgão especial, onde houver, disse. Por unanimidade, a Turma proveu o recurso do Figueirense e determinou o retorno dos autos ao TRT-SC para que a matéria possa ser apreciada pelo órgão competente. Pro-cesso: RR-10679-69.2013.5.12.0026. (Fonte: Tribunal Superior do Trabalho)

Responsabilidade de dirigente de clube de futebol no pagamento de dívida traba-

lhista é excluída

A 1ª Câmara do TRT-15 julgou parcialmente procedente o pedido do segundo reclamado, presidente de um clube de futebol, e excluiu a sua responsabilidade solidária ao paga-mento das verbas a um jogador do clube, tornando a ação improcedente com relação ao dirigente. Segundo consta dos autos, o reclamante foi admitido pelo clube como atleta profissional, pelo período de 11 de janeiro de 2013 a 25 de novembro de 2013. Ele afirma que, embora tenha cumprido suas obrigações laborais, treinando todos os dias com todo o elenco profissional, viajando com a equipe de futebol profissional, concentrando em hotéis em dias prévios aos jogos, disputando jogos amistosos e jogos oficiais de todos os campeonatos disputados pelo clube, a reclamada não cumpriu suas obrigações, confron-tando os ditames constitucionais, celetistas, e da Legislação Especial do Desporto. O re-clamante afirmou também que sofreu acidente do trabalho, lesionando o joelho esquerdo, mas o clube (primeiro reclamado), ao invés de lhe prestar auxílio e apresentar seguro de

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vida e acidentes pessoais, coagiu-lhe a assinar a rescisão em 2 de abril de 2013. Na Justiça do Trabalho, o jogador pediu a convolação da dispensa em rescisão indireta do contrato e a condenação dos réus ao pagamento da cláusula compensatória desportiva, férias acres-cidas de 1/3, décimo terceiro salário, valores correspondentes ao FGTS, direito de arena, indenização seguro de vida e acidente de trabalho, danos materiais e morais em razão do acidente sofrido, indenização estabilitária e multa do art. 467 da CLT. Por tudo isso, pediu a condenação solidária do presidente do clube, sob o argumento de que, nos termos da lei em vigor, os atos praticados pelo gestor presidente da reclamada configuram atos de gestão temerária,com base nos arts. 27, caput e § 5º § 11 (sic), art. 23, II, alíneas c d e (sic), todos da Lei Federal nº 9.615/1998 (Lei Pelé) c/c art. 50 do Código Civil. O presidente do clube não compareceu à audiência designada, sendo declarado revel e confesso quanto à matéria de fato, e o Juízo de Origem julgou procedente o pedido de responsabilização solidária do segundo reclamado, sob o fundamento de que tal tem como único e suficiente requisito o inadimplemento do crédito trabalhista, sendo que a prova da culpa/má gestão decorre desse fato. Em sua defesa, o dirigente do clube afirmou que não há nos autos nenhuma prova de desvio de créditos ou de bens por parte do segundo demandado ora recorrente em proveito próprio ou de terceiros, nem da prática de atos ilícitos, de gestão temerária ou contrário ao estatuto social. Ele disse também que assumiu o clube numa situação financeira difícil e que as manchetes de jornais demonstram às claras as enormes dificuldades encontradas e o esforço para levantar recursos a fim de cumprir os compro-missos do clube. O dirigente, por fim, afirmou que os fatos descritos nos autos são decor-rentes única e exclusivamente da inexistência de fluxos de caixa possíveis de atendimento em dia de todas as obrigações financeiras. A relatora do acórdão, Desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani, afirmou que os dirigentes de entidades desportivas profissio-nais responderão pelos atos ilícitos praticados, de gestão temerária ou contrários ao pre-visto no contrato social ou estatuto. No caso dos autos, porém, o reclamante, ao invocar a responsabilidade do presidente do clube, não atribuiu ao dirigente do clube qualquer das faltas apontadas no art. 27 da Lei nº 9.615/1998, limitando-se a afirmar que, apenas por ser administrador do clube, deve responder solidariamente pelos débitos contraídos pela asso-ciação esportiva. A sentença, por sua vez, também não menciona a prática de ato caracte-rizador de uma das condutas mencionadas nos dispositivos legais, atribuindo tão somente a responsabilidade solidária por existir débito trabalhista não pago. O acórdão afirmou que não há qualquer elemento que permita a conclusão quanto à existência de culpa do segundo reclamado no exercício de suas funções a possibilitar a sua responsabilização na forma pretendida e, portanto, a prova dos autos não enseja a responsabilização solidária do segundo demandado ao pagamento das verbas objeto da condenação, uma vez que não ficou comprovado que ele tenha aplicado créditos ou bens sociais em favor próprio ou de terceiros, ou que tenha violado o dever de lealdade inerente a um administrador íntegro e idôneo, ou ter agido com desvio de finalidade, cometido ato ilícito ou praticado gestão temerária, sendo de rigor destacar que o não pagamento de verbas trabalhistas não caracteriza quaisquer dos atos mencionados. E assim, por falta de respaldo legal, não há como sustentar a imputação da responsabilidade solidária em face do segundo reclamado, concluiu o colegiado. Processo nº 0001399-92.2013.5.15.0090. (Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região)

