Joel Souza Dutra - Competências

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J o E L SOU ZA DUTRA 1\ OMPETENCIAS Conceitos e Instrumentos para a Gestão de Pessoas na Empresa Moderna

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Conceitos e instrumentos para gestão de pessoas na empresa moderna

Transcript of Joel Souza Dutra - Competências

  • J o E L SOU Z A D U T R A

    1\

    OMPETENCIASConceitos e Instrumentospara a Gesto de Pessoasna Empresa Moderna

  • A forma como as organizaes efetuama gesto de pessoas passa por grandesmudanas em todo o mundo. Essastransformaes vm sendo motivadaspela inadequao dos modelos tradi-cionais de gesto de pessoas no atendi-mento s necessidades e s expectativasdas empresas e das pessoas.

    Modelos de gesto so constitudos porum conjunto de pressupostos, prticas einstrumentos, conforme detalhado noCaptulo 3. Nele abordada a integra-o mtua com as estratgias organiza-cionais e com as expectativas das pes-soas que mantm relao de trabalhocom a organizao. Os captulos iniciaisexpem o conceito de competncia e decomplexidade e espao ocupacional.

    No Captulo 4 discutida a metodologiade abordagem para a concepo eimplementao de sistemas de gesto depessoas. A seguir analisado o caso deuma petroqumica. J o Captulo 5aprofunda a abordagem metodolgicapara a consecuo do trabalho decampo, enquanto o 6 trabalha o sistemade gesto de pessoas implementado naempresa estudada. As concluses e con-sideraes finais so apresentadas noCaptulo 7.

  • Joel Souza Dutra

    CompetnciasConceitos e Instrumentos para a Gesto de

    Pessoas na Empresa Moderna

    SO PAULOEDITORA ATLAS S.A. - 2007

  • Copyright 2004 by Editora Atlas S.A.

    1. ed. 2004, 4. reimpresso 2007

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    ,,~ ..I~o_~Capa: Roberto de Castro PoliselComposio: Set-up Time Artes GrficasDados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Dutra, Joel SouzaCompetncias: conceitos e instrumentos para a gesto de pessoas na empresa moderna /

    Joel Souza Dutra - 1. ed. - 4. reimpr. - So Paulo: Atlas, 2007.

    Bibliografia.ISBN 978-85-224-3898-3

    1. Administrao de empresas 2. Administrao de pessoal 3. Avaliao de resultados4. Carreira profissional- Administrao 5. Pessoal- Treinamento 6. Qualificao profissional7. Recursos humanos - Administrao I. Ttulo. 11.Ttulo: Conceitos e instrumentos para agesto de pessoas na empresa moderna.

    04-4980 CDD-658

    ndice para catlogo sistemtico:

    1. Gesto de profissionais: Empresas competitivas: Administrao 658

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  • Sumrio

    Prefcio, 11

    Introduo, 13

    1 GESTODE PESSOAS POR COMPETNCIA:MODISMO OU CONCEITOEMCONSTRUO?,21Introduo, 21Articulao entre estratgia empresarial e competncias individuais, 23Caracterizao das competncias individuais, 28Concluses, 33

    2 COMPLEXIDADEE ESPAO OCUPACIONAL: CONCEITOS COMPLEMEN-TARESAO DE COMPETNCIA E FUNDAMENTAIS PARA A COMPREEN-SO DAGESTODE PESSOAS, 37Introduo, 37Uso do conceito de complexidade para a compreenso da gesto de pessoas

    na organizao moderna, 39Principais abordagens para mensurao da complexidade, 43Espao ocupacional como conceito para compreender o posicionamento e

    o movimento das pessoas na organizao, 51Concluses, 53

  • 8 COMPETNCIAS

    3 PROPOSTADE UM MODELODE GESTODE PESSOAS ESTRATGICOEINTEGRADO, 55Introduo, 55Emergncia de um modelo de gesto de pessoas articulado por competncia, -Movimentao de pessoas, 60Desenvolvimento de pessoas, 64Valorizao das pessoas, 71Processos e prticas de gesto de pessoas - gesto de carreira e remunera-

    o, 76Concluses, 85

    4 ABORDAGEMMETODOLGICAPARAA CONCEPOE A IMPLEMENTA-O DE SISTEMASDE GESTODE PESSOAS, 87Introduo, 87Caractersticas dos processos de concepo e implementao de sistema de

    gesto de pessoas, 89Etapas dos processos de concepo e implementao de sistemas de gesto

    de pessoas, 99Limitaes conceituais e metodolgicas e pontos para aprimoramento, 107Concluso, 114

    5 APRESENTAODE UMA EXPERINCIA TPICA NA UTILIZAO DOSCONCEITOS DE COMPETNCIA, COMPLEXIDADEE ESPAOOCUPACIO-NAL, 115Introduo, 115Breve viso sobre o setor petroqumico, 116Caracterizao das empresas - Petroqumica estudada, 118Bases para concepo do sistema de gesto de pessoas, 120Processo de concepo e implementao do sistema de gesto de pessoas na

    Petroqumica estudada, 130Concluses, 139

    6 SISTEMADE GESTO DE PESSOAS INTEGRADOE ESTRATGICO:AN-LISEDE UM CASO, 141Introduo, 141Trajetrias profissionais, 142

  • sUMRIo 9

    Competncias e critrios de complexidade, 146Nveis de complexidade: competncias e requisitos tcnicos, 150Polticas e prticas de gesto, 157Concluses, 164

    7 CONSIDERAESFINAIS, 167Introduo, 167Limitaes do trabalho, 168Recomendaes para novos trabalhos, 169Tendncias na gesto de pessoas articulada por competncias, 171Efeitos perversos a evitar na gesto de pessoas, 172Concluses, 174

    Anexo A - Definio das competncias especficas, 175

    Anexo B - Critrios de diferenciao, 189

    Bibliografia, 201

  • Prefcio

    A forma como as organizaes efetuam a gesto de pessoas passa por gran-des transformaes em todo o mundo. Essas transformaes vm sendo motiva-das pela inadequao dos modelos tradicionais de gesto de pessoas no atendi-mento s necessidades e s expectativas das empresas e das pessoas. Desde osanos 80, fala-se da necessidade de rever a forma de gesto de pessoas e de repen-sar conceitos e ferramentas de gesto. Apesar disso, somente a partir dos anos90 que surgem propostas mais concretas de mudana e observam-se resulta-dos positivos em novas formas de gerir pessoas. Essas experincias positivas per-mitem observar a existncia de um novo conjunto de premissas e conceitos queexplicam melhor a relao entre organizao e pessoas, chamado de gesto depessoas articulada por competncias (Fischer, 1998).

    Para muitos, a gesto de pessoas por competncia um modismo e j deuprovas de inadequao para trabalhar as necessidades das organizaes e das pes-soas. Creio que o conceito de competncia, quando compreendido em toda a suaextenso e utilizado em conjunto com outros conceitos, permite grande avano nacompreenso da gesto de pessoas na empresa moderna. O presente momento nos permite, mas tambm exige a sistematizao das reflexes conceituais efetuadase o alinhamento das experincias de empresas brasileiras com essas reflexes.

    Nesse contexto insere-se o presente trabalho. Seu objetivo traduzir as ex-perincias vivenciadas nesses 20 anos em:

    conceitos que expliquem a realidade das empresas e sinalizem o futuroda gesto de pessoas;

  • 12 COMPETNCIAS

    ferramentas que nos permitam agir com maior preciso no gerencia-mento de pessoas.

    Nossa experincia - concretizada na interveno em vrias empresas nacio-nais e multinacionais - tanto na concepo e implementao de sistemas degesto de pessoas, quanto na adaptao de estruturas globais de gesto de pes-soas para a realidade brasileira permite confirmar a adequao dos conceitosaqui tratados e sua transformao em instrumentos d gesto.

    Este livro no pretende ser um marco nem esgotar o tema. Ao contrrio, urna tentativa de sistematizar um conjunto de experincias, pesquisas e contri-buies desenvolvidas ao longo dos ltimos 20 anos na busca de um modelo degesto de pessoas que atenda s necessidades da empresa moderna.

    Este livro a traduo do meu processo de construo pessoal e profissio-nal e da busca de referenciais para a reflexo sobre a gesto de pessoas na em-presa moderna. Esse processo s foi possvel porque encontrei muito apoio, soli-dariedade e amizade.

    Gostaria de poder enumerar co~ justia todos os amigos que possibilita-ram essa caminhada com seu apoio, confiana e estmulos generosamente ofe-recidos. Vou agradecer a todos os amigos da Fundao Instituto de Administra-o (FIA), do Departamento de Administrao da FEA-USP e da Growth -Consultoria Organizacional, bem como a amigos em vrias empresas com asquais tenho mantido contnua troca de experincias.

    Gostaria de ressaltar, entretanto, a sempre estimulante parceria com RosaMaria Fischer, Jos Antnio Monteiro Hiplito e Graziella Maria Comini, compa-nheiros de vrios projetos e descobertas na gesto de pessoas junto s empresasbrasileiras. A parceria em projetos e em reflexes sobre a gesto de pessoas porcompetncias com os Profs. Roberto Ruas da UFRGS e Maria Tereza Leme Fleuryda FEA-USP.s Profas. Rosa Maria Fischer e Maria Tereza Leme Fleury gostariade registrar o agradecimento pelo estmulo, orientao e sugestes na realiza-o deste livro.

    Gostaria, tambm, de registrar meu agradecimento minha esposa LairAlmendra Dutra, que pacientemente acompanhou todo esse processo, com mui-to amor e solidariedade, e que me ajudou muito na reviso do texto, com sualeitura atenta, suas sugestes e seus comentrios.

    o Autor

  • Introduo

    A forma como as organizaes efetuam a gesto de pessoas passa por gran-des transformaes em todo o mundo. Essas transformaes vm sendo motiva-das pela inadequao dos modelos tradicionais de gesto de pessoas no atendi-mento s necessidades e s expectativas das empresas e das pessoas. Modelos degesto so constitudos por um conjunto de pressupostos, prticas e instrumen-tos, conforme detalharemos no Captulo 3. Os modelos tradicionais tm sua g-nese nos movimentos de administrao cientfica, na busca da pessoa certa para olugar certo (Taylor, 1982), e esto ancorados no controle como referencial paraencarar a relao entre as pessoas e a organizao (Braverman, 1980; Gorz, 1980;Friedmann, 1972; Fleury, 1987; Fischer, 1987; Hirata et al., 1991; Albuquerque,1992; Fleury e Fischer, 1992).

    A falncia das abordagens tradicionais da gesto de pessoas foi motivadapor presses que emergiram durante a dcada de 60 e consolidaram-se no inciodos anos 80. Essas presses provm de duas fontes: o ambiente em que a organi-zao se insere e as pessoas que nela trabalham.

    Os processos de globalizao, a turbulncia crescente, a complexidademaior das arquiteturas organizacionais e das relaes comerciais, a exignciade maior valor agregado dos produtos e servios levaram as organizaes a bus-car mais flexibilidade e maior velocidade de resposta na estruturao das ocorrn-cias internas e no enfrentamento de situaes inusitadas e de complexidade cres-cente.

