Quando a memória vira história: Angelo Dourado e a historiografia sul-riograndense
João Borges Fortes e a construção da historiografia sul-riograndense luso-açoriana
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Joo Borges Fortes e a contruo da historiografia sul-riograndense luso-aoriana, Ieda GutfreindColquio internacional Territrio e Povoamento -A presena portuguesa na regio platina
Colonia del Sacramento, Uruguai, 23 a 26 de Maro de 2004Organizao Instit uto Cames
JOO BORGES FORTES E A CONTRUO DA HISTORIOGRAFIA SUL-
RIOGRANDENSE LUSO-AORIANA
Ieda Gutfreind (UNISINOS. So Leopoldo. RS/BR)
O artigo analisa a produo de um historiador gacho, o general Joo Borges
Fortes e suas relaes com o Instituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande do Sul
(IHGRGS), objetivando refletir de forma analtico-crtica acerca da construo da
histria oficial ou tradicional sul-riograndense pela primeira gerao de associados do
Instituto. Selecionamos Borges Fortes, elegendo-o como representante exemplar de um
grupo de colegas de ofcio, seus contemporneos. Relacionamos a anlise das propostas
que animaram a construo do Instituto Histrico gacho, com a produo de umhistoriador, a partir de um modelo terico, cujo conjunto de obras trata dos incios da
histria do Rio Grande do Sul (RS).
com o entendimento da conjuntura nacional e gacha, localizando-a a partir
da segunda dcada do sculo XX, que podemos realizar uma anlise do comportamento
desta academia histrica e da produo de seus associados.
O RS, na dcada de 20, aps o conflito interno que passou Histria como
Revoluo Assisista, encerrado com o Pacto de Pedras Altas, gradativamenteencaminha-se para um projeto conciliador amplo. As oposies polticas gachas,
inseridas na vaga dos nacionalismos e at ento radicalizadas, aproximam-se e
reorientam suas ambies, abandonando as disputas internas. Unidas em uma Frente
nica, focam seu interesse em agauchar o Brasil pretendendo, em verdade, ter o estado
sulino reconhecido no contexto brasileiro e garantir espaos no centro do poder. com
esta inteno que no apenas historiadores mas tambm polticos empenham-se em
construir uma identidade brasileira e nacional para o estado gacho. Constrem uma
histria do RS, preservando suas singularidades mas, acima de tudo, buscando as
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similaridades de sua histria com a dos demais estados. Do-lhe uma origem portuguesa
e o envolvem em um forte - qui um maior - sentimento de brasilidade que o
apresentado pelos demais estados da federao. As construes histricas da primeira
gerao dos scios do Instituto aproximaram o RS do centro do pas e essa criao
histrica que resulta no que nomeamos tese ou matriz lusitanista da nossa historiografia
que se contrape matriz hispnica, ou - se preferirmos - platina, que reconhece
aproximaes do RS com a rea do Prata, especialmente ao longo do seu passado
colonial.
Vencedores nesta disputa ideolgica, os lusitanos, que ainda se fazem presentes
na historiografia atual, ou mais especificamente, os aorianistas tornaram-se
hegemnicos por longas dcadas. Tomando como ponto de partida a colonizao
portuguesa do Nordeste, iniciada no sculo XVI, consideram tardio o incio histrico do
RS, pois o dataram no sculo XVIII, com o povoamento oficial portugus que
patrocinou a vinda de colonos dos Aores. Esses, segundo tal perspectiva, teriam se
radicado em uma terra de ningum, em um espao vazio. Em verdade, desconsideraram
a populao nativa que ali habitava, alm de outros que nela j se tinham fixado.Deixaram de lado mais de um sculo de Histria, ignorando os seus primeiros
habitantesprimitivos para construir um RS portugus-aoriano e brasileiro. Afirmaram
que a populao sulina a ferro e fogo defendera as raias da Colnia, do Imprio e da
Repblica dos inimigos espanhis/castelhanos, demonstrando um sentimento
nacionalista sem par na histria. nesse espao terico-ideolgico que situamos a obra
de Borges Fortes.
