JESUÍTA - Pateo do Collegio · 2015. 10. 19. · e fazer em cada momento. Tem o tesouro de uns...

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A IDENTIDADE DO JESUÍTA

Apontamentos escritos pelo Padre Geral no ano passado, publicados primeiro nas Notícias de algumas Provínciasda América e depois no livro "Escalaen Espana", como resumo de muitasdas orientações da sua visita. — Tra^dução aos cuidados do P. José Mendes sobre o texto de "InformacióriSJ." n.° 18, março-abríl de 1972, páginas 62 a 73.

* I — Introdução: a "crise"*.

A crise ambiental por que passamos chega em algunscasos a formular-se para o jesuíta como uma pergunta angus-tiosa: Que somos? Que podemos ser? Que devemos ser hojeos jesuítas? Sem ter uma resposta certa para estas perguntas,como ir para a frente? Como viver até o fim uma vida difícil,que exige sacrifícios? Como iluminar as numerosas opiniõesconcretas a respeito da nossa vida pessoal e comunitária, sobrea formação e o apostolado?

O nosso próprio fim é que se torna para nós obscuro. Nãoé de estranhar se não acertamos com os meios.

Este estado de espírito, na medida em que realmente severifica, tem evidentemente uma parte importante na diminuiçãqdo número daqueles que hoje buscam unir a sua sorte à nossadando o seu nome à Companhia. Uma dúvida sobre a própriaidentidade logo transparece. Repercute também mais diretamente no entusiasmo que se pode mostrar pela própria vocação,no modo de falar dela, etc. Talvez fomos no passado demasiadamente entusiastas, um tanto proselitistas. Hoje caímos maisfreqüentemente no extremo oposto. Nisto influi sem dúvida umasituação interna de incerteza, que chegou a atingir a nossaprópria convicção do sentido e do valor do caminho que escolhemos.

Antes de prosseguir, talvez não seja inoportuno fazer umacerta pergunta à margem do que foi dito. Realmente, duvidamosdo que somos? Não vemos nada claro sobre o que podemos

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e devemos ser hoje? Exagerar a situação de crise não só nãoé justo como ainda tornaria o problema desnecessariamentedifícil poderia também ser uma elegante evasão das obrigaçõesnue assumimos, às vezes tão duras e exigentes. Poderia de-éenvoiver-se entre nós uma psicose coletiva muito prejudicial.

A arande maioria dos jesuítas continua de coração na•Comoanhia. trabalhando nela para a glória de Deus Isto signl-ficr^Que a maioria dos jesuítas encontrou reairnente uma res-

nara as perguntas mais fundamentais, embora nem sem-om lsta resposta tenha sido formulada conceitualmente. _e soubelõT Avidamente entre parênteses oque é duvidoso enao afeta0 essencial.

Principio de solução •

Por outra parte, tirar o tom trágido do probierna não signi-íir« Aixílo de lado e negar-lhe a importância. Ao contrário.1 « nremlssa imprescindível para estudá-lo com toda a seriedadeé a premissa I p . * solução não poderia ser nenhuma

f- """l ^^!âcl que ^Igum ,ive?se Inventado a nosformula ^^9' caída do céu. Nem mesmo o Padre Geral,

^'"rntíníe unta soluço épossível: a^.odos osj^sul.as=de frotlua- o^raírdr da^s^ía gp- -PeMânc. de ho.e.^do s.oulo^XX,turou pela Praça do EfP^P f^,, ,^31 de Santo Ináolor r p'íy^eíror"c'om^anSs —:iru1iro?e^a're',tStfre°.íntlfdfs rpTs-Tos taaen, ver'como chamado de Deus hoje.

Raizes da crise geral

" O que acabamos de dizer sugere ainda'dutória que nos ajudará a situar devidamente a nossa própria

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crise. Hoje tudo está em crise na sociedade. Não é precisoinsistir num fato que todos temos diante dos olhos e cujascausas também mais ou menos todos conhecemos e sabemosenumerar. Desenvolvimento cientifico vertiginoso. Correspondente escalada da técnica, que transforma profundamente as condições da vida humana. Explosão demográfica. Industrializaçãoe urbanização. Unificação relativa das regiões mais civilizadasdo planeta. Meios de difusão universal de notícias e idéias. Tudoisso muda a noção que os homens e as sociedades tinhamformado de muitas realidades, coloca problemas fundamentaissobre os valores e sua hierarquia, Impõe o fato do pluralismoem todos os níveis e torna dificilmente contestável o seu direito.O homem se sente histórico, relativiza o passado e o presentee se pergunta angustiado acerca de um futuro que sente maisdo que nunca em suas mãos.

É de estranhar que a Igreja participe desta crise geral?Ela é de origem divina, mas consta de homens como os demais,homens do seu tempo, com os problemas de todos. Ela tema garantia de Jesus Cristo e do Espírito Santo, mas Isto não lhepoupa nenhum esforço humano por encontrar o que deve sere fazer em cada momento. Tem o tesouro de uns escritos inspirados e de uma tradição, mas tem sempre que perguntar-secomo deve interpretá-los à luz do progresso e dos métodoshistóricos. Tem que perguntar-se também como deve aplicá-losa cada nova situação. A Igreja Católica deu ao mundo emnossos dias o maravilhoso exemplo de assumir corajosamenteessas tarefas que, aos olhos de quem a vê de fora e sem féna assistência divina com que ela conta, envolvem um riscoperigosíssimo. Não teria feito melhor a Igreja se tratasse demanter a sua coesão, em vez de lançar-se a este alarde desinceridade? É a pergunta de certa sociologia cética.

O Concilio Vaticano II foi o resultado de muitos decêniosde paciente espera, de muitos trabalhos escondidos e muitosdesejos. Nestes trabalhos seria preciso certamente concederuma boa parte a muitos excelentes jesuítas do nosso século.Quando se celebrou o Concilio, ele foi acolhido com alegriae desta alegria participaram também muito sinceramente osjesuítas. O Concilio deixou atrás de si muitos problemas, cujasolução não se poderá encontrar em um ano, nem em dois,nem talvez em muitos. Os jesuítas participam de modo especial na crise produzida por esta situação. É extranho Isso? Na

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interpretação das decisões do Concilio, alguns vão além doque parece permissível, o que gera confusão em determinados pontos. Também alguns jesuítas participam desta situação É certamente doloroso, mas seria possível evitá-lo inteiramente?