    A partir da, as organizaes passam a necessitar de pessoas mais autno-mas e com maior iniciativa, com perfil bem diferente do exigido at ento, de

  • 14 COMPETNCIAS

    obedincia e submisso; medida que o processo decisrio cada vez mais des-centralizado, ele fica mais sensvel no mbito do comprometimento das pessoascom os objetivos e as estratgias organizacionais. Pode-se dizer que o atual grandedesafio da gesto de pessoas gerar e sustentar. o comprometimento delas, o ques possvel se as pessoas perceberem que sua relao com as organizaes lhesagrega valor.

    A necessidade do comprometimento das pessoas foi ampliando sua impor-tncia estratgica para criar e manter diferenciais competitivos por parte dasorganizaes. Ao ganharem voz dentro das organizaes, as pessoas tornam-sefonte de presso, a segunda fonte de presso sobre a organizao, uma pressoproveniente do contexto interno.

    Quanto mais as organizaes buscam flexibilidade e velocidade decisria,mais dependem das pessoas; em decorrncia, tornam-se mais dispostas a aten-der s expectativas e necessidades que elas manifestam. As pessoas que estabele-cem algum tipo de relao de trabalho com a organizao, por seu lado, procu-ram satisfazer a um novo conjunto de necessidades: maior espao para desen-volvimento profissional e pessoal, manuteno da competitividade profissional eexerccio da cidadania organizacional, entre outras, pressionando as organiza-es a se estruturarem para tanto.

    As duas fontes de presso exercem mtua influncia e, desde os anos 80,exigem reviso de conceitos, premissas, tcnicas e ferramentas. Essas exigncias,aliadas crescente importncia do elemento humano para construir e manterdiferenciais competitivos para a organizao, originaram maior ateno ges-to de pessoas.

    Desde os anos 80, fala-se da necessidade de rever a forma de gesto depessoas e de repensar conceitos e ferramentas de gesto. Apesar disso, somentea partir dos anos 90 que surgem propostas mais concretas de mudana e ob-servam-se resultados positivos em novas formas de gerir pessoas. Essas experin-cias positivas permitem observar a existncia de um novo conjunto de premissase conceitos que explicam melhor a relao entre a organizao e as pessoas.

    Pudemos verificar que os referenciais conceituais de competncia, comple-xidade e espao ocupacional, quando utilizados em conjunto, tm a capacidadede explicar a realidade da gesto de pessoas em organizaes bem-sucedidas(Eboli, 1999; Fleury, 2000; Dutra, 2001). Esses referenciais conceituais serotrabalhados a seguir. Antes, gostaria de relatar minha trajetria de reflexo e oporqu de meu interesse pelo tema.

    Desde o incio de minha atuao na gesto de pessoas em empresas indus-triais e de tecnologia, a forma como as empresas tratavam as pessoas gerava

  • INTRODUO 15

    desconforto, tanto nos profissionais da rea quanto no conjunto de gestores. Aomesmo tempo em que meus colegas e eu constatvamos a existncia de umgrande espao de trabalho, sentamos angstia por no saber como reverter essequadro, particularmente pelo contexto de represso estatal em que se vivia napoca e que se refletia no comportamento das organizaes. Apesar de os anos70 oferecerem oportunidades para o aperfeioamento e o desenvolvimento dastcnicas de remunerao, os conceitos e as premissas que embasavam essas tc-nicas no atendiam s necessidades das organizaes e das pessoas. Somentenos anos 80 e 90 - graas ao esforo de pesquisadores, docentes e profissionaisda rea - foi possvel compreender melhor a realidade organizacional referente gesto de pessoas.

    Ao longo dos anos 80, estive ligado tanto universidade quanto empresa.Inicialmente, procurei encontrar um aspecto da gesto de pessoas que me per-mitisse olh-Ia como um todo. Acreditava ento que, se estudasse em profundi-dade a administrao de carreiras, poderia compreender a forma de estruturaoda gesto de pessoas pelas organizaes. Foi um investimento muito importantepara estabelecer pontos de referncia para a compreenso da gesto de pessoas,mas no foi suficiente para enxergar o todo. Faltavam conceitos que explicas-sem como as pessoas eram valorizadas e como se movimentavam na empresa eno mercado de trabalho. Os estudos sobre carreira mostraram a estrutura dodesenvolvimento das pessoas nas organizaes. Atravs dos conceitos de compe-tncia, complexidade e espao ocupacional, a gesto de pessoas praticada pelasempresas de sucesso foi sendo desvendada.

    No final dos anos 80, passei a dedicar-me atividade de pesquisa e docncia,e nossa equipe procurou demonstrar que o uso do conceito de competncia paraa gesto de pessoas era um avano importante, mas no suficiente para a com-preenso plena da realidade organizacional. Adotamos alguns cuidados funda-mentais para no cair na armadilha do aprendiz de feiticeiro que, encantadocom uma descoberta, acredita compreender a realidade toda. Apesar de retarda-rem a publicao de trabalhos, os seguintes cuidados mostraram-se efetivos nacompreenso da gesto de pessoas e na interveno sobre a realidade das orga-nizaes:

    consolidar as vrias escolas que vinham estudando e trabalhando como conceito de competncia, para construir um conceito que agregasse oseu trabalho, a nossa experincia de intervenes em organizaes e osresultados de nossas pesquisas;

    incorporar outros conceitos ao de competncia, para melhor compreen-der a realidade organizacional. Percebemos que o conceito de compe-

  • tncia por si s no era suficiente para dar conta da realidadeorganizacional; eram necessrios conceitos complementares: o de com-plexidade e o de espao ocupacional;

    construir modelos de gesto de pessoas integrados entre si, s estra-tgias organizacionais e s expectativas das pessoas. A construode modelos de gesto permitiu articular os conceitos com instrumen-tos e ferramentas para a gesto de pessoas, favorecendo o seu refi-namento.

    16 COMPETNCIAS

    Verificamos que as organizaes que adotam os conceitos de competnciasem a utilizao dos conceitos complementares conseguiram resultados pobresou simplesmente no conseguiram resultado algum. Muitas abandonaram oconceito de competncia ou restringiram seu uso aos processos de recrutamen-to e seleo e de desenvolvimento. A no-utilizao dos conceitos complementa-res de complexidade e espao ocupacional gerou restries ao uso do conceitode competncias para a gesto de pessoas na empresa moderna, por parte deprofissionais de empresa e tericos (Lawler, 1996). Entende-se aqui empresamoderna como aquela que consegue responder s demandas impostas peloambiente no qual se insere.

    Observamos, ainda, que o mau uso do conceito criou uma srie de efeitosperversos. O mais srio deles foi o aumento de presso sobre as pessoas sem acontrapartida da organizao em termos de reconhecimento e da criao decondies concretas para o desenvolvimento profissional.

    Para muitos, a gesto de pessoas por competncia um modismo e j deuprovas de inadequao para trabalhar as necessidades das organizaes e daspessoas. Creio que o conceito de competncia, quando compreendido em toda asua extenso e utilizado em conjunto com outros conceitos, permite grande avan-o na compreenso da gesto de pessoas na empresa moderna.

    O presente momento no s permite, mas tambm exige a sistematizaodas reflexes conceituais efetuadas e o alinhamento das experincias de empre-sas brasileiras com essas reflexes, analisando:

    a capacidade explicativa da realidade organizacional pelos conceitos;a possibilidade de criao de instrumentos de gesto a partir dos con-ceitos;as limitaes, os equvocos e os futuros desdobramentos da gesto depessoas em empresas consideradas modernas por suas polticas e prti-cas.

  • INTRODUO 17

    Mudanas na forma de gerir pessoas

    Os trabalhos desenvolvidos, ao longo dos anos 90 e da primeira dcada dosanos 2000, junto a empresas brasileiras, mostraram-se alinhados com as exi-gncias da empresa moderna. As principais transformaes observadas na for-ma de gerir pessoas, nesse perodo, foram:

    alterao no perfil das pessoas exigido pelas empresas: samos deum perfil obediente e disciplinado para outro autnomo e empreende-dor. A mudana no padro de exigncia gerou a necessidade de culturaorganizacional que estimulasse e apoiasse a iniciativa das pessoas, acriatividade e a busca autnoma de resultados para a empresa ou onegcio;

    deslocamento do foco da gesto de pessoas do controle para o de-senvolvimento: a marca dos modelos tradicionais de gesto de pes-soas, inspirada no paradigma fordista e taylorista de administrao, ocontrole das pessoas. Nesse paradigma, as pessoas so objeto de contro-le e, portanto, espera-se delas uma postura passiva. Com a mudana doperfil de pessoas exigido pela empresa, porm, h grande presso paraque a gesto de pessoas seja marcada pela idia do desenvolvimentomtuo. De um lado, a empresa, ao desenvolver-se, desenvolve as pessoas;de outro, as pessoas, ao desenvolverem-se, desenvolvem a empresa. Ofoco no desenvolvimento visualiza a pessoa como gestora de sua rela-o com a empresa e do seu desenvolvimento e carreira;

    maior relevncia das pessoas no sucesso do negcio ou da empre-sa: o comprometimento das pessoas com a empresa ou o negcio deforma integral - ou seja, mobilizando no somente msculos e parte dainteligncia, mas todo o seu potencial criador, sua intuio e capacida-de de interpretar o contexto e de agir sobre ele - gera vantagens compe-titivas nicas. As pessoas so as depositrias do patrimnio intelectualda empresa, da capacidade e agilidade de resposta da empresa aos est-mulos do ambiente e, ainda, da capacidade de visualizao e explora-o de oportunidades de negcio.

    Essas transformaes no foram acompanhadas pelos conceitos e ferra-mentas que do suporte gesto de pessoas. O resultado que a forma de gerirpessoas, na maior parte das empresas, no d conta da realidade. comumobservar as empresas sabotando constantemente seu sistema formal de gesto.Essa sabotagem visa a criar brechas no sistema formal para adequ-lo realida-

  • 18 COMPETNCIAS

    de, j que esta se impe quele. Repetidas sabotagens descaracterizam o sistemaformai, retirando-lhe legitimidade e 'credbilidade. Como decorrncia desse qua-dro, existe descontentamento generalizado com a forma de gerir pessoas. A per-gunta bvia : por que no mudar?

    No mudamos ainda porque no temos um modelo de gesto confivelpara substituir integralmente o tradicional. Muitas empresas, entretanto, vmconseguindo bons resultados com novas propostas de gesto de pessoas e, aoobserv-Ias, encontramos alguns elementos comuns, passveis de reproduopara diferentes realidades organizacionais.

    Instrumentos para a gesto de pessoas

    No Brasil, as empresas que esto obtendo bons resultados na gesto depessoas tm aplicado os conceitos de competncia, complexidade e espaoocupacional, de forma a permitir que o gestor avalie os riscos e acompanhe osresultados de suas decises. Para tanto, o conjunto de polticas e prticas degesto de pessoas deve possuir as seguintes propriedades:

    integrao mtua: permite ao gestor avaliar os desdobramentos de umadeciso relativa remunerao de uma pessoa no conjunto das remu-neraes da organizao, na massa salarial, no sistema de carreira, nosistema de desenvolvimento; enfim, em todos os demais aspectos dagesto de pessoas dentro da organizao;integrao com a estratgia organizacional: fundamental que o con-junto de polticas e prticas de gesto de pessoas esteja alinhado com osobjetivos da organizao, seus valores e misso;integrao com as expectativas das pessoas: fundamental, tam-bm, que essas polticas e prticas estejam alinhadas com as expectati-vas das pessoas para sua legtima efetividade.