Introduzindo nosso autor e sua obra na conjuntura histrica e na respectivaconstruo historiogrfica que explanamos acima, tomamos como referncias as
ocorrncias que atendem nossos propsitos: a) na dcada dos anos 20 do sculo
passado, as comemoraes quando da criao do IHGRGS, em 1921, b) o discurso "A
Estncia"1 que Joo Borges Fortes pronunciou quando da sua posse como scio
correspondente nesse grmio, uma dcada aps sua fundao e c) duas de suas obras:
Casaes2 e Rio Grande de So Pedro: povoamento e conquista.3
1 A Estncia, discurso de posse no Instituto Histrico, In: Revista IHGRGS, n 93. Porto Alegre, 1944, p. 8-26.2 FORTES, J orge Borges. Casaes - Histria. 1Ed. Rio de J aneiro: Papelaria Velho, 1932. 268 p.
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Devemos ter em conta que o general Borges Fortes, como historiador, viveu em
um contexto poltico-intelectual, marcado pelas concepes positivistas-comteanas.
Solidrio com as idias de seus companheiros agrupados em torno do IHGRGS, em
suas pesquisas, priorizou o indivduo na construo da Histria, o homem de gnio na
concepo de Comte e de seus seguidores. Os discursos do ato inaugural da Instituio
abrem um universo terico-historiogrfico que nos permite identificar essa concepo e
estabelecer relaes entre a produo de Joo Borges Fortes e o pensamento histrico
predominante. Esse historiador identifica-se com a maioria dos seus pares, uma vez que
faz parte de uma comunidade intelectual solidria.
Passemos inaugurao do IHGRGS, cujos pronunciamentos esto reproduzidos
no primeiro nmero da Revista da Instituio,4 a fim de nos inteirarmos das percepes
histricas dos confrades do Instituto Histrico.
Florncio de Abreu, o primeiro presidente da Associao, em seu discurso,
historia as vrias tentativas frustradas de criao de uma Casa que abrigasse aqueles que
se dedicavam "cincia sagrada", os quais tinham a rdua misso de produzir trabalhos
que "... versaro portanto, principalmente, sobre a histria ptria e especialmente do RioGrande do Sul...". Antecipava o futuro, assim como seus companheiros, afirmando:
"... Trabalharemos desinteressadamente, ou, antes, no nos mover
outro interesse que no o do patriotismo e o da verdade histrica. A
nossa preocupao capital ser a verdade, s a verdade, sempre a
verdade. Para conseguiremos, porm, a formao de um juzo
impessoal dos fatos, ser mister de nossa parte uma perfeita iseno denimo; e essa imparcialidade necessria exige que o nosso juzo
recaia somente sobre os acontecimentos em relao aos quais ns
sejamos verdadeiramente a posteridade, evitando que as influncias do
meio e as nossas prprias tendncias polticas atuem sobre o nosso
julgamento, desvirtuando a misso superior do Instituto..."5
3
FORTES, J orge Borges Rio Grande de So Pedro: povoamento e conquista . 1 Ed. Rio de J aneiro: Grficos Bloch,1940. 177p.4 Revista do IHGRGS. Porto Alegre, I trimestre, n I, ano I, 1921.5 Ibid., p. 125.
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Lindolfo Collor, em A Histria e o Instituto Histrico6, nessa mesma
ocasio, destaca a necessidade de "um esforo continuado e metdico na divulgao de
elementos histricos que jazem desconhecidos nos arquivos pblicos e particulares"7. A
Histria vista: ... como uma cincia de observao em que se resumem todas as
outras, a sua sistematizao no ser possvel sem um estudo constante dos fatos que
nele se concatenam, de sorte a se irem estabelecendo em leis todos os fenmenos que se
ligam entre si por circunstncias invariveis de semelhana, coexistncia ou sucesso"8.
