Judiciário: entrea justiça e a política

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h I , I I 1 Capítulo 3 Judiciário: entre a Justiça e a Pol~ica ROGÉRIO BASTOS ARANTES Apresentar uma instituição ou dimensões relativamente autônomas do sistema políti- co não é tarefa fácil, especialmente diante das diversas alternativas que se abrem a pro- postas desse tipo. Uma tendência comum em situações como essa tem sido recorrer à his- tória, na expectativa de que a descrição de uma sucessão de fatos ou etapas torne inteli- gíveis a natureza e as especificidades do ob- jeto que se quer analisar. Embora a história seja uma maneira útil e segura de apresentar determinadas instituições políticas, outros pontos de vista fornecidos pela Ciência Polí:- tica podem oferecer 'contribuição mais sig- nificativa a essa descrição, tais como aqueles voltados para a análise de padrões de orga- nização interna dessas instituições (análise organizacional), ou aqueles que recorrem à comparação de diferentes países, de sistemas políticos ou de fatores socioculturais e eco- nômicos (método comparativo), ou ainda aqueles que se concentram na descrição for- mal das leis e estatutos jurídicos que defi- nem o funcionamento da instituição, suas relações com as demais e seu impacto sobre o comportamento dos atores (método institucional). Ao tentar descrever a natureza e as especificidades do Judiciário como institui- ção judicial e política, tentaremos uma com- binação dessas diferentes abordagens, pro- porcionando uma visão abrangente sobre a organização. Lançando mão da história, do método comparativo e da descrição jurídico- formal do Judiciário, esperamos construir uma apresentação que demonstre a importân- cia dessa instituição no âmbito do sistema político e que incentive o leitor a buscar ou- tras e novas respostas a questões aqui men- cionadas e não completamente resolvidas. Este capítulo está estruturado em três se- ções: na primeira, tratamos da construção institucional do Judiciário moderno a partir de duas grandes tradições (a norte-americana e a francesa); na segunda seção, analisa- mos a expansão das funções judiciais e po- líticas do Judiciário no século XX (e as va- riações em torno daquelas duas grandes tradições), dedicando ao judiciário brasi- leiro atenção especial; a terceira e última seção levanta hipóteses sobre o futuro do Judiciário como órgão de justiça e como poder político. 1. Judiciário moderno: órgão de justiça ou poder polftico? As grandes transformações pelas quais passou o mundo ocidental nos séculos XVIII e XIX tiveram forte impacto sobre as fun- ções da Justiça e sobre a organização do Ju- diciário. Ainda durante o Antigo Regime (séculos XV-XVIII), as monarquias absolu- tistas européias já haviam promovido uma 81

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Capítulo 3Judiciário: entre a Justiça e a Pol~ica

ROGÉRIO BASTOS ARANTES

Apresentar uma instituição ou dimensõesrelativamente autônomas do sistema políti-co não é tarefa fácil, especialmente diantedas diversas alternativas que se abrem a pro-postas desse tipo. Uma tendência comum emsituações como essa tem sido recorrer à his-tória, na expectativa de que a descrição deuma sucessão de fatos ou etapas torne inteli-gíveis a natureza e as especificidades do ob-jeto que se quer analisar. Embora a históriaseja uma maneira útil e segura de apresentardeterminadas instituições políticas, outrospontos de vista fornecidos pela Ciência Polí:-tica podem oferecer 'contribuição mais sig-nificativa a essa descrição, tais como aquelesvoltados para a análise de padrões de orga-nização interna dessas instituições (análiseorganizacional), ou aqueles que recorrem àcomparação de diferentes países, de sistemaspolíticos ou de fatores socioculturais e eco-nômicos (método comparativo), ou aindaaqueles que se concentram na descrição for-mal das leis e estatutos jurídicos que defi-nem o funcionamento da instituição, suasrelações com as demais e seu impacto sobreo comportamento dos atores (métodoinstitucional).

Ao tentar descrever a natureza e asespecificidades do Judiciário como institui-ção judicial e política, tentaremos uma com-binação dessas diferentes abordagens, pro-porcionando uma visão abrangente sobre a

organização. Lançando mão da história, dométodo comparativo e da descrição jurídico-formal do Judiciário, esperamos construiruma apresentação que demonstre a importân-cia dessa instituição no âmbito do sistemapolítico e que incentive o leitor a buscar ou-tras e novas respostas a questões aqui men-cionadas e não completamente resolvidas.

Este capítulo está estruturado em três se-ções: na primeira, tratamos da construçãoinstitucional do Judiciário moderno a partirde duas grandes tradições (a norte-americanae a francesa); na segunda seção, analisa-mos a expansão das funções judiciais e po-líticas do Judiciário no século XX (e as va-riações em torno daquelas duas grandestradições), dedicando ao judiciário brasi-leiro atenção especial; a terceira e últimaseção levanta hipóteses sobre o futuro doJudiciário como órgão de justiça e comopoder político.

1. Judiciário moderno:órgão de justiça ou poder polftico?

As grandes transformações pelas quaispassou o mundo ocidental nos séculos XVIIIe XIX tiveram forte impacto sobre as fun-ções da Justiça e sobre a organização do Ju-diciário. Ainda durante o Antigo Regime(séculos XV-XVIII), as monarquias absolu-tistas européias já haviam promovido uma

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significativa centralização e racionalização daadministração estatal, incluindo aí os cargose funções da magistratura antes dispersos eprivatizados pela nobreza.' Do ponto de vis-ta econômico, o desenvolvimento das rela-ções comerciais e de produção e a gradualimplantação do capitalismo também levaramà valorização da Justiça como meio de ga-rantia das relações entre agentes econômi-cos, conduzindo a magistratura a umaprofissionalização crescente e o Direito àcondição de principal instrumento de racio-nalização da vida social e econômica.

A derrubada dos regimes absolutistas e afundação dos chamados Estados liberais naEuropa e nos Estados Unidos marcaram umaprofunda transformação n~ papel da Justi-ça, a começar pelo reconhecimento de suaautonomia como função estatal e, em algunspaíses, até mesmo como poder de Estado.Essa distinção entre função estatal e poderpolítico remonta a duas experiênciasparadigmáticas de (re)fundação do Judiciá-rio no processo de criação dos Estadoslibe-rais: a norte-americana de 1787 e a francesade 1789.

Embora os processos que levaram à ela-boração do texto constitucional americanode 1787 e à Revolução Francesa iniciada em1789 tenham sido influenciados pelo pen-samento político liberal que corria o mun-do à época, o fato é que eles deram origema dois modelos constitucionais bastante dis-tintos e, por decorrência, o Judiciário emer-giu dessas duas experiências com papéis sig-nificativamente diferentes. Como as revolu-ções americana e francesa influenciaram ocurso histórico de outros tantos países, é

possível tomar França e Estados Unidos comodois modelos principais de definição do Ju-diciário moderno, que inspiraram a forma-ção dos demais Estados liberal-democráticosnos séculos XIX e XX: a experiência fran-cesa, mais republicana do que liberal, mo-dernizou a função de justiça comum do Ju-diciário mas não lhe conferiu poder políti-co; a americana, mais liberal do que repu-blicana, não só atribuiu à magistratura aimportante função de prestação de justiça nosconflitos entre particulares, como elevou oJudiciário à condição de poder político.

Sob a influência de grandes autores comoLocke (1632-Í704) e Montesquieu (1689-

-1755), a fórmula da separação de poderesdifundiu-se no final do século XVIII comonecessária à limitação do poder político do

"Estado e à defesa das liberdades individuais.- Consagrada por Montesquieu com base emsuas observações sobre o sistema políticoinglês, a distinção de funções e poderes en-tre Executivo, Legislativo e Judiciário pas~-sou a ser considerada indispensável à consti-

'- tuição de uma ordem política liberal e aoideal de um Estado limitado, atendendo àmáxima de que, "pela disposição das coisas,o poder freie o poder'? Embora com pesosdiferentes, França e Estados Unidos orienta-ram-se por esse princípio e promoveram, cadaum a seu modo, a separação de poderes.

Segundo o artigo 16 da Declaração dosDireitos do Homem e do Cidadão da Assem-bléia Nacional Francesa (1789), "toda socie-dade na qual a garantia dos direitos não forassegurada, nem a separação de poderesdeterminada, não tem Constituição". An-tes da França, em 1787, os Estados Unidos

1. Uma brilhante análise desse processo de centralização e racionalização adminisrrativa sob o Antigo Regime,e a conseqüente perda de poder e legitimidade da arisrocracia, foi feira por A1éxis de Tocqueville. VerTocqueville, A. O Antigo Regime e a Revolução. Brasília: Editora UNE, 1997 (4' ed.).

2. Montesquieu. Do &pirito das Leis. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p.156.

já haviam utilizado o mesmo princípio paraformatar aquele que seria o texto consti-tucional mais importante da tradição libe-ral, contando inicialmente com apenas seteartigos estruturados exatamente em torno dafórmula da tripartição dos poderes.'

A primeira e mais importante diferençaentre França e Estados Unidos é que, no pri-meiro caso, a plataforma liberal foi utilizadano combate à monarquia absolutista vigenteno país havia tempos, resultando daí a pro-posta de esvaziamento do Poder Executivo ede fortalecimento do corpo legislativo, prin-cipal representante da soberania popular. Nocaso americano, a experiência da primeiradécada de independência revelou que gover-nos populares não estavam imunes ao arbí-trio, e outras possibilidades de tirania - nãosó aquela promovida por um monarca abso-luto - deveriam ser prevenidas. JamesMadison, em um dos famosos "artigos[ederalistas" (escritos para tentar convenceros cidadãos de Nova York a votar favoravel-mente à promulgação do novo texto consti-tucional), deixou bem claro o motivo da ri-gorosa adoção do princípio da separação depoderes: "o acúmulo de todos os podereslegislativo, executivo e judiciário nas mes-

mas mãos, seja de uma pessoa, de algumasou de muitas, seja hereditário, autodesignadoou eletivo, pode ser justamente consideradoa própria definição de tirania"." Note-se,portanto, que os formuladores da Constitui-ção americana divisaram a possibilidade datirania para além do governo autoritário deum só, chegando a temer sua ocorrência tam-bémsob o governo eletivo de muitos, ou seja,sob o governo dernocrátido da maioria. Poressa razão, e contrariamente ao que fizeramos franceses, os americanos não afirmaram asupremacia do parlamento e, reconhecendoque o corpo legislativo não poderia ficarimune a controles, trataram de imaginar for-mas de limitar o seu poder político.'

As diferentes aplicações práticas da tesede Montesquieu resultaram em definiçõesbastante distintas para o Judiciário, no qua-dro geral da separação de poderes. Na Fran-ça, a idéia de supremacia do Legislativo, bemcomo a profunda desconfiança dos revolucio-nários em relação à magistratura do AntigoRegime, não poderiam ter levado a uma va-lorização do Judiciário como poder de Esta-do. Nos Estados Unidos, a preocupação como direito à propriedade frente à voracidadelegislativa de governos populares acabou

3. A Constituição elaborada pela Convenção da Filadélfia em 1787 (à qual dez novos artigos foram acrescidosna primeira sessão do Congresso em 1791) continha apenas sete artigos: o primeiro dispunha sobre oLegislativo, o segundo sobre o Executivo e o terceiro sobre o Judiciário; o quarto tratava de assuntos fede-rativos e do relacionamento entre os estados; o quinto tratava de procedimentos para votação de emendas àConstituição e os dois últimos esrabeleciam regras de transição para o novo modelo consritucional e suararificaçáo pelos estados.j,

4. Madison, James, Hamilton, Alexander e Jay, John. Os artigos (ederalistas, 1787-1788. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1993. p.331-2.

