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José Pastore estuda este carma, este castigo divino, esta fonte de prazer, este motivo de brigas, conquistas, doenças e felicidade: o trabalho. Há 40 anos rala para entender e ensinar aos trabalhadores (a.k.a. todos nós) do que se trata a labuta. Procurado por governo e empresários para apontar caminhos mais seguros para nosso ganha-pão, Pastore declara à Trip: não sou daqueles que trabalham POR BRUNO TORTURRA NOGUEIRA Curioso: José Pastore é aposentado. Professor aposentado da Fa- culdade de Econom ia e Administ ra ção da USP. Curioso porque quan- do alguém quer fa lar sério sobre trabalho no Brasil sempre acaba to- pando com esse aposentado. Currícul o? Sociólogo de formação. Dou- tor pela Universidade de W insconsin, nos EUA. Compõe ainda a Academia Nacional de Economia e a Academia Paulista de Letras . Nosso aposentado foi chefe também, no comando da assesso- ria técnica do Ministério do Trabalho. vendeu sua força de trabalho algures, no Conselho de Administração da Organização Internacional de Trabalho (OIT), na Academia Internaci ona l de Economia e Direito e como professor ou consultor em ri as escolas e empresas estrangeiras. José Pastore, o aposentado, escreveu 31 livros. Não apenas 31 livros, como mais de duas centen as de art igos. Colabora com os Jor- nais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. Curioso: sindicatos e patrões, governo e federações, workaho li cs e ociosos querem ler o que este aposentado escreve. Em 40 anos de pesquisas profundas sobre trabalho, José Pastore tem recados simples. Nunca se traba lh ou tão pouco, nunca se traba- lhou melhor, nu nca as condições fo ram tão promissoras. E, quando ele diz que não trabalha, em vez disso, "faço o que gosta", desa- parece de vez o aposentado. Na entrevista a seguir, Pastore a re ceita de t raba lhar com prazer: curiosidade. Sim, o senhor aposenta- do não ra de trabalhar. É curioso. Muitos pensadores do século passado diziam que trabalharíamos muito pouco em volume de horas na virada deste milênio por conta da tecnologia, e, provavelmente por conta dela, hoje traba- lhamos muito mais. O ser humano está fadado a trabalhar a maior parte de sua vida? Há gente que trabalha muito, mesmo com as novas tecnolog ia s, veja aque l es que levam serviço para casa para faze r via e-mail ... Há gente que trabalha muito pouco e usufrui as tecnologias, como os que usam jatinhos para esquiar num fim de semana em Aspen. De um modo geral, os seres humanos de hoje traba lh am menos do que os seus ir mãos de 100 anos atrás. Muitos historiadores relacionam o trabalho à escravidão e o não- trabalho à liberdade, especialmente em países colonizados como o Brasil. Acredita que o brasileiro não gosta de trabalhar também por herança histórica? De um modo geral, o brasileiro é um povo trabalhador. Isso acontece entre pobres, classe média e ricos. Acho que a preguiça do brasileiro é um mito. Veja o que se traba lha na agri cu ltura, nas construções, nas fábricas, nos hospitais etc. E a maior parte dos brasileiros procura se realizar trabalhando. A renda é importante, sem dúvi da, mas fazer bem-feito está se tornando cada vez mais crucial. Quem vê o trabalho como escravidão não pode fazer bem-feito, perde a competição e sofre muito. O que acha do conceito de ócio criativo? Isso se aplica a um país como o Brasil? É próprio das sociedades bem avançadas e que acu- mu laram mui ta riqueza e poupança para poder sa ir do trabalho na sexta-feira ao meio-dia e voltar na segunda depois do almoço. Mas mesmo essas sociedades estão sendo forçadas a mudar, veja a pressão que o Leste Europeu está fazendo na Europa Ocidental. Ali, as diferenças salari ais são tão grandes que os países do leste estão atraindo as empresas do oeste, e estas só ficarão onde estão se os trabalhadores ocidentais passarem a trabalhar ma i s. Acho que o trem da dolce vita está com os dias contados.