J o orador oficial da inaugurao, o primeiro-tenente e historiador Emlio
Fernandes de Souza Docca, enfatiza a necessidade de uma proposta de trabalho
coletivo:
" Cremos que o Instituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande do
Sul, iniciado, como acabamos de ver, sob to bons auspcios, poder
realizar agora aquilo que o esforo de um s dificilmente conseguiria -
uma obra histrica digna do Rio Grande do Sul... Estamosconvencidos de que sem este Instituto o Rio Grande do Sul continuar
a ter e produzir muitos historiadores ilustres, mas temos as nossas
dvidas se a sua histria ser escrita como mister que o seja, visto
que para tanto nos parece indispensvel o trabalho conjugado e
harmnico de muitos...". (p. 129)9
Tais excertos nos permitem identificar um corpo de pensamento comum entre aintelectualidade gacha na qual inclumos Borges Fortes e as de Comte e de outros
como Taine, Spencer e Buckle. Temos nos precavido do termo positivismo pois, o
conceito, abriga vrias significaes. Para nossos propsitos, limitamo-nos s teses
fundamentais do pensamento positivista, que alimentam a produo de Borges Fortes e
seus confrades, quais sejam: a cincia como o nico conhecimento possvel; a Histria
6
Ibid., p. 03 -077 Ibid., p. 068 Ibid., p. 049 loc. cit. p.129
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como uma cincia sagrada; o mtodo descritivo como exposio das relaes constantes
entre os fatos expressos em leis, permitindo previses; a verdade externa ao historiador,
pois contida nos documentos, e a crena na neutralidade do historiador em relao aos
fatos histricos.
"Para vos conhecer, conhecei a Histria", afirma Comte10, Histria resumida em
etapas e/ou fases com as geraes sendo conduzidas por homens de gnio e em direo
ao progresso, no devendo este ser entendido no sentido de transformaes, mas sim de
evoluo, da a mxima comteana de conservar, melhorando. A importncia do estudo
do passado reside no fato de que ele nos permite o entendimento da sua relao com o
futuro e o presente: busca-se o passado, projetando-o ao futuro e, desta forma,
assegurando-se o presente. Esse o guia dos intelectuais/historiadores do IHGRGS em
seus incios. Vocbulos como cooperao, solidariedade, moral so constantes na
doutrina comteana e se fazem presentes tambm nos textos dos quais extramos os
excertos acima e nos que selecionamos de Borges Fortes.
O arcabouo terico positivista comteano permeado por idias spencerianas,
taineanas, dentre outras, d suporte ao projeto da ao coletiva desse grupo dehistoriadores - dentre eles Borges Fortes , os quais ambicionam construir uma histria
brasileira para o RS. Para alcanar tais propsitos inturam a necessidade de ligar o RS
Portugal, mas foram mais longe, e, em vez de se voltarem ao continente, destacaram o
luso-ilhu-aoriano, considerando-o depura cepa portuguesa.
Vejamos como Joo Borges Fortes agrega-se ao grupo, tendo sido aceito como
scio correspondente j que estava residindo no Rio de Janeiro, ento capital do Brasil.
Em seu ingresso, seguiu o modelo de praxe entre os confrades da agremiao:apresentou-se com humildade, afirmando que, apesar de sempre ter se preocupado em
manter sua personalidade, a v diluda e apagada:
... diante da majestade desta assemblia, dentro do recinto sagrado
deste templo (...). Soma-se e funde-se a minha individualidade perante
vs, sacerdotes conspcuos do culto do nosso passado, das nossas
tradies, das glrias da terra natal, do nosso Rio Grande.
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Culto que eleva, que engrandece, que dignifica, religio de
patriotismo, doutrina cvica, evangelho de f nos destinos de uma raa
que fundou uma ptria, alargou-a, cimentou-a com seu sangue,
defendeu-a ...".11
"Na prtica do ritual de vosso culto, este Templo descerra agora o seu
prtico para por ele entrar, no um novo crente, porque sempre
comunguei no vosso credo, porm, um aclito humilde, que vem
trazer-vos a sua exgua cooperao para a grandiosa misso do
Instituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande do Sul".12
"Toda obra humana necessariamente de solidariedade (...) cultuar o
passado e elevar o Rio Grande a maior glria no porvir (...) aqueles
que ressurgem na histria e na tradio, no se apagam nunca:
Estamos sempre sob o seu influxo como foras msticas das famlias e
da nacionalidade e os mortos governam os vivos sempre e cada vezmais". 13
Aproximando os discursos de Florncio de Abreu, Lindolfo Collor e Souza
Docca aos de Borges Fortes identificamos uma mesma matriz que se superpe. Para este
ltimo autor:
"Se os nossos olhos se aprofundam na indagao do que passou, oesprito se ilumina com a viso do futuro (...)"
