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5 Italo Calvino e uma teoria para a narrativa 5.1. A narrativa Pós-Moderna Através dos capítulos anteriores foi possível identificar o contexto histórico no qual as questões dessa pesquisa se inserem: a chamada Cultura Pós-Moderna. Quando nos voltamos para as questões desse contexto diretamente ligadas à narrativa, podemos compreender essa cultura interligada com as culturas que precedem. Como já foi dito anteriormente, podemos inovar, ser original e rever ao mesmo tempo. Sendo a repetição e releitura de formas passadas não apenas tolerada como encorajada. De forma crítica, a Cultura Pós-Moderna confronta o passado com o presente e vice-versa. Ele não nega que o passado existiu, mas afirma que no presente, o acesso ao passado está condicionado pela sua documentação, isto é, por seus arquivos, por seus livros e até por seus relatos (Hutcheon, 1988). De acordo com Linda Hutcheon em seu livro A poética do Pós- Modernismo: história, teoria, ficção (1988), o Pós-Modernismo na literatura, ou em outras formas de narrativa, ao aceitar o desafio da tradição e a representação da história, transforma-se em história da representação, comentada com ironia, com o uso da paródia que desafia, mas também obriga a uma reconsideração da idéia de origem ou originalidade. Segundo a autora, aquilo que já foi dito precisa ser reconsiderado, e somente pode ser reconsiderado de forma irônica. Porém, a autora lembra que “a inclusão da ironia e do jogo jamais implica necessariamente a exclusão da seriedade e do objetivo na arte pós-modernista”. Para Hutcheon outra característica de narrativa na Cultura Pós-Moderna é a metaficção historiográfica, isto é, tomar como tema personagens e eventos de uma história conhecida e submetê-lo à distorção, à falsificação e à ficcionalização. A metaficção historiográfica recusa a idéia de que apenas a História tem uma pretensão à verdade. Ambos se distinguem por suas estruturas, mas tanto a

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  • 5 Italo Calvino e uma teoria para a narrativa

    5.1. A narrativa Ps-Moderna

    Atravs dos captulos anteriores foi possvel identificar o contexto histrico no qual as questes dessa pesquisa se inserem: a chamada Cultura Ps-Moderna. Quando nos voltamos para as questes desse contexto diretamente ligadas narrativa, podemos compreender essa cultura interligada com as culturas que precedem. Como j foi dito anteriormente, podemos inovar, ser original e rever ao mesmo tempo. Sendo a repetio e releitura de formas passadas no apenas tolerada como encorajada. De forma crtica, a Cultura Ps-Moderna confronta o passado com o presente e vice-versa. Ele no nega que o passado existiu, mas afirma que no presente, o acesso ao passado est condicionado pela sua documentao, isto , por seus arquivos, por seus livros e at por seus relatos (Hutcheon, 1988).

    De acordo com Linda Hutcheon em seu livro A potica do Ps-Modernismo: histria, teoria, fico (1988), o Ps-Modernismo na literatura, ou em outras formas de narrativa, ao aceitar o desafio da tradio e a representao da histria, transforma-se em histria da representao, comentada com ironia, com o uso da pardia que desafia, mas tambm obriga a uma reconsiderao da idia de origem ou originalidade. Segundo a autora, aquilo que j foi dito precisa ser reconsiderado, e somente pode ser reconsiderado de forma irnica. Porm, a autora lembra que a incluso da ironia e do jogo jamais implica necessariamente a excluso da seriedade e do objetivo na arte ps-modernista. Para Hutcheon outra caracterstica de narrativa na Cultura Ps-Moderna a metafico historiogrfica, isto , tomar como tema personagens e eventos de uma histria conhecida e submet-lo distoro, falsificao e ficcionalizao. A metafico historiogrfica recusa a idia de que apenas a Histria tem uma pretenso verdade. Ambos se distinguem por suas estruturas, mas tanto a

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    Histria quanto a fico so discursos. Sendo assim, ambos tm pretenso verdade.

    E na busca de uma teoria para a narrativa na Contemporaneidade, numa poca em que a literatura no mais visa novidade, originalidade e inveno, mas talvez reescritura ou reciclagem, entre os escritores contemporneos que mais se destacaram, gostaria de citar Italo Calvino. No somente pela riqueza e diversidade de suas obras literrias, indo de livros a revistas, mas como um intelectual preocupado com a formao do imaginrio.

