Jaques Derrida - Gramatologia

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  • Jacques Derrida

    GRAMATOLOGIA

    EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SO PAULO ~,,,~ ~ ~ EDITORA PERSPECTIVA

    '11t\~

  • Ttulo do Original:

    DC' la Gramato/ogie

    Direitos para a lingua portuguesa reservados

    EDITORA PERSPECTIVA S.A. 1973

    AV. BRIGADEIRO LU(S ANTONIO, 3 025 TELEFONE: 288-6680 SO PAULO BRASIL 01401

    FICHA CATALOGRAFICA (Preparada pelo Centro de Catalogao-na-fonte,

    Cmara Brasileira do Livro, SP)

    Derrida, tacques. D48d gramatologia jMiriam Scbnaiderman e Renato

    Janini Ribeiro, tradutores! So Paulo, Perspectiva, Ed. da Universidade de So Paulo, 1973.

    p. (EStudos, 16) Bibliografia. 1. Linguagem - Filosofia I. Titulo.

    73-0$75 CDD-401

    Jndices para o catlogo sistemtico: 1. Linguagem : Filosofia 401

    Advertncia

    A primeira parte deste ensaio, "A escritura pr-literal" 1, desenha em traos largos uma matriz terica. Indica certos pontos de referncia histricos e prope alguns conceitos crticos.

    Estes so postos prova na segunda parte: "Natureza, cultura, escritura". Momento, se assim se quiser, do exemplo - embora esta noo aqui seja, com todo o rigor, inadmis-svel. Do que, por comodidade, ainda nomeamos exemplo, cumpriria ento, procedendo com mais pacincia e lentido, justificar a escolha e demonstrar a Necessidade*. Trata-se de uma leitura do que poderamos talvez denominar a poca

    1. Pode'e consideri-la como o desenvolvimento de um ensaio publicado na revista Crilique (dezembro de 196S - janeiro de 1966). A ocasiio nos fora proporcoon.oda por trs importantes publicaes: M. V.-David. Le dlbar '"' les nmr.r e r l'hilroglyphe aux XVII et XVIII si~clts ( 1965) (DE); A. Leroi-Gourhan, Le geste et la paro/e (1955) (GP); L'icrwre et la psycho-logie des peuples (Actes d'un coUoque, 1963) (EP).

    Para deixarmos clara a distino existente em francs entre besoin \t.,.:XI6n~"' .u~1d.a. d~ nalurcza O-' da vid,. v.C'h~J f''itarlo .rl~ pdv~iC') r-necessiti (obriaalio, coero inelutvel, encadeamento neces.irio na ordem das razes ou das mat~rias - eventualmente tambm um besoin imperioso), decidimos represent-los respectivamente por necessidade e Necessidade. Auto riza-nos a esta distino, puramente grMica e sem expresso fonttica, a ju:tifo-cao que d o Autor para a palavra dl/firance (port. di/tincia), inventad~ por ele mesmo para distinguir-se de di//rence (port. difuena): "... este 'iiSncio. funcionando no interior sormnte de uma escritura dita fontica, as:i-nala ou lembra de modo muito oportuno que, contrariamente a um enorme preconceito, no h escritura fontica. No h escritura pura e rigorosamente fontica. A escritura dita .fontica s pode funcionar. em principio e de direito, e no apenas por uma insuficincia emprica e tcnica, se admitir em si mesma signos 'no-fonticos' (pontuao, espaamento, etc.) que, como !c perceberia muito rapidamente ao examinar-se a sua estrutura e Necessidade, toleram muito mal o conceito de signo. Ou melhor, o jogo da diferena ... ele mesmo silencioso. A diferena entre dois fonemas inaudivel, e s ela permite a estes serem operarem como tais" ("La diffrance", lin Thlorle d'en>emble, obra coletiva, Aux Edilions du Seuil, 1968, pp. 41-66) . (N. dos T .)

  • de Rousseau. Leitura apenas esboada: considerando, com efeito, a Necessidade da anlise, a dificuldade dos problemas, a natureza de nosso desgnio, acreditamo-nos autorizados a privilegiar um texto curto e pouco conhecido, o Essai .sur L 'orgme dcs langues Teremos de explicar o lugar que conce-demo a esta obra. Se nossa leitura permanece inacabada, tambm por outra razo: embora no tenhamos a ambio de ilustrar um novo mtodo, tentamos produzir, muitas vezes embaraando-nos neles, problemas de leitura crtica. Nossa interpretao do texto de Rousseau depende estreitamente das proposies arriscadas na primeira parte. Estas exigem que a leitura escape, ao menos pelo seu eixo, s categorias cls-sicas da histria: da histria das idias, certamente, e da histria da literatura, mas talvez, antes de mais nada, da histria da filosofia.

    Em torno deste eixo, como bvio, tivemos de respei-tar normas clssicas, ou pelo menos tentamos faz-lo. Em-bora a palavra poca no se esgote nestas determinaes, lidvamos com uma figura estrutural tanto quanto com uma totalidade histrica. Esfora"'lo-nos por isso em associar as duas formas de ateno que pareciam requeridas, repetindo assim a questo do texto, do seu estatuto histrico, do seu tempo e do seu espao prprios. Esta poca passada , com efeito, constituda totalmente como um texto, num sentido destas palavras que teremos a determinar. Que ela conserve, enquanto tal, valores de legibilidade e uma eficcia de mo-delo; que desordene assim o tempo da linha ou a linha do tempo - eis o que quisemos sugerir ao interrogarmos de passagem, para nele encontrarmos apelo, o rousseausmo declarado de um etnlogo moderno.

    Sobre esse termo, \ler a seaunda nota que fiZJemo' no captulo IV da Seaunda Parte. (N. dos T.)

    Sumrio

    I.

    Advertncia .................... . .

    A ESCRITIJRA PRE-LITERAL

    Epgrafe ............. 1. O fim do livro e o comeo da escritura ..... .

    O programa .......................... . O significante e a verdade ............... . O ser escrito ......... . .. . .... . ....... .

    2. Lingstica e Gramatologia .. ............ . O fora e o dentro ..................... . O fora * o dentro ... .. o o A brisurn .................... .

    VIl

    3 7 8

    12 21

    33 36 53 79

    3. Da Gramatologia como cincia positiva . . . . 91 A lgebra: arcano e transparncia . . . . . . . . . . 93 f\ ci-nci~ e o nome do homem I O I A charada e a cumplicidade das origens I 09

    li. NATUREZA, CUL TIJRA, ESCRITURA Introduo "Epoca de R ousseau" ........ 121

    1. A violncia da letra: de Lvi-Strauss a Rousseau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 A guerra dos nomes prprios . . . . . . . . . . . . . 13 2 A escritura e a explorao do homem pelo homem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146

  • 2. "Este perigoso suplemento . .. " . . . . . . . . . . 173 Do cegamento ao suplemento . . . . . . . . . . . . 176 A cadeia dos suplementos . . . . . . . . . . . . . . . . 187 O exorbitante. Questo de mtodo . . . . . . . . 193

    3. Gnese e escritura do Essai sur l'origine des langues .............. : . . . . . . . . . . . . . . . 20 I

    I. O LUGAR DO ESSA! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201 A escritura, mal poltico e mal lingstico . . . . 204 O debate atual: a economia da Piedade ..... 208 O primeiro debate e a composio do Essai . . 234

    li. A IMITAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 238 O intervalo e o suplemento . . . . . . . . . . . . . 239 A estampa e as ambigidades do formalismo . . 245 O torno da escritura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264

    IH. A ARTICULAO ....................... 280 "Este movimento de vareta ... " . . . . . . . . . . 280 A inscrio da origem .................. 295 O pneuma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 300 Esta "simples movimento de dedo". A escritura e a proibio do incesto . . . . . . . . . . . . . . . . 31 O

    4. Do suplemento fonte: a Teoria da escritura 327 A metfora originria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 329 Histria e sistema das escrituras . . . . . . . . . . 343 O alfabeto e a representao absoluta . . . . . . 360 O teorema e o teatro ................... 370 O suplemento de origem . . . . . . . . . . . . . . . 382

    I. A F;SCRITURA PR~-LITERAL

  • Epgrafe

    I . Aquele que brilhar na cincia da escritura brilhar como o sol. Um escriba (EP, p. 87). Sarnas (deus do sol), com tua luz pers-crutas a totalidade dos pases, como se fossem signos cuneiformes (ibidem).

    2. &ses trs modos de escrever correspon-dem com bastante exatido aos trs diver-sos estados pelos quais se podem conside-rar os homens reunidos em nao. A pintura dos objetos convm aos povos sel-vagens; os signos das palavras e das ora-es, aos povos brbaros; e o alfabeto, aos povos policiados. JEAN-JACQUES RoussEAu, Essai sur l'orginl' des /angues.

    3. A escritura alfabtica em si e para si a mais inteligente. HEGEL, Enciclopdia.

    Essa tnpla ep1grafe nao se desuna apenas a concentrar a ateno sobre o etnocentrismo. que, em todos os tempos e lugares, comandou o conceito da escritura. Nem apenas sobre o que denominaremos logocentrismo: metafsica da escritura fontica (por exemplo, do alfabeto) que em seu fundo no foi mais - por razes enigmticas mas essenciais e inaces-sveis a um simples relativismo histrico- do que o etnocen-

    Indicamos, nos locais apropriados, quando usamos tradulo brasileira dos textos referidos pelo Autor. Muitas vezes, porm, devido precislo vocabular de Derrida, fomos levados a alterar sensivelmente certas passaaens da.s tradues dtada.s, o que fizemos sem indicalo especifica em cada caso. (N. dos T.)

  • 4 GRAMATOLOGIA

    trismo mais original e mais poderoso, que hoje est em vias de se impor ao planeta, e que comanda, numa nica e mesma ordem:

    1 . o conceito da escritura num mundo onde a fone-tizao da escritura deve, ao produzir-se, dissimular sua pr-pria histria;

    2. a histria da metafsica que, apesar de todas as dife-renas e no apenas de Plato a H egel (passando at por Leibniz) mas tambm, fora dos seus limites aparentes, dos pr-socrticos e Heidegger, sempre atribuiu ao lagos a ori-gem da verdade em geral: a histria da verdade, da verdade da verdade, foi sempre, com a ressalva de uma excurso me-tafrica de que deveremos dar conta, o rebaixamento da escritura e seu recalcamento fora da fala "plena";

    3 . o conceito da cincia ou da cientificidade da cin-cia - o que sempre foi determinado como lgica - conceito que sempre foi um conceito filosfico, ainda que a prtica da cincia nunca tenha cessado, de fato, de contestar o impe-rialismo do lagos, por exemplo fazendo apelo, desde sempre e cada vez mais, escritura no-fontica. Sem dvida, esta subverso sempre foi contida no interior de um sistema alo-cutrio que gerou o projeto da cincia e as convenes de toda caracterstica no-fontica1 Nem poderia ser de outro modo. Mas exclusivamente em nossa poca, no momento em que a fonetizao da escritura - origem histrica e possibi-lidade estrutural tanto da filosofia como da cincia, condio da episteme - tende a dominar completamente a cultura mundial2, a cincia no pode mais satisfazer-se em nenhum de seus avanos. Esta inadequao j se pusera em mo-

    I. Cf., por exemplo, as noes de "elaboralo secundiria" ou de "simbo-lismo de segunda Jntenio" in E. Ortiaues, u discours et le symbole, pp. 62 e 171. "O simbolismo matemtico ~ uma conveno de escritura, um simbolismo escriturial. ~ somente por ab

  • 6 GltAMATOLOGIA

    escritura, est determinada em princpio, com maior ou menor !:egredo mas sempre, por uma poca histrico-metafsica cuja clausura nos limitamos a entrever. No dizemos: cujo fim. As idias de cincia e escritura - e por isso tambm a de cincia da escritura - tm sentido para ns apenas a partir de uma origem e no interior de um mundo a que j foram atribudos um certo conceito do signo (diremos mais adiante: o conceito de signo) e um certo conceito das relaes entre fala e escritura. Relao muito determinada apesar do seu privilgio, apesar de sua Necessidade e da abertura de campo qu~ regeu durante alguns milnios, sobretudo no Ocidente, a ponto de hoje nele poder produzir sua descolocao e denun-ciar, por si mesma, seus limites.