(...).a convico que esse passado no poder ser desmentido e que
eles (nossos psteros) devem ser os continuadores da mesma gloriosa
tarefa, seguindo os exemplos legados pelos que vieram antes..."
10
MORAES FILHO, Evaristo (Org). Sociologia. So Paulo: tica, 1978, p. 2911 A Estncia. p. 9 In: Revista do IHGRGS, I trimestre, 1944, p. 08-26.12 Op. Cit., p. 913 Op. Cit., p. 9
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"Apstolos dessas doutrinas, alimentamos o fogo santo do patriotismo
..." 14
A preocupao com a verdade est presente ao longo do seu discurso, e Borges
Fortes se dispe a encontr-la nos arquivos, exercendo um trabalho metdico,
comparativo, para chegar a concluses seguras. Critica a influncia das paixes que
provocam deturpaes na Histria, no entanto, ele mesmo impregnou de sentimentos
patriticos seu trabalho. Para ele, "O Rio Grande do Sul fundamentalmente brasileiro,
jamais desvirtuou-se do mais ardente nacionalismo".15
Em sua eloqente defesa do brasileirismo e do lusitanismo do RS e mais que
tudo do aorianismo, e da combatividade mas, no agressividade - dos gachos, busca
as justificativas em sua origem, em "um pequeno grupo de obscuros lagunistas,
destacando que ... vieram as duas mil famlias aorianas...", e conclui, minimizando
algumas diferenas entre os brasileiros:
Que importncia tm essas diferenas fsicas ou morais quando nos
aproxima, em compensao, e nos une, um mesmo esprito de Ptria, a
mesma lngua, uma nica crena religiosa, um passado histrico
comum, foras msticas convergentes, um unnime ideal poltico e
humano?16
Para o autor em anlise, a estncia teria sido o elemento de fixao dos lusitanosnuma "terra de ningum (...) ocupado pelas tribos selvagens e esparsas...". Em seu
extenso texto, Joo Borges Fortes traa a histria do Rio Grande, nucleada nas
estncias. Uma bela pgina literria de interpretao da histria sul-rio-grandense, a
partir de preceitos defendidos no apenas por ele, mas pela grande maioria da primeira
gerao de historiadores do IHGRGS. A leitura d'A Estncia basilar, nela
14 Ibid., p. 1015 Ibid., p. 1116 Op. Cit. p. 12
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identificamos uma matriz historiogrfica que fez escola, e que, em sua maturidade
apresentada em Casaes e reafirmada emRio Grande de So Pedro.
Com um discurso oficial, Borges Fortes, tornou-se confrade de uma pliade de
historiadores, mas o seu ingresso na Casa foi antecedido por uma produo histrica
significativa, publicada na dcada de 1930, em especial nas Revistas do IHGRGS. Em
sua totalidade, os assuntos referem-se ao perodo colonial da histria sul-rio-grandense.
Dentre alguns ttulos, guisa de exemplo, identificamos O levante dos Drages do Rio
Grande de 174217, Cristovo Pereira de Abreu
18, Troncos seculares: o povoamento do
Rio Grande19, Casaes20, Fundao do Rio Grande21, Tropeiros22, Velhos caminhos do
Rio Grande23, O povoamento do Rio Grande
24, O Brigadeiro Jos da Silva Paes e a
Fundao do Rio Grande25, A frota de Joo Magalhes
26, entre outros.
Listamos parte da extensa produo de Joo Borges Fortes, buscando
subsdios para algumas reflexes. Conforme os ttulos, elas abordam os tempos iniciais
da ocupao oficial portuguesa no espao que corresponde atualmente ao estado do RS.