    5.2. Vida e obra

    Nascido em Cuba mudou-se para a Itlia ainda na infncia, crescendo na cidade de San Remo. Participou da resistncia do fascismo durante a Segunda Grande Guerra e, com o final do conflito, foi morar em Turin onde se formou em Literatura; transformando-se num dos autores italianos mais importantes do Ps-Guerra. Escritor de grande sensibilidade conseguiu rapidamente entender as mudanas ocorridas na literatura europia do imediato Ps-Guerra at os anos oitenta, sendo capaz de perceber e expressar as menores mudanas de sentimentos e comportamentos coletivos. Numa reao direta contra a tendncia, at ento, no sentido de valorizar apenas o novo, ele nos faz voltar ao passado no s retomando o que j foi feito e o que j foi dito, mas tambm confrontando os problemas da Literatura com o movimento do pensamento contemporneo. Tudo indica que Calvino prope a renovao da Literatura Moderna por meio da releitura e da reescritura da tradio literria.

    A obra de Italo Calvino quase uma metalinguagem de sua reflexo e de sua preocupao afim com Cultura Ps-Moderna. Ele produz obras de fico e tambm de teoria e consegue mesclar muito bem esses dois mundos. Alm de explicitar na sua categoria visibilidade uma afinidade conceitual para o que chamamos aqui de anlise do discurso produzido pela linguagem visual. Da alguns exemplos de sua obra citadas em alguns sites onde pesquisei (Anexo 10.2).

    Apesar de ser italiano, Calvino um dos autores mais conhecidos e de grande relevncia tanto para a Itlia como para o resto do mundo, no somente

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    pelo conjunto de sua obra (traduzida em vrias lnguas), mas tambm, pela riqueza de suas experincias intelectual, cultural e poltica.

    Com todas essas caractersticas apresentadas aqui, Italo Calvino dialoga diretamente com o que foi dito anteriormente sobre a Cultura Ps-Moderna.

    Nos prximos tpicos farei uma anlise de uma pequena amostra da obra de Italo Calvino, escolhendo dois livros de teoria Seis Propostas para o prximo Milnio e Por que ler os clssicos e dois livros de fico As Cosmicmicas e As Cidades Invisveis .

    5.3. Por que ler os clssicos

    Em Por que ler os clssicos (1991) Calvino deixa clara a importncia da leitura dos grandes clssicos, pois estes servem para entendermos quem somos e aonde chegamos. Mas sem esquecermo-nos de alternar essas leituras com as leituras da atualidade numa sbia dosagem (1991, p. 15). Segundo ele: O dia de hoje pode ser banal e mortificante, mas sempre um ponto em que nos situamos para olhar para frente ou para trs (1991, p. 14). A releitura tambm importante j que relendo um clssico descobrimos coisas novas como se fosse a primeira vez. Mesmo os livros permanecendo os mesmos (apesar de mudarem de acordo com a perspectiva histrica) ns com certeza mudamos, e a releitura um acontecimento totalmente diferente da primeira leitura. Segundo o autor, as leituras que fazemos na juventude no so muito proveitosas devido a impacincia, a distrao e a inexperincia de vida caractersticas dessa fase. Enquanto as leituras feitas na idade madura, ocorrem com muito mais detalhes e significados. Da a importncia da releitura. Calvino afirma ainda:

    Relendo o livro na idade madura, acontece reencontrar aquelas constantes que j fazem parte de nossos mecanismos interiores e cuja origem havamos esquecido. Existe uma fora particular da obra que consegue fazer-se esquecer enquanto tal, mas que deixa sua semente.

    Para Italo Calvino deveria caber escola a misso de propiciar o primeiro contato dos estudantes com os clssicos, incentivando-os a ler, contando porque a leitura destes to importante, mostrando-lhes quem leu e oferecendo-lhes opes

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    para que depois ele possa reconhecer os seus clssicos. Onde Calvino prope um conceito importante para essa pesquisa, a mediao. A mediao do professor importante, pois ele que apresenta a possibilidade de uma leitura compartilhada entre os alunos, leitura essa que pode ser discutida e enriquecida pelo dilogo com outras leituras vivenciadas pelo grupo. Porm, o que muitas vezes acontece que a leitura escolar com base em listas de obras exigidas por concursos e vestibulares, pode acabar afastando esses leitores, em vez de aproxim-los, alm de reduzir a quantidade de obras a conhecer. Calvino afirma que o prazer da leitura pessoal e no social e que somente nas leituras descompromissadas que pode acontecer do livro que est sendo lido tornar-se o seu livro, o seu clssico, j que este estabelece uma relao pessoal com quem o l. O autor, ento, define: O seu clssico aquele que no pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a voc prprio em relao e talvez em contraste com ele.

