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IV JORNADAS AEP SERRALVES

“O PAPEL do ESTADOno DESENVOLVIMENTO”

10 de outubro de 2013

AUDITÓRIO FUNDAÇÃO DE SERRALVES

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TítuloIV JORNADAS AEP | SERRALVES

EdiçãoFundação AEP

CapaWebrand

Execução Gráfi caXXXXXXXX

Depósito Legal Nº XXXXXXXX

ISBN Nº XXXXXXXX

Porto, ??????????

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 5

PROGRAMA 6

COMUNICAÇÕES

Sessão de Abertura 9

Dr. Paulo Nunes de Almeida 11

Eng.º Luis Braga da Cruz 17

Dra. Manuela Ferreira Leite 27

Primeira Sessão 37

Dr. Gonçalo Moura Martins 39

Dr. Rui Assoreira Raposo 47

Segunda Sessão 53

Prof. Luís Valente de Oliveira 55

Prof.ª Rosário Gamboa 57

Eng.º Brás Costa 75

Eng.º Pedro Carreira 83

Eng.º António de Melo Pires 91

Terceira Sessão 95

Prof. António Cunha 97

Eng.º António Pereira de Oliveira 101

Quarta Sessão 103

Eng.º Vergilio Folhadela Moreira 105

Dr. Luís Pais Antunes 107

Prof. Paulo Trigo Pereira 115

Sessão de Encerramento 127

Eng.º José António Ferreira de Barros 129

Prof. Emídio Gomes 133

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São numerosas as críticas de empresários e de outros investidores em relação aos serviços do Estado em Portugal. E, todavia, eles são indispensáveis em qualquer processo de desenvolvimento que, pressupõe, em todos os casos, uma articulação fl uída entre funções privadas e funções públicas, ambas tendo de ser de bom nível para que o resultado da sua acção conjunta seja efi caz.

Há, correntemente, tomadas de posição que gostariam de ver o Estado assumir numerosas responsabilidades. E, em contraposição, há outras que recomendam que ele se retire de onde for possível. De qualquer forma, hoje ninguém contesta que há um papel reservado ao Estado em qualquer processo de desenvolvimento, todos insistindo em que ele seja prestado com o mais elevado nível de qualidade possível.

As Fundações AEP e de Serralves vêm organizando, em conjunto, jornadas de refl exão sobre temas relacionados com o crescimento, o desenvolvimento, o empreendedorismo e outros com eles correlacionados, tendo todos em vista o progresso do País.

Nas suas refl exões não poderia faltar, desse modo, uma abordagem acerca do papel do Estado, tratado por especialistas com larga experiência nos sectores em que exercem a sua actividade. É o resultado de um dia de exposições excelentes que agora se traz ao conhecimento do público. Os que assistiram às IV Jornadas poderão rememorar o que, então, ouviram. Os que não tiveram essa possibilidade tomarão contacto com o que se disse e fi carão, seguramente, despertos para o interesse destes Encontros que tanto apraz às duas Fundações levar a efeito.

INTRODUÇÃO

Paulo Nunes de AlmeidaPresidente da Fundação AEP

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PROGRAMA

09:00 Receção dos Participantes

09:15 Sessão de Abertura

Presidente do Conselho de Administração da Fundação AEP Dr. Paulo Nunes de Almeida

Presidente do Conselho de Administração da Fundação de Serralves Eng.º Luís Braga da Cruz

Discurso de Abertura Dr.ª Manuela Ferreira Leite

10:00 Primeira sessão - Parcerias Público-Privadas Moderador: Dr. Paulo Nunes de Almeida

Dr. Gonçalo Moura Martins - Mota Engil, SGPS SA Dr. Rui Assoreira Raposo – Grupo José de Mello

11:30 Segunda sessão - Formação Profi ssional Moderador: Prof. Luís Valente de Oliveira

Prof.ª Rosário Gamboa – Instituto Politécnico do Porto Eng.º Brás Costa – Citeve Eng.º Pedro Carreira – Continental Mabor Eng.º António de Melo Pires – Volkswagen Auto Europa

13:00 Almoço Volante

14:00 Terceira Sessão - Transformação do Conhecimento em Inovação Moderador: Eng.º Luís Braga da Cruz

Prof. António Cunha - Universidade do MinhoEng.º António Pereira de Oliveira – Nokia Solutions and Networks Portugal S.A.

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15:30 Quarta Sessão - O Que É Preciso Fazer Para Termos Melhor Estado Moderador: Eng.º Vergilio Folhadela Moreira

Dr. Luís Pais Antunes – PLMJ Sociedade de AdvogadosDr. António Lobo Xavier – Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e AssociadosProf. Paulo Trigo Pereira – ISEG

17:00 Sessão de EncerramentoEng.º José António Ferreira de BarrosPresidente do Conselho de Curadores da Fundação AEP

Discurso de encerramentoProf. Emídio Gomes | Presidente da CCDR-NAs Empresas e o QREN-Quadro de Referência Estratégico Nacional – Portugal 2020

10 de outubro de 2013 - Auditório Fundação de Serralves

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COMUNICAÇÕES

SESSÃO DE ABERTURA

Presidente do Conselho de Administração da Fundação AEPDr. Paulo Nunes de Almeida

Presidente do Conselho de Administração da Fundação SerralvesEngº Luís Braga da Cruz

Discurso de AberturaDra. Manuela Ferreira Leite

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Vamos dar início às IV Jornadas Fundação AEP | Fundação de Serralves, e por isso eu começo por agradecer a presença de todos os participantes. A sessão de trabalho será grande, pelo que temos de ser muito rigorosos com o tempo, para dar oportunidade a todos de nos transmitirem o que consideram importante sobre o tema que vamos abordar.

Como devem estar recordados nas I Jornadas, realizadas em 2010, discutimos “Portugal 2020”; nas segundas jornadas abordámos o tema da “Re – Industrialização” e no ano passado “A Internacionalização da Economia Portuguesa”. Este ano vamos tratar o tema “O papel do Estado no Desenvolvimento”.

Em primeiro lugar, queria agradecer à Fundação de Serralves, na pessoa do Senhor Eng.º Braga da Cruz, a parceria que, mais uma vez, estamos a levar a cabo para a realização destas IV Jornadas; num momento em que tanto se fala de Fundações, muitas das vezes de uma forma marcadamente injusta, a Fundação AEP e a Fundação Serralves tentam dar o exemplo do que deve ser feito, privilegiando a parceria ao individualismo e trazendo para discussão temas de relevante interesse nacional; uma palavra para as duas equipas, quer a da Fundação AEP, quer a da Fundação de Serralves, que trabalharam na organização das mesmas e uma palavra muito especial para o Senhor Professor Valente de Oliveira, que tem a responsabilidade da sua organização. Agradecemos ao nosso patrocinador exclusivo, a KPMG, que à semelhança dos anos anteriores, patrocina e apoia estas Jornadas Empresariais, bem como ao Programa Compete que nos apoia na divulgação destas jornadas e dos seus resultados. E, por fi m, agradecemos a todos os participantes e a todos os oradores.

Vamos ter uma longa lista de oradores ao longo do dia, não os vou referenciar agora porque todos serão apresentados à medida que cada um dos painéis se realizar, pelos respetivos moderadores.

Na sessão de abertura, e para além destas palavras que vos dirijo, o Sr. Eng.º Luís Braga da Cruz, como presidente da Fundação de Serralves, irá também fazer a sua apresentação e vamos ter connosco a Drª Manuela Ferreira Leite, que dispensa apresentações e a quem agradeço muito reconhecidamente a sua presença. Estou certo que a nossa convidada abordará este tema com a pertinência que o mesmo justifi ca e também com a qualidade e a frontalidade que a caraterizam. No encerramento, teremos o Senhor Eng.º José António Barros, Presidente da AEP, e o Senhor Prof. Emídio Gomes, Presidente da CCDRN, que nos vai falar sobre o QREN.

SESSÃO DE ABERTURA

Presidente do Conselho de Administração da Fundação AEPDr. Paulo Nunes de Almeida

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Porquê o tema “O papel do Estado no desenvolvimento”? Acima de tudo pela sua atualidade, face à importância que o Estado tem no desenvolvimento de qualquer nação e, ao mesmo tempo, pelos condicionalismos que lhe são impostos em especial pelas restrições de natureza orçamental de todos conhecidas.

Vamos abordar este tema não só de uma forma genérica mas centrando a análise em quatro grandes áreas – parcerias público-privadas, formação profi ssional, transformação do conhecimento em inovação e o que é preciso fazer para termos melhor Estado. É com toda a certeza o melhor caminho para podermos tirar conclusões que possam contribuir para um maior desenvolvimento do nosso país. Essa é a missão das duas fundações promotoras deste evento.

Começando pelas parcerias público-privadas não poderíamos deixar este tema de fora, dada a dimensão que as mesmas atingem.

Entre 2008 e 2011, o valor dos encargos líquidos com as PPP quase quadruplicou (passou de 475 milhões de euros para 1.823 milhões de euros). Em percentagem do PIB os encargos elevaram-se de 0,3% em 2008 para 1,1% em 2011.

Até 2040 os encargos brutos contratualizados assumem um valor signifi cativo, em particular entre 2015-2018, em que se estima que ultrapassem os 2 mil milhões de euros por ano.

Estima-se que o valor atualizado dos encargos brutos futuros (2012-2040) do Estado, resultante dos contratos estabelecidos até 2012 com o setor privado, seja de 24,4 mil milhões de euros (ou seja em torno de 14,6% do PIB em 2012).

A maior fatia cabe às infraestruturas rodoviárias (20,9 mil milhões, ou seja 12,5% do PIB), seguindo-se a área da saúde (1,8% do PIB) e as infraestruturas ferroviárias (0,1% do PIB), sendo que 0,2% referem-se a outros investimentos contratados.

Contudo, o debate tem que ser sério e realçar ao mesmo tempo as virtualidades deste tipo de contratos.

Entendemos que a atual limitação ao nível dos recursos fi nanceiros públicos

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tende a ser favorável à opção, ao nível da contratação pública, pela modalidade das Parcerias Público Privadas (PPP). Numa conjuntura económica adversa, a implementação de PPP permite assegurar o fi nanciamento e antecipar a realização de investimento, variável essencial ao crescimento económico e à criação, ou pelo menos, manutenção de emprego, pelo que é de incentivar este regime de contratação.

Face aos ganhos de efi ciência e de efi cácia, potencialmente mais elevados no setor privado, o custo global dos projetos tenderá, nesta modalidade, a ser tendencialmente menor e a qualidade de serviço potencialmente mais elevada. No entanto, por envolver uma relação comercial entre o setor público e privado, na opção por este regime deverá estar sempre subjacente uma adequada partilha de benefícios, mas também de riscos e de responsabilidades, de modo a acautelar o interesse público, evitando sérias penalizações futuras. As cláusulas contratuais devem prever isso mesmo e em todas as fases o processo deverá ser simplifi cado e o mais transparente possível.

No que respeita à Formação Profi ssional, segundo tema da nossa sessão, considerando que os recursos humanos são o ativo estratégico mais importante das empresas, quer pelo seu potencial de transformação, quer pelo contributo para o seu desenvolvimento global, temos que o considerar como o instrumento mais poderoso para municiar aquele potencial. Por isso, o Capital Humano foi a mais poderosa forma de fi nanciamento comunitário e de apoio ao desenvolvimento das qualifi cações no atual QREN. Também no próximo Quadro Comunitário, o Capital Humano continuará a ser a principal área de intervenção em articulação estreita com os eixos da inclusão, da competitividade e internacionalização, sendo ainda o instrumento mais relevante nos programas regionais de desenvolvimento, assegurando por essa via a territorialização das políticas do Emprego e Formação.

No que diz respeito ao papel do Estado e numa altura em que se acentua a necessidade do Estado aligeirar o seu peso e proceder a uma afetação dos seus recursos mais racional e consentânea com as suas possibilidades, é altura de reduzir o papel do Estado, enquanto operador, na maior parte dos programas em vigor e diminuir o seu excessivo autofi nanciamento.

No atual QREN, é forçoso destacar o mérito e a relevância técnica e política do modelo de governação baseado nos Organismos Intermédios com subvenção global. A delegação de competências em entidades reconhecidamente capacitadas para a gestão de grandes

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programas nacionais, garante uma gestão mais efi caz e efi ciente dos recursos disponíveis e uma maior transparência das funções desempenhadas pelo Estado, separando claramente a função reguladora da função operadora.

A experiência dos Organismos Intermédios no atual QREN (medida Formação Ação para as PME) evidencia um rigoroso cumprimento e até otimização dos montantes disponibilizados pelo Estado, uma clara concretização dos objetivos estabelecidos, bem como impactos muito positivos nas empresas benefi ciárias, como demonstram os estudos independentes já realizados. Seria pois um erro colossal não aproveitar este modelo já testado e desperdiçar o “know-how” acumulado pelos Organismos Intermédios muito próximos e representativos do tecido empresarial, gerando uma centralização ainda maior da gestão em entidades exclusivamente públicas.

É pois este o desígnio que o País exige: aumentar a voz das Empresas (através dos parceiros sociais) na defi nição e operacionalização das Políticas Públicas de Emprego e Formação.

Chegando à terceira sessão, vamos debater a transformação do conhecimento em inovação.

Reconhecidamente, o conhecimento e a inovação são cada vez mais os motores das economias dinâmicas e competitivas. Esta evidência reforça a importância da ligação entre o “saber” e o “fazer”, tornando clara a necessidade de reforçar a concertação de dois mundos, muitas das vezes com fi nalidades, mentalidades e linguagens distintas: tecido empresarial e centros de investigação e do “saber”.

A Fundação AEP, tem vindo a defender a necessidade de valorização económica do conhecimento gerado, através da sua transferência para o universo empresarial.Esta deverá ser conseguida através de uma maior interação entre as entidades do sistema científi co e tecnológico e as empresas, devendo estas apresentar aos centros de saber os problemas com que se defrontam no desenvolvimento de novas tecnologias ou produtos, e estes canalizar boa parte da sua despesa em I&D ou com mestrados e doutoramentos para aquelas necessidades.

No seio da UE 27, Portugal pertence ao grupo de países apelidados de inovadores moderados.

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Os dados apresentados no Relatório de 2013 mostram o relativo atraso português em matéria de inovação, evidenciado pelos valores da maioria dos indicadores que se encontram comparativamente mais baixos que a média da UE27. Contudo, em termos de evolução, os dados são bastante animadores ao darem sinais de que a recuperação em Portugal se está a processar a um bom ritmo. Portugal tem registado progressos assinaláveis ao longo dos últimos cinco anos (evolução 2008-2012) em vários indicadores de inovação, evidenciando assim um sinal de convergência do nosso país com os padrões europeus. O progresso alcançado em várias componentes que integram o “SII - Summary Innovation Index”, está acima dos valores médios para a UE27.

Portugal aparece bem posicionado em várias categorias, sendo de destacar a que mede os esforços de inovação por parte do setor empresarial privado, registando uma evolução muito favorável do peso, no PIB, dos gastos em I&D assegurados pelas empresas: a taxa de crescimento neste indicador foi de 5%, muito acima da média da UE (1,9%).

Na quarta sessão vamos discutir “O que é preciso fazer para termos melhor Estado”, onde vamos ter três participantes que pelo seu curriculum vão abordar o tema de diversas formas. Estou certo que as questões relacionadas com a legislação laboral, com a fi scalidade e com o ensino serão debatidas, dada a importância de que se revestem, para podermos ter um melhor Estado. Sobre a fi scalidade todos nós assistimos com grande apreensão ao aumento desmesurado da carga fi scal nos últimos tempos, com efeitos muito perversos ao nível do rendimento disponível das famílias e da capacidade de autofi nanciamento das empresas.

Finalizando, gostaria de realçar que temos tentado trazer para estas jornadas a discussão de temas com mais profundidade e fugir um pouco do que no dia-a-dia se discute em Portugal, muitas das vezes sem grandes resultados e sem grandes consequências. Desejo, a todos umas boas Jornadas, um bom dia de trabalho e pedia ao Sr. Eng.º Braga da Cruz, que nos fi zesse a sua apresentação.

Muito obrigado!

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Estas já são as 4.as Jornadas de refl exão empresarial que a Fundação de Serralves acolhe em parceria com a Fundação AEP.

Temos tido a preocupação de escolher os temas em domínios onde vale a pena haver alteração de comportamento nacional, visando um melhor desempenho da actividade económica e social. Em anos anteriores, elegemos temas orientados para uma visão de futuro, tais como: “Portugal face a 2020”, “A Re-industrialização do País”, a “Internacionalização da Economia Portuguesa”.

Quando nos interrogámos sobre o tema para este ano, tivemos presente a circunstância de Portugal estar, mais uma vez, em fase de negociação com a Comissão Europeia de um novo período de programação do apoio ao nosso desenvolvimento, justamente para o ciclo de 2014 a 2020. Daí ter sido escolhido “O Papel do Estado no Desenvolvimento”. Mesmo que as orientações estratégicas caibam à União Europeia e a responsabilidade na organização das propostas seja do Governo Português, entendemos que ninguém se pode alhear do assunto e deixar de contribuir com refl exão própria nesta fase preparatória, de forma a garantir que consigamos maximizar os efeitos na economia portuguesa.

Sobre as opções do passado e a forma como foram utilizados os fundos estruturais europeus, muito poderia ser debatido, tendo a certeza que daria uma conversa animada e útil, sobretudo para fazer um balanço desses períodos questionando-nos sobre as opções feitas, as prioridades defi nidas ou, simplesmente, para tentar compreender porque se acentuaram os desequilíbrios territoriais em vez de se terem corrigido, como era o propósito dos fundos para o desenvolvimento regional e a coesão.

De uma forma geral, estaremos de acordo que, em 1986, entre as causas do nosso atraso relativo estava uma endémica sub-dotação em infraestruturas e equipamentos. Porém, com a evolução dos acontecimentos os factores de competitividade territorial também se foram alterando, valorizando outras formas de investimento. Hoje, embora continue a ser muito importante a capacidade dos nossos recursos humanos, o que é decisivo é a forma como nos organizamos em termos produtivos e a maneira como valorizamos a inovação e incorporamos o conhecimento.

Tendo tido o privilégio de contar com a estimulante capacidade do Prof. Luís Valente de Oliveira, fácil foi chegar à conclusão que nos devíamos concentrar no papel do Estado, na sua intervenção reguladora e normativa, retendo as prioridades simbólicas da acção da

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Presidente do Conselho de Administração da Fundação de SerralvesEngº Luís Braga da Cruz

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União Europeia para 2020 – crescimento inteligente, inclusivo e sustentável.

Crescimento inteligente signifi ca investimento em educação, na investigação e na inovação. Crescimento sustentável refl ecte as preocupações ambientais e o empenho na transição para a economia de baixo carbono. Crescimento inclusivo tem relação directa com preocupações sociais como sejam a criação de emprego e a redução do nível de pobreza.

Em resumo: a estratégia europeia para 2020 está focada em cinco objectivos ambiciosos: emprego, investigação, educação, redução da pobreza e clima e energia.

Esta estratégia também tem consciência da importância de um sistema de governação económica que coordene as medidas políticas a nível nacional e europeu, com maior supervisão por parte da União Europeia, das políticas económicas e orçamentais para a preservação da estabilidade da zona euro e ainda das medidas para sanear o setor fi nanceiro, as quais têm vindo já a ser aplicadas.

Além disso, a qualidade da administração pública é considerada como preocupação importante para a competitividade económica da União Europeia e para o fortalecimento do bem-estar social. A questão está em esclarecer como se pode conciliar austeridade e redução de gastos com a pesada máquina do Estado, com uma alta qualidade de serviços públicos, cujo bom desempenho depende de requisitos organizativos e tecnológicos. As orientações europeias também reconhecem a necessidade de defi nir critérios para uma boa governação do sector público que interage com os agentes económicos: maior leveza administrativa, completa rejeição de formas que induzem corrupção, ambiente legal favorável à animação económica e ao emprego, transparência nos concursos públicos, sistema judicial efi caz, etc.

Vale a pena dar uma olhadela pelo relatório recente “Quality of Public Administration”1

em que são considerados alguns indicadores estatísticos com a posição relativa de cada estado-membro e sua evolução entre 2010 e 2011, para dele tirar algumas ilações para o nosso país.

Por este relatório se verifi ca que Portugal fi ca com um retrato heterogéneo. Em alguns indicadores está bem e acima da média europeia, o que traduz o resultado de políticas públicas activas recentes. Nalguns casos fi camos mesmo bem colocados, como por exemplo:

1 http://ec.europa.eu/europe2020/pdf/themes/34_public_administration.pdf

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• Taxa de utilização da internet por parte de pequenas empresas (de 10 a 49 trabalhadores) na sua relação com a administração. Portugal regista uma honrosa 6.ª posição na UE28, com uma taxa de 93%, contra uma média europeia de 85%.

• Uso de boas práticas de gestão de recursos humanos na administração central (indicador compósito proposto pela OCDE em processos de avaliação de desempenho e reporte de altos e médios dirigentes da administração). Neste indicador e em 2010, Portugal ocupava uma posição confortável: o 3.º lugar em 20.

• Tempo necessário para a obtenção de licenças para o start-up de uma empresa e o respectivo custo associado. Em 2012, Portugal fi cou em 3.º lugar no ranking da UE28, embora em termos de custos tivesse fi cado apenas um pouco abaixo da média europeia (350€).

Noutros indicadores Portugal está próximo da média europeia. Não fi cando mal, ainda tem de fazer algum percurso de melhoria. Alguns exemplos desta situação:

• “Governance effectiveness” (indicador de avaliação sumária da qualidade da administração pública dependente do sistema regulatório, da imparcialidade e da qualidade de serviço fornecido). Neste indicador Portugal está em 79/100, embora tenha regredido entre 2011 e 2012.

• No indicador de modernização administrativa “e-Government” (medido pelo uso da internet na relação com a administração, pela população entre os 25 e 54 anos de idade) fi camos levemente abaixo da média da UE28, tendo crescido de 2011 para 2012, mas a ritmo menor que a própria média europeia.

• Em matéria de pagamentos irregulares e suborno, cujo indicador traduz a perceção por via de inquéritos standard de opinião, a posição portuguesa coincide com a média europeia.

• No indicador relativo à percepção de actos de corrupção por desvios de fundos públicos por parte de empresas, indivíduos ou grupos, Portugal está um pouco pior que a média europeia.

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Menos simpática é a situação relativa em alguns outros indicadores, para os quais urge atribuir prioridade na acção concreta para a sua correcção, como é o caso dos seguintes:

• Número médio de dias para obter uma licença de laboração, num grupo específi co de cinco actividades sectoriais de referência (hotelaria com restauração, manufactura de produtos siderúrgicos, pequenas manufacturas de equipamento de tecnologias de informação, ofi cinas de canalizações, comércio grossista). A resposta administrativa portuguesa, em 2010, era a 8.ª mais lenta da UE27 (com 80 dias) e mais elevada que a média europeia (67 dias).

• Tempo necessário para ter a devolução de taxas pagas dentro da EU (2013) (indicador que procura traduzir a viscosidade do sistema fi scal a nível europeu, por agregação de três tipos de taxas: corporate income taxes, taxas laborais e impostos sobre consumo). Portugal apresenta-se como 5.º mais lento nessa devolução, no contexto da EU27.

No entanto, as piores posições e que não deixam de nos envergonhar são nos indicadores que traduzem a qualidade, a independência e a efi ciência da Justiça. O relatório chama especialmente a atenção para a importância de se dispor de agilidade para garantir condições de crescimento e competitividade económica. Em matéria de Justiça, Portugal pertence ao grupo dos dez estados-membros (Chipre, Grécia, Itália, Lituânia, Malta, Roménia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha) com pior desempenho, por combinarem os factores mais desfavoráveis: procedimentos mais demorados na 1.ª instância, taxas de resolução de confl itos menos elevadas, o maior número de processos pendentes. Vejamos alguns exemplos concretos dessa má imagem:

• Tempo médio necessário para uma empresa resolver um litígio cível ou comercial (por exemplo: litígios entre partes, insolvências, disputas contratuais). Em 2010, entre os 22 estados-membros com informação disponível, Portugal era o 4.º estado-membro mais lento, entre os analisados, com 410 dias, para uma média europeia muito mais baixa.

• Taxa de resolução de litígios, no mesmo grupo de estados-membros, Portugal fi cava em 6.ª posição. Em 2010, foram resolvidos tantas situações como as que entraram no sistema.

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• Nível de litigância, medidos em casos ocorridos por cada cem habitantes. Em 2010, Portugal foi o 2.º país com mais litígios judiciais, com um nível de 3,5, apenas ultrapassado pela Itália.

• Percepção da independência judicial. Numa avaliação feita em 2010 e 2011, Portugal fi cava na 67ª posição entre 144 países de todo o mundo, o que signifi ca que se puderam identifi car 76 países onde a confi ança na Justiça é superior à que por cá se verifi ca.

Como em qualquer relatório desta natureza, os resultados valem o que valem mas dão-nos boas e úteis indicações relativas. Têm pelo menos o mérito de nos revelar por onde devemos começar as reformas da administração pública, na perspectiva das empresas e do ambiente competitivo de que devem desfrutar.

A questão que hoje se nos convoca é esta: Que papel deve fi car reservado ao Estado no processo de apoio ao desenvolvimento económico, em especial em momentos em que é necessário proceder à redução da despesa pública?

As soluções não são fáceis, mas uma coisa é certa: a solução não será reclamar mais dinheiro para sustentar o crescimento de um modelo a que nos habituamos e que não pode mais subsistir.

É necessário e inevitável racionalizar a intervenção do Estado, fazer mais com menos recursos, porventura revendo as atribuições que fomos progressivamente cometendo à administração, reforçando a intervenção mais responsável de cada agente económico com essa administração.

Há matérias, como a educação, a saúde, a segurança social que continuarão a ser o factores condicionante do nosso futuro colectivo, tendo o Estado responsabilidade de garantir a igualdade de acesso. Mesmo aceitando a concorrência entre o sector privado e o sector público, não nos iludamos: na maior parte do território não haveria modelo privado que se interessasse por alguns destes serviços ao cidadão.

Sou profundo adepto da descentralização administrativa e política, tendo a noção que em muitos sectores da administração ganharíamos se acercássemos a sua gestão dos níveis territoriais mais próximos do cidadão, num exercício de subsidiariedade. Por exemplo, na maior parte dos países europeus da nossa dimensão, a gestão da educação

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básica e secundária não é uma matéria central, mas regional ou local. A estratégia de desenvolvimento educativo só ganhava se fosse integrada com outras formas de planeamento e de coordenação política regional. Há países europeus que nem têm Ministério de Educação…

Em 1998, defendi a regionalização política, porque estava convencido que era a forma de melhor garantir a coesão e a competitividade territorial. Hoje, estou cada vez mais convencido que a regionalização é a reforma administrativa que faz sentido, para bem da coesão nacional, da justiça e da equidade.

Porém, os tempos são hoje mais exigentes, obrigando a uma mais profunda refl exão sobre o modelo do Estado e sobre a forma de garantir o exercício dos valores democráticos: participação, transparência, equidade, responsabilidade.

Há no entanto algumas questões prévias: estarmos convencidos que tal sacrifício vale a pena.

Em 1940, no momento mais negro da Segunda Grande Guerra Mundial para os Aliados, a população inglesa começou a preocupar-se com o pós-guerra, de forma que surpreendeu o próprio governo britânico. Churchill achava paradoxal que isso ocorresse exactamente quando os britânicos tinham pela frente problemas de sobrevivência, mas o cidadão comum começou a compreender que o momento de sacrifício, quase sem esperança, só era suportável com os olhos postos no futuro. O sacrifício tinha de fazer sentido.

Nessa ocasião, os trabalhistas britânicos foram mais longe, afi rmando que não era admissível estarem a combater contra a ideologia opressora nazi, com a suspeita de estarem, simultaneamente, a benefi ciar interesses privados, nem que, no fi m da guerra, “as forças do privilégio estivessem mais entrincheiradas no poder do que no princípio” 2.

Também hoje tem de fi car claro que os sacrifícios que se pedem aos portugueses têm de ter uma contrapartida futura e que melhores dias não sejam obtidos à custa da consolidação de posições de maior assimetria territorial e de atraso social.

Precisamos de aproveitar os tempos difíceis para repensar o Estado, como propõe Philippe Aguion3 que acompanharei nas considerações seguintes.

O cidadão nunca teve tão pouca confi ança no Estado como agora.

2 Hastings, Max; “Os melhores Anos de Churchill – 1939-1945”, Civilização Editora; Maio 20123 Aghion, Philippe e Roulet, Alexandra; “Repensar o Estado – Para uma Social-Democracia da Inovação” Temas e Debates ; Circulo dos Leitores , 2012.

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A ideologia neoliberal é criticada por defender o Estado minimalista como a única forma de regressar ao equilíbrio orçamental. Discute-se entre “mais Estado” ou “menos Estado”. Mas porque não pensar o Estado de outra forma?

A mundialização do comércio e dos investimentos, bem como a revolução das tecnologias da informação, vieram pôr termo a um modelo de sociedade onde dominava o poder público. A resposta do Estado tem de ser no sentido de nos salvaguardar dos novos riscos (onde o de descontrole orçamental é o mais grave). O Estado tem de ser hoje mais regulador, imparcial, e de garantir o contrato social.

Entre o fi m da guerra (1945) e a 1.ª crise do petróleo (1973), vimos a Europa a recompor-se e a alimentar a ilusão do pleno emprego.

É certo que Portugal perdeu parte desses belos anos numa guerra colonial infrutífera e que, depois de 1974, se viu obrigado a tentar recuperar em menos tempo e a proceder a ajustamentos que a Europa beligerante teve mais tempo para fazer e de forma socialmente mais tranquila.

Em termos económicos, a Europa esteve pouco aberta ao comércio externo e à concorrência. A pouca fl exibilidade do factor de trabalho também não contribuiu para a competitividade europeia.

As alavancas do Estado europeu nesse período foram:

1. Um vasto sector público, que dirigia as políticas económicas e a industrialização.

2. As políticas keinesianas, que geriam os ciclos macroeconómicos, mas em ambiente pouco aberto e pouco sensível à inovação, eram assentes em acções de fomento suportadas pela despesa pública.