5. Esse receio teve base real na experiência de caos econômico e social que atingiu os estados americanosindependentes, após 1776. O p.0nto máximo ocorreu precisamente quando os Legislativos locais passarama decretar perdão de dívidas de agricultores falidos, muitas vezes anulando decisôes judiciais favoráveis aoscredores. A generalização de práticas arbitrárias por parte dos legisladores levou os constituintes de 1787 aoreconhecimento de que submeter o poder polírico ao povo não era suficiente, e que medidas adicionais decontenção do órgão representativo dessa soberania popular seriam necessárias. Para uma análise do contex-to histórico e dos motivos principais que levaram à formulação do texto consritucional americano, ver aapresentação de Isaac Kramnick a Os artigos [ederalistas, op. cir., p.1-86.

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elevando o Judiciário à condição de poderpolítico, capaz de se colocar entre o gover-no e o cidadão, na defesa dos direitos indivi-duais deste último (principalmente o direitoà propriedade).

A condição de poder político do Judiciá-rio nos tempos modernos decorre de suacapacidade de controlar os atos normativosdos demais poderes, especialmente as leisproduzidas pelo parlamento. Essa função,conhecida como judicial review ou controlede constitucionalidade das leis, coloca o Ju-diciário em pé de igualdade com os demaispoderes.lexatamente naquela dimensão maisimportante do sistema político: o processodecisório de estabelecimento de normas (leise atos executivos) capazes de impor compor-tamentos. Nos países em que o Judiciário ouum tribunal especial pode ser acionado paraverificar o respeito das leis e dos atosnormativos à Constituição, pode-se dizer queexiste um terceiro poder político de Estado,ao lado do Executivo e do Legislativo. Nospaíses em que essa função inexiste, o Judiciá-rio assemelha-se a um órgão público ordiná-rio, responsável pela importante tarefa deprestar justiça nos conflitos particulares, masincapaz de desempenhar papel político noprocesso decisório normativo. É nesse senti-do que Estados Unidos e França constituemexemplos paradigmáticos de delegação e denão delegação, respectivamente, desse papelpolítico à magistratura.

Na França, o processo revolucionárioiniciado em 1789 desdobrou-se em três tex-tos constitucionais, promulgados em 1791,1793 e 1795. A despeito de refletirem omaior ou menor grau de radicalização dasdiversas fases da revolução, em nenhum de-les o Judiciário recebeu a missão de contra-

lar os atos dos demais poderes e apenas tevevalorizado seu papel de prestador da justiçacomum, civil e criminal. A primeira Consti-tuição, de 1791, fez menção às três funçõesde governo - executivo, legislativo e judiciá-rio - mas manteve o regime monárquico. NoCapítulo V, do Judiciário, o artigo 10 afir-mava que a função judiciária não poderia serexercida nem pelo Legislativo nem pelo Exe-cutivo, mas no artigo 30 deixava absoluta-mente claro que os tribunais não tinham odireito.de suspender a execução das leis. Es-ses dois dispositivos foram recolocados notexto de 1795 (artigos 202 e 203, respecti-vamente), que marcou a retomada burguesado curso revolucionário. Entretanto, das trêsconstituições, a que mais se afastou da idéialiberal de separação e equilíbrio de poderes'foi aquela elaborada pelos radicais jacobinos(1793), considerada pelo historiador inglêsHobsbawm "a primeira constituição genui-namente democrática proclamada por umEstado moderno".6 Pois se assim se deu, cabe"destacar que a primeira constituição demo-

=erâtica moderna não reservou papel políticoao Judiciário. Ao lado do sufrágio universale de outras medidas igualitárias, o texto de1793 estabeleceu a supremacia do parlamen-to como órgão da soberania popular e, combase na idéia rousseauniana da vontade ge-ral, fixou a supremacia da lei: segundo o ar-tigo 4 da declaração de direitos que prece-dia o texto constitncional, "a lei é expressãolivre e solene da vontade geral" e só ela po-deria punir, proteger e estabelecer o que erajusto e útil à sociedade. Ou seja, nenhumaoutra instituição. social ou política poderiacolocar-se entre oEstado e a Nação, entre ocorpo legislativo e a soberania popular, en-tre a vontade geral e o indivíduo. Não havia

6. Hobsbawm, Eric J. A Era das Revoluções. 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 9.ed., 1996. p.87.

espaço, portanto, para que o Judiciário fun-cionasse como poder político intermediárioe órgão controlador dos demais poderes. Éverdade que vários artigos da constituiçãode 1793 foram dedicados às funções da jus-tiça civil e criminal (artigos85 a 100), masnenhum deles autorizava o Judiciário fran-cês a desempenhar outro papel que não o deprestação da justiça nos conflitos entre par-ticulares. Cabe registrar ainda que mesmoos textos mais liberais e menos democráti-cos de 1791 e 1795, bem como o de 1793,estabeleceram o princípio eletivo para cargosda magistratura (até mesmo com mandato,no caso de 1793), o que respondia ao idealrepublicano e antiaristocrático de preenchi-mento das funções públicas nessa fase deredefinição revolucionária do estado francês.

A contraposição entre Estados Unidos eFrança lembra o clássico antagonismo entreLiberdade e Igualdade, que tem no direito àpropriedade sua pedra de toque. Embora osmovimentos revolucionários francês e ame-ricano tenham levantado essas duas bandei-ras, nos Estados Unidos a liberdade ditoumais regras do que a igualdade; na França,as tentativas mais radicais foram no sentidoinverso e, embora não tenham se consolida-do, deixaram marcas duradouras nas institui-ções políticas francesas. Sea pedra de toquedesse antagonismo foi o direito à proprieda-de, as constituições americana e francesas re-fletiram justamente a preocupação maior oumenor com a sua conservação, e é exatamen-te nesse ponto que o Judiciário passou a fazerdiferença. .

Nos Estados Unidos, os formuladores daConstituição de 1787 fizeram do Judiciárioum guardião postado no limiar entre a liber-dade e a igualdade, atribuindo-lhe a tarefa

de zelar pela propriedade contra as investidasda maioria governante. Na França, a ideologiaigualitária impediu que a magistratura pudes-se ter qualquer poder político, muito menos ode interpor-se entre o corpo legislativo e a sobe-rania popular. Nessa perspectiva, a proprie-dade ficaria menos guarnecida, em que pesetenhamos que considerar os riscos impostosà própria liberdade, num cenário em que asoberania popular se vê ilimitada. Robespierre(1758-1794), líder radical e dirigente na fasedo governo jacobino, destacou-se entre ou-tras coisas por sugerir a superioridade do va-lor da igualdade sobre o direito de proprie-dade. Em discurso na Convenção Nacional,em abril de 1793, quando esta se preparavapara elaborar uma nOia constituição,Robespierre criticou as no ões de liberdade eigualdade da primeira dec araçâo de direitosde 1789 e sugeriu uma nova redação para ofuturo texto constitucional:

Ao definir a liberdade, o primei-ro dos bens do homem, o mais sa-grado dos direitos que ele recebe danatureza, dissestes com razão que oslimites dela eram os direitos de ou-trem; por que não aplicastes esseprincípio à propriedade, que é umainstituição social? ,.. Multiplicastesos artigos para assegurar a maiorliberdade ao exercício da proprieda-de, e não dissestes uma única pala-vra para determinar o caráter legíti-mo desse exercício; de maneira quevossa declaração parece feita nãopara os homens, mas para os ricos,para os monopolizadores, para osagiotas e para os tiranos. 7

7. Robespierre, Maximilien. Discursos e Relatórios na Convenção. Rio de Janeiro: Eduerj/Contraponto, 1999.p.88-9 (grifo nosso).

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Na seqüência, Robespierre propõe umanova definição do direito de propriedade,limitado pela "obrigação de respeitar os di-reitos de outrem", chegando a propor, nessemesmo discurso, a introdução do impostoprogressivo na França, por meio do qual osmais ricos pagariam proporcionalmente maisdo que os mais pobres.'

Robespierre, para quem o princípio daseparação de poderes já significava um mo-dismo irrelevante, uma quimera que sempreterminava em flagelo do próprio povo (pelacorrupção e conluio dos políticos de ramosaparentemente separados do governo), de-fendia a supremacia da vontade geral contrao "teatro burlesco" em que se convertia a re-lação entre os poderes. constitucionais." Avontade igualitária de Robespierre, que che-gou a ameaçar a propriedade e que defendiaa soberapia popular como fonte e garantiaúnica de direitos, só não foi maior do que asua determinação em orientar-se pelas razõesde Estado, isto é, aquelas ações indispensá-veis à manutenção do poder político, agrava-das na época pelo contexto interno, de re-volução, e externo, de guerra. No marcanteprocesso de julgamento político de Luís XVI,que culminou com a decapitação do rei em

janeiro de 1793, Robespierre defendeu a dis-tinção entre Direito e Política, argumentan-do que o rei não poderia ser julgado pelasvias do primeiro mas pelas razões de Estadoimpostas pela segunda: "Os povos não jul-gam como as cortes judiciárias; não pronun-ciam sentenças; fulminam; não condenam osreis, mergulham-nos de novo no nada; e essajustiça bem vale a dos tribunais". E, conclu-indo, asseverou: "Luís deve morrer porque épreciso que a pátria viva"."

A experiência francesa da fase do Terrorultrapassou a antítese igualdade versus pro-priedade e deixou lições sobre outra antítese~inda (1lais profunda: liberdade versus po-der. Se, por um lado, a Revolução afastara-se dos princípios liberais em nome de um'republicanismo radical, por outro o exerci-"cio ilimitado do poder político em nome dasrazões de Estado arranhou mais do que o di-reito de propriedade, atingindo gravementea própria liberdade, numa forma inédita deditadura em nome do povo. Não por acaso,

'"dos três textos constitucionais da Revolução,o dessa fase foi o que menos emprestou aoJudiciário o papel de defesa das liberdadesfrente aos poderes políticos. Ao final, a Re-volução retomaria seu curso mais liberal, mas

8. A proposta d~ ~obespierre era a seguinte: "Os cidadãos cujos proventos não excedam aquilo que é necessá-no a sua subsistência devem ser dispensados de contribuir para os gastos públicos; os outros devem sustentá-los progressivamente, segundo a dimensão de suas fortunas". O exemplo do imposto progressivo comoresultado de uma decisão política majoritária que, orientada pelo princípio da igualdade, arranha o direitode propriedade, permanece atual se considerarmos as sucessivas tentativas de instituição desse tipo de co-?rança no Brasil e as derrot~s impostas por decisões judiciais conservadoras do direito de propriedade, queImpedem sua implementação, como no caso do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU em diversosmuni~ípios brasileiros. Robespierre, Maximilien. Discursos e Relatórios ... , op. cit., p.89.Em discurso à ~onvençã?: em 10 d~ maio de 1793, Rob~spierre criticou a fórmula da separação de poderese o npo de dinâmica pol.ltlca perplCI?Sa que ela mtroduzla.: "Que nos importam as combinações que equili-bram a autondade dos tiranos! E a nrarua que se deve extirpar. não é nas querelas de seus senhores que ospovos devem buscar a vantagem de respirar por alguns instantes; é em sua própria força que se deve colocara garantia de seus direitos". Ibidem, p.1 OO-l.Ibidem, p.58 e 64.