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Técnico de futebol de time da Série C incorpora ao salário valor pago como direito

de imagem

Os valores correspondentes a direito de imagem pagos mensalmente a um técnico de fu-tebol do Canoas Sport Club, time vinculado à Comunidade Evangélica Luterana São Paulo (CELSP), foram integrados ao salário para todos os fins legais. A atribuição de natureza salarial à parcela paga como “direito de imagem” levou em consideração que os valores remuneravam, na verdade, a contraprestação do serviço, e não o uso da imagem do técni-co. A CELSP tentou reformar a decisão recorrendo ao Tribunal Superior do Trabalho, mas a Terceira Turma não conheceu do recurso de revista. Segundo o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), não há prova de que a imagem do técnico tenha sido divulga-da no curso do contrato, dando publicidade à sua pessoa ou ao clube, e que a exposição se resumiu à inclusão de seu nome em listas da comissão técnica e na página da internet. Segundo o TRT, os valores referentes a direito de imagem foram pagos ao técnico men-salmente de agosto de 2006 a dezembro de 2007, em montante fixo, e foi incorporada ao salário a partir de janeiro de 2008. No recurso ao TST, a mantenedora do clube sustentou que, no contrato firmado com o atleta profissional, ficou acordado que ele receberia a quantia fixada para a utilização da sua imagem. Argumentou também que o acordo co-letivo estabelece que a verba não possui natureza salarial, exceto se for superior a 50% do salário. Segundo a empregadora, a sentença desconsiderou a composição coletiva, e a utilização da imagem do empregado é facultativa, e não obrigatória. Série C. O Ministro Alexandre Agra Belmonte, relator do recurso, observou que o Canoas Sport Club é uma agremiação da série C, do interior do Rio Grande do Sul, “cuja própria notoriedade e dos jogadores é bastante restrita”. “Apesar da importância do trabalho do técnico de futebol, tudo leva a crer que ele não tinha imagem a vender e nem interessados em obtê-la, pre-sumindo-se, assim, a fraude”, afirmou. O fato de a parcela ter sido incorporada ao salário do técnico em 2008, para o relator, implica o reconhecimento, pela empregadora, de que se tratava de salário propriamente dito, e não direito de imagem. “Diante da falta de no-toriedade do técnico, para efeito de sua imagem, caberia à entidade de prática desportiva comprovar não apenas o fato da contratação da imagem, mas também o fato da sua efetiva exploração”, afirmou. Belmonte destacou que não há como o TST examinar o contexto fático-probatório para desautorizar essa conclusão, devido aos limites da Súmula nº 126. Assinalou que, segundo o Regional, a CELSP não juntou aos autos o acordo coletivo ale-gado, motivo pelo qual o TRT não analisou a controvérsia sob esse enfoque. A decisão foi unânime. Processo: RR-316-04.2010.5.04.0203. (Fonte: Tribunal Superior do Trabalho)