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José Pastore estuda este carma, este castigo divino, esta fonte de prazer, este motivo de brigas, conquistas, doenças e felicidade: o trabalho. Há 40 anos rala para entender e ensinar aos trabalhadores (a.k.a. todos nós) do que se trata a labuta. Procurado por governo e empresários para apontar caminhos mais seguros para nosso ganha-pão, Pastore declara à Trip: não sou daqueles que trabalham

POR BRUNO TORTURRA NOGUEIRA

Curioso: José Pastore é aposentado. Professor aposentado da Fa­culdade de Economia e Administ ração da USP. Curioso porque quan­do alguém quer fa lar sério sobre trabalho no Brasil sempre acaba to­pando com esse aposentado. Currículo? Sociólogo de formação. Dou­tor pela Universidade de W insconsin, nos EUA. Compõe ainda a Academia Nacional de Economia e a Academia Paulista de Letras.

Nosso aposentado já foi chefe também, no comando da assesso­ria técnica do M inistério do Trabalho. Já vendeu sua força de trabalho algures, no Conselho de Admin istração da Organização Internacional de Trabalho (OIT), na Academia Internaciona l de Economia e Direito e como professor ou consultor em vá rias escolas e empresas estrangeiras.

José Pastore, o aposentado, escreveu 31 livros. Não apenas 31 livros, como mais de duas centenas de art igos. Colabora com os Jor­nais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. Curioso: sindicatos e patrões, governo e federações, workaholics e ociosos querem ler o que este aposentado escreve.

Em 40 anos de pesquisas profundas sobre traba lho, José Pastore tem recados simples. Nunca se traba lhou tão pouco, nunca se traba­lhou melhor, nunca as condições foram tão promissoras. E, quando ele diz que não trabalha, em vez disso, "faço o que gosta" , aí desa­parece de vez o aposentado. Na entrevista a seguir, Pastore dá a receita de traba lhar com prazer: curiosidade. Sim, o senhor aposenta­do não pára de trabalhar. É curioso.

Muitos pensadores do século passado diziam que trabalharíamos muito pouco em volume de horas na virada deste milênio por conta da tecnologia, e, provavelmente por conta dela, hoje traba­lhamos muito mais. O ser humano está fadado a trabalhar a maior

parte de sua vida? Há gente que traba lha muito, mesmo com as novas tecnolog ias, veja aque les que levam serviço para casa para fazer via e-mail ... Há gente que trabalha muito pouco e usufrui as tecnologias, como os que usam jatinhos para esquiar num fim de semana em Aspen. De um modo geral, os seres humanos de hoje traba lham menos do que os seus irmãos de 100 anos atrás.

Muitos historiadores relacionam o trabalho à escravidão e o não­trabalho à liberdade, especialmente em países colonizados como o Brasil. Acredita que o brasileiro não gosta de trabalhar também por herança histórica? De um modo geral , o brasileiro é um povo trabalhador. Isso acontece entre pobres, classe média e ricos. Acho que a preguiça do brasileiro é um mito. Veja o que se trabalha na agricu ltura, nas construções, nas fábricas, nos hospitais etc . E a maior parte dos brasileiros procura se realizar traba lhando. A renda é importante, sem dúvida, mas fazer bem-feito está se tornando cada vez mais crucial. Quem vê o trabalho como escravidão não pode fazer bem-feito, perde a competição e sofre muito.

O que acha do conceito de ócio criativo? Isso se aplica a um país como o Brasil? É próprio das sociedades bem avançadas e que acu­mularam muita riqueza e poupança para poder sa ir do trabalho na sexta-fe ira ao meio-dia e voltar na segunda depois do almoço. Mas mesmo essas sociedades estão sendo forçadas a mudar, veja a pressão que o Leste Europeu está fazendo na Europa Ocidental. Ali, as diferenças salariais são tão grandes que os países do leste estão atraindo as empresas do oeste, e estas só ficarão onde estão se os trabalhadores ocidentais passarem a trabalhar mais. Acho que o trem da dolce vita está com os dias contados.

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desde o berço, a lidar de modo "racional" com a pontua lidade e certa disciplina do tempo e trabalho. " É por isso que temos indivíduos que 1-~ ' • l!tl já nascem 'ganhadores' ou 'perdedores' na bata lha da vida", fa la. " Não percebemos isso porque tudo é fe ito para entendermos o mundo como uma bata lha igualitária por mérito, o que permite pôr a cu lpa do fracasso na wópria vítima de uma sociedade desigual."