    A ausncia de qualquer dessas propriedades torna as polticas e as prticasde gesto de pessoas um conjunto de normas burocrticas que visam a contro-lar o gestor e suas aes, ao invs de orent-lo em suas decises. Infelizmente,essa a realidade na maior parte das empresas brasileiras. Nesse caso, o conjun-to de polticas e prticas utilizado tem suas bases formadas na administraocientfica na qual as pessoas so vistas como responsveis por um conjunto deatividades ou funes previamente definidas. Essa viso das pessoas tem causa-do distores na anlise e interpretao da realidade organizacional, gerando

  • INTRODUO 19

    instrumentos, processos e metodologias inadequados para atuar sobre ela. Es-sas distores favorecem ocorrncias como:

    instrumentos para gesto de pessoas de difcil compreenso e utilizaopelos gestores, pessoas e os prprios profissionais especializados;

    desintegrao entre as vrias polticas e prticas de gesto de pessoas - comum encontrar sistemas de remunerao que estimulam compor-tamentos diferentes, e eventualmente conflitantes, em relao quelesincentivados pelo sistema de desenvolvimento. Em algumas empresas,h conflito entre o que a remunerao fixa favorece e o que estimula-do pela remunerao varivel;

    desorientao no trato de problemas na gesto de pessoas em que assolues so geralmente tpicas, desarticuladas entre si e com a estra-tgia organizacional. H uma tendncia de as prioridades serem esta-belecidas em funo das situaes, reas ou pessoas que exercem maispresso;

    descrdito e insegurana em relao aos instrumentos de gesto, umavez que h presso para solucionar os problemas sem clara compreen-so da realidade organizacional. Isso conduz, muitas vezes, busca demodismos ou propostas "modernosas" de gesto, sem que se obtenhamos resultados esperados pela organizao e pelas pessoas.

    Essas distores ocorrem porque os conceitos e os instrumentos esto as-sentados em bases movedias. Ou seja, a forma pela qual as pessoas soreferenciadas, analisadas, diferenciadas e reconhecidas alicera-se em bases quesofrem alteraes em funo das presses recebidas pela organizao, tanto doambiente interno quanto do externo. A instabilidade dessas bases faz com queas pessoas tenham dificuldade de se localizar na empresa, de avaliar com clare-za suas perspectivas e de estabelecer um projeto profissional alinhado com asexpectativas e necessidades da empresa. De outro lado, a empresa tem dificulda-de de deixar clara sua expectativa em relao s pessoas.

    As distores so agravadas quando a organizao busca sistemas fecha-dos de gesto, os chamados pacotes, e tenta implement-los a todo custo. comoconstruir um modelo e tentar colocar a realidade dentro dele. O resultado adificuldade maior para compreender a realidade e alinhar as expectativas daorganizao e das pessoas. Isso tem reforado a minha convico e a do grupodo qual fao parte de que so necessrias propostas concretas de alternativas aomodelo tradicional. Espero que este livro possa lanar mais alguns elementospara essa reflexo.

  • 20 COMPETNCIAS

    Estrutura do livro

    Inicialmente, so apresentados os conceitos fundamentais para a compreen-so da gesto de pessoas na empresa moderna e para a construo de um mode-.lo integrado de gesto de pessoas. No Captulo 1, exposto o conceito de compe-tncia; no Captulo 2, os conceitos de complexidade e espao ocupacional. Anecessidade da integrao do conjunto de polticas e prticas de gesto de pes-soas existentes na organizao discutida no Captulo 3. Nele abordada aintegrao mtua com as estratgias organizacionais e com as expectativas daspessoas que mantm relao de trabalho com a organizao. No Captulo 4, discutida a metodologia de abordagem para a concepo e implementao desistemas de gesto de pessoas.

    A seguir, analisado o caso de uma empresa petroqumica; no Captulo 5,aprofundamos a abordagem metodolgica para a consecuo do trabalho decampo e, 'no Captulo 6, trabalhamos o sistema de gesto de pessoas implementadona empresa estudada. As concluses e consideraes finais so apresentadas noCaptulo 7.

  • 1

    Gesto de Pessoas por Competncia:Modismo ou Conceito em Construo?

    INTRODUOA partir de experincias pessoais - como profissional da rea de recursos

    humanos em uma grande empresa de eletrnica profissional, e mais tarde ofere-cendo suporte equipe de Rosa Maria Fischer (Fischer, 2002; Dutra, 1989) emprojetos para gesto de transformaes organizacionais em empresas do setorfinanceiro e agrobusiness -, durante os anos 80, verifiquei a existncia de umaorganizao "subterrnea" em termos de gesto de pessoas. Subterrnea porno existir de forma consciente, nem para os profissionais da rea de recursoshumanos nem para os gestores da empresa. Essa organizao subterrnea ope-ra da seguinte forma: o gestor toma uma deciso sobre algum de sua equipe edepois verifica a possibilidade de implement-la dentro do sistema formal. Casoeste no consiga dar as respostas adequadas, o gestor e/ou o profissional derecursos humanos ir efetuar "acertos" e "gambiarras" ou sabotar o sistemaformal. Exemplo tpico de sabotagem a criao de cargos para justificar au-mentos salariais, ou para distinguir as pessoas das demais em funo de suacontribuio para a empresa ou negcio.

    No final dos anos 80 e incio dos anos 90, buscando compreender melhoresse fenmeno, observamos que nessa organizao subterrnea os gestores to-mavam decises sobre as pessoas em funo de sua agregao de valor para omeio. Em empresas sadias, a agregao de valor para a empresa ou para onegcio; em empresas patolgicas, essa agregao de valor para um feudo oupara a chefia imediata ou mediata. Para explicar o fenmeno, o conceito encon-

  • 22 COMPETNCIAS

    trado foi O da competncia, desenvolvido para oferecer suporte a movimentos dequalificao profissional em pequenas e mdias empresas do setor moveleiro,em meados da dcada de 80 (Zarifian, 2001). A base desse conceito o desloca-mento do foco que estava sobre o estoque de conhecimentos e habilidades para aforma como a pessoa mobilizava seu estoque e repertrio de conhecimentos ehabilidades em determinado contexto, de modo a agregar valor para o meio noqual se inseria (Fleury, 2000:21).

    O conceito de competncia foi proposto de forma estruturada pela primeiravez em 1973, por David McClelland (1973), na busca de uma abordagem maisefetiva que os testes de inteligncia nos processos de escolha de pessoas para asorganizaes. O conceito foi rapidamente ampliado para dar suporte a proces-sos de avaliao e para orientar aes de desenvolvimento profissional. Outroexpoente na estruturao do conceito Boyatzis (1982:13), que, a partir dacaracterizao das demandas de determinado cargo na organizao, procurafixar aes ou comportamentos efetivos esperados. Em seu trabalho, o autor jdemonstra preocupao com questes como a entrega da pessoa para o meio noqual se insere. A percepo do contexto fundamental para que a pessoa possaesboar comportamentos aceitveis. Mas so autores como Le Boterf (1994, 2000,2001 e 2003) e Zarifian (1996 e 2001) que exploram o conceito de competnciaassociado idia de agregao de valor e entrega a determinado contexto deforma independente do cargo, isto , a partir da prpria pessoa. Essa construodo conceito de competncia explica de forma mais adequada o que observamosna realidade das empresas.

    Vrios autores procuraram estruturar o desenvolvimento do conceito decompetncia e/ou efetuar uma reviso bibliogrfica. Dentre eles, cabe destacaros seguintes: Parry (1996), McLagan (1997) e Woodruffe (1991). Alm dessesautores, vrios alunos de nossos cursos de ps-graduao efetuaram boas revi-ses bibliogrficas, cabendo destacar os trabalhos de Amatucci (2000), Hiplito(2000), Bitencourt (2001), Sant'Anna (2002) e Silva (2003).

    A partir do incio dos anos 90, procuramos empregar o conceito de compe-tncia em trabalhos de interveno em empresas brasileiras e na adaptao, emempresas multinacionais, de estruturas de gesto de pessoas globais para a reali-dade brasileira. Os resultados foram bons, mas a aplicao do conceito de compe-tncia abrangia apenas alguns aspectos da gesto de pessoas nessas empresas. Aprimeira oportunidade de aplicao do conceito em um sistema integrado de ges-to de pessoas ocorreu em 1996 e 1997 em uma empresa do setor de telecomuni-caes (Dutra et al., 2000). A partir da pesquisa-ao em que os conceitos foramtransformados em instrumentos de gesto ao mesmo tempo que o conjunto degestores da empresa era participe da construo desses instrumentos, foi possveldiscutir aspectos importantes da gesto de pessoas. Destacamos os seguintes:

  • GESTO DE PESSOAS POR COMPETNCIA 23

    entrega exigida pela organizao: foram questinadas as abordagensmetodolgicas para a determinao das entregas requeri das das pessoas.A origem dessas entregas deveria estar no intento estratgico da empre-sa. Ao mesmo tempo, no era possvel pensar que haveria o mesmo pa-dro de entrega para diferentes grupos profissionais dentro da empresa;

    caracterizao da entrega: a forma de descrever a entrega requeridadas pessoas deveria ser facilmente identificvel e a mais objetiva poss-vel. Essa era uma questo da maior relevncia, pois teria influncia nosparmetros remuneratrios e deveria contemplar as limitaes legaisimpostas pela Justia do Trabalho brasileira;

    forma de mensurar a entrega: alm da descrio objetiva da entrega,havia o desafio de criar uma escala para mensur-la.

    Essas discusses foram importantes para a validao do conceito de com-petncia e sua transformao em instrumento de gesto. Foi tambm importan-te para consolidar a agregao de outros conceitos ao de competncia, visando obteno dos resultados necessrios, como veremos no Captulo 2. Outro as-pecto relevante foi a consolidao de abordagens metodolgicas para a concep-o e a implementao de um sistema de gesto de pessoas integrado com baseem competncias, como veremos nos Captulos 3 e 4.

    Finalmente, vale ressaltar que percebemos com maior nitidez a possibilida-de de integrar a gesto de pessoas ao intento estratgico da empresa atravs dadiscusso das competncias organizacionais. Essa temtica j vinha sendo tra-balhada no Brasil por Maria Tereza Fleury (2000) por meio "da abordagem dosrecursos da firma", a partir da qual se verifica a interao do 'intento estratgicodas competncias organizacionais e das competncias individuais (Fleury,2000:57; Ruas, 2002), como examinaremos mais adiante.

    A proposta deste captulo colocar em perspectiva a utilizao do conceitode competncia para a construo de um sistema integrado e estratgico degesto de pessoas.

    ARTICULAO ENTRE ESTRATGIA EMPRESARIAL ECOMPETNCIAS INDMDUAIS

    A competncia pode ser atribuda a diferentes atores. De um lado temos aorganizao, com o conjunto de competncias que lhe prprio. Essas compe-tncias decorrem da gnese e do processo de desenvolvimento da organizao e

  • 24 COMPETNCIAS

    so concretizadas em seu patrimnio de conhecimentos, que estabelece as van-tagens competitivas da organizao no contexto em que se insere (Ruas, 2002;Fleury, 2000). De outro lado, temos as pessoas, com seu conjunto de competn-cias, aproveitadas ou no pela organizao. Empregaremos aqui a definiopara a competncia das pessoas estabelecida por Maria Tereza Fleury (2000):"Saber agir responsvel e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferirconhecimentos, recursos, habilidades, que agreguem valor econmico organi-zao e valor social ao indivduo."