    Italo Calvino em Por que ler os clssicos (1991) chama ateno, tambm, para o fato de que atualmente os velhos livros foram dizimados, mas os novos se multiplicaram, proliferando em todas as literaturas e culturas modernas. E sugere, ento, que cada leitor monte sua biblioteca ideal de novos clssicos. Esta deveria conter livros que j foram lidos e que acrescentaram alguma coisa ao leitor, livros que se pretende ler e que presumidamente tambm acrescentaro algo, alm de deixar um espao na mesma para ser preenchido com as descobertas ocasionais que podero vir a surpreender. Afinal, um clssico um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.

    Para concluir, essa obra de Calvino, Por que ler os clssicos retoma o tema mediao: como trazer um clssico para uma criana que vive numa sociedade baseada na multiplicidade de linguagens? E este um problema parecido com o meu: como trazer para uma criana um contedo complexo, cheio de nmeros, tabelas e grficos como a estatstica, numa poca em que a comunicao feita, sobretudo atravs de imagens; onde o visual predomina? Este item, a mediao, ser bastante abordado nessa pesquisa.

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    5.4. Cidades Invisveis

    Em Cidades Invisveis (1990) Italo Calvino retoma, num romance contemporneo, a moldura da narrativa clssica do livro Il Milione (O Milho), que o registro escrito das narrativas orais do mercador veneziano Marco Polo, feito por seu companheiro de priso Rustichello da Pisa, em 1298. Calvino faz uma espcie de reescritura desse clssico que narra as descries feitas pelo comerciante genovs Marco Polo ao imperador mongol Kublai Khan na capital do imprio, durante o sculo XIII, sobre as cidades e os lugares por onde passou. O autor faz uma pardia da histria, da trama de viagem e da caracterizao dos personagens, investindo no potencial inventivo e criativo das palavras. Em Cidades Invisveis (1990), Calvino retoma a figura de Marco Polo para fazer um novo relato das viagens feitas por este, descrevendo com uma riqueza de detalhes 55 cidades (todas com nome de mulher) por onde teria passado, agrupadas numa srie de 11 temas: "as cidades e a memria", "as cidades e o desejo", "as cidades e os smbolos", entre outros. Calvino consegue criar descries de cidades imaginveis fantsticas, sem a preocupao em legitimar como autntica e

    verdica essa narrativa (como acontece no livro Il Milione), mas ao mesmo tempo nos fazendo pensar sobre mundos reais.

    Com um p na narrativa do passado e outro na realidade contempornea e tambm com um p na fantasia e outro na realidade objetiva, Italo Calvino pode ser considerado um escritor verdadeiramente da Cultura Ps-Moderna. Como apontado anteriormente, nela a releitura de formas passadas incentivada, pois o que j foi dito precisa ser reconsiderado. E exatamente isso que Calvino faz em Cidades Invisveis, trazendo uma personagem conhecida, como Marco Polo e submetendo-o ficcionalizao. Ele se apropria de um contedo Histrico e o d uma dimenso potica e de narrativa, mas sem deixar de pretender verdade. Isso tambm se aproxima da minha pesquisa, j que algumas obras que sero analisadas usaram esse partido.