Internacional é condenado por assédio de atletas de base a historiadora do museu

do clube

O Sport Club Internacional de Porto Alegre (RS) deverá indenizar uma historiadora vítima de assédio moral praticado por jogadores de sua categoria de base. A trabalhadora rece-berá R$ 5 mil, depois que a Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o re-curso do clube contra a condenação imposta pelo segundo grau trabalhista. A historiadora disse que trabalhou no museu do clube durante três anos e pediu demissão por considerar insustentável o tratamento que recebia dos jogadores da categoria de base, que constan-temente se referiam a ela no refeitório com comentários do tipo gostosa, cheirosa, linda, e com assobios e risadas. Ela afirmou que comunicou o fato a sua superior hierárquica, que

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teria dito para não dar bola, e à assistente social, que lamentou o fato, mas disse que nada poderia fazer, pois os atletas de base tinham muito prestígio com a direção. Ainda segundo a trabalhadora, a gerente geral do museu do Internacional também dispensava tratamento humilhante, inclusive acusando-a de apresentar atestados médicos falsos para deixar de trabalhar. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) fixou a condenação em R$ 5 mil, considerando que as testemunhas comprovaram os atos inoportunos praticados pelos jogadores, que convidavam seguidamente a trabalhadora para sair e usavam trata-mento depreciativo. Segundo uma delas, a historiadora mostrava-se incomodada com a situação e relatava o fato às assistentes sociais do clube. Machismo. O TRT considerou graves os fatos descritos pelas testemunhas, ainda que praticados por jogadores em sua maioria adolescentes, por tratar-se de tratamento machista e constrangedor que não pode ser admitido em um ambiente de trabalho. O Regional destaca que, nos dias atuais, esse tipo de atitude em relação às mulheres não deve ser mais tolerado em qualquer ambiente, mesmo num clube de futebol, local em que a cada dia a frequência de mulheres vem aumentando. Em relação ao tratamento dispensado pela gerente do clube, entendeu que não ficou evidenciado qualquer tratamento diferenciado ou incompatível com as regras de civilidade em relação à trabalhadora. No recurso ao TST, o Inter sustentou que os atos constrangedores praticados pelos atletas e o tratamento ríspido da gerente não foram com-provados, nem sua omissão em não tomar medidas para coibir a prática. Pedia, assim, a reforma da condenação. A relatora do recurso, Ministra Dora Maria da Costa, observou que, efetivamente, toda a situação vivida pela trabalhadora causou-lhe constrangimento pessoal, tanto pelo tratamento desrespeitoso por parte dos jogadores quanto pela omissão do clube, que, mesmo ciente por meio de denúncia dela própria, não tomou nenhuma medida para coibir o comportamento inadequado dos atletas. O empregador tem o dever de zelar pela respeitabilidade no ambiente de trabalho, orientando e fiscalizando o trata-mento dispensado pelos seus empregados, afirmou. Por unanimidade, a Turma desproveu o agravo de instrumento que permitiria a análise do recurso de revista, por não constatar violação literal a lei federal ou afronta direta à Constituição Federal, como exige o art. 896, alínea c, da CLT. (Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região)

Clube não comprova insuficiência financeira para obtenção de justiça gratuita

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso do Paraná Clube con-tra decisão que negou seu pedido de concessão dos benefícios da justiça gratuita e isenção das custas processuais. Embora alegasse grave crise financeira, o clube não comprovou que não tinha condições de arcar com as despesas processuais. O clube se defendia de reclamação trabalhista ajuizada por uma ex-recepcionista, demitida por justa causa, e desde o início da ação vinha pleiteando, sem sucesso, a concessão dos benefícios da justiça gratuita, com a consequente dispensa do recolhimento das custas. Condenado em primeira instância a pagar diversas verbas à ex-empregada, o clube recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) apresentando documentos a fim de comprovar sua insuficiência econômica. Alegou que atravessava a pior crise financeira de sua existência, e juntou contas atrasadas de gás, luz, água e telefonia da sede social, do Ninho da Gralha, seu centro de treinamento, e de outras unidades. Segundo o TRT, é possível estender o benefício da justiça gratuita ao empregador pessoa jurídica, mas para isso é imprescindí-vel a comprovação da insuficiência econômica para fazer frente às despesas processuais. No caso do Paraná, o Regional já havia examinado questão idêntica anteriormente, con-