    Ao colocarmos organizao e pessoas lado a lado, podemos verificar umprocesso contnuo de troca de competncias. A organizao transfere seu patri-mnio para as pessoas, enriquecendo-as e preparando-as para enfrentar novassituaes profissionais e pessoais, na organizao ou fora dela. As pessoas, aodesenvolverem sua capacidade individual, transferem para a organizao seuaprendizado, capacitando-a a enfrentar novos desafios.

    Desse modo, so as pessoas que, ao colocarem em prtica o patrimnio deconhecimentos da organizao, concretizam as competncias organizacionaise fazem sua adequao ao contexto. Ao utilizarem, de forma consciente, opatrimnio de conhecimento da organizao, as pessoas validam-no ouimplementam as modificaes necessrias para aprirnor-lo. A agregao devalor das pessoas , portanto, sua contribuio efetiva ao patrimnio deconhecimentos da organizao, permitindo-lhe manter suas vantagens com-petitivas no tempo.

    H, pois, relao ntima entre competncias organizacionais e individuais.O estabelecimento das competncias individuais deve estar vinculado reflexosobre as competncias organizacionais, uma vez que mtua a influncia deumas e de outras. Na abordagem das competncias organizacionais, cabe a ana-logia de Prahalad e Hamel (1990), que compara as competncias s razes deuma rvore, ao oferecerem organizao alimento, sustentao e estabilidade.As competncias impulsionam as organizaes e seu uso constante as fortalece,na medida em que se aprendem novas formas para seu emprego ou utilizaomais adequada (Fleury, 1995); como vimos, o processo de aprendizadoorganizacional est vinculado ao desenvolvimento das pessoas que mantm re-laes de trabalho com a organizao.

    O olhar atento sobre as competncias organizacionais revela uma srie dequestionamentos sobre sua instituio, desenvolvimento e acompanhamento.Um primeiro questionamento, que est na raiz da abordagem dos recursos dafirma, a distino entre recursos e competncias. Para autores como Mills et al.(2002) e Javidan (1998), os recursos articulados entre si formam as competn-cias organizacionais. Recursos e competncias, entretanto, diferenciam-se quanto

  • r

    GESTO DE PESSOAS POR COMPETNCIA 25

    a seu impacto, abrangncia e natureza. Para Mills et al., existem recursos e com-petncias importantes para a organizao - por serem fontes para sustentaratuais ou potenciais vantagens competitivas -, e existem recursos e competnciasda organizao que no apresentam nada de especial no momento presente.Todos, entretanto, so recursos e competncias da organizao; da a importn-cia de criar categorias distintivas. Esses autores propem as seguintes:

    competncias essenciais: fundamentais para a sobrevivncia da or-ganizao e centrais em sua estratgia;

    competncias distintivas: reconhecidas pelos clientes como diferenciaisem relao aos competidores; conferem organizao vantagens com-petitivas;

    competncias de unidades de negcio: pequeno nmero de ativida-des-chave (entre trs e seis) esperadas pela organizao das unidadesde negcio;

    competncias de suporte: atividades que servem de alicerce para ou-tras atividades da organizao. Por exemplo: a construo e o trabalhoeficientes em equipes podem ter grande influncia na velocidade e qua-lidade de muitas atividades dentro da organizao;

    capacidade dinmica: condio da organizao de adaptar continua-mente suas competncias s exigncias do ambiente.

    Essas categorias so importantes para discutirmos sua relao com as com-petncias individuais. Inicialmente, as pessoas eram encaradas como um tipo derecurso na construo de competncias. Barney (1991) classificava os recursosorganizacionais em trs categorias: fsicos - planta, equipamentos, ativos -; hu-manos - gerentes, fora de trabalho, treinamento -; e organizacionais - ima-gem, cultura. A literatura recente considera como recursos os conhecimentos eas habilidades que a organizao adquire ao longo do tempo (King et al., 2002).Nesse contexto, as pessoas esto inseridas em todos os recursos, independente-mente da forma como so classificados, e, portanto, na gerao e sustentaodas competncias organizacionais. Como exemplo: as pessoas esto presentesem todos os tipos de recursos propostos por Mills et al. (2002): tangveis; conhe-cimento, experincia e habilidades; sistemas e procedimentos; valores e cultura;rede de relacionamentos. E so fundamentais para a contnua transformaoda organizao.

    Com base nessas consideraes, no podemos pensar as competncias indi-viduais de forma genrica e sim atreladas s competncias essenciais para aorganizao. As entregas esperadas das pessoas devem estar focadas no que

  • 26 COMPETNCIAS

    essencial. Assim procedendo, as pessoas estaro melhor orientadas em suas ati-vidades, no seu desenvolvimento e nas possibilidades de encarreiramento dentroda organizao. Parmetros e instrumentos de gesto de pessoas estaro tam-bm direcionados de forma consistente e coerente com o intento estratgico daorganizao. Por exemplo: o que valorizar nas pessoas, como avaliar sua contri-buio, como estruturar as verbas remuneratrias, critrios de escolha etc.

    A questo da origem das competncias individuais essencial para a carac-terizao das expectativas da organizao em relao s pessoas. Os trabalhosdesenvolvidos por Fleury e Fleury (2000) mostram relao ntima entre o inten-to estratgico da organizao, as competncias organizacionais e as competn-cias individuais. Combase nas tipologias propostas por Treacy e Wiersema (1995)e por Porter (1996), os autores estabelecem trs formas de competir (Fleury,2000:45):

    excelncia operacional; inovao em produtos; orientao para clientes.

    A partir dessas categorias, possvel verificar que a forma de competir in-fluencia o estabelecimento de competncias organizacionais, ou seja, existemcompetncias organizacionais tpicas de uma organizao que se enquadra emdeterminada categoria. Cabe o mesmo raciocnio para as competncias indivi-duais. Na organizao cuja forma de competir se caracteriza pela excelnciaoperacional, naturalmente a pessoa dever atender a um conjunto especfico deexigncias. o que se v no Quadro 1.1

  • COMPETNCIASINDMDUAIS

    GESTO DE PESSOAS POR COMPETNCIA 27

    COMPETNCIASORGANIZACIONAIS

    Custo Qualidade Processo produtivo Distribuio Monitoramento de

    mercado Comercializao Parcerias estratgicas

    Quadro 1.1 Relao entre intento estratgico, competncias organizacionais ecompetncias individuais.

    Definio das Competncias por Eixo

    Entregas exigidas das pessoas em cada eixo de carreira em funo daestratgia e das competncias organizacionais.

    ESTRATGIA

    Fonte: Quadro desenvolvido pelo autor com base nas reflexes efetuadas por Fleury e Fleury (2000).

    Volume de VendasExcelncia Operacional(bens de consumo,commodities)

    Foco na CustomizaoInovao em Produtos(produtos para clientesou segmentosespecficos)

    Inovao de produtos eprocessos

    Qualidade Monitoramento

    tecnolgico Imagem Parcerias tecnolgicas

    estratgicas

    Orientao a custos equalidades

    Gesto de recursos eprazos

    Trabalho em equipe Planejamento Interao com sistemas Multifuncionalidade Relacionamento

    interpessoal

    Capacidade de inovao Comunicao eficaz Articulao interna e

    externa Absoro e

    transferncia deconhecimentos

    Liderana e trabalho emequipe ..

    Resoluo de problemas Utilizao de dados e

    informaes tcnicas Aprimoramento de

    processos/produtos eparticipao emprojetos

  • 28 COMPETNCIAS

    Segundo o Quadro 1.1, os gerentes financeiros das duas organizaes te-ro diferentes conjuntos de entregas esperadas, mesmo que suas descries decargo sejam semelhantes. Nesse exemplo, possvel notar que o tipo de empresadeterminar o conjunto de entregas esperado das pessoas, ainda que isso noesteja formalizado ou consciente, influenciando os processos de escolha de can-didatos externos, os processos de ascenso, de valorizao etc.

    CARACTERIZAO DAS COMPETNCIAS INDIVIDUAIS

    Muitas pessoas e alguns tericos compreendem a competncia como o con-junto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessrias para que a pessoadesenvolva suas atribuies e responsabilidades. Esse enfoque pouco instru-mental, uma vez que o fato de as pessoas possurem determinado conjunto deconhecimentos, habilidades e atitudes no garantia de que elas iro agregarvalor organizao.

    Para melhor compreender o conceito de competncia individual, impor-tante discutir tambm o conceito de entrega.

    Para efeitos de admisso, demisso, promoo, aumento salarial etc., a pes-soa avaliada e analisada em funo de sua capacidade de entrega para a em-presa. Por exemplo, ao escolhermos uma pessoa para trabalhar conosco, almde verificar sua formao e experincia, avaliamos como ela atua, sua forma deentregar o trabalho, suas realizaes; enfim, cada um de ns usa diferentes for-mas de assegurar que a pessoa que estamos escolhendo ter condies de obteros resultados de que necessitamos. Embora, na prtica organizacional, as deci-ses sobre as pessoas sejam tomadas em funo do que elas entregam, o sistemaformal, concebido em geral a partir do conceito de cargos, as v pelo que fazem.Esse um dos principais descompassos entre realidade e o sistema formal de

    . gesto. Ao avaliarmos as pessoas pelo que fazem e no pelo que entregam, cria-.mos uma lente que distorce a realidade.

    Fomos educados a olhar as pessoas pelo que fazem e dessa forma que ossistemas tradicionais as encaram. Intuitivamente, valorizamos as pessoas porseus atos e realizaes e no pela descrio formal de suas funes ou ativida-des. Ao mesmo tempo, somos pressionados pelo sistema formal e pela cultura degesto a considerar a descrio formal, gerando distores em nossa percepoda realidade. Por exemplo: tenho dois funcionrios em minha equipe com asmesmas funes e tarefas, que so remunerados e avaliados por esses parmetros.Um deles, quando demandado para resolver um problema, traz a soluo commuita eficincia e eficcia e , portanto, uma pessoa muito valiosa. O outro no

  • GESTO DE PESSOAS POR COMPETNCIA 29

    O problema acontecer. Este muito mais valioso, s que, na maioria das, no reconhecido pela chefia ou pela empresa.Considerar as pessoas por sua capacidade de entrega d-nos uma perspec-mais adequada para avali-Ias, orientar seu desenvolvimento e estabelecermpensas. Sob essa perspectiva que vamos analisar os conceitos de compe-da individual. Muitos autores procuraram discutir a questo tentando en-der, como competncia, a capacidade das pessoas em agregar valor organi-. -o. Nessas tentativas, surgiram vrios conceitos.