PONTUALIDADE B "O tempo é tudo, o ho em não é mais nada; quando muito, é

a personif icação do tempo", screveu em História e Consciência de Classe (1922) o f ilósofo hún aro Georg Lukács. Essa aná lise, apesar de se re lacionar diretame te à fábrica do século 19 e das pri meiras décadas do 20, ainda po ser levada em conta hoje em dia. Mas reações a essa subordinaçã do homem ao re lóg io tam­bém vêm surgindo. " Em todo o mund industrializado, os gerentes de recrutamento informam que os joven candidatos a empregos começaram a fazer perguntas que seriam i pensáveis há dez ou quinze anos: poderei deixa r o escritório num orário razoável no iní­cio da noite? É possível trocar sa lário por mais mpo de férias? Terei controle sobre minhas horas de traba lho?", screve o jorna­lista escocês Carl Honoré, no livro ln Praise of Pio (Devagar, no Brasil). Para atender a esses novos anseios é que alg mas empre­sas começaram a apostar em políticas de "flexibilizaçã de horários". Clovis da Silva Bojikian, 72 anos, ex-diretor da scola de Aplicação da USP e conse lheiro da Fundação Semco, prop uma dife renciação entre o que chama de pontua lidade burra, "aqu la estabelecida por regu lamento, para ser cumprida por todos da organização, seja necessária ou não", e impontualidade irrespor sável, "o hábito de chegar atrasado, sem se importar com os ,óre­juízos causados às demais pessoas".

Clovis alerta que a pontua lidade burra está presente na aioria das empresas: as pessoas têm que entrar e sair no mes o horário. "As conseqüências são muito conhecidas", diz, 'todos precisam enfrentar o rush, chegar estressados ao traba o e voltar para casa mais estressados ainda." A dificuldade, no tanto, está em expandir esse conceito de horário flexível a setor s como a linha de montagem de uma fábrica. Nos anos 80, o residente da Semco, Ricardo Sem ler, tentou algo nessa direção.' Se os fun­cionários não trabalham ao mesmo tempo, a linha e montagem pára. Sabemos disso, mas os adultos que lá atua também sabem", argumenta Semler. "E por que iriam p ' r em risco a pro­dução e seus empregos7" Clovis, que na époc traba lhava no RH da empresa, lembra que num primeiro mom to toda a gerência entendia que as pessoas da fábrica deveria cumprir os horários com rigor. "Depois de muita conversa, dir ores e gerentes

____ . .aceitaram a idéia de, que se os operários ssumissem compromis­IJ!!!!!!sos, a empresa poderia iniciar a f lexibiliz ção do horário na fábri-

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ca", conta. "Resultado: nunca t ivemos um único problema causa­do por falta ou atraso de operário, o grau de aderência à empresa c sceu muito e a produtividade aumentou de forma significativa." Es caso da Semco pode nos sugerir a seguinte questão: até que pont a flex ibilização, ao aumentar a responsabilidade dos operan , não faz (de modo invisível) com que os horários fiquem tão ou m rígidos do que antes? Há uma ilusão de flexib ilidade: atrasos são lerados, baixa produtividade não.

Carl Hono · acredita que propostas como as da Semco, que visam um maior quilíbrio entre vida pessoal e trabalho, são uma tendência . "Mesm aderindo à busca desse equilíbrio apenas da boca para fora, o sim les fato de empresas o fazerem já indica uma mudança de maré cu lt ai", ana lisa. Criticando o culto ao traba lho e à pontualidade, Honoré q estiona um t ipo de sociedade em que a economia manda em pratic mente todas as dimensões da vida -um mundo, diz o professor J sé Souza, onde o dinheiro, que é um mero " meio" de troca, transfor ou-se, sem que percebamos, em um fim, em um objetivo de vida. 'Não podemos confund ir, porém, a crítica do mercado capita lista co a recusa desse mercado", aler­ta Jessé. "Não acho que possamos ·ver sem mercado, mas podemos tentar controlá-lo como as as ~ c~amadas sociedades do bem-estar socia l européias já o f izeram." E isso, segundo Jessé, que permite que esses países tenham boas escolas e bom serviço de saúde para todos. "O que o t ipo de aprendizado político que se operou por lá implica é que devem existir esferas socia is (educação, saúde, previdência) que não podem depender do princípio do lucro", compara. " Entre nós jamais houve qualquer aprendizado verdadeiro nesse sentido. Por aqui, continuamos a achar que a economia e o crescimento econômico são a solução para todos os nossos problemas. Enquanto pensarmos assim, acho eu, não ire­mos reso lver verdade iramente nenhum deles."

