Jornal Memai - Edição 01

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Distribuição gratuita www.jornalmemai.com.br LEMINSKI _ WABI SABI _ FERNANDA TAKAI _ NENPUKU SATO _ SHOUJO Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 01 - Curitiba - Novembro de 2009

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Jornal de Letras e Artes Japonesas

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Distribuição gratuitawww.jornalmemai.com.br

LEMINSKI _ WABI SABI _ FERNANDA TAKAI _ NENPUKU SATO _ SHOUJO

Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 01 - Curitiba - Novembro de 2009

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Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 01

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No início deste ano eu e meu marido adotamos uma gatinha para nos fazer companhia. Seu nome é Foo. Não que Foo signi$ que alguma coisa, apenas gos-tamos da sonoridade do nome quando a veterinária comentou que no momento que a levássemos para casa a nossa outra gatinha iria fazer “foo” para ela por um bom tempo. Rimos, e acabamos adotan-do o nome. Bem, a verdade é que Foo, quando chegou, estava bem longe de ser um modelo de beleza felina. Mestiça de siamês com angorá, ela é uma gatinha bege com manchas marrons irregulares, com a orelha direita ligeiramente maior do que a esquerda e caprichosamente ves-ga. Na época, ela estava gripada e com fungos que deixavam crostas e buracos na pelagem. Por suas características, logo a apelidamos de “gato wabi-sabi”. Wabi-sabi é uma percepção es-tética muito própria da cultura japonesa. Considerado de difícil, senão impossível, de$ nição – é muito mais uma tentativa de contemplação e aceitação silenciosa da realidade em toda a sua $ nitude. O olhar wabi-sabi busca reconhecer na impermanência e na imperfeição inerente à natureza, a consagração da beleza em sua totalidade. Dito assim, esse conceito embora possa parecer de fácil compreensão intelectu-al, na vida prática prova ser um desa$ o de aplicação, ainda mais na sociedade contem-porânea que parece ter uma sede insaciável pelo novo, moderno e jovem. Conseguir contemplar e aceitar a be-leza das marcas deixadas pelo tempo -seja na cerca da casa que está com a tintura desbota-da, seja no bule que já está enferrujado e tor-to, ou nos sinais de nossa própria velhice que

não tarda em chegar, - prova ser um exercício constante de meditação.

Nesse sentido, aceitar a beleza como um todo que supera a dualidade bonito/feio, jovem/velho, bom/mau parece nos aproximar, in-clusive, da própria percepção taoísta de tota-

lidade, como nos remete com freqüência o símbolo do Tao. A vida perfeita é aquela que con-templa e aceita as imperfeições, e não aquela que não possui imperfeições, pois essa última é incompleta e, portanto, não-perfeita. Assimétrica, irregular e imperma-nente assim é a natureza da vida, e assim é a estética wabi-sabi. Perceber a beleza do imperfeito e su-perar esse próprio conceito de imperfeito, nesse mundo que busca a “perfeição” a qualquer custo. Será que conseguimos? Enquanto busco respostas para o meu desa$ o diário de viver uma vida mais wabi-sabi, a minha gatinha, sem consci-ência desses paradoxos ou de sua falta de simetria brinca feliz – soberana e perfeita – em toda a sua imperfeição. É, tenho muito a aprender com ela.

Lina Saheki é diretora do Centro Cultural Orienta Tomodachi, professora de japonês, espe-cialista em ética e mestre em Direitos Humanos.

Aceitar a beleza das marcas deixadas pelo tempo - no

bule já enferrujado e torto, ou nos sinais da própria

velhice prova ser um exercí-cio constante de meditação.

言葉

Kotoba

CONTAGIADOS PELA FEBRE JAPONESA

Dizia-se, do nipólogo Donald Richie, que ele tinha adquirido uma “febre japonesa”, quando abandonou a carreira militar e resolveu morar no Japão. Richie se tornou um importante interlocutor da cultura japonesa e ajudou a divulgar artistas japoneses no Ocidente, como o cineasta Yasujiro Ozu.Richie, Lafcadio Hearn, Donald Keene são apenas alguns americanos que foram contagiados pelo MEMAI – a vertigem pela cultura japonesa.Muitos artistas continuaram caindo nesta vertigem, como o poeta Paulo Leminski, que amava a cultura japonesa. Em 2009 completamos 20 anos sem o polaco zen. Faixa preta de karatê, frequentemente posava usando um quimono, como na foto da capa, feita num momento de descontração pelo fotógrafo Carlos Alberto Zanello (Macaxeira). Como conta em seu per$ l, o jornalista Célio Yano, o tradutor de Sol e Aço conhecia a língua japonesa apenas cantando de ouvido, o que não o impediu de recriar o haicai com lirismo e humor brasileiros e o sabor adstringente japonês.Outra que se rendeu ao niponismo foi a cantora Fernanda Takai, vocalista da banda pop Pato Fu. A artista plástica Sandra Hiromoto (fã confessa) revela o lado japonês da dona de voz macia, uma das mais a$ nadas do pop nacional.Nesta edição ainda lançamos o personagem Chibi Seto, criado pelo cartunista Guilherme Match. Chibi Seto é uma homenagem descarada ao “padri-nho” do JORNAL MEMAI: o múltiplo Claudio Seto.E também relançamos o Concurso de Haicai Nenpuku Sato. O certame, realizado no Centenário da Imigração Japonesa, foi rebatizado com o nome do poeta grafado á japonesa. A partir da próxima edição publicaremos os melhores haicais recebidos, julgados pela haicaista Teruko Oda.Mais novidades? É só folhear o jornal. Agora com 16 páginas: mais leitura vertiginosa!

Marilia Kubota

Equipe: Editora: Marília Kubota - Colaboradores: Carlos Alberto Zanello (Macaxeira), Célio Yano, Ignácio Dotto Neto, José Marins, Guilherme Match, Lina Saheki , Mylle Silva, Sandra Hiromoto, Simo-nia Fukue, Suzana Inokuchi, Tereza Yamashita e Teruko Oda. Montagem de Sandra Hiromoto sobre fotos de Macaxeira e Gabriela Lima (Capa) Programação visual: Diogo Saito Takeuchi Apoio: Curso de Letras Japonês da Universidade Federal do Paraná e Associação Paranaense de Ex-Bolsistas Brasil- Japão. Contatos: [email protected] – Correspondências: Av. Jaime Reis, 28 - sobreloja - 8050-010 - São Francisco - Curitiba – PR. - Assinaturas: 4 edições R$ 25

O GATO WABI SABIIsshin Denshin: Mais zen

Siamês, angorá ou uma nova espécie hibrida ? Não se trata de um cruzamento ge-nético inusitado. É a “tentativa de contemplação e aceitação silenciosa da realidade

em toda a sua $ nitude.”por Lina Saheki

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Com o coração do outro lado do mundo, de Tânia Alexandre Martinelli, com ilustrações de Mozart Couto ( Editora Saraiva, 2009, 128 páginas, 4ª edi-ção), é um ótimo livro juvenil. Nele a autora conta a história da separação da adolescente Laís e de seus pais, que resolvem ir trabalhar no Japão. Baseado em um caso real, Tânia abordou o tema com muita sensibilidade e poesia. No romance, temos a difícil fase da vida: a adolescência, agravada pela ausência dos pais.

Há um teatro delicado no gestual e nas falas do texto de Yasunari Kawabata. Não fossem alguns raros si-nais de modernidade -o telefone, por exemplo-, lerí-amos uma obra sem idade sobre $ guras arquetípicas. O que sentimos de contemporâneo é justamente a inde$ nição, a inconclusão das cenas, a neblina que suaviza o drama e transforma a todos em $ guras de sonho, sob a sombra exigente de mil anos de his-tória. Como se frisou no discurso de recepção do Prêmio Nobel que Kawabata recebeu em 1968, qua-tro anos antes de se suicidar, encontra-se nele uma clara tendência de “nutrir e preservar uma tradição de estilo genuinamente nacional”. (Reprodução de artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, em 13/08/2006)

Obras mais famosas de Kawabata: O País das Neves, O País das Belas Adormecidas, Mil Tsurus, Dança-rina de Izu, Contos da Palma da Mão.