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o espírito republicano nãoderxaria de in-fluenciar a política francesa, a despeito dosexcessos cometidos naquela fase radical.

Ninguém percebeu melhor do que Aléxisde Tocqueville (1805-1859) as diferentesorigens dos regimes políticos americano efrancês. Oriundo da pequena nobreza fran-cesa, Tocqueville tivera seus avós maternose uma de suas tias guilhotinados na Revolu-ção, seu pai permanecera preso por um bomtempo e consta que sua mãe mergulhou emdesequilíbrio mental com esses acontecimen-tos. Frente ao que ele chamava de a "granderevolução democrática", uma onda de "cres-cente igualdade de condições" que não só as-solava a França mas tendia à escala mundial,Tocqueville observava o surgimento dessenovo mundo com um misto de temor e admi-ração. Sem compromisso de classe com o pro-jeto burguês, seu olhar liberal-aristocráticolhe permitiu divisar a sociedade burguesacomo uma sociedade em que a crescenteigualdade de condições anulava antigas dis-tinções sociais, mas também levava àmassificação, ao individualismo e à apatiapolítica, constituindo assim ambiente propí-cio à emergência do despotismo.

No seu clássico livro A democracia naAmérica." TocquevilIe procura as razões dosucesso americano em conciliar essa crescen-te igualdade de condições e a manutenção daliberdade individual e política. Dentre elas,TocquevilIe ressaltará a descentralização dosistema político que, por meio da separaçãode poderes, do federalismo e.do autogovernolocal, propiciava ao mesmo tempo incentivosà participação política da comunidade e pro-

teção à liberdade individual dos cidadãos,contra tendências arbitrárias da maioria polí-tica. Mas o contraste com o fracasso francêsem obter o mesmo equilíbrio entre governopopular e liberdade individual fica especial-mente evidente quando Tocqueville destacao papel político do Judiciário americano. Noquadro da separação de poderes, tão valo-rizado nos Estados Unidos e menos consi-derado na França, o Judiciário americanoconstitui para Tocqueville "o mais podero-so e único contrapeso da democracia", jus-tamente por sua capacidade de controlar aconstitucionalidade das leis promulgadas pelamaioria política.

O papel do Judiciário de guardião daConstituição nos Estados Unidos contrasta-va com a sua nulidade política na França,levando Tocqueville a perceber a engenhosasaída americana para o problema da limita-ção do poder político da maioria em gover-nos populares: reservar a decisão final emcasos de conflitos constitucionais a um cor-po especial de magistrados, que dispunhamde razoável dose de independência funcio-nal em pleno regime republicano. Obser-vando mais de perto a magistratura ameri-cana, Tocqueville foi o primeiro a percebera incongruência entre uma sociedadecrescente mente igualitária e a permanência,no âmbito do Estado, de um corpo insuladode funcionários públicos acumulando garan-tias e privilégios incompatíveis com o regi-me republicano. 12 Mas era justamente nessaincongruência que residia a originalidade dosistema político americano, segundoTocqueville: a magistratura independente era

1l. Tocqueville, Alexis de. A Democracia na América. (1835-40) São Paulo: Edusp, 1977.12. A tarefa de julgar com independência levou o Judiciário a gozar de garantias especiais como a vitaliciedade

(permanência no cargo por tempoindeterrninado ou até alguma idade limite para aposentadoria compulsó-ria), a irredutibilidade de vencimentos e, em alguns lugares, a impossibilidade de sofrer transferência delocal de atuação sem tê-Ia solicitado .(inamovibilidade).

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a última barreira às paixões democráticasdesenfreadas, e sua autonomia poderia serconsiderada condição de sobrevivência, nolongo prazo, do próprio regime republicano,sujeito a investidas constantes da maioria polí-tica contra os direitos de liberdade.

Idealizando a antiga liberdade sob a so-ciedade aristocrática - não a liberdade bur-guesa, individualista, mas a defendida pelanobreza, vinculada mais a valores como ahonra e aglória - Tocqueville não teve dúvi-das er apresentar a magistratura america-na, juntamente com os advogados, como umaespécie de nova aristocracia. Como estives-se se reencontrando com a classe social deseus antepassados, destruída na França pela -Revolução, Tocqueville realiza um daqueles"achados" analíticos decisivos para a inter-pretação da formação histórico-política dasmodernas democracias liberais: "se me per-guntassem onde situo a aristocracia ameri-cana, responderia sem hesitar que não o façoentre os ricos, que não possuem nenhum laçocomum que os assemelhe. A aristocraciaamericana está no banco dos advogados e nacadeira dos juízes"."

A analogia de TocquevilIe não se detinhana função antidemocrática da magistraturaou no fato de os juízes gozarem de garantiase privilégios quase aristocráticos, mas che-gava até os hábitos e costumes dessa classeespecial:

Por isso, encontramos, ocultano fundo da alma dos juristas, umaparte dos gostos e dos hábitos daaristocracia. Como ela, têm um ins-

tintivo pendor para a ordem, umamor natural pelas formas; assimcomo a aristocracia, concebem umgrande desgosto pelas ações da mul-tidão e, secretamente, desprezam ogoverno do povo. 14

Tocqueville enunciaria ainda outros tra-ços peculiares da magistratura, pelos quaisela passaria a ser conhecida e criticada daípor diante, como o conservadorismo:

Na América, não existem nobresnem literatura, e o povo desconfia dosricos. Por isso, os juristas constituem aclasse política superior e a porção maisintelectual da sociedade. Assim, nãopoderiam senão perder, ao inovar; issoacrescenta um interesseconservador a~gosto natural que têm pela ordem. 15

Ou ainda a morosidade e outros aspec-tos que caracterizam o funcionamento da

_ Justiça, em comparação com as tendências'--·'-do povo, expostos por Tocqueville na forma

de dicotornias:

Aos seus [do povo] instintos de-mocráticos, [os [uizes] opõem se-eretamente os seus pensadores aris-tocráticos; ao seu amor à novidade,o seu supersticioso respeito a tudo oque é antigo; à imensidade de seuspropósitos, as suas vistas estreitas, aoseudesprezo às regras, o seu gostopelas formas; e ao seu ardor, o seuhábitode proceder com lentidão. 16

13. Ibidem, p.206.14. Ibidern, p.201.15. Ibidern, p.206.16. Ibidern, p,206-7.

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Por fim, Tocqueville menciona as dificul-dades enfrentadas pelo Judiciário america-no, sobretudo nos estados, para sustentar suacondição de poder independente de contro-les políticos nos marcos de um governo po-pular, particularmente as tentativas de remo-ção de juízes de seus cargos ou sua escolhapela via eleitoral. "Ouso prever", completao autor, "que tais inovações terão, mais cedoou mais tarde, resultados funestos, e que umdia se perceberá que, diminuindo assim aindependência dos magistrados, não somen-te se ataca o poder judiciário, mas a própriarepública democrática". 17 Em outras pala-vras, um corpo anti-republicano ou aristo-crático cumprindo a função de anti-corpo dademocracia, combatendo prontamente a ti-rania da maioria. Retirar-lhe a independên-cia seria - segue a metáfora orgânica - en-fraquecer o sistema imunológico, abrindoespaço às viroses democráticas.

Em resumo, as experiências americana efrancesa nos legaram dois modelos distintosde Judiciário, ambos passíveis de aplicaçãona democracia, apesar de imperfeitos. Noprimeiro caso - e em todos os países quetomaram os Estados Unidos como exemplo- o Judiciário cumprirá a importante funçãoliberal de conter a vontade política majori-tária, mas a condição não repnblicana damagistratura enfrentará de tempos em tem-pos tentativas de redução de sua indepen-dência quase aristocrática, especialmentenas situações em que o Judiciário assumirposição mais agressiva no controle dos atosnormativos das maiorias políticas represen-tativas. No segundo caso - e nos demais paí-ses em que o Judiciário restringe-se a pres-

tar justiça nos conflitos particulares - nãoencontramos essa nova aristocracia no seioda república mas ouvimos em contrapartidaqueixas recorrentes sobre a ausência de umguardião independente da Constituição esobre a sujeição completa da sociedade àvontade política da maioria governante.

2. A expansão do Judiciáriono século XX: justiça comume papel político

Ao longo do século XX, o Judiciário pas-sará por um significativo processo de expan-são em suas duas funçõef principais, tanto ade prestação da justiça comum quanto a decontrole de constitucionalidade das leis e dosatos normativos. Evidentemente, essa duplaexpansão não será linear nem homogênea,considerando a diversidade de regimes de-mocráticos existentes e as grandes fases po-líticas e econômicas que marcaram o séculoXX.

2.1 A expaneão do controleconstitucional das leis

Na dimensão política, os estudos sobre otema do controle constitucional demonstramcomo o princípio da revisão judicial das leisfoi sendo crescentemente adotado por váriospaíses," especialmente com a promulgaçãode novos textos constitucionais no século XX,muito mais substantivos e rígidos do que osproduzidos no século XIX.

Nesse processo, a experiência dos Esta-dos Unidos seguiu dando o exemplo, levan-do alguns países a copiar o seu modelo e

17. Ibidcrn, p.207. .. . ..18. Ver, nesse sentido, Cappelletti, Mauro. O controle judicial de constítucionalidade das leis no direito compa-

rado. Porto Alegre: Fabris, 1984.

-89

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outros a buscar alternativas de controle cons-titucional ainda mais inovadoras, capazes decorrigir alguns inconvenientes do sistemaamencano.

No início do século XX, a Suprema Cor-te dos Estados Unidos já era bastante co-nhecida por suas decisões declarando ainconstitucionalidade de leis, especialmenteaquelas relacionadas à intervenção do gover-no na economia. Segundo Baum, "nos anos20, a Corte Suprema declarou incons-titucionais mais de 130 leis regulamentadoras[econômicas]"." O ponto máximo dessa tra-jetória de auto-afirmação da Suprema Corteno âmbito do sistema político americano sedeu, não sem grave desgaste para o própriotribunal, no processo de implementação dochamado New Deal, projeto de recuperaçãoeconômica planejado pelo presidenteFranklin Roosevelt após a grande crise docapitalismo em 1929. .,

Colocando-se contra o programa econô-mico New Deal, a Suprema Corte tornou vá-rias decisões entre 1935 e 1936, anulandodispositivos legais propostos pelo presidentee aprovados pelo Congresso. Reeleito pormaioria esmagadora em 1936, Roosevelt in-vestiu contra o tribunal, propondo ao Con-gresso que ampliasse o número de seus mi-nistros de 9 para 15, pois assim ele poderiaindicar um número suficiente de juízes quedessem apoio ao programa econômico.Numa mudança que ficou conhecida como"the switch in time that saved nine",2° doisjuízes - incluindo o então presidente do tri-bunal, Hughes - alteraram seus votos e pas-saram a confirmara validade constitucionalda legislação introduzida pelo governo. Di-

ante desse fato, e associado aos pedidos deaposentadoria de alguns juízes conservado-res, Roosevelt pôde, segundo Baum, nomearnovos ministros sem a necessidade de alte-rar o número de cadeiras do tribunal.