    Para alguns autores, a maioria de origem norte-americana, que desenvol-seus trabalhos nos anos 70, 80 e 90, competncia o conjunto de qualifi-

    es (underlying characteristics) que permite pessoa uma peiformance supe-r em um trabalho ou situao. Os conceitos de seus principais expoentes -cClelland (1973), Boyatzis (1982) e Spencer Jr. e Spencer (1993) - formaram ae dos trabalhos da McBer, mais tarde Hay McBer, importante consultoria emmpetncia. As competncias podem ser previstas e estruturadas de modo abelecer-se um conjunto ideal de qualificaes para que a pessoa desenvolvaa performance superior em seu trabalho.Com essa abordagem, Parry (1996:50) resume o conceito de competncia

    mo "um cluster de conhecimentos, skilLs e atitudes relacionados que afetam ~ior parte de um job (papel ou responsabilidade), que se correlaciona com aormance do job, que possa ser medida contra parmetros bem aceitos, e que

    pode ser melhorada atravs de treinamento e desenvolvimento". Parry (1996),o entanto, questiona se as competncias devem ou no incluir traos de perso-

    nalidade, valores e estilos, apontando que alguns estudos fazem a distino en-e soft competencies, que envolveriam os traos de personalidade, e hardmpetencies, que se limitariam a apontar as habilidades exigidas para um tra-alho especfico. Autores que defendem a no-incluso das soft competencies nos

    programas de desenvolvimento apontam a necessidade de focar a performance eo a personalidade, uma vez que, embora ela influencie o sucesso, no pass-

    vel de ser desenvolvida atravs de treinamento (Parry; 1996). J Woodruffe (1991)destaca a importncia de arrolar tambm as competncias "difceis de se adqui-rir", para que sejam trabalhadas no processo seletivo. Segundo ele, "quanto maisdifcil a aquisio da competncia, menos flexveis devemos ser no momento daseleo".

    Durante os anos 80 e 90, muitos autores contestaram a definio de com-petncia associada ao estoque de conhecimentos e habilidades das pessoas e pro-curaram associar o conceito s suas realizaes e quilo que elas provem, pro-duzem e/ou entregam. Segundo eles, o fato de a pessoa deter as qualificaesnecessrias para um trabalho no assegura que ela ir entregar o que lhe

  • McClelland (McBer)Boyatziz

    ElliotJacques Billis/Stamp

    Zarifian/Le Boterf

    30 COMPETNCIAS

    demandado. Essa linha de pensamento defendida por autores como Le Boterf(1994) e Zarifian (1996). Para Le Boterf, por exemplo, a competncia no umestado ou um conhecimento que se tem, nem resultado de treinamento. Naverdade, competncia colocar em prtica o que se sabe em determinado con-texto, marcado geralmente pelas relaes de trabalho, cultura da empresa, im-previstos, limitaes de tempo e de recursos etc. Nessa abordagem, portanto,podemos falar de competncia apenas quando h competncia em ao, tradu-zindo-se em saber ser e saber mobilizar o repertrio individual em diferentescontextos.

    Atualmente, os autores procuram pensar a competncia como o somatriodessas duas linhas, ou seja, como a entrega e as caractersticas da pessoa quepodem ajud-Ia a entregar com maior facilidade (McLagan, 1997; Parry, 1996).Outra linha importante a de autores que discutem a questo da competnciaassociada atuao da pessoa em reas de conforto profissional, usando seuspontos fortes e tendo maiores possibilidades de realizao e felicidade (Schein,1990; Derr, 1988).

    H grande diversidade de conceitos sobre competncias que podem ser com-plementares. Estruturamos esses vrios conceitos na Figura 1.1, na qual temos,de um lado, as competncias entendidas como o conjunto de conhecimentos,habilidades e atitudes necessrias para a pessoa exercer seu trabalho; de outrolado, temos as competncias entendidas como a entrega da pessoa para a orga-nizao.

    INPUTS OUTPUTS

    =====~ConhecimentosHabilidadesAtitudes

    Agregao de Valor

    EstadosUnidos Inglaterra/Frana

    Figura 1.1 Conceitos sobre competncia.

  • GESTO DE PESSOAS POR COMPETNCIA 31

    As essoas atuam como agentes de transformao de conhecimentos habi-ades e atitudes em competncia entregue ara,a, ..organiza o...Acom etnciatregue pode sfaracterzada como agregao de valor ao atrimnio de co-- - --ecimentos da organizao Cabe destacar o entendimento de agregao dear como algo que a pessoa entrega para a organizao de forma efetiva, ou

    ja, que permanece mesmo quando a pessoa sai da organizao. Assim, a agre-o de valor no atingir metas de faturamento ou de produo, mas melho-

    rar processos ou introduzir tecnologias.Ao adotar essa compreenso de competncia, somando a idia de estoque

    e qualificaes de mobilizao do repertrio individual, possvel discutir acaracterizao das competncias dentro de determinado contexto organizacional.

    os definir esse contexto como dinmico e caracterizado por intentos estrat-icos e competncias organizacionais. Partindo desse contexto, para definir as

    competncias individuais, identificamos trs abordagens metodolgicas no con-itantes entre si, que podem ser utilizadas concomitantemente, possibilitandoaior segurana no processo.

    A primeira uma adaptao da abordagem recomendada por McClelland1973). Nela, so inicialmente apontadas pessoas consideradas pelos demais comodo um? performance acima da mdia. Em seguida, atravs de entrevistas in-iduais, so identificadas as competncias que diferenciam essas pessoas, cha-das por McClelland de competncias diferenciadoras, ou que permitem suaormance superior. Finalmente, as competncias levantadas so tabuladas e

    nfrontadas com os intentos estratgicos e as competncias organizacionaisnsideradas pela empresa como essenciais e distintivas.

    A segunda abordagem parte da premissa de que h relao natural entreintento estratgico da organizao, suas competncias organizacionais e as

    competncias das pessoas (Fleury, 2000). Mesmo que no haja conscincia desserocesso, ele existe; caso contrrio, a organizao no conseguiria sobreviver.existncia da organizao significa que ela conseguiu atender a demandas

    externas e integrar recursos (Schein, 1986; Fleury e Fischer, 1989). A cons-cincia desse processo permite organizao obter melhor sincronia entre ointento estratgico, as competncias organizacionais e as individuais, possi-bilitando o ajuste fino entre os trs aspectos. Partindo da explicitao do inten-to e das competncias essenciais e distintivas, possvel estabelecer as compe-tncias individuais fundamentais para essa sincronia. Inicialmente levantadasem entrevistas com pessoas-chaves da organizao, as competncias indivi-duais so posteriormente tabuladas e, finalmente, trabalhadas com o conjun-to de pessoas-chaves para obter a melhor sincronia com o intento e as compe-tncias organizacionais.

  • 32 COMPETNCIAS

    A terceira abordagem uma derivao da segunda. Existem dentro dasorganizaes diferentes trajetrias de carreira, normalmente atreladas a pro-cessos fundamentais, conforme veremos com maior profundidade no Captulo3. Para essas diferentes trajetrias, existem conjuntos especficos de entrega.Desse modo, quero dos meus gerentes entregas diferentes das de meus profissio-nais tcnicos. Algumas competncias individuais so exigncias para todas aspessoas que mantm relao de trabalho com a organizao e outras so exi-gncias especficas para determinados grupos profissionais. O processo de defi-nio segue o mesmo padro da segunda abordagem. Inicialmente, soidentificadas as trajetrias de carreira existentes na organizao; posteriormen-te, so levantadas as competncias existentes na organizao em cada trajetriae, por fim, elas so discutidas com o conjunto de pessoas-chaves da organizaopara se obter a melhor adequao aos intentos estratgicos e .s competnciasorganizacionais.

    Temos recomendado que o nmero de competncias individuais fique en-tre 7 e 12. Um nmero inferior a cinco competncias individuais pode gerarriscos de preciso para a definio de parmetros salariais. O nmero 7 permite-nos trabalhar com uma margem de segurana. Um nmero superior a 12 gerasobreposio entre competncias e toma mais trabalhoso o processo de avalia-o e gesto das competncias.

    A caracterizao das entregas esperadas ao longo dos nveis da carreiradeve ser observvel para que elas possam ser acompanhadas. comum encon-trar descries extremamente genricas e vagas, ou efetuadas a partir de com-portamentos desejveis, de observao difcil, o que d margem a interpretaesambguas. As descries devem retratar as entregas esperadas das pessoas deforma a serem observadas tanto pela prpria pessoa quanto pelos responsveispor acompanh-Ias e oferecer-lhes orientao. Cabe notar que a interpretaode qualquer descrio ser subjetiva e essa subjetividade poder ser minimizadaquando:

    as expectativas da empresa em relao pessoa forem expressas deforma clara;

    forem construdas coletivamente, expressando o vocabulrio e a cultu-ra da comunidade;

    as descries das vrias entregas estiverem alinhadas entre si, ou seja,estamos olhando a mesma pessoa atravs de diferentes competnciasou por diferentes perspectivas. Esse alinhamento ocorrer, como vere-mos adiante, com a graduao das competncias em termos de comple-xidade. As competncias devem ser graduadas em funo do nvel de

  • GESTO DE PESSOAS POR COMPETNCIA 33

    complexidade da entrega. A graduao permite melhor acompanha-mento da evoluo da pessoa em relao sua entrega para a organi-zao e/ou negcio.

    CONCLUSES

    Aps a segunda metade dos anos 90, realizamos inmeros projetos de in-terveno em organizaes de diferentes tamanhos, origem do capital e setor deatividade econmica. Presentemente, possvel contabilizar 32 trabalhos de in-terveno direta para concepo e implementao de sistemas integrados degesto de pessoas em empresas com faturamento acima de US$ 100 milhes/ano e com mais de mil empregados, alm do acompanhamento da experinciaem 19 empresas na reviso de sistemas de gesto de pessoas por competncia.Esse conjunto de experimentos permitiu consolidar a utilizao do conceito decompetncia e abordagens metodolgicas para concepo e implementao. Pes-quisas realizadas a partir de 1998 por Andr Fischer e Lindolfo Albuquerque(Fischer, 1998) indicam interesse crescente das empresas pela gesto de pessoascom base em competncias. Os fatos permitem-nos afirmar que o conceito decompetncia no um modismo; ao contrrio, tem-se mostrado muito adequa-do para explicar a realidade vivida pelas empresas na gesto de pessoas. Ao mes-mo tempo, entretanto, um conceito em construo. Ao acompanhatmos nos-sas primeiras experincias, ao reunirmos profissionais de recursos humanos dasempresas onde efetuamos projetos de interveno e ao discutirmos o tema nosprogramas de ps-graduao, pesquisa e nos cursos de extenso, verificamosque existe muito para pesquisar e aprofundar. As indicaes so de que estamosem meio a uma longa jornada.

    Para oferecer uma idia dessa jornada, podemos dividir o desenvolvimentodo conceito, at o presente momento, nas fases descritas a seguir. Elas foramclassificadas em funo de sua abrangncia e impacto na gesto de pessoas.

    Primeira fase - Competncia como base para a seleo e odesenvolvimento de pessoas

    Nessa fase, o uso do conceito est centrado na concepo de McClelland(1973) e Boyatzis (1982), elaborada a partir da observao das competnciasdiferenciadoras que conduziram pessoas ao sucesso profissionaL Levantadas dashistrias de sucesso, as competncias servem de padro para analisar as demais

  • Segunda fase - Competncia diferenciada por nvel decomplexidade

    34 COMPETNCIAS

    pessoas da empresa e para orientar os processos de seleo, escolha, avaliaopara desenvolvimento e orientao do processo de capacitao.

    A grande crtica efetuada a esse procedimento o fato de a mesma caracte-rizao de competncia ser aplicada indistintamente a todas as pessoas. Nessapoca, final dos anos 70 e incio dos anos 80, os conceitos eram atribudos apessoas tidas como estratgicas. Ao se conferir a definio das competnciasdiferenciadoras de forma indistinta, verificava-se que as exigncias sobre umapessoa em posio de gerncia operacional diferiam substancialmente das queincidiam sobre uma pessoa em posio de gerncia estratgica.