    Talvez a meditao paciente e a investigao rigorosa em volta do que ainda se denomina provisoriamente escritura, em vez de permanecerem aqum de uma cincia da escritura ou de a repelirem por alguma reao obscurantista, deixando-a - ao contrrio - desenvolver sua positividade ao mximo de suas possibilidades, sejam a errncia de um pensamento fiel e atento ao mundo irredutivelmente por vir que se anuncia no presente, para alm da clausura do saber. O futuro s se pode antecipar na forma do perigo absoluto. Ele o que rompe absolutamente com a normalidade constituda e por isso somente se pode anunciar, apresentar-se, na espcie da monstruosidade. Para este mundo por vir e para o que nele ter feito tremer os valores de signo, de fala e de escritura, para aquilo que conduz aqui o nosso futuro anterior, ainda no existe epgrafe.

    1. O fim do livro e o comeo da escritura

    Scrates, aquele que no escreve

    NIETZSCHE

    Independentemente do que se pense sob esta rubrica, no h dvida de que o problema da linguagem nunca foi apenas um problema entre- outros. Mas nunca, tanto como hoje invadira como tal o horizonte mundial das mais diversas pesquisas e dos discursos mais heterogneos em inteno, mtodo e ideologia. A prpria desvalorizao da palavra "linguagem", tudo o que - no crdito que lhe dado -denuncia a indolncia do vocabulrio, a tentao da seduo barata, o abandono passivo moda, a conscincia de van-guarda, isto , a ignorncia, tudo isso testemunha. Esta inflao do signo "linguagem" a inflao do prprio signo, a inflao absoluta, a inflao mesma. Contudo, por uma face ou sombra sua, ela ainda faz signo: esta crise tambm um sintoma. Indica, como que a contragosto, que uma poca hlstnco-metafsica deve determinar, enfim, como hnguagem a totalidade de seu horizonte problemtico. Deve-o, no so-mente porque tudo o que o desejo quisera subtrair ao jogo da linguagem retomado neste, mas tambm porque, simult~eamente, a linguagem mesma acha-se ameaada em sua vtda, desamparada, sem amarras por no ter mais limites, devol-vida sua prpria finidade no momento exato em que seus limites parecem apagar-se, no momento exato em que o sig-nificado infinito que parecia exced-la deixa de tranqiliz-la a respeito de si mesma, de cont-la e de cerc-la.

  • 8 GRAMATOLOGIA

    O PROGRAMA

    Ora, por um movimento lento cuja Necessidade mal se deixa perceber, tudo aquilo que - h pelo menos uns vinte sculos - manifestava tendncia e conseguia finalmente reu-nir-se sob o nome de linguagem comea a deixar-se deportar ou pelo menos resumir sob o nome de escritura. Por uma Necessidade que mal se deixa perceber, tudo acontece como se - deixando de designar uma forma particular, derivada, auxiliar da linguagem em geral (entendida como comunicao, relao, expresso, significao, constituio do sentido ou do pensamento etc.), deixando de designar a pelcula exte-rior, o duplo inconsistente de um significante maior, o signi-ficante do significante - o conceito de escritura comeava a ultrapassar a extenso da linguagem. Em todos os sentidos desta palavra, ~escritura compreenderia a linguagem. No que a palavra "escritura" deixe de designar o signicante do significante, mas aparece, sob uma luz estranha, que o "sig-nicante do significante" no mais define a reduplicao aci-dental e a secundariedade decada. "Significante do signifi-cante" descreve, ao contrrio, o movimento da linguagem: na sua origem, certamente, mas j se pressente que uma origem, cuja estrutura se soletra como "significante do significante", arrebata-se e apaga-se a si mesma na sua prpria produo. O significado funciona a desde sempre como um significante. A secundariedade, que se acreditava poder reservar escri-tura, afeta todo significado em geral, afeta-o desde sempre, isto , desde o incio do jogo. No h significado que escape, mais cedo ou mais tarde, ao jogo das remessas significantes, que constitui a linguagem. O advento da escritura o advento do jogo*; o jogo entrega-se hoje a si mesmo, apagando o limite a partir do qual se acreditou poder regular a circulao dos signos, arrasta.1do consigo todos os significados tranqi-lizantes, reduzind~todas as praas-fortes, todos os abrigos do fora-de-jogo que vigiavam o campo da linguagem. Isto equi-vale, com todo o rigor, a desrtuir o conceito de "signo" "' toda a sua lgica. No por acaso que esse transbordamento sobrevm no momento em que a extenso do conceito de linguagem apaga todos os seus limites. Como veremos: esse transbordamento e esse apagamento tm o mesmo sentido, so um nico e mesmo fenmeno. Tudo acontece como se o conceito ocidental de linguagem (naquilo que, para alm da sua plurivocidade e para alm da oposio estreita e proble-

    Sobre a nolo de jogo e signo, conv~m ler "A Estrutura, o signo e o jogo no discurso das ciencias humanas", in A Escrt.'lua e a Dl/ft'ma, Ed. Perspectiva, 1971. (N. dos T.)

    O FIM DO LIVRO E O COMEO DA ESCRITURA 9

    mtica entre fala e lngua, liga-o em geral produo fone-mtica ou glossemtica, lngua, voz, audio, ao som e ao sopro, fala) se revelasse hoje como a forma ou a de-formao de uma escritura primeira1: mais fundamental do que a que, antes desta converso, passava por mero "suple-mento da fala" (Rousseau). Ou a escritura no foi nunca um mero "suplemento", ou ento urgente construir uma nova lgica do "suplemento". ~esta urgncia que nos guiar, mais adiante, na leitura de Rousseau.

    Estas deformaes no so contingncias histricas que poderamos admirar ou lamentar. Seu movimento foi abso-lutamente necessrio - de uma Necessidade que no pode apresentar-se, para ser julgada, perante nenhuma outra instn-cia. O privilgio da phon no depende de uma escolha que teria sido possvel evitar. Responde a um momento da eco-nomia (digamos, da "vida" da "histria" ou do "ser como relao a si"). O sistema do "ouvir-se-falar" atravs da wbstncia fnica- que se d como significante no-exterior, no-mundano, portanto no-emprico ou no-contingente -teve de dominar durante toda uma poca a histria do mundo, at mesmo produziu a idia de mundo, a idia de origem do mundo a partir da diferena entre o mundano e o no-mun-dano, o fora e o dentro, a idealidade e a no-idealidade, o universal e o no-universal, o transcendental e o emp-rico, etc. 2

    Com um sucesso desigual e essencialmente precrio, esse movimento teria tendido aparentemente, como em direo ao seu tetos, a confirmar a escritura numa funo segunda e instrumental: tradutora de uma fala plena e plenamente pre-sente (presente a si, a seu significado, ao outro, condio mesma do tema da presena em geral), tcnica a servio da linguagem, porta-voz (porte-parole), intrprete de uma fala originria que nela mesma se subtrairia interpretao.

    Tcnica a servio da linguagem: no recorremos nqui ~ uma essncia geral da tcruca que j nos sena fam1har e que nos ajudaria a compreender, como um exemplo, o con-

    I. Falar aqui de uma escritura primeira nlio implica afirmar uma priori dado cronolsica de fato. Este ~ o conhecido debate: a escritura ~ "anterior linauaaem fon~tica", como afirmaram (por exemplo) Metchnaninov c Marr, e ~ais tarde Loukotka? (Concluslo assumida pela primeira ediio da Grande EnctclopMia Sovi~tica, e depois contradita por Stlin. A respeito deste debate, ~ V. Istrine, "Langue et Ecriture" in Llngulstlque, op. cil., pp. 3S, 60. O debate d sen:votveu-se tamb~m em torno das teses do Padre van Ginneken. A respeito

    a discusslo dessas teses, cf. F~vrier, Hlrtolre de rlcritun, Payot, 1948-19S9, ~P S e ss.). Tentaremos mostrar, mai5 adiante, por que os termos e as premissas

    e um tal debate nos impem a suspeio. La 2. Este ~ um problema que foi abordado mais diretamente em nossa obra

    Vo/x ~~ le Phlnomine (P. U. F., 1967).

  • !O GRAMATOLUGII\

    ceito estreito e historicamente determinado da escritura. Ao contrrio, acreditamos que um certo tipo de questo sobre o sentido e a origem da escritura precede ou pelo menos se confunde com um certo tipo de questo sobre o sentido e a origem da tcnica. E por isso que nunca a noo de tcnica simplesmente esclarecer a noo de escritura.

    Tudo ocorre, portanto, como se o que se denomina linguagem apenas pudesse ter sido, em sua origem e em seu fim, um momento, um modo essencial mas determinado, um fenmeno, um aspecto, uma espcie da escritura. E s o tivesse conseguido fazer esquecer, enganar*, no decorrer de uma aventura: como esta aventura mesma. Aventura, afinal de contas, bastante curta. Ela se confundiria com a histria que associa a tcnica e a metafsica logocntrica h cerca de trs milnios. E se aproximaria hoje do que , propriamente, sua asfixia. No caso em questo - e este apenas um exem-plo entre outros -, dessa to falada morte da civilizao do livro, que se manifesta inicialmente pela proliferao con: vulsiva das bibliotecas. Apesar das aparncias, esta morte do livro anuncia, sem dvida (e de uma certa maneira desde sempre)' apenas uma morte da fala (de uma fala que se pretende plena) e uma nova mutao na histria da escritura, na histria como escritura. Anuncia-a distncia de alguns sculos - deve-se calcular aqui conforme a esta escala, sem contudo negligenciar a qualidade de uma durao histrica muito heterognea: tal a acelerao, e tal o seu sentido qualitativo, que seria outro engano avaliar prudentemente segundo ritmos passados. "Morte da fala" aqui, sem d-vida, uma metfora: antes de falar de desaparecimento, de-ve-se pensar em uma nova situao da fala, em sua subordi-nao numa estrutura cujo arconte ela no ser mais.

    Afirmar, assim, que o conceito de escritura excede e compreende o de Iipguagem supe, est claro, uma certa definio da linguagem e da escritura. Se no a tentssemos ju:.lificar, e:.taramo:. cedendo ao movimento de mflao que acabamos de assinalar, que tambm se apoderou da palavra "escritura", o que no aconteceu fortuitamente. J h al-gum tempo, com efeito, aqui e ali, por um gesto e por motivos profundamente necessrios, dos quais seria mais fcil denun-ciar a degradao do que desvendar a origem, diz-se "lingua-gem" por a~;o, movimento, pensamento, reflexo, conscin-cia, inconsciente, experincia, afetividade etc. H, agora, a

    A expresslo donner /e ~hange foi traduzida por enganar, pois tem ese ~entido na linauaaem corrente. (N. dos T.)