3. A convicção de que o Estado Providência podia resolver todos os problemas sociais.

A partir dos anos 80 este modelo deu mostras de não se poder sustentar e entrámos na época da valorização do conhecimento, através da generalização da inovação. O Estado deixa de ser produtor de bens, nomeadamente através das empresas públicas, para ser mais regulador e supervisor das regras da concorrência e de um correcto funcionamento do mercado.

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Desta forma começou a merecer particular atenção o capital humano, cabendo ao Estado encontrar as formas que melhor valorizassem as pessoas.

A partir de 2001, com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio, entrámos defi nitivamente na época da mundialização das trocas e na economia de inovação.

As respostas a esta pressão são conhecidas:

Por um lado, a resposta conservadora e neoliberal do “menos Estado”. Os neoliberais afi rmam que o estado providência cria a dependência do subsídio, em vez de estimular a criatividade empresarial. Foi a política da Sr.ª Thatcher e de Reagan. O bem-estar dependeria de menos impostos, de mais estímulo à actividade económica, a qual geraria mais emprego e mais riqueza.

Mesmo que este modelo tivesse gerado sucesso, também pôs em causa os mais frágeis e os mais vulneráveis.

Outras manifestações também começaram a verifi car-se: deslocalização de empresas e emprego para geografi as com mão-de-obra mais barata ou que praticavam dumping social; menor preocupação com a valorização do capital humano; pouco respeito pelo meio ambiente, não valorizar sufi cientemente a aquisição tecnológica e a estabilidade social.

Será possível repensar o Estado – “mais Estado, mas de outra forma”?

A questão central é esclarecer quais os domínios de intervenção do Estado que podem ser geradores de crescimento, para o Estado neles se concentrar.

Aqui bem próximo, o exemplo da política galega de apoio ao investimento na inovação, pode ser invocado como caso bem sucedido. Tendo havido selectividade nas escolhas dos sectores mais determinantes para o crescimento da economia galega (pescas, sector automóvel, agro-alimentar), bem como continuidade e persistência de política pública naqueles domínios, os resultados revelam o sucesso da consistência das políticas, o seu real impacto económico e a garantia de sucesso a prazo.

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No entanto nestes cenários de transição pode haver riscos e o Estado tem um papel importante na sua identifi cação para poder actuar, mitigando os seus impactos. A mudança de especialização para sectores de maior valor acrescentado, pode trazer associados alguns riscos ou mesmo efeitos negativos, tais como a perda de emprego e a redução da capacidade de reconversão profi ssional. Tal situação poderá reclamar programas específi cos de ajuda às empresas, facilitando-lhes a saída do seu mercado interno para se exporem em ambientes mais competitivos, políticas de inovação nas instituições de ensino superior ou de valorizar a função empresarial.

O Estado para ser respeitado, tem de ter prioridades, a começar por reconhecer a vantagem em consolidar o modelo democrático, aspecto particularmente importante em Portugal. Tem de governar com transparência, ser mais rápido, dispor de um sistema de Justiça que garanta a confi ança do cidadão, atribuir prioridade à luta contra a corrupção.

A primeira tentativa de reconciliação entre a mundialização e a igualdade de oportunidades terá surgido com Tony Blair, em meados dos anos 90. Havia a convicção de que o Estado poderia dar um contributo para que os indivíduos se autonomizassem, sem a cultura do subsídio.

A abordagem pública era focalizada em sectores mais promissores, defendendo-se uma governação mais transparente e com preocupação de efi cácia. O recurso a uma regulação autónoma e independente foi considerado um elemento vital. Também se passou a considerar como importante factor de equilíbrio o diálogo social e a imparcialidade fi scal praticados pelo Estado.

Repensar o Estado é também facultar meios de modernização, de modo consensual e duradouro e com cidadãos mais aptos para os desafi os futuros.

Eis algumas das considerações que gostava de trazer aqui hoje. Reconheço que são susceptíveis de alguma controvérsia, mas escolhi-as porque acredito que faz mesmo sentido repensar o Estado de forma descomprometida e séria.

Termino agradecendo à Fundação AEP, na pessoa do seu presidente e meu amigo – Dr. Paulo Nunes de Almeida - ter continuado a eleger a Fundação de Serralves como instituição parceira para estas jornadas.

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O debate de temas nacionais continua a ser um dos cinco eixos da nossa acção.

E o tema da jornada de hoje é seguramente matéria que merece ser abordada com profundidade.

Termino agradecendo a presença de todos os que aceitaram o desafi o de aqui estar hoje para partilhar preocupações e soluções.

Sessão de abertura | Engº Luís Braga da Cruz

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SESSÃO DE ABERTURA

DISCURSO DE ABERTURADrª. Manuela Ferreira Leite

Senhor Presidente do conselho de administração da AEP, Senhor Presidente do conselho de administração da Fundação de Serralves, Senhor Prof. Valente de Oliveira, minhas senhoras e meus senhores.

Começo por agradecer o simpático convite que me fi zeram para estar presente numa iniciativa conjunta de duas instituições cujo prestígio não é demais realçar.

Lamento e desde já peço desculpa que, por motivos de natureza pessoal, tenha de me ausentar com alguma brevidade para Lisboa e, portanto, não possa benefi ciar das contribuições que se seguirão e que, com certeza, irão enriquecer os conhecimentos de todos nós, mas desde já desejo os maiores êxitos nestas Jornadas.

O tema escolhido para este ano, “O Papel do Estado no Desenvolvimento”, é aparentemente, mas só na aparência um tema de natureza académico, mas na verdade contém uma forte componente política e uma atualidade nacional indisfarçável.

De tudo o que se tem dito, se tem estudado e se tem escrito, sobre a questão do desenvolvimento, retira-se sempre uma verdade que é indiscutível e que consiste em afi rmar que só através do desenvolvimento económico e social sustentado, é possível aumentar os níveis de bem estar de um país, o que, evidentemente, é a ambição natural de qualquer comunidade e, como tal, não vai deixar de ser o objectivo que se espera de todos os que têm responsabilidade pela defi nição de uma estratégia política.

Para além disto, também é indiscutível que todas as análises que se fazem sobre esta matéria, afi rmam que é possível identifi car os factores bloqueadores do desenvolvimento mas que, evidentemente, não são os mesmos em todas as sociedades, nem têm o mesmo peso em cada uma delas. Este é o primeiro ponto de alerta! A tendência em generalizar para todas as sociedades aquilo que pode ser a receita de desbloqueamento de determinados aspectos que levem ao desenvolvimento, pode conduzir a situações díspares e, como tal, com consequências inaceitáveis nalgumas delas.

Por isso, as receitas não devem ser uniformes e têm de se adaptar às especifi cidades de cada uma das sociedades em causa.

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Também se percebe que a ultrapassagem dos bloqueios necessária para a condução de um processo de desenvolvimento, implica transformações e muitas vezes alterações confl ituantes dos interesses dos cidadãos, porque essas alterações originam perdas e ganhos que é necessário gerir com equilíbrio e provar que o seu ajustamento é essencial ao bem comum.

Trata-se da necessidade de as sempre tão faladas “reformas” que muitos invocam, mas poucos percebem se não lhes for explicado o seu alcance, o seu caminho, onde se pensa chegar e muito especialmente o que se prevê como resultado dessas reformas.

Só uma estratégia clara de reformas no seu objetivo e nos seus efeitos pode levar a que as pessoas se envolvam nessas reformas. De resto, a experiência mostra que é necessário o envolvimento de todos os parceiros sociais para evitar os confl itos inerentes a um processo de alterações desta natureza. Esta atitude é tanto mais importante, quando se sabe que a paz social é essencial ao processo de desenvolvimento.

Por isto, é irrealista julgar que é possível executar um plano de desenvolvimento se este não for compreendido e, pelo contrário, for contra as pessoas.

Também é evidente que não há processos de desenvolvimento sem Empresas que são a base da produção e riqueza de um país e, nessa medida, só através do seu progresso se pode construir uma economia saudável e competitiva.

São as empresas, são os empresários os obreiros do desenvolvimento e é, por isso, na sua acção, na sua capacidade de agir que se devem centrar as preocupações dos responsáveis políticos no sentido de minorar os entraves que se levantam à sua livre actuação, permitindo-lhes tomar decisões de investimento em condições de relativa segurança.

A estratégia de desenvolvimento de um país depende muito das suas características, da sua estrutura produtiva, dos sectores em que assenta a sua produção e das capacidades dos seus agentes económicos.

Em qualquer caso, seja qual for esta estrutura, neste mundo global em que nos inserimos, o crescimento económico de longo prazo depende do aumento da produtividade, o que implica capacidade de inovar.

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É verdade que a inovação sempre foi um motor de crescimento económico, mas actualmente, essa importância é muito mais acentuada porque as economias são, na sua maioria, muito mais baseadas no conhecimento.

Os países inovadores procuram constantemente novas oportunidades, valorizam e apostam no conhecimento científi co e tecnológico não só dos seus cidadãos, como de outros países. Assim, a estratégia de desenvolvimento de um país, tem de se basear na qualidade dos recursos humanos, na sua capacidade de criar empresas, de atrair investimento estrangeiro e de promover a internacionalização das suas empresas. Neste contexto, o Estado em que se incluem não só os protagonistas políticos, responsáveis pelo pensamento subjacente à sua estratégia, mas toda a máquina que executa as suas orientações, tem uma importância decisiva no processo de desenvolvimento.

Quando se fala no papel do Estado, referimo-nos às funções que lhe estão confi adas e ao grau de intervenção que dele se espera no desempenho das tarefas que a sociedade exige não só ao nível económico como social.

A defi nição deste grau de intervenção de que muito se fala depende muito de convicções ideológicas.

Este é um dos primeiros pontos que deve ser analisado quando se fala do papel do Estado: qual o tipo de intervenção que nós queremos do Estado.

Se queremos um Estado que intervém em todos os sectores, que está sempre presente seja qual for o tipo de decisão que algum cidadão queira tomar ou se, pelo contrário, num polo oposto, queremos que o Estado só intervenha naquelas funções em que é insubstituível e que lhes estão reservadas e essas são de regulação e de fi scalização. São duas posições extremas sobre as quais teremos de nos entender.

A minha opinião, é de que esta intervenção não deve ser nem uma, nem outra.

Há um certo tipo de acções e de intervenções que não poderão deixar de continuar a ter a acção do Estado porque, provavelmente, só o setor privado não produziria a quantidade sufi ciente de certos bens e serviços considerados socialmente justos. Refi ro-me concretamente, por exemplo, à Saúde e à Educação. São sectores em que difi cilmente o Estado se deve retirar completamente.

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Mas há uma área em que, claramente, o Estado está demasiado presente e que tem a ver com toda actividade económica o que é pernicioso no processo de desenvolvimento. Nesta área não penso que o Estado tenha um desempenho melhor do que qualquer entidade privada e, portanto, a sua retirada deste sector seria sempre bem-vinda.

Este é o ponto a acordar quando se discute o papel do Estado. Julgo, no entanto, que existe uma ideia generalizada de não aceitar com facilidade que ele se afaste de áreas de natureza social.

Em resumo, o que fundamentalmente se espera do Estado é que este crie as condições que permitam ao setor privado desenvolver a sua actividade. Esse será o seu melhor contributo para o desenvolvimento de uma sociedade.

A partir deste enquadramento genérico, penso que nos deveríamos debruçar sobre o caso concreto português e sobre os constrangimentos ao nosso desenvolvimento.

Há muito que se previa que os desequilíbrios da economia portuguesa que se vinham acumulando conduziriam mais tarde ou mais cedo, à necessidade imperiosa de serem corrigidos.

Não o fi zemos por iniciativa própria, acabamos com uma intervenção externa.

A receita que nos foi imposta, em minha opinião, não se ajusta às características da nossa estrutura produtiva, nem tomou em consideração os previsíveis efeitos das medidas impostas, dados os níveis de endividamento das Famílias e das Empresas.

Tentar corrigir o desequilíbrio das contas públicas sem ter em consideração estes dados, isto é, a nossa estrutura produtiva e as situações de endividamento que se verifi cavam nas Famílias e nas Empresas, provocou efeitos recessivos muito superiores aos esperados, fáceis de prever mas difíceis de ultrapassar. Na verdade, quando se segue uma receita simultânea de aumento de impostos e redução de salários, a sectores endividados, a quebra resultante destas medidas, que se verifi ca no consumo, é extremamente elevada e violenta.

Por outro lado, a nossa estrutura produtiva é basicamente composta por pequenas e médias empresas, para não falar de microempresas. Estas empresas quando estão endividadas, quando têm difi culdade de acesso a fi nanciamento e quando sofrem uma quebra na procura interna acompanhada de aumento de impostos, não têm capacidade

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para suportar este abalo. Este abalo é suportável por grandes empresas, por grandes estruturas produtivas, mas não por pequenas e, por isso, elas desabam ao primeiro abano. Por isto, a receita que foi aplicada teve efeitos muito perniciosos, muito mais do que seria de esperar, porque ela foi aplicada a uma realidade que não foi tida em consideração.

As anteriores intervenções que foram feitas há uns anos, também por instâncias internacionais, não encontraram o país nestas circunstâncias. Para além de não estarmos em moeda única, não tínhamos os níveis de endividamento nas Famílias e nas Empresas nem um desequilíbrio de contas públicas semelhante ao que actualmente temos. Nem o equilíbrio das contas públicas era o objectivo, mas antes a correcção do desequilíbrio externo e para a correcção do desequilíbrio externo nada melhor do que uma recessão. Com efeito, quando se entra num processo recessivo, o ajustamento do equilíbrio externo é quase automático, faz-se com grande rapidez porque a recessão implica importar menos e exportar mais e isso é sufi ciente para corrigir o desequilíbrio externo. Acontece exatamente o contrário quando se quer corrigir as contas públicas. Neste caso, o que se pretende é aumentar receita pública e diminuir despesas, e a recessão provoca exatamente o efeito contrário, reduz a receita e aumenta a despesa. Assim, não se pode pensar ser possível corrigir as contas públicas, quando se está em recessão, motivo pelo qual não é possível uma correcção dos nossos desequilíbrios se as políticas orçamentais não forem acompanhadas de algum crescimento e desenvolvimento económico.

É claro que a pergunta contrária também é feita e tem toda a razão de ser: como é que se consegue crescimento e desenvolvimento com tantas restrições orçamentais? Eu penso que esta pergunta tem fundamento. Isto é, é difícil crescer-se quando estamos a querer corrigir determinado tipo de desequilíbrios, mas mantenho a afi rmação de que é impossível corrigir o desequilíbrio orçamental se estivermos em recessão.

Quando se está neste dilema, só há que ponderar os dois objectivos, não é possível estar a pensar só num; não se pode pensar só no crescimento, nem só na correcção das contas públicas.

É exatamente por causa disto que têm de ser pensados simultaneamente, não se podendo abandonar um em função do outro. Tem de se ponderar um e outro e quando isto não se faz, não se consegue nem uma coisa nem outra que é rigorosamente o que está a acontecer ao nosso país. Corrigimos o desequilíbrio externo porque este se faz automaticamente a partir da recessão, mas não estamos a corrigir proporcionalmente o desequilíbrio orçamental. A dimensão do esforço que tem sido feito para a sua correcção,

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tem um efeito, quase mínimo, na correcção das contas públicas.

Este é um ponto que discuto há muitos anos, não é de agora. Infelizmente os factos provam que isso é assim. Tomámos todas as medidas necessárias para que em 2013 tivéssemos praticamente anulado o défi ce orçamental e essa correcção está muito longe de ser conseguida.

Perguntar-se-á como é que se pode sair desta situação.

Eu penso que é impossível manter-se uma situação desta natureza, sem pensar no crescimento. Mas esse crescimento não é possível com esta carga fi scal. Sabe-se que não é possível os impostos serem aliviados signifi cativamente, mas, por exemplo, a redução do IRC, é uma medida correta.

Mais vale perder alguma receita, mas obter algum potencial de crescimento que pode levar a uma correcção dos desequilíbrios por esta via. Esta combinação tem de ser feita porque não há outro caminho.

Esta situação de crise teve a vantagem de aumentar a consciência nos empresários portugueses do benefício que decorre de terem uma dependência menor do Estado, o que é muito saudável para a actividade empresarial.

Essa dependência foi uma decorrência normal do modelo de desenvolvimento seguido até então e que se baseava apenas no consumo, privado e público, e no investimento público, mais do que no privado. O facto de muitas pequenas e médias empresas terem como principal cliente o Estado, signifi ca que se dedicavam basicamente à produção de bens não transaccionáveis, o que no mundo global, não proporciona um futuro risonho.

Actualmente, esgotado que está este modelo, é imperioso lutar por um outro modelo de desenvolvimento, baseado nas exportações e no investimento privado, tanto nacional como estrangeiro e é neste contexto que deverá ser repensado o papel do Estado.

Como já afi rmámos, o seu papel deve ser o de criar as condições para que este modelo produza os seus efeitos, ou seja, o seu papel deverá ser o de desbloquear os condicionalismos que entravam este processo, criando condições ao desenvolvimento da inovação, alterando o estilo de relação entre o setor público e o setor privado, fomentando uma cultura não burocrática e socorrendo-se cada vez mais das novas tecnologias.

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Já foi afi rmado nas intervenções anteriores, e eu estou de acordo, que se tivéssemos de fazer uma hierarquia de quais são os principais bloqueamentos neste momento ao nosso desenvolvimento, pessoalmente, dentro dessa hierarquia, poria sempre à cabeça o sistema de justiça, porque este sistema é olhado, quer pelos cidadãos, quer pela opinião pública, como estando em profunda crise, manifestando-se na morosidade dos processos em todas as áreas, no elevado número de prescrições e na descrença, esse é o ponto fundamental, da utilidade de recorrer aos tribunais.

Não parece que seja possível atrair investimento estrangeiro, se não há garantia de que, por exemplo, se as suas dívidas não forem pagas, esse assunto é resolvido em tempo útil.

Poria também de seguida outra prioridade, que tem a ver com a cada vez mais intensa desburocratização da máquina do Estado o que, evidentemente é um ponto essencial para contrariar a corrupção.

Por outro lado o sistema fi scal.

A carga fi scal é elevada. Eu não mencionei o sistema fi scal em primeiro lugar nem em segundo, porque em todo o caso considero que ele não é totalmente decisivo para o investimento estrangeiro, porque todos sabemos que, na grande maioria dos casos, se fazem acordos de natureza fi scal para determinado tipo de iniciativas ou investimento estrangeiro. Por isso, o ponto fundamental não será o nível da carga fi scal. Mas há um aspecto que é essencial e que tem a ver com a estabilidade do sistema fi scal. Um projecto de investimento que não tenha uma visão segura de qual vai ser o sistema fi scal daqui a algum tempo, tem um valor negativo muito pesado.

Portanto, mais do que o valor, mais do que a estrutura do sistema fi scal, direi que a estabilidade do sistema é um aspecto absolutamente fundamental.

Por outro lado, a questão do mercado de trabalho em que muitos avanços têm sido feitos.

Outro desbloqueamento importante relaciona-se com a área da formação.

Há uma outra questão que tem valor económico fundamental e que é a confi ança. Um Estado que não mereça a confi ança dos cidadãos é um entrave sério para quaisquer decisões de longo prazo. Todos os sinais dados no sentido de não criar confi ança no Estado, de não cumprir os seus contratos com os cidadãos, é altamente prejudicial para desbloquear os constrangimentos ao desenvolvimento.

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Minhas senhoras e meus senhores,

Preparei esta intervenção começando por me abstrair de algum caso concreto e apenas selecionando, a partir de diversas análises teóricas sobre este tema do desenvolvimento, aqueles aspectos que os analistas sublinhavam como essenciais e que eram praticamente comuns a todos eles.

Foi com este pano de fundo que olhei para o caso português.

Devo dizer que a minha primeira conclusão foi de que o caminho a percorrer é muito longo e que em questões essenciais me pareceu estarmos a andar em sentido contrário ao que era aconselhável. Com efeito, é opinião unânime, em primeiro lugar, que o êxito das mudanças necessárias num processo desta natureza, assenta na compreensão da sua necessidade, na estratégia para a sua concretização, na clareza dos meios utilizados, na defi nição inequívoca dos seus objectivos e na percepção dos seus resultados.

Só assim serão aceites pelos cidadãos que se sentirão envolvidos e empolgados para o projecto de mudança.

No entanto, não vislumbro este procedimento, nem nas decisões mais gravosas: não percebo a estratégia e muito menos o que se espera no fi m de ser aplicada.

Em segundo lugar, todos os processos de desenvolvimento contam com o protagonismo ativo de uma classe média. Ora, a nossa classe média tem estado em regressão acelerada em consequência de políticas que parecem ser-lhes dirigidas e que a enfraquecem, o que não augura nada de bom.

Em terceiro lugar, é muito nítida a consciência de que qualquer que seja o processo de desenvolvimento, este nunca deve perder de vista as pessoas, pois são estas as destinatárias de toda e qualquer política de desenvolvimento e implica considerações importantes, não só económicas, mas também entre outras, ambientais e culturais.

Em quarto lugar, baseando-se a estratégia de desenvolvimento na qualifi cação dos recursos humanos, não consigo compatibilizar esta exigência com a emigração de jovens na maioria das vezes qualifi cados e que não se vê que estejam com intenção de regressar ao país.

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Em quinto lugar, não há crescimento económico com elevadas cargas fi scais, mas a prática seguida tem sido até a de mascarar os impostos, dando outro nome a determinadas contribuições, cujos efeitos na economia são exactamente os dos impostos.

Em sexto lugar, verifi ca-se que uma sociedade desigual, com índices de pobreza elevados, e com desigualdades acentuadas na distribuição do rendimento e da riqueza, é uma sociedade cuja estrutura social gera subdesenvolvimento.

Com este pressuposto, é difícil prever que seja possível fomentar o crescimento sem combater a exclusão social e sem fomentar o desenvolvimento das potencialidades do conjunto dos cidadãos.

Depois desta análise, resta-me recusar a ideia de que estamos a caminho de regressar ao nosso modelo económico, baseado no baixo custo da mão-de-obra.

E recuso esta ideia porque considero que seria uma fatalidade.

Muito obrigada!

SESSÃO DE ABERTURA

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COMUNICAÇÕES

PRIMEIRA SESSÃO

PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

Moderador: Dr. Paulo Nunes de Almeida

Dr. Gonçalo Moura Martins - Mota Engil, SGPS SADr. Rui Assoreira Raposo – Grupo José de Mello

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Muito obrigado pela apresentação, Doutor Paulo Nunes de Almeida, é um prazer aqui estar na Fundação de Serralves, neste encontro promovido pela AEP.

Aceitei este convite com muito gosto, tendo consciência que não é muito popular falar de PPP’s, a não ser para as atacar com violência e, muitas vezes, com uma dose elevada de demagogia e de desinformação.

Poderemos abordar o tema de diversas maneiras e falar sobre a sua perspectiva histórica, ou seja, como é que nasceram, quais os objectivos, mas preferi escolher 3 temas muito pragmáticos.

Nomear 3 vertentes, que resultam da minha experiência e da do Grupo, por forma a habilitar as pessoas com alguns conceitos, permitindo-lhes escrutinar melhor a avalanche de informação de que são destinatários.

I. Primeira questão: As Parcerias Público-Privadas não são um fi m em si mesmo e, muitas vezes, são tratadas como tais. São apenas um instrumento, e só um instrumento, de executar um fi m maior que se traduz num investimento público.

Obviamente que, outras modalidades há para executar um investimento público, como as referidas parcerias, a Concessão, a obra pública - por administração ou intervenção directa do próprio Estado, etc.

Por conseguinte, é fundamental reduzirmos as PPP àquilo que elas são: um mero instrumento executório.

A Parceria Público-Privada, é importante dizer, nunca transforma um mau projecto, um mau investimento, num bom investimento; não o faz, como nenhuma outra modalidade, ou como nenhum outro instrumento de execução de um mau projecto, o fará.

E portanto, é muitas vezes insano discutir, à exaustão, o modelo PPP sem muitas vezes nos questionarmos sobre o que lhe subjaz, sobre aquilo que ele deve servir, que é o investimento público. Ou seja, em Portugal perde-se muito pouco tempo a discutir o que é de facto essencial, que é a reprodutividade dos investimentos públicos, a natureza do investimento público, a quantidade do investimento, o planeamento desses mesmos investimentos e muito mais, obviamente, o modo e a forma como eles são realizados (de um certo ponto de vista, perverso, percebe-se

PRIMEIRA SESSÃO

PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADASDr. Gonçalo Moura Martins - Mota Engil, SGPS SA

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Primeira Sessão | Parcerias Público-Privadas - Dr. Gonçalo Moura Martins

porquê, pois há muito assistimos a uma excessiva politização do espaço público e, portanto, a discussão centra-se nos temas que poderão, de um lado ou de outro, produzir dividendos políticos, ainda que inglórios, de curto prazo e superfi ciais, que em nada contribuem para a elevação do discurso político).

Produziria, ainda, duas notas sobre esta primeira questão:

• Uma, relativa à complexidade dos instrumentos jurídicos que rodeiam esta modalidade de contratação, decorrente da quantidade de intervenientes, num triângulo contratual, cujos vértices são: concedente, concessionário e sindicato bancário.

• A outra, que gera alguma perplexidade, para quem não esteja familiarizado com este modelo, consiste na força que os sindicatos fi nanceiros possuem na gestão destes contratos que, em muitas situações e matérias, é até superior à das próprias concessionárias, ou seja, àquelas que juridicamente têm o título de realização do contrato. E tal poder, aparentemente atípico mas justifi cado, advém do facto de estes contratos serem fi nanciados em project fi nance. Esta forma de fi nanciamento, por sua vez, tem uma característica muito particular que consiste em que, por regra, a única garantia que os bancos têm para o reembolso dos seus fi nanciamentos é o cash-fl ow resultante da forma de retribuição desse contrato.

Obviamente, os sindicatos fi nanceiros detêm o penhor das acções da concessionária, mas como a concessionária é um veículo que apenas tem como activo esse contrato, se os fl uxos desse contrato forem interrompidos ou não forem sufi cientes, daí decorrerá que o banco não será reembolsado dos montantes fi nanciados.

Deste envolvimento fi nanceiro no projecto decorre, para os fi nanciadores, os poderes especiais dos bancos em intervir na gestão contratual e de aprovar alterações e modifi cações, ainda que acordadas por concedente e concessionária, ao contrato de concessão.

II. A segunda grande questão que gostaria de introduzir, e é importante abordar, porquanto irá ajudar a entender o tema da repartição do risco da procura, prende-se com a auto-sustentabilidade dos investimentos.

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PRIMEIRA SESSÃO

Nas infra-estruturas de transportes, bem como em outras, nós podemos ter uma divisão entre dois grandes tipos de projectos:

Os chamados projectos auto-sustentáveis, ou seja, aqueles em que, num puro conceito utilizador-pagador, a procura suporta e paga integralmente o investimento e a operação.

• Os não auto-sustentáveis que, contrariamente ao que a maioria das pessoas pensará, são a esmagadora maioria dos projectos de infraestruturas no mundo inteiro. São empreendimentos economicamente viáveis, mas em que as receitas da procura, de per se, não são sufi cientes para suportar o investimento.

• Com efeito, a generalidade dos investimentos são, e tal deve ser correctamente aferido, economicamente viáveis, ou seja, o impacto positivo gerado pelas externalidades, deve ser superior ao seu custo, pois só assim é que é reprodutivo para o país, mas são projectos que são encargo e função do Estado executar, pelo seu valor estratégico para a economia, função social e coesão territorial de um país.Trata-se de uma questão crítica para entender a afectação do risco da procura, que é pouco afl orado pela legislação portuguesa, mas todas as grandes legislações, mais recentes, emitidas sobre o tema, nomeada e ultimamente nos países da América Latina, assumem já essa divisão sistemática profunda.

Com efeito, normalmente é claro que o conceito e contratualização por via do contrato de concessão é para projectos auto-sustentáveis e as parcerias público-privadas para projectos viáveis, mas não auto-sustentáveis.

Mas é importante reforçar que o conceito de não auto-sustentabilidade não traduz em si mesmo um estigma. Por exemplo, se em Portugal só se tivessem realizado projectos auto-sustentáveis, poucas infra-estruturas teríamos, provavelmente e em rodovias teríamos apenas: Lisboa-Porto, Lisboa-Setúbal, Lisboa-Cascais, Porto-Braga e pouco mais.

São as que se pagam por si próprias, ou seja, são aquelas cuja utilização, por via da taxa cobrada ao utilizador, gera os fundos necessários para, integralmente, pagar esse investimento.

Um exemplo muito relevante, a auto-estrada A25, que hoje era impensável que não existisse, ligando Aveiro à fronteira, uma auto-estrada fundamental para a exportação dos produtos das empresas portuguesas, não é auto-sustentável, ou seja, não seria suportável só com base na procura.

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Esta matéria é muito importante para que se entenda melhor, uma artifi cial polémica, constantemente veiculada nos media, e que tem a ver com a alocação do risco da procura.

Ou seja, os inúmeros “especialistas” em PPP que profusamente vão falando sobre o tema em vários fóruns, questionam muitas vezes porque é que o risco de tráfego fi cou alocado, nuns casos à concessionária e noutros ao concedente, tratando projectos auto-sustentáveis, como aqueles que não o são, da mesma forma, como se fossem realidades identitárias e, como tal, comparáveis.

Só é possível imputar o risco da procura ao privado, nos projectos auto-sustentáveis, ou seja, naqueles em que, à partida, se estima que a remuneração gerada pela procura, é sufi ciente para suportar todo o investimento e operação.

Nos projectos que não são auto-sustentáveis tal, não é, obviamente, possível. Nestes casos, e no que respeita ao risco de procura, sendo uma variável probabilística, não é repartível, pois eu não posso repartir algo que não é uma probabilidade, mas sim uma certeza (não há, pois, risco de procura, apenas a certeza que ela não suportará o investimento).

Assim sendo, para os projectos não auto-sustentáveis e com este condicionalismo que ocorre na generalidade dos projectos de investimento das infra-estruturas, temos de encontrar modalidades de remuneração do parceiro privado, que suporta todo o investimento, alternativas à mera entrega, como única remuneração, da receita da taxa cobrada pela utilização.

O modelo mais comum e mais utilizado no exterior é a renda por disponibilidade, ou seja, o parceiro privado é remunerado pela disponibilidade da infra-estrutura, em percentagens quase plenas (próximo dos 100%), com níveis de serviço pré-contratualizados.