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cluindo que os documentos apresentados, a inadimplência de contas e o extrato e saldo bancário não comprovaram a hipossuficiência. Como o clube não efetuou o depósito recursal, o TRT julgou seu recurso deserto, do qual não estaria isento mesmo que obtivesse o benefício da gratuidade. O Paraná Clube reiterou no TST a impossibilidade de recolher custas, honorários advocatícios e depósito recursal, e sustentou que a Constituição Federal assegura assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recur-sos, e o Código de Processo Civil de 2015 isenta a parte que a obteve do recolhimento de depósitos judiciais. A relatora do recurso, Ministra Delaíde Miranda Arantes, observou que, nos termos do art. 896 da CLT, somente é cabível recurso de revista contra decisão do Regional em recurso ordinário ou agravo de petição. No caso, o caso o recurso de revista do Paraná foi interposto contra decisão em agravo de instrumento, e a Súmula nº 218 do TST considera incabível a interposição de recurso nessa circunstância. Por unanimidade, a Turma não conheceu do apelo. Processo: RR-1171-06.2014.5.09.0008. (Fonte: Tribunal Superior do Trabalho)

CBF deve monitorar clima dos jogos, mesmo em estados mais frios

A Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (TRT-RN) confirmou o monitoramento das condições climáticas adequadas para a realização de partidas de futebol das 11h às 14h, também, para os estádios de temperaturas mais amenas, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em junho deste ano, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Norte (MPT/RN), a Primeira Turma do TRT-RN confirmou a sentença da 1ª Vara do Trabalho de Natal, que determinava o monitoramento do clima para a realizações dos jogos em todo o País. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), no entanto, entrou com um recurso de embargos de declara-ções alegando que o acórdão do TRT-RN foi omisso quanto ao custo desse monitoramento em estados em que o clima não atinge temperaturas elevadas. Embora tenha reconhecido a omissão, a Juíza Convocada Isaura Maria Barbalho Simonetti, relatora dos embargos de declarações, entendeu que, apesar de a temperatura ser mais amena nessa região do País, eles possuem uma amplitude térmica maior que os demais estados do Brasil. O que se constata é que o simples fato de um estado ter temperatura média mais amena que outros não impede que a temperatura seja rigorosa em determinado período do ano, ou mesmo que ocorra um veranico durante o período de inverno (fato comum nos estados do Sul), concluiu a juíza. Sentença. A ação civil pública teve como base denúncia do Sindicato dos Atletas de Futebol Profissional do RN ao MPT/RN. O Sindicato enviou ao Ministério Público um abaixo-assinado pelos jogadores de times de Natal (ABC e América). Os atletas alertavam que, nessas condições, não estaremos livres de irremediável fatalidade no cam-po de jogo. O MPT/RN citou, em sua ação, estudos que apontam os prejuízos à saúde do jogador quando submetido a temperaturas elevadas e exposto aos raios ultravioletas. Em dezembro de 2016, a 1ª Vara do Trabalho de Natal determinou que a CBF se abstenha de agendar jogos oficiais de futebol entre as 11h e 14h. Quando decidir realizar esses jogos, a Confederação deverá comprovar alguns requisitos, como o monitoramento da temperatura ambiental em todas as partidas realizadas no período com índices componentes do IBUTG (WBGT) por profissionais qualificados. A partir de 25º WBGT, a CBF deve realizar duas paradas médicas para hidratação de 3 minutos, aos 30min e 75min da partida e, a partir de 28º WBGT, os jogos devem ser suspensos ou interrompidos pelo tempo necessário à redução da temperatura ambiental. Em caso de descumprimento, a CBF pagará multa

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no valor de R$ 50 mil por cada jogo realizado. A CBF também deverá encaminhar os relatórios das medições ao sindicato dos atletas da região, no prazo máximo de 15 dias, para acompanhamento, sob pena de multa diária no valor de R$ 5 mil reais. Processo nº 0000707-96.2016.5.21.0001. (Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região)