O desdobre natural seria sua condensao sob a forma de livros como Casaes e O Rio
Grande de So Pedro: povoamento e conquista.Em 1931 Borges fortes ingressara no Instituto Histrico, ocasio em que
pronunciou seu discurso de posse, "A Estncia"acima comentado27. No ano seguinte -
1932- era publicada sua primeira obra sistematizada, Casaes, que se encontra na terceira
edio sob o ttulo Os casais aorianos- presena lusa na formao sul-riograndense
(1999). Chamamos a ateno que fora acrescentado segunda edio (1978) um sub-
ttulo:A presena lusa na formao sul-rio-grandense. Esta obra simboliza a profisso
de f histrica do autor, presente no conjunto da sua produo. Sub-dividida em vinte edois captulos a leitura de cada um deles nos orienta em relao ao contedo. O primeiro
17 In: Revista IHGRGS. Porto Alegre, II trimestre 1939, n 74, ano XIX, p. 217-2318 In: Revista IHGRGS. Porto Alegre, III e IV trimestres 1931, n 43/44, ano XI, p. 131-6119 In: Revista IHGRGS. Porto Alegre, I trimestre 1932, n 45, ano XII, p. 03-1420 Casaes-Histria. Rio de J aneiro: Papelaria Velho, 1932. 268 p.21 Vol. 2 dos Anais do II Congresso de Histria e Geografia Sul -Rio-Grandenses. Porto Alegre. Livraria do Globo, 1937,p. 203-39. O congresso realizou-se em fevereiro de 1937 na cidade de Rio Grande22 Vol. 2 dos Anais do II Congresso de Histria e Geografia Sul -Rio-Grandenses. Porto Alegre. Livraria do Globo,1937, p. 73-82.23 In: Revista IHGRGS. Porto Alegre, IV trimestre 1938, n 72, ano XVIII, p. 203-5424 In: Revista IHGRGS. Porto Alegre, III trimestre 1934, n 55, ano XIV, p. 123-4625
In: Revista IHGRGS. Porto Alegre, III trimestre 1933, n 51, ano XIII, p. 03-11926 In: Revista IHGRGS. Porto Alegre, I trimestre 1934, n 53, ano XIV, p. 63 -9327 Outros trabalhos do autor publicados por esta poca foram: O tupi na Corografia Rio-Grandense, Troncos Seculares(Povoamento inicial do Rio Grande) e Cristovo pereira
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pargrafo do texto indica o fio condutor: "Casais... Foi com essa denominao que
passaram para a tradio e para a histria de nossa gente os colonizadores do sul do
Brasil, originrios das Ilhas dos Aores"28 Na obra, avultam os documentos
comprobatrios, e a insistncia do xito na escolha do povoador:
" Felizmente para o bem da humanidade, felizmente para a honra de
Portugal, felizmente para os destinos do Brasil, o minsculo reino
tinha dentro de seu povo a gente predestinada para to augusta misso.
Era do Archipelago dos Aores que devia sahir a sementeira para fixar
a raa e o ideal lusitano no sul do Brasil." 29
A conjuntura portuguesa colonial e a populao aoriana so o pano de fundo da
sua narrativa que enfatiza, sob o comando da geografia fsica, as mudanas que se
operam no aoriano em seu novo habitat;
" em poucos anos de novo meio e clima, de vida nova, mudou em umtipo originalssimo: a populao rio-grandense, to diferente de outras
da Europa e Amrica, e at mesmo do Brasil. O pesado ilhu, ao
pouco tempo , no era mais reconhecvel no lesto gacho, dominando
o cavalo com a mxima destreza, trocados os hbitos sedentrios, por
um viver entre o arado e as aventuras da campanha semi-deserta, a
ndole refratria ao servio militar, pelo entusiasmo guerreiro, o modo
de ser pacato e tranqilo, pelo de livre franqueza e espontneavivacidade . Novas terras, novos usos!" 30
A trajetria aoriana cruzando o Atlntico, sua permanncia em Santa Catarina e
seu deslocamento para o Rio Grande de So Pedro, no que se refere a sua distribuio
geogrfica destacada, sempre em relao a preocupao fsica, racial e social do
colonizador. A genealogia o motor desta fixao, pois, conhecido seu local de origem
28 1 Edio, p. 07.29 Ibid., p. 1630 Apud, p. 70.