LEITURASNaomi é uma obra com elementos típicos de Juni-chiro Tanizaki, nomeadamente na temática da ob-sessão, que tem um lugar de destaque qualitativo na generalidade da obra. Passa-se no início do século 20 , era do “desenvolvimento” e da “modernização” do Japão através da aceitação de modelos ocidentais. O livro é percorrido por um forte simbolismo nas relações entre o Ocidente e o Japão espelhadas na re-lação amorosa de Naomi e de Joji. É o fascínio pelo Ocidente que une o casal protagonista da história e é essa relação que faz deste livro uma obra peculiar e muito simbólica.

Sara F. Costa, Escritora e Mes-tranda em Línguas e Culturas Orientais pela Universidade do Minho, Portugal.

Tereza Yamashita é designer grá' ca e escritora infanto-juvenil.

Cristóvão Tezza, escritor , autor do romance O Filho Eterno, que arrebatou os maiores maiores prêmios literários do país.

SUMÁRIOISSHIN DENSHIN: GATO

WABI SABI� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �� � � � � �YUGEN: O POLACO NEGRO

ZEN� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � ! � � � � � � � � � � � " � � # $� � � � � % � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � & � � � � � �� � � � � � � ' � � � � � � � � � � � � � � � � � � �� � � ( � � ) * � +SHI: HAIKU

PIMENTA COM ASAS

LIBÉLULA SEM, � � � � - � � � . � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �� � � � � � / � 0 � � � � � � � ! � � � � 1� � � ( � � 2 * � 3KARUMI: SUPER SENTAI4 � � � � 5 � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � " � � � � � � � % � � � � � � � " � � � � � � � � � � � � � � 6 �0 � 0 � � � � �� � � � � 7

KARUMI: SHOUJO. 8 � � � / � � � � � � � � " � � � � � � / � � � � � � � � � � � � � � � �� � � � � � � � � � � & � 9 � � � � � � � � � " � � � 1� � � � � :FU: FERNANDA TAKAI4 � ; . � � � � � - � � � < � ; = � � � � � < � � 0 � � � � � � � � � � � �� � � / � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � ! � 9 9 � � � � � > � / � ?� � � � � � 5 � � � � � � � � � � � � � � � � � � � @ � � � > � � � � � � �A � � � �� � � ( � B � * B B

BUNGAKU: TRADUÇÃO� � 9 � � � C � � � � � � � � � � � � / � � � � � � � � � � � � D � � � � � � �� � . � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �� � � � � � � � � � � � � � � � E � � � � � � � ( � B � * B FHOSOMI: BANANA

YOSHIMOTOC 0 � 1 � � � 4 � � � � G � � � � � � � � / � � � � � � � � � � � � � � 9 � � �= � � � � � � � H � � � � � / � � � � E � � � � � � � � � � � � � � � � � �� � � ' �� � � � B 2

LANÇAMENTOSI J K L M L N O P M K Q R S T U V W V X Y Z [ Z \ ] ^ ] _ ] T ` a ] U b ^ Z U c VZ d b e ` a ] U c f c a g b h Z ] i Z a ] ` e b j ]k J K l S m P O n P R S l L m P N o L n l P p q Q S Q o K T U V r b X Z h s Z a ct ] X Z ^ ] j Zu S v K m S v K T U V [ ] a j w V Z x e ` V Z X T Z d b e ` a ] U c f c a y Uz c b X {| L S } L ~ � S N o K S T c a { ] X Z ^ ] U c f c a w c U c d � c � Z ` ^ Z {� b ` ` Z d ]� � � ( � B ) * B +

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Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 01

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O escritor, poeta, tradutor, $ lósofo, publicitário e etcétera Paulo Leminski foi tudo, menos o óbvio. Fugiu das regras desde o início, quando, em 24 de agosto de 1944 veio ao mundo: apesar de nascer em Curitiba, deslanchou e teve seu trabalho reconhecido a partir da capital paranaense, numa época em que poucos nomes de fora do eixo Rio-São Paulo despontavam nacionalmente. Filho de pai polonês e mãe negra, foi um dos principais difusores brasileiros da hoje mais conhecida forma de poesia japonesa: o haicai.

Duas décadas após a morte, ainda é estudado e cultuado como o núcleo de um movimento cultural único que passou pelo país. Nasceu como Paulo Leminski Filho, $ -lho de Paulo Leminski e Áurea Mendes Cam-pos. Ainda criança, morou em Itapetininga, São Paulo, e em Itaiópolis, Santa Catarina, antes de retornar à capital das araucárias. Entre os 13 e os 14 anos viveu no mosteiro de São Bento, em São Paulo, onde estudou, entre uma aula de ensino religioso e outra, latim, francês e hebraico. E no mesmo reduto beneditino, por meio de D. João Mehlmann, teve os primeiros contatos com as chamadas “$ loso$ as orientais”, segundo relata o jornalis-ta e amigo Toninho Vaz, biógrafo do escritor. Poliglota, estudava japonês na déca-da de 1960 quando começou a se interessar pela poesia de Helena Kolody, que desde os anos 40 trabalhava com o haicai. Gostou da distinta forma de literatura e dedicou-se aos estudos e sua produção, embora não tenha se tornado \ uente no idioma japonês, como muitos acreditam até hoje. “Ele identi$ cava alguns ideogramas, apenas”, a$ rma a poeta Alice Ruiz, casada com Leminski durante 20 anos. Aos 18 anos participou da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, em Belo Horizonte, e conheceu os irmãos poetas Au-gusto e Haroldo de Campos e o professor Dé-cio Pignatari, representantes do movimento concretista e que, de imediato, fascinaram-se pela precocidade do jovem curitibano. Dali, foi apenas um ano para Leminski publicar seus primeiros poemas na revista concretista Invenção. Até sua morte, foram 13 livros, de prosa, poesia, biogra$ a e fotogra$ a. Chegou a cursar Direito na Univer-sidade Federal do Paraná (UFPR), mas desis-tiu e direcionou sua formação para a área de Filoso$ a, curso que concluiu em 1965 pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Em 1968 casou com Alice Ruiz, com quem teve três $ lhos – Miguel Ângelo, Áurea e Estrela – antes de se separarem. Além de poeta e escritor, trabalhou como professor de história e redação em cursos pré-vestibula-res, diretor de criação e redator em agências de publicidade, jornalista, crítico literário e tradutor. Fez até roteiros de histórias em quadrinhos para a extinta editora curitibana Gra$ par.

Samurai zen-budista

Em abril de 1977, época em que es-crevia para o Diário Popular, con$ rmava sua paixão pela cultura oriental ao publicar oito koans em uma edição especial do suplemen-to Anexo. O tema do caderno era ‘Zen e as artes marciais japonesas’. Seis anos mais tar-de, lançou Matsuo Bashô, biogra$ a do poeta

O POLACO NEGRO ZENYugen: Paulo Leminski

Distante do lugar-comum, Paulo Leminski uniu genialidade a in\ uências de toda sorte e, vinte anos após sua morte, segue como um dos principais difusores do hai-

caísmo em terras brasileiras por Célio Yano

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japonês que codi$ cou e estabeleceu a forma clássica do haicai. Abra-se um parêntese. Eclético no sentido amplo da palavra, Leminski não se deixava in\ uenciar apenas pelos japoneses. A prosa poética Metamorfose, por exemplo, surgiu a partir de seu interesse pelos mitos gregos. Como tradutor, verteu para a língua portuguesa obras, do francês, como Super-macho, de Alfred Jarry, do inglês, como Per-gunte ao Pó, de John Fante, e Um atrapalho no trabalho de John Lennon, e até do latim, como Satyricon, de Petrônio. Em 1985, com assessoria de Elza Ta-eko Doi e Darci Yasuko Kusano, traduziu Sol e Aço (‘Taiyo to Tetsu’), que Yukio Mishima escrevera em 1968. No ensaio, o japonês, que cometeria o harakiri em 1970, faz um tratado sobre o corpo e fala sobre a morte prematura. Ciente ou não de que o esgotamento precoce seria seu próprio destino, Leminski nunca dei-xava de se envolver pelas obras por que passava. Que motivos o levaram ao interesse pelo arquipélago do outro lado do mundo, ninguém sabe. Mas a ligação com o Japão do samurai zen-budista, como se autointitulava, não se restringia à literatura. “Tudo começou com o in-gresso dele no judô, aos 22 anos”, conta Alice Ruiz, que lembra que culinária japone-sa estava entre as preferências do ex-companheiro. E, de fato, até os últimos anos de sua vida, contam os amigos, orgulhou-se de ser faixa preta na arte marcial. É na década de 1980 que surge a de-$ nição samurai zen-budista, que soma-se a outros epítetos, como a besta dos pinheirais e cachorro louco. Por Haroldo de Campos o denominava Rimbaud curitibano, e o ci-neasta Júlio Bressane, caipira cabotino. Para Toninho Vaz foi o bandido que sabia latim.