A partir da década de 1950, especialmen-te sob a presidência de Earl Warren (1953-1969), a Suprema Corte americana iniciariauma nova fase, destacando-se dessa vez porsucessivas decisões com forte impacto naampliação dos direitos civis. Um'dos princi-pais marcos dessa fase foi o julgamentoBrown versus Junta de Educação, pelo quala Corte condenou a política de segregaçãoradal das escolas, sobretudo do sul do país,

"e obrigou o sistema escolar a integrar ne-gros e brancos nas mesmas instalações. A

. partir dessa decisão, segundo Baum, várias~·outras viriam garantir o direito dos negros aacesso igualitário a serviços públicos nosEstados Unidos. Essa grande fase da Supre-ma Corte não ficaria restrita à questão ra-.cial, mas ampliaria também os direitos civisem várias outras frentes: na área da justiça

'- ~'riminal e na proteção individual em rela-ção à atuação policial, no exercício da liber-dade de expressão e em outros temas con-troversos corno o aborto, marcando umativismo judicial liberalizante por parte dotribunal. Os Gráficos 1 e 2 demonstram nãosó o vertiginoso crescimento do número decasos apreciados pela Suprema Corte no sé-culo XX como, nos processos de controle deconstitucionalidade das leis, ficam evidentesessas duas grandes fases de atuação do tribu-nal, em que as questões econômicas da pri-meira rrietade do século deram lugar às ques-tões relacionadas a direitos civis na segunda.

19. Baum, Lawrence. A Suprema Corte Americana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987. pAl.20. Ver Baum, L., op. cit., pA3.

GRÁFICO 1. Número de processos iniciados na Corte Suprema americana, aintervalos de cinco anos (1943-1983).

4500

4000

3500

<li 3000o<li

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e 2000.,E." 1500z

1000

500

Fonte: Baum, L., op. cit., p.161.

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Anos, a cada 5

GRÁFICO 2. Número de leis econômicas e referentes às liberdades civis (federais,estaduais e municipais) revogadas pela Corte, por década.

180

160

140<li 120o~o 100~-eo 80i;E." 60z

40

20

o1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970

Décadas

Fonte: Baurn, L., op. cit., p.280.

I--Ieis econômicas" .. .. leis civis I

----_ ....•-.. :

91

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Desde que a Suprema Corte foi coloca-da na condição de poder proferir a últimapalavra sobre questões gerais da sociedadeamericana, as possibilidades e limites dessearranjo institucional têm sido objeto de po-lêmica, justamente pela delicada interfaceque esse sistema estabelece entre o direitoe a política, entre a perspectiva liberal queimpõe freios à vontade majoritária e a pers-pectiva democrática que reivindica a legiti-midade das decisões políticas como exclu-sividadel dos órgãos representativos da so-berania popular.

A experiência da Corte nas décadas de1920 e 1930 e sua oposição sistemática àspolíticas governamentais do períodoRoosevelt ensejaram fortes críticas diante dapossibilidade de disrorção dos princípios dogoverno popnlar que, segundo expressão deum analista francês da época ~ cunhada an-tes mesmo do agravamento da crise entre otribunal e o presidente - estaria degeneran-do em um "governo dos juízes";"

Na Europa, no início do século XX, erampoucos os países que tinham escapado à in-fluência republicana francesa e introduzidoo mecanismo da revisão judicial das leis. Em-bora não mencionada na seção anterior, tam-bém a Inglaterra constituía um importanteexemplo de que era possível sustentar o re-gime democrático sem esse tipo de controle,uma vez que lá predominara, na passagemdo absolutismo ao estado liberal, a tese da"supremacia do parlamento", isto é, da im-possibilidade de que decisões legislativaspudessem ser revistas por outros órgãos à

luz de alguma norma superior que, a rigor,nem existia na Inglaterra onde, até hoje, nãoencontramos um documento escrito que sepossa chamar de Constituição.

Essa situação seria significativamentealterada após a Segunda Guerra Mundial,quando a retomada do regime democráti-co em vários países passou a admitir oprincípio liberal de controle de constitucio-nalidade das leis. Na verdade, o primeiropasso nesse sentido já havia ocorrido em1920, quando na Áustria uma nova consti-tuição introduziu o controle constitucional,sob.a influência do eminente jurista HansKelsen.

O modelo austríaco, que seria estendidoa outros países europeus após a Segunda.Guerra, era bem diferente do sistema ameri--cano.P Nos Estados Unidos, todos os juízesque integram o Poder Judiciário têm capaci-dade para declarar a inconstitucionalidadedas leis e dos atos norma tivos, no julgamentode casos judiciais concretos. Nesse modelo,

-classificado como difuso pela bibliografia es-pecializada, eventuais conflitos entre a leie aConstituição não são levados diretamente àSuprema Corte mas lá apenas ingressam pelavia dos recursos oriundos das instâncias infe-riores do Judiciário. A Suprema Corte só sedestaca como guardiã da Constituição graçasà força vinculante de sua jurisprudência e aocaráter terminativo prático de suas decisões,mas é importante destacar que ela não detémo monopólio da interpretação constitucio-nal das leis e divide essa competência comas diversas instâncias do Judiciário, num

2 L Lambert, Edouard. Le gouuernement des juges et Ia lutte contre Ia législation sociale aux États-Unis: l'expérienceaméricaine du contrôle judiciaire de Ia constitutionnalité des lois. Paris: M. Giard & Cie, 192L

22. As considerações que se seguem, a respeito desses diferentes sistemas, estão baseadas em trabalho anterior:Arantes, Rogério Bastos. Judiciário e Política no Brasil. São Paulo: Idesp/Surnaré/Educ, 1997.

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Isistema que também é chamado de descen-tralizado. Além disso, a função de revisãojudicial se vê reforçada pelas garantias de in-dependência do Judiciário, tais como a vita-liciedade, da qual gozam até mesmo os mi-nistros da Suprema Corte."

Na Áustria, o controle constitucional foiintroduzido como monopólio de um tribu-nal especial, mais conhecido como CorteConstitucional. Ao contrário do modelodifuso, esse tribunal tem competência parajulgar a própria lei, provocado por ação dire-ta que questiona a sua constitucionalidade,não havendo possibilidade de outros órgãosjudiciais realizarem o controle constitucio-nal de maneira descentralizada."

O sistema austríaco, também chamadode concentrado, serviu de modelo para ospaíses europeus que, no pós-guerra, decidi-ram incorporar o princípio do controle cons-titucional das leis à democracia política. As-sim foram os casos de Itália e Alemanha, ondeas experiências do nazismo e do fascismolevaram os formuladores das constituiçõesde 1947 e 1949, respectivamente, a intro-duzirem mecanismos de controle do poderpolítico, entre eles um tribunal especial parajulgar a constitucionalidade das leis.

Apesar dessa intenção marcadamente li-beral, o modelo das cortes constitucionais

concentradas procurou evitar os males do sis-tema americano, cuja descentralização da re-visão judicial e o alto grau de insulamento damagistratura por vezes ameaçavam levar àindesejável situação de "governo dos juízes".Contra essa possibilidade, causada pela fór-mula judiciária de revisão constitucional, osistema concentrado procurou estabelecerum melhor equilíbrio entre a função liberalde controle das leis e a vontade política ma-joritária, justamente por meio de uma maiorpolitização da composição das cortes consti-tucionais, e de restrição do número de agen-tes legitimados a promover ação perante otribunal. Assim, além do mOflOpólio da de-claração de inconstitucionalidade, afastandoos órgãos judiciais e suas diversas instânciasda possibilidade de intervir em questõesmacropolíticas, a composição das cortes e suaposição no arranjo institucional de Poderescontribuem para o reconhecimento da di-mensão política de suas funções. As cortesconstitucionais são órgãos separados do Po-der Judiciário, não coincidindo com seus tri-bunais superiores. As formas de investi durano cargo são mais politizadas, em geral com-binando a participação do presidente da Re-pública e do Poder Legislativo na escolha dosintegrantes da corte. Também a fixação dosmandatos dos ministros, embora muitas

23, No caso da Suprema Corte, a vitaliciedade compensa o fato de os ministros serem indicados pelo presidenteda República e aprovados pelo Senado, Se essa forma de indicação permite algum grau de politização noprocesso de escolha, no longo prazo, a inexistência de mandato fixo e as garantias de exercício do cargotendem a neutralizar aquela influência política inicial. Isso não significa que ministros escolhidos por seremmais conservadores ou mais liberais - refletindo a maioria política da época - deixem de sê-lo com o passardo tempo, mas, se a hipótese mais rasteira de que o seu comportamento refletirá uma espécie de "dívidapessoal de gratidão pela indicação" tem alguma importância, ela não parece resistir no longo prazo à inde-pendência adquirida pelo juiz após a posse, .

24. Em países que adotam esse modelo, processos na justiça comum podem até suscitar uma questão constitu-cional. Entretanto, os juízes são obrigados a suspender esses casos e requerer da Corte Constitucional (quedetém o monopólio) uma decisão sobre a questão levantada. Os órgãos judiciais comuns nesses países náopodem decidir sobre a (in)constitucionalidade das leis que se aplicam aos casos concretos que estão exa-minando.

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vezes longos, baseia-se na idéia de que oexercício da função deve ser submetido àavaliação periódica do corpo político, alémde indicar que a interpretação da Constitui-ção pode mudar com o tempo. Por fim, adimensão política é ainda reforçada pelarestrição do número de agentes que podemacionar o tribunal constitucional, geralmen-te restrito ao presidente, aos governos esta-duais (se houver), e a uma fração - em geralum terço - dos membros do Parlamento.

Note-se, portanto, que a conversão depaíses europeus a um modelo mais liberalde democracia não chegou a ponto de entre-gar difusamente ao Judiciário a capacidadede controlar a constitucionalidade das leis, -como nos Estados Unidos, muito menos sig-nificou um mergulho na ilusão de que talfunção pode ser considerada meramente jurí - :..dica: as cortes constitucionais do modelo con- -centrado são órgãos reconhecidamente polí-ticos e, estando apenas um pouco mais insu-lados por garantias e privilégios, operamcomo uma espécie de legislador às avessas,negando validade às leis que consideram in:-~~'compatíveis com a Constituição.

Uma segunda onda de liberalização deregimes políticos nas décadas de 1970 e 1980daria novo impulso à expansão da funçãopolítica de controle de constitucionalidade dasleis, tanto na forma difusa norte-americanacomo na forma concentrada européia. Foiassim em países como Portugal e Espanha que,ao dissolverem regimes ditatoriais no finaldos anos 70, recorreram à criação de siste-mas de controle constitucional por meio denovas constituições em 1976 e 1978, respec-tivamente. Poucos anos depois, quando essaonda liberalizante atingiu a América Latina,vários regimes militares autoritários deramlugar a democracias liberais, que restabele-ceram o funcionamento normal do Judiciá-rio e, com isso, permitiram a retomada do

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sistema difuso de revisão judicial que aqui ha-via sido adotado por alguns países, sob influ-ência do modelo norte-americano.