Sim. Para compreender a crise da Companhia é precisosiluá-ia dentro da crise universal da Igreja, a qual por sua vezparticipa da crise mais universal da sociedade. Para julgarequitativamente as deficiências dos jesuítas de hoje é precisover também as crises que se produzem em outros lugares. Istonão é fugir do problema, nem desistir de buscar-lhe uma solução possível. É fazer com que ele se torne compreensível eque alguma solução seja possível.

A Companhia participa notavelmente da crise geral. Istonão significa especial vitalidade e sensibilidade. Se a crise,no seu conjunto e apesar das falhas concretas, é crise de purificação e crescimento, não há motivo para desesperar peloque toca à Companhia. Se numa época de paz e clareza geral só nós tivéssemos problemas, havia razão para nos alarmarmos. Se participamos da situação de todos, é preciso buscar humildemente, com todos, a solução.

II — O jesuíta e a Pessoa de Cristo.

Com estes pressupostos, trataremos de responder à pergunta fundamental: Que pode e deve ser hoje o jesuíta? Quepode e deve ser hoje a Companhia de Jesus?

Todos sabemos de que modo despertou em cada um denós a consciência da vocação à Companhia. Sabemos que nãofoi de modo diferente de como se originou historicamente amesma Companhia. O decisivo do nosso carisma peculiar surgiu do luminoso acesso ao Evangelho e à Pessoa de JesusCristo que nos proporcionaram os Exercícios Espirituais de,Santo Inácio.

Os Exercícios Espirituais, fundamento da nossaespiritualidade

Nos Exercícios Espirituais Santo Inácio entreviu a sua futura dedicação à Igreja e ao próximo. Dos Exercícios saiu oqrupo que um dia foi oferecer-se a Paulo Ml "desejando ser

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chamado Companhia de Jesus", pedindo para ser enviado"para qualquer parte do mundo onde se espera maior serviçode Deus e auxilio do próximo". Dos Exercícios saíram, um aum, os jesuítas desde então até hoje. É isto que os caracteriza e os constitui, mais que nenhuma lei ou constituição. AsConstituições e as leis se entenderão sempre como a aplicação concreta do espírito dos Exercícios às exigências de umaOrdem apostólica e disponível a serviço da Igreja e dos homens.

Os Exercícios não são um molde, uma máquina de fabricar em série homens inteiramente uniformes, de meia personalidade.

São um método simples de oração, de meditação e contemplação da vida de Cristo, de fazer exame para conhecer-see vencer-se até "ordenar a própria vida sem se determinarpor afeição alguma desordenada". São uma experiência espiritual, que há de ser pessoal, embroa dirigida, em que oindivíduo se deixa guiar pelo Espírito, aprendendo a discer-ní-ro, detendo-se onde O encontra "sem ânsia de passaradiante". Não é de extranhar por isso se, dentro da comuminspiração, os Exercícios produzem em cada um dos que osfazem e em cada época os experimentam, uma diversidade deorientações, de concretizações de vida cristã e apostólica. Como experiência pessoal, a experiência dos Exercícios é histórica, sempre antiga e sempre nova, igual a si mesma e variável com as circunstâncias.

De fato, esta variedade brota das infinitas virlualidades doEvangelho a que os Exercícios dao acesso. A peculiaridade dosExercícios está certamente em serem um acesso ao Evangelho. Sublinham da parte do homem a decisão pessoal, a entrega generosa até a "loucura" do 3.° gráu de humildade, areflexão e a maturidade, o dinamismo apostólico do amor. Daparte de Jesus Cristo sublinham a humanidade, o chamado aoamor de amizade e ao seguimento de perto, o Reino comoEmpreendimento, tvias estas peculiaridades não chegam a limitar muito as possibilidades abertas pelos Exercícios. Porisso, os jesuítas, embora possuindo nos Exercícios Espirituaisum tesouro de família, não o guardaram ciosamente. Compreenderam que era um bem comum e o puseram nas mãos daIgreja. Muito da espiritualidade destes últimos tempos se aft-mentou dos Exercícios.

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Chegamos assim ao paradoxo, muito esclarecedor quandose pensa na essância da Companhia, de que ela brotou dosExercícios, os quais por seu lado são praticamente universais.

A Companhia, é lógico, não pode deixar de fixar certaslinhas comunitárias de realização do espírito dos Exercícios. Eo fez desde o princípio na "Fórmula do Instituto" e mais tarde nas Constituições. Mas, como se podia esperar, dada afonte de inspiração, estas linhas são extremamente flexíveis.Esta é talvez a sua principal característica. Sabemos quantosaborrecimentos causou a Santo Inácio e aos primeiros Padresromper com muitas determinações julgadas essenciais na tradição das Ordens religiosas então existentes.

Sem deixar de ficar dentro de certos limites, a Companhiatem uma certa universalidade. Sua história concreta foi formando uma série de determinações concretas quanto ao modode proceder, tais como Regras, Costumes, etc. Nenhuma sociedade pode subsistir sem um mínimo de regulamentação edisciplina. Muito menos uma sociedade apostólica de homensque professam obediência e querem estar disponíveis paraempreendimentos comuns. Seria suicídio querer prescindir simplesmente destas concretizações, fruto da tradição muitas vezes original e sancionadas como leis. Mas pertence ao carisma da Companhia ter diante delas uma grande liberdade eflexibilidade, um grande poder de adaptação. A nenhum Instituto poderá ter sido mais compreensível e familiar o chamadodo Concilio Vaticano II para buscar uma renovação e adaptação às circunstâncias tão mutáveis dos tempos. A Companhia,na 31.® Congregação Geral deu neste sentido grandes passos,traçando normas muito amplas.