    O FIM DO UVRO E O COMEO DA ESCRITURA 11

    tendncia a designar por "escritura'' tudo isso e mais alguma coisa: no apenas os gestos fsicos da inscrio literal, picto-grfica ou ideogrfica, mas tambm a totalidade do que a possibilita; e a seguir, alm da face significante, at mesmo a face significada; e, a partir da, tudo o que pode dar lugar a uma inscrio em geral, literal ou no, e mesmo que o que ela distribui no espao no pertena ordem da voz: cinematografia, coreografia, sem dvida, mas tambm "es-critura" pictural, musical, escultural etc. Tambm se pode-ria falar em escritura atltica e, com segurana ainda maior, se pensarmos nas tcnicas que hoje governam estes domnios, em escritura militar ou poltica. Tudo isso para descrever no apenas o sistema de notao que se anexa secundaria-mente a tais atividades, mas a essncia e o contedo dessas atividades mesmas. f: tambm neste sentido que o bilogo fala hoje de escritura e pro-grama, a respeito dos processos mais elementares da informao na clula viva. Enfim, quer tenha ou no limites essenciais, todo o campo coberto pelo programa ciberntico ser campo de escritura. Supondo-se que a teoria da ciberntica possa desalojar de seu interior todos os conceitos metafsicos - e at mesmo os de alma, de vida, de valor, de escolha, de memria - que serviam &ntigamente para opor a mquina ao homem3, ela ter de conservar, at denunciar-se tambm a sua pertencena hist-rico-metafsica, a noo de escritura, de trao, de grama ou de grafema. Antes mesmo de ser determinado como humano (juntamente com todos os caracteres distintivos que sempre foram atribudos ao homem, e com todo o sistema de sig-nificaes que implicam) ou como a-humano, o grama -ou o grafema - assim denominaria o elemento. Elemento sem simplicidade. Elemento - quer seja entendido como o meio ou como o tomo irredutvel - da arqui-sntese em geral, daquilo que deveramos proibir-nos a ns mesmos de definir no interior do sistema de oposies da metafsica, daquilo y_ue portanto nu dt:veramos nem mesmo denominar a experincia em geral, nem tampouco a origem do sentido em geral.

    Esta situao anunciou-se desde sempre. Por que est a ponto de se fazer reconhecer como tal e a posteriori? Essa questo exigiria uma anlise interminvel. Tomemos apenas alguns pontos de referncia, como introduo ao objetivo

    ~ Sabe-se que Wiener, por exemplo, embora abandone i\ "semlntica" a OpoStio, que jutaa demasiado arosseira e aeral, entre o vivo e o nlo-vlvo, etc .. continua - apesar de tudo - empreaando expresses como "raios dos senudos", "raos motores", etc., pata qualificar partes da miquina.

  • 12 GRAMATOLOGIA

    limitado a que nos propomos aqui. J aludimos s mate-mticas te6ricas sua escritura, quer seja entendida como grafia sensvel (e esta Ja supe uma identidade, portanto uma idealidade de sua forma, o que toma em princpio ab-surda a noo to correntemente aceita de "significante sen-svel"), quer como sntese ideal dos significados ou como rastro operatrio em outro nvel, quer ainda - mais pro-fundamente - como a passagem de umas s outras, nunca em absoluto esteve ligada a uma produo fontica. No inte-rior das culturas que praticam a escritura dita fontica, as matemticas no so apenas um enclave. Este assinalado, alis, por todos os historiadores da escritura: eles lembram, ao mesmo tempo, as imperfeies da escritura alfabtica, que por tanto tempo foi considerada a escritura mais cmoda e " mais inteligente". Este enclave tambm o lugar onde a prtica da linguagem cientfica contesta do dentro, e cada vez mais profundamente, o ideal da escritura fontica e toda a sua metafsica implcita (a metafsica), isto , particular-mente a idia filosfica da episteme; e tambm a de istoria, que profundamente solidria com aquela, apesar da disso-ciao ou oposio que as relacionou entre si numa das fases de seu caminhar comum. A histria e o saber, istoria e epis-teme, foram determinadcs sempre (e no apenas a partir da etimologia ou da filosofia) como desvios em vista da reapro-priao da presena.

    Mas, para alm das matemticas tericas, o desenvol-vimento das prticas da informao amplia imensamente as possibilidades da "mensagem", at onde esta j no mais a traduo "escrita" de uma linguagem, o transporte de um s1gmficado que poderia permanecer falado na sua mtegn-dade. Isso ocorre tambm simultaneamente a uma extenso da fonografia e de todos os meios de conservar a linguagem falada, de faz-f funcionar sem a presena do sujeito fa-lante E-.te de

  • 14 GRAMATOLOGIA

    "Assim como a escritura no a mesma para todos os homens, as palavras faladas no so tampouco as mesmas, enquanto ~o idnticos para todo, os estados de alma de que estas expresses so imediatamente os signos (q"TJj.Lc: 1tpW"twl;), como tambm so idn-ticas s coisas cujas imagens so e~es estados" ( 16' o grifo nosso).

    Exprimindo naturalmente as coisas, as afees da alma constituem uma espcie de linguagem universal que, portan-to, pode apagar-se por si prpria. :E: a etapa da transparncia. Aristteles pode omiti-la s vezes sem correr riscos5 Em todos os casos, a voz o que est mais prximo do signifi-cado, tanto quando este determinado rigorosamente como sentido (pensado ou vivido) como quando o , com menos preciso, como coisa. Com respeito ao que uniria indissolu-velmente a voz alma ou ao pensamento do sentido signifi-cado, e mesmo coisa mesma (unio que se pode fazer, seja segundo o gesto aristotlico que acabamos de assinalar, seja segundo o gesto da teologia medieval, que determina a res como coisa criada a partir de seu eidos, de seu sentido pen-sado no logos ou entendimento infinito de Deus), todos sig-nificante, e em primeiro lugar o significante escrito, seria derivado. Seria sempre tcmcu e representativo. No teria nenhum sentido constituinte. Esta derivao a prpria origem da noo de "significante". A noo de signo im-plica sempre, nela mesma, a distino do significado e do significante, nem que fossem no limite, como diz Saussure, como as duas faces de uma nica folha. Tal noo perma-nece, portanto, na descendncia deste logocentrismo que tambm um fonocentrismo: proximidade absoluta da voz e do ser, da voz e do sentido do ser, da voz e da idealidade do sentido. Hegel mostra muito bem o estranho privilgio do som na idealizao, na produo do conceito e na presena a si do sujeito.

    "Este movimfllto ideal, pelo qual se diria que se manifesta a simples subjetividade, ressoando a alma do corpo, a orelha percebe-o d .. me:.ma tudndr .. tc6rkd pelil. qual o olho prcebe a cor ou a forma a interioridade do objeto tornando-se assim a do prprio sujeito" (Esttica, III, 1., p. 16 da trad. francesa). " ... A orelha, ao con-trrio, sem voltar-se praticamente para os objetos, percebe o resultado desse tremor interno do corpo pelo qual se manifesta e se revela, no

    ~. 2 o que motra Plerre Aubenque (Le Probleme de /'Rtre chez Artstote, pp. 106 e as.). No decorrer de uma notivel anhse, que mwto nos inspirou aqui, P. Aubenque observa, com efeito: "2 verdade que em outros textos Aristteles qualifica como s!mbolo a relalo da llnauaaem s coisas: 'Nio ~ possfvel trazer dlscusslo as prprias coisas, mas, no luaar das coisas, servir-nos-emos de aeus nome3 c:omo a!mbolos'. O intermedirio, constituldo pelo estado de alma, 6 aqui suprimido ou pelo menos neailaenc:lado, mas esta supresslo ~ leatima, porque, comportando-se os estados de alma como as coisa,, estas podem ~er-lbes ime diatamente aubstituldas. Em compensalo, nlo se pode substituir, sem mals, a

    ~;oisa pelo nome .. " (pp. 107108).

    BIBLIOTECA O FJM DO LIVRO E O COMEO DA ESCRITURA 15

    a figura material, mas uma primeira idealidade vinda da alma" ( p. 296).

    O que dito a respeito do som em geral vale a fortiori para a fonia, pela qual, em virtude do ouvir-se-falar - sis-tema indissocivel - o sujeito afeta-se a si mesmo e refe-re-se a st no elemento da idealidade.

    J se pressente, pOrtanto, que o fonocentrismo se con-funde com a determinao historiai do sentido do ser em geral como presena, com todas as subdeterminaes que

  • 16 GRAMATOLOGIA

    isto , a metafsica na sua totalidade. E esta distino geralmente aceita como bvia pelos lingistas e semilogos mais vigilantes, por aqueles mesmos que pensam que a cien-tificidade de seu trabalho comea onde termina a metafsica. Assim, por exemplo:

    "O pensamento estruturalista moderno estabeleceu claramente: a linguagem um sistema de signos, a lingstica parte integrante da cincia dos signos, a semitica (ou, nos termos de Saussure, a semiologia). A definio medieval - a/iquid stat pro a/iquo -, ressuscitada por nossa poca, mostrou-se sempre vlida e fecunda. Assim que a marca constitutiva de todo signo em geral, e em particular do signo lingstico, reside no seu carter duplo: cada unidade lingstica bipartida e comporta dois aspectos; um sensvel e outro inteligvel - de um lado o signans (o significante de Saussu-re), de outro o signatum (o significado). Estes dois elementos con'-titutivos do signo lingstico (e do signo em geral) supem-se e cha-mam-se necessariamente um ao outro".6

    Mas a estas razes metafsico-teolgicas vinculam-se muitos outros sedimentos ocultos. Assim, a "cincia" semio-lgica ou, mais estritamente, lingstica, no pode conservar a diferena entre significante e significado - a prpria idia de signo - sem a diferena entre o sensvel e o inteligvel, certo, mas tambm sem conservar ao mesmo tempo, mais profunda e mais implicitamente, a referncia a um significado que possa "ocorrer", na sua inteligibilidade, antes de sua "queda", antes de toda expulso para a exterioridade do "este mundo" sensvel. Enquanto face de inteligibilidade pura, re-mete a um fogos absoluto, ao qual est imediatamente unido. Este fogos absoluto era, na teologia medieval, uma subjeti-vidade criadora infinita: a face inteligvel do signo permanece voltada para o lado do verbo e da face de Deus.

    b claro que no se trata de "rejeitar" estas noes: elas so necessrias e, pelo menos hoje, para ns, nada mais pensvel sem elas. l-rata-se inicialmente de por em evidncia a solidariedade sistemtica e histrica de conceitos e gestos de pen~amento qut.:, freq~;ntemente, SI! acredita poder sepa rar inocentemente. O signo e a divindade tm o mesmo local e a mesma data de nascimento. A poca do signo essencial-mente teolgica. Ela no terminar talvez nunca. Contudo, sua clausura histrica est desenhada.

    Um motivo a mais para no renunciarmos a estes con-ceitos que eles nos so indispensveis hoje para abalar a herana de que fazem parte. No interior da clausura, por

    6. R. Jakobson, Essais de lingu.istlque glnlrale, trad. fr., p. 162. Sobre este problema, sobre a tradio do conceito de si&no e sobre a originalidade da contribuio saussuriana no interior desta continuidade, cf. Ortiaues, op. cil., p. S-4 e ss.

    O FIM DO LIVRO E O COMEO DA ESCRITURA 17

    um movimento oblquo e sempre perigoso, que corre per-manentemente o risco de recair aqum daquilo que ele des-constri, preciso cercar os conceitos crticos por um dis-curso prudente e minucioso, marcar as condies, o meio e os limites da eficcia de tais conceitos, designar rigorosamente a sua pertencena mquina que eles permitem desconstituir; e simultaneamente, a brecha por onde se deixa entrever, ainda inomevel, o brilho do alm-clausura. O conceito de signo, aqui, exemplar. Acabamos de marcar a sua perten-cena metafsica. Contudo, sabemos que a temtica do sig-no , desde cerca de um sculo, o trabalho de agonia de uma tradio que pretendia subtrair o sentido, a verdade, a pre-sena, o ser etc., ao movimento da significao. Lanando a suspeio, como fizemos agora, sobre a diferena entre sig-nificado e significante ou sobre a idia de signo em geral, devemos imediatamente esclarecer que no se trata de faz-lo a partir de uma instncia da verdade presente, anterior, exte-rior ou superior ao signo, a partir do lugar da diferena apagada. Muito pelo contrrio. Inquieta-nos aquilo que, no conceito de signo - que nunca existiu nem funcionou fora da histria da filosofia (da presena) -, permanece siste-mtica e genealogicamente determinado por esta histria. E por isso que o conceito e principalmente o trabalho da des-construo, seu "estilo", ficam expostos por natureza aos mal-entendidos e ao des-conhecimento *.