Entre os extremos das fórmulas difusa econcentrada de controle constitucional, hou-ve países que buscaram estabelecer combi-nações entre elas, dando origem a sistemasmistos ou, como parece singularizar o casobrasileiro, um sistema híbrido.

No Brasil, embora a primeira Constitui-ção republicana de 1891 tenha copiado omodelo di fuso americano, várias mudançasinspiradas no sistema concentrado europeuforam feitas pelas constituições posteriores,'a ponto de transformar nosso sistema decontrole constitucional em um sistema hí-brido, bastante singular no quadro do di-reito comparado. Com a redernocratizaçãodo país nos anos 80, tanto a dimensãodifusa do controle constitucional quantoo mecanismo de ação direta perante o Su-premo Tribunal Federal foram retomadose ampliados sem, contudo, estabelecer-seuma clara predominância das declaraçõesde inconstirucionalidade do STF sobre asinstâncias inferiores do Judiciário.

Hoje, graças à Constituição de 1988,nosso sistema não é apenas difuso porquecontamos com o mecanismo da ação dire-ta de inconstitucionalidade, patrocinadajunto ao Supremo Tribunal Federal- STF,que pode anular ou ratificar a lei em si.Desse ponto de vista, o STF é quase umacorte constitucional. O sistema também~o é apenas concentrado porque o STFnão detém o monopólio da declaração de(inlconstitucionalidade, dividindo essa com-petência com os juízes e tribunais inferioresde todo o país que, se não chegam a anular alei, podem afastar sua aplicação em casosconcretos. Desse ponto de vista, quandoo STF recebe recurso das instâncias infe-riores em questões constitucionais ele se

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manifesta apenas como órgão de cúpula doJudiciário e suas decisões valem apenaspara aqueles casos particulares. Foi essadisjuntiva entre o lado difuso e o lado con-centrado do sistema brasileiro que, nos anos1990, suscitou propostas de introdução dachamada força vinculante nas decisões doSTF, sobre as instâncias inferiores do Judi-ciário, bem como de mecanismos de abre-viação dos conflitos constitucionais relevan-tes, para que sejam remetidos rapidamenteao STF, para apreciação definitiva e válida:para todo o país (avocatória ou incidente deinconstitucionalidadc)."

Além da descentralização típica do mo-delo difuso, o sistema híbrido brasileiro tor-nou-se extremamente acessível também pelavia direta, na medida em que a Constituiçãode 1988 ampliou de um para nove os agen-tes legitimados a fazer uso da Ação Diretade lnconstitucionalidade perante o SupremoTribunal Federal. Antes restrita ao Procura-dor-Geral da República, a lista de agenteslegitimados a propor ação direta tornou-seuma das mais generosas do mundo, ultrapas-sando até mesmo os países de modelo pura-mente concentrado: o artigo 103 da Consti-tuição menciona:

I - o Presidente da República; 11- a Mesa do Senado Federal; III - aMesa da Câmara dos Deputados; N~ a Mesa de Assembléia Legislatiua[portanto, de 27 estados); V - o Go-

vernador de Estado [idem]; VI - o Pro-curador-Geral da República; VII - oConselho Federal da Ordem dos Ad-vogados do Brasil; VIII - partido po-lítico com representação no Congres-so Nacional [cerca de 20, hoje}; IX -confederação sindical ou entidade declasse de âmbito nacional [númerodesconhecido} .

Os-efeitos dessa descentralização podemser vistos nos Gráficos 3 e 4, que mostram ocrescimento do número de Recursos Extra-ordinários e de Ações Diretas de lncons-titucionalidade, respectivamente. Por meiodos primeiros, chegam ao STF os casos con-cretos envolvendo questões constitucionaisdecididas em instâncias inferiores do Judiciá-rio (recurso proveniente do lado difuso dosistema). Por meio das Adins, faz-se o con-trole constitucional direto.

De acordo com Gráfico 3, os conflitosconstitucionais, que pela via difusa chega-ram ao STF, triplicaram de volume entre1990 e 2002, crescendo especial e parado-xalmente após 1997, quando o país pareciater atingido razoável grau de estabilidade po-lítica e econômica com o governo FernandoHenrique Cardoso." Entre as Adins, comomostra o Gráfico 4, a década de 1990 come-çou e terminou com cerca de 250 ações porano, nunca tendo experimentado menos doque 150 processos anuais. Dado surpreen-dente ocorreu no primeiro ano do governo

25. Analiso essas propostas de reforma, algumas já aprovadas e outras ainda em tramiração no Congresso Nacio-nal, no capítulo "Jurisdição Política Constitucional", em Sadek, Maria Tereza (Org.). Reforma do Judiciário.São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001, e no capítulo "Consensos e dissensos na reforma constitucionaldo Judiciário", em Pinheiro, Armando C. Reforma do Judiciário. Problemas, desafios e perspectivas. SãoPaulo: Idesp / Rio de Janeiro: Book Link, 2003.

26. É preciso considerar que o Recurso Extraordinário marca a chegada do processo na última instância doJudiciário, sendo ainda difícil, pelos dados disponíveis, saber há quantos anos essas ações estavam tramitan-do na Justiça. Seja como for, é a partir de 1997 que o volume de REx pula de cerca de 15 mil para 35 mil.

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16

GRÁFICO 3. Recursos Extraordinários distribuídos para julgamento no STF(1990-2003).

50000

45000

40000

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30000

2rOOO20000

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Lula, quando o número de Adins saltou paramais de 300 ações e manteve-se relativamen-te elevado nos anos seguintes, embora comtendência de queda em direção ao patamarmédio anterior.

Quando se observa o número de açõespor proponentes, num total de cerca de 2.590entre os anos de 1988 e 2001, destacaram-se como autores os governadores de estadoe as confederações sindicais de âmbito nacio-nal (ambos com 26,30Al), seguidos pelos par-tidos políticos (21,2%) e pelo Procurador-oGeral de Justiça (19,5%). Vianna et al. jáhaviam revelado esse padrão em estudo queanalisou as Adins do período 1988-1998, epode-se afirmar que esses resultados indi-cam que o STF veio atuando em duas di-mensões principais, desde a Constituição de1988: a corte representa espaço importan-te de oposição das confederações sindicaise partidos políticos insatisfeitos com a pro-dução legislativa e também funciona comotribunal da federação, pela quantidade sig-nificativa de ações promovidas por gover-nadores contra, principalmente, leis produ-

19901991 19921993 19941995 1~96 1997 1998 1999 2000 200120022003 '

zidas no próprio estado, pelas AssembléiasLegislativas."

Embora legitimados a propor Adins,presidente(s) da República e mesas do Sena-do Federal e da Câmara dos Deputados pas-saram mais de 15 anos sem fazer uso dessemecanismo de controle constitucional, numclaro indício de que as leis promulgadas nesseperíodo, como expressão da vontade majo-ritária, atenderam aos interesses das duascâmaras'legislativas e do Poder Executivo."

Em contrapartida, por 2.590 vezes o STFfoi acionado diretamente pelos desconten-tes com as legislações fede1al e estaduais, en-quanto milhares de procissos envolvendotambém questões constitucionais chegavamao tribunal pela via difusa, colocando-oindubitavelmente na condição de poder políti-co de Estado, responsável pela função liberalde resguardar a Constituição contra os atosnormativos do Executivo e do Legislativo."

Em resumo, diante dos dois grandesmodelos constitucionais discutidos na pri-meira seção deste capítulo, o caso brasileirodistancia-se do republicanismo democrático

27. Vianna, Luiz Werneck, Carvalho, Maria Alice R., Melo, Manoel P.c., Burgos, Marcelo B. A [udicializaçãoda política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. Os autores revelam que quase 90%das 507 Adins propostas por governadores de estado visavam obter a declaração de inconstitucionalidadede leis promulgadas pelas respectivas Assembléias Legislativas estaduais.

28. Somente em 2005, o presidente da República e a Mesa do Senado Federal propuseram suas primeiras Adinsao STF. Em 2006, o presidente fez uso desse instrumento por três vezes.

29. Analisamos aqui a dimensão política da atuação do Judiciário brasileiro, por meio do mecanismo específicodo controle de constitucional idade das leis. Isso não significa que um conceito mais amplo de função políticanão fosse capaz de abranger outros tipos de ações judiciais, especialmente no âmbito do STF. Um excelenteexemplo nesse sentido provém do exame que-Koerner realizou sobre a importância política dos processosde babeas-corpus envolvendo políticos durante a República Velha (1889-1930), especialmente no âmbito doSTF, e suas conexões com a política oligárquica da época. Koerner, Andrei. Judiciário e Cidadania na Cons-tituição da República. São Paulo: Hucitec/Departarnento de Ciência Política da USp, 1998. Outro trabalhosobre processos de habeas-corpus no STF, que ressalta seu papel político no período de instalação do regimeautoritário pós-1964, é o de Vale, Osvaldo Trigueiro do. O Supremo Tribunal Federal e a instabilidade poli-tico-institucional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. Recentemente, cobrindo uma grave lacunada historiografia brasileira - a falta de estudos sobre o Poder Judiciário - Ernília Viotti da Cosra elaborouuma ampla história do STF, da sua criação em 1890 até a Constituição de 1988, explorando suas relaçõescom a sociedade e a política ao longo das diversas fases da história republicana brasileira. Costa, EmiliaViotri da. O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania. São Paulo: IEJE, 2001.

Fonte: Banco NacionaldeDados dó PoderJudiciário. Supremo Tribunal Federal. (www.stf.gov.br)

GRÁFICO 4. Ações Diretas de Inconstitucionalidade no STF (1988-2005)

200

150

100

50

o~#~~~~~~~~~*~~~~~~~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~

Fonte: Banco Nacional de Dados do PoderJudiciário. Supremo Tribunal Federal. (www.stf.gov.br)

97

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e adota fortemente o princípio liberal decontenção da maioria política, por meio deum sistema ultradescentralizado de controleconstitucional, que permite às minorias po-líticas exercer poder de veto, invocando aConstituição contra leis e atos normativosdos Poderes Legislativo e Executivo. Se con-siderarmos - adotando a terminologia deLijphart (2003) - que o processo político-decisório no Brasil contempla a participaçãode uma grande variedade de atores e arenasinstitucionais (separação de poderes entreExecutivo e Legislativo, duas câmaraslegislativas com poderes simétricos no Con-gresso Nacional, multipartidarismo exacer-bado e federalismo razoavelmente descen-tralizado), devemos acrescentar a essas variá-oveis o sistema de controle constitucionalcomo uma das principais formas de recursodas minorias políticas representativas, con-tra decisões políticas majoritárias, reforçan-do ainda mais o perfil consociativo do nossosistema político." Aprofundando a análisedesse papel do judiciário brasileiro, Taylorargumenta que ele constitui importante vetop oint+' no sistema institucional: "byproviding veto points to select polítical

actors, ir gives them greater voice andleverage over policy than might otherwisebe the case, in some cases enabling them toact as veto players even when they mightotherwise be unable to do so elsewhere inthe political system. "32 Na visão deste autor,a presença ativa do Judiciário também teriapossibilitado a correção e legitimação dasdecisões governamentais durante o períodode grandes reformas econômicas dos anos 90.