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    5.5. As Cosmicmicas

    Outro livro de Italo Calvino que atravs da realidade nos faz entrar num mundo de imaginao e fantasia As Cosmicmicas (1990). Um livro repleto de humor e poesia que nos faz refletir sobre a separao (que somos culturalmente levados a crer que existe) entre a cincia e a arte. Quando falamos em arte, pensamos logo em imaginao, em algo ldico, ilgico, fantasioso e no verdadeiro. E quando falamos em cincia, pensamos no domnio do racional, do lgico, do comprovado, do verdadeiro. Essa noo clssica, de que o conhecimento cientfico pressupe a aplicao de procedimentos e teorias que garantem a sua validade, est em crise na chamada Cultura Ps-Moderna. Como j descrito no captulo anterior, de acordo com Jean-Franois Lyotard em sua publicao A Condio Ps-Moderna (2006), a cincia, provocada pelo impacto das transformaes tecnolgicas sobre o saber, no mais pode ser considerada como a fonte definitiva da verdade. E Calvino nos mostra isso muito bem quando prope um cruzamento entre arte e cincia em seu livro As Cosmicmicas (1990). Em cada um dos 12 captulos que compem o livro, o autor introduz uma epgrafe com um enunciado cientfico com o qual a narrativa literria que se segue dialoga explicando-a, desenvolvendo-a, enfatizando-a ou reafirmando-a, sempre com um lado cmico. Da o ttulo As Cosmicmicas: o cosmos e o cmico, onde o conhecimento e a fico se encontram. O desenvolvimento de personagens e a criao de um universo narrativo so coisas que Calvino faz a partir dessas epgrafes cientficas.

    5.6. Seis propostas para o prximo milnio

    Em Seis propostas para o prximo milnio (2003) Italo Calvino afirma que entre os valores que ele gostaria que fossem preservados para o prximo milnio est o de uma literatura que tome para si o gosto da ordem intelectual e da exatido, a inteligncia da poesia juntamente com a da cincia e da filosofia". Mais uma vez reforando a relao entre cincia e arte que est presente em vrias de suas obras. Neste livro, Calvino apresenta seis aspectos da literatura que para

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    ele mereciam ser preservados no curso do prximo milnio: leveza, rapidez, exatido, visibilidade, multiplicidade e consistncia. Alm de falarem sobre o trabalho do escritor, enfatizando a forma e a tcnica, so tambm defendidos como as bases para tornar um texto rico e interessante em seu contedo, agradvel para a leitura e inesquecvel como experincia para quem o l; visando estimular, em especial, a percepo. Virtudes que no apenas orientam a atividade dos escritores, mas tambm orientam outras atividades profissionais e a vida pessoal.

    O primeiro aspecto descrito por Calvino a leveza e ressalta ainda que para vivenci-la necessrio conhecer a experincia do peso, saber o seu valor. Para ele a leveza est associada preciso e determinao, nunca ao que vago ou aleatrio.

    A rapidez de estilo e de pensamento quer dizer para Calvino agilidade, mobilidade, desenvoltura. Questiona a durao, a convenincia em poupar o leitor de detalhes determinados em favor do ritmo, da lgica na narrativa. a ferramenta essencial para a continuidade da narrativa. a busca constante pela melhor maneira de trabalhar a relatividade do tempo, ora dilatado, ora contrado, ora linear, ora descontnuo.

    Para Calvino a exatido quer dizer principalmente trs coisas: a boa definio de um projeto de obra, a formao de idias visuais ntidas, incisivas e memorveis e uma linguagem precisa, capaz de traduzir detalhes do imaginrio.

    A visibilidade est relacionada a processos imaginativos, qualidade de expressar imagens, uma vez que, Calvino nos permite entender as razes que fazem da literatura o meio ideal de comunicao, mas sem esquecer a significativa importncia de que se reveste a imagem. Momento onde sua obra consolida a interlocuo com a proposta de analisar imagens. De acordo com ele podemos distinguir dois tipos de processos imaginativos: o que parte da palavra para chegar imagem e o que parte da imagem para chegar expresso verbal (lembrando que a contemporaneidade atravessada por essas duas linguagens dependentes entre si e que atuam simultaneamente. uma linguagem hbrida). O primeiro processo o que ocorre normalmente na leitura: quando lemos um romance ou uma reportagem num jornal logo imaginamos a cena que estamos lendo, ou pelo menos parte dela. J o segundo processo ocorre, por exemplo, quando vemos um filme. A imagem que vemos na tela tambm passou por um texto escrito. Mas primeiro foi vista mentalmente pelo diretor e em seguida reconstituda num set

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    de filmagem. Esse cinema mental existe entre ns e no cessa de projetar imagens na nossa imaginao. Por isso, os dois processos imaginativos so de igual importncia. A questo da linguagem verbal no anloga a questo da linguagem visual. A linguagem verbal um meio de expresso e comunicao, sendo, portanto um sistema paralelo ao da linguagem visual. Para Calvino o texto carrega consigo diversas possibilidades de leituras. Trata-se de lanar um olhar sobre a relao entre a anlise direta do mundo, o universo ilusrio e o mundo simblico transmitido pela cultura, alm do curso abstrao - condensao - interiorizao de uma experincia sensvel.