Fechamen to da Edição: 09�11�2017

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGO DOUTRINÁRIO

• ContribuiçãoSindicaleaReformaTrabalhista Sergio Pinto Martins Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

As Contribuições sindiCAis no direito desportivo

•Análise da Legalidade da Cobrança de Con-tribuição Voluntária por Entidade Sindical de Atletas Profissionais em Face de um Clube Per-nambucano de Futebol (Fábio Menezes de SáFilho e Layanny Carlos de Oliveira) .......................9

Autor

Fábio Menezes de sá Filho e lAyAnny CArlos de oliveirA

•Análise da Legalidade da Cobrança de Con-tribuição Voluntária por Entidade Sindical de Atletas Profissionais em Face de um Clube Per-nambucano de Futebol ..........................................9

lAyAnny CArlos de oliveirA e Fábio Menezes de sá Filho

•Análise da Legalidade da Cobrança de Con-tribuição Voluntária por Entidade Sindical de Atletas Profissionais em Face de um Clube Per-nambucano de Futebol ..........................................9

Índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

CoMpetênCiA

•A Competência Cível do Juizado do Torce-dor do Rio de Janeiro (Sylvio Ferreira, Angelo Vargas, Tibério Machado e Marcelo Jucá Barros) ............................................................................80

direito desportivo

•Democracia em Campo: a Importância de Ban-gu Athletic Club e Club de Regatas Vasco da Gama no Processo de Inclusão Social no Fute-bol (Igor Rafael Galhardo Serrano) .......................97

•Evolução Histórica da Legislação Desportiva Brasileira (Domingos Sávio Zainaghi) ..................45

MMA

•O Direito à Saúde no MMA (Rafaela Dias Pinheiro) ..............................................................66

sAlário

• (Im)Possibilidade de Adicionais Integrantes do Salário do Praticante Desportivo Profissional(Rafael Teixeira Ramos) .......................................59

Autor

AnGelo vArGAs, sylvio FerreirA, tibério MAChAdo e MArCelo JuCá bArros

•A Competência Cível do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro .................................................80

doMinGos sávio zAinAGhi

•Evolução Histórica da Legislação Desportiva Brasileira .............................................................45

iGor rAFAel GAlhArdo serrAno

•Democracia em Campo: a Importância de Bangu Athletic Club e Club de Regatas Vasco da Gama no Processo de Inclusão Social noFutebol ................................................................97

MArCelo JuCá bArros, tibério MAChAdo, sylvio FerreirA e AnGelo vArGAs,

•A Competência Cível do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro .................................................80

rAFAel teixeirA rAMos

• (Im)Possibilidade de Adicionais Integrantes doSalário do Praticante Desportivo Profissional .......59

rAFAelA diAs pinheiro

•O Direito à Saúde no MMA .................................66

sylvio FerreirA, AnGelo vArGAs, tibério MAChAdo e MArCelo JuCá bArros

•A Competência Cível do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro .................................................80

tibério MAChAdo, sylvio FerreirA, AnGelo vArGAs, e MArCelo JuCá bArros

•A Competência Cível do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro .................................................80

Seção Especial

DE FRENTE PARA O GOL

Assunto

Futebol

•Brasil: O Gosto pelo “Retrocesso” e o OitavoGol Alemão (Vitor de Araújo Evangelista) ..........212

Autor

vitor de ArAúJo evAnGelistA

•Brasil: O Gosto pelo “Retrocesso” e o Oitavo Gol Alemão .......................................................212

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RDD Nº 39 – Out-Dez/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO���������������������������������������������������������������������������������������������������������229 SUBINDO NO PÓDIO

Assunto

Doping

•Os Modelos Punitivos Belga e Francês Rela-cionados com o Doping Esportivo (Leonardo Schmitt De Bem) ................................................217

Autor

leonArdo sChMitt de beM

•Os Modelos Punitivos Belga e Francês Relacio-nados com o Doping Esportivo ..........................217