    Ao incorporarem os conceitos de competncia, as empresas foram natural-mente criando escalas de diferenciao por nveis de complexidade. Normal-mente, essas escalas de complexidade apresentavam-se como diferentes nveisde entrega da competncia (Boulter, 1992).

    Nessa fase, surgiram alguns desconfortos em relao ao uso do conceito decompetncia. Os principais foram:

    vinculao da competncia a trajetrias de sucesso em realidades pas-sadas;ausncia de vinculao das competncias em relao aos objetivos es-tratgicos da empresa;

    necessidade de estender a utilizao do conceito para as demais polti-cas e prticas de gesto de pessoas da empresa, como remunerao ecarreira.

    Terceira fase - Competncia como conceito integrador da gestode pessoas e destas com os objetivos estratgicos da empresa

    O conceito de competncia organizacional estimula a discusso sobre comocompatibilizar as competncias organizacionais e individuais. Dessa forma, ascompetncias humanas no mais derivariam das trajetrias de sucesso de pes-soas dentro da empresa, e sim dos objetivos estratgicos e das competnciasorganizacionais.

  • GESTO DE PESSOAS POR COMPETNCIA 35

    Essa fase inicia uma nova forma de olhar para a gesto de pessoas, buscan-do no s sua integrao com os objetivos estratgicos da empresa, mas tam-bm a integrao da gesto de pessoas em si. Os grandes avanos vieram quan-do comeamos a utilizar, com maior nfase, o conceito de competncia comoentrega e agregao de valor, e a ele incorporamos conceitos complementares: ode complexidade e o de espao ocupacional. A incorporao desses conceitospermitiu estender o uso da competncia para trabalhar com questes ligadas acarreira e remunerao. Durante a segunda metade da dcada de 90, foi poss-vel observar a rpida evoluo do uso do conceito no aprimoramento da gestode pessoas. Hoje, a articulao entre os conceitos de competncia, complexidadee espao ocupacional permite maior envolvimento dos gestores na administra-o de pessoas e melhor avaliao das repercusses de suas decises.

    Quarta fase - Apropriao pelas pessoas dos conceitos decompetncia

    No Brasil, temos verificado que as empresas que conseguiram grandes avan-os na gesto de pessoas trabalharam em duas frentes de forma simultnea: deum lado, aprimoraram seus sistemas de gesto de pessoas; de outro, estimularamas pessoas a construir seus projetos de carreira e desenvolvimento profissional.

    A apropriao, por parte das pessoas, dos conceitos de competncia, com-plexidade e espao ocupacional fundamental para seu contnuo aprimora-mento. Quando as pessoas no compreendem os conceitos e no os utilizampara pensar o prprio desenvolvimento, reduzem os instrumentos e processosderivados desses conceitos a rituais burocrticos.

    Encontramos poucas empresas na terceira fase desse processo. A maiorparte das empresas que tm discutido a gesto de pessoas com base em compe-tncias em nossos cursos e trabalhos est na primeira ou na segunda fase. Acre-ditamos que sua migrao para a terceira e quarta fases ser mera questo detempo. O processo parece-nos inexorvel, em funo das presses recebidas.

    H pontos que precisamos trabalhar mais intensamente para aprimorar ouso dos conceitos e, principalmente, para que sejam efetivamente internalizadospelos gestores e pelas pessoas. Como veremos mais amplamente nos prximoscaptulos, ainda no est satisfatoriamente equacionada a conciliao de expec-tativas entre as pessoas e a organizao. O processo dinmico e depende muitodas lideranas organizacionais; talvez esta seja a quinta fase desse processo.

  • 2

    Complexidade e Espao Ocupacional:Conceitos Complementares ao de

    Competncia e Fundamentais para aCompreenso da Gesto de Pessoas

    INTRODUO

    Nos primeiros trabalhos em que utilizamos o conceito de competncia, veri-ficamos uma limitao natural na sua aplicao. Oriundo da escola americana,o conceito tinha como ponto de partida o cargo e depois a adequao' da pessoaao mesmo. Mesmo em autores como Boyatzis (1982), que procuram ampliar oconceito de cargo para um conjunto de expectativas em relao pessoa nocontexto organizacional, no h aprofundamento da questo. Os autores quebuscam efetuar discusso mais profunda do cargo, como Lawler III (1990, 1992e 1996), no conseguem propor algo consistente que possa substitu-lo comoreferncia na gesto de pessoas dentro das organizaes. A anlise das empre-sas, entretanto, revelou que o cargo estava longe de expressar a realidade dagesto de pessoas. No final dos anos 80 e incio dos anos 90, j era comumencontrar vrias pessoas no mesmo cargo, com o mesmo salrio e entregandocoisas bem diferentes para a organizao, sem que esta tivesse ferramentas con-fiveis para mensurao, avaliao e tomada de deciso.

    Os autores franceses, por sua vez, apesar de centrarem a avaliao naspessoas e reverem a idia de cargo (Zarifian, 2001), no propunham alternati-vas. Procuramos responder s seguintes questes: Como mensurar a entrega e aagregao de valor da pessoa para a empresa, o negcio ou o meio em que seinsere? Como estabelecer parmetros para a valorizao da pessoa em funoda entrega? Como orientar as pessoas para que ampliem sua capacidade de agre-gar valor? Sabamos que o cargo j no era para ns uma referncia.

  • 38 COMPETNCIAS

    Algumas ocorrncias nos ajudaram a encontrar o caminho. Uma delas foia possibilidade de efetuar trabalhos na Gessy-Lever do Brasil, empresa subsidi-ria da Unilever, onde entramos em contato com a adaptao do sistema McBerali efetuada. Essa adaptao trabalhada por Boulter (1992) e mostra a neces-sidade da empresa de criar gradaes nas competncias para avaliao maisadequada de seus gerentes. Verificamos em outras subsidirias no Brasil que, dealguma forma, ocorrera o mesmo com o uso do conceito de competncias pro-posto pela McBer e que a prpria empresa de consultoria j oferecia essa gradaoaos novos clientes. Com a criao da Hay/McBer, a proposio das competnciasj trazia propostas de gradao. Observamos que as gradaes, nas empresasestudadas, apresentavam formataes diferentes, mas todas tinham em comuma tentativa de estabelecer padres de complexidade.

    Outra ocorrncia foi a demanda de algumas empresas para revisar seussistemas de remunerao sem utilizar a forma tradicional de fatores e pontos.Elas queriam sistemas mais simples e amigveis. A busca de alternativas con-duziu-nos novamente ao uso de padres de complexidade para explicar as di-ferenas de contribuio das pessoas. Padres para mensurao de complexi-dade no eram novidade, j que existiam de forma estruturada desde a dcadade 50. Foram padres desse tipo que a Hay utilizou para desenvolver sua siste-mtica de remunerao e que a tornram mundialmente conhecida. Seu siste-ma de diferenciao de cargos no considerava unicamente o posicionamentodo cargo na estrutura de comando, incluindo uma srie de fatores quemensuravam a complexidade da posio. Desse modo, pessoas em mesmo n-vel de comando poderiam ter padres de remunerao diferenciados em fun-o da complexidade de suas posies. Sempre houve por trs dessa proposta apremissa de que a agregao de valor estava vinculada ao nvel de complexida-de das atribuies e responsabilidades do cargo. Para definir complexidade, aHay utilizou os seguintes parmetros: amplitude gerencial, conhecimentos tc-nicos, complexidade das atribuies (quanto menos estruturada, maior a com-plexidade) e complexidade das responsabilidades (medida em termos de graude autonomia decisria, de impacto nos resultados e de abrangncia da deci-so). A Hay, entretanto, sempre utilizou o cargo como referncia. Com a faln-cia do cargo como elemento de caracterizao da contribuio da pessoa paraa organizao, algumas empresas comearam a contestar a eficincia dessasistemtica.

    O conceito de complexidade sempre esteve presente na classificao doscargos e mostrou-se muito adequado quando atribudo s pessoas que os exerciam.Para desenvolver mtricas aplicveis s pessoas, investigamos e pesquisamos tra-balhos j elaborados e encontramos vrios autores que vinham refletindo namesma direo. Cabe destacar os seguintes: Dalton e Thompson (1993), Jaques

  • COMPLEXIDADE E ESPAO OCUPACIONAL 39

    (1967,1988,1990,1994), Rowbottom e Billis(1987) e Stamp (1989, 1993, 1993j,1994j e 1994a).

    Abandonar o cargo como referncia tornou muito importante cunhar umtermo que explicasse o conjunto de atribuies e responsabilidades das pessoasdentro de uma organizao. Os autores de lngua inglesa utilizavam job comoexpresso genrica que se confundia com a idia de cargo. Passamos a utilizar aexpresso espao ocupacional para expressar o conjunto de atribuies e respon-sabilidades das pessoas, e constatamos que o espao que elas ocupam dinmi-co. O que no incio era uma expresso tornou-se gradativamente um conceito.Verificamos tambm que a dinmica do espao ocupacional de uma pessoa naorganizao e sua demarcao em determinado momento so estabelecidas, deum lado, pelas necessidades da empresa, negcio ou meio ambiente, e, de outro,pela capacidade da pessoa em atender a essas necessidades.

    Neste captulo, so aprofundados os conceitos de complexidade e espaoocupacional e sua articulao com o conceito de competncia.

    USO DO CONCEITO DE COMPLEXIDADE PARA A COMPREENSODA GESTO DE PESSOAS NA ORGANIZAO MODERNA

    A questo da complexidade nos processos de valorizao das pessoas sem-pre esteve presente. Pesquisadores como Jaques (1967) j produziam reflexes aesse respeito no final dos anos 50. Em 1956, Jaques escrevia sobre o assunto, e olivro Equitable payment foi publicado pela primeira vez em 1961. Jaques lanavaa idia de time span, ou seja, "o maior perodo de tempo durante o qual o uso dodiscernimento autorizado e esperado, sem reviso por um superior" (Jaques,1967:21). O autor demonstra que, quanto maior o time span, maior a complexi-dade da posio e maior o nvel remuneratrio. Em suas proposies sobre com-plexidade, Jaques muito reducionista, acreditando que somente o time spanseria suficiente para determinar a complexidade. Seus seguidores, Stamp eRowbottom (1987), demonstraram a necessidade de elementos adicionais paraessa caracterizao. Nossos trabalhos no Brasil caminharam tambm nessa li-nha. Tentamos definir vrias dimenses de complexidade para estabelecer amtrica que informasse o nvel de contribuio da pessoa e sua correlao coma valorizao pela remunerao. Esses trabalhos culminaram com a monografiaapresentada por Hiplito (2000 e 2001), na qual o autor sistematiza os trabalhosde pesquisa desenvolvidos na segunda metade dos anos 90.