O Rio que Vai

Letrista e músico foram outras atri-buições que o poeta kamikaze cumpriu com habilidade, em parcerias que fez com Caetano Veloso, Moraes Moreira, Zeca Barreto, Car-los Careqa, Ivo Rodrigues, Arnaldo Antunes,

entre outros. A mais ouvida canção é prová-vel que tenha sido Promessas Demais, que era reproduzida diariamente na Rede Globo, na abertura da novela Paraíso, de 1982. Alternativo ao extremo, teve por diversas vezes o nome ligado à cultura pop. Com Guilherme Arantes assinou a trilha so-nora de Pirlimpimpim 2, programa infantil exibido na emissora de Roberto Marinho. Se entre os jovens de hoje poucos leram o Catatau, sua obra-prima lançada em 1975, é difícil encontrar alguém que desconheça a Pedreira Paulo Leminski, que desde 1990 acolhe espetáculos do clássico ao rock, do ser-tanejo ao religioso. E até as crianças devem se lembrar de ao menos um dos poemas do cachorro louco que eram lidas no Castelo Rá-Tim-Bum, da TV Cultura.

Dor Elegante

Personagem de uma vida tão ou mais interessante que a própria obra, deu um $ -nal típico de romance europeu do século 19 para sua biogra$ a. Entusiasta do budismo apesar de polaco, era boêmio apesar de eru-

dito, e desde cedo trilhou um caminho sem volta pelas vias do alcoolismo. O gatilho para a aventura derradeira foi a morte prematura do $ lho primogênito, Miguel Ângelo Leminski, que, em 1979, aos 10 anos de idade, deixou o pai órfão em consequência de um câncer.

Amigos tentavam de todas as formas demovê-lo das pás etílicas que cavavam seu túmulo, mas Leminski parecia ter a mais ple-na consciência de seu destino. Em seus úl-timos anos gostava de enaltecer a $ gura de Mishima, como forma de justi$ car atentados contra a própria vida, ainda que involuntá-rios. Morreria em uma fria noite do inverno de 1989, vítima de cirrose hepática e possi-velmente tranquilo como vivia. “Quanto à morte, eu sou nipônico. Eu nunca me con-frontei com situações limites mas não tenho medo da morte”, disse certa vez.

Célio Yano é jornalista do Site RPC e estudante de Letras-Japonês da Universidade Federal do Paraná

Duas décadas após a morte, ainda é estuda-do e cultuado como o

núcleo de um movimen-to cultural único que

passou pelo país.

senemfor

terra se

transformar

aqui nesta pedra

alguém sentouolhando o mar

O marnão parou

para ser olhado foi mar

pra tudo que é lado

ameixasame-as

ou deixe-as

Tudo dito,nada feito,$ to e deito

aqui jaz um grande poeta.nada deixou escrito.

este silêncio, acredito,são suas obras completas.

Essa idéianinguém me tiramatéria é mentira

POEMAS

por Carlos Alberto Zanello (Macaxeira)

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Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 01

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O primeiro haicai feito no Brasil tem raízes japonesas. Foi realizado a bordo do Kasato-maru, navio que trouxe a primeira leva de imigrantes do Japão. Em 18 de junho de 1908, o poeta Hyokotsu (Shuhei Uetsuka, chefe dos imigrantes), escreveu:

karetaki o / miagete tsukinu / iminsen A nau imigrantechegando: vê-se lá no altoa cascata seca.(Tradução Masuda Goga)

O ESTILO JAPONÊS

O estilo japonês de fazer haicai che-ga ao Paraná com os primeiro migrantes que saíram do estado de São Paulo e se $ xaram no Norte (Londrina, Assai, Urai). O haicai con-tinuará sendo escrito em japonês nas aulas de um mestre da arte haicaística: Nenpuku Sato. As características do estilo japonês são: ser vivencial (o poeta registra as sensações junto à natureza), sempre em língua japone-sa, mantém na estrutura 17 sons, contém o termo de estação (kigo), não trazem rimas e uso de uma linguagem simples. Alguns haicais de NENPUKU :

A lua se insinuana alvura perfumadado cafezal ) oridoSementes de algodão.Minhas mãos agorasão as do ventoMudou a moça

que tira a água do poço –uma borboleta.

Haicais de alunos de Sato:

Depois dos sessentaminha voz está tranqüila.Mesma voz do outono.Mitio Suguimoto (Londrina)

Outra primaveraCom novo anel de guizocobra sai da tocaShinshiti Minowa (Londrina)

Hoje é CarnavalO quimono também servecomo fantasia.Shigeo Watanabe (Assai)

Parada de trem.com o vendedor de ) oresVêm as borboletasSôshi Nakajima (Assai)

Estalos no alto,Ouço o som de pinhões caindona tarde de sol.Seizo Watanabe, (Curitiba)

O ESTILO KOLODYANO

Em 1941 a poeta Helena Kolody se torna a primeira mulher a publicar haicai no Brasil, ao lançar o livro Paisagem Interior, no qual havia três haicais. Destaco um deles, famoso:

Arco-íris

Arco-íris no céu. Está sorrindo o meninoque há pouco chorou.Helena Kolody (Curitiba)

Características do haicai kolodyano: Usa: título (elemento que não existe no estilo japonês); às vezes a métrica; noutras a rima; a personi$ cação (antropomor$ smo); e a linguagem poética (uso da metáfora). A maneira marcante de Kolody re-alizar seus haicais teve grande in\ uência em alguns poetas.

Geada

Nas manhãs de frioa paisagem, tiritando,se veste de brancoDelores Pires (Curitiba)

Renovação

Pessegueiro em ) orPrenúncio de primaveraReprise de amor.Diva Ferreira Gomes (Curitiba)

Noite

No quadro-negrovou soletrandoum alfabeto de estrelasJoão Manuel Simões (Curitiba )

O ESTILO GUILHERMINO

Guilherme de Almeida foi um dos poetas que mais auxiliou na divulgação do haicai no país. Porém, sua maneira de fa-zer haicai distanciou-se muito da origem do poema. (O que não quer dizer que isso fosse ruim. Os japoneses adoram os haicais guilherminos, um deles era o mestre Masuda Goga, amigo pessoal de Almeida). Guilherme de Almeida criou um mo-delo para se fazer o haicai, no qual entrava a métrica perfeita e quatro rimas. Duas combi-navam-se no $ nal do primeiro verso, com o $ -nal do terceiro. E duas, internas, rimavam-se a segunda sílaba com a sétima no segundo verso. O “haicai” Lava, escorre, agita a areia. E, en' m, na bateia ' ca uma pepita.

Pescaria

Cochilo. Na linha Eu ponho a isca de um sonho.Pesco uma estrelinha.

História de algumas vidas

Noite. Um silvo no ar.Ninguém na estação.E o trempassa sem parar.