Se, como diz o senso comum, tempo é dinheiro, o relógio muitas vezes acaba dominando nossas vidas. As horas do dia nunca parecem ser suficientes para tantas reun iões, compromissos, festas, jantares, encontros. Por isso, é preciso cu idado. A impontualidade pode ser uma falta de respeito, mas viver escravo do tempo, correndo de lá pra cá, atendendo celulares, mandando scraps, respondendo e-mails, ta lvez seja pior do que possamos imaginar. Desaceleremos. [SJ

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Trabalho e prazer devem caminhar juntos? Há quem ache que isso pode soar como um discurso interessante para patrões, para que seus funcionários trabalhem cada vez mais, afinal, se quiser mais

~ prazer, basta mais trabalho ... Quem traba lha por prazer não traba lha, desfruta a vida, encanta-se com o produto da sua criatividade, an ima­se com a tarefa bem-feita, orgulha-se das metas alcançadas, alimen­ta-se com o aplauso.

O sr. é feliz no trabalho? Mais feli z que no ócio? Sou muito fel iz porque sou um daqueles que não trabalham. Faço o que gosto. Tenho adrenalina para fazer cada vez melhor. Estudo muito porque isso me satisfaz. Mantenho a qualidade porque é com ela que me al i­mento. Fui inoculado com o vírus da curiosidade. Não consigo parar de fuçar e, por isso, me ocupo 14 horas por dia . É dentro disso que encontro o meu ócio.

Qual a medida ideal de trabalho, em carga horária, para um brasileiro no ano de 2007? Cada um resiste diferentemente. O tra­balho físico é exaustivo. Ninguém agüenta uma batida de mais de oito horas por dia, mas isso está diminuindo. Cada vez mais o homem deixa de lado os músculos e mobiliza os neurônios. Quando faz o que gosta, os neurônios entram em festa e resistem a sair dela quando a festa é reconfortante.

A relação de dinheiro e trabalho é sempre complexa. Em muitos casos, os trabalhos que mais geram prazer são os de remunera­ção menor. O que deve vir na frente num país como o Brasil em se tratando de trabalho: dinheiro ou prazer? Trabalho sem prazer é um fardo muito pesado para ser carregado. Felizmente as pessoas encontram prazer em todos os tipos de trabalho - tanto os manuais quanto os intelectuais. Mas há os descontentes. Quando o descon­tentamento os empurra para a frente é muito bom, caso contrário, é fonte de depressão.

Não há mercado para trabalhos criativos e bem remunerados para todos os jovens que saem das faculdades a cada ano (muitos dos leitores da Trip estão entre eles). Nesse caso, como lidar com uma insatisfação que pode tomar mais de dez horas de nossos dias? Infelizmente o Brasil está gerando poucos empregos para os jovens. A taxa de desemprego entre eles é o dobro da média. Hoje em dia até mesmo os mais educados estão desempregados. Será que há educação de mais? Nada disso. O que há é emprego de menos, e isso é fonte de muita frustração. É triste quando uma pessoa precisa retirar competências do curriculum vitae porque o mercado não quer uma pessoa "superqualificada ''. Isso significa que muita gente só consegue emprego se aceitar trabalhos de nível bem mais baixo do que o da sua formação.

Na sua opinião, quais são as empresas brasileiras mais prepara­das, em termos de relações de trabalho? Por quê? De um modo

'-geral, as grandes empresas estão mais avançadas. Dentre elas, as que usam mais tecnologia e as que exportam e importam muito.