Outro modelo, também usado, é subsidiar o investimento na infra-estrutura na parte em que a procura não o conseguiria (ou seja, por exemplo, se se estima que a procura remunere a infra-estrutura em 60% do seu custo, então subsidiar-se-ia os restantes 40%).

Outro ainda, menos usado, é a subsidiação complementar, pelo Estado, ao pagamento individual de portagens. Ou seja, se a taxa de portagens (numa rodovia) a preços de “mercado” só suportariam 60% do seu custo, então o Estado, por cada utilizador, entregaria à concessionária os remanescentes 40%).

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PRIMEIRA SESSÃO

Contudo, a tendência que vemos ser cada vez mais generalizada, nos mercados onde o Grupo se encontra a operar, é a modalidade de pagamento por contrapartida da disponibilidade da infra-estrutura.

E porquê?

Porque não obtendo da utilização da infra-estrutura o mínimo de receita para suportar todo o investimento e operação e, portanto, tem sempre de complementar com meios alternativos de remuneração, este é o que lhe permite, nesse contexto, reservar para si, Estado, a efectiva, e respectiva política, de cobrança.

Assim sendo fi ca na sua esfera de decisão pública e política, o cobrar ou não cobrar portagens, o modelizar portagens numa lógica de incentivar políticas públicas de transporte e de mobilidade, como por exemplo, cobrar mais à noite e menos durante o dia; cobrar mais nas horas de ponta, do que noutras horas; cobrar mais, em certas zonas ao tráfego pesado, ou menos.

Ou seja, confrontado com a impossibilidade de imputar à concessionária o risco de procura, então muitas vezes é preferível para o sector público remunerar por uma renda de disponibilidade, reservando para si esta importante componente, esta importante variável do projecto, que lhe permitirá, depois, usá-la como uma lógica de política pública de transportes e de mobilidade.

Contudo, é demasiado redutor pensar que, não podendo imputar o risco de procura ao concessionário desses projectos, não há muitos outros riscos que são imputáveis ao concessionário ou ao sponsor, como se costuma apelidar também, do próprio projecto.

Eu diria, o risco de construção, expropriação, o próprio risco de fi nanciamento e de operação e manutenção são riscos muito signifi cativos e são todos imputáveis ao concessionário.

Neste aspecto, em Portugal evoluiu-se de uma maneira absolutamente notável, sendo hoje imperativos legais, uma série de obrigações e procedimentos que tornaram a gestão destes empreendimentos muito mais efi ciente, e muito mais rigorosa e planeada, defendendo bem melhor o interesse público.

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III. A terceira questão, também importante para entender melhor, o contexto das renegociações é o tema do perímetro das alterações, ou seja porque é que tendo sido alterado o regime da remuneração nuns projectos, se alterou, correlativamente, noutros em que tal facto não seria tão evidente.

Para entender claramente esta questão, diria, que na primeira geração de auto-estradas, o factor fundamental nesses projectos, consistia em que a indução/geração do tráfego era obtida na origem e no destino. Volto a dizer: Lisboa-Porto, Lisboa-Setúbal, Porto-Braga, Lisboa-Cascais, são auto-estradas em que a grande indução do tráfego é obtida na sua origem e no seu destino.

Mais tarde, a rede foi sendo capilarmente desenvolvida, essa indução de tráfego passou a ser feita na auto-estrada contígua ou subsequente. Contígua, a montante ou a jusante, enfi m, dependendo de cada uma.

A alteração de modelos de retribuição ou de introdução de portagens, numa ou noutra, que obviamente gerava, em consequência, alteração do modelo de utilização dessas auto-estradas, contendeu de forma dramática com as auto-estradas que foram planeadas com um pressuposto diferente e que eram contíguas, por exemplo, àquelas onde esse critério tinha sido alterado.

É preciso perceber que nestas auto-estradas, que aqui chamamos por facilidade, de segunda geração, ou seja, quando a indução e geração de tráfego passou a ser feita, não na origem e no destino, mas na auto-estrada que lhe antecedia, porque umas acabam nas outras, e assim sucessivamente, é difícil ter modelos de retribuição diferentes de umas para as outras ou pelo menos alterá-los a meio da sua vigência; é difícil, sem que isso tenha consequências, que é preciso acautelar e negociar.

Uma nota indispensável ainda quanto a isto, que é ter sido muito criticado, o facto de quando se alterava os modelos e/ou se introduzia portagens, se recuperava o caso base contratual.

Explicando, o que é o caso base contratual? O caso base contratual é, no project fi nance, a base do nosso acordo. Esse modelo fi nanceiro inicial pressupõe receitas, custos, fi nanciamento, investimento, etc., e gera um determinado equilíbrio, com a remuneração nele prevista.

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Quando esse equilíbrio é estruturalmente rompido ou estruturalmente perturbado, por uma decisão, no caso, unilateral do Estado, por exemplo, de passar a cobrar portagens nessa via antes não portajada e, assim, esse equilíbrio, que é fundamental para ajuizar a rentabilidade e para assegurar o pagamento do fi nanciamento, é estruturalmente quebrado, põe-se sempre a ideia, como é que eu recupero de novo o equilíbrio? Como é que eu estabeleço novo equilíbrio?

Obviamente, a forma mais efectiva para o fazer, numa maneira mais equilibrada para as partes, cumprindo com as suas legítimas expectativas, é voltar ao modelo que ambos quiseram estabelecer quando contrataram

E porquê? Porque foi aquele que o parceiro privado assumiu perante o Estado que admitia fazer investimento, pela rentabilidade aí defi nida. Foi aquele em que o Estado assumiu que devia promover essa infra-estrutura, com base naqueles custos.

E, principalmente, foi aquele modelo que foi sujeito a concorrência, na medida em que todos estes projectos são executados por concursos públicos internacionais. Desta forma clara, o regresso ao caso base é recuperar o momento que passou pelo crivo da concorrência, porque nos monopólios naturais o único momento em que há concorrência é no momento em que se contrata.

Gostaria de terminar alertando para o grande paradoxo que encerra o debate do conceito público das PPP.

Por um lado, a sua principal vantagem é, demonstrar, cabal e rigorosamente, qual o custo de um determinado empreendimento, em todas as suas componentes: projecto, fi nanciamento, construção, operação, manutenção em toda a vida útil, ou pelo menos pelo período contratual da infra-estrutura. Nenhuma outra modalidade de desenvolvimento de investimento público o permite com esta evidência.

Por outro, essa evidência do custo, acaba por ser a sua fragilidade, pois permite uma enorme demagogia à volta destes empreendimentos, associada a comparações levianas de valores e responsabilidades de décadas com realidades de expressão orçamental com referência anual.

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Este paradoxo, acrescido de manifesta desinformação – eufemismo para ignorância – têm sido um grande alimentador das polémicas públicas recentes.

Agradeço a todos a V. atenção e presença.

Muito obrigado

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PRIMEIRA SESSÃO

Exmos. Srs. Muito bom dia.

Agradeço à Fundação AEP o convite para participar nesta edição das Jornadas, fazendo votos para que, à semelhança das edições anteriores, este seja um debate enriquecedor para os participantes e para o país.

Cumprimento também os membros deste painel, assim como a restante assistência.

1. As parcerias público privadas tornaram-se nos últimos anos alvo de aceso debate entre nós, um debate nem sempre informado acerca da realidade dos factos e quase sempre orientado por motivações políticas pouco propícias a uma discussão serena e esclarecedora.

Desse debate resultaram, no entanto, duas ideias que me parecem hoje consensuais e a ter em conta em futuros investimentos deste tipo:

a) desde logo alguns dos investimentos que estava previsto realizar-se através de PPP eram desajustados, seja pelo nível de esforço fi nanceiro necessário à sua concretização face à realidade do país, seja pelos elevados custos de oportunidade, numa altura em que a economia nacional e europeia já davam claros sinais de travagem;

b) mas também porque, por questões de eleitoralismo e outras que não me compete agora analisar, o Estado terá sido pouco prudente na montagem de algumas dessas operações, especialmente no que respeita à repartição do risco.

2. Mas, se estas ideias - como disse - são já consensuais na sociedade portuguesa, uma outra realidade, muito importante, só agora começa a ser evidente - nem todas as parcerias enfermam dos mesmos problemas, sendo que existe um sector em que as PPP estão a dar muito bons resultados, estando claramente a atingir os objectivos com que o Estado as lançou.

Estou a falar das parcerias público privadas no sector da Saúde, mais especifi camente na construção e gestão hospitalar.

Existem neste momento quatro investimentos deste tipo, cada um deles correspondendo a dois contratos: um, de 30 anos, para a construção; outro, de 10 anos, para a gestão clínica. Três desses hospitais vieram substituir estruturas obsoletas e claramente insufi cientes para as necessidades da população (hospitais de Braga, Vila Franca de Xira e Cascais) e um

PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADASDr. Rui Assoreira Raposo – Grupo José de Mello

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outro inseria-se num projecto de reformulação da rede hospitalar para a área de Lisboa, o hospital de Loures.

De uma forma geral, estes quatro hospitais estão a cumprir o programa que esteve na sua origem: garantir cuidados de saúde de qualidade à população, através de um investimento que o Estado não estava em condições de fazer sozinho, e fazê-lo a custos controlados e, acima de tudo, bem menores do que os que são praticados nos restantes hospitais do SNS.

Ou seja, são hospitais que asseguram acesso e qualidade clínica, mas também efi ciência de gestão.

3. Esta realidade, que já era conhecida pela maioria dos agentes do sector, tornou-se agora evidente a todos, através de dois importantes estudos divulgados já em 2013:

a) uma auditoria do Tribunal de Contas concluiu que os contratos das PPP na Saúde representam poupanças entre 8 e 33 por cento para o Estado, face aos custos dos hospitais equivalentes comparáveis, sendo que o Tribunal de Contas também conclui que, nos primeiros anos de gestão destes hospitais, os custos têm estado dentro dessa previsão inicial do contrato.

b) talvez ainda mais relevante, o Benchmarking Hospitalar, que a Administração central do Sistema de Saúde começou a divulgar na primavera, permite perceber, de forma muito clara, que esses ganhos de efi ciência não são alcançados à custa do acesso ou da qualidade clínica. Caso paradigmático é o do Hospital de Braga - o Benchmarking conclui, sem margem para dúvidas, que se trata do hospital, de todo o SNS, em que o doente padrão (uma média estatística que facilita a comparabilidade) custa menos ao Estado, quando comparamos com hospitais equivalentes. Mas - e isto é fundamental - é também o hospital em que, por exemplo, se regista a menor taxa de reinternamentos, um dos indicadores com que se afere a qualidade clínica e a segurança dos doentes.

E poderia ainda juntar o relatório da mesma Administração Central do Sistema de Saúde sobre as cirurgias, também publicado este ano, em que os dois hospitais geridos pela José de Mello Saúde em regime de PPP (o de Braga e o de Vila Franca de Xira) são dos mais efi cientes, a nível nacional, no combate às listas de espera para cirurgias.

Em conclusão: os hospitais PPP representam, muito claramente, um benefício para o Estado e para as populações.

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PRIMEIRA SESSÃO

4. Gostaria ainda de referir um aspecto pouco mencionado, mas de grande importância para uma avaliação rigorosa das PPP na Saúde.

Refi ro-me aos mecanismos de controlo das parcerias da Saúde, que fazem com que, seguramente, estas sejas as entidades mais fi scalizadas do universo público.

Cada hospital é acompanhado em permanência por uma equipa da respectiva Administração Regional de Saúde, com acesso garantido a um vasto conjunto de informação. E cada hospital tem um complexo sistema de indicadores - que em alguns casos ultrapassa a centena - dos quais tem que dar conta, regularmente, mas, mais que dar conta, tem que efectivamente cumprir, sob pena de fi car sujeito a pesadas penalizações.

Nenhuma outra entidade, seja no universo das PPP, seja no sector da Saúde, tem o seu funcionamento tão exposto e tão sujeito a uma tal bateria de indicadores e objectivos.

5. Não vos escondo que, para os parceiros privados, estes hospitais têm representado um esforço muito signifi cativo. Isto deve-se, fundamentalmente, a três ordens de razões:

a) desde logo, à exigência própria dos contratos, que coloca no lado do parceiro privado uma enorme pressão de rigor e efi ciência;

b) depois pela degradação da situação económica, que conduziu, por exemplo, a uma maior difi culdade na obtenção de crédito, ou a alterações fi scais penalizadoras para os operadores;

c) fi nalmente, às mudanças legislativas e outras medidas na política de Saúde, com impacto signifi cativo em todas as unidades do SNS, não previstas nos contratos.

As parcerias público privadas na área da Saúde não estão imunes à incerteza económica em que estamos mergulhados. Por isso, apesar das virtualidades que apontei - e das quais o Estado tem sido benefi ciário líquido -, temos preocupações fundadas acerca da sustentabilidade económico-fi nanceira dos projectos actualmente em curso.

6. Sentimos, da generalidade dos agentes políticos, alguma indiferença face a esta realidade. Num tempo de tão grande escassez de recursos e de alternativas para a solução de muitos dos problemas que se colocam, nomeadamente no sistema de Saúde, seria de grande utilidade uma maior atenção às PPP da Saúde.

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Por um lado, seria importante existir um diálogo mais franco, um maior espírito de parceria, entre o Estado - e aqui refi ro-me, não apenas aos decisores, mas também aos agentes da administração que quotidianamente lidam com este tema -, repito, uma parceria mais efectiva entre o Estado e os privados.

Depois, que o Estado veja nas PPP da Saúde uma oportunidade para melhorar todo o sistema, para nivelar por cima, pelas melhores práticas. Pergunto, por exemplo, se não seria benéfi co para todo o sistema que todos os hospitais do SNS tivessem objectivos claramente fi xados e critérios de avaliação transparentes e rigorosos, como têm os hospitais PPP?

Por último, tendo em conta a boa experiência que estão a ser os hospitais PPP, esta é uma realidade que não deveria ser ignorada na formulação de futuras políticas de Saúde. Seguramente que com alterações mais ou menos profundas, fruto da experiência adquirida, ou eventualmente com modelos derivados, como sejam as concessões.

7. A José de Mello Saúde gere dois hospitais em parceria público-privada (Braga e Vila Franca de Xira) e tem ainda uma rede privada de unidades de saúde, com várias clínicas e três hospitais, cuf Infante Santo, cuf Descobertas, e aqui nesta cidade, o cuf Porto, o maior investimento privado na área da Saúde no Norte.

Pelos investimentos realizados, pelo emprego qualifi cado que criamos, pelo papel que desempenhamos na formação médica e na investigação na área da Saúde, assumimo-nos como parceiros para o desenvolvimento do País.

E consideramos que, como player de referência no sector, temos uma palavra a dizer sobre o futuro da Saúde em Portugal, embora reconheçamos que é ao Estado que compete defi nir e executar a política de Saúde.

Sabemos, porém, que o sistema de Saúde português, tal como o conhecemos, não tem garantias de sustentabilidade.

Defendemos que o Estado deve continuar a ocupar um lugar central no sistema, especialmente assegurando o seu fi nanciamento. Mas consideramos que outros players, nomeadamente os privados, devem ser crescentemente chamados a assegurar a prestação de cuidados de saúde.

Os hospitais privados comparam hoje perfeitamente com os do SNS públicos em qualidade

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PRIMEIRA SESSÃO

clínica e segurança do doente. Além disso, nomeadamente através das PPP, os privados também estão a dar provas de que podem ser contribuintes activos para a efi ciência e a sustentabilidade do sistema como um todo.

Pensamos, pois, serem hoje evidentes os benefícios de um papel mais activo do sector privado na Saúde em Portugal. E, como temos feito noutros fóruns, manifestamos aqui a disponibilidade da José de Mello Saúde para encontrar e gerir soluções que garantam aos portugueses os melhores cuidados de saúde.

Obrigado pela atenção

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COMUNICAÇÕES

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FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Moderador: Prof. Luís Valente de Oliveira

Prof.ª Rosário Gamboa – Instituto Politécnico do PortoEng.º Brás Costa – CITEVE

Engº. Pedro Carreira – Continental MaborEngº. António de Melo Pires – Volkswagen Auto Europa

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FORMAÇÃO PROFISSIONALModerador - Prof. Luís Valente de Oliveira

Como sabem, atribui-se à literacia e à formação, quer a qualidade de vida melhorada de certos países, quer a produtividade de certas economias. Recentemente aparecem indicações a esse respeito, incentivando os países a melhorarem de forma radical as condições da sua formação profi ssional e por isso, numas jornadas em que se fala do papel do Estado no campo do desenvolvimento, não podíamos deixar de ver como é que está o País e quais são os bons exemplos do País. Ao longo de todo o dia, verão que nós tivemos a preocupação de dizer “isto não é inalcançável, isto está perfeitamente dentro daquilo que se pretende fazer, as boas práticas que recomendamos estão perfeitamente ao nosso alcance”, e há aqui elementos que mostram isso claramente.

Este grupo tem, fundamentalmente, um estabelecimento de ensino, representado ao seu nível máximo, o Instituto Politécnico do Porto e três casos muito específi cos de sucesso: o CITEVE que teve um grande papel em tudo o que foi o nascimento, a reabilitação e a actualização da indústria têxtil no Norte de Portugal, a Continental Mabor que não tem tido problemas e que tem assegurado o seu mercado e a Volkswagen, a Auto Europa que teve, desde sempre - e as circunstâncias da vida levaram-me a ter de tratar da Península de Setúbal numa ocasião em que ela era notícia todos os dias pelas piores razões, e a fazer, e a ter de contribuir com soluções pontuais até se conseguir uma solução - efeitos de radiação e ainda tem, efeitos de emulação e de fortalecimento de uma rede à sua volta, e que é, seguramente, o melhor exemplo nacional do que é, apostando alto, que se consegue fazer uma coisa com grande importância para o desenvolvimento.

A primeira intervenção vai ser feita pela Prof.ª Rosário Gamboa. Ela é fi lósofa, de formação de fi losofi a e interessa-se especialmente pela fi losofi a da educação. Tem sido professora da Escola Superior de Educação e, desde o princípio, há muitos anos, no Instituto Politécnico do Porto. Ela é agora a sua presidente. Passo-lhe imediatamente a palavra.

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SEGUNDA SESSÃO

FORMAÇÃO PROFISSIONALProf.ª Rosário Gamboa - Presidente do Instituto Politécnico do Porto

Muito obrigada, Sr. Professor. Gostaria de forma muito breve, mas não podendo evitar fazê-lo, de agradecer o amável convite para estar aqui. Louvar, nas pessoas do Sr. Presidente da AEP e da Fundação de Serralves, esta iniciativa – IV Jornadas AEP/Serralves.

Vou procurar fazer uma apresentação fundamentalmente problematizadora; irei percorrer os pontos sumariados no diapositivo exposto, necessariamente de forma sucinta face ao tempo que dispomos, a saber:

- Inclusão social e Competitividade: Emprego, Educação e Formação?

- O que signifi ca mais Qualifi cação?: a voz dos Empregadores - “They are really ready to work?”

- A resposta do Ensino Superior: Desenvolvimento de Competências – Como e quais?

- O Papel do Estado: Integrar? Coordenar? Orientar? Avaliar? Regular?

INCLUSÃO SOCIAL E COMPETITIVIDADE: EMPREGO, EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO?

Abordando o primeiro ponto, começarei por introduzir alguns indicadores que usarei para enquadrar a questão; ou seja, como conciliar a inclusão social e a competitividade? (questão, aliás, já hoje aqui discutida, de manhã, brilhantemente, pela Dr.ª Manuela Ferreira Leite). Julgo que este é um dos maiores desafi os que se colocam ao país e de cujo sucesso na resposta dependerá o desenvolvimento futuro.

Começo, assim, pela apresentação de alguns dados, demais conhecidos, que nos servirão de referência: a actual taxa de desemprego ao nível de Portugal e da Europa, quando vistos numa UE a 27, a 25, e outros.

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Segunda Sessão | Formação Profi ssional - Prof.ª Rosário Gamboa

HARMONISED UNEMPLOYMENT

Fonte: http://epp.eurostat.ec.europa.eu

Destaco, agora, os quadros relativos ao desemprego jovem, onde é visível o incremento da taxa de desemprego em diversos países, entre 2007 e 2011.

Trata-se de um fenómeno extraordinariamente preocupante (não só na Europa) e que, independentemente de considerações ideológicas, nos deve merecer refl exão. É claro, nos gráfi cos seguintes, que este tipo de desemprego abrange fundamentalmente os jovens com baixas qualifi cações de acordo com os níveis defi nidos pelo ISCED, (Internacional

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SEGUNDA SESSÃO

Standard Classifi cation of Education), que aqui aparecem representados, diminuído à medida que as qualifi cações progridem.

A Europa e outros países acordaram, nos últimos anos, para uma realidade dramática: os chamados NEETs, isto é, a população jovem que não está empregada, em qualquer programa de formação, nem está a desenvolver qualquer outra competência de formação profi ssional (not in employment, education or training). Trata-se, no fundo, de gente jovem desperdiçada – a base de rejuvenescimento e continuidade - gente ‘abandonada’, ‘que não faz nada’, que parece não ter lugar, nem espaço nas nossas sociedades.

Em 2012, a Europa dedicou um estudo vasto e complexo a estes NEETs, onde se procurou caracterizar o grupo, calcular os custos que representa e monitorizar e avaliar as políticas mais efectivas de resposta. Estimou-se existirem, à época, cerca de 14 milhões de jovens com menos de trinta anos abrangidos por esta categoria. O real impacto das medidas de combate ao desemprego (fraquezas e forças - medidas difíceis em tempo de austeridade pelo investimento que acarretam) é uma questão crucial na tomada de decisão política e do posicionamento responsável dos diferentes players.

Esta questão aparece também naturalmente refl ectida nos gráfi cos relativos ao desemprego em Portugal.

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Segunda Sessão | Formação Profi ssional - Prof.ª Rosário Gamboa

SÍNTESE : DESEMPREGO REGISTADO POR GRUPOS DE PROFISSÕES

O quadro exposto apresenta o mapa do desemprego registado por grupos de profi ssões em Agosto de 2013. As duas linhas artifi ciais que tracei permitem, numa leitura rápida mas clara, percebermos que a grande taxa de desemprego não se coloca, nem em profi ssões de qualifi cações superiores, nem intermédias, mas sim, fundamentalmente, em profi ssões que não têm uma qualifi cação específi ca, ou, digamos, implicam apenas uma qualifi cação básica.

Complementarmente, gostaria de cruzar esta informação com a constante nos mapas seguintes.

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SEGUNDA SESSÃO

População com idade entre 18 e 24 anos, sem o secundário completo, que completou o 3.º ciclo de escolaridade ou não, e que não inserida em qualquer programa de educação/formação

Temos aqui os nossos NEETs: a população portuguesa com idade entre os 18 e 24 anos, sem o secundário completo, com o 3.º ciclo de escolaridade ou não, que não está inserida em qualquer programa de educação/formação. Trata-se de números actualizados, retirados do Pordata, e, ainda que se registe uma evolução positiva desde 2006, os números continuam a ser signifi cativos.

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Podemos agora ver, neste diapositivo produzido recentemente pela DGES (Direcção-Geral do Ensino Superior), a evolução do número de vagas, candidatos e colocados no ensino superior onde, desde de 2008, assistimos a uma diminuição contínua em todas as dimensões.

O gráfi co seguinte evidencia uma realidade a que não podemos fi car indiferentes: dos 96.380 estudantes que concluíram o ensino secundário em 2013, só 40.419 se candidataram ao ensino superior.

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Porque não se candidatam estes jovens? Que alternativas encontram no mercado de trabalho? Como é mobilizado o seu potencial criador e produtivo?

Este problema não é exclusivamente português, como já referi, mas uma questão mundial, cuja análise nos remeteria para condicionalismos de fundo, complexos e sistémicos. Porém, entre o conjunto dos múltiplos factores que concorrem para estes fenómenos embrincados, o bom senso aponta, desde logo, para a crescente diminuição das expectativas dos estudantes face ao mercado de trabalho e à formação, para os fenómenos ligados com a crise e o fi nanciamento das famílias, e também, o que me parece ser muito grave, para uma desvalorização ao nível da opinião pública do que signifi ca ensino superior e a formação profi ssional.

O QUE SIGNIFICA + QUALIFICAÇÃO?: A VOZ DOS EMPREGADORES

O tema que nos traz hoje aqui é a formação profi ssional. Apesar de representar uma instituição de ensino superior, compete-me, obviamente, responder à temática que me foi pedida e vou, de seguida, focar-me mais directamente na questão.

Na sequência do que expus anteriormente, estou convicta que os desafi os que se nos colocam, em termos de inclusão e competitividade, passam pela capacidade de vencermos os hiatos entre a formação, a qualifi cação e o mercado de trabalho.

Gostava de vos apresentar algumas das conclusões de um imenso estudo - Vias para a reforma de três cenários, de competências, mercado de trabalho para o horizonte de 2025, realizado pelo CEDEFOP (Centro Europeu vocacionado para a questão da orientação vocacional), em Julho deste ano. O estudo parte de uma estimativa alicerçada em três cenários para o crescimento da Europa em 2017/2018. No cenário considerado, segundo os seus autores, realista, porque parte de uma estimativa básica (os senhores entenderão se é realista ou não), postula-se que a Europa atingirá em 2025 perspectivas de desenvolvimento equivalentes às existentes à anterior crise económica e de emprego.

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Assim, nos quadros constantes no diapositivo exposto, podemos ver que, nas duas categorias contempladas (emprego qualifi cado e emprego não qualifi cado), há uma previsão de crescimento desigual, com acentuada valorização do qualifi cado, entre 2000, 2010 e 2025.

Esta previsão é um indicador fortíssimo a apelar à qualifi cação. Será interessante dizer que o mesmo estudo acautela que a noção de emprego qualifi cado não é estanque (contrariamente ao modo artifi cial, hipostasiado, como muitas vezes surge referenciado); é uma noção histórica, que evolui no tempo, tal como a noção de emprego não qualifi cado. O emprego não qualifi cado já não tem como referência a quarta classe antes 25 de Abril, ou pós 25 de Abril, ou de há 15 anos, ou de há 20 anos. Nas sociedades do conhecimento, o nível das competências básicas passa pelo domínio instrumental das TIC, da leitura de gráfi cos ou operações de cálculo, entre outras; e quando falamos a este nível, falamos de emprego não qualifi cado.

Mas há uma questão que emerge quando a tónica é colocada na qualifi cação em relação com o emprego: o que signifi ca mais qualifi cação?

Vários estudos realizados em diferentes contextos (Europa, Estados Unidos, Austrália) procuraram ouvir o que os empregadores dizem neste domínio, no sentido de avaliar e melhorar a formação na sua adequação ao mundo profi ssional, i.e., perceber se a gente que estamos a qualifi car tem ou não as competências necessárias para entrar no mercado de trabalho (Are they really ready to work?).

Num estudo de Abril de 2011, realizado na Alemanha, verifi cou-se que os empregadores, quando contratam candidatos, procuram, fundamentalmente, competências, comportamentos e atitudes como as sinalizadas no quadro: personalidade (87%), experiência prática (71%), domínio da língua (59%), conhecimentos ao nível das TIC (33%), experiência internacional (33%), e, fi nalmente, indicadores relativos à formação académica.

Fonte: Universum Communications and access KellyOCG for Wirtschaftswoche, 18 Abril 2011

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Interessante, é vermos estas mesmas competências altamente destacadas num estudo realizado também na Alemanha, em 2012, mas centrado na Engenharia, que visa analisar quais as competências valorizadas pelos empregadores versus o seu grau de satisfação com a formação que os contratados possuem.

Fonte: A. Bunz et al., in Innovations, World innovations in Engineering education and research, International Network for Engineering Education and Research.

W. Aung, et al. (eds), iNEER, Arlington, VA, 2012

Como é notório, as competências técnicas, linguísticas, de auto-organização, de trabalho em equipa, de mobilização e transferência, atingem o nível 1 (muito importante) na apreciação dos empregadores vs o nível maioritariamente médio (3) do grau de satisfação com as competências manifestas.

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Signifi cativamente, conforme é patente neste diapositivo, a mesma tendência é visível num estudo com o mesmo objectivo, ainda que geral e não focalizado na Engenharia, realizado na Austrália, sobre a importância vs satisfação dos empregadores nas competências dos contratados; a capacidade de aprender, a cooperação em equipa, análise e resolução de problemas, e relações interpessoais com colegas ou clientes atingem, também aqui, o nível máximo na valorização.

É interessante percebermos que, na Holanda, num estudo da Universidade de Nijmegen, prévio aos anteriores (2005), focalizado na área das ciências e tecnologias, se mantém a mesma constância, embora com ligeiras alterações, na avaliação dos jovens empregados.

Fonte: Careers for Science Alumni, Radboud University Nijmegen, OECD presentation, Amsterdam,11- 2005

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E é ainda mais interessante, agora de novo na Alemanha, percebermos a mesma orientação no alinhamento entre as necessidades com que os jovens saem das Universidades e aquilo que o mercado de trabalho valoriza. O gráfi co exposto revela-nos claramente o grau de relação entre o very important for the job e very well taught at university, no caso das Engenharias.

Fonte: VDE survey “Young Professionals 2009”

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Por fi m, gostava de concluir este ponto com um quadro síntese de um estudo realizado em 2006, que deu o título, a esta fase da minha intervenção - Será que eles estão verdadeiramente preparados para trabalhar? - onde, com base na auscultação de um rol enorme de empregadores, se destacam um conjunto de cinco competências transversais, soft skills, consideradas cruciais pelos empregadores para qualquer tipo de emprego.

Se cruzarmos as competências evidenciadas com as tendências partilhadas na defi nição de um dos principais slogans da nossa contemporaneidade, o empreendedorismo, e ouvirmos a opinião de um dos seus mestres, Kaplan, e uma freelancer de Londres, Jessica Stillman, verifi camos que há uma correspondência entre o que os empregadores valorizam como competências para o trabalho e o que os teóricos ou os práticos do empreendedorismo consideram fundamental como competências na juventude ou nos adultos.

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Neste mapa sobre o processo empreendedor, chamo a vossa atenção para a rede de interacções confi guradora dos processos: as competências e atributos individuais estão na base de atitudes e comportamentos; e os comportamentos conduzem e modifi cam os processos nas relações de produção e inovação. Assim, perspicazmente, os empregadores destacam um conjunto de competências individuais que fazem a diferença – na fábrica, no hospital, no teatro,… - porque estão presentes na realização e na melhoria dos processos.