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nos so relatados31 os nomes de pessoas, os grupos familiares, seu nmero, a data de
chegada, a distribuio das sesmarias e sua localizao, os casamentos e a
descendncia.
um texto voltado para a situao poltica do perodo colonial, quando
discusses diplomticas e conflitos se sucedem entre as Coroas Ibricas e Tratados
tentam pr fim s crises. O espanhol ou castelhano o inimigo sendo assim avaliado: "a
presena do castelhano dentro das fundaes portuguesas era uma ameaa permanente
paz e tranqilidade pblica e, mais do que isso, uma ofensa intolervel ao pundonor
nacional"32. Neste quadro no muito tranqilo, os colonos aorianos sobreviveram aos
contratempos, embora com perdas significativas.33 Inseridos em uma sociedade
militarizada, a populao aoriana teria tido uma rpida adaptao e o autor, apoiando-
se em outros historiadores gachos como em Aurlio Porto, ratifica suas palavras: " a
contribuio dos Aores no povoamento inicial do Rio Grande, a maior de todas..." 34
Os colonos aorianos em um determinado momento rebelaram-se, reagindo
situao em que viviam. Borges Fortes face a esta ocorrncia os defende, justificando:
"...sofrendo todos os rigores da adversidade que os acompanhava desde a chegada ao
Rio Grande, esquecidas as generosas ofertas do Rei, abandonados dos poderes
pblicos, dispersados ao sopro do tufo da guerra, colocados por ultimo em situao
inferior dos ndios...". 35 Segundo ele, no havia outra alternativa que a rebeldia. Os
v como vtimas de uma imensa e clamorosa injustia.
O livro em seu final leva s ltimas conseqncias o papel histrico exercido
pelos aorianos, tidos como construtores do Rio Grande de So Pedro: "...Porque a
histria dos casaes agora a histria do Rio Grande, eles nada mais tem em comumcom o arquiplago longnquo, s a saudade e a origem. Estavam integrados na Ptria
Nova. Eram do Brasil".36
31 Em troncos seculares o a j desenvolvida esta temtica.32 1 Edio, p. 17333 inseridos em uma sociedade militarizada a populao logo adaptou-se e o autor apoia-se em outros historiadores
gachos como Aurlio Porto.34 Ibid., p. 127.35 Ibid., p. 17536 Ibid., p. 249
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Embora reconhecendo que: "Os homens dos Aores eram quase incultos ..."
destaca nosso autor a manuteno "...das rijas fibras de suas qualidades morais (...)
sendo (...) essa a melhor herana que nos legaram".
A presena dos princpios comteanos e de Taine podem ser facilmente
visualizados em cada pgina desta obra que partindo do meio, enfatiza o homem (raa)
e o momento, enquadrando-os em uma perspectiva histrica poltica-administrativa.
Casaes o discurso mais acabado da perspectiva primordialmente aoriana do
lusitanismo que durante muitas dcadas do sculo XX foi a marca da historiografia
sulina em seu af de aproximar o RS do restante do Brasil.
Alm de Casaes, consideramos Rio Grande de So Pedro outro amplo
repositrio da tese lusitanista da historiografia sul-rio-grandense. O pioneirismo de
Borges Fortes na defesa da primazia portuguesa sobre a histria do RS no deixa
margem a dvidas. Sua produo um dos carros-chefe desta matriz terico-
historiogrfica que se mostra na obra em toda a sua plenitude e, desde ento, mesmo se
renovando, muitos textos atuais mantm-se similar a esta, em suas linhas mestras.