2.2 Estado social. ampliação doacesso à Justiça e expansão.do Judiciário

- Se pela via da proteção da liberdade. osJudiciários de diferentes países tenderam a seexpandir com a instalação de novos regimesYberal-democráticos no século XX, tambémpela via da promoção da igualdade alguns de-les vão conhecer um tipo inesperado de ex-pansão, que escapa à perspectiva liberal enão diz respeito à proteção judicial das mino-rias políticas: refiro-me à transformação do

'}~é!iciário em instância de implementação dedireitos sociais e coletivos, especialmente nasegunda metade do século XX.

30. o modelo consociatiuo opõe-se ao modelo majoritário, no qual as maiorias políticas são formadas com maisfacilidade e onde elas governam sem tanta resistência. Segundo Lijphart, seriam características desse segun-do modelo o parlamentarismo, o Legislativo unicameral, o bipartidarismo, o estado unitário e a ausência decontrole constitucional das leis. No Brasil, análises recentes têm procurado mostrar como o instrumento daMedida Provisória e o relativo controle da agenda legislativa por parte do Pode~ Executivo compensam o altograu de fragmentação consociativa do sistema político. O que essas análises ainda não contabilizaram é o custode governabilidade democrática de um modelo como esse e, do ponto de vista dos resultados substantivos, aquem ele beneficia. Lijphart, A. Modelos de democracias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.Sweet nos oferece uma boa formulação de vetopoint em sua na análise do papel desempenhado por cortesconstitucionais éuropéiasrra veto point is a formally organized oportunity for opponents of the governingmajority to blocklegislative provisions they do not like from becoming law. Absrracr review comprises onesueh veto point: oppositions can refer legislation to eonstiruional judges; neirher rhe government nor rheparlamienrary majority can block rhis referral; and constitucional court can veto rhe bill as unconsritutional."Sweer, Alee Stone. Governing with judges. Constirutional polirics in Europe. Oxford: Oxford UniversiryPress, 2000. p.53Taylor, Matthew Macleod. ActivaringJudges: courrs, insrirutional strucrure, and the judieializarion of policyreform in Brazil, 1988-2002. PhD Disserration, Georgetown University, Washingron, D.C., 2004. p.154.

31.

32.

Há pelo menos dois enfoques principaisacerca desse tipo de expansão do Judiciário,não excludentes e até mesmo complementa-res. O primeiro, mais sociológico, associa a ex-pansão do Judiciário e suas dificuldades atuais,respectivamente, ao desenvolvimento e crise dochamado Estado de Bem-Estar Social no sécu-lo XX. O segundo, mais institucional, associaa expansão do Judiciário à ampliação do aces-so à Justiça para direitos coletivos, especial-mente a partir da década de 1970.

Um dos principais representantes da pri-meira tese, Boaventura de Sousa Santos ar-gumenta em vários de seus trabalhos" queo desenvolvimento do Estado Social- tam-bém chamado de Estado Providência - apósa Segunda Guerra Mundial levou a mudan-ças significativas no mundo do Direito eda Justiça. Marcado pelos princípios dointervencionismo econômico e da promoçãode bem-estar social, essa nova forma de Esta-do desencadeou a produção de leis constitu-cionais e ordinárias muito mais substantivasdo que as produzidas sob o modelo liberalclássico, carregadas de direitos sociais e eco-nômicos como educação, saúde, trabalho, se-gurança social e outros. Nessa perspectiva, oEstado deixa de ser apenas o responsável pelamanutenção da ordem e garantia das liberda-des e passa a instrumento de redução das de-sigualdades sociais, por meio da intervençãoeconômica e da prestação de serviços públi-cos cada vez mais abrangentes.

Segundo Santos, essas transformaçõeslevaram o Judiciário a assumir um novo pa-pel: antes restrito à função de aplicação dasleis nos conflitos particulares, o Judiciário

passa a ser acionado para dar efetividade prá-tica a essa nova legislação social, muito maissubstantiva do ponto de vista dós direitos decidadania. Embora não se trate de um pro-cesso linear nem livre de contradições (bastalembrar o problema da escassez de recursosque impede a implementação total desses di-reitos, os conflitos entre a visão jurídica e avisão político-administrativa sobre a eficáciadessas novas leis, as dificuldades de um judi-ciário tipicamente liberal de se adaptar à pro-moção de direitos de igualdade, entre ou-tras), Santos destaca que

a juridificação do bem-estar so-cial abriu caminho para novos camposde litigação nos domínios trabalhista,civil, administrativo e da segurançasocial, o que, nuns países mais do quenoutros, veio a se traduzir no aumentoexponencial da procura judiciária e naconseqüente explosão da litigiosidade."

Da mesma forma, segundo essa perspecti-va sociológica, a crise que se abateu sobre oEstado-Providência no fim dos anos 70 e iní-cio dos 80 afetaria também o Judiciário, agra-vando o sentido de suas novas atribuiçõesna área dos direitos sociais, O problema cen-tral é que os Estados perderam boa partede sua capacidade de promoção do bem-estar social, cedendo a processos de refor-ma orientados pela ideologia neoliberal(privatizações, desregulamentação da econo-mia, diminuição dos gastos sociais e redu-ção do déficit público, para garantir o equi-líbrio fiscal e combater a inflação). Quanto

33. Uma boa síntese desse argumento pode ser encontrada em Santos, Boaventura de Sousa [et al.], "Os tribu-nais nas sociedades contemporâneas", Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.30, fev. 1996, p.29-62.

34. Ibidem, p.34-5.

_____ .,..•.•. ,"""'

99

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ao Judiciário, que se havia expandido na faseanterior justamente para participar daimplementação da legislação social, em vezde retroagir na mesma proporção que o Es-tado social em crise, viu-se ainda mais exigi-do nesse contexto dúbio de escassez de re-cursos públicos e de direitos legislados abun-dantemente. Se na fase anterior já era difícilgarantir a efetividade desses direitos pela viajudicial, agora a situação de crise do Estadotorna o quadro mais dramático, combinan-do elevação das demandas e baixa capacida-de de resposta do Judiciário.

Embora não caiba aqui uma discussãodetalhada de outras mudanças recentes queafetaram a função judiciária, vale destacarque a perspectiva sociológica enfatiza novosfenômenos que influenciam de uma manei-ra ou de outra a atividade judicial, tornan-do-a bem mais complexa: a crise dos meiostradicionais de representação política e arevalorização da sociedade civil, até mesmocomo espaço de produção de bens coletivosnão mais realizados pelo Estado; aglobalização e seus efeitos sobre a produçãoe implementação do Direito em suas diver-sas áreas; o agravamento de problemas quecolocam em risco as instituições e a esferapública de um modo geral, tais como acorrupção e o crime organizado. Além dis-so, o Judiciário se vê desafiado também pordemandas de novos movimentos sociais,muitas vezes articulados em defesa de direi-tos de minorias ou de causas novas como asambientais e dos consumidores, ou ainda pelarevalorização dos mercados e das relaçõesautônomas entre agentes econômicos, que

têm no Judiciário o sustentáculo da segurançajurídica dos contratos.

A segunda perspectiva de análise quedescreve a expansão do Judiciário na segun-da metade do século XX, quase sempreapoiada nos diagnósticos sociológicos pro-duzidos pela primeira, põe ênfase nos aspec-tos propriamente jurídicos e institucionais re-lacionados ao surgimento de novos tipos dedireitos e de novas formas de acesso à Justi-ça. Segundo essa vertente de análise, alémdas mudanças sociais, políticas e econômi-cas destacadas pela perspectiva sociológica,o Judiciário teria conhecido importante ex-

.pansão ao longo do século XX também por-que o direito e as regras processuais muda-ram muito, colocando a Justiça ao alcance

"formal dos atores coletivos da sociedade.Um dos principais estudiosos dessa pers-

pectiva, Mauro Cappelletti produziu junta-mente com Bryant Garth o primeiro balan-ço sistemático sobre os limites e novas pos-sibilidades de acesso à Justiça, por meio de

'·~trabalho publicado originalmente em 1978,35Nesse livro, ao lado de questôes como cus-tos econômicos e problemas de informação,os autores discutem as mudanças sofridaspelo modelo individualista de direito liberal(que reconhecia a titularidade de direitosapenas a sujeitos individuais, aos quais cabiaa exclusividade de decidir sobre como equando recorrer à Justiça para sustentá-los),e a ampliação do acesso à Justiça aos chama-dos direitos difusos e coletivos.

Embora haja sutilezas importantes nasdefinições de direitos difusos e coletivos,uma formulação geral poderia ser a seguinte:

35. A edição brasileira saiu dez anos depois. Cappelletti, Mauro e Garth, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre:Fabris, 1988.

o

são direitos transindividuais de naturezaindivisível, dos quais são titulares pessoasindeterminadas (direitos difusos) ou grupo depessoas ligadas entre si por alguma relaçãojurídica (direitos coletivos). Outra caracterís-tica importante é que esses novos direitospodem ser representados judicialmente poratores sociais e coletivos, legitimados ex-traordinariamente a ingressar em juízo emdefesa de direitos que não são particular-mente seus, mas que pertencem a um con-junto de indivíduos dispersos e nem sempreidentificáveis. Exemplos de direitos difusossão aqueles relacionados ao meio ambiente(proteção da qualidade do ar, rios, fauna evegetação, quando definidos por lei), dosquais todos os cidadãos se beneficiam, po-rém indivisivelmente. Exemplos de direitoscoletivos podem ser encontrados em algu-mas relações de consumo, quando consumi-dores individuais encontram-se ligados entresi ou com a parte contrária por uma relaçãojurídica que, quando desrespeitada, atinge-os coletivamente; da mesma forma, a repa-ração do dano pode beneficiar a todos indis-tintamente.

Segundo Cappelletti e Garth, o reconhe-cimento da dimensão difusa e coletiva decertos interesses pelo Direito levou váriospaíses a promover novas formas processuaisde acesso à Justiça, transcendendo o modeloliberal de ações judiciais individuais e abrin-do espaço às ações coletivas. Desse impor-tante processo de mudança, os autores des-tacam a fragilidade dos indivíduos frente àcrescente complexidade do mundo contem-porâneo e à dimensão coletiva de vários ti-pos de conflitos, ao mesmo tempo em queapontam a incapacidade das instituições es-tatais de oferecer proteção geral a direitostransindividuais como meio ambiente, con-sumidor, patrimônio público, histórico ecultural, entre outros. Entre a fralilidade de

indivíduos isolados e a incapacidade estatal,os autores valorizaram as soluções adotadaspor diversos países no sentido de abrir a Justi-ça a associações civis, legalmente constituí-das para defesa judicial de interesses difusose coletivos, desafiando conseqüentemente oJudiciário a assumir um papel totalmentenovo.

Um segundo aspecto ressaltado pelos au-tores, quanto à ampliação do acesso à Justiça,diz respeito a inovações na própria estruturajudiciária, que passaram a proliferar a partirda década de 1970, tais como os "tribunaisde pequenas causas", voltados para a soluçãomais rápida e efetiva de casos de menor com-plexidade, menor valor e/ou menor potencialofensivo. Essa onda de reforma judiciária, queatingiria diversos países, marcaria a tentativado Judiciário de se aproximar da populaçãomais pobre e de enfrentar a chamada"litigiosidade contida", isto é, demandas quenem chegavam aos tribunais em função dasdificuldades de acesso.