A RESPOSTA DO ENSINO SUPERIOR: DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS – COMO E QUAIS?

Tentarei agora perceber (porque com certeza que foi para tal que fui convidada) qual a resposta ao nível do Ensino Superior à problemática traçada. Julgo que o essencial da resposta deve ser procurado, de acordo com último slide que apresentei relativamente à Engenharia na Alemanha que sintetiza o estudo desenvolvido por uma grande bolsa de engenheiros, a nível da Europa, nas seguintes questões: quais são as competências que devem fazer parte fundamental da formação na sua articulação com o emprego e o desenvolvimento social inclusivo? Como é que é possível conjugar, num paradigma que não seja simplista, mas que atenda à imprevisibilidade, confl itualidades de interesses e actualizações permanentes, a formação integral e a inovação tecnológica com as competências técnicas e científi cas? A formação integral, com nota de destaque para as soft skills, com o mercado de trabalho? Os empregadores afi rmam que ambas são necessárias. E será que, na voz das Instituições de Ensino Superior, asseguramos as duas dimensões?

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Formação: “competências para o trabalho” num paradigma de realização pessoal, inclusão social e competitividade na economia do conhecimento

Entendo que não há uma resposta única, pois não há modelos e soluções únicas. Simultaneamente, trata-se de um trabalho em revisão contínua, um exercício permanente de coordenação e, utilizando uma expressão que um dia ouvi de alguém, é um trabalho fundamentalmente de cola. Julgo que o que mais falta no país, em diversas dimensões do planeamento à acção, é cola que seja capaz de unir faces desgarradas, eliminar repetições e conjugar, num esforço conjunto, diferentes entidades e pessoas.

Esta é uma das preocupações com que eu, como presidente de uma Instituição de Ensino Superior, lido diariamente, tal como os meus colegas que comigo trabalham.

Sem defender uma posição de subordinação directa (e muito menos imediata) do ensino superior ao mercado de trabalho, entendo que há uma articulação necessária entre ambos, e essa articulação é um elo vital para uma instituição pública, como a minha, Politécnico do Porto, com uma responsabilidade social acrescida. Por isso, importa refl ectir sobre os desfasamentos que evidenciei nos diversos estudos e articular acções. Trata-se de uma tarefa complexa, com a implicação de múltiplos actores, onde ninguém pode fi car de fora.

No Instituto Politécnico do Porto (uma das maiores Instituições de ensino superior no Norte do país, com 18 mil estudantes) procuramos enfrentar o problema através da aposta num modelo formativo dinâmico, activo e orientado e um portefólio formativo actualizado.

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Ensino Superior Politécnico

A nossa marca politécnica (que, algumas vezes, ao longo das evoluções do nosso sistema, foi um pouco alienada, mas que procuramos não só assumir, como aprofundar) é a orientação pragmática, performativa, radicada numa prática de proximidade, que só pode ser construída com um modelo formativo consentâneo. Quando falo em modelo formativo, falo não só da estrutura curricular, mas também do modelo de ensino/aprendizagem, onde a abordagem hands-on seja devidamente assegurada, avaliada, acompanhada, monitorizada.

IPP “Ensino Profi ssionalizante”

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Por último, que esta marca identitária, de matriz centenária tem de estar baseada em metodologias investigativas e aplicadas com articulação, necessariamente, com a I&D, o que implica um corpo docente acreditado, não só de académicos, mas também de especialistas com ligação estreita ao mercado de trabalho. A articulação ensino-empresa não se faz a jusante, faz-se a montante e durante, e só assim é que o hiato se vence. A incorporação na nossa formação de docentes especialistas permite transmitir de modo assertivo aos nossos estudantes não só os conhecimentos hands-on, mas acima de tudo aquilo que os empregadores distinguem: os comportamentos e as atitudes em contexto de trabalho. Por isso é que, magicamente, conseguimos fazer engenheiros em 3 anos, preparados para o mercado de trabalho, que podem, posteriormente, completar a sua especialização com mestrados profi ssionalizantes.

Talvez seja por isto que o Politécnico do Porto este ano, mais uma vez, logo na 1.ª fase do concurso nacional de acesso, fi cou extraordinariamente bem colocado: 82% dos estudantes que nos procuraram, fi zeram-no em primeira opção.

O PAPEL DO ESTADO NO DESENVOLVIMENTO

Quanto ao papel do Estado na formação profi ssional, muito brevemente diria, Sr. Professor, que face às questões já levantadas, lhe cabe um papel dinâmico e complexo, em interacção com entidades formadoras e empregadores; um Estado que oriente, coordene, integre, avalie e regule.

-Políticas Públicas- mais e melhor integração e coordenação entre o estado, entidades formadoras e os empregadores REDES DINÂMICAS E COORDENADAS

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O grande boom da formação profi ssional, de nível secundário, ocorreu a partir de 87, alavancada nos fundos sociais europeus. Este fenómeno permitiu e emergência de iniciativas inovadoras, algumas de grande qualidade, mas muito descoordenadas. Muitas acções foram realizadas por particulares - associações empresariais, sindicatos, centros de formação – a par com iniciativas públicas, mas sem a devida integração e articulação num programa coerente que lhes conferisse a visibilidade social necessária, o seu (re)conhecimento.

Hoje de manhã foi já evidenciada a imensa necessidade de o Estado assumir o papel de Estado: regular com estabilidade, com direcção e intencionalidade, mas em interacção com a sociedade civil, porque o Estado não é o único agente.

Sobre a formação profi ssional, em particular, diria que é necessário revitalizar uma rede nacional que articule políticas institucionais em matéria de emprego-formação-educação adequadas aos territórios - de modo não imediatista, mas prospectivo – envolvendo iniciativas diversas (públicas e particulares) num compromisso comum com o desenvolvimento das regiões e das pessoas. Mas, para tal, precisamos de um quadro de actuação que fomente a cooperação e não alimente as gavetas típicas de um país pequeno com muros altos; um quadro que estabeleça um programa aberto à iniciativa, fl exível e responsável na gestão efi ciente de recursos, radicado num planeamento estratégico articulado e dinâmico. Muito obrigada.

Muito obrigado Srª Prof.ª. Vamos agora ouvir o Sr. Eng.º Brás Costa. No Norte ele escusa de ter apresentação e o país também o conhece bem. Conhece-o mais do CITEVE, onde ele é ainda o General Manager, mas eu gostava de referir outros domínios para o caracterizar melhor. Ele é vice-presidente da European Tecnology Platform Future of Textile, ele é CEO e membro do Centre for Nanotechnology and Smart Materials, ele é o CEO do Centro para Nanotecnologia. Além de ser membro do board, ele é presidente da Textranet, é membro do Pole for Information, Communication and Electronic Technologies. Nós poderíamos continuar por aqui fora. Só queria sublinhar que ele não só está, como foi dito, com as “mãos na massa”, como pensa nisto de forma superior e como pensa nisto sempre de forma moderna. É por isso muito interessante o seu depoimento neste domínio.

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Moderador - Prof. Luís Valente de Oliveira

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FORMAÇÃO PROFISSIONALEng. º Brás Costa – Citeve

Muito obrigado ao Sr. Professor Luís Valente de Oliveira pelo convite, é uma grande amabilidade da parte do senhor Prof., mas também da AEP e da Fundação de Serralves, terem-me convidado para estar hoje aqui.

Fiquei muito contente com o facto de, ao fazer a minha introdução, ter mencionado o CITEVE como um caso de sucesso. É agradável ouvi-lo e ao mesmo tempo estranho, já que sentimos permanentemente o nosso trabalho como inacabado, merecedor de crítica e com vontade de fazer mais.

Para enquadrar a minha apresentação, devo antes de mais dar alguma informação sobre o papel do CITEVE na área da formação profi ssional. A experiência do CITEVE tem mais de vinte anos e é completamente focada numa realidade: a realidade que dá origem ao próprio centro tecnológico, a realidade dos Sectores Têxtil, do Vestuário e dos Têxteis Técnicos.

O centro tecnológico foi criado por empresas industriais há quase 25 anos, exatamente para lhes dar suporte técnico e tecnológico, desde a Qualidade à Inovação, sob várias formas, incluindo a formação dos seus quadros ou de jovens que o virão a ser.

As atividades que o CITEVE criou e desenvolveu durante estes vinte e cinco anos, focaram-se essencialmente nas pessoas, mormente jovens, mas apenas fazem sentido no quadro da sua missão de contribuir para a competitividade das empresas.

A nossa função é revelar vocações e atraí-las para carreiras técnicas na indústria, desenvolver competências com utilidade, criar verdadeiros profi ssionais motivados, desde que culminando a dar resposta a necessidades das empresas.

Neste contexto, a oferta formativa do CITEVE é muito eclética, indo desde formação relativamente básica de operadores (área cada vez menos frequente), passando pelo nível da muito importante formação pós secundária não superior, designadamente os CET (Cursos de Especialização Tecnológica), chegando até ao nível da pós-graduação.

A formação de quadros superiores tem apresentado elevado crescimento, justifi cado pela vertiginosa velocidade de mudança técnica e tecnológica do Sector. Em termos práticos e a título de exemplo, um Engenheiro que está numa empresa afogueado com os afazeres do dia-a-dia (os clientes, a linha de produção, os fornecedores, etc.) tem todas as condições para cair numa verdadeira obsolescência. A missão do CITEVE é exatamente facilitar processos de estudo e de atualização de conhecimentos.

A capacidade formativa do CITEVE está muito assente neste aspeto, trazendo-os para dentro do nosso centro tecnológico, não durante muito tempo, mas com uma regularidade que costuma andar entre os dois e os três anos, para lhes dar conta do que é que está a acontecer de novo.

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Às vezes isso passa um pouco ao lado de quem está empenhado com os negócios.

Falando na formação inicial de técnicos especialistas para a indústria, queria dar aqui destaque a uma grande iniciativa: a criação na década de 90 dos cursos de especialização tecnológica, na altura com outra designação. Perante a escassez de técnicos especialistas para a indústria e a ausência de respostas do sistema formal de ensino, o então Ministério da Indústria decidiu criar um conjunto de Escolas Tecnológicas com o objetivo de os formar, numa lógica de orientação inequívoca para as necessidades das empresas.

O CITEVE foi envolvido neste processo desde 1997 e, com o conforto das estatísticas de resultados, considera a criação dos CET como um dos grandes sucessos da disponibilização de profi ssionais de elevada qualifi cação para os Sectores têxtil e do vestuário. Ademais, estes resultados foram obtidos num contexto completamente adverso, de enorme falta de vocação dos jovens para as carreiras técnicas, sobretudo para uma indústria genericamente tida como obsoleta e em declínio.

Nos dias de hoje, não há semana que não recebamos contactos de empresas a pedir Engenheiros e quadros intermédios especializados. Permitam-me a repetição: não há semana em que não aconteça. Para que atividades? Pois, naturalmente, para atividades exigentes.

Se é verdade que o Sector apresenta um decréscimo continuado do número total de trabalhadores desde há cerca de uma década, é igualmente verdade que está à procura de mais trabalhadores qualifi cados, o que não reputamos de contrassenso, antes o resultado da transformação tecnológica e não-tecnológica dos processos industriais e de negócio.

Apesar de todo o esforço, o CITEVE não tem conseguido atender a toda a demanda de profi ssionais. Neste momento há penúria de gente que tenha sólido conhecimento de produto, de processo e de negócio internacional que consiga satisfazer as necessidades.

Sobretudo no que concerne a técnicos para a linha de produção, estes cursos de especialização tecnológica têm sido a grande fonte de profi ssionais, acompanhando o declínio do número de universidades ensinando Engenharia Têxtil (presentemente apenas uma), resultado também do decrescente número de candidatos a estas licenciaturas.

Aliás, os formados nos CET são hoje uma relevante fonte de alunos para a referida licenciatura, por vezes em regime noturno, prosseguindo os seus estudos em acumulação com as suas atividades profi ssionais em empresas.

Foquemo-nos no tema que nos convoca hoje: o papel que compete (e não compete) ao Estado no contexto da formação profi ssional.

A Comissão Europeia publicou há década e meia o chamado “livro verde para a inovação” em que

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se caracterizava o “paradoxo europeu”: a União Europeia era já o espaço do mundo com maior produção de conhecimento, não sendo contudo onde melhor se explorava economicamente esse conhecimento.

Esse paradoxo europeu era, e é, igualmente o paradoxo português, mas aplica-se a Portugal, no âmbito das qualifi cações, de forma inigualável na União.

Depois de décadas a clamar por maior qualifi cação dos profi ssionais portuguesas como forma única de aumentar a competitividade do país, de investimentos avultadíssimos para caminhar para tal objetivo, Portugal está a exportar a custo zero o fruto do seu investimento. É arrepiante ver a exportação em massa de jovens que nos custaram uma parte signifi cativa do que hoje é dívida, aumentando assim a competitividade dos países de que Portugal se queria aproximar em termos de competitividade.

Médicos e enfermeiros… é só fazer as contas. Sabendo-se quanto custa a formação de um médico ou de um enfermeiro, basta multiplicar.

O paradoxo é claro.

Por outro lado, os nossos Sectores económicos, nomeadamente os industriais, necessitam de aumentar a sua produtividade em valor. A produtividade em valor depende da qualifi cação dos recursos humanos. Há penúria de recursos humanos qualifi cados para a indústria.

Por outro somos obrigados a “exportar” recursos humanos qualifi cados por não dispor de emprego sufi ciente nas atividades para que se qualifi caram… Há aqui qualquer coisa que não se pode aceitar.

Que papel teve, ou devia ter tido, o Estado? Se não se debateu com falta de recursos para investir, que erros cometeu?

A meu ver, um outro exemplo de paradoxal investimento sem retorno prende-se com o incentivo ao empreendedorismo.

O nosso país fez nos últimos anos um esforço grande, ou para redução de esforço o Estado tem despejado dinheiro, para a incentivação da criação de novas empresas, mormente as de base tecnológicas. No fi nal de contas, quando se analisam os resultados, o que se verifi ca é que se desenvolveu uma cultura de ‘profi ssionais’ do empreendedorismo, que sabem fazer planos de negócio magnífi cos, que apontam para mercados mundiais de muitos biliões, mas, acauteladas as boas exceções, não criou empresas de facto, isto é, empresas que faturem, que recebam dos seus clientes e que gerem emprego. Inúmeras start-ups que não deram mais do que autoemprego temporário.

A incapacidade de Portugal utilizar os seus recursos humanos qualifi cados, que os tem, num cenário

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em que disso há extrema necessidade, constitui de facto um paradoxo difícil de compreender.

A penúria de profi ssionais em algumas áreas, e a falta de vocações para as carreiras nessas áreas, constitui também um paradoxo difícil de compreender.

Por outro lado, permitam-me que fale da minha experiência como pai. Vivem hoje as famílias um autêntico drama confrontadas com a necessidade de orientar os seus fi lhos para carreiras com futuro, vivem os fi lhos momentos de desânimo, por vezes de depressão, ao ver os seus percursos académicos a chegar ao fi m sem vislumbrar formas de encaixe das suas competências com o que o mercado procura.

Acompanhei recentemente a angústia da esmagadora maioria dos colegas da minha fi lha por não ter condições para continuar a estudar nem a certeza de encontrar emprego. Os verdadeiros motivos fi caram-me claros durante uma das cerimónias da queima das fi tas: grupos muito pequenos de fi nalistas de cursos com empregabilidade elevada e grupos muito grandes de fi nalistas em áreas como as Ciências da Comunicação, o Direito ou a Psicologia.

A ausência de regulação, pela limitação de entradas em alguns cursos ou incentivação à entrada noutros, levou a esta situação paradoxal.

As famílias viram-se confrontadas com a sua própria incapacidade de evitar percursos erróneos. As famílias somos nós todos. Mea Culpa, apesar de me considerar uma pessoa avisada sobre estes assuntos, cometi o erro: fi z perguntas, tentei infl uenciar, mas não fui capaz de dizer: “Para Ciências de Comunicação não vais”. Ninguém o faria, ninguém quer correr o risco de limitar a felicidade dos fi lhos ao limitar as suas escolhas.

Voltemos ao papel do Estado. Não havendo uma intervenção de planeamento por parte do Estado, os jovens, por infl uência dos fi lmes e dos sonhos vendidos por fazedores de lifestyle, optam por carreiras que lhes parecem mais interessantes, mais bonitas, mais prestigiantes, mesmo que os conduza à frustração.

De novo o papel do Estado… O sistema de formação profi ssional, o sistema de educação profi ssionalizante e o sistema de educação não podem deixar de estar articulados. Articulados os programas e articuladas as instituições que os promovem.

Mas deverá a oferta de educação profi ssionalizante e de formação profi ssional ser decidida centralmente? Regulada, sim! Mas, do nosso ponto de vista, a oferta de ensino profi ssionalizante e de formação profi ssional não tem de ser decidida de forma plana para todo um país ou mesmo para toda a União Europeia.

Ponto número um – a proximidade à realidade.

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A oferta de formação para as profi ssões deve depender das próprias profi ssões, das empresas que enquadram e dos níveis de especialização dos territórios.

A oferta deve ter capilaridade para responder às necessidades (explícitas e implícitas) das empresas que existem.

Como será possível decidir em Lisboa o tipo de perfi s, o tipo de formação a oferecer aos profi ssionais do Sector Têxtil e do Vestuário?

Quem tem como fazê-lo? Em primeiro lugar as empresas, sem dúvida, mas também as organizações por elas criadas com o fi m de lhes dar respostas neste e noutros domínios.

Poder-se-á argumentar que, geralmente, as empresas veem apenas o curto prazo, não respondendo à imperiosa necessidade de ver mais longe. É verdade e compreende-se, mas ver tão longe que desemboque em resultados a que as empresas não tenham como dar utilidade leva ao paradoxo.

Que adianta construir os perfi s profi ssionais para 2030 em jovens que terão que procurar emprego em 2015? Que adianta formar profi ssionais com competências avançadas e atividades económicas que o país não tem?

A capilaridade e a proximidade às empresas empregadoras são cruciais para o equilíbrio entre a oferta e a procura de recursos humanos adequadamente formados.

Segundo ponto - a reatividade.

Vemos a oferta de formação profi ssional como as outras atividades económicas: deve produzir-se se houver mercado. Se não houver mercado não deve ser feita.

A oferta de um determinado curso não tem de estar sempre aberta; deve ser aberta quando houver necessidade.

A formação profi ssional tem de dar respostas a tempo, normalmente rápidas. Só pode ser orientada a atividades que existem ou a atividades que já estão planeadas (como exemplo de atividade planeada, refi ra-se o cluster aeronáutico em construção em Évora, onde em algum momento foi necessário criar perfi s para atividades ainda não existentes, mas com o fi to de dar resposta a necessidades de antemão conhecidas).

Qual o papel do Estado? Fomentar a participação da sociedade civil, de forma devidamente organizada, na identifi cação das oportunidades e planeamento das intervenções.

Ponto três – o ambiente escolar como antecâmara da integração dos formados nas empresas

Como dizia há pouco, sem professores, e outros intervenientes no processo formativo, que estejam

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familiarizados com a atividade das empresas não se consegue fazer boa formação profi ssional. Para preparar formandos para serem futuros especialistas é necessário dispor de especialistas. Parece-nos extremamente perigoso fazer formação profi ssionalizante de especialistas apenas com profi ssionais que em toda a sua carreira apenas experienciaram o ambiente académico.

Nos cursos de especialização tecnológica que o CITEVE montou e desenvolveu durante a última década e meia, o grupo docente é constituído por:

• Professores pertencentes a quatro estabelecimentos de ensino superior (Universidade do Minho, Universidade da Beira Interior, Politécnico de Castelo Branco e Politécnico da Guarda);

• Tecnólogos pertencentes ao quadro do próprio Centro Tecnológico, especialistas em tinturaria, em estamparia, em tecelagem, compósitos, etc., por natureza profi ssionais como mindset inovador e desenvoltos quer na relação com o mundo académico, quer com o mundo empresarial;

• Profi ssionais de empresas, capazes de transmitir aos formandos o verdadeiro espírito empresarial, de os preparar para uma integração fácil e rápida no seio das empresas. O envolvimento destes profi ssionais em atividades de formação é um enorme desafi o, já que lhes traz transtornos enormes nas suas vidas profi ssionais. Mas estes ‘professores’ são incontornáveis para incutir cultura empresarial. Cultura, mindset, à-vontade com o bulício da criação de novos produtos, de fazer mais rápido do que os concorrentes, de procurar constantemente ser mais fl exível do que os concorrentes, de saber ler as expectativas dos clientes.

Voltando ao papel do Estado. Defi nitivamente cabe-lhe envolver os stakeholders certos nos processos de geração de novos e qualifi cados profi ssionais:

• Quem sabe das necessidades das empresas são as empresas.

• Quem pode organizar o escrutínio das necessidades das empresas, são as organizações responsáveis por estudar e manter conhecimento atualizado sobre as empresas: as associações empresariais ou os centros tecnológicos que estão relacionados e focados em cada um dos sectores.

Cabe ao Estado, do meu ponto de vista, entregar a estes stakeholders a confi ança e a responsabilidade, repito “e a responsabilidade”, de fazer o assessment, fazer a defi nição das linhas gerais de aposta nos vários perfi s de formação profi ssional e delinear os objectivos de qualidade e de impacto das acções formativas.

O Estado não pode, no entanto, deixar de assumir as suas responsabilidades de regulação; se o Estado não fi zer absolutamente nada, se deixar este processo abandonado ao ultraliberalismo e permitir que cada interveniente faça o que lhe der na cabeça, não resolvemos os erros com que

Segunda Sessão | Formação Profi ssional - Eng. º Brás Costa

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nos debatemos hoje nem os seus nefastos efeitos.

Tem de facto que regular e a regular pode ser bom. Terá naturalmente que se preparar, que se adaptar, mas considero ter condições para se tornar excelente nessa atividade.

Deve ser um promotor da racionalização, tem obrigatoriamente de ser um promotor da efi ciência económica também desta aposta. Portanto, o Estado tem de ser esse amigo mais velho que impõe regras, que aconselha e que promove a racionalização do investimento em formação profi ssional, assim como também deve ser o indutor de que se faça adequada prospetiva, mas sendo prospetor.

E, fi nalmente, a questão do controlo.

Tenho para mim que em Portugal uma organização que recorre a fundos públicos para fazer seja o que for tem o grande desafi o de ter que fazer boas candidaturas. Pode não ter uma boa equipa de implementação, pode não ter uma boa equipa de comunicação. Basta-lhe saber fazer candidaturas. O Estado desconfi a de quem apresenta candidaturas, considera invariavelmente que quem apresenta uma candidatura é, à partida, uma espécie de gente que está a tentar enganar o Estado.

No entanto, após a aprovação das candidaturas ninguém se ocupa com a verifi cação da qualidade, e sobretudo dos reais impactos das ações fi nanciadas. O Estado deve assumir aqui um papel fundamental.

Uma palavra para voltar ao binómio confi ança e responsabilidade. O Estado deve confi ar em quem der boas respostas, mas tem de confi ar a sério como parceiros de negócio que são neste contexto. Mas esta confi ança implica responsabilizar. Responsabilizar mesmo, penalizando de facto os incumpridores, nomeadamente pedindo o dinheiro investido de volta, impedindo o acesso a novos fi nanciamentos.

Penso que Portugal tem capacidades, muito boas capacidades, apesar de algumas incapacidades. Faltar-nos-á limar arestas, um pequeno conjunto de arestas, no que é o posicionamento do Estado em relação aos atores da sociedade civil.

Finalmente dizer que o CITEVE e a AFTEBI (Escola Tecnológica Têxtil) já lidaram com várias formas de fazer política, vários sentidos de orientações e cá continuam empenhadamente a fazer o seu trabalho.

Têm como missão fundamental responder, não às ideias dos políticos, mas sim aos Senhores, que são empresários e que têm necessidade de ter profi ssionais qualifi cados para dar conta dos Vossos negócios. Muito obrigado.

SEGUNDA SESSÃO

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Todos conhecemos o papel da Mabor Continental e de como é que ela tem mantido ao longo dos anos, o emprego e a sua contribuição para o desenvolvimento do País. Vem falar-nos hoje da experiência da Mabor Continental alguém que tem a maior responsabilidade lá dentro: é o Presidente do Conselho de Administração. Engenheiro Químico de formação, depois teve formações complementares diversas, no sentido em que nunca se pode estar quieto em matéria de formação. Começou como estagiário na própria Mabor e depois foi exercendo funções aqui, no Brasil, na Roménia e voltou agora a Lousado. Todos nós sabemos que o segredo maior da fábrica da Mabor é naturalmente uma acção externa, mas também é de um extremo rigor na sua organização interna.

Segunda Sessão | Formação Profi ssional

Moderador - Prof. Luís Valente de Oliveira

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Bom dia Exmas. Senhoras e Senhores.

Antes de mais, gostaria de agradecer ao Sr. Dr. Paulo Nunes de Almeida e ao Sr. Engº Luís Braga da Cruz pelo convite, mas, especialmente, ao Prof. Luís Valente de Oliveira, pelo convite feito ao meu antecessor, pois eu só estou no cargo há cerca de seis semanas, vindo, exatamente, da Roménia. Portanto, desculpem-me os presentes, mas se eu disser alguma palavra mais esquisita, é Romeno.

Antes de aceitar o convite, pensei umas horas, se seríamos a empresa certa para estar aqui. Com efeito, é uma grande responsabilidade que nos foi atribuída, não só pela qualidade dos oradores anteriores, mas também pelas palavras muito positivas que entretanto me foram dirigidas. Na Continental Mabor, não existem problemas signifi cativos, por isso tenho sérias difi culdades em abordar esta temática. Mesmo assim, vou apresentar, a situação existente na nossa empresa.

Se uma boa parte das palavras anteriormente proferidas, eu posso confi rmar, há, contudo, sempre forma de melhorar algumas situações e nessa perspetiva, vou tentar mostrar um pouco daquilo que é feito na Continental Mabor, no conceito de formação profi ssional, e a fi nalizar, irei abordar aquilo que achamos o Estado pode ajudar.

A Continental Mabor é apenas uma das cinco empresas do Grupo Continental em Portugal. Hoje estou aqui a falar apenas pela Continental Mabor, que fabrica pneus, e a Continental ITA, da qual o meu colega administrador – Engº Eduardo Diniz, aqui presente me permite representar. É que a C-ITA tem relação com a indústria têxtil e, portanto, provavelmente, alguns dos serviços estão de alguma forma ligados ao CITEVE. As restantes empresas estão localizadas no sul do país e têm algumas relações, também, com a AutoEuropa. O Grupo emprega no total 2243 funcionários.

No caso específi co da Continental Mabor, fomos inaugurados em 1946 e ao longo dos anos temos evoluído. Entrei para a empresa em 1988, acabadinho de sair do ISEP, cheio de ambição para fazer algo, mas muito pouco conhecimento prático. Entretanto, fui aprendendo ao longo dos anos, dentro da empresa, através da formação profi ssional que fui fazendo.

A empresa teve vários marcos de evolução. Têm sido vencidos pois, vamos crescendo tecnologicamente e expandindo a capacidade. Neste slide são visíveis os nossos principais mercados, e isto só para mostrar a capacidade tecnológica que existe numa empresa em Portugal que há bem poucos anos, talvez, muita gente desconhecesse que existia.

Com efeito há uns anos atrás, em 1988, quando falávamos em Lousado em Portugal, mesmo dentro do Grupo, desconheciam, mais ou menos, onde fi cava. Sabiam que era na Península Ibérica, mas podia bem ser uma cidade em Espanha.

Neste momento a fábrica de Lousado é, claramente, uma das melhores do Grupo Continental e isto graças à qualidade dos seus técnicos e profi ssionais. Fornecemos pneus para todo o Mundo. Tudo

SEGUNDA SESSÃO

FORMAÇÃO PROFISSIONALEng.º Pedro Carreira – Continental Mabor

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o que neste slide se vê a laranja são países ou regiões onde nós já entregamos pneus ou estamos a entregar.

Desde 1995 que temos um crescimento acentuado em termos de volume, quer ainda no número de pneus de alta performance assinalados a laranja - a marca Continental, que são os pneus “premium” do Grupo.

O nosso quadro de colaboradores também tem vindo a crescer de alguma forma; todos os anos, uns anos mais e outros menos, efetuamos recrutamentos.

Uma característica interessante é o nível de qualifi cação dos colaboradores que tem vindo a aumentar. Nos anos de 1990 o nível de escolaridade maioritário era igual ou inferior a 6 anos. Isto signifi ca que se a Continental não nos tivesse comprado à antiga Mabor, provavelmente, eu hoje não estaria aqui a falar com os Senhores. E se estivesse, não seria, claramente, num caso de sucesso.

Podemos ver aqui a evolução: atualmente ainda existe uma quantidade, já não muito signifi cativa de colaboradores com escolaridade inferior a seis anos. Como exemplo, em 1988 a empresa recrutou dois Engenheiros, eu e o meu colega aqui presente, o que já não acontecia há vários anos. Ao longo destes anos, temos vindo a aumentar a nossa qualifi cação e a promover a qualifi cação cada vez mais elevada dos nossos colaboradores, quer através do recrutamento direto do mercado e das instituições, quer através da formação interna que temos vindo a fazer. Na Continental Mabor temos, neste momento, 119 formadores, com as respetivas certifi cações, que nos ajudam a manter os níveis de formação e qualifi cação na empresa.

As nossas necessidades de formação são diversas. Procedemos à sua recolha na empresa através do diagnóstico de necessidades, nos departamentos, bem como através de um outro processo interno que é a avaliação de desempenho. Esta avaliação é efetuada uma vez por ano. Este ano, pela primeira vez vai ser feita semestralmente. Assim, é com base nas avaliações de desempenho e na avaliação individual que se preparam os planos de formação anuais. Portanto, são estas as ferramentas que contribuem para preparar o nosso plano de formação. Gostaria também de referir aqui as parcerias, desta vez, com entidades externas na área da formação como, por exemplo, a FEUP, a Universidade do Minho e a FORAVE, que mais à frente voltarei a referir.