PIMENTA COMASAS

LIBÉLULA SEM

OS CINCO ESTILOS DO HAICAI NO PARANÁ

Shi: Haiku

O haicai no Brasil teve duas escolas, uma vinda da Europa, introduzida por Afrâ-nio Peixoto e outra, do Japão, trazida por Nenpuku Sato. A via francesa, seguida

por Afrânio Peixoto, ganhou muitos adeptos e o mais famoso discípulo é Guilher-me de Almeida. As duas escolas geraram vários outros estilos. Neste artigo, o poeta José Marins situa o haicai no Paraná e mapeia os estilos da forma poética japonesa

que se tornou expressão nacional.

por José Marins

O esquema:

– – – – A– B – – – – B

– – – – A

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Características do estilo guilhermino: Coloca acima do terceto um título; usa métrica exata; inclui quatro rimas elabo-radas; sua linguagem é a do poema (personi-$ cação, metáfora). Alguns poetas que praticam o haicai Guilhermino no Paraná:

Temendo o negrumeda mata ao som da cascata,sigo um vaga-lume.Leonilda Hilgenberg Justus (Ponta Grossa)

Fraternidade

Chuva de verão.Na luz, a jovem conduzo avô pela mão.Shyrlei Queiroz (Curitiba)

Maresia

O dia fugindoNo ar um cheiro de mar.A noite vem vindo.Delores Pires (Curitiba)

O ESTILO HAICAI-LIVRE (Free-haiku)

Paulo Leminski é quem encarna o principal líder desta forma, que nos anos 80 dominou a cena poética paranaense (curiti-bana, principalmente). Leminski tinha gran-de admiração pela cultura e literatura japone-sas. Porém, quando praticava o haicai preferia um estilo livre, sempre portador de “haimi” (sabor do haicai). As principais características do estilo livre: Não usa métrica; pode usar rimas; busca o haimi; faz jogo de palavras; e, usa lin-guagem poética (metáforas, especialmente).

soprando esse bambusó tiroo que lhe deu o vento

lua na águaalguma lualua alguma

jardim da minha amigatodo mundo felizaté a formigaPaulo Leminski (Curitiba)

amigo grilosua vida foi curtaminha noite vai ser longa

entre a espuma do mare a nuvem toda brancao voo da garçaAlice Ruiz (Curitiba)

tempo de jaboticabanem bem começajá acabaDomingos Pelegrini (Londrina)

cheguei amargominha ) auta docenem se tocaEduardo Ho~ man (Curitiba)

O ESTILO CLÁSSICO (tradicional):

Em 1987, Masuda Goga, juntamen-te com um grupo de haicaístas, funda em São Paulo o Grêmio Haicai Ipê, com o propósito de estudar e difundir o haicai clássico (com forte ligação com o haikai originário japonês). Alguns haicais de mestre Masuda Goga:

Libélula voandoPára num instante e lançaa sombra no chão

Inúmeras ) oresnos túmulos de Finados –Na alma só saudade.

No ar pétalas dançamQual ) ocos de neve a cairPereira em ) or.

Características do haicai clássico (haiku): É vivencial (experiência do poeta junto à natureza); sem título; usa métrica 17 sílabas; contém o kigo (termo designativo de estação); sem rimas; e, usa linguagem simples.

tal a brevidadedaquela estrela cadentefugiu-me o pedido

semente de ipêamadurecem nas vagenssó o vento as levaJosé Marins (Curitiba)

Um salto no abismoe o mergulho na mata.Cascata na serra.Sérgio Francisco Pichorim (São José dos Pi-nhais)

CONCURSO NACIONAL DE

HAICAI NENPUKU SATO 2010

O JORNAL MEMAI convida os parti-cipantes do 21º.Encontro Brasileiro de Haicai a participar do Concurso Nacio-nal de Haicai Nenpuku Sato. Nos 102 anos da Imigração Japonesa ao Brasil o jornal resgata o concurso realizado no Centenário da Imigração Japonesa. Na edição 2010 haverá 4 con-cursos, com premiação em fevereiro (envio até 31/01), maio (envio até 31/04), agosto (data a ser publicada no site) e novembro (data a ser publi-cada no site). Os melhores poemas se-rão publicados na página de haicai do jornal. Não haverá premiação em di-nheiro. Os vencedores receberão livros de literatura japonesa e nipo-brasileira enviados ao JORNAL MEMAI para efeitos de divulgação. Os poemas inscritos devem se-guir as regras do haicai japonês, como descritos no Site Caqui (WWW.kaki-net.com.br) e difundidos pelos grê-mios de haicai em todo o Brasil.: ter um kigo, seguir a métrica, não ter títu-lo, rima nem subjetividade. Os traba-lhos (até 3 poemas) devem ser envia-dos para:

JORNAL MEMAI: Concurso Nenpuku Sato

Rua Jaime Reis, 28 – São Francisco80.510-010 – Curitiba - PR

NE

NP

UK

U S

ATO

2010Na folha de amoranutre-se o bicho-da-seda.A quem vestirá?A. A. de ASSIS (Maringá)

Entre os bóias-friasum casal já bem grisalhocolhendo algodão.Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)

(Em itálico: kigos)

José Marins é haicaísta e escritor, autor de Poezen (haicai); Quiçaça (romance inédito); O Dia do Por-

co (romance inédito).

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Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 01

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Cinco guerreiros, cada um usando um uni-forme de cor diferente, lutando para salvar o planeta Terra de monstros terríveis, exaltando valores como o trabalho em equipe e a ami-zade. Para os mais novos logo vem à mente a imagem dos Power Rangers. Já o pessoal com um pouco mais de idade lembra os seriados que passavam na extinta TV Manchete nos anos 80 e início dos anos 90, como Change-man e Flashman. O que poucas pessoas sa-bem é que essa história de guerreiros coloridos usando robôs gigantes combatendo o Mal é uma tradição japonesa, com mais de 30 anos de existência. São os Super Sentai (que pode ser traduzido como “Super Esquadrão”,) um dos seriados mais tradicionais entre os toku-satsus, (abreviação de tokushu satsuei: “$ lmes de efeitos especiais”), e representam o estilo de programas japoneses de heróis usando ato-res de verdade. Tudo começou em 1975, quando o famoso desenhista de mangá Shotaro Ishino-mori, criador de séries como Cyborg 009 e Kamen Rider, concebeu a história de cinco jovens recrutas japoneses. Estes jovens eram membros de uma organização de defesa da Terra chamada EAGLE, e sobrevivem a um ataque terrorista de uma sociedade secreta que ameaça o planeta. Eles recebem trajes especiais, cada um de uma cor, ganhando po-deres sobre-humanos e armas para defender a humanidade. Este é o enredo de Himitsu Sentai Goranger (“Esquadrão Secreto Goranger”), produzida pela Toei Company e exibida pela TV Asahi. A série é considerada precursora do gênero Sentai na tevê japonesa. Goranger foi um sucesso, tendo 84 episódios e termi-nando em 1977. Levou Ishinomori a criar, no mesmo ano, a segunda série do estilo: J.A.K.Q. Dengekitai (“Grupo Relâmpago J.A.K.Q.”). J.A.K.Q. não teve o sucesso da antecessora, sendo extinta no $ nal do mesmo ano com apenas 35 episódios. Apesar de te-rem a mesma temática, estas séries ainda não eram consideradas Super Sentai. Não tinham robôs e monstros gigantes, elementos adicio-nados nas séries posteriores. Após o insucesso da última série, Ishinomori parou de criar heróis no estilo Sentai. O gênero foi retomado apenas em 1979. Neste período a Toei Company man-tinha parceria com a empresa de quadrinhos Marvel, dos Estados Unidos, chegando a produzir uma versão nipônica em formato tokusatsu do Homem-Aranha. Nesta versão o herói aracnídeo usava um robô gigante, Le-opardon, inexistente no Universo Marvel. A partir dessa parceria surgiu a terceira série dos Sentai, Battle Fever J, que reunia cinco heróis de diversos lugares do mundo. Incluía

o líder, Battle Japan, inicialmente inspira-do no herói da Marvel Capitão América, e a Miss América, dos Estados Unidos, homô-nima de uma das heroínas da empresa ame-ricana. A série foi a primeira a usar um robô gigante, artifício explorado em todos os pro-

gramas posteriores, sendo a primeira a rece-ber o título de Super Sentai. Battle Fever J foi transmitida até o início de 1980, substituída por Denshi Sentai Denjiman (“Esquadrão Eletrônico Denjiman”), iniciando o rodízio anual das séries Super Sentai vigente até hoje, com a exibição do 33º programa do gênero, Samurai Sentai Shinkenger (“Esquadrão Sa-murai Shinkenger”).