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

Ação Civil públiCA

•Recurso de revista – Ação civil pública – Mi-nistério Público do Trabalho – Clube de fu-tebol – Contrato de formação profissional de atletas adolescentes – Declaração de in-constitucionalidade do § 4º do art. 29 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) por órgão fracionário do Tribunal Regional do Trabalho – Erro de procedimento – Cláusula da reserva de plená-rio – Art. 97 da Constituição Federal – Súmula Vinculante nº 10 (TST) .............................2072, 153

AtletA

•1. Recurso especial de Gabriel Contino – Ci-vil – Contrato de parceria de atleta de futebol – Nulidade decretada ex officio pelo juiz – Di-reito à restituição dos valores adiantados pelos contratantes – Independe de pedido da par-te – Recurso provido – 2. Recurso especial de londrina esporte clube – Pedido de majoraçãodos honorários – Perda de objeto (STJ) .....2069, 126

CoMpetênCiA

•Conflito de competência – Ação de indeni-zação por danos materiais e morais por fale-cimento de peão de rodeio durante competi-ção – Equiparação ao atleta profissional – Lei nº 10.220/2001 – Relação de emprego – Com-petência do juízo trabalhista (STJ) ............2070, 135

CriMe

•Agravo regimental no agravo em recurso es-pecial – Penal – Crime contra a administração pública – Programa municipal de auxílio ao atleta amador – Desvio de recursos públicos em benefício de terceiros não abrangidos pela lei – Peculato – Desclassificação – Impossibilida-de – necessidade de revolvimento do conjunto-

-fático-probatório – Vedação – Súmula nº 7/STJ(STJ) .........................................................2071, 145

invAsão

•Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol do Es-tado do Rio de Janeiro (TJDFRJ) ...............2075, 174

provA

•Código Disciplinar da Fifa – Dirigente de enti-dade desportiva que, em áudio, afirma a preten-são de combinar resultados – Impossibilidade de verificar com a prova dos autos o nexo de causalidade entre a ação e o resultado – Presun-ção vedada – Aplicação de multa à agremiação por responsabilidade solidária ao seu dirigente – Procedência parcial (TJDFRJ) ................2076, 179

responsAbilidAde Civil

•Agravo de petição – Desconsideração da per-sonalidade jurídica – Clube de futebol – Res-ponsabilidade dos dirigentes – possibilidade (TRT 3ª R.) ...............................................2074, 169

•Processual civil – Administrativo – Responsabi-lidade civil – União e Fifa – Venda de ingres-sos para jogos da Copa do Mundo Fifa de 2014 – Lei nº 12.663/2012 – Hipóteses restritas de responsabilidade civil – Ilegitimidade passiva da União – Apelação não provida (TRF 3ª R.) ................................................................2073, 163

EMENTÁRIO

Administrativo e Constitucional

bolsA-AtletA

•Bolsa-atleta – preenchimento dos requisitos –concessão ................................................2077, 188

dAno MorAl

•Dano moral – loteca – jogo não realizado – sor-teio – pagamento integral do prêmio – impos-sibilidade – indenização devida ...............2078, 188

JoGos

• Jogos de azar – funcionamento de lotérica – per-missão – revogação – efeitos ....................2079, 189

proFessor

•Professor – instrutor de voleibol – registro no CREF – desobrigatoriedade ......................2080, 189

servidor públiCo

•Servidor público – afastamento para participar como atleta em campeonato sulamericano – tempo de serviço – cômputo ....................2081, 190

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230 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 39 – Out-Dez/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

téCniCo

•Técnico de futebol – preparador físico – registrono CREF – descabimento .........................2082, 190

•Técnico de futebol – registro no CREF – irrele-vância ......................................................2083, 190

Civil

Clube

•Clube amador – federação de futebol – estatu-to social – direito de voto – supressão – efeitos ................................................................2084, 191

dAno MorAl

•Dano moral – loteria – pagamento da aposta com cheque – não realização do jogo – inde-nização – descabimento ..........................2085, 191

indenizAção

• Indenização – acidente ocorrido em quadra de esporte – projeto de acesso ao esporte – fratu-ra e posterior amputação de dedos da mão es-querda – lesão irreparável – dano moral – con-figuração .................................................2086, 193

inGresso

• Ingresso – venda – taxa de serviço – cobrançaindevida ..................................................2087, 193

responsAbilidAde Civil

•Responsabilidade civil – União e FIFA – ven-da de ingressos para jogos da copa do mundo – limitação ...............................................2088, 194