Podemos dizer talvez que o conjunto da Companhia ainda não assimilou estas normas. Alguns jesuítas se fixam apenas no que elas têm de taxativo e restritivo, sem captar oespírito novo que as anima. Outros, pelo contrário, parecemdeter-se apenas nos horizontes que elas sugerem, para lançar-se audazmente por eles, sem atender a pormenores quepermanecem taxativamente prescritos. Um e outro procedimentosão compreensíveis no momento atual. Tanto uns como outros jesuítas devem saber compreender-se em sua própria maneira de ver o ideal comum. Devemos tomar cuidado para quea nossa realidade social não seja rompida pelos extremismos.

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dando assim um máu exemplo aos outros nas difíceis circunstâncias atuais.

Mas talvez o melhor modo de compreender e sentir a nossa unidade profunda e de corrigir, a partir desta mesma unidade, o que possa haver de desviado em nossas posições será voltar ao espírito dos Exercícios Espirituais. Voltar ao núcleo da experiência espiritual de onde nasceu a nossa vocação, da qual se foi alimentando e pela qual foi avançando anoa ano. Voltar assim aos Exercícios é voltar a Jesus Cristo.

Jesus profeta, modelo do jesuíta

Jesus Cristo é tudo para o jesuíta. É a única chave possível para a compreensão da sua vida e da obra a que seconsagrou. Encontramos aqui de novo o paradoxo da universalidade. Porque Jesus Cristo é de todos os cristãos. O jesuíta sabe disso e não se sente receioso nem desconsertado.Uns seguem Jesus Cristo especialmente na busca da contemplação, outros no exercício da caridade corporal para como próximo, outros no rigor da pobreza... O jesuíta gostariade não excluir nada, a não ser que o dedicar-se a um dosaspectos da imitação de Jesus significasse ter que descuidaros outros. Os diversos aspectos da figura de Cristo históricose concentram na sua missão profética de anunciador da salvação. Este é o Jesus que o jesuíta põe diante dos olhosem primeiro lugar.

Hoje a missão profética de anunciar a salvação deverásem dúvida realizar-se em condições muito diferentes das daPalestina do século II. Condições por outro lado diferentesconforme se trate de países de antiga tradição cristã ou depovos de missão, de países desenvolvidos e de países subdesenvolvidos, que formam a maior parte deste importante"terceiro mundo"... Em todo o caso, a missão profética exige seguir a Cristo com plena generosidade, na renúncia aomatrimônio pelo Reino, na pobreza segundo as circunstânciase o próprio trabalho, na obediência, já que se trata de formarum grupo ágil e disponível ao redor d'Ele, como aquele grupo de discípulos que Ele próprio formou e que enviava ,"atoda a cidade e lugar aonde Ele próprio devia ir".

Entusiasmado, cativado por Jesus Cristo, o jesuíta de hoje, como o de sempre, procurará realizar no melo dos ho-

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mens de hoje algo semelhante ao que Cristo realizou en!reos de então. Procurará imitar não tanto este ou aquele traçoparticular do Mestre, quanto a linha diretriz de sua figura histórica. Assim perpetuará, associado a companheiros que conceberam o mesmo ideal, o grupo dos que foram atraídos porJesus para participar da sua vida e missão.

Sob as ordens da Hierarquia e em colaboração com todos

O jesuíta sabe muito bem que não tem nenhuma exclusividade no prosseguimento da missão evangelizadora de Cristo Sabe que na Igreja que Ele fundou existe por instituiçãosua uma Hierarquia, à qual incumbe primeiramente o dever decontinuar a missão e a cuja frente está o sucessor de Pedro,Vigário de Cristo na terra. Por isso faz até um voto especialde obediência quanto à concretização da missão para eslarmais seguro de acertar no que Jesus Cristo quer dele.

O jesuíta sabe também, hoje mais do que nunca, que étoda a comunidade eclesiai que tem que continuar a missão.Conhece a importância do papel que nela compete aos leigos. Sabe que só quem vive dentro das estruturas da vida humana — as da família, o matrimônio e a paternidade, as daeconomia e da política, as das profissões civis em toda a suavariedade pode dar nelas um testemunho cristão autênticoe está chamado a dizer nestas estruturas uma palavra quepoderá ser mais autorizada porque mais comprometida.

O jesuíta deu sua contribuição na história da promoção dolaicato. Hoje se alegra em colaborar fraternamente, sem paternalismo, nas tarefas mais próprias dos leigos. Mas não seesqueceu de que a sua vocação é sempre o seguir mais deperto a Cristo no campo absorvente da vocação profética.Isto implica deixar a outros tarefas que são verdadeiramenteimportantes e urgentes. Ficando no seu próprio posto o jesuíta não as deixa de todo, porque anima o leigo que as rea-IÍZ3

'o jesuíta sabe finalmente que outros muitos, sacerdotese religiosos, coincidem hoje com ele na concepção fundamentai da sua vocação profética à imitação de Cristo. Se na suaépoca o ideal de vida concebido por S. Inácio foi uma inovação ele veio depois, felizmente, a ser adotado por muitosoutros institutos e até compartilhado e vivido pelos melhores

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sacerdotes. O jesuíta de hoje se sente fraterno colaboradorde todos, sem nenhum privilégio nem vantagem. Sua ídénti-dade reside simplesmente na vincuiação histórica e na fidelidade a Jesus Cristo no Instituto fundado por 8. Inácio, vincuiação que é um ar de família, uma tradição plasmada emcertas normas, em certas obras empreendidas em comum e— o que é verdadeiramente decisivo — nas diretrizes de umaobediência vivida na Fé.

Especialidade da Companhia: a disponibilidade, o árduo, oateismo, o Terceiro Mundo.

Deve a Companhia aspirar a uma especialidade entre osmuitos Institutos que hoje professam dedicação à missão profética e ao modo de vida que Cristo viveu? Como grupo, asua maior especialidade não será outra senão a sua universal disponibilidade às ordens da Igreja e do Papa.