Neste momento, as áreas onde nós temos mais falta de formação é eletricidade e automação bem como uma parte na área de integração e gestão comportamental. Deixem-me referir que fi quei muito agradado ao ver os estudos que a Prof. Rosário Gamboa apresentou. Há muitos anos atrás falava-se em altas médias, elevados estudos e elevadas qualifi cações, mas cada vez mais as empresas precisam além de pessoas qualifi cadas, capazes e acima de tudo com determinado comportamento que obedeça e se adapte à cultura da empresa. Para a nossa empresa as competências mais importantes, como já referi, são eletricidade, energia, automação, segurança e higiene no trabalho.

Segunda Sessão | Formação Profi ssional - Eng. º Pedro Carreira

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Em menor escala, a informática que nos últimos anos tem vindo a registar, cada vez mais, uma determinada relevância graças à evolução dos processos tecnológicos que temos vindo a introduzir na empresa.

Em 2011/2012, podemos ver neste slide, o volume de formação que foi dado internamente, pelos nossos formadores, bem como alguma da formação específi ca, mesmo muito específi ca, na área de técnicas de manutenção industrial.

Como se constata, tivemos parcerias com entidades formadoras desde Catim, Siemens, Beckoff na formação para os processos de manutenção, e para Chefi as a Blum e a FORAVE. O nosso plano de formação inicial (normal) é muito simples. Temos no primeiro dia, as boas vindas e o acolhimento geral na empresa, e depois temos uma fase que é a dos processos produtivos. Segue-se a dos clientes internos - para que as pessoas conheçam a estrutura organizacional da empresa, e tem uma duração, normalmente, de sete dias. A partir daqui começa então o plano específi co para a função. É a fase de adaptação do colaborador, seja qual for o posto de trabalho. Esta fase aplica-se desde o simples operador de produção, ao Engenheiro que vai tomar conta dos equipamentos ou aos chefes de departamento. É um plano específi co que pode demorar, desde dois ou três meses até dois anos.

Se olharmos para a formação inicial e a formação contínua por ano, neste momento, temos cerca de 58 mil horas de formação. Como se pode constatar, a média de formação que damos em cada período de três anos, na tal estimativa de 35 horas anuais, 35 horas por colaborador por triénio, estamos bem acima dessas mesmas médias. Isto é, em 2012 e também a título de exemplo, em 2013 que ainda não está fechado, estamos a falar de 6.101 formandos distribuídos por 584 cursos. Em 2013, já aprovisionamos 1,6 milhões de euros e neste valor, não estamos hoje a discutir os subsídios e a questão fi nanceira por parte do Estado, nem as contribuições. Estamos sim, a referir que tivemos um custo de 1,6 milhões, em que cerca de 10 a 12% poderemos vir a receber de incentivo, se tivermos capacidade técnica e tivermos umas 500 (exagero é claro) pessoas a trabalhar a tempo inteiro para conseguir apresentar a documentação necessária que o Estado exige. O tom é mesmo de brincadeira, mas não deixa de ser dramático e vou voltar a falar nisto de novo.

Na Continental Mabor também proporcionamos estágios, que podem ser curriculares ou extracurriculares. Neste slide mostram-se os estágios que demos em 2013. Deixem-me referir os nossos típicos estágios de verão de que muito nos orgulhamos. Trata-se de jovens, rapazes e raparigas ainda muito novos que se apresentam para fazer os seus estágios de verão - fi lhos dos nossos colaboradores, que por esta via tomam contacto com o mundo do trabalho. Depois temos os estágios técnico-profi ssionais e curriculares. Deixem ainda que refi ra que, para além dos projetos específi cos e visitas às nossas instalações, atribuímos anualmente um prémio aos melhores alunos dos diferentes cursos, o que signifi ca uma bolsa fi nanceira e um estágio profi ssional na empresa (nestes casos a FEUP e a Forave).

SEGUNDA SESSÃO

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Temos com todas as instituições as melhores relações e posso mesmo admitir que somos muito privilegiados. Para além de sermos uma empresa de grandes dimensões, temos muita dinâmica, e por isso temos alguma capacidade para com estas instituições, discutirmos aquilo que mais precisamos, e solicitar que adaptem os cursos às nossas necessidades.

Há vinte anos atrás eu sentia-me completamente cilindrado, quando se falava com as instituições. Não havia qualquer abertura. Considero que as instituições têm vindo a desenvolver-se e hoje ouvi coisas muito interessantes. Realmente temos uma abertura muito, muito grande com estas instituições. Não me foi solicitado fazer publicidade, mas está aqui, a FEUP, o IEFP, o ISEG, a CIOR, FORAVE. Enfi m, temos um conjunto de instituições que nos dão todo o apoio e que nós também apoiamos. Por exemplo, ajudamos na parte de formação de técnicos e por isso, ao mesmo tempo, nos ajudamos a nós próprios, porque como é óbvio, há um interesse bilateral.

Os jovens vão efetuando a sua formação e nós vamos podendo avaliar diretamente, em primeira fase, alguns dos nossos futuros colaboradores.

O Estado, tem que ser agente facilitador. E de que forma é que o Estado o pode fazer? Há, claramente, uma adaptação gradual das instituições às nossas necessidades e aqui, há pouco quando disse: “não sei se éramos a melhor empresa…” nós Continental Mabor temos força, temos infl uência para chegar junto das instituições e dizer: “agora gostaríamos de experimentar isto ou gostaríamos de ter isto”. Quando a Dr.ª Manuela Ferreira Leite, eu registei, e espero não estar a ser incorreto, falou que “a economia portuguesa é feita de pequenas e pequeniníssimas e micro empresas”, de que modo é que estas empresas, já que me sinto também envolvido, conseguem chegar ao Estado e preencher toda a documentação necessária, quando são seis para preparar tudo e não quinhentos? Eu acho que isto é um problema sério.

Quanto ao papel do Estado, existem do nosso ponto de vista, três aspetos em que tem de mudar: agilizar a legislação, diminuir a burocracia e valorizar aquilo que é feito dentro das empresas.

De que forma? Se somos empresas idóneas, então deveria haver um tratamento diferenciado. E quando eu digo isto, falo no sentido de se rever a legislação, ajustando a aplicação mandatória e cega das trinta e cinco horas anuais de formação para todos os colaboradores; adequando a formação profi ssional à realidade empresarial. Tal como aqui foi dito, se os cursos não servem, fechem-se; comunique-se aos jovens deste país: este não é o curso que devem frequentar, pois não podemos continuar a criar futuros desempregados!

Se as empresas, têm a obrigatoriedade de cumprir trinta e cinco horas por ano, na maior parte dos casos, não temos problema nenhum. Como viram, fazemos formação muito acima deste valor. No entanto, às vezes, não nos dá jeito estar a dar formação a um formador que está já próximo da sua idade de reforma. É que alguns dizem-nos: não me chateiem mais, deixem-me sossegado. Como posso eu agora levar com mais dezoito horas este ano para cumprir o meu plano de trinta e cinco

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horas? Porque a empresa corre um risco, porque tem subsídios e tem apoios do Estado? E se não cumprirmos a lei, temos um problema.

Do ponto de vista do Estado, quando se diz que o funcionário terá de ser desvinculado, porque tem falta de formação e não se adequa à empresa, acho muito bem que o Estado diga “então e o que é que vocês fi zeram nos últimos anos para lhe dar formação?”. Mas é também necessário equacionar, quando a empresa não quer de modo nenhum que ele saia, mas ele não quer ter formação, como se deve proceder? Coisas pequeninas, mas que são importantes a somar a outras muito pequeninas que nós temos: em vez de facilitar, o que é feito para proteção; muitas vezes acaba por se desproteger quem precisa de ser protegido.

Na parte de burocratização, tenho de referir que estamos a conseguir acabar um dos nossos projetos de apresentação de fi nanciamento ao Estado e, se tudo correr bem, ao fi m de dois anos devemos conseguir, dentro do prazo legal, apresentar toda a documentação necessária para benefi ciarmos da parte correspondente aos incentivos.

Se somos uma empresa que ao longo dos anos, tem cumprido todas as regras e apresentado toda a documentação dentro dos prazos, o que nós dizemos é muito simples. Penso que quase todos os senhores que estão aqui, se não todos, devem ter sido auditados. Por isso, porque não colocar em prática um sistema de fi scalização que obedeça às normas ISO? Normalmente a primeira auditoria, é uma auditoria completa, complexa, que leva tempo; depois existem umas auditorias intermédias de recertifi cação que são aligeiradas, dois, três dias. Estou certo que seria muito simples.

Se nós apresentamos um projeto com consistência e sustentabilidade, a empresa é reconhecida, pagamos todos os impostos e está tudo bem.

Por isso nas próximas candidaturas aligeirem mais os processos e quando forem fazer as auditorias façam-nas com todo o rigor e verifi quem, por amostragem, se os processos, os quinhentos quilos de papel que temos de preencher mais as vinte fotocópias de cada folha, foi feito e se estão preenchidos e guardados nos arquivos.

Por certo ajudava, talvez não tanto as empresas que têm algum arcaboiço fi nanceiro para o fazer, mas talvez pudesse ajudar as tais micro empresas, as pequenas e pequeniníssimas empresas que precisam tanto como nós, ou talvez mais, destes incentivos e que não conseguem lá chegar, porque a burocracia é de tal forma, que se sentem maltratados e desrespeitados acabando por abandonar o processo.

Se calhar algumas empresas não chegaram à luz do dia, porque morreram pelo caminho da burocracia. Valorizando, operacionalizando e articulando mais o sistema de ensino/formação empresa. Vi hoje aqui, muitas coisas interessantíssimas.

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Estive nove anos fora do país e por isso pode ser por desconhecimento, mas há vinte e cinco anos, quando me acabei de formar já se falava que os cursos tinham de ser mais práticos para que as pessoas chegassem às empresas. Vinte e cinco anos depois, continuamos a ouvir o mesmo discurso e é uma necessidade imperiosa, se queremos sobreviver... há tanta coisa bem feita em Portugal!

É fundamental que esta adaptação seja efetuada, que realmente aquilo que falamos e que se discute horas e horas apareça feito. Criando, aproveitando o sistema de qualifi cação empresarial no mesmo esquema, nas mesmas auditorias. Otimizando, transferindo o modelo das empresas para o ensino. Aproximando a teoria à prática. E estimulando a iniciativa privada em função de “Key Indicators” (peço desculpa por ter um conceito em inglês no meio do texto), de desenvolvimento das empresas para gerar emprego e investimentos com base em resultados.

Falou-se aqui em parcerias, falou-se em modelos de gestão diferentes e é uma questão muito privada do meu ponto de vista. Existe uma diferença abismal que são provavelmente, os modelos de gestão e a possibilidade de indicadores. Os indicadores são muito interessantes quando levados a sério, são públicos, são conhecidos dos funcionários, são conhecidos dos colaboradores, são conhecidos de todos e com esses indicadores é fácil medir se as coisas estão a ser bem feitas ou não.

Então se nós estamos a fazer formação, se estamos a receber subsídios, somos o maior exportador, ou somos um dos grandes exportadores, estamos a pagar impostos? Estamos. Estamos a gerar emprego? Estamos. Estamos a fazer investimento? Estamos. Então isso são os indicadores que devem ser analisados.

E de uma forma clara, o Estado deve perceber se aquele investimento que se está a fazer através de subsídios, através de menor recolha de impostos, etc., se está a ter o retorno disso, porque nós como empresários ou representantes de empresas temos como base na nossa função diária, vivermos pelos indicadores e sermos responsáveis por eles.

E o Estado podia perfeitamente criar o mesmo tipo de indicadores e avaliar como é que as empresas e a sua saúde, (principalmente as que estão a ser subsidiadas) estão a funcionar.

Muito Obrigado.

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E para encerrar a nossa sessão da manhã vamos ter agora o Sr. Director-Geral da Volkswagen Auto Europa – Eng.º Melo Pires. Engenheiro Mecânico, curiosamente começou a sua carreira profi ssional como professor do ensino secundário, depois foi para as Forças Armadas onde também se exercitou como instrutor e entrando em seguida nos quadros da Auto Europa. Tem uma larga experiência internacional, Espanha, Brasil, em diversas posições. Regressou a Portugal, onde é desde 1 de Setembro de 2010 o Director-Geral. Posso dizer que o país inteiro olha para ele todos os dias, porque vê como é que a fábrica está a andar e não digo que seja com ansiedade. É um misto de ansiedade e admiração por aquilo que ele tem feito, de maneira que é por isso que eu achei muito importante ele vir dar hoje o seu depoimento.

Moderador - Prof. Luís Valente de Oliveira

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O desafi o da formação

O atraso que Portugal tem na educação continua a ser um obstáculo ao crescimento do país. Se compararmos os valores de alfabetização de Portugal em 2012 (que rondavam os 93%) com os de um país como a Alemanha, que em 1850 já tinha 95% da população alfabetizada e que neste momento está com 99%, verifi ca-se que, este diferencial seguramente se refl etirá no potencial de desenvolvimento da nossa sociedade. Esta situação torna-se ainda mais evidente se considerarmos que o valor criado na economia e no sistema social está diretamente relacionado sobretudo com a forma como as pessoas trabalham e com a sua capacidade inovadora. Sendo certo que os passos nos últimos 40 anos têm permitido recuperar uma boa parte deste secular atraso, a situação atual não nos pode deixar satisfeitos.

Assim, é necessário não só olhar para a taxa de alfabetização, mas também para os índices de conclusão do ensino secundário e superior. Portugal tem atualmente menos de 40% de indivíduos com ensino secundário e superior completo – na União Europeia essa percentagem sobe para os 70%, chegando aos 80% na Alemanha. A ausência de alternativas de formação qualifi cada no continuum escolar português está na base deste problema, ao contrário do que sucede no sistema escolar alemão, um exemplo relevante visto que neste momento a Alemanha apresenta uma performance única na Europa em termos económicos e sociais. Isto deve-se em parte ao facto de neste pais se preencher a falha entre a formação secundária e a formação universitária com escolas superiores especializadas e escolas profi ssionais especializadas, o que permite a permeabilidade entre o sistema secundário e superior numa forma relativamente contínua.

Em Portugal, os alunos ou terminam o ensino secundário e candidatam-se ao universitário, ou terminam o seu percurso académico no 10ª ou 11º ano. Na Alemanha existe a possibilidade de, ao longo da sua vida profi ssional, as pessoas se poderem movimentar entre o mundo académico e formativo e o mundo empresarial. Na área do ensino vocacional também existem grandes diferenças entre o sistema alemão e o português. O ensino vocacional português é exclusivamente ministrado em ambiente escolar. Aquilo que se ensina, seja uma profi ssão ou tecnologia, é dado por um corpo docente que tem normalmente toda a sua experiência assente em carreira académica. Na Alemanha, o ensino vocacional desenrola-se em ambiente combinado escola/empresa e é normalmente levado a cabo por profi ssionais que conhecem bem a realidade económica e empresarial.

Neste contexto, gostaria de realçar a formação Dual, um sistema que prevê uma base teórica de estudo, com equivalência ao 12º ano, mas que tem uma componente prática muito forte que ajuda a que o aluno se integre social e culturalmente. A Volkswagen Autoeuropa, em conjunto com a Siemens, a Bosch e a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã, criou em 2007 a ATEC, uma associação fundada com o objetivo de colmatar a falha no ensino profi ssional que existia no nosso sistema de ensino através do ensino Dual. O sucesso desta aposta evidencia-se através da elevada taxa de empregabilidade dos jovens que frequentam esta instituição, que ronda os 85%. Mas o

SEGUNDA SESSÃO

FORMAÇÃO PROFISSIONALEng.º António de Melo Pires – Volkswagen Auto Europa

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mérito desta lógica de ensino e desta escola vai muito para além do facto de formar profi ssionais. Tem sido observado que alunos pouco adaptados ao contexto escolar tradicional, após serem inseridos no sistema de ensino Dual, tornam-se alunos empenhados e socialmente bem integrados.

Esta necessidade de qualifi car os recursos humanos tem-se acentuado em todas as indústrias. Se tomarmos como exemplo o sector automóvel, constatamos que o perfi l do colaborador alterou-se signifi cativamente nos últimos anos. A indústria necessita de profi ssionais qualifi cados, que tenham, por exemplo, conhecimento de redes de comunicações e de eletrónica. Qualquer profi ssional, por muito simples que seja a tarefa, tem de possuir os conhecimentos necessários para entender o contexto de produto e o processo onde se insere. Só assim se podem atingir as metas de produtividade e qualidade exigidas pelo mundo atual. Na Volkswagen Autoeuropa a aposta na qualifi cação tem vindo a produzir os seus frutos, bem espelhados nos resultados e resiliência demonstrados pela empresa. Exemplo acabado desta política bem-sucedida serão as 300 pessoas que neste momento temos espalhadas por todo o Mundo. Quando existem necessidades de apoio ao lançamento de novo produto ou a construção de uma nova fábrica da Volkswagen, os nossos colaboradores são requisitados para ajudar nesses processos. Temos colaboradores na Malásia, no Brasil, na Alemanha ou na China, entre outros países, para trabalharem durante dois, três, quatro anos e transmitir a nossa capacidade técnica. Isto é uma prova de que o nosso sistema funcionou e que os nossos recursos humanos são reconhecidos como altamente qualifi cados.

Portugal enfrenta - e enfrentará ainda - no futuro próximo enormes desafi os de carácter estrutural. As alterações demográfi cas, a falta de qualifi cação de boa parte da população ativa ou um modelo económico burocratizado e pouco ágil são parte de um processo de um mundo em mutação acelerada. Para que o sistema educativo tenha uma oferta formativa capaz de ajudar o país a encontrar soluções, é necessário que exista uma muito maior permeabilidade entre o mundo académico e o empresarial e que seja a sociedade civil a determinar as necessidades educativas e formativas, pois só assim será possível criar um modelo de desenvolvimento económico-social duradouro, assente na produtividade, na qualidade.

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Sr. Eng.º muito obrigado.

Eu, todos os anos, tenho uma grande preocupação em que haja a publicação daquilo que foi dito o mais rapidamente possível. Desta vez ainda vou ter mais, porque o que foi dito na sessão anterior e o que foi dito nesta sessão precisa de ser transferido para a sociedade muito rapidamente.

Há coisas que são muito complicadas, que é esta colocação, em primeiro lugar, de qualidades dos trabalhadores muito ligadas à personalidade, ao comportamento e à liderança. Isto remete-nos para a escola primária e antes da escola primária, numa sequência que tem de ser treinada em todo o processo educativo. Mas há coisas que se podem atalhar já!

Todos disseram, todos fi zeram sugestões, e esta última parece-me, enfi m, uma verdade insofi smável: a sociedade portuguesa não participa. Diz-se muito que as crianças são a coisa mais querida dos pais, mas os pais não ligam às crianças quando elas vão para a escola, porque não vão lá sequer saber o que se passa. As associações de pais são muito moderadamente interessadas naquilo que se passa com as suas crianças. Isso é conhecido e precisa de ser, naturalmente, muito reformulado.

A nossa sessão de trabalho, a nossa conferência de hoje, as nossas Jornadas terminam com o QREN, o Quadro de Referência Estratégico, em que recomendações que aqui foram feitas nesta sessão são indispensáveis: avaliação, fl exibilidade, participação, indicadores, análise dos indicadores, partilha dos indicadores por toda a cadeia. Toda a gente tem de saber o que é que está a fazer, mas nós detestamos, nós portugueses detestamos a avaliação, sabem disso. Quando se fala de avaliação numa escola, toda a gente fi ca a tremer e preferem, vão para o eufemismo da avaliação colectiva. Não há avaliação colectiva, há avaliação colectiva e há avaliação individual, a responsabilização. Foi aqui dito, muito, todos disseram aliás, responsabilização e uma outra coisa que é importante e que vai ser, naturalmente, transmitida naquilo que vai ser os resultados deste nosso encontro, a fl exibilização. Esta coisa que o Sr. Engº Melo Pires acaba de referir, estão a formar Engenheiros Civis quando não há Engenheiros Civis, mas eles têm Engenheiros Civis lá no quadro e, portanto, para eles é mais importante o quadro do que propriamente o produto e deveria ser o produto que deveria orientar toda a formação, adequando a formação e obrigando, naturalmente, a adaptar.

Adaptabilidade, fl exibilidade, responsabilização, foram palavras que foram ditas por todos.

Eu estou muito grato a todos em nome dos organizadores e aquilo que, em retribuição do Vosso empenhamento e do Vosso entusiasmo em transmitir coisas tão efi cazes e coisas tão urgentes, tratarei de fazer o meu trabalho de casa produzindo o relatório o mais rapidamente possível. Muito obrigado.

Moderador - Prof. Luís Valente de Oliveira

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COMUNICAÇÕES

TERCEIRA SESSÃO

TRANSFORMAÇÃO DO CONHECIMENTO EM INOVAÇÃO

Moderador: Eng.º Luís Braga da Cruz

Prof. António Cunha - Universidade do MinhoEng. º António Pereira de Oliveira – Nokia Solutions and Networks Portugal S.A

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TERCEIRA SESSÃO

TRANSFORMAÇÃO DO CONHECIMENTO EM INOVAÇÃOProf. António Cunha - Universidade do Minho

Tenho muito prazer em estar convosco e partilhar a experiência da Universidade do Minho (UMinho) no processo de valorização de conhecimento e de inovação, uma área estratégica em que a Universidade faz uma forte aposta.

Vou usar um conjunto de slides, alguns propositadamente propagandísticos, uma vez que gostaria de transmitir a mensagem de que as Empresas e as Universidades Portuguesas têm feito um caminho muito interessante nesta matéria.

No entanto, apesar de só podermos fazer uma avaliação positiva dos últimos 20 anos, a verdade é que está quase tudo por fazer nesta matéria. É um domínio onde devemos estar sempre insatisfeitos, tendo sempre presente que é pela inovação que poderemos gerar riqueza a partir do conhecimento, sendo uma das matérias-primas de mais fácil acesso.

A UMinho tem um currículo muito relevante neste domínio, incluindo: os grandes prémios 2010 e 2011, bem como vários prémios setoriais, do concurso BES Inovação; o Prémio COTEC para a valorização do conhecimento e práticas de empreendedorismo; sermos a entidade portuguesa, dos sistemas académico ou empresarial que registou mais patentes em 2012; tem uma política muito ativa e esclarecida de gestão da sua propriedade intelectual; em maio deste ano, um relatório de Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), coloca-a como a Universidade com maior centralidade na rede de distribuidores/ produtores e algumas das empresas incubadas na Universidade do Minho; fi nalmente, a nossa incubadora, SpinPark, foi recentemente visitada pelo Senhor Presidente da República, numa iniciativa para assinalar exemplos de sucesso neste domínio.

Estamos perante um caso de inegável êxito, com prémios e reconhecimentos que só nos poderiam deixar satisfeitos. No entanto, importa reconhecê-lo, o impacto que isto tudo tem no tecido económico é, ainda, relativamente baixo.

O nosso sistema, que alcançou estes reconhecimentos e estes resultados, é composto por um conjunto de entidades cujas fronteiras são difusas. Assenta na Universidade do Minho, que gera conhecimento basal de tudo isto, sendo complementado com um conjunto de outras unidades, consórcios com empresas com diferentes estatutos legais, incluindo, p.ex., o Centro Clínico Académico que é uma parceria entre a UMinho e Grupo Mello Saúde, para trabalho em investigação em contexto hospitalar e de acordo com as práticas internacionais nesse domínio. A TecMinho tem grande centralidade em todo o processo, assegurando a gestão do conhecimento e a

promoção do empreendedorismo. No fi nal da cadeia estão as incubadoras, com cerca de 80 empresas, algumas das quais, bem conhecidas a nível nacional.

Neste contexto, importa reiterar a importância da Universidade que, nas suas diferentes formas de concretização, tem de ser a entidade basal a partir da qual se gera conhecimento. Se esse conhecimento for de qualidade, alimentará os desejados projetos de inovação e de valorização do

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conhecimento, caso contrário todo o processo estará comprometido. De facto, a Universidade tem uma centralidade absoluta neste domínio.

Falemos então de uma Universidade concreta, a UMinho.

Nasceu há 40 anos, começando a funcionar em 1974. O seu brasão de armas inclui três jacintos que representam a humildade. De acordo com a mitologia grega, o jacinto é a fl or bonita que cresce em terreno difícil. De facto, fomos capazes de crescer num terreno difícil.

Somos uma comunidade com 23.000 pessoas. Uma massa crítica que pode e deve ser alargada em função dos desafi os que pretendemos ultrapassar e que os tempos atuais colocam. Para isso, será necessário uma melhor articulação entre as instituições de ensino superior portuguesas, mais coerente e com maior cumplicidade.

A Universidade está nas cidades de Braga e Guimarães, bem como no Parque de Ciência e Tecnologia das Taipas, onde está centrada parte da sua atividade de investigação. Inclui 11 Escolas, em quase todas as áreas do conhecimento. As Escolas de Ciências e de Engenharia correspondem a cerca de 50% da Universidade, evidenciando o peso da tecnologia. No entanto, as Escolas de Ciências da Saúde e Economia e Gestão têm crescido signifi cativamente nos últimos anos.

Na UMinho, o ensino é consubstanciado num número muito alargado de cursos de licenciatura, mestrado integrado, mestrado e doutoramento, num portfólio que foi alvo de uma profunda reestruturação no âmbito da reforma de Bolonha.

Não há boas Universidades sem boa investigação, que têm de alicerçar um ensino diferenciado e de grande qualidade.

A investigação exige recursos humanos qualifi cados, nomeadamente com formação doutoral. A UMinho tem cerca de 2.000 doutorandos, cujos programas devem ser crescentemente articulados com o tecido produtivo. Este é um caminho que importa trabalhar e construir.

A investigação faz-se em centros, cujo enquadramento pela FCT está em fase de grande mudança. A exigência é essencial, independentemente da sua natureza mais aplicada ou fundamental. O trabalho de investigação sem qualidade, nunca levará a nada.

A terceira dimensão corresponde à interação com a sociedade e consequente valorização do conhecimento, com o tecido económico-produtivo, bem como no domínio cultural.

Um dos projetos de investigação aplicada mais conhecidos, desenvolvidos pela nossa participada PIEP, é a botija de gás pluma. Foi um trabalho entre várias empresas nomeadamente a Amtrol-Alfa e GALP, e as Universidades do Minho e do Porto. É um caso exemplar, desenvolvido há 5 anos. Todo o projeto foi consumado em 24 meses, desde a ideia ao produto fi nal, sendo um sucesso em Portugal

Terceira Sessão | Transformação do Conhecimento em Inovação - Prof. António Cunha

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e na Europa. Atualmente, em Guimarães, fabricam-se mais de 3.000 destas botijas, por dia. Foi um projeto muito bem gerido porque a competência existia, o parceiro industrial sabia o que queria, os recursos materiais aparecem e o sucesso aconteceu.

A Spinpark é uma das incubadoras da UMinho, com cerca de 50 empresas onde trabalham mais de 500 pessoas. Esta realidade traduz uma mudança de cultura e de posicionamento neste domínio que se foi alastrando a outros setores da Universidade.

A própria Associação Académica tem um gabinete de promoção ao empreendedorismo, que trabalha sobretudo com estudantes dos primeiros anos dos cursos licenciatura e mestrado integrado. São projetos simples mas muito importantes. Alguns atingiram já grande visibilidade, por exemplo, a empresa Yearbox, que produz vestuário com altifalantes integrados que podem ser ligados a telemóveis.

Este ecossistema de inovação pode ser usado quer pelas empresas que estão no universo da Universidade, bem como pelas que trabalham connosco de modo estruturado e próximo. Também existem empresas externas ao sistema que com ele interagem pontualmente.

Há três requisitos essenciais a esta dinâmica, cujo funcionamento é essencial ao nosso futuro: investigação de base tem de ser de absoluta qualidade (só conhecimento bom conseguirá ser valorizado); recursos humanos bem formados e com uma cultura adequada a percorrer este caminho de ligação com o tecido empresarial; confi ança entre investigadores e fi nanciadores, assegurando o envolvimento destes últimos desde os estágios iniciais de cada projeto.

Como referido, achamos muito positivo este percurso. Felizmente é uma realidade que tem paralelo em outras universidades portuguesas e da Região Norte, como é o caso do ecossistema de inovação da UPorto. Contudo, estas experiências continuam à procura de mecanismos mais efetivos de envolvimento de investidores, nomeadamente de investidores com experiências nos setores alvo de projeto, capazes de aportar capital e estratégia comercial nas fases iniciais do projeto.

Uma das referências mundiais neste domínio, o MIT, resolve esta questão de uma forma muito hábil, uma vez que os primeiros investidores de cada projeto são, frequentemente, professores, ou professores reformados. Deste modo, assegurar-se-á que o investimento inicial é garantido por pessoas capazes de percecionarem o potencial da solução tecnológica em causa. O contacto posterior com entidades fi nanceiras fi ca, deste modo, muito facilitado face à evidência destas apostas.

A UMinho tem um sistema de garantia aprovada pela A3ES. Está no top 100 mundial das universidades jovens (com menos de 50 anos) e no top 400 de um dos mais importantes rankings internacionais – Times Higher Education. A UMinho e a UPorto são as únicas universidades portuguesas a integrar este importante ranking, o que deverá orgulhar esta Região.

TERCEIRA SESSÃO

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TERCEIRA SESSÃO

TRANSFORMAÇÃO DO CONHECIMENTO EM INOVAÇÃOEng.º António Pereira de Oliveira – Nokia Solutions and Networks Portugal S.A

A Nokia Solutions and Network (NSN) atua na área das telecomunicações sendo a empresa especialista mundial em redes de banda larga móvel. Com sede em Espoo, Finlândia, operamos em mais de 120 países. A NSN Portugal dá emprego atualmente a cerca de 2000 colaboradores, 95% dos quais em Lisboa e um polo de inovação em Aveiro, intramuros com a Universidade de Aveiro.

Criar conhecimento não se restringe apenas a um momento da vida das pessoas que constituem uma empresa. Manter esse processo de criação de conhecimento é para nós um aspecto fundamental e é essa já longa experiência que gostaríamos de partilhar.

De acordo com um relatório sobre Inovação emitido regularmente pela EU, existem vários grupos de países em função da sua performance de inovação: o primeiro grupo dos países considerados como líderes na inovação, um outro conjunto de países que são considerados como os forwards, e depois o grupo com menor performance, onde Portugal se insere, mas que tem tido ao longo dos últimos anos um papel mais preponderante. Por fi m aqueles que são considerados pela União Europeia como modestos e que pelos seus indicadores, estarão na cauda do ranking nos indicadores de performance em inovação.