    A exterioridade do significante a exterioridade da es-critura em geral e tentaremos mostrar, mais adiante, que no h signo lingstico antes da escritura. Sem esta exteriori-dade, a prpria idia de signo arruna-se. Como todo o nosso fundo e toda a nossa linJrna,gem desabariam com ela, como a sua evidncia e o seu valor conservam - num certo ponto de derivao - uma solidez indestrutvel, seria mais ou menos tolo concluir, da sua pertencena a uma poca, que se deva "passar a outra coisa" e livrar-se do signo, desse ter-mo e dessa noo. Para se perceber adequadamente o ge:.to que esboamos aqui, cumprir entender** de uma maneira

    Ao grafarmos desta maneira a traduo do termo mlconnasance (e seus compostos), quiemos frisar a atitude implicada de r~cusa ou ntgao de reco-rhecimento e conhecimento. Nilo se trata de simples ignorncia, porm de um re;to ditado por m-f (no reconhecer um parente ou ato seu) ou, mai> &eralrnente, pela clausura da poca (numa certa data, certos pensamentos e at percepes so impossveis). - Mantivemos, porm, a traduo j consa-

    ~rada de irruonhul>el par~ o adjetivo mlconnaissable. (N. dos T.) O verbo francs ~nlmdr~ mais usualmente traduzido como ouvir; no

    entanto, tamMm tem a acepo de _.compreender", entend~t .. - e o Autor f ressupe este duplo sentido ao utiliz-lo. Embora em ponuguh o verbo

  • 18 GRAMATOLOGIA

    nova as expresses "poca", "clausura de uma poca", "ge-nealogia histrica"; e a primeira coisa a fazer subtra-las a todo relativismo.

    Assim, no interior desta poca, a leitura e a escritura, a produo ou a interpretao dos signos, o texto em geral, como tecido de signos, deixam-se confinar na secundariedade. Precedem-nos uma verdade ou um sentido j constitudos pelo e no elemento do logos. Mesmo quando a coisa, o "referen-te", no est imediatamente em relao com o logos de um deu.s c!i.ador onde ela comeou como sentido falado-pensado, o S1gntf1cado tem, em todo caso, uma relao imediata com ~ logos ~m g_eral (finito ou infinito), medi~!ta com o signi-ficante, Isto e, com a exterioridade da escritura. Quando isto parece no acontecer, que uma mediao metafrica se insinuou na relao e simulou a imediatez: a escritura da verdade na alma*, oposta pelo Fedro (278 a) m escri-tura ( escritura no sentido "prprio" e corrente, escritura "sensvel", "no espao"), o livro da natureza e a escritura de Deus, particularmente na Idade Mdia; tudo o que fun-ciona como metfora nestes discursos confirma o privilgio do logos e funda o sentido "prprio" dado ento escritura: signo significante de um significante significante ele mesmo de uma verdade eterna, eternamente pensada e dita na pro-ximidade de um logos presente. O paradoxo a que devemos estar atentos ento o seguinte: a escritura natural e uni-versal, a escritura inteligvel e intemporal recebe este nome por metfora. A escritura sensvel, finita, etc., designada como escritura no sentido prprio; ela ento pensada do lado da cultura, da tcnica e do artifcio: procedimento hu-mano, astcia de um ser encarnado por acidente ou de uma criatura finita. :S claro que esta metfora permanece erul:-mtica e remete a um sentido "prprio" da escritura como primeira metfora. ~te sentido "prprio" ainda impensado pelos detentores deste discurso. No se trataria, portanto, de inverter o c;entido prprio e o c;entido figurado, mas de determinar o sentido "prprio" da escritura como a meta-foricidade mesma.

    Em "O simbolismo do livro", este belo captulo ( 1 O) de A literatura europia e a Idade Mdia latina, E. R. Curtius descreve com uma grande riqueza de exemplos a evoluo que vai do Fedro a Caldern, at parecer "inverter a situa-o" (p. 372 da traduo francesa) pela "nova considerao

    O ~ut.or desenvolve esta anlise no seu artigo La pharmacie de Platon. publlcado inict!llmente nos p.9s 32 e 33 da revista Tel Quel (inverno e primavera de 1968) e m&ls tarde reuntdo em La Disslminatlon, Aux tditions du Seuil, 1972. (N. dos T.)

    O FIM DO LIVRO E O COMEO DA ESCRITURA 19

    de que gozava o livro" (p. 374). Contudo, parece que esta modificao, por importante que seja em efeito, abriga uma continuidade fundamental. Como acontecia com a escritura da verdade na alma, em Plato, ainda na Idade Mdia uma escritura entendida em sentido metafrico, isto , uma escri-tura natural, eterna e universal, o sistema da verdade signi-ficada, que reconhecida na sua dignidade. Como no Fedro, uma certa escritura decada cominua a ser-lhe oposta. Seria preciso escrever uma histria desta metfora que sempre ope a escritura divina ou natural inscrio humana e laboriosa, finita e artificiosa. Seria preciso articular rigorosamente suas etapas, marcadas pelos pontos de referncia que acumulamos aqui, seguir o tema do livro de Deus (natureza ou lei, na verdade lei natural) atravs de todas as suas modificaes.

    Rabi Eliezer disse: "Se todos os mares fossem de tinta, todos os lagos plantados de clamos, se o cu e a terra fossem pergaminhos e se todos os humanos exercessem a arte de escrever - eles no esgotariam a Tor que aprendi, enquanto isso no diminuiria a pr-pria Tor de mais do que leva a ponta de um pincel mergulhado no mar.''7*

    Galileu:

    "A natureza est escrita em linguagem matemtica."

    Descartes:

    lendo o grande livro do mundo ... "

    Cleanto, em nome da religio natural, nos Dilogos . .. de Hume: "E este livro, que a natureza , no contm algum discurso ou

    raciocnio inteligvel, mas sim um grande e inexplicvel enigma".

    Bonnet:

    "Pareceme mais filosfico supor que nos~a terra um livro que o grande Ser entregou a inteligncias que nos so muito superio-res para que o lessem, e onde elas estudam a fundo os traos infini-tamente multiplicados e variados de sua adorvel sabedoria."

    G. H. Von Scbubert:

    ''Esta lngua feita de imagens e de hierglifos, de que se serve a Sabedoria suprema em todas as suas revelaes humanidade -

    7 Citado por E . Levinas, in Difficile Lib,tl , p. 44. 1 SeRundo Nathan Ausubel, porm, (em Conhecimtnto Judf1ico, Rio de aneir?, Editora Tradio, 1964, p. 250), a citao de Johanan ben Zakai,

    q~e Vl~eu no sculo I, e o texto o seguinte: "Se os cus fos~em feitos de J: rgam1nho, se todas as rvores da floresta fossem transformadas em penas de t!;.rever, e se todos os seres humanoJ fossem escribas, ainda assim seriam insu-m::totes ~ra que se escrevesse e reaistrasse tudo o que um elo pode lamber do mar!" (N. dos T.)

  • 20 GRAMATOLOGIA

    que volta a encontrar-se na linguagem mais prxima Poe~ia - e que, em nossa condio atual, assemelha-se mais expresso meta-frica do sonho do que prosa da viglia - pode-se perguntar ~e esta lngua no a verdadeira lingua da regio superior. Se, enquanto

    n~s acreditamos acordados, no estaremos mergulhados num sono mtlenar, ou ao menos no eco de seus sonhos, onde somente percebe-remos da lngua de Deus algumas falas isoladas e obscuras como quem dorme percebe os discursos sua volta." '

    Jaspers:

    "O mundo o manuscrito "

  • 22 , GRAMA TOLOGIA

    temente dela na sua idealidade. A idia do livro, que remete sempre a uma totalidade natural, profundamente estranha ao sentido da escritura. ~ a proteo enciclopdica da teo-logia e do logocentrismo contra a disrupo da escritura, contra sua energia aforstica e, como precisaremos mais adian-te, contra a diferena em geral. Se distinguimos o texto do livro, dtremos que a destruio do livro, tal como se anuncia hoje em todos os domnios, desnuda a superfcie do texto. Esta violncia necessria responde a uma violncia que no foi menos necessria.

    O SER ESCRITO

    A evidncia tranqilizante na qual teve de se organizar e ainda tem de viver a tradio ocidental seria ento a se-guinte: a ordem do significado no nunca contempornea, na melhor das hipteses o avesso ou o paralelo sutilmente

    def~sado - o tempo de um sopro - da ordem dG signifi-cante. E o signo deve ser a unidade de uma heterogeneidade, uma vez que o significado (sentido ou coisa, noema ou rea-lidade) no em si um significante, um rastro*: em todo caso, no constitudo em seu sentido por sua relao ao rastro possvel. A essncia formal do significado a pre-sena, e o privilgio de sua proximidade ao lagos como phon o privilgio da presena. Resposta inelutvel assim que se pergunta "o que o signo?", isto , quando se submete o signo questo da essncia, ao ti esti. A "essncia for-mal" do signo pode ser determinada apenas a partir da pre-sena. No se pode contornar esta resposta, a no ser que se recuse a forma mesma da questo e se comece a pensar que o signo esta coisa mal nomeada, a nica, que escapa questo instauradora da filosofia: "O que ... ?"'

    Aqui, radical;izando os conceitos de interpretao, de perspectiva, de avaliao, de diferena e todos os motivos "cmpiristas" ou no- filosficos que, no decorrer de toda a histria do Ocidente, no cessaram de atormentar a filosofia e s tiveram a fraqueza, alis inelutvel, de produzirem-se no campo filosfico, Nietzsche, longe de permanecer simples-mente (junto com Hegel e como desejaria Heidegger) na metafsica, teria contribudo poderosamente para libertar o

    O substantivo francb trace nlo deve ser confundido nem com tralt (trao) nem com u-acl (traado), pois se refere a marcas deixadas por um~ cio ou pela passagem de um ser ou objeto (Dictlonnalre Robert). Por Isso o traduzimos como rastro. (N. dos T.)