    A multiplicidade apresentada como uma sugesto de como o conhecimento pode ser abordado como numa rede que enlaa fatos, saberes e sistemas reciprocamente condicionantes. saber tecer em conjunto os diversos saberes e os diversos cdigos numa viso pluralstica do mundo. a combinao de experincias, de informaes, de leitura, de imaginao. a multiplicidade de mtodos interpretativos, maneiras de pensar, estilos de expresso.

    O sexto e ltimo aspecto, a consistncia, nunca chegou a ser desenvolvido por Calvino devido morte sbita. Existem apenas notas sobre ela. Mas, talvez ele abordasse dentro desse aspecto a coerncia lgica de um pensamento e a homogeneidade dos elementos constituintes do texto literrio. A impresso que este causa sobre os sentidos.

    No prximo captulo falarei mais profundamente sobre cada uma dessas categorias, j que constituem a base metodolgica para essa pesquisa.

    Enfim, a obra de Calvino, da qual observamos uma pequena amostra atravs dos livros descritos acima, aponta uma estimulante base terica que pode servir como mtodo para o desenvolvimento de contedos que pretendam equacionar as presentes questes de estruturao narrativa, recepo de contedos textuais / visuais e produo editorial. Tal fato vai ao encontro dos intuitos desta pesquisa, cujo objetivo , justamente, verificar a aplicao desta base terica na concepo de livros que visam comunicao de dados estatsticos e informaes geogrficas para o pblico infanto-juvenil.

    Como se sabe, a grade curricular dos ensinos fundamental e mdio impe aos alunos a apreenso da realidade socioeconmica brasileira atravs do ensino da disciplina de Geografia. Os assuntos abordados nesta matria tm como fonte principal os dados obtidos e disponibilizados pelo IBGE, que, conforme abordado

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    em captulo anterior a instituio pblica responsvel pela fomentao oficial dos dados estatsticos sobre economia, demografia, relaes sociais, entre outros, alm das informaes sobre o territrio brasileiro. Por ser um contedo imposto, parte um eventual interesse sobre a matria por parte de um estudante ou outro, o maior estmulo que os alunos possuem para a apreenso dos contedos estatsticos e geogrficos sobre o Brasil a obteno dos graus necessrios para aprovao na disciplina. neste ponto que vejo estar, possivelmente, a grande contribuio da base terica que se pode derivar da obra de Italo Calvino: o de capacitar o desenvolvimento de leituras estimulantes, mesmo para um contedo que inicialmente imposto.

    Na linha deste raciocnio possvel antever em Por que ler os clssicos (1991) a possibilidade de se passar conhecimentos universais e atemporais sem necessariamente obrigar um aluno a ler os originais de todas as obras consagradas como as bases do saber humano e, em As Cosmicmicas (1990), perceber que uma apresentao potica e imaginativa e no necessariamente metdica e cientfica pode possibilitar um melhor entendimento de contedos tcnicos. Do mesmo modo, em Cidades Invisveis (1990), vemos que o ato de reescrever, de contar uma antiga histria de uma nova forma, pode ampliar o alcance do escrito originalmente, abrindo para novas interpretaes e/ou apreenses mais profundas. Por fim, em Seis propostas para o prximo milnio (2003), Calvino delineia uma metodologia que permite materializar uma obra literria que se pretenda inserida nos tempos atuais: abrangente, estimulante e veculo da produo cultural humana de todos os tempos.

    A aplicao destes princpios, derivados da obra de Italo Calvino, para a elaborao de livros com contedos estatsticos e geogrficos sobre o Brasil, voltado para o pblico infanto-juvenil, pode resultar em produtos editoriais que estimulem o prazer da leitura e conseqentemente gerem um maior acmulo de conhecimento sobre os assuntos veiculados. A procura de uma metodologia de anlise baseada em Calvino servir como uma eficiente base terica para o desenvolvimento de livros didticos, oferecendo uma alternativa a procedimentos produtivos baseados exclusivamente na intuio e na experincia que apresentam muitas vezes resultados errticos, sem nem sempre alcanar o que pretendiam inicialmente: promover a obteno de um conhecimento especfico.

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