Construir conhecimento, começa desde muito cedo. Os países na União Europeia têm de facto uma performance muito diferente na forma de atrair e reter os recursos humanos para níveis de educação adequados ao desenvolvimento da sociedade. Numa perspectiva empresarial é preocupante e acabamos por sofrer isso com algum atraso: a elevada taxa de abandono escolar antes da entrada no nível universitário. Ainda de acordo com o relatório referido, os países integrantes dos grupos líderes e forwards, têm como é obvio uma performance superior em matéria de inovação e para aquilo que é relevante para a nossa área de actuação, na capacidade de captação dos recursos de base da ciência e da engenharia. No ano passado a NSN Portugal teve um crescimento muito acelerado através da criação do Centro Internacional de Engenharia em Portugal, um dos dois únicos da NSN existentes no mundo, sendo estratégico para operadores na Europa, América Latina e África. Ocupa uma área de 4000 metros quadrados, estando equipado com a mais recente tecnologia e dispondo de uma força de trabalho de 1500 especialistas em telecomunicações. Praticamente todos oriundos das áreas das engenharias e formados no sistema de ensino nacional, asseguram uma operação que a partir de Lisboa gere mais de 50 milhões de utilizadores fi nais e serve cerca de 350 clientes em cerca de 50 países.

O nosso diálogo com as Universidades tem vindo a intensifi car-se durante os últimos anos. Existe um alinhamento muito maior entre as necessidades do sector empresarial e as valências e valor que o meio universitário pode trazer para o desenvolvimento dos mercados de modo a capacitar esses recursos e a permitir que a sua transição para o mercado de trabalho seja muito mais facilitada.

Isto refl ecte-se na disponibilidade de recursos formados com capacidade para gerar valor na transformação do conhecimento adquirido, na capacidade das empresas em colocar no mercado,

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Terceira Sessão | Transformação do Conhecimento em Inovação - Eng. º António Pereira de Oliveira

produtos e soluções, não só a custo adequado mas, resultantes da capacidade de inovação desses recursos.

A NSN Portugal tem uma relação muito estreita com organismos na esfera do eco-sistema de inovação nacional. Constatamos que há um desenvolvimento muito positivo, no que diz respeito à capacidade de resposta para adequar o mercado laboral com os recursos técnicos adequados o que, não fosse esse o caso, não teria sido possível ter o crescimento já referido.

A NSN Portugal tem também um grupo de cerca de 250 engenheiros em exclusivo a fazer investigação de base em redes móveis de banda larga.

Temos desenvolvido em Portugal, projectos em parceria com as Universidades, alguns deles já com mais de 10 anos, em que a colaboração é perfeitamente identifi cada (nomeadamente quais os projectos concretos, as responsabilidades de ambas as partes) permitindo a ambos os parceiros aceder a conhecimento específi co e potenciá-lo com o objectivo da sua transformação em valor.

Portugal está perfeitamente posicionado na linha da frente daqueles que são considerados os inovadores moderados. Verifi ca-se que desde o lançamento da estratégia Europa 2020, de acordo com os objectivos que foram estabelecidos em Barcelona, há países que tiveram um progresso bastante mais signifi cativo, Portugal contudo não foi um deles. Portugal, segundo os indicadores, revela ainda problemas ao nível dos recursos humanos e ao nível da capacidade de introduzir inovação. Hoje em dia inovação não signifi ca apenas inovar em novos produtos e novos processos e as empresas Portuguesas, nomeadamente as Pequenas e Médias Empresas têm demonstrado fazê-lo bem, cada vez mais são capazes de inovar em áreas como, novos canais de distribuição, novas estratégias de marketing, novos modelos organizacionais, e isso tem-se demonstrado fundamental naquelas que têm evoluído do espaço nacional para uma presença a nível internacional nos mercados mais competitivos.

Verifi ca-se que a Europa tem conseguido fazer um catch up em relação aquilo que foi a performance quer dos Estados Unidos, quer do Japão. Portugal, estando dentro da União Europeia e interagindo com países com quem consegue articular estratégias a nível empresarial, tem claras vantagens em tirar partido deste contexto para que o sector económico continue a demonstrar capacidade de gerar valor, não apenas nas áreas dos serviços, mas também nos sectores económicos associadados à produção de bens tangíveis.

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COMUNICAÇÕES

QUARTA SESSÃO

O QUE É PRECISO FAZER PARA TERMOS MELHOR ESTADO

Moderador: Eng.º Vergilio Folhadela Moreira

Dr. Luís Pais Antunes – Plmj Sociedade de AdvogadosDr. António Lobo Xavier – Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva E Associados

Prof. Paulo Trigo Pereira – Iseg

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Boa tarde. Vamos dar início à última sessão antes do encerramento, que tem como título “O que é preciso fazer para termos melhor Estado?”

Bem, acho que a resposta já nos foi dada hoje de manhã, sem menosprezar os contributos que antecipo positivos e esclarecedores que agora vamos ter. Houve quem dissesse que precisávamos de ser mais interventivos. Eventualmente, se fossemos mais interventivos como sociedade, talvez o Estado funcionasse melhor. Muitas vezes não o seremos por comodismo ou por falta de coragem para afrontar situações tidas por “indiscutíveis” e que, muitas vezes, não o serão. E, naturalmente, mais algumas ideias sobre estes assuntos surgirão durante este último painel.

Também de manhã foi afi rmado que as empresas são os maiores obreiros do desenvolvimento, o que poderá não ser contraditório em relação ao que agora vamos tratar.

Mas se as empresas são os maiores obreiros do desenvolvimento, uma pergunta se impõe: então qual é o papel do Estado? Ou até se o Estado tem algum papel? Parece-me que será pacífi co aceitar que o Estado tem o seu papel. Não necessariamente o papel que tem vindo a desempenhar o nosso Estado. E esse papel, basicamente, será criar condições para que as atividades se desenvolvam de uma forma fl uida e razoável, desbloqueando os bloqueios que o próprio Estado cria ou que a sociedade se encarrega de criar e eliminando os constrangimentos que vão aparecendo, que são do conhecimento geral e já foram hoje aqui referidos.

Salientaria três bloqueamentos sistemáticos que impedem o Estado de funcionar bem: o sistema de justiça, a carga burocrática e a volatilidade da regulamentação, designadamente da regulamentação e da legislação fi scais.

Também hoje de manhã foi referido que Portugal estará entre os países mais litigantes do mundo. E se estamos entre os mais litigantes, atrevo-me a perguntar: “E não será, eventualmente, por termos leis a mais e leis más?”

É uma pergunta que, desde já, também deixo à consideração.

O que está previsto no programa é começarmos com o contributo do Dr. Luís Pais Antunes. Tem formação em Direito pela Universidade de Coimbra, onde é professor, e é professor também na Universidade Católica, aqui no Porto. A área de atuação que tem privilegiado são os setores de telecomunicações e tecnologias de informação, mas também se dedicou a assuntos de comércio internacional e segurança social. Foi membro do Comité de Direito e Política da Concorrência da OCDE, foi duas vezes Secretário de Estado do Trabalho e foi deputado. É uma personalidade bem conhecida, com obra publicada e que, basicamente, se tem preocupado a tentar perceber como é que uma sociedade poderá ser mais concorrencial e funcionar melhor.

O QUE É PRECISO FAZER PARA TERMOS MELHOR ESTADO

QUARTA SESSÃO

Moderador - Eng.º Vergilio Folhadela Moreira

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QUARTA SESSÃO

Muito obrigado. Eu queria começar por felicitar a AEP por estas jornadas e agradecer o convite que me foi feito e que muito me honra. Devo dizer que quando o Prof. Valente de Oliveira me falou, há cerca de dois meses, eu respondi imediatamente que sim. Aos amigos e às pessoas pelas quais temos admiração e respeito, diz-se sempre que sim… Só pouco tempo depois verifi quei qual era o tema, que não é fácil e sobre o qual irei dizer algumas coisas que certamente não serão consensuais.

Por outro lado, vir ao Porto é sempre um prazer e vir à Fundação de Serralves é-o também, por maioria de razão. Quis ainda a coincidência que hoje estivesse um verdadeiro dia de verão. Uma das poucas coisas que nós não temos de negociar com a Troika é a meteorologia. No dia em que tivermos de o fazer, vamos pagar certamente um preço elevado. Felizmente não é esse o caso…

Entrando no tema, confesso-vos que comecei por preparar um powerpoint, tendo rapidamente percebido que iria chegar àquele ponto tão bem ilustrado na apresentação feita há pouco pelo Magnífi co Reitor da Universidade do Minho. Refi ro-me concretamente ao slide que tinha muitos traços, muitas bolas vermelhas e azuis e que – pegando nas suas palavras – tinha demasiada informação para ser perceptível…

Falar sobre o Estado, sobre aquilo que nós queremos do Estado e como podemos ter melhor Estado, iria dar sempre esse resultado em termos de apresentação gráfi ca. Optei, assim, por não concluir a elaboração desse powerpoint, preferindo partilhar convosco algumas ideias para discussão.

Todos nós temos ideias sobre aquilo que devia funcionar melhor no Estado. Posso gabar-me (embora o exercício de funções públicas seja cada vez menos curriculum e cada vez mais cadastro…) de ter dedicado mais de quinze anos da minha vida activa ao exercício de funções públicas, no governo, como director-geral na administração pública ou mesmo a nível internacional. Conheço relativamente bem a “máquina”, por dentro e por fora, com os seus defeitos e virtudes, que também existem, pese embora estas sejam hoje bem menos reconhecidas.

O que é que podemos ou devemos fazer para ter um melhor Estado?

Para responder a essa questão, a primeira barreira que temos de ultrapassar é saber o que queremos nós do Estado. E aí, infelizmente, começam as difi culdades: queremos tudo e o seu contrário. Queremos um Estado omnipresente, mas também um Estado mínimo. Queremos um Estado regulador e polícia, mas simultaneamente laxista nalgumas coisas. Queremos um Estado prestador de serviços, mas também queremos que não o faça quando descobrimos que isso nos sai caro. Queremos um Estado promotor, mas também queremos vê-lo “pelas costas” em muitas situações...

Eu diria que o primeiro grande problema que temos é o de não sabermos muito bem – e um pouco do que foi dito aqui hoje de manhã confi rma-o – o que queremos do Estado. Não é um problema especifi camente Português; eu diria que é uma difi culdade comum à generalidade das civilizações ocidentais e, em particular, dos países europeus. Nós não discutimos o Estado, não discutimos as

O QUE É PRECISO FAZER PARA TERMOS MELHOR ESTADODr. Luís Pais Antunes – PLMJ Sociedade de Advogados

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funções do Estado e por mais que se fale na sua reforma, pouco ou nada fazemos para a discutir de uma forma séria.

O primeiro passo que devíamos dar para ter melhor Estado era discuti-lo. Discuti-lo séria e aprofundadamente. O que queremos nós do Estado? Que funções queremos nós que ele desempenhe? Sendo certo que não podemos querer tudo e o seu contrário, importa desde logo saber se devemos ter uma visão horizontal do Estado, ou devemos ter uma visão segmentada. Na verdade, não é necessariamente incompatível querermos ter um Estado omnipresente e um Estado ausente, um Estado regulador ou um Estado interventor, se soubermos segmentar as diferentes áreas de intervenção e defi nirmos princípios claros. Já voltarei a esta questão.

A segunda consideração que eu gostaria de partilhar tem a ver com o facto de, no actual contexto (e não estou a falar do actual contexto político, partidário e governativo; refi ro-me sim ao actual patamar de evolução das sociedades modernas e da sociedade europeia em particular), não podemos ter a ilusão de que o Estado se reforma sem um amplo consenso político e social. No caso Português – mas vale também para muitos dos nossos parceiros – isso implica introduzir no contrato social que nos rege algumas alterações importantes. Não vamos conseguir reformar o Estado, de forma a torná-lo melhor para todos, sem introduzir alterações mais ou menos cirúrgicas na Constituição. Nós temos uma Constituição grande e pormenorizada. Não temos de fazer uma revolução para virar do avesso a organização do nosso sistema político-constitucional. Mas na segunda década do século XXI não podemos continuar a reger-nos por um conjunto de princípios e regras estabilizados, muitas vezes com excessivo detalhe, há muitas décadas. Mesmo os mais acérrimos defensores do actual quadro constitucional reconhecerão que o mundo de 2013 pouco ou nada tem a ver, em Portugal ou fora dele, com o mundo da década de 70 do século passado.

Se nós não soubermos criar esse consenso político e social e desfazer o tabu da revisão constitucional ou da reforma do contrato social, difi cilmente conseguiremos encontrar uma solução para as funções do Estado e ter um Estado que sirva melhor os interesses dos cidadãos.

Não estamos a falar apenas daquelas questões que, mês sim, mês não, vão sendo objecto do crivo do Tribunal Constitucional, à luz da Constituição que temos. Estamos a falar da concepção do próprio sistema e de algo que vai para além das políticas específi cas de uma determinada área. Nós continuamos a viver, de certa forma, na pré-história da organização político-administrativa. Não vale a pena ter ilusões de que o Estado se reforma se mantivermos a actual estrutura de poder local, de quase ausência de poder regional, e de um poder central que continua tentacular.

Façamos agora uma pequena marcha atrás para voltar à primeira ideia que partilhei convosco e aprofundá-la um pouco mais.

Quarta Sessão | O Que é preciso fazer para termos melhor Estado - Dr. Luís Pais Antunes

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Sublinhando desde já que tenho mais dúvidas do que certezas em muitas matérias, permiti-me identifi car seis áreas ou seis palavras-chave que nós associamos ou tendemos a associar ao Estado: o Estado omnipresente, o Estado fi nanciador, o Estado prestador, o Estado regulador, o Estado promotor e o Estado centro de conhecimentos.

À partida, nós queremos tudo isto do Estado, dependendo das circunstâncias, e somos pouco críticos – ou relativamente acríticos – sobre a forma como devemos distribuir os recursos pelas diferentes “gavetas”. Julgo que existe um relativo consenso sobre os sectores em que o Estado deve ser omnipresente, que coincidem, no essencial, com as denominadas funções de soberania: segurança interna, defesa, administração da justiça (embora aqui deva haver também espaço para mecanismos alternativos de composição ou resolução de litígios). Com maior ou menor difi culdade, conseguimos encher facilmente a primeira gaveta. Pode haver algumas dúvidas aqui ou ali se não existirá espaço para mais alguma coisa, mas globalmente não há divergências fundamentais.

O problema começa a tornar-se bastante mais complicado quando chegamos à segunda gaveta que é a do Estado fi nanciador. Eu diria que cada português – e isso poderá valer também para cada espanhol, francês, italiano, grego ou outros – quer que o Estado fi nancie tudo, de preferência a 100%, quando não mesmo a 110%... Isso conduz-nos necessariamente à discussão sobre os actuais níveis de tributação. Se há ponto que hoje em dia é consensual, inclusive para o FMI, é o de que o nosso nível de tributação já atingiu – ou ultrapassou mesmo – os limites. Se não fi zermos marcha atrás em matéria de tributação, arriscamo-nos a condicionar defi nitivamente o crescimento da economia e a entrar numa espiral – que não chamaria de recessiva, para evitar qualquer conotação – que nos levará a ”correr atrás do prejuízo” e a fi carmos, em cada dia que passa, um pouco mais pobres e em piores condições de resolver os nossos problemas.

Como é que podemos resolver a equação fi nanciamento VS tributação? Temos de saber fazer escolhas. Não podemos querer que o Estado continue a fi nanciar tudo aquilo de que gostaríamos, o que nos obriga a defi nir prioridades. Exercício que, reconheço, é de uma enorme difi culdade. Sobretudo, não vejo, pelo menos nos tempos mais próximos, forma de conseguir criar um consenso político e social à volta disso.

Considero que existem quatro áreas em que o papel do Estado em matéria de fi nanciamento é fundamental: saúde, educação, seguro social e a inovação/qualifi cação (que julgo devermos distinguir da educação stricto sensu). Admito que começamos a entrar aqui em terrenos algo “pantanosos”, não tanto por causa da questão do fi nanciamento em si, mas pela interligação com a “gaveta” seguinte, que é a do Estado prestador.

QUARTA SESSÃO

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Queremos nós, em particular nessas áreas, que o Estado fi nanciador utilize o dinheiro dos nossos impostos, não apenas para fi nanciar mas também para ser ele o prestador dos serviços? Sei que essa é uma matéria cuja discussão nos poderia ocupar “dias a fi o”. A única certeza que tenho é a de que, se mantivermos o sistema de fi nanciamento e prestação como o conhecemos hoje em dia, iremos ter cada vez menos fi nanciamento e/ou menor qualidade na prestação de serviços. Como não me parece que essa seja uma opção desejável, há que saber responder à pergunta: o Estado deve estar mais presente na prestação de serviços de saúde ou na prestação de serviços de educação? Peguemos num exemplo da minha área de actividade, o Direito. Justifi ca-se que o Estado tenha duas Faculdades de Direito públicas em Lisboa? Justifi ca-se que o Estado tenha várias Faculdades de Direito espalhadas pelo País, em que, além de fi nanciar, presta o serviço?

Independentemente da resposta – existem argumentos válidos nos dois sentidos – temos de ter consciência que a opção implica ter mais ou menos dinheiro para outras funções do Estado, que podem ser mais importantes.

Este exercício carece, naturalmente, de uma análise mais fi na, que permita identifi car quais as situações em que se pode/deve manter o fi nanciamento – e a que nível – e quais delas exigem uma intervenção directa do Estado no papel de prestador.

Pessoalmente, considero que há duas áreas em que o Estado deve ter um maior envolvimento. Refi ro-me à saúde e ao seguro social. Não quero com isso dizer que o Estado se deva demitir das suas funções na educação, sobretudo ao nível do ensino básico e secundário. Mas veria com melhores olhos que, parte dos recursos dos impostos que são gastos na “máquina do ensino” fossem canalizados para a inovação e para a qualifi cação de topo. Reitero que admito serem tão ou mais legítimas outras opções. O que não podemos é continuar a querer todas ao mesmo tempo, sob pena de termos respostas insufi cientes para a generalidade das necessidades a satisfazer…

Uma palavra, também, sobre a questão do seguro social. Quando falo em seguro social, refi ro-me, globalmente, ao universo da segurança social, incluindo prestações de velhice, de doença, de desemprego, mas também o universo de atribuições dos serviços públicos do emprego e formação profi ssional. Trata-se de uma área fundamental, mas que exige uma reforma séria e sustentada.

Permitam-me aqui um parêntese. Devo dizer-vos que uma das coisas que me interpelou, quando iniciei funções governativas em 2002, foi descobrir – confesso que o ignorava por completo – que o serviço público de emprego e formação profi ssional era um gigantesco “petroleiro” com milhares de tripulantes. Sinceramente, eu acho que não se justifi ca termos um serviço público de emprego e formação profi ssional com uma tal dimensão. É certo que a situação melhorou entretanto desse ponto de vista, mas há que reconhecer que grande parte das melhorias tem sido fruto de reformas ditadas pela força das circunstâncias, de forma pouco estruturada e defi cientemente preparadas...

Quarta Sessão | O Que é preciso fazer para termos melhor Estado - Dr. Luís Pais Antunes

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A função do Estado como fi nanciador/prestador no sistema de pensões faz todo o sentido. Resta saber, contudo, como é que se consegue sustentar um sistema que – como já todos perceberam – já só sobrevive se todos os anos lhe cortarmos uma fatia. Por muito que a parte de cima do “bolo” continue lá, se ano após ano lhe cortarmos uma fatia por baixo, qualquer dia já só temos mesmo a cobertura… Estamos a aproximar-nos rapidamente dessa situação, bastante mais rapidamente do que alguns – que ainda há bem pouco tempo defendiam que tínhamos um sistema sustentável até 2040 – antecipavam.

Não querendo ser pessimista, duvido muito que o sistema aguentasse até 2015 se não tivessem já ocorrido todos os cortes que conhecemos. Duvido, aliás, que o sistema seja ainda sustentável em 2025 se, entretanto, não existirem novos cortes. Convém não esquecer que a perspectiva da última grande reforma da segurança social, que augurava a sustentabilidade até 2040, previa que o crescimento médio anual da nossa economia seria da ordem dos 2,5% em média por ano. Passados quase 10 anos, não só não crescemos 2,5% ao ano, como não crescemos, ponto fi nal... Bastará analisar as projecções então feitas para vermos quão longe estamos dessa pretensa realidade…

Serei muito curto sobre o “Estado regulador” (embora o tema justifi que particular atenção). A função de regulação do Estado é tanto mais importante quanto menos o Estado for prestador. Nas últimas décadas o Estado “saiu” – e bem – total ou parcialmente, de muitos sectores enquanto “agente de mercado”. Ao abrir esses sectores à concorrência, o Estado passou a ter um papel fundamental na defi nição das “regras do jogo” e no controlo da sua aplicação. Desenvolveu-se uma espécie de administração pública “de primeira”, melhor remunerada e dotada de mais meios. Embora nem sempre se possa dizer que os resultados tenham correspondido às expectativas geradas, de forma geral a evolução foi moderadamente positiva. Os sinais mais recentes não são, contudo, animadores. As ondas de choque provocadas pelas medidas restritivas adoptadas na administração pública começam a afectar a qualidade da regulação. Esta é certamente uma das áreas a que a reforma do Estado deve prestar particular atenção, sob pena de as vantagens, para os consumidores, geradas pela abertura de determinados sectores à concorrência poderem rapidamente desaparecer em resultado da ausência de uma regulação efectiva.

Passemos à área do Estado promotor. Identifi co dois sectores em que o Estado deve desempenhar um papel de promoção importante, que não passa pelo fi nanciamento da actividade propriamente dita e/ou a prestação de serviços. Refi ro-me à cultura e ao turismo. Admito que o fi nanciamento possa ser necessário ainda durante algum tempo, mas esse fi nanciamento deve limitar-se à criação das condições para que os agentes do mercado possam criar, desenvolver, oferecer. Levantando barreiras inúteis ao exercício da actividade e investindo na formação, por exemplo. Mas não com máquinas administrativas mais ou menos pesadas, que consomem recursos que poderiam e deveriam ser melhor utilizados.

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Se é verdade que temos uma administração pública demasiado grande, em termos quantitativos, e excessivamente cara para aquilo que os nossos meios permitem, temos de saber lidar com essa realidade e reformá-la. Mas o caminho não pode ser aquele que tem sido seguido por sucessivos governos que praticamente se têm limitado a cortar salários e despesas de funcionamento, raramente mexendo na afectação dos recursos humanos ou defi nindo prioridades.

Esta refl exão permite-me fazer o salto para a última gaveta que é a do Estado centro de conhecimentos. O caminho que tem sido seguido é um caminho, diria, quase devastador. Neste momento, temos uma administração pública híper-desmotivada, com algumas excepções, certamente, em que os quadros mais qualifi cados só não saem quando não conseguem, porque já perceberam, ao longo dos últimos 5 anos, que o próximo passo será mais um corte de 5% ou 10%.

O Estado, neste momento, é cada vez menos capaz de ser o tal centro de conhecimentos. Muitos dos departamentos públicos estão subequipados em termos de recursos humanos e outros instrumentos fundamentais para o exercício das respectivas funções. O resultado é um acumular de estruturas que, apesar de todos os cortes, custam ao erário público milhões de euros por ano, mas que, de cada vez que é preciso fazer um trabalho de concepção ou planeamento, se veem obrigadas a recorrer ao mercado das Universidade ou dos consultores, porque os conhecimentos já não estão lá. Multiplicam-se as “conchas vazias” em que as poucas pessoas com qualidade e capacidade estão completamente desmotivados.

Na prática, estamos a duplicar despesas, ao manter estruturas administrativas incapazes de dar o output que se lhes pede e ao subcontratar a entidades alegadamente mais capazes a produção do trabalho que justifi cou a criação das primeiras. Esta última “gaveta”, sendo aparentemente uma das que menos se fala, é talvez aquela que, do ponto de vista imediato, carece de uma intervenção mais urgente. Nós temos de saber resolver o problema do Estado enquanto centro de gestão/produção de conhecimento. Não vou dizer que não haja, no universo público, centros de excelência. Há vários e alguns deles já passaram por hoje por este auditório. Mas, de uma forma geral, o Estado está cada vez mais reduzido a um universo de pessoas desmotivadas, absolutamente incapazes de sair desta teia que se foi gerando.

Termino, respondendo directamente à questão que foi colocada pelo moderador. Somos demasiado litigantes? Teremos nós demasiadas leis? Teremos más leis?

Temos provavelmente demasiadas leis. Nós em Portugal e a generalidade dos nossos parceiros. Infelizmente, eu diria que esse é o menor dos problemas. O problema está sobretudo na (não) aplicação das leis que sucessivamente vamos adoptando. Como frequentemente a lei não é respeitada, achamos que o problema está na lei (o que muitas vezes é verdade, aliás). Mas raramente paramos para perceber a causa do incumprimento ou da defi ciente aplicação da lei. Com a crescente pressão dos media que existe hoje em dia, a “solução” mais fácil é fazer-se uma nova lei, tão rápido

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quanto possível. Invariavelmente, daí não pode sair um bom resultado. Pode haver excepções, é claro. Mas são poucas. Daí estarmos constantemente a alterar o regime jurídico aplicável...

Muito obrigado e peço desculpa de ter abusado da vossa paciência.

Vamos fazer uma pequena alteração, pelo que o próximo interveniente será o Prof. Paulo Trigo Pereira, que é professor no ISEG, onde se licenciou. Tem sido professor visitante em vários outros lugares: Universidade de Amesterdão, Universidade de Nova Iorque, na London School of Economics and Political Science e na Universidade de Leicester, entre outras. Tem muita obra publicada: começou com papers, depois capítulos de livros e, ultimamente, livros em que trata basicamente de economia e fi nanças públicas. Tornou-se uma fi gura familiar com os seus aparecimentos na televisão como comentador muito crítico e muito pragmático nas suas apreciações, o que julgo que será a orientação que, naturalmente, vai seguir na intervenção que hoje aqui fará.

Moderador - Eng.º Vergilio Folhadela Moreira

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O QUE É PRECISO FAZER PARA TERMOS MELHOR ESTADOProf. Paulo Trigo Pereira – ISEG

Boa tarde a todas e a todos. Queria saudar, antes de mais, o Presidente do Conselho de Administração da Fundação A.E.P. - Dr. Paulo Nunes de Almeida, o Presidente do Conselho de Administração da Fundação de Serralves – Engº Luís Braga da Cruz, o Prof. Valente de Oliveira, que me convidou para estar aqui presente. Desejo ainda saudar os meus colegas de painel e toda a assistência que se dignou vir aqui hoje.

O Engº Valente de Oliveira convidou-me, pensando que teria alguma coisa útil para dizer aqui hoje, e espero corresponder a esse amável desafi o. O tópico desta sessão é, como sabem: “O que é preciso fazer para termos melhor Estado?”. É um tema apaixonante e que mereceria uma longa exposição, mas como só disponho de vinte minutos, serei selectivo e abordarei quatro temas. Primeiro, o que considero ser um bom Estado a partir da identifi cação das suas funções; segundo, tentarei responder à questão de saber porque é que estamos a ter um Estado cada vez pior. Em terceiro lugar, identifi carei algumas medidas transversais para melhorar o Estado e fi nalmente avançarei com umas notas fi nais sobre a questão da sustentabilidade e da continuidade das políticas públicas. No fundo como é que nós conseguimos, que é um dos nossos grandes problemas, dar alguma continuidade a qualquer tipo de reforma.

1- O que é um bom Estado e quais as suas funções?

Antes de se responder à questão do que é um bom Estado é preciso ter algum entendimento sobre quais as suas funções. Ao contrário do que algumas pessoas defendem considero que não há que redefi nir as funções do Estado. As funções do Estado são as mesmas em todo o lado do Mundo, ensinam-se da mesma maneira em todos os manuais de economia e fi nanças públicas.4 Elas têm origem na conhecida e clássica defi nição tripartida de Richard Musgrave, que distingue entre a função afectação, redistribuição e estabilização. A função afectação é assegurar a provisão de bens e serviços públicos (infraestruturas, defesa nacional, segurança, justiça) sem os quais os mercados não se desenvolvem. Inclui-se também a regulação económica no sentido de promover a concorrência ou de lidar com externalidades negativas (ex. poluição) ou positivas. Redistribuição é a promoção da justiça social que se faz através de dois tipos de estratégias e três tipos de instrumentos: redistribuição de rendimento (através da fi scalidade e do sistema de segurança social) e assegurar a não exclusão social a bens de mérito (educação e saúde) para promover a igualdade de oportunidades. Estas são duas funções microeconómicas e depois temos uma terceira função macroeconómica que é o uso da política orçamental no âmbito da função estabilização, isto é alisando os ciclos económicos (evitando recessões profundas, ou um crescimento infl acionista). Isto é assim há muitos anos e vai continuar a ser assim. Portanto, a questão relevante não são as funções do Estado, mas o âmbito com que estas funções são exercidas e as tarefas que são desempenhadas pelo Estado ou por outros sectores, nomeadamente pelas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) ou por empresas privadas. Se estas são as funções do Estado, quer dizer que o Estado deverá ser o fi nanciador, para garantir igualdade de oportunidades e evitar a exclusão, mas não necessariamente o prestador. Se elas forem desorçamentadas5 mesmo 4 Ver entre outros, Pereira, P. et al. (2012) Economia e Finanças Públicas, ou os manuais de Musgrave e Musgrave; de Stiglitz, J.; de Rosen, H.; de Brown e Jackson entre muitos outros.5 A desorçamentação é a prestação de um serviço por uma unidade institucional fora do perímetro das administrações públicas, isto é do Orçamento do Estado, ou dos orçamentos Regionais, de uma das administrações regionais ou dos orçamentos das administrações Locais.

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mantendo-se públicas, ou passadas para o sector não lucrativo ou para o sector privado, o Estado tem de pagar sempre a factura. Isso acontece hoje nos hospitais, na área da saúde, acontece hoje nas IPSS, na área da segurança social, em que a maioria dos lares de idosos são geridos por IPSS, mas o Estado paga. Portanto, a questão relevante é a das tarefas que devem directamente ser desempenhadas pelo Estado, e as que devem ser prestadas por outras instituições. Este é um tópico importante, mas que nos afastaria do nosso tópico central, que é um bom Estado.