    Le Boterf (2003) retoma a discusso ao ampliar o debate sobre competn-cias. Discute o que chamou de profissionalismo, inserindo questes sobre com-

  • 40 COMPETNCIAS

    plexidade e carreira. O sentido da discusso de Le Boterf muito semelhante aoque norteou nossos trabalhos, porm a nfase difere. A preocupao de Le Boterfconcentra-se em um saber combinatrio, ou seja, a capacidade de a pessoa per-ceber as transformaes no ambiente e suas novas exigncias e, a partir da,mobilizar adequadamente seu repertrio e/ou buscar ampli-lo. Nossa preocu-pao concentra-se em discutir a mensurao desse desenvolvimento. Le Boterfdiscute a carreira como a articulao combinatria de saberes necessrios aoambiente profissional no qual a pessoa atua. Pensamos a trajetria da pessoadentro de determinado espectro de complexidade, partindo da premissa de que arealidade do mercado e/ou da organizao estabelece naturalmente limitaesde complexidade na qual a pessoa pode atuar, conforme veremos mais adiante.

    Le Boterf (2003:37) define o profissional como "aquele que sabe adminis-trar uma situao profissional complexa", estabelecendo complexidade como oconjunto de caractersticas objetivas de uma situao, as quais esto em proces-so contnuo de transformao. Temos tambm utilizado complexidade para tra-duzir as caractersticas objetivas da realidade, buscando, porm, estabelecer pa-dres estveis no tempo, que possibilitem chegar a uma mtrica perene e aplic-vel a diferentes realidades. Somente dessa forma seria possvel estabelecer anli-ses comparativas entre diferentes empresas, mercados e momentos histricos.Para ns, portanto, complexidade caracterstica intrnseca de determinadarealidade. Ela se liga ao fato de a situao exigir nveis diferentes de articulaodo repertrio de determinada pessoa.

    Para explicar melhor, necessrio estabelecer distino entre complexidadee dificuldade. Se uma atividade de difcil execuo puder ser sistematizada ereproduzida com facilidade por outros profissionais de mesmo nvel, ela deixa deser complexa, mas continua sendo de difcil execuo, como intervenes cirr-gicas para extrao de apndice ou tonsilas; embora difceis, porque uma pes-soa sem preparo em medicina dificilmente poderia execut-Ias, no so comple-xas, pois so atividades facilmente incorporveis ao repertrio de cirurgio. Umtransplante de corao, por sua vez, mesmo que possa ser sistematizado, requero conhecimento de especialidades diferentes, e a possibilidade de ocorrnciasinesperadas muito grande. Desse modo, o transplante de corao uma ativi-dade de grande complexidade e ir exigir do profissional que lidera uma equipede cirurgies larga experincia, legitimidade perante seus colegas e mostras paraseus clientes de que competente para executar esse tipo de interveno cirrgi-ca. Pode ser que em futuro prximo, com os avanos da medicina, essa interven-o deixe de ser complexa, mas continuar sendo de difcil execuo.Analogamente, na realidade vivida nas organizaes modernas, em ambienteem constante transformao, a complexidade no est na situao em si, masno que ela exige da pessoa. Esse padro de exigncia a base para a construo

  • COMPLEXIDADE E ESPAO OCUPACIONAL 41

    de nossas fitas mtricas. Para cada realidade organizacional e de trajetria decarreira, temos procurado estabelecer dimenses de complexidade que retratemesses padres de exigncia. De forma genrica, podemos verificar essas dimen-ses na Figura 2.1.

    Variveis DiferenciadorasNvel de

    Eixo de Nvel de Abrangncia Escopo de esrruturao Traramento da Autonomia edesenvolvimento atuao da atuao responsabilidade das atividades informao grau de superviso

    Estratgica II Internacional Organizao Baixo nvel de Decide! Alto nivel deVI padronizao, Responde autonomiaestruturao .

    e rotinaV I

    IVrias Participa da

    Nacional unidades deciso

    IVde negcio

    TticaUnidade Analisa e

    TIl de negcio Recomenda

    Regional

    II rea Sistematiza!Alto nvel de Organizapadronizao,

    IJ

    Baixo nvelestruturao de

    Operacional Local Atividades~ e rotina

    Coleta autonomia

    Fonte: Desenvolvida por Jos Hiplito para apresentao dessa sistemtica em palestras sobre o tema.

    Figura 2.1 Dimenses de complexidade.

    Ao longo de sua utilizao, a complexidade revelou-se um conceito impor-tante para se compreender a realidade da gesto de pessoas na empresa moder-na. Inicialmente, ele nos permitiu perceber com maior nitidez o processo dedesenvolvimento, favorecendo uma definio operacional de desenvolvimentoprofissional. As pessoas desenvolvem-se quando lidam com atribuies e res-ponsabilidades de maior complexidade. Observamos que o mercado e as organi-zaes utilizam naturalmente a complexidade como elemento de diferenciao,mas nunca de forma estruturada. Ao estrutur-la, temos tido facilidade em de-monstrar o conceito para diferentes gestores, tanto nas empresas onde temosatuado, quanto em nossos cursos de extenso para esse pblico. A facilidadeno ocorre por acaso, e sim porque ajuda a explicar para as pessoas aspectos deuma realidade que j conheciam, mas no conseguiam sistematizar de forma

  • anlise das pessoas a partir de sua individualidade: elas deixam deser olhadas a partir do cargo que ocupam ou de um perfil (moldura) aoqual devem enquadrar-se, e passam a ser observadas a partir de suaentrega. Quando a pessoa no consegue entregar o que dela se espera,pode-se avaliar o quanto essa deficincia foi motivada por problemasque a organizao precisa sanar e o quanto foi motivada por deficinciasindividuais;anlise das deficincias individuais: ao olharmos a capacidade deentrega da pessoa, possvel detectar o porqu da no-entrega: deficin-cias no nvel de informao, conhecimento ou habilidades; questescomportamentais; problemas de orientao do desenvolvimento; faltade formao bsica etc. possvel estabelecer com a pessoa um planode ao para o seu desenvolvimento e aferir se ele foi ou no efetivo;anlise da efetividade das aes de desenvolvimento: ao estabele-cer com a pessoa um plano de ao de desenvolvimento, temos a cum-plicidade dela e de sua chefia em relao ao plano. Essa cumplicidadeaumenta as chances de sucesso, o qual pode ser medido ao analisarmudanas ou no na entrega da pessoa aps as aes de desenvolvi-mento. Assim, pode-se medir o quanto foram efetivas as aes de de-senvolvimento;adequao das aes de desenvolvimento: da mesma forma que sedevem analisar as pessoas respeitando sua individualidade e singulari-dade, deve-se pensar no seu desenvolvimento. Pessoas desenvolvem-se

    42 COMPETNCIAS

    lgica e coerente. Como vimos, a questo da complexidade sempre esteve pre-sente nos critrios de diferenciao dos cargos, mas s passou a ocupar o pri-meiro plano na avaliao das pessoas com a falncia dos cargos como elementode diferenciao. Em relao aos cargos, percebemos tambm alteraes impor-tantes. As descries de cargo ao longo dos anos 90 sofreram transformaesem suas caractersticas. No final dos anos 80, eram tipicamente descries desuas funes e atividades; hoje, procuram traduzir as expectativas de entregadesses cargos e apresentam escala crescente de complexidade.' Percebemos queas empresas procuram intuitivamente adequar-se realidade. Ao faz-lo conscien-temente, entretanto, tornam mais eficientes os sistemas de gesto.

    alta a correlao entre a complexidade das atribuies e responsabilida-des e o nvel de agregao de valor da pessoa para o ambiente no qual se insere(Hiplito, 2001). Essa constatao permite inferir que o uso da complexidade daentrega, na construo de um sistema de gesto do desenvolvimento, gera osseguintes desdobramentos:

  • COMPLEXIDADE E ESPAO OCUPACIONAL 43

    usando de forma cada vez mais elaborada e sofisticada seus pontos for-tes (Stamp, 1993). Aes de desenvolvimento devem, portanto, centrar-se nos pontos fortes das pessoas.

    Alm do aspecto ligado ao desenvolvimento, temos o efeito integrado r doconceito de complexidade. O fato de, ao lidar com maior complexidade, a pessoaagregar valor empresa, negcio ou meio aumenta seu valor. Essa valorizaotem alta correlao com padres remuneratrios. Infere-se, portanto, que, ao sedesenvolver, a pessoa vale mais para a organizao e para o mercado de traba-lho. Pode-se, da mesma forma, correlacionar desenvolvimento e remunerao.Em sntese, a mesma fita mtrica que se usa para mensurar o desenvolvimentoda pessoa pode ser utilizada para definir padres remuneratrios. Dessa forma,h um nico referencial que integra a gesto de pessoas. Como veremos maisadiante, essa mesma fita mtrica poder ser empregada em processos de escolhade pessoas de dentro ou de fora da organizao, nas avaliaes e nas definiesde carreira. Com o mesmo referencial, portanto, pode-se simultaneamente inte-grar a gesto de pessoas em si com as estratgias empresariais. o que veremosno Captulo 3.

    PRINCIPAIS ABORDAGENS PARA MENSURAAO DACOMPLEXIDADE

    Vamos apresentar, a seguir, formas utilizadas no estabelecimento de escalaspara mensurar a complexidade. Os autores nos quais nos apoiamos so Daltone Thompson (1993), Jaques (1994), Rowbottom e Billis (1987) e Stamp (1993).

    Osnveis de complexidade podem ser medidos, segundo Elliott Jaques (1967e 1994), no intervalo de tempo entre a tomada de deciso de forma autnoma ea possibilidade de avaliao dos resultados dela decorrentes. Quanto maior otempo, mais elevado o nvel de abstrao exigido para que a deciso tomadaesteja correta e seja efetiva. Jaques identifica sete estratos de complexidade nasorganizaes, os quais chama de nveis de trabalho (work levels) e os relaciona dimenso temporal, conforme as categorias apresentadas a seguir:

    O a 3 meses: t6balhadores do cho-de-fbrica e trabalhadores qualifi-/

    cados, inclusive os supervisores;

    3 a 12 meses: gerentes que respondem por operaes ou processos sim-ples (primeiro nvel gerencial):

  • 1 a 2 anos: gerentes de nvel mdio e ttico, que respondem por umconjunto de processos;

    2 a 5 anos: gerentes seniores, que respondem por decises estratgicas,geralmente posicionados como diretores;

    5 a 10 anos: nvel tpico de presidentes de empresas nacionais; 10 a 20 anos: profissionais responsveis por um grupo de empresas ou

    mesmo organizaes de atuao transnacional; mais de 20 anos: esta uma caracterstica de chie! executive oJJicer (CEO)

    de empresas de grande porte, que atuam em vrios pases e com opera-es diversificadas.'

    44 COMPETNCIAS

    Rowbottom e Billis(1987) desenvolveram, com base nos trabalhos de Jaques,um conjunto maior de referenciais para medir os nveis de complexidade. Acre-ditavam que a utilizao do intervalo de tempo como nica medida de difcilaceitao, alm de muitas vezes no levar em considerao caractersticas dedesenhos organizacionais especficos ou da natureza dos problemas a seremgerenciados. Os autores procuraram associar a cada estrato definido por Jaquesa complexidade das responsabilidades da posio.

    De outro lado, Stamp (1993) procurou definir os diferentes nveis de com-plexidade pelo processo de tomada de deciso, relacionando-os maturidade doprofissional. A Tabela 2.1 demonstra o alinhamento das abordagens de ambos.

    1 Vale a pena destacar que, segundo os trabalhos do autor, nem sempre as organizaes degrande porte de carter transnacional vo demandar um CEOque atue nesse nvel de complexidade.Dependendo do tipo de negcio e das caractersticas do ambiente no qual est inserida a organizao,pode ser necessrio um executivo atuando no nvel 6 ou 7.