Recentemente, dezenas de altos cargos executivos em grandes 11 empresas multinacionais estão sendo ocupados por profissionais brasileiros. Isso é um talento individual ou se trata da evolução da máxima de que o "brasileiro é muito criativo", logo, pode lidar com os percalços do mercado? Há brasileiros que vêm se destacando bastante no exterior, mas isso não chega a ser um grande grupo de pessoas. Competir no exterior é duro, a concorrência é feroz, mas, quando se vence, se vence: as perspectivas de vida melhoram muito.

Novos conceitos de qualidade, eficiência e resultados podem ser benéficos economicamente, mas não seriam prejudiciais ao indiví-duo? É claro que o excesso de eficiência gera grande stress e até ' mesmo acidentes no trabalho. Onde se quer muita eficiência há que se criar salvaguardas para proteger os empregados.

Que caminho o sr. enxerga para conjugar eficiência no mercado competitivo e felicidade de trabalhadores em empresas grandes e "impessoais"? A felicidade não é um estado de espírito nem uma decorrência direta do dinheiro. Nos grupos de ba ixa renda, o dinheiro pesa muito porque com ele se pode resolver os problemas básicos da sua sobrevivência - e isso traz fe licidade. Nos grupos de renda média alta e na elite o dinheiro pesa menos como determinante de felicidade. Muitas pessoas ricas têm tamanhos desarranjos pessoais e famil iares que sua infelicidade é incontrolável. Felicidade depende de bons amigos e bom clima fami liar. Isso sobra nos grupos de ba ixa renda - de um modo geral - e falta nos grupos de renda mais alta.

Existe hoje essa preocupação com a felicidade do empregado entre o grande empresariado? E no governo? Acho que sim. Ninguém quer ter colaboradores infelizes e muito menos quer cola­borar para a sua infelicidade. Todos buscam criar bons ambientes de trabalho - mas nem sempre conseguem.

Aceitaria trabalhar para o governo? Não tenho nenhuma re lação e não aceito trabalhar para governo algum porque meu estilo de vida e de trabalho não se encaixa bem com os meandros da burocracia. Gosto de liberdade. Trabalho sozinho. Não tenho chefe. Não tenho subordinado. Não tenho secretária. Já não tenho mais assistentes de • pesquisa. Leio o tempo todo. Estudo o que quero. Não vendo respostas. Compro perguntas e respondo o que acho mais adequa-do. Nem sempre acerto porque não sou dono da verdade, mas fico ~ feliz quando posso corrigir meus erros. Fico triste quando vejo ter perdido a oportunidade de corrigi-los a tempo.

Quanto o modelo ultrapassado da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho, criada em 1943 por Getúlio Vargas) é responsável pelo pequeno crescimento do PIB do país? Não é o fator principa l, mas

Trabalho sem prazer é um fardo.-munq_ pesado para ser carregado. Felizmente as pessoas encontram prazer em todos os upos de trabalho - tanto os

manuais quanto os 1n1elec1ua1s

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é um dos mais importantes. Quase 60% dos brasileiros que traba­lham estão na informalidade porque a legislação gera muita burocra­cia e despesa. Para contratar um funcionário, há uma despesa de 102,75% do seu sa lário. Talvez a Embraer consiga pagar isso com facilidade, mas a barbearia do meu bairro não consegue - razão pela qual a informal idade é enorme nas micro e pequenas empresas-, além do pessoa l que não tem víncu lo previdenciário porque trabalha por conta própria. Quem traba lha na informalidade (cerca de 48 mi­lhões de pessoas) não recolhe nada para a Previdência Social. O déficit é enorme - R$ 42 bi lhões em 2006 -, o que leva o governo a buscar dinheiro no mercado financeiro. Quem busca essa importãn­cia astronómica pressiona os juros para cima e os investimentos para ba ixo . Por isso o país não cresce, não se gera emprego e se engrossa o desemprego. Está aí a relação entre a CL T e a anemia do crescimento do nosso PIB .

Resumidamente, qual o maior problema das relações traba­lhistas brasileiras? É o cl ima de desconfiança que existe entre empregados e empregadores e a insegu rança jurídica que ronda as empresas e os t raba lhadores.