De forma algo tautológica poder-se-ia dizer que um bom Estado é aquele que desempenha bem as suas funções e as suas tarefas. Porém, para sermos mais precisos vamos identifi car algumas características do que é um bom Estado. Em primeiro lugar, na sua relação com cidadãos e empresas, esse Estado é previsível nas políticas públicas. Por exemplo, do ponto de vista do sistema fi scal, não pode ser um Estado que está constantemente a alterar o sistema fi scal. É previsível também em relação ao sistema regulatório, isto é, nas várias áreas em que faz regulação, as normas e sua implementação devem ser relativamente estáveis no tempo. Uma segunda característica de um bom Estado é ser um Estado qualifi cado, com recursos humanos qualifi cados, com bons médicos, bons professores, bons reguladores, bons dirigentes de empresas públicas, etc. Terceiro, um bom Estado é um Estado amigo das empresas, que permanentemente deve diminuir os custos de contexto da actividade económica, deve facilitar o funcionamento das empresas e deve tornar mais célere e mais efi ciente o funcionamento da economia. Um outro aspecto, obviamente relacionado com o anterior, mas que justifi ca autonomização, é um Estado Justo, isto é, que se caracteriza por ter um sistema judicial justo, célere e efi ciente quer para as famílias quer para as empresas. Isso não existe em Portugal, e falarei nisso mais à frente, mas obviamente que um bom Estado, pressupõe um bom sistema de justiça.6 Um bom Estado é amigo das pessoas, promove a solidariedade, a justiça social, reduz as desigualdades sociais, reduz a pobreza e a exclusão social. Um bom Estado, é um Estado catalizador da Inovação e do Empreendedorismo e não um Estado que favorece actividades rentistas (de rent seeking) por parte dos agentes económicos. Finalmente, e para não me alongar muito sobre aquilo que considero que seria um bom Estado, é um Estado transparente, um Estado amigo do cidadão, amigo das empresas, que é acessível ao escrutínio público da sociedade civil em relação às políticas que implementa, aos grandes contratos que celebra, desta forma precavendo a corrupção e todo o tipo de actividades nefastas a ela associada. Temos então um quadro muito sintético do que, a meu ver, deveriam ser algumas características de um bom Estado.

2- Porque está o Estado português a fi car dramaticamente enfraquecido?

Gostaria agora de passar ao meu argumento fundamental de explicar porque é que o Estado em Portugal está a fi car dramaticamente enfraquecido. Claro que nem tudo segue a tendência geral de degradação do Estado e começaria até por algumas excepções a este declíneo do Estado. Há coisas pontuais, em que o Estado está melhor. Conseguiram-se desenvolver, nos últimos anos, algumas instituições que dão credibilidade ao funcionamento do Estado, tão diversas como sejam: o conselho de fi nanças públicas (que ainda não chegou à velocidade de cruzeiro, mas que espero 6 Quem opõe mercado ao Estado, não percebe muito bem quais são as funções do Estado. Se os mercados assentam em direitos de propriedade privada, contratos e no enforcement desses contratos, obviamente que não pode haver mercado sem Estado. Estado e mercado não são antagónicos são complementares e é precisamente por isso que é necessário um bom Estado.

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que chegue lá) dará mais credibilidade à actuação do Ministério das Finanças e será um pouco uma forma de escrutinar essa actividade; ressurgiu, embora de forma frágil, uma “unidade técnica de acompanhamento de projectos” (UTAP) para acompanhar as parcerias público-privadas (PPPs).7

Percebeu-se fi nalmente que para se ter parcerias público-privadas não basta copiar os modelos dos contratos das PPP, é preciso, se queremos bem copiar os Ingleses, copiarmos também as instituições que eles criaram para acompanhar as PPP e pôr essas instituições efectivamente a funcionar8. Durante cerca de oito anos (2003- 2011), proliferou o sector empresarial público (o local sobretudo a partir de 2008) e as PPP sem efectivo acompanhamento e controlo institucional, e foi preciso chegar ao “buraco” orçamental onde estamos para perceber que se calhar é preciso criar alguma instituição que monitorize esses contratos e funcione efectivamente.

Também se criou uma instituição que não é totalmente independente, que é o CRESAP, uma comissão de recrutamento e selecção para a selecção de cargos dirigentes na administração pública. É uma coisa importante, a meu ver menos independente do que o seu congénere Inglês,9 mas que se funcionar bem trará mais selectividade à nomeação para cargos dirigentes, baseada mais no mérito pessoal e menos em critérios pouco transparentes. Isto são algumas instituições que são importantes, mas que não retiram o quadro genérico daquilo que vou falar e que é um certo declíneo acentuado da administração pública e do exercício das funções do Estado Português, que eu coloco a cinco níveis diferentes. Primeiro, a qualifi cação dos recursos humanos. Não há bom Estado, sem bons recursos humanos. Tínhamos, mal ou bem, uma instituição chamada Instituto Nacional de Administração (INA), que era uma escola de administração pública, para futuros trabalhadores em funções públicas e fazendo também formação para cargos dirigentes e também o Centro de Estudos e Formação Autárquica (CEFA) integrados na administração pública, sendo o INA um Instituto Público. Hoje, em vez de um Instituto Nacional de Administração, temos uma Direcção Geral da Qualifi cação dos Trabalhadores em Funções Públicas. Vá lá, percebeu-se, ao menos, que o INA era uma marca que já tinha nome no mercado e valia a pena mantê-la, mas desqualifi cou-se esse organismo. Já em relação ao CEFA aconteceu uma coisa curiosa, ele foi desorçamentado, neste momento é uma Fundação; o que signifi ca que não há controlo de qualidade público, por ser uma entidade completamente autónoma, embora continue a ser fi nanciado pelo Orçamento de Estado. O ponto onde quero chegar é que a formação é fundamental em qualquer País desenvolvido. Há boas escolas de quadros da administração pública, na França10 e no Reino Unido, e Portugal também necessita delas. Não é desqualifi cando o organismo formador da administração central (INA) e desorçamentando o da administração local (CEFA) o caminho a seguir, mas é o que tem sido seguido.

7 A UTAP é uma entidade administrativa, apenas com autonomia administrativa, sob tutela do Ministério das Finanças.8 No início do alargamento das parcerias Público-Privadas, com o governo de Durão Barroso, foi emitido o Despacho Nor-mativo nº 35/2003 de 20 de Agosto de 2003 “Incumbe à PARPÚBLICA - Participações Públicas (SGPS), S. A., a prestação de apoio técnico ao Ministro das Finanças no contexto dos procedimentos de defi nição, concepção, preparação, concurso, adjudicação, alteração e acompanhamento global das parcerias público-privadas, regulados pelo Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril.” Pelos resultados conhecidos hoje, o que é certo é que a PARPÚBLICA, por razões próprias ou alheias, não esteve à altura das competências que lhe foram atribuídas neste despacho.9 O Offi ce of the Commissioner of Public Appointments.10 A França tem as Universidades e um ramo de ensino mais de elite que tem as Grands Écoles em que a École Nacionale d’Administration ocupa lugar de relvo.

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Segundo aspeto, os incentivos na administração pública. Vários governos portugueses andam, há vários anos, a criar e tentar implementar uma coisa relativamente complexa chamada SIADAP – Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública - o SIADAP 1, 2 e 3, que são sistemas de avaliação de funcionários, de serviços e de dirigentes. Tudo isso foi montado, com muito custo, com avaliações de desempenho a vários níveis e prémios de desempenho associados ao desempenho de vários serviços. Porém, tudo isso está perfeitamente congelado para quase todos os efeitos, dada aquela norma que vai vindo sempre nos últimos Orçamentos de Estado que é que não pode haver alterações remuneratórias na administração pública, salvo pequenas excepções. Está bloqueada a avaliação, estão bloqueadas as valorizações remuneratórias, estão bloqueadas as promoções, aboliram-se os prémios de mérito, etc.11 Portanto, não tem havido incentivos positivos na administração pública e negativos tem havido muitos. Há os cortes salariais na função pública, há a subida das 35 para as 40 horas de trabalho, os horários rígidos em vez de fl exíveis, há os congelamentos na progressão das carreiras, etc..

Presumo que a maioria signifi cativa desta audiência trabalha no sector privado. Pois diria que nenhuma empresa, das que estão aqui “representadas” sobreviveria com o tipo de sistema de incentivos que neste momento tem a Administração Pública. Já foi aqui referido nesta mesa que hoje “só não sai quem não pode” da administração pública, mas eu reformularia dizendo que “só não sai quem não pode ou quem acredita na importância do serviço público”. Situo-me neste último grupo, dos que acham que vale a pena resistir e promover um Estado melhor, porque de facto não há mercado sem Estado e não há desenvolvimento económico nem justiça social, sem Estado. Penso que há ainda muitas pessoas qualifi cadas na Administração Pública que, felizmente, não saem porque não querem, embora possam.

Terceiro aspecto, a instabilidade organizacional na Administração Pública. Na última década - 2003-2013, houve seis mudanças organizacionais, algumas mais de fundo outras mais superfi ciais. A saber: em 2003 estava em funções o governo liderado por Durão Barroso; em 2005 temos o governo Sócrates (1) que alterou signifi cativamente a orgânica governamental; na sequência do Programa de Reforma da Administração Central do Estado (PRACE) 2006, foram feitas novas leis orgânicas para todos os Ministérios. Mudou estruturalmente a Administração Pública em 2007, ainda durante o primeiro governo de José Sócrates; depois tivémos o segundo governo de Sócrates (2) em 2009 que introduziu mais alterações; a seguir, em meados de 2011, Passos Coelho toma posse e reduz signifi cativamente o número de Ministérios, alterando assim a sua orgânica, criando alguns megaministérios. A meio do mandato Passos Coelho implementa o Plano de Redução e Melhoria da Administração Central do Estado (PREMAC) com fusões, reestruturações e extinções de organismos. Portanto, tivemos nos últimos dez anos seis mudanças organizacionais na Administração Pública. Isto signifi ca que nesse espaço de tempo, que não é muito, houve organismos que foram criados, extintos, reestruturados, fundidos. Por exemplo, as Administrações de Regiões Hidrográfi cas (ARHs) foram criadas legalmente em 2006 e a sua justifi cação foi trabalhada tecnicamente.12

11 Os prémios de mérito não existiram em 2012 e 2013 e foram repostos timidamente no Orçamento de Estado de 2014.12 Ver Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional (MAOTDR), Administração das Regiões Hidrográfi cas Fundamentação e Modelo de Gestão, 2008.

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Obtiveram os seus recursos fi nanceiros e humanos essencialmente a partir das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR’s). Em 2012 foram extintas, sem respectiva avaliação nem justifi cação. Muitos exemplos como este poderiam ser dados.

Esta é a instabilidade organizacional das administrações públicas. Pergunto-me se nos últimos dez anos as empresas privadas aqui “representadas” tiveram seis mudanças organizacionais, com reestruturações nos seus departamentos internos, e um congelamento do sistema de incentivos, nomeadamente com congelamentos ou cortes de remunerações quer de dirigentes quer de pessoal com funções intermédias ou de base.

Uma quarta característica da decadência do Estado é a grande instabilidade nas estruturas dirigentes destes organismos. Está sempre tudo a mudar, não só em termos orgânicos, como referimos anteriormente, mas também em termos de dirigentes que difi cilmente se sentem motivados com cortes orçamentais adicionais de ano para ano. Obviamente que qualquer funcionário nem consegue perceber qual é o logótipo da instituição em que está a trabalhar, tal é a dinâmica de “reforma do Estado” que se está implementar.13

Finalmente, o envelhecimento dos serviços. Dado que não há praticamente admissões na função pública e há aposentações, os serviços estão cada vez mais envelhecidos. Não entra gente nova, que está altamente qualifi cada, o que é perfeitamente aberrante e paradoxal. Estamos a formar cada vez mais pessoas com elevadas qualifi cações, mais conhecimento, mais domínio das novas tecnologias de informação e comunicação, mas não têm acesso às Universidades como professores, aos hospitais como médicos, ou à administração como técnicos.

Então o que se pode concluir desta análise? Antes do mais que há um claro declíneo no exercício das funções do Estado, dado um conjunto de factores: a falta de aposta e recrutamento de recursos humanos qualifi cados; a suspensão de um sistema de avaliação de desempenho e de incentivos (SIADAP) que, melhor ou pior, ia fazendo o seu caminho; a instabilidade organizacional na administração pública incluindo instabilidade na elite dirigente. A tudo isto, a situação de crise económica adiciona os cortes salariais, de progressões e promoções.

É óbvio que a situação de crise das fi nanças públicas exige algumas medidas de cortes, nomeadamente salariais. Porém, sendo professor de fi nanças públicas, não subscrevo a teoria de que o conjunto destas medidas é inevitável. Apenas para dar dois exemplos, acabar os prémios de mérito na Administração Pública não gera praticamente benefi cio nenhum em termos de redução da despesa pública. No Orçamento de Estado são peanuts, não é nada, será 0,0000001% da despesa pública. Do mesmo modo acabar em muitos serviços com o horário fl exível, quando isso é exequível e estava a ser implementado, e impôr um horário de trabalho rígido em nada reduz a despesa, nem melhora a prestação de serviço, antes pelo contrário. O que estes, e outros exemplos denotam é que não há uma visão estratégica de que, mesmo em situação de crise, temos de desenvolver

13 Confunde-se no PREMAC aquilo que já tinha sido confundido no PRACE, a reforma da organização do Estado, nomeadamente a redução de estruturas e de cargos dirigente não leva necessariamente a uma redução do peso do Estado na economia e tem obviamente efeitos motivacionais indesejáveis.

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sistemas de incentivos adequados para que o Estado se fortaleça e melhore a sua efi ciência.

3- O que podemos fazer para melhorar o Estado?

Passo então ao terceiro ponto da minha intervenção que é “o que é que nós podemos fazer para melhorar o estado do nosso Estado?”. Terei apenas tempo para ilustrar com alguns exemplos, aliás bastante diversos. Antes do mais temos de ter um bom diagnóstico da situação actual. O que este governo e os restantes costumam fazer é navegação à vista, e cada vez é mais à vista, ou seja, responde a questões do tipo: quanto é que nós temos de cortar no Orçamento de Estado do ano que vem? Um e meio pontos percentuais do PIB. Muito bem, então vamos arranjar aqui vinte medidas equivalentes a um e meio pontos percentuais, que são cerca de 2.400 milhões de euros, e fazem-se cortes na despesa e aumentam-se impostos para alcançar esse valor. Isto não é estratégia nenhuma para melhorar o Estado, isto é, perdoem-me a expressão, contas de merceeiro. Para renovarmos o Estado, precisamos de ter uma estratégia de como é que podemos melhorar as qualifi cações dos recursos humanos, a estabilidade organizacional, os sistemas de incentivos alinhados com objectivos estratégicos, etc. Temos de perceber que há medidas que têm impacto a longo prazo e a curto prazo.

Começo por uma reforma que tem um impacto no longo prazo, que demora a implementar, mas que tem de ser começada a ser feita já. O sistema de Segurança Social redistributivo que temos, o pay as you go, faz com que as gerações presentes estejam a fi nanciar as prestações dos actuais pensionistas. Este sistema não é sustentável, portanto temos de começar já hoje a alterá-lo numa perspectiva de que ele vai demorar dez anos a modifi car, mas que se não o alterarmos, os nossos fi lhos, não vão ter uma pensão que se veja. Isto é uma reforma fundamental, pois o apoio à velhice vai continuar a ser uma função do Estado. É-o em quase todos os Países do mundo e é-o em todos os Países da Europa. Nós não vamos deixar de ter um sistema de Segurança Social, agora o modelo tem de ser alterado. A Suécia fez isso há poucas décadas, e não temos que inventar nada, porque as reformas já foram feitas. Temos é de identifi car o problema e discutir as várias perspectivas de sistemas mistos, que necessariamente envolverão redistribuição e capitalização, e começar a trabalhar, técnica e politicamente, numa proposta concreta que condense os consensos políticos mínimos que sejam duradouros numa década, ou seja para além de dois ciclos políticos. Esta reforma tem de começar a ser feita já, mesmo sabendo que vai demorar uma série de anos a ter um impacto nas fi nanças públicas. Caso contrário os nossos fi lhos e os nossos netos estarão em maus lençóis e não sei se nos perdoarão não ter feito atempadamente essa reforma.

Uma segunda reforma necessária para um bom Estado, é aumentar a efi ciência da justiça. Temos algumas leis más e leis a mais, isto remete-nos para dois tipos de problemas. Primeiro, quem são os deputados no nosso Parlamento? Como é que eles são escolhidos? Qual o regime de incompatibilidades dos deputados? E isto remete-me para coisas que estão a montante e que são, o sistema eleitoral, a democracia interna dos partidos na escolha dos candidatos e o Estatuto do

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Deputado. O sistema eleitoral não permite uma salutar competição política intra-partidária para a seleção dos melhores, nem nenhum tipo de infl uência do eleitor na escolha dos deputados. A democracia interna dos partidos deixa algo a desejar, com a existência de sindicatos de voto. Finalmente, a possibilidade de compaginar ser deputado com o exercício da advocacia é um claro confl ito de interesses que só se percebe de acordo com uma teoria de procura de rendas e não de promoção do interesse público.

Outro dos factores que limita o funcionamento da Justiça é a formação nas Faculdades de Direito, nomeadamente a pouca importância dada ao critério da efi ciência enquanto aplicado ao sistema de justiça e aos diversos domínios do direito. Neste contexto, há uma área do conhecimento fundamental e largamente disseminada há décadas nos EUA, chamada análise económica do direito, mas que dá apenas passos tímidos entre as nossas faculdades de Direito e de Economia. A análise económica do direito, tem feito imenso pela melhoria da efi ciência da Justiça nesses países, mas com difi culdade entra nas Faculdades de Direito em Portugal.14 Inversamente, o Direito tem difi culdade em entrar nos cursos de economia. Também posso dizer que nas Faculdades de Economia havia uma área de Direito. Na minha escola, que era a Escola de Economia de Lisboa antes do 25 de Abril, o ISCEF, havia catedráticos de Direito. Na altura da revolução, achou-se que aquilo era tudo muito conservador e acabou-se. Foi um erro, porque de facto devia haver Direito nas Escolas de Economia e devia haver Economia nas Escolas de Direito. As pessoas de Direito dir-me-ão - “mas há!”, eu digo “não há!”. A Economia que há nalgumas Escolas de Direito é dada por professores de Direito, dada com manuais desses professores, e com todo o devido respeito, da mesma maneira que eu não percebo nada de Direito, ou percebo pouco, e não ousaria leccionar Direito, as pessoas de Direito percebem pouco de Economia. Portanto, cadeiras de Economia devem ser dadas por pessoas de Economia e não por pessoas de Direito. Convém recordar que, no actual estado da Assembleia da República em que existe uma predominância absoluta de juristas entre as classes profi ssionais representadas a formação dos juristas ganha um relevo particular na qualidade da legislação produzida.

Terceiro, temos de ter uma estratégia para melhorar o Estado, através de adequado sistema de incentivos e qualifi cação de recursos humanos na Administração Pública em tempo de crise. Esta estratégia não pode ser a mesma do que se estivéssemos em tempo de “vacas gordas” pois não estamos. Se não houver esta estratégia, a teoria económica prevê muito facilmente o que vai acontecer, os melhores irão sair logo que a economia comece a crescer, a menos que tenham um sentido de ética e altruísmo pela causa pública enorme (é o problema da seleção adversa). E então aí é que é o arrasamento total porque, convém relembrar uma coisa muito importante, os cortes que estão a ser feitos neste momento são progressivos, mesmo na Administração Pública, o que signifi ca que o leque salarial na Administração Pública que já é mais estreito que no privado - e que já penaliza mais os trabalhadores mais qualifi cados da Administração Pública que ganham menos do 14 Em Portugal esta abordagem foi promovida sobretudo por Nuno Garoupa aquando da sua permanência na Universidade Nova antes de seguir para Illinois. Promoveu dois números da revista Sub-Júdice especifi camente dedicados ao tema. Era dada aqui na Católica do Porto por Vasco Rodrigues, e é leccionada em Lisboa em Direito na Universidade de Lisboa, por Fernando Araújo, na Nova por António José Morgado e que lecciono no ISEG (agora Universidade de Lisboa) no Mestrado de Economia e Políticas Públicas.

QUARTA SESSÃO

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que os equiparados no privado – está ainda a tornar-se mais estreito. Vários estudos demonstram que são os trabalhadores menos qualifi cados na Administração Pública que ganham mais do que os equiparados no privado. Teremos então, com o crescimento económico, uma selecção adversa, e portanto será o acentuar do declíneo da Administração Pública,e a sua captura por interesses privados. Foi o que aconteceu nas PPP, o que aconteceu nos swaps especulativos e noutras coisas que poderíamos estar aqui a falar. Nesse caso nós deixaríamos de ter um Estado minimamente aceitável e passaríamos a estar mais semelhantes a Países em vias de desenvolvimentos, que têm Estados muito fracos. Não chegamos lá, mas é para lá que caminhamos. Para evitar esta situação é necessário remotivar funcionários e dirigentes na administração.

Finalmente, gostaria de falar num tema caro, e ainda bem, às gentes do Norte que é o da reforma da Administração do Estado, nomeadamente a regionalização. O meu primeiro livro foi escrito na altura em que António Guterres era Primeiro-ministro e João Cravinho era o Ministro do Planeamento. Encomendaram-me um estudo sobre o fi nanciamento das, na altura, oito regiões administrativas. Desse estudo resultou um livro em que digo isto: “O argumento central deste livro é que os efeitos da regionalização administrativa dependem da forma de fi nanciamento das regiões. Neste sentido apresentam-se os benefícios que adviriam de um modelo político-administrativo de vantagens comparativas regionais em contraposição com os problemas e as desvantagens de um modelo redistributivo de regionalização política.”15 Ou seja a minha posição desde essa altura até hoje sempre foi a mesma, eu não sou a favor nem contra a regionalização em abstrato. Há um bom modelo e um mau modelo de regionalização consoante a sua modalidade de fi nanciamento. Se for um mau modelo estou profundamente contra. Um mau modelo é um modelo que não é constitucionalmente “amarrado” em que os incentivos para os actores políticos são envolverem-se numa actuação de rent seeking junto do governo central. Em contrapartida, um bom modelo é um modelo de regionalização à Alemã. Aqui também não temos de inventar nada, temos de copiar e adaptar as boas práticas. Os Alemães têm na Constituição a repartição do IRS, IRC e IVA entre os três níveis de Governo: federal, Estadual (Länder) e municípios. Isto está fi xo na Constituição, não há aqui rent-seeking, não há aqui líderes regionais dos Länder a fazer telefonemas, a pedir reuniões, a pedir audiências para mudar leis de fi nanciamento de regiões, pois isso está limitado à partida na Constituição.16 De 10 em 10 anos, ou de 15 em 15 anos, reúnem-se a nível federal, estadual e local e há possibilidades de rever essa repartição. Se for um modelo “amarrado” constitucionalmente desta maneira, então sim; mas se for um modelo à semelhança do que se tem passado nas regiões autónomas, Jardinista, então aí tem decerto a oposição da maioria dos portugueses. Qualquer modelo de regionalização tem que assegurar a sustentabilidade das fi nanças públicas e tem de se provar claramente que tal será o caso. Se o Norte, e eu acho que uma regionalização bem feita seria boa para o País, quer levar esta temática a sério, deve pensar em trabalhar uma proposta credível que apresente ao País na base de um modelo politicamente responsável. Que eu saiba essa proposta credível não foi estudada e não foi feita.

15 Texto introduzida na contracapa do livro P.T. Pereira (2008) Regionalização, Finanças Locais e Desenvolvimento.16 Ver artigo 106 da Constituição da República Federal Alemã.

Quarta Sessão | O Que é preciso fazer para termos melhor Estado - Prof. Paulo Trigo Pereira

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4 – Notas Finais: a sustentabilidade das políticas para um melhor Estado

Como é que podemos implementar qualquer reforma neste país se o seu ciclo de gestação ultrapassa tipicamente uma legislatura e por vezes duas. Temos aqui dois problemas, estas medidas de que falei, ou outras que saberão melhor do que eu, exigem várias coisas. Sinteticamente exigem acordos interpartidários. Acho que esta é uma área que merece investigação, ou seja, como é que nós conseguimos criar modelos de decisão em Portugal que sobrevivam aos ciclos políticos. Eu repito, como é que nós conseguimos criar modelos de decisão, de cooperação, de conversa, de diálogo e de negociação que sobrevivam aos ciclos políticos? Porque a minha história de vida, que já é alguma, o que me mostra é que poucos acordos sobrevivem a um ciclo político. Às vezes até nem sobrevivem ao mesmo ciclo político. Este é o nosso maior problema. E enquanto não resolvermos este problema, não vale a pena fazer conferências sobre o que é que achamos que devem ser as funções do Estado. Enquanto não conseguirmos perceber o que é que conseguimos desenhar para implementar duradouramente acordos - na Segurança Social, na Justiça e outras – de pouco adianta saber qual o conteúdo desses potenciais acordos. É aqui que acho que a sociedade civil, a AEP ou, já agora permitam-me um pouco de publicidade, o Instituto de Políticas Públicas Thomas Jefferson Correia da Serra, que um conjunto de colegas universitários acaba de criar, e que está sediado no ISEG, podem desempenhar. O nosso papel tem de ser em conjunção com as empresas, porque elas têm algum dinheiro, alguns recursos, mas em geral não têm investigadores nem know-how em relação a estas temáticas que estou agora a referir. Não têm tempo. Em contrapartida, nas Universidades, nos Centros de Investigação, nos think tanks, é um pouco o contrário, há poucos recursos, mas há gente disposta a investigar, há projectos. Mas os projectos às vezes não saem do papel, porque não há apoios. O que acho que a sociedade civil pode fazer para mudar, é fazer esta refl exão que, como sabem, não é feita dentro dos partidos. Os partidos deviam fazer isto, noutros países fazem, mas cá em Portugal não fazem. Portanto, não havendo essa refl exão dentro dos partidos, é necessário que se faça fora. O desafi o das organizações da sociedade civil é não se fecharem nos seus respectivos guetos, mas cooperarem entre si. Sou um optimista por natureza, sou Agostiniano, infl uenciado pelo meu mestre e grande amigo Agostinho da Silva. Ele era optimista no longo prazo, apesar de considerar que as sociedades por vezes passam por momentos mais ou menos trágicos. No longo prazo sou optimista. No curto prazo vamos ter ainda de sofrer mais um bocado, mas o que é importante é que, tendo em conta a intensidade e a direção do vento, saibamos o destino que pretendemos alcançar e dirigirmo-nos para lá, com a velocidade possível mesmo navegando à bolina.

QUARTA SESSÃO

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Muito bem e muito obrigado. Vamos agora passar para a última intervenção deste painel, que estará a cargo do Dr. António Lobo Xavier, que é licenciado em Direito e Mestre em Ciências Jurídico-Económicas pela Universidade de Coimbra, onde lecionou. Foi deputado na Assembleia da República e líder parlamentar do CDS. Tem tido uma ligação à vida das empresas como membro da Comissão Executiva da Sonaecom e administrador da Mota-Engil, do BPI, do Público e da Riopele. É presidente da Comissão de Reforma do IRC e, logo à noite, vamos ter o gosto de o ver, mais uma vez, na Quadratura do Círculo, um espaço onde privamos todas as semanas com o seu pensamento.

Hoje, a partir de Matosinhos. Bem, isso é um sinal de descentralização notável, mas esse a partir de Matosinhos com os outros intervenientes em Lisboa não descentraliza nada. Vamos, então, pedir-lhe a sua opinião sobre “Como é que poderemos ter melhor Estado?”

Chegamos ao fi m do painel porque temos de respeitar os horários que estão estabelecidos. Mas tenho a certeza que, depois do que aqui foi dito e das visões distintas de economistas e juristas … no meio disto tudo eu, que não sou economista nem jurista, sou só vítima de uns e dos outros, dos modelos de uns e das leis a mais dos outros … enfi m, não vou intervir nem interferir nessas análises, mas há uma coisa que tenho certeza, é que fi caram aqui muito boas pistas para o que será um desiderato, uma questão civilizacional e uma atitude que nos deve ser exigida enquanto membros da Sociedade, não lhe chamemos sociedade civil mas antes pessoas às quais se destina o Estado ou, até melhor, para facilitar a vida das quais deveria existir o Estado. Não tem sido esse o seu papel, mas deveria sê-lo.

Temos o direito e a obrigação de intervir, e para intervir temos de ser esclarecidos, temos de saber como e sobre que aspetos intervir. Acho que hoje, durante todo o dia e designadamente neste painel, foram avançadas algumas ideias muito positivas que nos podem ajudar nesse propósito.

E para terminar, não resisto a propor à vossa refl exão algo que ouvi há uns tempos: a chamada “teoria dos três Is”, desenvolvida por um grupo de economistas, um think tank a nível mundial que estuda a pobreza e que tenta explicar porque é que a pobreza não tem sido erradicada do mundo, apesar de haver muita gente, talvez bem-intencionada, que se dedica ao seu estudo e que propõe modelos, e de se gastar muito dinheiro em soluções que não tiveram êxito. E chegaram à conclusão que a razão é muito simples e assenta no que chamaram “os três Is”: Ignorância, Ideologia e Inércia.

Por ignorância relativamente às causas dos problemas, ignorância que se baseia em falta de estudo e desconhecimento das situações reais, atua-se com base em ideologia e depois, por inércia, perpetua-se o que se fez baseado em preconceitos, acabando por não chegar a resultados positivos.

Quarta Sessão | O Que é preciso fazer para termos melhor Estado

Moderador - Eng.º Vergilio Folhadela Moreira

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Depois de pensar sobre o assunto, cheguei à conclusão que haverá mais três Is que acabam por justifi car muito daquilo que nos tem vitimado, pelo menos aqui em Portugal, mas creio que em toda a parte.

Ultimamente tem sido bastante notório - e este ultimamente é de há uns anos a esta parte - que os agentes superiores do Estado, incluindo membros de vários Governos, para além de atuarem estribados em ignorância, ideologia e inércia, são dotados de mais algumas características, três pelo menos, que têm efeitos terríveis que se somam aos resultantes daqueles três Is - e que também começam por I - e que são: Incompetência, Insensatez e Insensibilidade.