Mas é certo que esta mesma disponibilidade a preparapara missões árduas, que hoje diríamos de vanguarda. Já naFórmula do Instituto se sublinha esta orientação: "Para a defesa e propagação da Fé". É a primeira formulação da finalidade da nova Companhia. Ao explicar o conteúdo do voto especial de obediência ao Papa, fala-se do envio "a qualquerregião", "seja entre os turcos ou a quaisquer outros infiéis,ainda naquelas partes que se chamam índias, seja a quaisquer herejes ou cismáticos, como ainda a quaisquer fiéis".Nestas palavras se sente pulsar o desejo de trabalhar" sob abandeira da Cruz", a inclinação para o mais árduo e difícil,o anelo de participar na desqualificação social de Cristo edo que quer trabalhar com Ele "para seguí-lo na pena" e nahumilhação. É uma expressão do "buscar o maior serviço", oqual em muitos casos está no mais árduo e difícil. Isto exigea exaltação do amor, única força que pode dar a chave destadificuldade racional. A história da Companhia não foi infiel aeste compromisso.

Nos nossos dias o Papa nos disse muito explicitamenteonde estará para nós a nova linha de frente: "Â Companhiade Jesus^ cujo dever principal é a defesa da Igreja e da santa Religião, confiamos nestes tempos calamitosos o mandatode resistir vigorosamente ao ateismo". É uma tarefa imensa,evidentemente não poderemos realizar sozinhos. A Companhia

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atual deverá consagrar-lhe seus melhores esforços. A últimaCongregação Geral, acatando o mandato do Papa, pediu que"todos os Nossos, humilde mas decididamente, com a oraçaoe a ação, se dediquem a essa tarefa". Ela é de todos, emtodos os lugares, embora não no mesmo gráu, nem do mesmomodo Será preciso ter em conta esta missão na seleção dosministérios. Será preciso aplicar jesuítas ao estudo sério òascausas e vias do ateísmo. Mas de um modo mais universaltodos os jesuítas deverão ter a consciência de estar num mundo cuja crise espiritual chega até o ateísmo. Deverão contarcom esta realidade em todos os seus trabalhos apostólicos.Deverão preparar os fieis para enfrentar a crise. Deverão principalmente testemunhar com a vida a própria fé em Deus, demodo que "em toda a sua maneira de viver e agir apareça,quanto possível, o que é Deus".

O mesmo Decreto da 31.^ Congregação Geral sobre oateísmo contém uma Importante alusão a outro campo muitoapropriado para a preocupação apostólica do jesuíta atual impelido pelo amor a Jesus Cristo. É o que com nome genéricoconstumamos chamar "Terceiro Mundo". A parte mais numerosa da humanidade encontra-se em estado de subdesenvolvimento econômico-cultural e é objeto de flagrante injustiça porparte das estruturas egoístas do nosso mundo. Por outro lado,esta porção da humanidade é talvez potencialmente a maisvigorosa de espírito e poderia chegar a dar lições de fé e deesperança ao velho mundo ateizante e cético.

Observando o mapa da distribuição da Companhia, há razão para nos perguntarmos se ela está suficientemente orientada para este Terceiro Mundo ou se não está antes demasiadamente enclausurada no mundo ocidental. Uma via de solução para a crise da Companhia, especialmente para dlnfl-nuiç^o do número de vocações não estaria talvez numa abertura mais real e generosa para o imenso Terceiro Mundo? Nãonos chama hoje Cristo para esta seara?

III — Teologia crístocêntrica

O desenvolvimento

Para aprofundar mais a realidade atual da nossa^ vocaçaode jesuítas e superar tudo o que possa haver de ' crise de

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identidade" neste momento, tendo em vista sobretudo estamesma vocação e os probiemas cruclantes do ateísmo e doTerceiro Mundo que devem ser o centro da nossa atenção, épreciso fazer uma séria reflexão cristoiógica, proveniente também da experiência vital dos Exercícios Espirituais.

Para intuir a imagem do jesuíta detivemo-nos principalmente na figura histórica de Jesus, colhendo assim o espíritoda segunda semana dos Exercícios. Agora é preciso que ultrapassemos a perspectiva de uma imitação pessoal de Cristopara ver, qual é, segundo a nossa fé, a realidade integral deJesus Cristo, centro de todo o plano criador e salvador deDeus, chave da criação e da história da comunidade humana.A isto nos orientam a terceira e quarta semanas dos Exercícios. Ao "conhecer internamente a Jesus Cristo, para maisamá-io e seguíio" sucede o identificar-se com a sua morteredentora e com a sua ressurreição.

O jesuíta procura não só imitar a Jesus Cristo, mas também crístificar o mundo. Esforça-se por contribuir na pequenamedida das suas forças e da graça com que Deus o chama,para a realização do plano de Deus que quer "recapitular tudoem Cristo". É sob este ângulo e com esta Teologia cristo-cêntrica, assimilada nas contemplações da 3.® e da 4.® semanas e coroada pela visão total da "Contemplação para alcançar o amor", que o jesuíta vê o mundo, procurando explicarpara si próprio a crise de desenvolvimento que hoje nele percebe e pela qual ele próprio se sente atingido. É sob estaperspectiva que entrevê como pode contribuir para a sua solução.

Assim se descortina ante seus olhos uma Teologia daHistória, uma Teologia do Mundo em desenvolvimento. Teologia não só do Logos Criador, senão também do Logos encarnado elevador e do Logos encarnado redentor. É preciso terem conta todos os aspectos para que a visão não seja unilateral. Vamos procurar evocar esta equilibrada visão do mundo na fé, tirando depois as conseqüências para a nossa vocação concreta. É melhor deter-nos primeiro no aspecto que senos ilumina através da Ressurreição e da "Contemplação paraalcançar o amor", a Teologia do Logos encarnado elevador.Nela encontraremos depois o lugar imprescindível da Cruz, aTeologia do Logos encarnado redentor.

Se o fim último do nosso mundo é a "glória de Deus",

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esta glória se realiza no homem e pelo homem. "Gloria Deivivens homo", como "Vita hominis visio Dei", è o homemque dá realmente sentido ao mundo. "Todas as coisas foramcriadas para o homem". E o mundo recebe do homem o seudestino. A relação entre este mundo e Deus passa toda através do homem.

Esta elementar Teologia do Logos criador não é de_ nenhum modo anulada, mas antes elevada na Teologia cristã doLogos encarnado. O que esta acrescenta é que em Cristo, seuFilho feito homem. Deus chama cada homem a ser tambémfilho seu, filho no FILHO. Todos e cada um são chamados aparticipar da graça de Cristo, cabeça da humanidade inteira,segundo a medida do plano generoso de Deus.