  • COMPLEXIDADE E ESPAO OCUPACIONAL 45

    abela 2.1 Comparao entre trabalho requerido e processo de tomada de de-cises para os nveis de trabalho.

    Nvel de Trabalho requerido Processo de tomada de decisocomplexidade (Billis e Rowbottom) (Stamp e Stamp)

    - Assegurar viabilidade para as Prever

    7 futuras geraes da - Interpreta e molda configuraesorganizao de economias, polticas, naes,

    - Prever campos futuros de regies, religies e ideologiasnecessidade de uma para criar futuros desejadossociedade

    - Ajustar as caractersticas de Revelar

    6 uma organizao para - Estende sua curiosidade e anlisecontextos multiculturais alm das reas conhecidas de

    - Formar opinies e conceitos influncia real ou potencial,sobre os contextos explorando recursos inesperadoseconmico, poltico, social, de oportunidade ou instabilidadetecnolgico e religioso

    - Cobrir um campo geral de Tecer

    5 necessidades em uma - Compreende relaes entresociedade diferentes sistemas

    - Definir qual a razo da - Identifica relaes e vnculosexistncia de uma potenciais entre questes eorganizao complexa eventos desconectados

    - Fornecer um espectro Modelar

    4 completo de produtos e - Utiliza idias e conceitos,servios para a totalidade de testando possveis combinaes eum territrio ou organizao produzindo inovaes

    - Introduzir, desenvolver e - Constri modelos com base nomanter uma unidade de que v em diversas realidadesnegcios, integrando-a aoambiente no qual estinserida

    - Fornecer respostas Conectar

    3 sistemticas de acordo com a - Examina cuidadosamente vriasnecessidade de situaes atividades na busca de idias,com incio, meio e fim tendncias ou princpios quedefinidos criem um todo coerente

    - Garantir o funcionamentopleno de um sistema

  • 46 COMPETNCIAS

    - Realizar tarefas concretas, Acumular

    2 cujos objetivos e implicaes - Rene informaes, passo adevem ser julgados de passo, para revelar aspectosacordo com as bvios e implcitos de cadaespecificidades da situao situao, identificando resultados

    - Identificar as necessidades das possveis respostasde clientes especficos

    - Realizar tarefas separadas e Perceber

    1 concretas, cujos objetivos e - Fornece respostas diretas paraprodutos podem ser tarefas imediatastotalmente especificados

    Fonte: Rinow (1998), com base nos trabalhos de Rowbottom e Billis (1987) e Stamp (1993).

    A partir da estruturao da gesto de pessoas em empresas nacionais emultinacionais, foi possvel integrar os conceitos de complexidade e competn-cia. O conceito de competncia permite estabelecer o que esperado da pessoade forma alinhada ao intento estratgico e s competncias organizacionais. Oconceito de complexidade permite melhor especificar e mensurar a entrega dapessoa para a organizao. Ao associar os conceitos de complexidade e de com-petncia, possvel definir, para cada competncia, diferentes nveis de comple-xidade de entrega. Esses nveis no precisam estar diretamente associados aosestratos sugeridos por Jaques (1994), mas fundamental que mantenham rela-o consistente com as caractersticas da empresa e os elementos relevantes domercado no qual ela est inserida. Essa relao permite maior atendimento sespecificidades de cada uma das empresas e garante maior flexibilidade, geran-do estratos alinhados s caractersticas e cultura de cada uma das organiza-es.

    Para exemplificar os diferentes nveis de entrega, apresentamos nos Qua-dros 2.1, 2.2 e 2.3 trs competncias desenhadas para a carreira gerencial e,para cada uma delas, um detalhamento de cinco nveis de complexidade de en-trega esperada. Essas competncias so: orientao estratgica, organizao egesto de processos de mudana. Elas no foram escolhidas por acaso. Em pes-quisa realizada por intermdio da FIA-FEA-USp,com apoio da DBM do Brasil(Dutra, 1998), comprovou-se a correlao entre a complexidade de atuao e osnveis salariais de executivos. Essas competncias foram as mais valorizadas pelosparticipantes para identificar diferenas de complexidade e remunerao nosnveis gerenciais.

  • adro 2.1

    COMPLEXIDADE E ESPAO OCUPACIONAL 47

    Nveis de complexidade para a competncia gerencial "orientaoestratgica".

    OrientaoEstratgica

    Tem clareza e comprometimento quanto aos valores, misso e viso daempresa, buscando explicit-los e aumentar a conscincia de suaimportncia para os colaboradores com quem interage. Orientada pelaestratgia organizacional, estabelece planos de ao concretos combase na anlise de tendncias do ambiente.

    Nvel ATRIBUIES E RESPONSABIUDADES

    5

    A. co-responsvel pelo estabelecimento da Viso Estratgica, Missoe Valores corporativos para a organizao.

    B. Define, em colegiado, estratgias de longo prazo para a organizaocomo um todo, trabalhando intensamente na anlise de cenriosincertos.

    C. Avalia tendncias do ambiente e responde pela identificao deoportunidades para o negcio.

    D. Estabelece resultados esperados e avalia o grau de sucesso global daorganizao.

    4

    A. Participa do estabelecimento da Viso Estratgica, Misso eValorescorporativos para a organizao.

    B. Participa do estabelecimento dos objetivos estratgicos de longoprazo para a organizao.

    C. Responde pelo estabelecimento de metas e objetivos das reas sobsua responsabilidade que contribuam para a obteno dosresultados estratgicos da empresa.

    3A. Responde pelo estabelecimento de metas e objetivos para sua rea,

    atentando para a coerncia com os objetivos da unidade e daempresa.

    2A. Participa do estabelecimento de metas e objetivos para sua rea.B. Fornece informaes relevantes de sua rea que contribuam para a

    construo de cenrios e definio das estratgias de sua unidade.C. Estimula a disseminao, em sua rea, dos valores, metas e objetivos

    definidos corporativamente, assegurando que estejam explicitadasas expectativas da organizao frente a seus colaboradores.

    D. Compatibiliza as aes de sua rea com as estratgias, polticas eobjetivos definidos pela unidade e pela empresa.

    1A. Orienta equipes em atividades operacionais na busca dos objetivos e

    metas organizacionais, identificando prioridades e direcionando asalternativas para atingir resultados em sua rea de atuao.

  • Nveis de complexidade para competncia organizao.

    48 COMPETNCIAS

    Quadro 2.2

    OrganizaoBusca aprimorar o modo como o trabalho organizado e dividido naempresa. Mantm organizado seu ambiente de trabalho, possibilitandorespostas mais eficientes.

    Nvel ATRIBUIES E RESPONSABIllDADES

    5

    A. Estabelece as diretrizes sobre padres de atuao e organizao paraa empresa como um todo.

    B. Estabelece polticas de gesto, explicitando as expectativas da com-panhia em relao aos colaboradores.

    4

    3

    2

    A. Estabelece padres de atuao e organizao para a unidade sob suaresponsabilidade, garantindo o seu alinhamento s diretrizes orga-nizacionais.

    B. Participa da formulao de polticas de gesto para a companhia.

    A. Sugere mudanas nos padres de atuao e organizao da rea,considerando o impacto em outras reas da empresa.

    A. Sugere mudanas nos padres de atuao e organizao da rea,tendo em vista o seu aprimoramento.

    B. Estabelece e dissemina padres de atuao e organizao para a reade atuao.

    1

    A. Determina o melhor arranjo logstico capaz de oferecer agilidade deresposta s necessidades operacionais.

    B. Verifica a adoo, pelos nveis inferiores de carreira, das polticas eprticas definidas pela organizao.

    C. Informa e orienta sobre a necessidade de manter limpos e orga-nizados a rea de trabalho e os equipamentos.

    D. Define padres de atuao e organizao para as atividades quecoordena.

  • Quadro 2.3

    COMPLEXIDADE E ESPAO OCUPACIONAL 49

    Nveis de complexidade para a competncia gesto de processos demudana.

    Gesto deProcessos deMudana

    Identifica a necessidade de mudanas para enfrentar os desafios donegcio. Desenvolve mecanismos de controle e/ou gerenciamento deprocessos de mudana, participando de seu planejamento ou conduo.

    Nvel ATRIBUIES E RESPONSABIliDADES

    5

    A. Identifica tendncias no ambiente de negcios, respondendo pelosucesso e adequao dos processos de mudana da empresa s novasconfiguraes ambientais.

    B. Responde pelo planejamento e gerenciamento dos processos demudana estratgicos para a organizao.

    4

    A. Identifica tendncias de mudana no ambiente, respondendo pelaadequao da unidade sob sua responsabilidade nova confi-gurao ambiental.

    B. Avalia tendncias, impactos e diagnostica riscos estratgicos e ope-racionais dos processos de mudanas estabelecidos para a organi-zao.

    C. Participa do planejamento e gerenciamento dos processos de mu-danas estratgicos para a empresa.

    3

    A. Responde pela gesto dos processos de mudanas em sua rea,assegurando sua efetiva implementao.

    B. Responde pela sinergia e adequao entre os processos de mudanaexistentes em sua rea com os de outras reas da empresa.

    2

    A. Monitora o "sentimento" da equipe sob sua responsabilidade notocante ao andamento das mudanas existentes na empresa e, emcaso de problemas, encaminha sugestes de aes corretivas.

    B. Transmite tranqilidade sua equipe no que diz respeito smudanas existentes na empresa.

    1

    A. Identifica pontos passveis de melhoria nas atividades sob suacoordenao.

    B. Alerta sua equipe para a necessidade de repensar/questionarconstantemente otrabalho realizado.

  • aprendiz: desenvolve atividades estruturadas, com autonomia para ino-var dentro de parmetros preestabelecidos. Necessita de superviso paraconseguir entregar o que a organizao espera dele;

    profissional independente: atua de forma independente e no neces-sita de superviso para entregar o que a empresa espera dele. Est prontopara assumir a responsabilidade por projetos, consegue atuar com pro-fundidade em sua rea tcnica ou funcional e desenvolve credibilidadee reputao em torno de sua atuao;

    mentor ou integrador: responsvel por desenvolver outras pessoas, li-dera grupos, orienta-os tcnica e administrativamente e assume a su-perviso formal de projetos e pessoas. tido como referncia tcnica e/ou funcional;

    diretor ou estrategista: responsvel pela direo estratgica de empre-sa ou negcio. Exercita poder formal e informal para influenciar deci-ses dentro e fora da organizao, obter recursos, aprovar projetos etrabalhos. Representa a empresa perante todos os nveis dentro da or-ganizao e perante pessoas e instituies externas.

    50 COMPETNCIAS

    Outro trabalho importante para a compreenso da complexidade foi de-senvolvido por Dalton e Thompson (1993). Atravs de pesquisas realizadas nosEstados Unidos, esses autores perceberam a existncia de quatro estgios dedesenvolvimento ligados ao nvel de complexidade da atuao da pessoa. As pes-soas migram de um estgio para outro medida que ganham experincia eformao e desenvolvem a disposio de efetuar transformaes em sua vidaprofissional, ou seja, assumir um conjunto de atribuies e responsabilidadesmais exigentes. O processo foi chamado pelos autores de novao, termo deriva-do da rea jurdica que significa a negociao de novos parmetros em um con-trato. A passa