    8. Este 6 um tema que tentamos desenvolver na obra La Yolx et Lt Phinomlne.

    O FIM DO LIVRO E O COMEO DA ESCRITURA 23

    significante de sua dependncia ou de sua derivao com referncia ao lagos e ao conceito conexo de verdade ou de significado primeiro, em qualquer sentido em que seja enten-dido. A leitura e portanto a escritura, o texto, seriam para Nietzsche operaes "originrias"9 (colocamos esta palavra entre aspas por razes que aparecero mais adiante) com respeito a um sentido que elas no teriam de transcrever ou de descobrir inicialmente, que portanto no seria uma ver-dade significada no elemento original e na presena do lagos, como topos noet6s, entendimento divino ou estrutura de ne-cessidade apriorstica. Para salvar Nietzsche de uma leitura de tipo heideggeriano, parece, portanto, que acima de tudo no se deve tentar restaurar ou explicitar uma "ontologia" menos ingnua, intuies ontolgicas profundas acedendo a alguma verdade originria, toda uma fundamentalidade ocul-ta sob a aparncia de um texto empirista ou metafsico. ~ impossvel desconhecer mais a virulncia do pensamento nietzschiano. Ao contrrio, deve-se acusar a "ingenuidade" de um arrombamento* que no pode esboar uma sortida para fora da metafsica, que no pode criticar radicalmente a me-tafsica seno utilizando de uma certa maneira, num certo tipo ou num certo estilo de texto, proposies que, lidas no corpus filosfico, isto , segundo Nietzsche, mal lidas ou no 1idas, sempre foram e sempre sero " ingenuidades", sig-nos incoerentes de pertencena absoluta. Talvez no seja preciso, portanto, arrancar Nietzsche leitura heideggeriana, mas, ao contrrio, entreg-lo totalmente a ela, subscrever sem reserva esta interpretao; de uma certa maneira e at o ponto onde, o contedo do discurso nietzschiano estandCI algo mais ou menos perdido para a questo do ser, sua for-ma reencontre sua estranheza absoluta, onde seu texto recla-me enfim um outro tipo de leitura, mais fiel a seu tipo de escritura: Nietzsche escreveu o que escreveu. Escreveu que a escritura - e em primeiro 1ugar a sua - no est origi-

    9. O que no quer dizer, por simples inverso, que o significante seja fundamental ou primeiro. O "primado" ou a "prioridade" do significante seria ~6m!l expresso insustentvel e absurda, se formulada ilogicamente na mesma &lca oue ela quer, legitimamente sem dl1vida, destruir. Nunca o significante

    !:.rec~der de direito o significado, sem o que no seria mais si&llificante e o 518Dificante "significando" nlo teria mais nenhum significado posslvel. O pen-

    ~amento, que se anuncia nesta impossvel fnnula sem conseguir alojar-se nela, eve ~rtanto enunciar-se de outro modo: e somente poder (azS-lo se lanar ~ suspeio sobre a id~ia mesma de "signo-de", que permane:er sempre ligada 1:ilo mesm~ qu~ aqui se coloca em questo. Portanto, no limite, destruindo

  • 24 GRAMATOLOGIA

    nariamente sujeita ao logos e verdade. E que esta sujeio veio a ser** no decorrer de uma poca cujo sentido nos ser necessrio desconstruir. Ora, nesta direo (mas apenas nesta direo pois, lida de outra maneira, a demolio nietzschiana permanece dogmtica e, como todas as inverses, cativa do edifcio metafsico que prett>nde derrubar. Neste ponto e nesta ordem qe leitura, as demonstraes de Heidegger e de Fink so irrefutveis), o pensamento heideggeriano no aba-laria, ao contrrio, reinstalaria a instncia do logos e da ver-dade do ser como primum signatum: significado, num certo sentido, "transcendental" (como se dizia na Idade M-dia que o transcendental - ens, unum, verum, bonum - era o primum cognitum) implicado por tods as categorias ou por todas as significaes determinadas, por todo lxico e por toda sintaxe, e portanto por todo significante lingstico, no se confundindo simplesmente com nenhum deles, dei-xando-se pr-compreender atravs de cada um deles, perma-necendo irredutvel a todas as determinaes epocais que -contudo - ele possibilita, abrindo assim a histria do logos e no sendo ele prprio seno pelo logos: isto , no sendo nada antes do logos e fora do logos. O logos do ser, "o Pensamento, dcil Voz do Ser"10 o primeiro e ltimo recurso do signo, da diferena entre o signans e o signatum. a preciso um significado transcendental, para que a diferena entre significado e significante seja, em algum lugar, abso-luta e irredutvel. No por acaso que o pensamen~o do ser, como pensamento deste significado transcendental, _ma-nifesta-se por excelncia na voz: isto , numa lngua de E:a1ayras. A voz ouve-se - isto' , sem dvida, o que se denomina a conscincia - no mais prximo de si como o apagamento absoluto do significante: auto-afeo pura que tem necessariamente a forma do tempo e que no toma emprestado fora qe si, no mundo ou na "realidade", nenhum significante acessrio, nenhuma substncia de expresso alheia sua prpria espontaneidade. b a experincia nica do significado produzindo-se espontaneamente, do dentro de si, e contudo, enquanto conceito significado, no elemento da idealidade ou da universalidade. O carter no-mundano desta substncia de expresso constitutivo desta idealidade. Esta experincia do apagamento do significante na voz no

    O termo frands d~v~nlr traduz-se devir quando substantivo, vira-.fer ou tornar-se quando verbo. (N. dos T.)

    lO. Posfclo a Was ist MetaphysiJc, p. 46. [Na tradulo de Ernildo Stein (Que ~ Meta/lslca, Livraria Duas Cidades, 1969), 1~-se: "o pensamento, dcil voz do ser" - p. 57.] A instncia da voz tambm domina .a anlise do Gn1isun em Stin und Zeit (pp. 267 e u.).

    O FIM DO LIVRO E O COMEO DA ESCRITURA 25

    uma iluso entre outras - uma vez que a condio da idia mesma de verdade - mas mostraremos, em outro lu-gar, em que ela se logra. Este logro a histria da verdade e no dissipado com tanta pressa. Na clausura desta ex-perincia, a palavra vivida como a unidade elementar e indecomponvel do significado e da voz, do conceito e de uma substncia de expresso transparente. Esta experincia seria considerada na sua maior pureza - e ao mesmo tempo na sua condio de possibilidade - como experincia do "ser". A palavra "ser" ou, em todo caso, as palavras que designam nas diferentes lnguas o sentido do ser, seria com algumas outras, uma "palavra originria" ( U rwort 11 ), a pa-lavra transcendental que assegura a possibilidade do ser-pa-lavra a todas as outras palavras. Seria pr-compreendida em toda linguagem enquanto tal e - esta a abertura de Sein und Zeit - apenas esta pr-compreenso permitiria abrir a questo do sentido do ser em geral, para alm de todas as ontologias regionais e de toda a metafsica: questo que enceta* a filosofia (por exemplo, no Sofista) e se deixa recobrir por ela, questo que Heidegger repete ao lhe sub-meter a histria da metafsica. No h dvida de que o sen-tido do ser no a palavra "ser" nem o conceito de ser -Heidegger lembra-o sem cessar. Mas, como este sentido no nada fora da linguagem e da linguagem de palavras, liga-se, seno a tal ou qual palavra, a tal ou qual sistema de lnguas ( concesso non doto), pelo menos possibilidade da palavra em geral. E da sua irredutvel simplicidade. Seria possvel pen-sar, portanto, que resta apenas decidir entre duas possibili-dades. 1 Q - Uma lingstica moderna, isto , uma cincia da significao, que cinda a unidade da palavra e rompa com sua pretensa irredutibilidade, tem ainda a ver com a "lin-guagem"? Heidegger provavelmente duvidaria desta possi-bilidade. 29 - Inversamente, tudo o que se medita to profundamente sob o nome de pensamento ou de questo do ser no estaria encerrado numa velha lingstica da palavra, que aqui seria praticada sem o saber? Sem o saber, porque uma tal lingstica, quer seja espontnea ou sistemtica, sem-

    (I9S~L Cf. "Das Wesen der Sprache", e "Das Wort", in Unt~rw~gs :ur SprtKhe com:. En~tar, traduo do verbo ~ntam~r. que o Dlctionaire Rob~rt define ainda a - "cortar por inciso; tirar uma parte, cortando, de alillma coisa Pr~ ~tata;. cortar, penetrar" (neste sentido, o dicionrio remete ao verbo No p~ radutrdo. por ns como arrombar); b - "pOr a mo em (alao a fazer)". 1eDtido~'""0 Dtcronrlo Brasi/~iro da Llngua Portugursa, encontramos os seaulntes Parte de!'ara o verbo ~ncetar: "prn

  • 26 GRAMATOLOGIA

    pre teve de compartilhar os pressupostos da metafsica. Am-bas se movem sobre o mesmo solo.

    1?. bvio que a alternativa no poderia ser to simples. De um lado, com efeito, se a lingstica moderna per-

    manece inteiraQlente encerrada numa conceitualidade clssica, se em particular ela emprega ingenuamente a palavra ser e tudo o que esta supe, aquilo que nesta lingstica descons-tri a unidade da palavra em geral no mais pode ser cir-cunscrito, segundo o modelo das questes heideggerianas, tal como funciona poderosamente desde o incio de Sein und Zeit, como cincia ntica ou ontologia regional. Na medida em que a questo de ser se une indissoluvelmente, sem se lhe reduzir, pr-compreenso da palavra ser, a lingstica que trabalha na desconstruo da unidade constituda desta palavra no precisa mais esperar, de fato ou de direito, que se coloque a questo do ser, para definir seu campo e a ordem de sua dependncia.

    No apenas seu campo no mais simplesmente ntico, mas os limites da ontologia que lhe corresponderia no tm mais nada de regional. E o que aqui dizemos da lingstica ou pelo menos de um certo trabalho que pode fazer-se nela e graas a ela, no podemos diz-lo com respeito a toda investigao, enquanto e na medida rigorosa em que viesse a desconstituir os conceitos-palavras fundadores da ontologia, do ser privilegiadamente? Fora da lingstica, na investi-gao psicanaltica que este arrombamento parece ter hoje as maiores oportunidades de ampliar-se.

    No espao rigorosamente delimitado deste arrombamen-to, estas "cincias" no so mais dominadas pelas questes de uma fenomenologia transcendental ou de uma ontologia fundamental. Talvez se diga ento, seguindo a ordem das questes inaugur!ldas por Sein und Zeit e radicalizando as questes da fenomenologia husserliana, que este arromba-mento no pertence prpria cincia, que o que assim parece produzir-se num campo ntico ou numa ontologia regional no lhes pertence de direito e j se junta prpria questo do ser.

    Pois, de outro lado, a questo do ser que Heidegger coloca metafsica. E com ela a questo da verdade, do septido, do logos. A meditao incessante desta questo no restaura confianas. Pelo contrrio, ela as exclui de sua pro-fundidade prpria, o que mais difcil - tratando-se do

    ~entido do ser - do que se acredita geralmente. Interro-gando a vspera de toda determinao do ser, abalando as

    O FIM DO LIVRO E O COMEO DA ESCRITURA 27

    seguranas da onto-teologia, uma tal meditao contribui, tanto quanto a lingstica mais atual, para descolocar a uni-dade de sentido do ser, isto , em ltima instncia, a unidade da palavra.

    1?. assim que, depois de evocar a "voz do ser", Heidegger lembra que ela silenciosa, muda, insonora, sem palavra, originariamente -fona (die Gew'hr der lautlosen Stimme ver-borgener Quellen . .. ) . No se ouve a voz das fontes. RuP-tura entre o sentido originrio do ser e a palavra, entre o sentido e a voz, entre a "voz do ser" e a phon , entre o ''apelo do ser" e o som articulado; uma tal ruptura, que ao mesmo temp confirma uma metfora fundamental e lana a suspeio sobre ela ao acusar a defasagem metafrica, traduz bem a ambigidade da situao heideggeriana .com respeito metafsica da presena e ao logocentrismo. Ela ao mesmo tempo est compreendida nestes e os transgride. Mas impossvel fazer a partilha. O prprio movimento da transgresso a retm, s vezes, aqum do limite. Ao con-trrio do que sugeramos mais atrs, seria preciso lembrar que o sentido do ser no nunca simples e rigorosamente um "significado", para Heidegger. No por acaso que no utilizado esse termo: isto quer dizer que o ser escapa ao movimento do signo, proposio que tanto se pode entender como uma repetio da tradio clssica quanto como uma desconfiana face a uma teoria metafsica ou tcnica da sig-nificao. De outro lado, o sentido do ser no nem "pri-meiro", nem "fundamental", nem " transcendental", quer se entendam estes termos no sentido escolstico, kantiano ou husserliano. O desprendimento do ser como "transcendendo" as categorias do ente, a abertura da ontologia fundamental sio apenas momentos necessrios mas provisrios. Desde a Introduo Metafsica, Heidegger renuncia ao projeto e . P~.avra. de "ontologia"12 A dissimulao necessria, ori-gmana e uredutvel do sentido do ser, sua ocultao na ecloso

    '~esm.a da presena, este retiro sem o qual no haveria sequer htstna do ser que fosse totalmente histria e histria do ser, a insistncia de Heidegger em marcar que o ser se produz c?mo histria apenas pelo logos e no nada fora deste, a diferena entre o ser e o ente, tudo isto india bem que, fundamentalmente, nada escapa ao movimento do significante e que, em ltima instncia, a diferena entre o significado e

    'A 12 aarantla da voz silenciosa das fontes ocultas". (N. dos T.) d"'iJo 4) P. 50 da tradulio francesa de G. Kahn. [Recorremos, para a lntro-

    (koo) 2:'~~a/ldca, l tradulo brasileira de E. Carneiro Leio, Tempo Brasileiro e oio, 1969. O texto citado nchase nu pp. 67-68 - (N. dos T.).)