Para minorar os maus efeitos destes Is todos, acho que só há uma forma de agir - e esta é a minha opinião pessoal e é também um apelo que aqui deixo - é que nós, membros da sociedade descomprometidos com tudo isto e largamente vítimas, temos obrigação de não fi car indiferentes. E a nossa forma de atuar é intervir, que também começa por I.

Foi o que fi zemos hoje aqui e o apelo que deixo é que continuemos. Muito obrigado.

QUARTA SESSÃO

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SESSÃO DE ENCERRAMENTO

Eng.º José António Ferreira de Barros

Presidente do Conselho de Curadores da Fundação AEP

Discurso de EncerramentoProf. Emídio Gomes | Presidente da CCDR-N

As Empresas e o Qren-Quadro de Referência Estratégico Nacional – Portugal 2020

COMUNICAÇÕES

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Eng.º José António Ferreira de BarrosPresidente do Conselho de Curadores da Fundação AEP

SESSÃO DE ENCERRAMENTO

Estamos a chegar ao fi m destas Jornadas. Como dizia o Eng.º Virgílio Folhadela fi cámos hoje, pelo menos, com muita matéria para refl exão. Resta-nos tomar uma atitude, de sociedade civil, de membros de sociedade civil para começarmos a intervir no sentido exato. A chegar ao fi m, quero agradecer, em primeiro lugar, a todos aqueles que colaboraram para a realização das Jornadas AEP/Serralves, aos oradores, ao público, a audiência que aqui esteve connosco ao longo do dia, e àqueles que permitiram que isto se realizasse; desde logo à Fundação de Serralves e ao senhor Eng.º Braga da Cruz, e à Fundação AEP, ao senhor Dr. Nunes de Almeida e ao senhor Professor Valente de Oliveira, que tradicionalmente, tem dado um importante contributo para esta realização.

Eu gostaria também de dizer qualquer coisa sobre o tema, uma vez que o papel do Estado no desenvolvimento das empresas e do país é fundamental e que a AEP tem trabalhado muito nesse sentido, tem dado uma grande atenção a esse assunto. Aquando da celebração dos seus 150 anos, a AEP, apoiada nos contributos de um imenso conjunto de notáveis, Doutores Joaquim Aguiar, Costa Pinto, António Barreto, Eng.º Ferreira de Oliveira, etc. alguns dos quais, infelizmente, já não se encontram entre nós (refi ro-me nomeadamente ao Professor António Borges), elaborou um documento de visão estratégica para o futuro, intitulado: “Uma Nova Ambição para Portugal - Repensar o Estado, Dinamizar a Iniciativa Privada e Mobilizar a Sociedade Civil”.

Chamava-se a atenção de que o Estado devia ser um agente facilitador da iniciativa privada e não um fator de bloqueio.

Já na altura todos prevíamos que algo deveria ser feito para a redução do peso do Estado.

Uma frase do então líder da AEP, que referia a necessidade de reduzir ou dispensar 150 mil funcionários públicos, fez manchete em muitos meios da Comunicação Social, acabando por relegar para segundo plano, nos meios de comunicação social, o estudo e as propostas que tanta gente de reconhecido valor realizou e mobilizou ao longo de vários meses.

Porquê? A notícia era bombástica e inverosímil, isto é, fazia uma daquelas manchetes de que os media tanto gostam!

Infelizmente, é pena que não se lhe tenha “dado ouvidos” em devido tempo. Hoje estamos e somos forçados a trilhar esse caminho de forma muito penosa, mas sem regresso.

Tive o cuidado de fazer umas contas e verifi co que, volvidos 14 anos, saíram até este momento, os últimos números que tenho são do primeiro semestre, 141 mil funcionários públicos. Portanto, não estávamos assim tão longe da necessidade e da realidade. Falava-se em 150 mil, saíram até este momento 141 mil e quinhentos. Afi nal era necessário, afi nal era fundamental que isto fosse feito, e os números não estavam assim tão disparatados. Nós entendemos e alertamos para que a redução estrutural da despesa pública é absolutamente essencial, para permitir que não continue a cair todo o efeito do ajustamento sobre a carga fi scal e parafi scal sobre as empresas. Hoje e aqui foi muito

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Sessão de Encerramento | Eng.º José António Ferreira de Barros

bem dito, por todos os oradores, não só pelo senhor Dr. Lobo Xavier, mas por todos os oradores, com a necessária referência ao senhor Dr. Miguel Cadilhe, aqui presente, e meu querido Amigo, porque realmente ele foi o autor da grande reforma fi scal, matéria que só agora irá ser novamente abordada em termos que consideramos com alguma efi cácia e com seriedade.

Saliento, assim, a nova “Reforma do IRC” (e aproveito aqui para felicitar o Dr. Lobo Xavier pelo excelente trabalho realizado e pela visão estratégica que informou o documento) que, entre outras propostas positivas, aponta para a redução da taxa de IRC, para a sua estabilidade futura e para a simplifi cação das obrigações declarativas tributárias.

Sublinho aqui, sem falsa modéstia, que a AEP foi uma das primeiras entidades a entregar ofi cialmente, por escrito, a sua posição sobre esta matéria (no início da segunda quinzena de agosto). Na nossa posição apelamos que, a par da necessária descida da taxa nominal de imposto e de outras medidas propostas, importa assegurar a estabilidade e a previsibilidade do sistema fi scal nacional (que perpetue no tempo, independentemente das mudanças ao nível político, quer entre Governos, quer no seio do próprio Governo), requisitos essenciais para garantir a indispensável segurança do investimento e, consequentemente, a confi ança dos investidores.

Tive, também, a oportunidade de ser ouvido sobre este documento, em reunião com o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e com o Dr. António Lobo Xavier e membros da sua equipa, e aproveitei para louvar o que de bem foi feito, e é muito, e para chamar a atenção para o que, no entender da AEP, fi cou por fazer, designadamente a consideração fi scal dos investimentos em bens de equipamento fi nanciados por lucros ou reservas retidos nas empresas e não distribuídos aos seus sócios ou acionistas. A AEP nesta matéria apenas foi repescar uma ideia, também do senhor Dr. Miguel Cadilhe, o DLRR. Isto foi por nós apresentado, ainda ao Governo do Eng.º Sócrates, Governo que nos pediu que o apresentássemos em forma de um articulado jurídico-administrativo e, nesse sentido, consultámos e obtivemos o contributo de reconhecidos fi scalistas da cidade do Porto. Elaborámos um documento já com a forma de aditamento ao articulado do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que não veio a ser considerado, que foi novamente apresentado ao atual Governo, voltando a não ser aceite, que foi sugerido na discussão da reforma do IRC e que também não foi considerado, alegadamente, por se tratar de um benefício fi scal que não deve constar de uma reforma do IRC.

Mas, é necessário, é indispensável, por parte da “classe política”, por parte de todos os partidos que podem vir a constituir e a ser governo, em Portugal, a assunção de um compromisso fi rme e de longo prazo para com esta reforma. Só um consenso político duradouro sobre esta importante matéria permitirá evitar a “deslocalização fi scal” para outros países.

Em matéria de reforma fi scal, considero ainda que a reforma de outros impostos, como é o caso do IRS, dever-se-á seguir à do IRC, restituindo liquidez às famílias, essencial à recuperação do consumo interno, e não deixará de ter preocupações de uma harmonização conducente a uma fl at rate, com

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SESSÃO DE ENCERRAMENTO

forte implicação ao nível da simplifi cação do sistema fi scal e, consequentemente, da redução dos custos do Estado e do número dos seus funcionários (custos administrativos), sem perda de efi cácia.

É, também, de assinalar os progressos registados ao nível da necessária ligação entre as entidades do sistema científi co e tecnológico (públicas e privadas) e as empresas, que têm permitindo “transformar conhecimento em inovação” – um tema que foi brilhantemente tratado ao longo do dia de hoje, onde tivemos excelentes exemplos de cooperação entre os dois mundos (científi co e tecnológico e empresarial).

Tudo isto tem manifestamente a ver com o “Papel do Estado no Desenvolvimento Económico” - tema destas Jornadas.

Mas, nesta matéria, como bem sabemos, há ainda um longo caminho a percorrer. No último relatório do World Economic Forum sobre a Competitividade Global 2013-2014, ressalvando alguma prudência que devemos ter na leitura de dados desta natureza, a burocracia, a carga fi scal, a instabilidade política e a legislação laboral restritiva surgem, a seguir ao acesso ao fi nanciamento, como os fatores mais problemáticos para realizar um negócio em Portugal.

Praticamente dois terços das respostas concentravam-se neste conjunto de aspetos – todos diretamente relacionados com a ação do Estado, o que demonstra bem o peso signifi cativo dos custos de contexto na atividade económica.

Vamos continuar a insistir sobre o assunto da fi scalidade sobre as empresas, que consideramos ser fundamental para ultrapassar uns dos maiores problemas com que nos deparamos, a quebra do investimento, a quebra da formação bruta de capital fi xo, quanto a nós o indicador mais negativo resultante de toda esta crise e que mais compromete a recuperação da economia.

Todos estes fatores que acabei de enunciar constituem sérios obstáculos à internacionalização da economia e à reindustrialização do País, dois temas absolutamente indissociáveis do processo de crescimento e desenvolvimento económico sustentável do nosso País, aos quais a Fundação AEP e a Fundação de Serralves dedicaram as suas duas últimas Jornadas Empresariais.

Passaria, seguidamente, a apresentar (como se de alguma apresentação necessitasse…) o meu Amigo, o senhor Professor Emídio Gomes. Eu conheci o Professor Emídio Gomes há 23 anos, era já um jovem brilhante, irrequieto e inconformado e esse seu inconformismo trouxe-o até onde está hoje – Presidente da CCDR-N. Todos sabem que ele é licenciado em Engenharia, temos aqui mais um painel de Engenheiros, o moderador do painel anterior também era Engenheiro, há aqui uma prevalência signifi cativa da classe, sem contar com o organizador, o Professor Valente de Oliveira, que é também Engenheiro, assim como o dono da casa, o Eng.º Braga da Cruz. Mas realmente, o Prof. Emídio Gomes é Engenheiro, é licenciado em Engenharia, mestrado e doutorado em Biomédicas. Desempenhou vários cargos importantes, cruzámo-nos várias vezes, cruzámo-nos a primeira vez

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Sessão de Encerramento | Eng.º José António Ferreira de Barros

há 23 anos na Soja de Portugal, onde era consultor e assessor da administração e desenhava os projectos. Voltámos a cruzar-nos mais recentemente e eu não estou a referir a sua passagem pela COTEC, pela Faculdade, como Pró-Reitor, Diretor Faculdade de Biomédicas, etc. Voltámos a cruzar-nos, mais recentemente, na PortusPark, no desenvolvimento do terceiro parque de ciência e tecnologia à volta da cidade do Porto. Culmina este período e toda esta notável carreira, ainda jovem, como Presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte, no qual depositamos uma grande esperança, uma grande expectativa para que o Norte possa, conjugando esta presidência com a vontade dos atores da sociedade civil, dentre os quais a AEP, para que o Norte se possa reposicionar no contexto nacional e afi rmar-se e ser reconhecido, de novo, com as suas capacidades empresariais e científi cas, como o maior motor da economia nacional e das exportações.

Senhor Professor Emídio Gomes, muito obrigado pela sua presença, vamos ouvi-lo com o maior interesse!

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SESSÃO DE ENCERRAMENTO

Muito boa tarde. Cumprimento o Senhor Presidente da AEP, o Senhor Presidente da Fundação de Serralves e os responsáveis por esta iniciativa. Gostava de os saudar e dizer-lhes o quanto me deixa sensibilizado receber um convite de duas instituições como a AEP e Serralves. Agradeço também muito ao Prof. Valente de Oliveira, um dos mentores da iniciativa, o convite que me dirigiu, porque todos sabemos que a AEP e a Fundação de Serralves são duas instituições do Norte e duas grandes instituições do País. São um exemplo de como é possível assumir um compromisso com a sua região, com uma dimensão regional e internacional.

Costumamos dizer, muitas vezes, que a região precisa de uma voz mas, do meu ponto de vista, essa voz nunca deve ser uma voz isolada. É, e deve ser, uma voz plural. É uma voz com várias vozes, com vários protagonistas, na esfera da política, no mundo empresarial, na ciência, na cultura. Partilho, do meu ponto de vista pessoal, uma convicção muito profunda de lideranças plurais, colectivas e não napoleónicas, propriamente. É, por isso, muito positivo ter os protagonistas da região a debater o tema do Estado e o seu papel no desenvolvimento, ter Serralves e ter a AEP a debater este tema que penso ser importante para a região mas, sobretudo, para o País.

A reforma do Estado não pode ser só um tema da política central ou do Governo central, é um tema das regiões e da sociedade portuguesa. Se os objectivos da reforma do Estado são a sustentabilidade da despesa pública e um melhor Estado, nas funções de apoio ao desenvolvimento, então, esse debate tem de descer necessariamente e obrigatoriamente à base regional e à base económica, caso contrário não há, nem haverá, reforma do Estado. Mas este não pode ser um debate abstracto, do meu ponto de vista, e por isso reafi rmo que é nos territórios que estão as economias, as empresas e as pessoas e é para as empresas e as pessoas que se destinam as políticas de fomento do Estado.

A região do Norte tem, do nosso ponto de vista, uma palavra a dizer em relação a esta reforma. A região dá um contributo líquido para a sustentabilidade das contas nacionais. O Norte é o motor das exportações nacionais e gera, de forma persistente, excedentes da balança comercial. O superavit comercial da região do Norte é, em 2012, de cerca de 5 mil milhões de euros. Simultaneamente, e de forma contraditória ou não, o Norte é a região com menor nível de rendimento per capita do País, ou seja, a região que apresenta um superavit comercial é a região mais pobre do País. A região tem um papel na superação da crise estrutural do Estado, mas espera também que o Estado assuma o seu papel de fomento da competitividade da região e do País. Por um lado, há boa e há má despesa pública. A despesa pública não é má, só porque é despesa pública, do nosso ponto de vista. Há despesa pública que é positiva, que tem retorno económico e tem retorno social e é perfeitamente sustentável. Temos inúmeros exemplos aqui na região, inúmeros, e alguns bem recentes. Ainda no ano passado um projecto da região ganhou o prémio RegioStars, o que representa um exemplo de dinamismo e de fomento de novas iniciativas empresariais.

DISCURSO DE ENCERRAMENTOProf. Emídio Gomes | Presidente da CCDR-N

As Empresas e o QREN-Quadro de Referência Estratégico Nacional – Portugal 2020

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Há pouco tempo publicámos um estudo sobre uma nova incubadora em São João da Madeira que é absolutamente exemplar no fomento de novas actividades empresariais, vencedoras, que exportam, que criam riqueza para o País, que criam emprego e que são perfeitamente auto-sustentáveis. Daí que nós pensemos, por exemplo, que o investimento no nosso sistema de conectividade internacional, na nossa ferrovia, no nosso aeroporto, nos nossos portos, tem sido e continuará a ser uma boa despesa pública; tal como algum do nosso investimento no sistema científi co e tecnológico e na envolvente empresarial e já falarei um pouco mais adiante disso.

É público que, há dois dias, em conjunto com o Presidente do Governo da Galiza, eu assumi que com pequena e boa despesa pública nós podemos, perfeitamente, passar a ter uma linha Vigo-Lisboa decente e competitiva, arranjando apenas o troço que temos entre Nine e Valença e transformando esta ligação em algo de decente, que diste quatro horas de Vigo a Lisboa. O Porto-Lisboa demora duas horas e meia hoje; é colocar estes cento e poucos quilómetros de Vigo a uma hora e meia de distância, sem grande esforço, com organização, com consciência das limitações actuais, mas com regra e com ambição. Podemos, perfeitamente, melhorar as condições infra-estruturais da qualidade da economia regional sem entrarmos em megalomanias.

Por outro lado, e entrando no tema que me é pedido que trate neste encerramento do IV Encontro AEP/Serralves, é necessário que a reforma do Estado seja consequente com a prioridade da competitividade do País e dê uma dimensão territorial concreta às suas políticas e aos instrumentos a ela ligados. Ser consequente em termos de matéria de política de competitividade signifi ca tomar opções concretas de como localizar na região, como seja o exemplo, por exemplo – e já falei nisto e volto a falar em público –, o Programa Operacional de Factores de Competitividade. Esta é que é a verdadeira reforma do Estado. Troco – e quando digo troco não é que seja meu, mas enquanto responsável da região –, troco de bom grado as quatro sedes vazias que estão no Porto de institutos públicos pela sede do próximo Programa Operacional de Apoio à Competitividade. Isto, meus senhores, é reforma do Estado séria e consequente e, volto a repetir, é séria e transparente. Se o Estado quer fomentar o desenvolvimento e quer melhorar a sustentabilidade da despesa, tem de abrir um ciclo territorial nas políticas económicas da inovação e das qualifi cações. A política de coesão Europeia tem um único desígnio fi nal: assegurar a convergência real das regiões mais pobres, relativamente à média comunitária. Eu vou repetir. A política de coesão Europeia tem um único desígnio fi nal: assegurar a convergência real das regiões mais pobres, relativamente à média comunitária. Nenhum interesse se pode colocar acima da letra e do espírito deste princípio.

Estamos perto do fi m do quarto quadro comunitário de apoio, independentemente das siglas ou dos nomes que eles tenham tido. O que a sua avaliação nos revela é que para alcançarmos crescimento e convergência real é fundamental uma nova organização territorial dos instrumentos de política e uma descentralização da sua gestão. Os fundos comunitários per si, por efeito mágico, não revolucionam o País. Porém, podem e devem ajudar. É decisivo que a aposta na competitividade e na internacionalização seja dirigida e radicada na economia real, nas regiões exportadoras e no sistema de inovação.

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A re-industrialização da economia portuguesa não se fará em regiões sem indústria e sem qualifi cações. O aumento das exportações não se fará fora das regiões com orientação exportadora e produtoras de bens e serviços transaccionáveis, nem num empreendedorismo de fachada. A solução dos problemas do País passa por isso, em nossa opinião e de forma determinante, pelas regiões do Norte e do Centro, que são a Capital das Pequenas e Médias empresas e o pulmão industrial exportador do País e têm grandes universidades. E, no nosso caso, a maior e, segundo os dados ontem publicados, mais uma vez, a melhor.

A solução da economia nacional e da boa aplicação dos fundos estruturais passam pela melhoria da competitividade do nosso tecido empresarial e pelo desenvolvimento do nosso sistema de inovação e do seu interface com a actividade produtiva. Eu vou mostrar apenas alguns slides como ponto de refl exão para esta palestra e, a seguir, terminar. Eu retirei esta frase, que é uma frase de análise prospectiva, do grupo de conselheiros que trabalha mais perto com o Senhor Obama e que de mais perto trabalhou com ele até na sua primeira eleição. O que eles dizem, basicamente, ou questionam-se… porque é que estando a Europa e o Japão, fundamentalmente, a subir de forma muito mais evidente que os Estados Unidos em número de papers científi cos, em número de graduados, isso não se está a traduzir na produtividade e no PIB per capita. Por uma questão simples, fácil de perceber, mas depois difícil de traduzir, que é: com uma economia completamente ligada em rede como hoje existe no mundo inteiro, muito mais importante do que o local onde se produz ciência ou conhecimento, é o local onde há capacidade de transformar esse conhecimento em valor económico. É isto que hoje comanda o mundo em termos de capacidade de crescimento económico, em termos de capacidade de ganho de competitividade das regiões. Volto a repetir, muito mais importante do que o local onde se produz conhecimento, é o local onde há essa capacidade. Vamos ver isto da pior forma nos indicadores de 2011.

Não vale a pena iludirmo-nos, peço desculpa, isto foram os dados que retirei do IAPMEI, dados de 2011 relativos às nossas 6.500 PME’s líder. Atenção, porque o que nos dizem estes dados (são dados públicos) é que das nossas 6.500 PME’s líder, quase 80 por cento exportam, ainda, menos de 10 por cento da sua produção. Portanto, só cerca de 22 por cento é que exportam mais de 10 por cento e só cerca de 12 por cento exportam mais de 33 por cento da sua produção. Isto é um dado que nos tem de fazer refl ectir, provavelmente os dados de 2012 já são melhores, em especial aqui na região.

Este é o caminho de baixar aquele azul mais claro. Aliás, quanto mais intenso é o azul, melhores são os resultados, todos sabemos disso.

Outro dado, também, que nos deve fazer refl ectir – e este deve-nos fazer refl ectir bastante, e eu não vou aqui apontar o dedo a ninguém, nem pôr nenhuma carga negativa nisto – , é o de que o País tem feito um grande esforço, e bem, e tem de continuar a fazer, no fomento de novas iniciativas empresarias, capital de semente e apoio a start up’s. Mas, se nós olharmos para este painel, que

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eu retirei de um estudo da Mateus e Associados, e compararmos com o número enorme de Países no mundo, nós veremos que aquela linha que corresponde a Portugal e que é a parte amarela do gráfi co não está muito fora da média do conjunto de Países do mundo inteiro.

O nosso problema é que a nossa linha amarela quase que cola com a verde, ou seja, temos fomentado o aparecimento de uma nova, enormíssima, quantidade de novas iniciativas empresariais, mas elas têm tido grande difi culdade em crescer. E aqui cuidado, cuidado, muito cuidado, porque pode estar a existir um efeito de feedback negativo por excesso de apoio, ou seja, demasiadas empresas jovens que de repente fi cam demasiado tempo penduradas no apoio sobre apoio – 100 mil de turn over, 80 mil do QREN; 200 mil de turn over, 150 mil do QREN. E isto é mau porque é despesa pública, não é crescimento. Temos aqui gente excepcional, temos de empurrar esta gente para o verde. Isto tem de ser um objectivo central do próximo quadro comunitário de apoio. As segundas fases de crescimento da enorme quantidade de empresas que estão a nascer em Portugal e na nossa região, com um enormíssimo potencial, estamos a precisar muito rapidamente de conseguir resultados disso.

Agora vou aqui passar, também para refl exão, de como é que uma política pública bem-intencionada, e que até pode dar bons resultado públicos para os políticos que a enquadram, pode não ter tradução económica no País ou na região. Todos ouvimos em 2011 a grande boa nova de que Portugal tinha subido cinco lugares no ranking da inovação. Portugal ocupava o vigésimo lugar e passou para o décimo quinto lugar. Estamos no grupo três, nos moderate innovators. Éramos o primeiro deste grupo em 2010/2011, à frente da Itália, à frente da própria Espanha, quase a passarmos para o número dois. Isto é algo que foi e é muito positivo. Mas vamos percorrer dois gráfi cos do Innovaton Scoreboard, que todos podem consultar. E vamos refl ectir todos um pouco sobre isso. Há ali duas barras que me chamaram a atenção: estas duas, estas duas barras explicaram a quase totalidade da mudança. E o que é que dizem estas barras? Novos doutorados, papers científi cos. Isto é mau? Não! É excelente. Temos de continuar a apostar na formação pós-graduada, na formação avançada de recursos humanos? Claro que sim. Qual a tradução disto no impacto da economia? Querem ver? Economic effects aqui em baixo. Passamos de vigésimo para vigésimo terceiro, fi camos atrás da Roménia. Quando se esperava… Podia ter havido um desfasamento, isto ter andado mais devagar, a um enorme esforço de investimento de todos nós enquanto contribuintes, do lado da oferta e bem, e bem, houve uma completa ou grande incapacidade de traduzir este esforço de política pública em criação de valor económico. Isto é algo que nos deve fazer refl ectir a todos e deve claramente orientar o nosso grau de exigência para o próximo ciclo de programação de fundos. Isto não é possível de voltar a acontecer. Não é para desistirmos disto, eu volto a repetir: é para percebermos bem como é que, perante este esforço de política pública que temos de continuar a fazer, enquanto região e enquanto País, não vamos aceitar um resultado destes.

E este é um desafi o que eu deixo às empresas da região e às empresas do País, porque é possível fazermos muito melhor. É claramente possível. O infi ltrar desta nova massa de pessoas no tecido

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produtivo é, provavelmente, o maior dos desafi os para o próximo quadro comunitário de apoio. Nós não podemos deixar fugir esta gente. Nós temos que, em conjunto, desafi á-los a mudar este resultado do último gráfi co. E este é, provavelmente, o maior dos nossos desafi os. Considero particularmente relevante que o acordo de parceria para os fundos estruturais e de investimento venha a integrar cinco princípios. E eu peço desde já desculpa, porque estando Portugal numa fase de negociação do acordo de parceria, eu tenho de respeitar o Governo do meu País e a União Europeia. Estando isto numa fase negocial, há limites que eu tenho de respeitar, que todos compreenderão que eu não possa ir muito mais longe do que aquilo que aqui vou dizer hoje. Bem gostaria, mas há regras que eu me habituei a respeitar e que todos compreenderão.

Estes princípios que vou aqui enunciar são princípios que eu defendo e que me parecem compatíveis e que não beliscam minimamente as negociações que ainda decorrem para um acordo de parceria. Eu defendo que, enquanto responsável da região, deve haver um reforço da dotação fi nanceira dos programas operacionais regionais face às actuais dotações. Porque, volto a dizer, e no nosso caso pelas piores razões, os fundos estruturais são destinados às regiões de convergência. É para isso que eles são destinados. Eu não acredito que um projecto gerido a 300 quilómetros seja mais bem gerido do que gerido por nós próprios aqui. Nós já provamos que, quando nos deixam gerir directamente, somos muito bons. Quando nos deixam gerir directamente a Universidade do Porto somos os melhores; quando nos deixam gerir directamente a Universidade do Minho, somos os melhores; quando nos deixam gerir directamente outras áreas, também somos muito bons. Portanto, um reforço de actuação fi nanceira é muito importante. Uma agenda da competitividade e de qualifi cações no Programa Operacional Regional, incluindo gestão com autonomia de sistemas de incentivos às empresas e de fundos para a formação avançada. Eu disto não abdico, isto para mim não é, não é…este princípio para mim não é negociável e já transmiti isto aos responsáveis. É matéria de veto do nosso lado. Eu não aceito mais que me chovam diariamente pedidos de ajuda de empresas que têm projectos já há dois anos e pelos quais eu não tenho nenhuma responsabilidade; mas depois sou eu que respondo e os fundos, supostamente, estão cá. Sem querer aligeirar muito esta palestra, quer dizer…para colocar carimbos em papéis, eu tenho outras coisas que gosto ainda muito de fazer na vida e onde seria muito mais útil. Seria muito mais útil a orientar um ou dois Doutoramentos na Universidade do Porto – ainda acho que há um ou dois temas que me motivam, ainda há jovens que sentem que eu posso ser útil – em vez de ir para a Comissão de Coordenação carimbar papéis.

Os que me conhecem sabem que não foi para isso que fui para lá. Fui porque assumo que tenho uma dívida para com o contribuinte português que nunca pagarei até ao fi m da vida. Porque o contribuinte português durante muitos anos investiu demasiado em mim, permitiu-me andar pelo mundo inteiro, tirei muito benefício deste investimento que o contribuinte português fez na minha pessoa e decidi que, de há oito ou 10 anos para cá, é tempo de retribuir e nunca será tempo de mais, porque eu tive um enorme benefi cio do Estado português enquanto Estado, enquanto gestor

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dos contributos de cada um de nós. Fui um óptimo benefi ciário, nunca me ouvirão queixar do serviço público ser bem pago ou mal pago, nunca ouvirão uma palavra sobre isso. Faço serviço público porque quero, porque gosto e porque entendo que é essa a minha missão; e faço-a a partir do sítio de onde gosto de a fazer, que é o Porto. E aí já é uma opção pessoal, porque eu acho que este é o melhor sítio do mundo para se viver, mas isto é claramente algo de muito emocional do meu lado, depois de ter passado muitos anos fora.

O futuro Programa Operacional Regional deve dispor, por isso, de um volante económico forte e não ser reduzido a funções clássicas de apoio a equipamentos ou infra-estruturas, nomeadamente, das que dependem das políticas nacionais. Volto só a um tópico anterior: porquê a formação avançada nos PO regionais? Eu não aceito que me digam que tenho de ter uma política virada para o reforço das instituições científi cas e não ser eu a decidir, num certo momento, que as bolsas de formação de Doutoramento ou de Pós-doutoramento não devam ir, por exemplo, só para Engenharia e Medicina naquela vez. Ou só para a área da Saúde, ou só para uma certa área, ou só para a área da Cultura um aviso próprio. Não é fugir às regras de avaliação, não é fugir a nada disso, é ter o direito de decidir sobre o dinheiro que nos foi confi ado e prestar contas por ele, no fi nal. Uma estratégia de especialização inteligente de base regional para a investigação, em inovação produtiva e internacionalização, que potencie os clusters económicos regionais e os recursos do território. Uma estruturação regional dos programas operacionais temáticos nacionais, garantindo uma diferenciação e articulação entre agendas regionais e instrumentos de fi nanciamento. Este é outro aspecto fundamental. Não é pelos PO temáticos serem nacionais que eles não têm de prestar contas do dinheiro que aplicam nas regiões. Aquilo não é caixa fechada, nem é segredo. Aquilo é dinheiro público que lhes é confi ado. Temos o direito de exigir transparência, rigor e isenção na gestão desses fundos. Nada mais. Se quiserem que eu sintetize: verdade! É uma boa palavra, de que todos gostamos muito. E fi nalmente, porque é uma nova política comunitária, há a adopção das intervenções territoriais integradas, que é uma nova fi gura consagrada pela regulação comunitária ao nível das NUTS III, permitindo a contra-utilização de programas com maior coerência e evitando aquilo que foi, provavelmente, um dos nossos maiores males e onde a região tem muita culpa. Aí a região está longe de ser exemplar, muito longe de ser exemplar, e eu que, durante quatro anos, servi a Junta Metropolitana do Porto e acompanhei de perto as autarquias, sei que há um enorme espaço de melhoria nas guerras de fronteira autárquica que são do mais absurdo que já vi. Do mais absurdo que já vi. E, portanto, termos instrumentos de política territorial integrada ao nível do NUT III faz muito bem às autarquias, porque manifestamente a região, nessa matéria, tem muita culpa de estar como está. Não é só culpa externa.

Para terminar, diria que, no actual contexto, penso que devemos combinar duas atitudes dos nossos objectivos comuns: a atitude do optimismo e da exigência, ou se preferirem do inconformismo. Exigência e inconformismo, porque a situação da região e do País assim o justifi cam. Temos de ser mais exigentes connosco próprios, com a região e com os decisores nacionais.

Uma vez mais, muito obrigado.

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