Esta graça que nos une a Deus com Cristo, que faz denós o seu Corpo Místico, seus "irmãos", filhos do Pai Eterno,possuidores do Espírito, esta graça é uma realidade para a fé.

Toda a nossa visão das coisas, das nossas possibilidadese aspirações deverá contar com ela. Do contrário seremos tímidos e ficaremos acovardados diante de um mundo que, depois de se ter percebido imensamente grande e poderoso pelodesenvolvimento da ciência e da técnica, se sente hoje muitas vezes impotente para realizar o amor e a justiça. O cristão sabe que é imensamente forte pela graça de Deus quevive nele e se sente capaz de seguir o esplêndido exemplode amor que é a vida toda de Jesus Cristo.

E a graça, sabemos pela fé, é chamada a atingir o seuclimax além da morte e de todas as metas da história humana,na visão de Deus em que aparecerá finalmente o que somos,no amor sem limites e sem egoísmo, no qual Ele será tudoem todos e nós realizaremos n'Ele a cidade fraternal, noCristo total chegado à maturidade.

Em tempos passados a Teologia considerou estas realidades de um modo excessivamente individualista, por urna parte e de modo dualista, por outra, separando excessivamenteo mundo da natureza do mundo da graça. Contra ambos estes excessos reagimos hoje. Mas devemos tomar cuidado paranão cairmos no outro extremo, que seria abolir de modo naturalista toda a distinção, reduzindo a graça ao natural.

O princípio teológico equilibrado esteve sempre presentena Teologia católica, embora não se tirassem dele todas asconseqüências. "A graça não destroi a natureza. Supõe-na e a

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aperfeiçoa". À luz deste princípio vemos hoje claramente quea elevação sobrenatural e a graça não devem ser concebidascomo realidades extrínsecas ao homem e como que postiças.A história da salvação não deve ser concebida como subsistente em si mesma, em absoluta independência da história humana fossem indiferentes e a salvação seguisse outro caminho, simplesmente individual e interno, que só devesse aparecer no fim, na hora do juízo e da sanção. Contra esta concepção, na medida em que impregnou a espiritualidade e asobras apostólicas, levantam-se hoje os justos protestos daqueles que vêem assim desfeita a unidade do plano de Deus, dividido o Deus criador do Deus salvador, amesquinhada finalmente a obra da salvação. A primazia universal de Cristo, deque fala São Paulo, parece exigir, segundo estes, outra visão da história.

Esta telogia, não dualista, mas unitária, esta Cristologiaintegral, impregna e preside os esplêndidos desenvolvimentosda Constituição "Gaudium et spes" do Vaticano II. Ela é patente de modo especial nas explícitas referências a Nosso Senhor Jesus Cristo que concluem as diversas partes da Constituição conciliar.

Esta teologia é muito importante para que a Companhiacompreenda hoje profundamente a sua missão frente ao atePs-mo e ao desenvolvimento do Terceiro Mundo. Será bom relembrar alguns traços da imagem do homem contida nestateologia. A glória de Deus a alcançar em Cristo e pela graçade Cristo inclui na sua base o desenvolvimento harmônicopessoal e comunitário do homem. O cristão e o apóstolo devemsentir-se hoje os seus promotores.

Desenvolvimento pessoal. É com efeito devido ao seumundo interior e espiritual que o homem é superior ao universo. A esta interioridade ele retorna quando entra no próprio coração onde o espera Deus, que perscruta os corações.

Desenvolvimento do mundo. O homem precisa dele parao seu próprio aperfeiçoamento, para o desenvolvimento do seupoder criador e para o crescimento indefinido da sua liberdade. Ajudar o homem a aceitar e realizar a sua obrigaçãode transformar o mundo é prepará-lo para Ir a Deus, é trabalho cristificador de pré-evangelização.

Desenvolvimento comunitário. O homem é essencialmentesocial e por isso o desenvolvimento do indivíduo e o cresci-

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mento da sociedade se condicionam mutuamente. Desenvolvimento, finalmente, das estrtuuras sociais, conforme os postulados da pessoa humana, da justiça fundada sobre o reconhecimento dos direitos de todos e de sua Igualdade fundamental.

Tudo Isto, insistimos, para quem tem fé em Cristo e umajusta Teologia da encarnação, não é simples humanismo. Para a fé, o homem não existe senão como tendo o seu fim nohomem cristificado e, em último termo, em Cristo. A transformação do mundo pela ação do homem está realmente ordenada a ser participação e expressão da glória de Cristo. Maisainda, é desde já preparação e antecipação desta glória. Oprogresso do homem na história tem para o cristão sua dimensão definitiva na plenitude de Cristo.

Esta Teologia, ao mesmo tempo animadora e exigente,nos ilumina hoje a todos na concretização da nossa vocação.É certamente ela que excita os nossos jovens quando queremver a Companhia mais desligada das estruturas que tornampossível uma injustiça tão generalizada. Eles gostariam pelocontrário de vê-la mais engajada em ações eficazes na linhado progresso. Quem negada que pulsa nesta aspiração um profundo senso cristão inteiramente conforme ao espírito do jesuíta? Todos temos que rever continuamente a nossa ação. ACompanhia deve talvez deixar algumas de suas obras atuaispara empreender outras. Melhor, deve ir transformando profundamente o espírito das obras já existentes.

À impaciência dos jovens que no fundo é sadia, emborana forma às vezes importuna, freqüentemente pouco realista,é preciso pedir que se lembre de que não se pode fazer tudo de uma vez, nem se podem fazer as coisas irrefletidamente.Mas também é preciso ter presentes os seguintes princípiosteológicos, sem os quais a visão exposta levaria a conseqüências contraditórias.

1.®) Não se podem identificar simplesmente progresso ehistória da salvação, como se daquele se seguisse automaticamente esta. Haverá o perigo de reduzir a salvação a algode natural e imanente. O que, por outro lado, destruiria amelhor esperança da mesma natureza, que aponta sempre maisalém de si própria. O progresso natural é básico e a salvação cristã não pode estar em desacordo com ele, nem promovê-lo como simples instrumento, com tom apologético. Masdeve saber que, ao promovê-lo, o ultrapassa.