Por seu passado sindical seria Lula, como ele próprio afirma, o melhor presidente para rever a CLT? Penso que ele tem a credibi lidade para propor reformas na área t rabalhista, mas não estou seguro de que ele esteja plenamente convencido da re lação entre essas reformas e o crescimento do país.

A extrema informalidade de parte do trabalho no Brasil acaba criando uma situação na qual cada homem é uma empresa. Como o sr. encara isso? No mundo inteiro, as empresas que mais crescem são as sem empregados, são as pessoas jurídicas de uma só pessoa. É uma tendência dos tempos mo­dernos decorrente da revolução tecnológica, da con­corrência internacional e da nova divisão do trabalho entre as empresas. Desde que se paguem todos os impostos e se proteja quem trabalhe, acho que é uma boa solução.

Em qual país "semelhante" ao Brasil o sr. vê um bom futuro nas relações de trabalho? Coréia do Sul, Chile, Hungria e vários do Leste Europeu.

Depois de 40 anos envolvido com o assunto, quais as maiores transformações trabalhistas que o sr. presenciou? Em geral, os seres humanos trabalham menos. Diminuiu o uso dos músculos e aumentou o uso dos neurônios. A saúde está mais bem protegi­da, os acidentes estão diminuindo (poderiam diminuir

mais no Brasil). O trabalho infantil está sendo erradicado. A mulher ascende socialmente. As diferenças de renda entre os sexos diminui a cada ano. A educação da mulher é superior à do homem (em média) . Os idosos prolongam sua vida laboral. Tudo isso deverá con­tinuar na mesma trajetória nas próximas décadas, mas os países avançarão mais ou menos na medida em que forem capazes ou inca­pazes de modernizar as instituições do trabalho: as leis trabalhistas, a Justiça do Trabalho, as formas alternativas de resolver conflitos, a organização sindica l etc.

O que sugere a um jovem recém-saído da faculdade e que vai enfrentar sua primeira entrevista de trabalho? Que estude muito não só o seu ofício, mas sim as profissões que rodeiam aquele que ele escolheu. Se escolheu economia, estude um pouco de direito, de engenharia , de administração etc. Nunca pare de estu­dar. Inocule-se com o vírus da curiosidade. Procu re fazer estágio -mesmo não remunerado. Busque ganhar experiência. Assuma as posturas do mundo do traba lho, em especia l pontualidade, disci­plina, zelo, t rabalho em grupo, responsabilidade, compromisso, domínio de línguas e liderança.

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Eu sou o ÃO.

Talvez você não esteja ligando o nome à pessoa, por isso é melhor

eu refrescar a sua memória.

Lembra quando você largou aquele empreguinho perigosamente em-remunerado

para abrir seu próprio negócio? Sua mulher achando q você ia se atirar

numa aventura, seu pai dizendo que você não ia dar m boa coisa mesmo.

Quem você acha que ficou martelando no se ouvido "vai em frente,

você mere e coisa melhor"?

E quando você solveu entrar na faculdade co 40 anos, mesmo correndo o risco de

ser chamada de ti . Quem foi que segurou a ua mão na hora de preencher a ficha

. ~e inscrição? E quem foi ue deu aquele em rrãozinho pra você, do alto do seu 1 metro

e meio, co 'dar aquela ata pra sair?

Ninguém mais, ingu, m menos do que eu, o ÃO.

A força misterio gue faz você se atirar de cabeça na vida.

Que faz você pe ar gra e.

Sou eu quem nche de co em os povos oprimidos, os amantes

tímidos e os batedores de p nalti.

Eu faço o possível pra vo e fazer o impossível.

Comece a pensar ÃO ntes que seja tarde. Pare de a · como massa e comece

a agir como indiví o. Não deixe ninguém decidir o qu é melhor pra você. ,-_.,., ...... ' .

:Resista à tentação o fácil, à banalidade e aos sentimentos mesquinhos.

,Pense no que vo ê perde por medo, nas idéias que nunca saem do papel

por ausa dessa maldita ~ania· de viver no outono.

Vamos lá. Ninguém está pedindo pra você inventar ,,..._......,,.._.........._...