  • 28 GJlAMATOLOGIA

    o significante niio nada. Esta proposio de transgresso, se no for tomada num discurso preveniente, corre o risco de formular a prpria regresso. Deve-se, portanto, passar pela questo do ser, tal como colocada por Heidegger e apenas por ele, para a onto-teologja e mais alm dela, para aceder ao pensamento rigoroso desta estranha no-diferena e determin-la corretamente. Que o "ser", tal como fixado sob suas formas sintticas e lexicolgicas gerais no interior da rea lingstica e da filosofia ocidentais, no seja um sig-nificado primeiro e absolutamente irredutvel, que ainda este-ja enraizado num sistema de lnguas e numa "significncia" histrica determinada, embora estranhamente privilegiada como virtude de desvelamento e de dtssimulao, Heidegger lembra-o s vezes: particularmente quando convida a medi-tar o "privilgio" da "terceira pessoa do singular do pre-sente do indicativo" e do "infinitivo". A metafsica ocidental, como limitao do sentido do ser no campo da presena, produz-se como a dominao de uma forma lingstica13

    13. lntrodu;/Jo .t Metajlslca (escrito em 193,), p. 103 da tradulo l'lllcell ((1. UR da trlduio brasileira: "Tudo isso acena na direlo daquilo co'11 que nos depiramos na primeira caracteri.zalo da experi~ncia e lnterpretalo ateaa do Ser. Se nos ativermos l interpretalo usual do inrmitlvo, o verbo :er' retara entlo o seu sentido do carter unttrio e determinado do horizonte, quo gula a oompreenslio. Em slntese: ns compreendemos entlio o substantivo verbal 'ser' pelo infinitivo, o qual, por sua vez., se reporta sempre ao ~ e vaieaade por ele exro~~ (qu~ n6s ~rp11umos). A forma verbal sln11ular e determinada, ~. a tucrira pusoa do singular do lndl~ativo presente possui aqui uma pi'Oeminlncla. Nio compreendemos o 'ser' com relao ao 'tu ~' , 'vo sois', 'eu sou' ou 'eles seriam' embora todas essas formas expressem tambm. e do mesmo modo que o '', variaes verbais do 'ser'. Por outro lado, sem o querer e quase se no fosse posslvel de outra maneira, explicamos o lnftniltvo 'aer' a partir do ''. Por conseguinte o 'ser' possui a significaAo indicada. que recot da a concepo grega d Essencializalo do Ser (da est8ncla do str), uma determinalo, portanto, que nlo nos caiu por acaso do u mas que desck mll!nios, vem dominando a nossa exist~ncia Histrica (nosso estar-AI prUVht-tul'l) ("~

  • 30 GRAMATOLOGIA

    Necessidade deste torno de escritura irredutvel. Pensamen-to discreto e difcil que, atravs de tantas mediaes desper-cebidas, deveria carregar todo o peso de nossa questo, de uma questo que denominamos ainda, provisoriamente, his-toriai. :e graas a ela que, mais tarde, poderemos tentar fazer comunicarem-se a diferncia e a escritura.

    A hesitao destes pensamentos (aqui, os de Nietzsche e de Heidegger) no uma "incoerncia": tremor prprio a todas as tentativas ps-hegelianas e a esta passagem entre duas pocas. Os movimentos de desconstruo no solicitam as estruturas do fora. S so possveis e eficazes, s ajustam seus golpes se habitam estas estruturas. Se as habitam de uma certa numeira, pois sempre se habita, e principalmente quando nem se suspeita disso. Operando necessariamente do interior, emprestando da estrutura antiga todos os recursos estratgicos e econmicos da subverso, emprestando-os es-truturalmente, isto , sem poder isolar seus elementos e seus tomos, o empreendimento de desconstruo sempre, de um certo modo, arrebatado pelo seu prprio trabalho. Eis o que no deixa de assinalar, diligentemente, aquele que co-meou o mesmo trabalho em outro lugar da mesma habita-o. Nenhum exerccio est mais difundido em nossos dias do que este, e deveria poder-se formalizar as suas regras.

    J Hegel estava preso neste jogo. De um lado, no h dvida de que ele resumiu a totalidade da filosofia do logos. Determinou a ontologia como lgica absoluta; reuniu todas as delimitaes do ser como presena; designou presena a escatologia da parusia, da proximidade a si da subjetividade infinita. E pelas mesmas razes que teve de rebaixar ou subordinar a escritura. Quando critica a caracterstica leib-niziana, o formalismo do entendimento e o simbolismo mate-mtico, faz o mesmo gesto: denunciar o ser-fora-de-si do logos na abstFao sensvel ou intelectual. A escritura ~ este esquecim~nto de si, esta exteriorizao, o contrrio da me-mna interiorizante, da Erinnerung que abre a histria do esprito. ];; o que dizia o Fedro: ~scritura ao mesmo tempo mnemotcnica e potncia de esquecimento. Natural-mente, a crtica hegeliana da escritura detm-se diante do alfabeto. Enquanto escritura fontica, o alfabeto simulta-neamente mais servil, mais desprezvel, mais secundrio ("A escritura alfabtica exprime sons que, por sua vez, so j signos. Ela consiste, portanto, em signos de signos" ("aus

    Aluso a Temor e Tremor, de S. KJedcesaard. N. dos T.) Substantivo alemlo composto do verbo mnnern e que significa "recor

    dao, lembrana". Dervase do termo inner, "interor", "interno". (N. dos T.)

    O FIM DO LIVRO E O COMEO DA ESCRITURA 31

    7..eicben der .zeichen", En~iclopdia, ~?9), mas tambm a melhor escntura, a escntura do espmto: seu apagamento diante da voz, aquilo que nela respeita a interioridade ideal dos significantes fnicos, tudo pelo qual ela sublima o espao e a vista, tudo isto a torna a escritura da histria, isto , a escritura do esprito infinito referindo-se a si mesmo em seu discurso e em sua cultura:

    "Segue-se da que aprender a ler e escrever uma escritura alfab-tica ter um meio de cultura de infinita riqueza (unend/iches Bil-dungsmittel) e no bastante apreciado; j que conduz o esprito, do concreto sensvel, ateno para com o momento formal, palavra sonora e aos seus elementos abstratos, e contribui de maneira essen-cial para fundar e puricar no sujeito o campo da interioridade."

    Neste sentido, ela a Auf_hebung das outras escrituras, e particularmente da escritura hieroglfica e da caracterstica leibniziana, que haviam sido criticadas anteriormente num ni-co e mesmo gesto. (A Aufhebung , de maneira mais ou menos implcita, o conceito dominante de quase todas as his-trias da escritura, ainda hoje. Ela o conceito da histria e da teleologia.) Hegel prossegue, com efeito:

    "O hbito adquirido cancela depois tambm a especificidade pela qual a escritura alfabtica aparece, no interesse da vista, como um caminho indireto (Umweg) para alcanar pela audibilidade as repre-c;entaes; o que faz semelhantemente escritura hieroglfica, de modo que no uso dela .no temos necessidade de ter presente cons cincia, diante de ns, a mediao dos sons".

    :e sob' esta condio que Hegel retoma, por conta pr-pria, o elogio leibniziano da escritura no-fontica. Ela pode ser praticada pelos surdos e pelos mudos, dizia Leibniz. Hegel:

    "Alm de conservar-se - pela prtica que transforma a escritura alfabtica em hierglifos - a capacidade de abstrao adquirida com aquele primeiro exerccio, a leitura hieroglfica para si mesma uma leitura surda e uma escritura muda (eintaubes Lesen u11d ein stummes Schreibt'n) o audvel ou temporal. e o visvel ou espacial. tm. de fato, cada um seu prprio fundamento e de igual validade um que ? outro; mas, na escritura alfabtica, h somente um fundamento, ISto , a exata relao pela qual a lngua visvel se refere lngua 5?nora s como signo; a inteligncia se exterioriza imediata e incondi-Cionalmente no falar".

    O que trai a escritura mesma, no seu momento no-fo-ntico, a vida. Ela ameaa de um nico movimento o

    1 Termo empregado por Hegel e que corresponde ao verbo aujheben, que qean Wah! props traduzir em franch como "surprimer",, neologismo exeml;'lar ~ef di conta do seu duplo sentido: suprimir atao, levando-o l sua mtma ~r elo. (N. dos T.)

  • 32 ORAMATOLOOIA

    sopro, o esprito, a histria como relao a si do esprito. Ela o seu fim, a sua finidade, a sua paralisia. Cortando o sopro, esterilizando ou imobilizando a criao espiritual na repetio da letra, no comentrio ou na exegese, confinada num meio estreito, reservada a uma minoria, ela o princ-pio de morte e de diferena no devir do ser. Ela est para a fala como a China est para a Europa:

    "S ao carter exegticoH da cultura espiritual chinesa ade-quada a escritura hieroglfica; e, alm disso, este modo de escritura s pode ser prprio daquela minoria de um povo que tem a posse exclusiva da cultura espiritual." . . . "Uma linguagem de escritura hieroglfica reclamaria uma filosofia to exegtica como , em geral, a cultura dos chineses."

    Se o momento no-fontico ameaa a histria e a vida do esprito como presena a si no sopro, porque ameaa a substancialidade, este outro nome metafsico da presena, da ousia. Inicialmente sob a forma do substantivo. A escritura no-fontica quebra o nome. Ela descreve relaes e no denominaes. O nome e a palavra, estas unidades do sopro e do conceito, apagam-se na escritura pura. A este respeito, Leibniz to inquietante quanto o chins na Europa:

    "Esta circunstAncia da notao analtica das representaes na escritura hieroglfica, qut levou Leibniz ao engano de consider-la como mais vantajosa que a escritura alfabtica, , ao contrrio, o que contradiz a exiRncia fundamental da linguagem em geral, o no-me." " ... toda diferena (Abw~icltung) na anlise produziria uma formao diversa do nome escrito".

    O horizonte do saber absoluto o apagamento da escri-tura no fogos. a reassuno do rastro na parsia, a reapro-priao da diferena, a consumao do que denominamos. em outro lugar1 , a metafsica do prprio.

    E contudo, tudo o que Hegel pensou neste horizonte, isto , tudo menos a escatologia, pode ser relido como medi-tao da escritul:a. Hegel tambm o pensador da diferena irredutvel Reabilitou o penc:amento como memria produ-tora de signos. E reintroduziu, como tentaremos mostrar em outro lugar, a Necessidade essencial do rastro escrito num discurso filosfico - isto , socrtico - que sempre acre-ditara poder dispens-lo: ltimo filsofo do livro e primeiro pensador da escritura.

    14. dtrn Sramu/sclrtll. palavra do alem lo arcako que at aaora se traduziu como "imvel". "e"''fco" r

  • 34 GRAMAfOLOGIA

    59 que a escritura no somente um meio auxiliar a servio da cincia - e eventualmente seu objeto - mas, antes ce mais nada, conforme lembrou particularmente Hus-serl em A Origem da Geometria, a condio de possibilidade dos objetos ideais e, portanto, da objetividade cientfica. Antes de ser ~eu objeto, a escritura a condio da episteme;

    69 que a prpna historicidade est ligada possibili-dade da escritura: possibilidade da escritura em geral, para alm destas formas particulares de escritura em nome das quais por muito tempo se falou de povos sem escritura e sem histria. Antes de ser o objeto de uma histria - de uma cincia histrica - a escritura abre o campo da hist-ria - do devir histrico. E aquela ( Historie, diramos em alemo) supe este ( Geschichte).