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2.°) As realidades terrestres têm a sua autonomia e devem desenvolver-se segundo as próprias leis internas, sem ingerências extranhas.

3.°) Por ambas estas razões contínua sendo necessária adistinção entre o serviço natural da humanidade e de seu progresso, que como dissemos, é já por si um serviço ao plano deDeus em Cristo, e o serviço mais especificamente sobrenatural. Este se destina a ajudar os homens a descobrir o sentido último de toda a sua ação, a cultivar neles a fé, a esperança e a caridade cristãs, a realizar em sua vida comunitária o sacramento que é a Igreja.

Na vocação do jesuíta e no seu serviço ao próximo poramor a Cristo, o que prevaiece é o que vai na linha do serviço mais sobrenatural. Não devemos esquecê-lo, levados pelas inegáveis urgências atuais de outros serviços mais imediatos. É verdade que a Companhia sempre assumiu muitosdestes serviços e na própria Fórmula do Instituto a lista dasnossas atividades termina com a expressão ampla "as demais obras de caridade". Nada excluímos, a não ser o queem determinadas circunstâncias impede um bem maior.

Mas se procuramos uma eficácia verdadeira e ordenada,deveríamos antes aprender a distribuir as tarefas, a valorizaros leigos, deixando a eles a promoção mais direta do desenvolvimento humano, reservando para nós, segundo o que é específico da nossa vocação, o animar cristãmente os leigos, éIsto o que eles mais pedem de nós. O contrário poderia encobrir uma atividade paternalista.

É verdade que existem muitas situações ambíguas em queé preciso suprir e realizar esforços visíveis de testemunho para desfazer preconceitos contrários. Mas não é bom estabilizar e perpetuar o provisório. Hoje devemos fazer contínuasexperiências na busca de novos caminhos. Saibamos tambêínrever estas mesmas experiências sempre à luz do ideai.

Em todo o caso, os numerosos jesuítas que devem aindaempregar boa parte de suas energias na promoção humanado próximo estejam alegremente conscientes de que isto étambém necessário para a edificação do Cristo total.

Talvez seja oportuno terminar estas reflexões sobre o sentido e o valor cristão do desenvolvimento humano no quadro deuma Cristologla integral, de uma Teologia do Logos encarnado, com uma consideração sobre o desenvolvimento integral

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do próprio jesuíta. É tradição inaciana procurar honestamentea plena frutificação das foYças e talentos naturais. Identificadoafetivamente com Cristo e com a humanidade que se procuraintegrar nele, o jesuíta verá o seu próprio desenvolvimento nãocomo algo de privado, buscado com finalidade egoísta, o queseria mesquinho e desonroso, mas como um patrimônio deCristo e da Igreja, como algo de sagrado que não lhe pertence e que não pode deixar inaproveitado. Desejaria poder render o máximo, como fez Jesus. Mas porque o faz sem egoísmo, estará disposto a sacrificar determinar aspectos do próprio desenvolvimento pelo maior desenvolvimento de outros valores superiores, em si e nos outros. E não recusará participar na mutilação que a tantos impõe hoje o subdesenvolvimento,

A cruz

Com isto chegamos ao segundo aspecto da cristologiaque S. Inácio nos faz viver na 3.® semana dos Exercícios eque não poderíamos de nenhum modo esquecer sem tr^r oEvangelho. A Teologia do Logos redentor, a Teologia da cruz.

Se houve no passado um defeito em sublinhar unilateral-mente este aspecto na figura e função teológica de JesusCristo, seria igualmente defeituoso e prejudicial cair no extremo oposto e esquecer que só pela morte na cruz che^uJesus à exaltação da Ressurreição e mereceu o np|p®nhor. Quem deseja segui-ro na glória deve seguí-l O na nu-milhação e na dor. A humanidade a que pertencemos e emque o Logos divino encarnou é uma humanidade pecaoor ,que habita num mundo asediado pelo mal. Não "f®'conhecê-lo, nem deixar de ser solidários com esta situaç .Somente aceitando-a tal como é, enfrentando o . 'do contra o pecado até a cruz e até a morte, Pda Ressurreição, tanto para o nosso bem pessoalo bem de toda a humanidade.

O mal é um aspecto inegável do nosso ®f*mente, o homem que pode e deve lutar sune-procurahdo superá-lo e converté-lo eni bem de Pflor, muitas e muitas vezes o agrava ainda mais P . Pra os seus semelhantes pelo próprio egoísmo. Camor pelo melhor da sua natureza criada por Deus

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gem, chamado a uma vocação superior de amor pela graçae pelo exemplo de Crislo, o homem, pequeno e covarde denascença, subtrai-se a este chamado, fecha-se em si mesmoe "querendo ganhar-se, se perde". Este é o drama do pecado, presente na história humana desde o princípio. Desde asua aparição sobre a terra, o homem é pecador.

Atradição ascética cristã não o esqueceu jamais. Compreendeu que por isso deve o homem de fé voltar-se sempre denovo para Deus por uma sincera conversão, do fundo da suasituação de pecador. Ele deve lutar, inspirado pela graça, porfazer triunfar em si e nos outros o bem sobre o mal, o amorsobre o egoísmo. Mas principalmente deve sentir-se identificado com a morte de Jesus, que se ofereceu ao Pai comoexpiação pelo pecado do mundo, para renascer com Jesuspara uma nova vida.

Não temos nenhuma razão para nos esquecermos disto.Muito pelo contrário. Há menos egoísmo no nosso mundo?Está ele mais Hvre do domínio do pecado?

Talvez o que fere os jovens nas apresentações clássicasdo pecado e da penitência, da necessidade ascética da mor-tificação 6 da cruz, é a unilateralidade com que não se punha diante o plano integral de Deus, a elevação da humanidade pela Encarnação e pela Ressurreição de Cristo, o chamado ao amor de caridade. Isolados, certos aspectos destaapresentação clássica e certos exemplos ascéticos do passado pareceriam individualistas, como que obsessionados poruma salvação individual sem suficiente perspectiva da realidade mais plena do Cristo Total. Estes defeitos estão hojesuperados. É preciso recuperar, na nova perspectiva mais sadia, mais profunda e mais confortadora, toda a Insuperávelverdade da Cruz e do seu valor redentor, a necessidade dalula e da mortificação para cercear eficazmente o egoismo eo pecado, a necessidade da humildade profunda e da conversão contínua ao Senhor.