Super Sentai no Brasil

No $ nal dos anos 80 e início dos 90 o Brasil passou um período em que os se-riados japoneses eram moda na tevê. Grande parte do sucesso aconteceu graças a Dengeki Sentai Changeman (“Esquadrão Relâmpago Changeman”). O seriado, junto com O Fan-tástico Jaspion, abriu espaço para várias sé-ries de tokusatsu. As redes de tevê brasileiras exibiram outras três séries: as sucessoras de Changeman, Choushinsei Flashman ( “Co-mando Estelar Flashman”) e Hikari Sentai Maskman (“Defensores da Luz Maskman”), e Dai Sentai Goggle Five (“Gigantes Guer-reiros Goggle Five”). Esta, apesar de anterior à Changeman, foi a última a ser exibida no Brasil. Por ser transmitida para uma audiên-cia saturada de tokusatsu e ter menos qua-lidade que as outras Super Sentai exibidas, já que foi produzida antes, Goggle Five teve

audiência menor, encerrando o ciclo de Su-per Sentai originais do Japão trazidas para o Brasil. O gênero voltaria a ter força entre os anos de 1993 e 1994. No lugar de per-sonagens japoneses, os protagonistas seriam cinco estudantes americanos residentes na cidade $ ctícia de Alameda dos Anjos. Os he-róis foram escolhidos pela entidade “Zordon” e o assistente robô Alpha para lutar contra a vilã extraterrestre Rita Repulsa. Era a série Mighty Morphin Power Rangers, produzida pela Saban Entertainment, baseada na 16º série Super Sentai do Japão, Kyoryuu Sentai Jyuuranger. Haim Saban, o dono da empresa, adquiriu, junto à Toei os direitos de exibição dos tokusatsu, mas resolveu produzir adap-tações que usavam cenas de luta das perso-nagens e tinham roteiro mais próximo do Ocidente. Assim iniciou a franquia Power Rangers, que usou o mesmo sistema para todos os Super Sentai produzidos a partir de Jyuuranger. Apesar de apresentar discre-pâncias em relação ao original japonês, como no caso da Ranger Amarelo de Mighty Mor-phin Power Rangers - originalmente um homem,na adaptação se tornou mulher - a franquia fez sucesso. No Brasil as redes de tevê normal-mente transmitem episódios com um ano de atraso em relação aos EUA , e o seriado continua a ser bem-sucedido entre as crian-ças. Mas não existe previsão para que as séries japonesas voltem a ser exibidas no formato original, obrigando os fãs a procurar material na internet e aguardarem nova fase para os tokusatsu na tevê brasileira.

Danilo Hatori é estudante de jornalismo e já traba-lhou no Jornal Paraná Shimbun, de cultura japone-sa. Atualmente é colaborador do blog Tadaima e do site Sake com Sal. Mas só quando não está ensaiando com a Banda KANPAI

ESTES INCRÍVEIS GUERREIROS E SEUS ROBÔS GIGANTES

Karumi: Super Sentai

Antes dos Power Rangers, os Super Sentai já faziam sucesso na tevê brasileira. Eram seriados em que os heróis usavam robôs gigantes como armas para salvar o

planeta de terríveis ameaças. Caia de cabeça no maravilhoso mundo dos enlatados japoneses.

por Danilo Hatori

A franquia Power Rangers usava cenas de luta das per-sonagens japonesas e tinha

roteiro mais próximo do Ocidente.

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Apesar de boa parte das meninas ler A Turma da Mônica durante a infância, a maioria delas afasta-se dos quadrinhos na adolescência. Ou melhor, afastava-se. Com o boom dos man-gás no Brasil, notou-se um fenômeno muito interessante e que nada tem a ver com samu-rais, ninjas ou violência: as adolescentes co-meçaram a ler mangás. Isso porque o merca-do de mangás é bastante segmentado, ou seja, são publicadas histórias para todos os gostos e idades. O estilo Shoujo, voltado para meni-nas entre 10 e 18 anos, é capaz de prender a atenção de qualquer adolescente no mundo, por contar romances cheios de magia e dra-mas psicológicos – bem ao gosto da idade.O primeiro contato com o estilo Shoujo que as meninas tiveram foi através dos animês. Séries como Guerreiras Mágicas de Rayear-th e Sailor Moon, exibidas em canais abertos na década de 90, foram bem recebidas pelo público. É interessante observar que essas histórias possuem em seu enredo elementos mágicos, bastante fantasiosos, como Dragon Ball e Cavaleiros do Zodíaco, por exemplo. Apesar de voltadas para meninas, havia uma preocupação em apostar em animações além de meros dramas psicológicos. Mangás como Sakura Card Captors e Guerreiras Mágicas de Rayearth foram al-guns dos primeiros voltados para as adoles-centes, ambos recheados de magia e estórias de fácil compreensão. Os animês sempre fo-ram o termômetro para a publicação ou não de um mangá por aqui. No entanto, atual-mente muitos dos títulos de Shoujo lançados no Brasil nunca tiveram as versões animadas exibidas. Ao todo foram publicados cerca de 30 títulos. Esse número tende a aumentar ainda mais. Muitos, como Nana, Kare Kano, Ouran High School Host Club, nunca foram exibidos nem em canais pagos nem em TVs abertas. Mesmo assim, esses e outros mangás chegaram aqui e $ zeram sucesso entre as me-ninas, atraindo-as para o universo dos qua-drinhos, já que algumas delas acabam desco-brindo novas possibilidades de leitura através dos mangás. Assim como os espectadores de tele-novela, as adolescentes esperam ansiosamen-te pelos próximos capítulos da estória – cuja publicação pode ser mensal ou bimestral. No mangá Sunadokei, a heroína, An Uekusa, passa por uma série de traumas na infância (separação dos pais, suicídio da mãe) e não sabe bem como lidar com as situações que vão aparecendo na vida. Para ajudar, é obri-gada a mudar de cidade, separando-se do namorado. Também descobre que seu me-lhor amigo é apaixonado por ela, o que a faz sentir-se dividida. Qualquer semelhança com

folhetins televisivos não é mera coincidência, os elementos para se contar uma estória de sucesso são universais, o que muda é a mídia. Outro exemplo é Kare Kano, que começa com a história da divertida Miyazawa Yukino, uma menina que se $ nge de perfei-ta só para in\ ar o próprio ego e não admite que ninguém seja mais popular que ela. A situação muda quando encontra Arima Sou-ichiro, um rapaz que aparentemente não faz nenhum esforço para se destacar e ainda por cima declara-se para ela. Depois de alguns desencontros eles $ cam juntos e os dramas psicológicos ganham mais destaque, criando mistérios e histórias paralelas, assim como numa novela. Alguns desses títulos, como Colégio Feminino Bijinzaka e Galism podem não agradar as fãs de Sunadokei ou Kare Kano, mas estão conquistando novas leitoras: as mesmas que lêem revistas de horóscopo, por exemplo. A heroína de Colégio Feminino Bi-jinzaka, En Nomomiya, é atrevida, revoltada e se mete em confusões, fazendo contraste interessante com o que é mostrado sobre as jovens em outros mangás Shoujo – compor-tadas, apaixonadas e sofredoras. Uma personagem como En Nomo-miya é mais parecida com uma adolescente brasileira do que An Uekusa, que mais se parece com uma jovem japonesa. A imagem de uma mulher decidida e independente está mais próxima de nossa realidade que a da moça submissa e indefesa, motivo pelo qual algumas leitoras deixarem de gostar do estilo Shoujo ao atingirem certa maturidade. Por-tanto é provável que mais títulos como Colé-gio Feminino Bijinzaka apareçam nas prate-leiras tupiniquins.

Em contrapartida às estórias em que o enredo é mais próximo da nossa realidade, não faltam títulos mais fantasiosos e cheios de magia para embalar os sonhos das adolescen-tes. Vampire Knight, por exemplo, tem como heroína Yuuki Cross, adotada pelo diretor de uma escola para vampiros e não tem outra opção senão conviver com eles. A garota faz parte de um triângulo amoroso, uma vez que dois vampiros parecem ser apaixonados por ela, e muitos outros querem beber seu san-gue. Com as facilidades da Internet, as fãs de Shoujo reúnem-se e trocam idéias em co-munidades de sites de redes de amigos, blogs, fóruns, mensagens instantâneas ou quaisquer outros meios de comunicação online. A co-munidade do Orkut CLAMP Brasil conta com mais de 15 mil membros – uma das maiores na rede sobre o assunto. Por ser um nicho vasto é quase im-possível enumerar todas as estórias e estilos relevantes. Independente da proximidade com o universo real, é importante ressaltar que os Shoujos são estórias capazes de ge-rar certa re\ exão por parte das leitoras, por conter tramas carregadas de temas comuns a todos: amor, família, separação, sexualidade, futuro, etc. A experiência da leitura é rica e prazerosa, além de ter o dinamismo caracte-rístico dos mangás. Portanto, se você ainda não conhece o estilo Shoujo é só ir até a ban-ca mais próxima e procurar por um dos vários mangás do gênero já publicados no Brasil. E tenha uma boa leitura!