EmRio Grande de So Pedro, o autor sistematizou os temas histricos aos quaisvinha se dedicando h mais de uma dcada. Dentre os captulos da obra, encontramos:A
frota de Joo de Magalhes, As Estncias de Viamo, A Colnia do Sacramento e o Rio
Grande, O Presdio Militar de Rio Grande, Gomes Freire no Rio Grande, Surto do Rio
Grande Herico, Lista dos Fronteiros, O parentesco dos lagunistas. Conforme vemos,
assuntos relativos aos primrdios do atual Rio Grande do Sul, j historiados e
publicados pelo autor:
Selecionamos os trechos abaixo, deRio Grande de So Pedro... a fim de ratificara afirmao de que Joo Borges Fortes faz parte do seu momento histrico, est
prximo dos demais historiadores e colaboradores, realizando a misso do IHGRGS
esposando uma concepo de Histria a partir do positivismo comteano, que no sua
exclusividade. Marcadamente poltico-ideolgica, eivada de nacionalismo, esforando-
se em construir uma identidade brasileira para o Sul a caracterstica maior da
historiografia luso-aoriana:
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Joo Borges Fortes e a contruo da historiografia sul-riograndense luso-aoriana, Ieda GutfreindColquio internacional Territrio e Povoamento -A presena portuguesa na regio platina
Colonia del Sacramento, Uruguai, 23 a 26 de Maro de 2004Organizao Instit uto Cames
"As lombas e canhadas de Viamo acolhera os nossos habitantes:
erguem-se os ranchos, fundam-se as estncias, rasga-se a terra para as
sementeiras e os lares se povoam, viveiros benditos dos primeiros rio-
grandenses que vem a luz do sol sob a bandeira do impertrrito
Portugal". 37(grifo nosso)
"Os foges dos tropeiros, os currais dos invernadores, as estncias dos
desbravadores so os estadios de uma evoluo, - terra virgem se
transforma, uma ptria nova que surge, o Rio Grande que nasce
para a vida brasileira!" 38(grifo nosso)
"As fronteiras do Rio Grande estavam consolidadas: como
baluartes garantidores de sua segurana..."39 (grifo nosso)
Borges Fortes, ao colaborar na construo histrica do surgimento do RS como
resultado da colonizao portuguesa oficial, datada de 1737 por um acontecimento, aconstruo do Forte Jesus, Maria, Jos, faanha de um homem, Jos da Silva Paes, cria
condies para afirmar ser o Rio Grande do Sul brasileiro porque portugus em sua
origem, povoado e colonizado por lusitanos, lagunistas e, principalmente, aorianos.
Confirma ser o estado o mais brasileiro de todos, pois garantiu as fronteiras da
nacionalidade da ambio de inimigos espanhis/castelhanos.
Assim como os demais lusitanistas, o autor consagra a tese do desinteresse e do
abandono das terras do Sul, no incio da colonizao, por seu legtimo dono, Portugal,localizando, no entanto, no Tratado de Tordesilhas seu direito histrico de posse.
Borges Fortes pertence primeira gerao dos historiadores do IHGRGS, os
quais gradativamente vo desalojando confrades que expem pontos-de-vista histricos
que de alguma forma, intentam aproximaes com a Regio do Prata. A matriz
hispnica subsumiu lusitana, e, apenas recentemente, pesquisas histricas vm
37 Op. Cit. p. 3838 Ibid., p. 5239 Ibid., p 145
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Colonia del Sacramento, Uruguai, 23 a 26 de Maro de 2004Organizao Instit uto Cames
reconstruindo a histria do RS, recuando no tempo e ampliando seu espao 40. Devemos
ratificar que a essa primeira gerao outras se sucederam e um nmero representativo
de pesquisadores mantiveram semelhantes posies historiogrficas.
A seriedade com que Borges Fortes compilou uma imensa documentao -
reproduzida fartamente em sua produo e, em especial, emRio Grande de So Pedro...