Seja pela via da explicação sociológi-ca, seja pela via da explicação institucional,o fato é que o Judiciário conheceu forteexpansão na segunda metade do séculoXX, transformando-se em instância de so-lução de conflitos coletivos e sociais e deimplementação de direitos orientados pelovalor da igualdade e não só pelo valor daliberdade. Isso obrigou os judiciários de vá-rias democracias a reverem suas finalidadesinstitucionais, pautadas no paradigma libe-ral, e a se reencontrarem com a dimensãopolítica não pela via da justiça constitucio-nal, mas pela porta da justiça comum.

No Brasil, já contamos com um conjun-to significativo de pesquisas e análises quenos permitem demonstrar como o Judiciá-rio brasileiro também conheceu uma forteexpansão nessa dimensão da justiça comume da proteção de direitos coletivos e sociais.

101

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Os trabalhos coordenados por Maria TerezaSadek e Luiz Werneck Vianna, sediados res-pectivamente em São Paulo e no Rio de Ja-neiro, fornecem um volume extraordináriode informações que confirmam essa tendên-cia, em que pesem também apontarem limi-tes e contradições desse processo.i"

A expansão do Judiciário no Brasil sedeu, em grande parte, pelos mesmos moti-vos apontados tanto pela perspectiva socio-lógica quanto pela análise institucional des-critas acima.

Embora não tenhamos construído noBrasil um Estado social semelhante ao dospaíses europeus, também aqui o novo mo-delo econômico implantado a partir de 1930"- sob a liderança de Getulio Vargas - levouo Estaf.o a assumir papel central na condu-ção da economia, combinado a um alto grau

de intervenção nas relações sociais. O mode-lo varguista, muito mais corporativo do queo sistema europeu de bem-estar social, tam-bém levaria ao desenvolvimento de uma novalegislação social, especialmente relacionadaao mundo do trabalho.

Foi nessa época que o Judiciário brasilei-ro conheceu seu primeiro salto expansionista,quando áreas importantes de conflitos foramdesloca das para ramos especiais da Justiça.Refiro-me à questão eleitoral e à'questâo tra-balhista, que ensejaram a criação, respecti-vamente, da Justiça Eleitoral e da Justiça doTrabalho." Não se trata aqui de remontar esseperíodo da história brasileira, mas o fato éque as eleições na República Velha erammarcadas pela fraude e por outras mazelas

.,.. políticas, a ponto de a "verdade eleitoral",. constituir uma das bandeiras da Revolução

36. Segue adiante uma lista dos títulos mais importantes, em ordem cronológica e ternática: quanto ao perfil damagistratura e às opiniões de juízes sobre determinados temas e valores relacionados à justiça, ver Sadek,Maria Tereza e Arantes, Rogério B. "A crise do Judiciário e a visão dos juízes", Revista da USp, n. 21, mar.-maio/1994, p.34-45. Sadek, Maria Tereza (Org.). O-f-udiciário em Debate. São Paulo: Surnaré, 1995. Vianna,Luiz Werneck, Carvalho, Maria Alice R., MeIo, Manoel P. c., Burgos, Marcelo B. Corpo eAlma da Magistra-tura Brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 1997. Sadek, Maria Tereza. Magistrados: uma imagem em movimen-to". Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006'. Adotando a perspectiva da sociologia das profissões, Bonelli nosoferece instigante análise sobre os valores que orientaram a formação das carreiras jurídicas no Brasil e têmmarcado sua atuação recente. Ver Bonelli, Maria da Gloria. Profissionalismo e política no mundo do direito:as relações dos advogados, desembargadores, procuradores de justiça e delegados de polícia com o Estado. SãoCarlos: EdUFSCar: Editora Sumaré, 2002. Quanto à dupla expansão do Judiciário brasileiro, na dimensãopolítico-consrirucíonal e na dimensão social, ver os trabalhos de Sadek, Maria Tereza. "O Poder Judiciáriona Reforma do Estado" in Pereira, Luiz Carlos Bresser, Wilheim, Jorge e Sola, Lourdes (Orgs.). Sociedade eEstado em Transformação. São Paulo: Editora Unesp; Brasília: Enap, 1999 (cap. 12) e Viaona, Luiz Wernecket a!. A judicializaçâo da política ... , op. cito Para um balanço das novas experiências de acesso à justiça,sobretudo quanto ao Judiciário, ver Sadek, Maria Tereza (Org.), Acesso à justiça. São Paulo: FundaçãoKonrad Adenaeur, 2001. Para alguns tópicos especiais como o conceito de judicialização da política e umaavaliação empírica do sistema de proteção dos interesses coletivos no Rio de Janeiro, entre outros temasrelacionados à Justiça, ver Vianna, Luiz Werneck (Org.), A democracia e os Três Poderes no Brasil. BeloHorizonte: Ed. UFMG, Rio de Janeiro: Iuperj/Faper], 2002.- Para um exame das relações entre justiça eeconomia, ver 'Castelar, Armando" (Org.). judiciário e Economia nó Brasil. São Paulo: Suma ré, 2000. Paraum exame dos projetos de reformado Judiciário, ver Sadek, Maria T. (Org.). Reforma do judiciário, op. citoe Pinheiro, Armando Castelar. Reforma do judiciário. Problemas, desafios e perspectivas. São Paulo: Idesp;Rio de Janeiro: Book Link. 2003.

37. A Justiça Eleitoral foi criada em 1932 e já na Constituição de 1934 figurou como ramo específico do PoderJudiciário. Os primeiros órgãos da Justiça Trabalhista também surgiram no início dos anos 30 e foramincluídos nas constituições de 1934 e 1937, porém como justiça administrativa. Foi a Constituição de 1946que completou a formação da Justiça do Trabalho, transformando-a em ramo do Poder Judiciário.

)2

GRÁFICO 5. Processos distribuídos para julgamento nos Tribunais RegionaisEleitorais (anos selecionados).

60000

50000

40000

30000

20000

10000

1990 eleições

governosestaduais,

assembléias

leglslatlvasecongresso

nacional

taaz cretcõescrercncs evereadores

1994 eleições 1996 idem 1992 19911Idem 1994 2000 idem 1996 2002 idem 1998presidencial,congresso

nacional.

governadores e

assembléias

legislativas

1989 eleição

presidencial

(solteira)

Fonte: Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. (www.stf.gov.br)

GRÁFICO 6. Processos entrados na 1a instância da Justiça do Tra alho(1990-2001 )

1500000

2000000 +:-~~*::':=.

1000000

500000

o1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Fonte: Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. (www.stf.gov.br)

----- .•~.. ,103

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de 30 e a criação da Justiça Eleitoral ser umadas suas conseqüências práticas. Na área so-cial e trabalhista, a necessidade de expandiros direitos sociais e ao mesmo tempo mantersob controle a classe trabalhadora levou ogoverno Vargas a construir um extraordiná-rio conjunto de leis e instiruições, incluída aía Justiça do Trabalho, num arranjo que San-tos denominou de "cidadania regulada"."Entretanto, como demonstra Sadek para ocaso da Justiça Eleitoral" e Pastare para ocaso da Justiça do Trabalho," a solução ju-dicial das questões eleitorais e trabalhistasnão era a única nem tampouco a formamais comum de enquadramento dessesconflitos no mundo contemporâneo, pelomenos nos termos abrangentes e fortemen-te intervencionistas que caracterizaram o mo-delo brasileiro. No nosso caso, independen-temente das vantagens e desvantagens da so-lução judicial, o fato é que a expansão doJudiciário nessas áreas foi a fórmula adota-da para tentar instirucionalizar dois tipos deconflitos de grande importância para a ma-nutenção da ordem social e política.

Os Gráficos 5 e 6 apresentam o volumede ações na Justiça Eleitoral e na Justiça Tra-balhista nos anos recentes. No primeiro caso,apesar da rotinização das eleições, da conso-lidação das regras básicas de disputa e do aper-feiçoamento crescente do processo eleitoral(desde o registro de eleitores até o uso deurnas eletrônicas em todo o país), o volume

de ações nos Tribunais Regionais Eleitoraismanteve-se na faixa das 35 mil ao longo dosanos 90. Nas eleições nacionais de 2002, essacifra chegou a mais de 50 mil processos."

No ramo da Justiça do Trabalho, o volu-me de ações impressiona. Ao longo dos anos90, bem que houve um decréscimo do nú-mero de processos em 1994 (muito prova-velmente relacionado à estabilização econô-mica promovida pelo Plano Real), mas insu-ficiente para afirmar-se como tendência paraos anos posteriores, que voltaram a conhe-cer um crescimento extraordinário do nú-mero de ações, que praticamente atingirama casa de dois milhões na primeira instânciada Justiça Trabalhista. Segundo esrudos rea-lizados por Pastore, ajustiça Trabalhista bra-sileira seria campeã mundial em volume deprocessos, nem tanto por uma suposta pro-pensão à litigância nessa área mas justamen-te pela rigidez da legislação que regula asrelações de trabalho e pelo alto grau de po-der normativo da Justiça Trabalhista, isto é,

.pela sua capacidade de intervir nessas rela-ções nos seus mínimos detalhes."

A primeira onda de expansão do Judiciá-rio brasileiro nas décadas de 1930 e 1940 foiimpulsionada por uma tendência mais pro-funda e duradoura da política brasileira: adesconfiança em relação às instiruições polí-tico-representativas e à capacidade do regimedemocrático de atender às necessidades dasociedade, inspirando soluções alternativas do

38. Santos, Wanderley Guilherme dos. Cidadania eJustiça. Rio de janeirorCampus, 1979.39. Sadek, Maria Tereza. A Justiça Eleitoral e a consolidação da democracia no Brasil. São Paulo: Fundação

Konrad Adenauer, 1995.40. Pastore, José. Flexibilização dos mercados de trabalho e contratação coletiva. São Paulo: LTR, 1995.41. Para uma análise da Justiça Eleitoral nos tempos mais recentes, fatores positivos de sua atuação bem como

aspectos que ainda merecem reflexão e reforma, ver Taylor, Marthew "Justiça Eleitoral" in Avritzer, Leonar-do e Anastásia, Fátima. Reforma Política no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2006. p.147-152.

42. Os vários artigos deJosé Pastore sobre essas quesrões podem ser encontrados no site: www.josepastore.com.br.

i .

problema da ordem social e dos conflitos co-letivos. Essa matriz ideológica voltaria a ope- o

rar na segunda onda de expansão da Justiçabrasileira, a partir dos anos 70, quando seatribuiu a um órgão do próprio Estado a res-ponsabilidade principal de defesa dos inte-resses difusos e coletivos perante o Judiciá-rio: o Ministério Público.

Como demonstrei em trabalho anterior,"o Brasil passon por uma profunda transfor-mação no ordenamento jurídico a partir dosanos 80, quando iniciou o reconhecimentolegal da existência de direitos difusos e cole-tivos e a aberrura do processo judicial à re-presentação desses direitos. O marco funda-mental foi a criação da Ação Civil Pública-ACP em 1985, por meio da qual direitos doconsumidor, meio ambiente e patrimôniohistórico-cultural passariam a ser defendidoscoletivamente em juízo.