Mylle Silva é jornalista, criadora do evento Anime-XD e estudante de Letras Japonês da Universidade

Federal do Paraná

SHOUJO, O MANGÁ QUE CONQUISTA ADOLESCENTES

Karumi: Shoujo

Enquanto no Japão as revistas Shoujo servem de vitrine de inúmeras propagandas para as adolescentes, no Brasil essas mesmas estórias fazem com que as meninas

leiam mais quadrinhos.por Mylle Silva

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Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 01

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Com a voz doce, a$ nada e com uma perso-nalidade inconfundível, Fernanda Takai tem conquistado fãs nas mais diversas faixas etá-rias. Suas canções infantis cativam e envol-vem os pequenos com a melodia suave e cheia de afeto. Adolescentes, jovens e adultos se identi$ cam com a banda multinstrumental Pato Fu, da qual Fernanda é vocalista. Takai-san começou a cantar em 1988 e em 1991 se reuniu com os músicos no que seria mais tar-de o Pato Fu. A banda, caracterizada por um pop rock criativo e contundente, brinca com as diversas sonoridades em arranjos incríveis e alcançou merecido sucesso no cenário musical. Em 2007, após convite do produtor e jornalista Nelson Motta, Fernanda se lança em carreira solo com o CD Onde Brilhem os Olhos Seus, um tributo a Nara Leão, que já fazia parte da sua memória musical. O CD foi bem recebido pelo público e pela crítica, sendo eleito um dos melhores lançamentos do ano.

É assim que essa artista tão versátil foi considerada uma das 10 melhores canto-ras do mundo fora dos EUA, segundo a Re-vista Times. A banda Pato Fu também levou junto o mesmo prêmio. Dessa forma, vão-se acumulando os diversos prêmios, o mais recente da MTV, como melhor cantora de MPB e o melhor clipe para Kobune.

Mas o universo de Fernanda Takai não gira só em torno da música. Em 2008 lançou o Nun-ca Subestime uma Mulherzinha, coletânea de contos e crônicas publicados pela autora nos jornais CORREIO BRAZILIENSE e O ES-

TADO de MINAS, em Belo Horizonte. Fernanda, de descendência japone-sa, despertou para o idioma já adulta. Em férias com seu Oditchan e Obatchan, tinha um maior contato com a cultura, comida e costumes, mas sempre foi, segundo ela, de forma muito natural e o interesse no idioma aumentou depois de uma visita ao Japão em 2007. Agora, depois de lançar o CD e DVD ao vivo Luz Negra, Fernanda está produzindo um novo CD em parceria com Maki Nomiya (ex vocalista do Pizzicato Five).*

JORNAL MEMAI - Quando surgiu a idéia de gravar músicas em japonês?FERNANDA TAKAI - A primeira vez foi em 1999. O Pato Fu já tinha feito músicas em inglês, italiano, espanhol, francês e justo eu que sou neta de japoneses não tinha tido essa idéia. Então surgiu Made In Japan. A letra foi feita em português e depois traduzida pro nihongo.

NUNCA SUBESTIME FERNANDA TAKAIFu: Fernanda Takai

Seu primeiro \ erte com o Japão veio com a música “Made in Japan”, sátira à mania tecnológica japonesa. A partir daí Fernanda Takai começou a estreitar o

relacionamento com a terra dos avós paternos : fez shows lá, gravou uma versão de “O Barquinho”, em japonês e agora está lançando um trabalho em parceria com a

vocalista da banda japonesa Pizzicato Five.

por Sandra Hiromoto

A bossa nova ainda é muito querida em vários lugatres do mundo e os japoneses

talvez sejam um dos povos que mais gostam desse tipo

de música

por Gabriela Lima

* Pizzicato Five – banda pop japonesa ativa de 1985 a 2001. Propagou o estilo shibuya-kei. Maki Nomiya entrou na banda em 1991.** EP: formato digital que comporta entre 4 e 8 faixas de gravação musicail, com duração média de 15 a 35 minutos.

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MEMAI - “Made in Japan”, um grande sucesso da banda teve alguma espécie de inspiração ou foi homenagem a alguém? FERNANDA -A letra fala da vingança tecno-lógica do Japão depois de sofrer com as guer-ras e especialmente com a bomba atômica. O assunto é muito sério, mas tocamos nele de uma forma mais leve, bem-humorada. Já no som, o arranjo é totalmente inspirado no Pizzicato Five.

MEMAI - Como foi a escolha da música “O Barquinho” para tradução em “Kobune”? Você acredita que a bossa nova também tem a cara do Japão? FERNANDA -Essa era uma das canções que eu poderia ter gravado na edição brasileira do disco, mas como representantes da bos-sa nova já havia Insensatez e Estrada do Sol. Eu e Nelson escolhemos canções de todas as fases da Nara, não só essa pela qual $ cou mais conhecida. Quando o disco ia sair no Japão, precisava ter uma faixa bônus, então pensamos em O Barquinho, porque é uma das mais famosas e não tinha uma versão em nihongo. A bossa nova ainda é muito querida em vários lugares do mundo e os japoneses talvez sejam um dos povos que mais gostam desse tipo de música. Acho que combina sim.

MEMAI - Por que você decidiu lançar um EP** e não um CD do Pato Fu com a banda japonesa de Maki Nomiya ? FERNANDA -O EP saiu em outubro, pela Taiyo Record em parceria com a Road & Sky. É um pro-jeto solo meu e da Maki, não é Pato Fu. O EP é um formato que dá certo comercialmente no Japão e para uma primeira experiência juntas, era mais viável em termos de produção, tempo e orçamento. Aqui no Brasil sairá apenas em formato digital.

MEMAI -Maki Nomiya citou vocês como uma banda estilo shibuyakei, Poderia nos explicar esse estilo e como o Pato Fu se insere neste contexto? FERNANDA -Quando $ zemos nosso arran-jo de Made In Japan, usamos o máximo de elementos com referência ao Pizzicato Five que é considerada a banda mais famosa do estilo shibuyakei. Esse tipo de som se traduz numa banda que tem bastante estilo, é mo-derna, cuida muito da parte visual do traba-

lho (clipes, shows, capas) e transita entre um público um pouco mais so$ sticado. Por algu-mas vezes o Pato Fu foi tido como uma banda assim, meio cultuada aqui no Brasil.

MEMAI -De que forma você consegue con-ciliar ser escritora, vocalista do Pato Fu e sua carreira solo? FERNANDA -Eu administro bem o meu tempo, sou uma pessoa muito disciplinada e tenho bom-humor no dia a dia. Isso aju-da bastante nessas multitarefas. Ainda tenho uma $ lha de 6 anos e gosto de cuidar da casa!

MEMAI -Escrever um livro e crônicas para jor-nal foi um acaso ou a literatura sempre esteve presente em sua vida ? FERNANDA -Comecei a escrever por causa do convite de outras pessoas. Não pensava em ter uma coluna em dois jornais ou escrever textos pra diversas publicações do Brasil. Foi tudo por acaso. O livro é uma compilação dos textos mais signi$ cativos entre 2005/2007. Já tenho o dobro deles agora. Sempre fui mais leitora do que escritora. E sinceramente, ain-da continuo assim. Essa minha outra ativida-de tem só 4, 5 anos. Na música me sinto mais à vontade porque já são 17 anos de carreira.

MEMAI - Em seu livro você aborda com ter-nura as relações com seus avós japoneses. Como eles in) uenciaram sua formação como artista ?

FERNANDA -Acho que me in\ uenciaram mais como pessoa mesmo e já que a música vem dessa nossa bagagem de sensibili-dade, atenção, observação, recriação e rearranjo de ele-mentos diversos, a presença da minha família, não só do lado oriental, mas tam-bém a da minha mãe - que

é de origem portuguesa - me faz ser o que sou.

MEMAI -Sabemos que você tem frequentado nihongakko, como surgiu essa necessidade? FERNANDA -Frequentei a escola no pri-meiro ano e depois $ quei tomando aulas par-ticulares. Tenho até estado afastada das aulas desde o $ m de maio porque minha agenda $ cou bem complexa. Não gosto de ir à aula, sem estudar, é preciso fazer direitinho as li-ções. Então combinei com minha sensei que assim que tivesse mais disponibilidade, volta-ria à ela. Daí eu faço uma revisão sozinha por uma semana e volto ao ritmo normal. Tive

vontade de aprender o idioma quando estive pela primeira vez no Japão. Gostei demais do país e das pessoas e achei que sendo neta de japoneses tinha a obrigação de conhecer mais sobre a cultura. Nada como estudar a língua pra conhecer melhor um povo.