-, os arquivos que freqentou - o Arquivo Pblico do Estado de So Paulo, o Arquivo e
Biblioteca Nacional (arquivo do Conselho Ultramarino) -, a bibliografia que utilizou -
autores como Varnhagem, Capistrano de Abreu, Alfredo Ferreira Rodrigues, Saint-
Hilaire, Alfredo Varella, Jorge Salis Goulart, Joo Pinto da Silva, Padre Gay, Hemeterio
Veloso, Pe. Teschauer entre outros -, as revistas onde pesquisou - a do Instituto
Histrico do Rio de Janeiro e a do Arquivo Pblico Mineiro, o Anurio do Rio Grande -
, so indicadores da sua preocupao com a documentao, dela extraindo o que
considerava verdades histricas.
Seria ingenuidade ou simplificao considerar que o historiador se punha
passivo frente aos documentos que encontrava; eles eram criticados, avaliados, e, muitas
vezes no arriscando concluses, justificava: "no encontradas provas, "parece-me","deve ser", "sou de opinio", "no nos parece", "no encontrei referncia alguma", "
luz dos documentos irretorquveis". Pesquisador srio recolhia-se, havia que exercer a
neutralidade, a iseno.
Questionando-nos sobre o que representa o conjunto da produo de Borges
Fortes, destacando Casaes e Rio Grande de So Pedro, consideramos que, pela
quantidade e qualidade dos documentos que apresentam, elas avultam em importncia
para a nova gerao de estudiosos da historiografia rio-grandense. Acrescentamos a estaafirmao, o reconhecimento de que o perodo histrico enfocado nesta bibliografia no
tem recebido dos historiadores atenes maiores, da a ausncia de anlises crticas
construtivas, cujo mote so os interesses polticos na construo de uma identidade
regional sulina imbricada nacional. Os primeiros tempos de vida do IHGRGS foram
dedicados construo de um discurso verde e amarelo, visando o fortalecimento da
comunho brasileira, facilitando o ingresso do RS nos interesses polticos do Brasil.
40 Somente a partir dos anos 70/80, com o incremento dos cursos de Ps-Graduao no RS que novos aporteshistoriogrficos so introduzidos na produo histrica sul-riograndense.
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Porto Alegre: Globo, 1970.
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Caxias do Sul, 1983.
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FERREIRA FILHO, Arthur. Histria geral do Rio Grande do Sul.[4 Ed.]. Porto
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FORTES, Joo Borges. Casaes- Histria. Rio de Janeiro: Papelaria Velho, 1932.
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[2Ed.] Porto Alegre: Martins livreiro, 1978. Coordenao editorial e notas Rodrigues
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_______. Os casais aorianos: presena lusa na formao sul-riograndense. [3Ed.]
Porto Alegre: Martins livreiro, 1999.
_______. Rio Grande de So Pedro: Povoamento e Conquista. Rio de Janeiro:
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GUTFREIND, IEDA. A construo de uma Identidade: Historiografia do Rio Grande
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LIMA, A .G. Chronologia da Histria Rio -Grandense. Porto Alegre: Globo, 1928.
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VELLINHO, Moyss. Fronteira. Porto Alegre: Globo, 1975.
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IHGRGS. Porto Alegre, I trimestre 1932, n 45, ano XII, p. 03-14
_______. O Brigadeiro Jos da Silva Paes e a Fundao do Rio Grande. In: Revista
IHGRGS. III trimestre 1933, n 51, ano XIII, p. 03-119
_______.A frota de Joo Magalhes. In. Revista IHGRGS. Porto Alegre I trimestre
1934, n 53, ano XIV, p. 63 -93
_______.O povoamento do Rio Grande. In: Revista IHGRGS. Porto Alegre III
trimestre 1934, n 55, ano XIV, p. 123-46
_______.Velhos caminhos do Rio Grande. In: Revista IHGRGS. Porto Alegre IV
trimestre 1938, n 72, ano XVIII, p. 203-54
_______.O levante dos Drages do rio Grande de 1742. In: Revista IHGRGS. PortoAlegre II trimestre 1939, n 74, ano XIX, p. 217-23
_______.Fundao do Rio Grande. Vol. 2 dos Anais do II Congresso de Histria e
Geografia Sul -Rio-Grandenses. Porto Alegre. Livraria do Globo, 1937, p. 203-39.
_______. A Estncia. In: Revista IHGRGS, n 93. Porto Alegre, 1944, p. 8-26.
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