    A cincia da escritura deveria, portanto, ir buscar seu objeto na raiz da c;ientificidade. A histria da escritura deveria voltar-se para a origem da historicidade. Cincia da possibilidade da cincia? Cincia da cincia que no mais teria a forma da lgica mas sim da gramtica? Histria da possibilidade da histria que no mais seria uma arqueo-logia, uma filosofia da histria ou uma histria da filosofia?

    As cincias positivas e clssicas da escritura no podem ~eno reprimir este tipo de questo. At certo ponto, esta represso at mesmo necessria para o progresso da inves-tiga_o positiva. Alm do fato de que ainda estaria presa lgica filosofante, a questo onto-fenomenolgica relativa essncia, ou seja, relativa origem da escritura, no pode-ria, sozinha, seno paralisar Pu esterilizar a pesquisa hist-rica e tipolgica dos fatos.

    Nossa inteno, assim, no confrontar este problema pr-judicial, esta seca necessria e, de certa facilidade, fcil questo de direito, com o poder e eficcia das pesquisas positivas a Que hoje nos dado assistir. Jamais a gnese e o sistema das escrituras propiciaram exploraes to pro-fundas. extensas e c;epuras Muito menos tr!tta-o;e d~ con-frontar a questo com o peso das descobertas, porquanto, as questes so imponderveis. Se esta no o , completa-mente, talvez seja porque seu recalcamento tem conseqncias efetivas no prprio contedo de pesquisas que, no presente caso e privilegiadamente, ordenam-se sempre ao redor de problemas de definio e de comeo.

    Menos que qualquer outro, o gramatlogo pode evitar interrogar-se sobre a essncia de seu objeto sob a forma de uma questo de origem: "O que a escritura?" quer dizer "onde e quando comea a escritura?" As respostas geral-

    LlNGOfSTICA E GRAMATOLOGIA 35

    te aparecem muito rapidamente. Circulam em conceitos men .d . . Jmente pouco criticados e movem-se em ev1 enctas que ~ea de sempre parecem bvias. Ao redor destas respos~as, de esd vez ordenam-se uma tipologia e uma perspectiva do

    ca a d h" . d das escrituras. Todas as obras que tratam a tst na eV1f 1 r d escritura so compostas da mesma forma: uma c assJJCa-:o de tipo filosfico e teleolgico esgota os _problemas .c~

    _ em algumas pginas, passando-se em segu1da expos1ao ucos "lid d o d dos fatos. Contraste entre a fragJ a e. te nca as. reco_ns-trues e a riqueza histrica, arqueolg~ca, etnolg1ca, filo-lgica da informao.

    Origem da escritura, origem da linguagem, as duas ques-tes dificilmente se separam. . Ora_, os gram~tlo~os, que em geral so, por formao, btstona~ores, ~~~gr_afJstas, ar-quelogos, raramente ligam suas pesq_usas ~tencta moder:na da linguagem. Surpreendemo-nos amda mats sendo a h~gstica, entre as "cincias do homem", aquela a qu~ _ atn-bufda, cientificidade como exemplo, com uma unamm1dade solcita e insistente.

    Pode, pois, a gramatologia, de direito esperar da lin-gstica um socorro essencial que quase nunca de fato pro-curou? No se revela, ao contrrio, eficazmente agindo no prprio movimento pelo qual ~_lingstica ~e instit~iu como cincia, um pressuposto metafis1co qu?n~o- as relaoes .~n~e fala e escritura? No obstaria a constttmao de uma ctencta geral da escritura um tal pressuposto? Ao leva~tar este pressuposto no se alteraria a paisagem em que, pactficamen-te estabeleceu-se a cincia da linguagem? Para melhor e ~a pior? Para o cegamento e para a produtividade? Tal o segundo tipo de questo que gostaramos de esboar ago-ra. Para precis-la, preferimos aproximarmo-nos, co~o de um exemplo privilegiado, do projeto e textos de ~erdtnand de Saussure. Que a particularidade do exemplo nao. romp~ a generalidade de nosso propsito: procuremos aqut e alt, fazer ~lgn m~i" 'llm de o;up-lo

    A lingstica pretende, pois, ser a cincia da linguagem. Deixemos aqui de lado todas as decises implcitas que esta-beleceram um tal projeto e todas as questes que a fecun-didade desta cincia deixa adormecidas em relao sua prpria origem. Consideremos primeiro simplesmente, do ~nto de vista que nos interessa, que a cientificidade desta c1encia comumente reconhecida devido a seu fundamento fonolgico. A fonologia, afirma-se hoje, freqentemente. comunica sua cientificidade lingstica que serve, ela mes-ma, de modelo epistemolgico para todas as cincias huma-

  • 36 ORAMATOLOGlA

    nas. ':'isto qu7 a. orientao deliberada e sistematicamente fon~lgica d~ hngu;stica (T~oube~~i, Jakobson, Martinet)

    r~aliza uma mtenao q~e fo1 de 1rucio a de Saussure, diri-g~r-n~s-~mos, no essencial e. pelo menos provisoriamente, a esta ultima: O que dela diremos valer a fortiori para as formas ma1s acusadas do fonologismo? O problema ser pelo menos colocado.

    A ci~n~i? lingstica determina a linguagem - seu cam-po de ?bJetlVldade -: el? ltima instncia e na simplicidade Irreduhvel de sua essenc1a, como a unidade de phon, glossa e lo~os. ~sta determinao anterior de direito a todas as diferenciaes eventuais que puderam surgir nos sistemas

    terminolgi~os das diferent7s ~~cc;>las (~gua/fala; cdigo/ /m~nsagem, .esquema/uso~ lmgutstJca/lgJca; fonologia/fone-~tJca/fon6ti~a/ glossemtica). E mesmo que queiramos con-fmar a sonondade do lado do significante sensvel e contin-

    ~ente (o que ~eria literalmente impossvel, uma vez que iden-t~dades formais recortadas numa massa sensvel j so idea-hdad~s nAo puramente sensveis), ser necessrio admitir que a un.Idade imediata. c privilegiada que fundamenta a signifi-cncia e o ato de linguagem a unidade articulada do som e do sentido na fonia. Em relao a esta unidade a escritura seria sempre derivada, inesperada, particular ext~rior dupli-cando o significante: fontica. "Signo de si~o", dizia~ Aris-tteles, Rousseau e Hegel.

    ED:tre~to, a inteno que institui a lingstica geral Cc;>~o Cincia perm.anece, sob este ponto de vista, na contra-diao. Um propsito declarado confirma com efeito dizendo o que ace~to ~m ser di,t~, a subordinao da gr~atologia, a reduAo histn~o-metafisica d~ escritura categoria de ins-trumento subordmado a uma linguagem plena e originaria-mente falada. Mas um outro gesto (no dizemos um outro propsito, pois,-aqui, o que no segue sem dizer feito sem ser dito, escrito sem ser proferido) liberta o porvir de uma gramatolog1a geral, de que a hngutstlca fonolgica seria so-mente uma regio dependente e circunscrita. Sigamos em Saussure esta tenso do gesto e do propsito.

    O FORA E O DENTRO

    D~ um lado, segundo a tradio ocidental que rege no s teoncamente mas na prtica (no princpio de sua prtica) as relaces entre a fala e a escritura, Saussure reconhece a esta no mais que uma funo t!Strita e derivada. Estrita por-

    LIN

  • 38 GRAMATOI.OGIA

    da. Ora, a palavra ( vox) j uma unidade do sentido e do som.' do conceito e da voz, ou, para falar mais rigorosamente a .Imguagem saussuriana, do significado e do significante. Ahs, esta ltima terminologia fora primeiramente proposta somente no domnio da lngua falada, da lingstica no sen-tido estrito e no da semiologia ("Propomo-nos a conservar o termo signo para designar o total, e a substituir conceito e imagem acstica respectivamente por significado e signifi-cante" p. 81). A palavra j , pois, uma unidade consti-tuda, um efeito "do fato, de certo modo misterioso, de o 'pensamento-som' implicar divises" (p. 131). Mesmo qu'! a palavra seja, por sua vez, articulada, mesmo que implique outras divises, enquanto se colocar a questo das relaes entre fala e escritura, considerando unidades indivisveis do "pensamento-som", a resposta j estar pronta. A escritura ser "fontica", ser o fora, a representao exterior da lin-guagem e deste "pensamento-som". Dever necessariamente operar a partir de unidades ce significao j constitudas e em cuja formao no tomou parte.

    Objetaro, talvez, que, longe de contradiz-la, a escri-tura nunca fez outra coisa seno confirmar a lingstica da palavra. At aqui, com efeito, demos a impresso de consi. derar que, somente a fascinao por esta unidade a que se chama palavra, tinha impedido conceder escritura a consi-derao que ela merecia. Com isso, parecramos supor que, acaso se cessasse de conceder um privilgio absoluto pa-lavra, a lingstica moderna se tornaria muito mais atenta escritura e deixaria, enfim, de dela suspeitar. Andr Mar-tinet chega concluso inversa. Em seu estudo sobre A palavra1 dec:creve 1. Necec;sidade a que obedece a lingiit'-tica atual, sendo conduzida, se no a excluir completamente o conceito de palavra, ao menos a tornar flexvel seu uso, a associ-lo a con_ceitos de unidades menores ou maiores (mo-nemas ou sintagmas). Ora, creditando e consolidando, no interiur d., certa:. l.c.u linbilisticas, a di\.iso da linguagem

    I. In Dlo1~n, ~1. 196$ A. Mnlnet alude l "audcia" q~ "teria sid :> preciso" hi pouco tempo para "penSO, indnetamenlc, com .. idi.. o.{Uo;; c;.1. Pnme. O exemolo clssico deste sistema a escritura chinesa. 29) o sistema dito comumente "fontico", que visa a reproduzir a srie ~e ~ns que se sucedem na palavra. As escrituras fonticas so ora, st!bicas, ora alfabticas, vale dizer, baseadas nos elementos irre dut!vets da fala. Alm disso, as escrituras ideogrficas se tomam

    f~ctlmente mistas: certos ideogramas, distanciados de seu valor ini-ctal terminam por representar sons isolados" ( p. 36).

    Esta limitao, no fundo, justificada, aos olhos de Saussure, pela noo do arbitrrio do signo. A escritura sen-do defmida como "um sistema de signos", no h escritura

  • 40 GRAMATCLOGIA

    "simblica" (no sentido saussuriano), nem escritura figura-tiva: no h escritura na medida em que o grafismo mantan uma relao de figurao natural e de semelhana, qualquer que seja esta, com o que ento no significado mas repre-sentado, cesenhado, etc O conceito de escritura pictogr-fica ou de escritura natural seria, pois, contraditrio para Saussure. Se pensamos na fragilidade agora reconhecida das noes de pictograma, de ideograma, etc., na incerteza das fronteiras entre as escrituras ditas pictogrficas, ideogr. ficas, fonticas, medimos no s a imprudncia da limitao saussuriana mas tambm a necessidade para a lingstica ge-ral, de abandonar toda uma famlia de conceitos herdados da metafsica - freqentemente por intermdio de uma psi-cologia - e que se agrupam ao redor do conceito de arbitr-rio. Tudo isso remete para alm da oposio natureza/cultu-ra, a uma oposio que sobrevm entre physis e nomos, physis e techn cuja ltima funo , talvez, erivar a historicidade; e, paradoxalmente, no reconhecer seus direitos histria, produo, instituio, etc., a no ser sob a forma do arbi-trrio e sobre o fundo de naturalismo. Mas, deixemos pro-visoriamente esta questo em aberto: talvez, este gesto que preside, em verdade, instituio da metafsica, tambm ele esteja inscrito no conceito de histria e mesmo no conceito ce tempo.

    Saussure introduz, em acrscimo, uma outra limitao compacta:

    "Limitaremos nosso estudo ao sistema fontico, e, especialmente quele em u~o hoj: em dia, cujo prottipo o alfabeto grego" (p. 36).