MEMAI - Você se considera uma nikkei? Como isso in) uencia no seu modo de vida? FERNANDA -Sim, desde o uso do meu nome verdadeiro pro$ ssionalmente à ad-miração que tenho por minhas origens ni-pônicas. Gosto muito de pensar que tenho algumas das qualidades de um nikkei como a responsabilidade e dedicação verdadeira ao trabalho e à família. Agora os defeitos devo ter também, mas não precisamos listá-los, não é? Tento ser sempre uma pessoa correta e ao mesmo tempo me sinto feliz com tudo o que vou realizando aos poucos.

Sandra Hiromoto é artista plástica e designer. Parti-cipou de mostras coletivas e salões de arte nacionais, recebeu diversos prêmios. Expôs em Ehime, Kuma-moto, Yokohama e Kobe no Japão, Ceuta e Madri na Espanha.

Tive vontade de aprender o idioma quando estive

pela primeira vez no Japão. Gostei demais do país e das

pessoas e achei que sendo neta de japoneses tinha a

obrigação de conhecer mais sobre a cultura.

Discografia Pato Fu:

Rotomusic de Liquidi# capum (1993) Gol de Quem? (1995) Tem Mas Acabou (1996) Televisão de Cachorro (1998) Isopor (1999) Ruído Rosa (2001) MTV Ao Vivo No Museu da Pampulha (2002) Toda Cura Para Todo Mal (2005) Daqui Pro Futuro (2007)

Discografia Fernanda Takai:

Onde Brilhem os olhos seus (2007)Luz Negra: ao Vivo ( 2009 )

Livros:

Nunca Subestime uma Mulherzinha, Panda Books, 2008

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A publicação de escritores japoneses em por-tuguês vive um momento de efervescência no mercado editorial brasileiro, com a predomi-nância de traduções diretamente do japonês. Até o início dos anos 90 a maioria das tradu-ções era indireta, de idiomas como o inglês e o francês. Além disso, no caso principalmen-te das edições norte-americanas, o texto era cortado e apenas as partes consideradas mais adequadas para o público leitor desses países eram conservadas. Assim, o leitor brasileiro estava sujeito a receber uma obra incompleta e voltada para um leitor diverso. Isso é coisa do passado e lá se vai pouco mais de uma década desde que ocorreu a virada nas traduções do japonês no Brasil, com o lançamento, em 1998 e 1999, do ro-mance em dois volumes Musashi (Miyamoto

Musashi em japonês). Este romance épico de Eiji Yoshikawa, narra a vida deste famoso sa-murai que viveu nos séculos 16 e 17. E foi traduzido diretamente do japonês por Leiko

Gotoda que, inicialmente, destinou a obra apenas aos $ lhos. Esta edição lançada pela Estação Liberdade é um marco não apenas

para o contexto literário brasileiro, por ser a primeira a conter o texto integral de Yoshika-wa em uma tradução feita no Ocidente. Nesses dez ou onze anos, muitos tí-tulos apareceram no mercado, aproximando dos leitores brasileiros vários prosadores de origem japonesa, como Yasunari Kawabata (Prêmio Nobel de Literatura, 1968), Junichi-ro Tanizaki, Yukio Mishima, Ryu Murakami, Kenzaburo Oe (Prêmio Nobel de Literatura, 1994), Haruki Murakami e o contista Ryu-nosuke Akutagawa. Não é difícil, também, encontrar mais de um título por autor – Ka-wabata (7), Tanizaki (7), Yukio Mishima (3) e Oe (3 livros) – podendo-se perceber o estilo individual de cada escritor. Este momento editorial propício abre espaço também al-guns escritores japoneses menos conhecidos no país, como Genichiro Takahashi (Sayo-nara, Gangsters, Ediouro), Hitomi Kaneha-ra (Cobras e Piercings, Geração Editorial) e Soseki Natsume (Eu sou um gato, Estação Liberdade). Alguns nomes de tradutores se desta-cam nessa nova realidade. Além da precurso-ra Gotoda (sobrinha de Junichiro Tanizaki), podemos destacar Meiko Shimon, Je~ erson José Teixeira, Dirce Miyamura, Neide Hissae Nagae, Shintaro Hayashi, Madalena Hashi-moto e Junko Ota. Vários deles relacionam-se com professores e/ou graduados em alguma das universidades com graduação de letras com habilitação em japonês ou do mestrado na área, existente na USP-SP. Cada um com seu estilo de tradução, mas com igual compe-tência e conhecimento das duas línguas en-volvidas, o japonês e o português. Esse é um ponto crucial em uma tra-dução bem feita, não apenas o conhecimento da língua em que o texto foi escrito, mas um conhecimento igual ou superior da língua para a qual deve ser traduzido. Isso porque a tradução deve englobar duas realidades com-plexas: o conteúdo e o estilo do escritor, no caso em japonês e, também, uma forma de transmitir as informações também na lín-gua para a qual o texto deve ser traduzido, ou seja, em português brasileiro. Sem isso, entende-se o signi$ cado, mas $ ca-se com a impressão de que o texto contém sentenças que não são usuais na nossa língua, e isso é bem desconfortável para o leitor. Apesar da maioria desses títulos ser traduzido por um único tradutor, veri$ ca-se, também, mas em menor número, a existência de traduções em conjunto. Há duas maneiras pelas quais isso pode ocorrer, a primeira é re-sultado do estudo conjunto de dois ou mais tradutores. Isso pode ser interessante, por-que duas mentes se debruçam sobre o texto, em vez de apenas uma. A tradução do livro

POR TRÁS DA TRADUÇÃO DE LITERATURA JAPONESA

Bungaku: Tradução

Durante bom tempo traduções de literatura japonesa chegavam ao público brasi-leiro através de versões intermediárias. Em alguns casos tratava-se de tradução de

quarto ou quinto grau. A partir dos anos 90, com o pioneirismo de Leiko Gotoda, que traduziu o épico Musashi, tudo começou a mudar: melhor para os leitores e

para a arte. Por Suzana Tamae Inokuchi

Numa tradução bem feita, importa não apenas o co-nhecimento da língua em que o texto foi escrito, mas um conhecimento igual ou superior da língua para a qual deve ser traduzido.

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Rashômon e outras histórias, de Ryunosuke Akutagawa (de 1992 e, portanto, anterior ao boom da tradução japonesa), parece ter sido feita dessa maneira, porque os textos mantêm uma unidade textual. Entretanto, há outra possibilidade, por uma necessidade de traduções em um curto espaço de tempo, os tradutores po-dem dividir o trabalho. O romance As irmãs Makioka (Estação Liber-dade, 2005) foi traduzido por Leiko Gotoda, Kanami Hirai, Neide Hissae Na-gae, Eliza Atsuko Tashiro. Esse formato de tradução foi exigência da editora. O que, a princípio, parece um grande esforço de vá-rios pro$ ssionais no sen-tido de empreender uma tradução mais cuidada, tem o resultado contrário. Como cada tradutor $ cou a cargo de aproximadamente um capítulo, a unidade do texto foi um pouco prejudicada. Assim, a tentativa de devolver um mesmo rit-mo ao texto $ cou a cargo da revisão de tradu-ção. É preciso equilibrar as questões de mercado com a qualidade da tradução. Por outro lado, esse dilema na adequação entre as exigências editoriais e a necessidade de boas traduções é uma discussão que permeia o processo com relação a outras línguas, como o inglês e o francês. Assim, o fato desta dis-cussão surgir também no que se refere ao ja-ponês apenas atesta que as traduções de títu-los desse idioma alçaram o mesmo patamar ocupado pelas traduções em geral. Dentro da nova realidade da literatu-ra japonesa no Brasil, algumas editoras inves-tiram entusiasticamente neste novo segmen-to. Além da já citada Estação Liberdade, que reserva a metade de seus lançamentos para a literatura japonesa, a Companhia da Letras é uma das que mais investiram nesse novo $ -lão, tendo lançado vários títulos de escritores japoneses. Também a Editora Globo, a Gera-ção Editorial e a Ediouro lançaram títulos de escritores japoneses. Diferentemente da situação até me-ados da década de noventa, os lançamentos recentes são tantos que não podem ser encon-trados na maioria das livrarias ou bibliotecas. Como a gama de títulos é bastante numerosa, funcionários especializados em literatura do extremo oriente, particularmente as literatu-

É preciso equilibrar ques-tões de mercado com qua-lidade da tradução. Por

outro lado, esse dilema na adequação entre as exigên-

cias editoriais e a necessida-de de boas traduções per-

meia o processo com relação a outras línguas, como o

inglês e o francês.