A ação contra o pecado social

Há um aspecto do pecado que se costumava sublinharmenos, mas cuja Importância vemos hoje mais do que nuncae cuja compreensão poderá ajudar-nos a entender melhor omistério da Cruz e o que hoje se exige de nós como partici-

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pação nele. No seu sentido mais estrito, o pecado é um atoda vontade pessoal que, chamada ao bem pela graça, se fecha dellberadamente a este chamado por causa da atraçãoegolstica. Mas este pecado do homem, pela Inevitável projeção social de tudo o que é humano, tende a objetivar-se, aconstituir, junto com o pecado semelhante de outros homeris.estruturas sociais que perpetuarão e tutelarão a atitude egoísta dos indivíduos. Estas estruturas, por sua vez, produzirãosituações duríssimas para outros muitos, os quais dificilmente poderão subtrair-se à tentação de pecar. Torna-se para estes multo difícil ou praticamente Impossível praticar o bem eseguir a voz da consciência.

Não é lamentavelmente esta a descrição adequada a grandes aspectos e setores da nossa atual realidade social? Nãoé daí que provém os males do Terceiro Mundo? Os jovens osentem multas vezes de um modo multo agudo. Por Isso lhesparecem hipócritas as diatribes contra certos pecados in91-viduals que esquecem estes outros maiores pecados sociais.Eles não têm razão no que negam, mas, sim, no que afirmam, Isto è, na existência deste outro mal maior. Todo o pecado deve ser denunciado e combatido por quem quer participar da vocação profética de Cristo. A Igreja e a Companhiatêm que ser claras na sua posição frente aos graves pecadoscoletivos de hoje.

É claro que, não se tratando de pecados pessoais concretos, o remédio é mais difícil. Nem tudo se resolve com adenúncia, nem mesmo com o exemplo pessoal, nem com umaação concreta em contrário. O "mistério da Iniqüidade" estáno mundo e não o deixará amanhã, nem depois. É precisocontar com Isto e ernpreender contra a Iniqüidade uma açãode longo alcance, paciente e bem dirigida. Uma ação destanatureza não deverá desprezar nada do que as ciências e técnicas humanas, hoje sobretudo as psicológicas, soclol^lcas,econômicas e políticas, podem dar como contribuição. È preciso saber contar com as taras psicológicas do homem e dar-lhes remédio na medida do possível.' preciso saber convencer os homens de que a felicidade não está no egoísmo.É preciso •saber contar com essas frias leis da sociologia eda economia que partem de um indivíduo egoísta, mas semficar presos por este pressuposto, antes confiar em que há nohomem recursos melhores do que os que demonstrou até ago-

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ra. É preciso empreender um sábio esforço, combinado a técnica realista e possibilista com a necessária coragem renovadora. Nada disso se pode omitir. Mas seria muito ingênuocrer que tudo isso vai pôr em ordem em pouco tempo estemundo ou que o vai pôr em ordem definitivamente.

A participação na dor social

O caminho da Cruz de Cristo continua então abrindo-noso outro caminho, o da participação na dor redentora. Todosa encontraremos na nossa vida, como Ele a encontrou, porpouco que sejamos distinguidos em lutar como Ele contrao egoísmo próprio e alheio, se é que não o rejeitamos covardemente quando bate à nossa porta. A ascética tradicional tinha um repertório de modos concretos de mortificação positivamente buscada, e insistiu neles como exercício de penitência e participação na Cruz. Hoje se caiu na conta de que oque importa é a aceitação do mal que nós vem ao encontro,que nos faz participar solidariamente com nossos irmãos nador causada pela injustiça e pelo egoísmo. Se estivermos dispostos para esta participação, veremos que, além do exercício ascético voluntário, o decisivo será que aceitemos o malque nos venha por sermos fiéis como Cristo à nossa vocaçãopor nos setnirmos como Ele e com Ele solidários no mal quesofre a humanidade.

Uma pregação exagerada da resignação • diante do malsobretudo diante dos males causados pelos egosmos hum£hnos, seria com razão julgada pelos homens de hoje comoevasão e culpável cumplicidade. Contra a injustiça é precisolutar em nome de Deus, em nome do homem filho de Deus eem nome da solidariedade do Cristo total. Mas é preciso também continuar ensinando aos homens que o mal pode transformar-se em bem através do amor, da fidelidade, do sacrifício e até da morte. Jesus de Nazaré não foi um político Mascom a sua morte na cruz por fidelidade à sua vocação profética, concentrando contra si as forças do pecado e do egoísmo humanos, venceu-as mais eficazmente do que qualqueração política, através do seu amor redentor e do seu exernploNão se exclui no cristão a vocação política, muito pelo contrário. Mas o jesuíta, deixando para o leigo a ação mais oro-prlamente política, iluminará com a luz da fé os princípios da

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ação política, e ao mesmo tempo combaterá contra o mal nonível dos que sofrem, fazendo-se quanto possível solidário comeles.

Jesus "sendo Deus, não quis apresentar-se como Deus,mas aniquilou-se fazendo-se servo... Tornando-se um homemcomo todos, humilhou-se até a morte *de cruz". Assim pouderemir-nos compartilhando conosco as estruturas do mal emque vivíamos. O jesuíta só fará honra ao nome que ostentaquando souber renunciar a privilégios que não sejam estritamente necessários para a sua missão e trabalho, e compartilhar a sorte da maioria da humanidade que quer salvar. Nummundo composto ainda em sua maioria de pobres, esta é, alémde todas as outras, uma razão decisiva para ser pobre.

V — Conclusão: graça e oração.

Para terminar, poderíamos resumir tudo dizendo que quemquiser definir o que é um jesuíta se encontrará diante de umadificuldade fundamental, a não ser que queira contentar-secom uma definição por gênero e diferença, que na realidadenão lhe tiraria as dúvidas nem resolveria o problema. A dificuldade procede talvez do fato de que é impossível racionalizar algo que é vital. No modo de ser do jesuíta intervém elementos que escapam a uma conceituação cerebral. São osque procedem de uma atitude de consagração radical e permanente "a Cristo e ao serviço da Igreja".