    Estas duas limitaes so to mais tranqilizantes na medida em que aparecem no momento exato para respon-der mais legtima das exigncias: a cientificidade da lin-gstica tem, com efeito, como condio, que o campo lin-gstico tenha fronteiras rigorosas, que este seja um sistema regido por uma ~ecesstdade tntema e que, de uma certa maneira, sua estrutura seja fechada. O conceito represen-tativista da escritura facilita as coisas. Se a escritura no 6 mais que a "figurao" ( p. 33) da lngua, temos o direito de exclu-la da interioridade do sistema (pois seria neces-srio crer que existe aqui um dentro da lngua), assim como a imagem deve poder se excluir, sem perda do sistema da realidade. Ao se propor como tema "a representao da lngua pela escritura", Saussure comea, assim, por colocar que a escritura "por si, estranha ao sistema interno" da

    LJNGOISTJCA E GRAMATOLOGIA 41

    , ua (p 33) Externo/ interno, imagem/ realidade, repre-Jmg . . , centao/presena, tal a velha grade a 9ue .esta entregue o d , 0 de desenhar o campo de uma ctncta. E de qual ~--ecJ 1a De uma cincia que no mais pode responder ao c1en . .

    nceito cl~1co de eptsteme porque seu campo tem como ~~i nalidace -.uma originalidade que ele inaugura - que a :'t,ertura c a "tmagem", que nele se d, . aparec~ como a

    dao da "realidade" relao que no mats se detxa pensar con 1 d diferena simples e na extenondade sem compromtsso a

    na "f " d "d tr " da "imagem" e da "realidade", do ora e . o en o , "aparncia" e da "essncia", com ~odo o ststem~ das opo-sies aue a se encadeiam necessana_mente. Platao, _que no fundo dizia o mesmo sobre as relaoes entre a escntura,. a fala e o ser (ou a idia), tinha - pelo menos a ~espett.o da imagem, da pintura e da imitao - uma teon~ mats sutil mais crtica e mais inquieta que aquela que pres1de ao nasc'imento da lingstica saussuriana.

    No por acaso que a consider~~o ~xclusi~a. da esc.ri-tura fontica permite responder . extgencta do ststel!'a, ~~terno". A escritura fontica tem JUStamente como pnnctpto funcional respeitar e proteger a integrid~de do "sistema in_te~no da ltngua, mesmo que no o constga de fato. A ltml-tao saussuriana no satisfaz, por uma fez comodidade, exigncia cientfica do "sistef1!a interno". Esta exigncia mes-ma constiJuda, enquanto exigncia epistemolgica em ge-ral, pela prpria possibilidade da escritura fontica e pela exterioridade da "notao" lgica interna.

    Mas no simplifiquemos: existe t~bm, sobre es~e ponto, uma inquietude de Saussure. Sem tsso, por q~e dar!a ele t11nta atenco a este fenmeno externo, a e~ta f1guraao exilada a este fora a este duplo? Por que julga ele "impos-

    , ' svel fazer abstrao" do que entretanto designado como o prprio abstrato em relao ao dentro da lngua?

    .. Conquanto a e:..;ntura seja, por ~i, e~tranha .. v ~i. tc;ma interno impossvel fazer abstrao de um processo atravs do qual a lngua ininterruptamente figurada; cumpre conhecer a utilidade, os defeitos e os inconvenientes de tal processo" (p. 33).

    A escritura teria pois a exterioridade que atribuda aos utenslios; sendo, alm disso, ferramenta imperfeita e tc-nica perigosa, diramos quase que malfica. Compreendemo!~ melhor por que, em vez de tratar desta figurao exterior num apndice ou nas margens, Saussure a ela consagra um captulo to trabalhoso quase que na abertura do Curso. ~

  • 42 GRAMA TOLOGIA

    que se trata, mais do que delinear, de proteger e mesmo restaurar o sistema interno da lngua na pureza de seu con-ceito contra a contaminao mais grave, mais prfida, mais permanente que no parou de amea-lo, at mesmo alte-r-lo, no decorrer do que Saussure quer, de qualquer forma, considerar como uma histria externa, como uma srie de acidentes afetando a lngua, e lhe sobrevindo do fora, no momento da "notao" (p. 34), como se a escritura come-asse e terminasse com a notao. O mal da escritura vem do fora ClwOE'J), j dizia o Fedro (275 a). A contamina-o pela escritura, seu feito ou sua ameaa, so denunciados com acentos de moralista e de pregador pelo lingista gene-brs. O acento conta: tudo se passa como se, no momento em que a dncia moderna do logos quer aceder sua auto-nomia e sua cientificidade, fosse ainda necessrio abrir o processo de uma heresia. Este acento comeava a se deixar entender assim que, no momento de atar j na mesma pos-sibilidade, a episteme e o logos, o F edro denunciava a escri-tura como intruso da tcnica artificiosa, efratura * de uma espcie totalmente original, violncia arquetpica: irrupo do fora no dentro, encetando a interioridade da alma, a presena viva da alma a si no verdadeiro logos, a assistncia que d a si mesma a fala. Desta forma enfurecida, a veemente argu-mentao de Saussure aponta mais que um erro terico, mais que uma falta moral: uma espcie de ndoa e, antes de mais nada, um pecado. O pecado foi definido freqentemente -por Malebranche e por Kant, entre outros - como a inver-so das relaes naturais entre a alma e o corpo na paixo. Saussure acusa aqui a inverso de relaes naturais entre a fala e a escritura. No uma simples analogia: a escritura, a letra, a inscrio sensvel, sempre foram consideradas pela tradio ocidental como o corpo e a matria exteriores ao esprito, ao SOJ?rO, ao verbo e ao logos. E o problema rela-tivo alma e ao corpo, sem dvida alguma, derivou-se do problema da escritura a que parece - ao invs - empres-tar as metforas.

    A escritura, matria sensvel e exterioridade artificial: uma "vestimenta". Por vezes, contestou-se que a fala fosse uma vestimenta para o pensamento. Husserl, Saussure, La-

    Ejratura, ou o mesmo que "efrao" e "efraco", termo m~dco ~ indicar - segundo Laudelno Freire - o "arrombamento", e traduz aqu o franc!s eflractlon, que tem sentido jurldlco de arrombar uma porta. Denomina se "bris de clture" a efratura cometida de jora da casa, segundo o Ro/Hrl. rendo que "clture" (palavra fundamental neste livro, por ns traduzida c/411-sura) aqui se refere precisamente ao conjunto de peu que fecham e trancalll uma porta. - Note-se que usamos "arrombamento" para traduzir pn-clr. (N. dos T.)

    UNGOf!>TICA E GRAMATOLOGIA 43

    lle no deixaram de faz-lo. Mas, alguma vez duvidou-se v~e a escritura fosse ~ma vestimenta d~ fala? Para S~ussu~e qbega a ser uma vestiiDenta de perversao, de desarranJO, ha-~ito de c~mupo e ~e disf?rce, mscara de festa ~ue dev.e er exorctzada, ou SeJa, conJurada pela boa fala: A escn-

    :ura vela a viso da lngua: ela no uma vestimenta e sim uma travestimenta" (p. 40). Estranha "imagem". J se lana suspeio que, se a escritura "imagem" e "figurao" exte-rior esta "representao" no inocente. O fora mantm co~ 0 dentro uma relao que, como sempre, no nada menos do que simples exterioridade. O sentido do fora sem-pre foi no dentro, prisioneiro fora do fora, e reciprocamente.

    Logo, uma cincia da linguagem deveria reencontrar re-laes naturais, isto , simples e originais, entre a fa_la e a escritura, isto , entre um dentro e um fora. .Devena ~estaurar sua juventude absoluta e sua pureza de ongem, aquem, de uma histria e de uma queda que teriam pervertido as relaes entre o fora e o dentro. A haveria, pois, uma natu-reza das relaes entre signos lingsticos e signos grficos, e o terico do arbitrrio do signo que dela nos lembra. Segundo os pressupostos histrico-metafsicos que evocamos mais acima, haveria a, primeiramente, um liame natural do fentido aos sentidos e o que passa do sentido ao som: "liame natural, diz Saussure, o nico verdadeiro, o do som" (p. 35). Este liame natural do significado (conceito ou sen-tido) ao significante fnico condicionaria a relao natural subordinando a escritura (imagem visvel, diz-se) fala. f esta relao natural que teria sido invertida pelo pecado ori-ginal da escritura: "A imagem grfica acaba por se impor custa do som. . . e inverte-se a relao natural" ( p. 3 5) . Malebranche explicava o pecado original, pelo descuido, pela tentao de facilidade e de preguia, por este nada que foi a "distrao" de Ado, nico culpado diante da inocncia do verbo divino: este no exerceu nenhuma fora, nenhuma efi-cacta, pois no aconteceu nada. Aqui tambm, cedeu-se a facilidade, que curiosamente, mas como sempre, est do lado do artifcio tcnico e no na inclinao do movimento natu-ral deste modo contrariado ou desviado:

    co ''Primeir~mente, a imagem grfica das palavras nos impressiond P mo um obJeto permanente e slido, mais apropriado que o som q~a cor:s~tuir a unidade da lngua atravs do tempo. Pouco importa !ia ;sse .hame seja superficial e crie uma unidade puramente jact-dad . mwto mais fcil de aprender que o liame natural, o nico ver-

    etro, o do som (p. 35. O grifo nosso).

  • 44 GRAMATOLOGJA

    Que "a imagem grfica das palavras nos impressiona como um objeto permanente e slido, mais apropriado que o som para constituir a unidade da lngua atravs do tempo" no , contudo, tambm um fenmeno natural? t que e111 verdade, uma natureza m, "superficial", "fatcia" e "fcil", por embuste, apaga a natureza boa: a que liga o sentido ao som, o "pensamento-som". Fidelidade tradio que sem-pre fez comunicar a escritura com a violncia fatal da insti-tuio poltica. Tratar-se-ia, como para Rousseau por exem-plo, de uma ruptura com a natureza, de uma usurpao que acompanha o cegamento terico sobre a essncia natural da linguagem, de qualquer forma sobre o liame natural entre os "signos institudos" da voz e "a primeira linguagem do homem", o "grito da natureza" (segundo Discurso). Saus-sure: "Mas a palavra escrita se mistura to intimamente com a palavra falada de que a imagem que acaba por usur-par-lhe o papel principal" ( p. 34. O grifo nosso). Rous-seau: "A escritura no seno a representao da fala; 6

    e~quisito preocupar-se mais com a determinao da imagem que do objeto". Saussure: "Quando se diz que cumpre pro-nunciar uma letra desta ou daquela maneira, toma-se a imtJ-gem por modelo . . . Para explicar esta esquisitice, acrescen-ta-se que neste caso trata-se de uma pronncia excepcional" ( p. 4()2). O que insuportvel e fascinante, exatamente esta intimidade enredando a imagem coisa, a grafia fonia, de tal forma que, por um efeito de espelho, de inverso e de perverso, a fala parece, por sua vez, o speculum da escri-tura que "usurpa, assim, o papel principal''. A representao ata-se ao que representa, de modo que se fala como se escre-ve, pensa-se como se o representado no fosse mais que a sombra ou o reflexo do representante. Promiscmdade peri-gosa, nefasta cumplicidade entre o reflexo e o refletido que se deixa seduzir de modo narcisista. Neste jogo da representa-o, o ponto de origem torna-se inalcanvel. H coisas,

    2. l:.stendamos nossa tllao para a tomar sens.-es o tom e o ateiO destas proposies tericas. Saossure ataca a escritura: "Outro resultado, i que quanto menos a escritura representa o que deve representar, tanto mais esfora a tcnd!neia a tom,la por base; os aramtlieos se obstinam em eham.-a atenlo sobre a forma escrita. Psicolo&itament