Bunkac e n t e r

ras japonesa e chinesa, foram contratados em alguns estabelecimentos. Um deles é a Livra-ria do Chain, atrás do prédio da Reitoria da Universidade Federal do Paraná. Lá, os livros de escritores desses dois países estão dispostos em prateleira separada e a atendente Amanda é a responsável por eles. Além da intermediação direta feita por uma funcionária, outra maneira prática

de escolher, dentre este le-que de opções, é acessar a internet antes de se dirigir a uma loja. Duas indicações úteis são os sites das livra-rias Cultura (www.livraria-cultura.com.br) e Travessa (www.livrariatravessa.com.br), que possuem muitos destes volumes. Um recur-so interessante no primeiro desses sites é o acesso ao primeiro capítulo de alguns livros, uma espécie de ape-

ritivo que incita a continuidade da leitura e equivale a folheá-los diretamente na livraria, sem deixar o conforto de nossas casas.

Suzana Tamae Inokuchi é graduada em Relações Públicas, está concluindo Letras na UFPR. Também é poeta e contista curitibana de descendência nikkei, tendo sido selecionada em alguns concursos literá-rios, dentre eles o do Instituto Euclides da Cunha, em 2001.

Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 00 - Curitiba - Agosto de 2009

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Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 01

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O Violoncelista, de Kenji Miyazawa, tradução e ilustração de Lúcia Hiratsuka, SM Editores, 2009, 82 páginas.

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Page 15: Jornal Memai - Edição 01

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Page 16: Jornal Memai - Edição 01

Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 01

Em novembro de 1987, um livro com título em inglês escrito por uma garçonete de 24 anos, $ lha de um intelectual de esquerda ven-ce o 6o Concurso Kaien de novos escritores no Japão. Em janeiro de 1988, esse mesmo livro vence o 16o Concurso Izumi Kyoka. Em 1997, o cineasta Yim Ho, de Hong Kong, adapta a obra para o cinema e a uma versão para a televisão, feita pela TV japonesa. Es-tamos falando de Kitchen, de Banana Yoshi-moto, livro que já foi traduzido em mais de 20 idiomas desde seu lançamento. Banana Yoshimoto é o pseudôni-mo literário de Mahoko Yoshimoto, $ lha de Takaaki Yoshimoto - um dos mais famosos intelectuais japoneses de esquerda da geração 1960 – e irmã da cartunista Haruno Yoiko. Uma leitura apressada poderia re-sumir Kitchen como uma combinação leve de melodrama com mensagens de otimismo.Mas Kitchen é mais que isso. A começar pelo título, em inglês ao invés da palavra japone-sa, daidokoro. É como uma placa que indi-ca uma fronteira: a partir daqui, não espere um Japão tradicional, com cozinhas onde há sempre uma chaleira esquentando sobre um fogão a lenha e os utensílios são feitos de bambu. Um dos personagens é consumista de produtos eletro-eletrônicos, outro odeia tofu, quando a personagem principal pousa na casa dos amigos, eles lhe oferecem o sofá para dormir, não o tradicional futon. Mikage Sakurai é uma jovem univer-sitária que perdeu os pais quando era muito pequena e foi criada pelos avós. A narrativa começa quando Mikage perde sua avó, a últi-ma de seus familiares, e vai morar na casa de Eriko Tanabe, uma viúva dona de um clube noturno e Yuichi, seu $ lho adolescente. Logo Mikage descobre que Eriko é na verdade o pai de Yuichi, que resolveu mudar de sexo quando faleceu a esposa para poder educar melhor o $ lho. Toda a história é contata pela ótica de Mikage e é aí que está o encanto do livro. O que Kitchen tem a apresentar ao leitor não é um enredo cheio de peripécias e sur-presas ou mirabolantes re\ exões metafísicas, é a maneira como Mikage observa o mundo e re\ ete sobre ele e sobre sua própria situação, seu “estar no mundo”. O olhar de Mikage é singelo, um pouco adolescente, mas em cuja singeleza e limpidez se re\ etem temas quo-tidianos e ao mesmo tempo profundamente humanos, singelamente humanos: a convi-vência com a morte, a perda e a solidão. A trajetória do personagem principal é uma sucessão de perdas. O $ losofar de Mikage-chan, embora sejam esboços de respostas a questões fulcrais da existência, não é um sis-tema retoricamente elaborado. É um modo de olhar para o mundo de um modo singelo. Entre uma perda e outra, mesmo nas cenas de pathos mais intenso, o a personagem nunca se perde em divagações ou nos sentimentos,

mesmo angustiantes, ela sempre apresenta descrições do céu, da paisagem. O tempo da personagem é o futuro, uma vez que o pre-sente se apresenta como uma imensa solidão. Mas é um futuro no qual se aposta por pure-za, não por convicções heróicas ou idealismo apaixonado. A cena $ nal, onde poderíamos ver um “happy end” melodramático é apre-sentada como uma possibilidade, remota ou não de um futuro que leva o indivíduo ao contato com o outro. Mas por trás desse olhar singelo de uma personagem adolescente se encontram referências culturais de raízes mais profun-das. A instituição família é o tempo todo questionada ou mesmo desacreditada, os per-sonagens são todos ‘deserdados’ e sem laços familiares. Vale lembrar aqui das observações de Takaaki Yoshimoto em “A Comunidade ilusória” (Kyozo Gensoron) feitas nos anos 1960 sobre família e nação. Uma manhã, após beber seu suco de grapefruit Mikage Sakurai pensa consigo: Guardo comigo uma sensação inde-$ nível, que as palavras poderiam dissolver. Há tanto caminho pela frente. Talvez na su-cessão das noites e das manhãs que virão, até este momento se transforme num sonho. É evidente a citação, do início de Sendas de Oku (Oku no Hosomichi), de Matsuo Bashô: Os meses e os dias são viajantes da

eternidade. O ano que se vai e o que vem também são viajantes. [...] Pensei nos três mil ri de viagem que me aguardavam e meu coração se oprimiu. Enquanto via o caminho que talvez ia nos separar para sempre nesta existência que é como um sonho [...] Em outro momento de re\ exão, Mi-kage estendida no sofá, pensa nas pessoas que perdeu e em seguida observa o céu:

As pessoas verdadeiramente impor-tantes emitem uma luz que aquece o coração de quem vive ao lado delas. [...] Talvez a luz de Eriko fosse de pequena grandeza. [...] No céu, na direção do ocidente, começavam a jun-tar-se nuvens escuras, levemente alaranjadas nas bordas pelo pôr-do-sol. Logo cairia a noite lenta e fria, penetrando fundo no coração.

A referência aqui é uma canção in-fantil (Yuhi, Makaka ka sora no kumo / Min-na no kaomo makaka) e a evocação desta can-ção apenas ressalta o sentimento de completa solidão da personagem. Ao contrário da can-ção que compara as nuvens avermelhadas do anoitecer ao rosto das pessoas, aqui há apenas a solidão junto à personagem. No Brasil, Kitchen é o único livro de Banana Yoshimoto publicado. A tradução foi feita não a partir do original japonês, mas da edição italiana. Até a metade da história, os personagens sempre bebem “taças de chá”, só na segunda parte é que começam a usar xíca-ras. Isso não é mais um detalhe da peculiari-dade dos personagens. É a tradução apressada de um falso amigo: “tazza” em italiano é a pa-lavra usada para designar xícara.

(originalmente publicado no Jornal Nippo-brasil, em agosto de 2008).

Ignácio Dotto Neto é mestre em Teoria da Literatura da Unicamp, pesquisador e tradutor.

INTIMIDADE DENTRO DE UMA COZINHA

Hosomi: Banana Yoshimoto

Kitchen apresenta a visão de um Japão moderno num relato que coloca persona-gens insólitos em dramas cotidianos, narrados com sobriedade e sutileza

Por Ignácio Dotto Neto