Tais atitudes não são definíveis, muito menos por umaidentificação que tenha que ajustar-se ao esforço lógico deuma definição. Trata-se de algo totalmente alheio a todo es-quemaíísmo.

Ê possível que o próprio plano da busca de uma "identidade" a partir de um esforço de intelectualização do quenão é intelectual, mas, sim, uma vida, ou uma forma de vida,implique em ambigüidades e até em aparentes contradições,pelas quais se torna difícil conceber um enunciado conceitua'daquilo que, como vida, percebemos cada um de nós na vivência íntima da nossa própria atitude.

Em suma, o jesuíta é o membro da Companhia de Jesus.A Companhia é um corpo dinâmico, não abstrato. É uma rea^lidade encarnada em homens. Por isso, a Companhia é Companhia enquanto nela se incorporam homens que encarnam

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um determinado espírito, inspirado nos Exercícios de SantoInácio e formalizado nas constituições.

A fonte viva deste espírito será Jesus Cristo, a Palavrade Deus vivida nos Exercícios, adaptados vitalmente ao longode toda uma vida. O reajuste histórico deste espírito à suaprópria identidade será dado pelas Constituições.

O verdadeiro jesuíta é interiormente conduzido pelo Espírito. Ele é quem o inspira e o guia em cada situação. A"identidade" deste espírito não se conceitua racionalmente. Éalgo que nasce dos Exercícios e cresce na vivência incorporada à vida da Companhia. O espírito nunca está Inteiramenteformado, uma vez que a sua formação, desenvolvimento ecrescimento são permanentes, alimentados pela experiênciapessoal e corporativa do próprio espírito.

Por isso Ribadenelra, ao querer definir o jesuíta, o faz deum modo descritivo, como uma atitude e um pressuposto parauma vida. "Homens crucificados para o mundo e para osquais o mundo também está crucificado, eis o que devemosser segundo o nosso modo de vida. Homens novos, que sedespojaram dos próprios interesses para se revestirem de Cristo. Homens mortos a si próprios para viver para a justiça...e que com todo o empenho e de todas as maneiras procuramajudar os outros, tendo sempre em vista a maior glória deDeus".

Podemos esperar que a situação de crise na sociedade,na Igreja e na Companhia levará a algo de bom somente secontarmos séria e efetivamente com a graça. Somente contando com a graça é possível tomar sobre os ombros estadifícil tarefa que é a vocação de jesuíta. Contar com a graçaé orar, é ser homens de oração, que chèguem a "encontrarDeus em todas as coisas" e possam ser chamados "conteif)-plativos na ação". Sabemos que as condições da vida moderna não facilitam a vida de oração.

Se há de ser verdade tudo o que nos propomos de audaciosa e generosa renovação, na fidelidade ao nosso carisma primitivo e à nossa tradição, teremos que encontrar coma ajuda de Deus, todos e cada um de nós, o modo de tornaroperante e alegremente consciente, no fundo de nós mesmos,esta presença do Espírito que se traduz na Fé, na Esperançjae no Amor.

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CONSAGRAÇÃO DA COMPANHIAAO CORAÇÃO DE JESUS

Estando Inácio o orar no pequena capela deLa Storta, Tu quiseste com graça singular atender opedido que ele Te dirigia, há muito, por intercessâodo Virgem Maria: o de ser posto junto de Teu Filho.Gorantiste-lhe o Teu amparo dizendo-lhe; Estarei con-vosco. Tu disseste a Jesus, que levava a Cruz, àscostas que o aceitasse como servo, o que Ele fezvoltando-se poro Inácio com estos palavras inolvidá-veís: Quero que me sirvas.

Sucessores daquele grupo de homens que foramos primeiros Companheiros de Jesus, formulamos também nós a mesma súplica, pedindo poro sermos postosjunto de Teu Filho e servimos sob a bandeira da Cruzna qual Jesus está pregado por obediência, com olado traspassodo e o coração aberto em sinal doseu amor o Ti e a todo humanidade.

Nós renovamos a consagração da Companhiaao Coraçõo de Jesus e prometemos-Te a maior fidelidade, pedindo a Tua graça para continuarmosa servir-Te e a servir o Teu Filho com o mesmo espírito e o mesmo fervor de Inácio e dos seus Companheiros.

Por intercessâo dAquela que recebeu o oraçãode Inácio, a Virgem Maria, e diante da Cruz na qualJesus nos dá os tesouros do Seu coroçõo aberto, nós

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dizemos, por Ele e nEle, com iodo o profundidadedo nosso ser: Toma, Senhor; e recebe toda a minhaliberdade, a minha memória, o meu entendimento e todaa minha vontade, tudo o que tenho e possuo. Tu modeste: a Ti, Senhor, o restituo. Tudo é teu, dispõe detudo secundo a tua plena vontade. Dá-me o Teu amor ea tua graça: isto me basta.

Na festa do Sagrado Coração,Igreja do GesCi de Roma,9 de Junho de 1972

RESUMO E FINALIDADE DAS NOSSAS CONSTITUIÇÕES

A própria índole da nossa vida nos pede quesejamos homens crucificados ao mundo e para osquais o mesmo mundo esteja crucificado. Isto é, devemos ser homens novos, despojados dos seus afetospara se revestirem de Cristo, mortos para si própriosafim de viver para a santidade; homens que se mostrem ministros de Cristo, como diz S. Paulo, nostrabalhos, nas vigílias, nos jejuns, na castidade, naciência, na longanimidade, na suavidade, no Espírito Santo, na caridade nâo fingida, na palavra daverdade; homens enfim, que, por meio das armas dasantidade, em todas cs ciscunstâncias, na glória e naignominia, por meio da estima e do desprezo, pelossucessos e pelos fracassos, caminhem a grande passos para a pátria celeste e arrastem os outros parao mesmo fim com todos os meios e forças ao seualcance, tendo sempre em vista a maior glória deDeus.

(RIBADENEIRA)

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