Penal

JoGos

• Jogos de azar – apreensão de máquinas “caça--níqueis” – contrabando – comprovação dedolo – necessidade ..................................2089, 194

• Jogos de azar – contrabando – máquina caça--níquel – princípio da insignificância – materia-lidade e autoria – comprovação ...............2090, 195

• Jogos de azar – exploração em lugar público – atipicidade da conduta – denúncia – rejeição ................................................................2091, 195

nulidAde

•Nulidade – exploração de jogos de azar – cor-rupção ativa – flagrante preparado – absolvi-ção – não ocorrência ...............................2092, 196

Trabalhista

AtletA

•Atleta profissional – alegação de contrato irre-gular – ausência de prova – responsabilidadedo dirigente – descabimento ....................2093, 196

•Atleta profissional – cessão por empréstimo – responsabilidade do clube cessionário – al-cance .......................................................2094, 198

•Atleta profissional – direito de arena – natureza remuneratória – alcance ..........................2095, 198

•Atleta profissional – direito de arena – nature-za salarial – contribuição previdenciária – in-cidência ...................................................2096, 199

•Atleta profissional – direito de imagem – frau-de – natureza jurídica ..............................2097, 200

•Atleta profissional – jogador de futebol – di-reito à liberdade do trabalho – rescisão indi-reta – cabimento ......................................2098, 201

•Atleta profissional – unicidade contratual – pres-crição – não configuração .......................2099, 202

•Atleta profissional de futebol – acréscimos re-muneratórios – necessidade de contratação ex-pressa – descabimento .............................2100, 203

•Atleta profissional de futebol – direito de are-na – percentual mínimo legal – redução por acordo judicial ou norma coletiva – impossibili-dade ........................................................2101, 203

•Atleta profissional de futebol – indenização substitutiva pela não contratação do seguro con-tra acidentes – cabimento ........................2102, 205

direito de ArenA

•Direito de arena – redução do percentual – acordo judicial – efeitos ...........................2103, 205

exeCução

•Execução – associação desportiva – descon-sideração da personalidade – dirigente – pe-nhora de conta bancária – alcance ..........2104, 206

relAção de eMpreGo

•Relação de emprego – atleta não profissional – inexistência ...........................................2105, 206

resCisão indiretA

•Rescisão indireta – atleta profissional de futebol – inocorrência .........................................2106, 207

responsAbilidAde trAbAlhistA

•Responsabilidade trabalhista – clube de fute-bol – desconsideração da personalidade jurí-dica – alcance .........................................2107, 207

•Responsabilidade trabalhista – dirigente do clube esportivo – inexistência de situação legal– efeitos ...................................................2108, 207

•Responsabilidade trabalhista solidária – clu-be de futebol – grupo econômico – alcance ................................................................2109, 207

Page 231: ISSN 2236-9414 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com · 4. A Competência Cível do Juizado do Torcedor do Rio de Janeiro Sylvio Ferreira, Angelo Vargas, Tibério Machado e Marcelo Jucá

RDD Nº 39 – Out-Dez/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO���������������������������������������������������������������������������������������������������������231 Tributário

eMbArGos

•Embargos de declaração – CDs/DVDs con-tendo jogo eletrônico para aparelho de videogame – software – regulamento adua-neiro – inaplicabilidade .....................................209

CLIPPING JURÍDICO

•CBF deve monitorar clima dos jogos, mesmoem estados mais frios .........................................225

•Clube não comprova insuficiência financeira para obtenção de justiça gratuita .......................224

• Internacional é condenado por assédio de atle-tas de base a historiadora do museu do clube ....223

•Responsabilidade de dirigente de clube de fu-tebol no pagamento de dívida trabalhista é ex-cluída ................................................................221

•Técnico de futebol de time da Série C incor-pora ao salário valor pago como direito deimagem .............................................................223

•Turma afasta inconstitucionalidade de disposi-tivo da Lei Pelé não submetida ao Plenário doTRT ....................................................................221

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ........................ 227

ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ...................... 228