O debate em torno da criação da ACPmobilizou juristas, juízes e membros do Mi-nistério Público. Este último, à época, rei-vindicava a condição de órgão de defesa dasociedade, a despeito de ser uma instituiçãodo Estado responsável por acionar o Judiciá-rio em áreas bem delimitadas como a da açãopenal, sua precípua atribuição. Entretanto,como vimos, a discussão sobre o acessocoletivo à Justiça, conduzi da por autoresrenomados como Cappelletti, não só propu-nha a valorização das associações da socieda-de civil como avaliava negativamente o papeldesempenhado por instituições estatais nessaárea. Independentemente dessa avaliação, ofato é que o Ministério Público conseguiu-

por força de sua participação direta na for-mulação do anteprojeto que deu origem à Leida ACP - chamar para si boa parcela da res-ponsabilidade e dos instrumentos de atua-ção nessa nova área de direitos difusos e co-letivos.

A Constituição de 1988 consolidou essaexpansão da Justiça rumo à proteção dosdireitos coletivos, reafirmando-os como ca-tegoria jurídica constitucional+ o que permi-tiria o reconhecimento legal de vários outrosdireitos específicos a partir dessa matriz - econfirmou o papel rutelar do Ministério PÚ-blico nessa área, atribuindo-lhe ao mesmotempo independência institucional em rela-ção aos demais poderes de Estado."

Desde 1988 temos assistido ao desenvol-vimento de um verdadeiro subsistema jurí-dico no país, em que novas leis promulgadasorientam-se pela idéia da proteção coletivade determinados direitos e pelo reforço dopapel do Ministério Público, dando conti-nuidade à expansão iniciada pela Lei da ACPde 1985: são exemplos a Lei 7853/89, quetrata da proteção das pessoas portadoras dedeficiência; a Lei 7913/89, que instirui a pro-teção coletiva dos investidores do mercadode valores mobiliários; a Lei 8069/90, quecriou o Estatuto da Criança e do Adolescen-te; a Lei 8078/90, que criou o Código deDefesa do Consumidor, certamente o diplo-ma legal mais importante desse novosubsistema jurídico; a Lei 8429/92, que tra-

o ta da improbidade administrativa, delegan-do funções importantes ao Ministério Públi-co; a Lei 8884/94, que trata das infrações

43. Arantes, Rogério Bastos. Ministério Público e Política no Brasil. São Paulo: Sumaré/Educ, 2002.44. Sobre a singularidade do modelo de independência institucional do Ministério Público brasileiro ver Kerche,

Fábio. O Ministério Público no Brasil. Autonomia, organização e atribuições. Tese (Doutorado) - Departa-mento de Ciência Política. USp,2002.

---- .. ,."105

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contra a ordem econômica e, finalmente, aLei 8974/95, que estabelece normas sobrebiossegurança e dá legirimação ao Ministé-rio Público para atuar nessa área.

O resultado geral dessa evolução legis-lativa e processual é que hoje a Justiça brasilei-ra se converteu em palco importante de con-flitos coletivos, nas mais diversas áreas, e oprotagonismo do Ministério Público tem cha-mado a atenção dos analistas para os limites epotencialidades desse modelo institucional. 45

É importante destacar que a ampliaçãodo acesso à Justiça no Brasil não se deu ape-nas por meio dessa revolução processual, mastambém por inovações importantes na es-trutura judiciária, em sintonia com as ten-dências apontadas por Cappelletti sobre vá-rios paíse~ a partir dos anos 70. Refiro-me àcriação dos Juizados Especiais de PequenasCausas, instituídos por lei em lil84 e depoisconstitucionalizados pela Carta de 1988.Regulamentados novamente por lei em 1995,os Juizados Especiais representaram umaimportante experiência de ampliação doacesso à Justiça para causas cíveis envolven-do valores até quarenta salários mínimos e

para causas criminais cuja pena máxima nãoultrapasse um ano de prisão. Segundo dadosdo IBGE para o ano de 2004, o Brasil contacom 2.105 Juizados Especiais Cíveis e 1702Juizados Especiais Criminais espalhados, res-pectivamente, em 1732 e 1475 dos 5560municípios brasileiros, estando relativamentebem distribuídos conforme o tamanho daspopulações locais."

Se de um lado a criação dos juizados es-peciais significou uma tremenda ampliaçãodo acesso à justiça, especialmente para pes-soas de baixa renda, passadas duas décadasde experiência estes tribunais já enfrentamgraves sinais de colapso, pelo excesso de

- demanda. Em vários estados o volume deprocessos ultrapassa aquele das cortes regu-lares, sem que tenha havido por parte dçpróprio judiciário local uma redistribuiçãointerna de recursos e juízes para atender àsnecessidades destes novos tribunais." E aolado do problema quantitativo, há tambémanálises que destacam efeitos negativos dealguns métodos adotados pelos Juizados Es-peciais e chamam atenção para a necessida-de de sua ;revisão. 48

45. Vianna e Burgos, com base em ampla pesquisa sobre ações civis públicas no Rio de Janeiro, contestam a teseda predominância excessiva do Ministério Público em relação à sociedade civil, na proposição das açõescoletivas e, adotando uma perspectiva mais otimista sobre essa relação, concluem que "entre a sociedade e oMinistério Público, a relação não é tanto de assimetria e dependência da primeira vis-a-vis o segundo, e simde interdependência, que, quanto mais se consolida, mais legitima os novos papéis do Ministério Público edestitui de sentido a perspectiva que os toma como polaridades, como instâncias contrapostas". Vianna,Luiz Werneck (Org.). A democracia e os Três Poderes ... , op. cir., p.445.

46. Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Popu-laçãoeIndicadores Sociais, Pesqulsa.deInformações Básicas Municipais 2004.

47. Ver nesse sentido o diagnóstico elaborado pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, que ensejoua formulação, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, do "Pacto Social em prol dos Juizados Especiais".(www.cebepej.org.br ) e (www.cnj.gov.br). E para uma avaliação da expansão dos Juizados nos anos 1990,ver Cunha, Luciana Gross Siqueira. "[uizado Especial: ampliação do acesso à Justiça?", in Sadek, Maria T.Acesso à Justiça, op. cito

48. Macaulay, por exemplo, demonstra como no caso da violência doméstica, o tão incentivado conciliationmodel praticado nos Juizados Especiais não tem protegido adequadamente as mulheres desse tipo de prática(MACAUI..AY, 2005).

II.I'I

Paralelamente aos juizados especiais eorientando-se pelo mesmo princípio da ofer-ta de serviços judiciários mais rápidos e aces-síveis, várias outras iniciativas foram toma-das pelas justiças estaduais e federal na déca-da de 1990, tais como juizados informais deconciliação, juizados itinerantes (que operamem ônibus que circulam pela cidade),juizados especiais abrigados em faculdadesde direito, além dos recentemente criadosjuizados especiais federais. Em muitos esta-dos, governos estaduais têm buscado reunirdiversos serviços públicos relacionados à áreade justiça e cidadania, oferecendo-os de ma-neira integrada, e num mesmo local, à po-pulação."

Independentemente das dificuldades econtradições que ainda marcam esse proces-so de expansão da Justiça brasileira, pareceinquestionável que, também nessa dimensãocomum e não especificamente político-cons-titucional, o Judiciário assumiu tarefas degrandes proporções, o que muitas vezes con-trasta com sua capacidade de dar respostascom a efetividade esperada.

3. Ativismo judicial e caminhos dareforma do Judiciário

Segundo Tate e Vallinder, em trabalhosobre a expansão do Judiciário em diversospaíses do mundo, a judicialização da políti-ca se vê facilitada quando determinadas con-dições estão presentes:

the presence of democracy, asep aration of powers system, apolitics of rights, a system o] interestgroups and a political oppositioncognizant of judicial means forattaining their interests, weak partiesor fragile government coalitions inmajoritarian institutions leading topolicy deadlock, inadequate publicsupport, at least relative to judiciaries,and delegation to courts o] deasion-making authority in certain policy areasali contribute to the judicialization ofpoliücs.í?

Quando observamos o caso brasileiro,parece-nos que todas essas condições estive-ram presentes nos últimos anos, em maior oumenor medida, o que nos tornaria um im-portante exemplo de judicializaçãa da polí-tica: a democracia restabel9cida nos anos 80,seguida de uma Constituição pródiga emdireitos em 1988, com um número cada vezmaior de grupos de interesses organizadosdemandando solução de conflitos coletivos,contrastando com um sistema político poucomajoritário, de coalizões e partidos frágeispara sustentar o governo, enquanto os deoposição utilizam o Judiciário para contê-lo,além de um modelo constitucional que dele-gou à Justiça a proteção de interesses emdiversas áreas, refletindo até mesmo o altograu de legitimidade do Judiciário e do

49. Um balanço dessas diversas experiências pode ser encontrado em Sadek, Maria T. Acesso à justiça, op. citoVianna et ai. examinaram o trabalho dos juizados especiais no Rio de Janeiro e demonstraram sua importân-cia para o processo de [udicialização das relações sociais, não sem identificar problemas e limitações dessemodelo de acesso à justiça. Vianna er ai. A [udiaalização da política ... , op. cito

50. Tate, C. Neal e Vallinder, Torbjorn (Eds.), The Global Expansion of Judicial Pouier. Nova York: Nova YorkUniversity Press, 1997. p.33.

107

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Ministério Público como instituições capazesde receber essa delegação. 51

Tate e Vallinder argumentam que ajudicialização da política, com base nessaconstelação de fatores, dependeria ainda dadisposição dos integrantes dessas instituiçõesde agir, de tomar iniciativas e de chamar parasi a responsabilidade pela implementação dedireitos e pela solução dos grandes conflitosda sociedade, configurando o que a literatu-ra nessa área chama de ativismo judicial. Em-bora não seja possível simplificar a ideologiapolítica que permeia o meio forense brasi-leiro, pesquisas recentes têm apontado a pre-sença de valores de transformação social, deigualdade e de cidadania, entre juízes e mem-bros do Ministério Público - nestes mais doque nos primeiros. 52 Tais valores ideológi-cos podem não ser suficientes para levar amagistratura e o Ministério Público a mer-gulharem num ativismo judicial desenfreado,mas certamente têm inclinado vários estra-tos dessas instituições a assumir com firme-za suas novas atribuições sociais e políticas.Desde 1988, juízes e membros do Ministé-rio Público ocuparam a cena política brasi-leira, como atores de destaque nas mais di-versas frentes abertas pelas mudanças poli-

ticas e institucionais desencadeadas pelaredemocratização e nova Constituição do país.

A conjunção desses vários elementosexplica a expansão da Justiça nos últimosanos, mas não foi apenas esse o signo quemarcou a vida de instituições como Judiciá-rio e Ministério Público nesse período. Aolado de expansão, "crise" e "reforma" sãoexpressões que dominaram o debate públi-co sobre a Justiça, na mesma proporção emque suas novas atividades foram valorizadas.

Na linha dos dois modelos constitucio-nais de Judiciário discutidos na primeira se-ção, Rode-se afirmar que a "crise" da Justiçano Brasil tem uma dupla dimensão: no que

-diz respeitoàs suas funções de controle cons-titucional das leis, a crise judiciária é umacrise política; no que diz respeito às suas atri-,buições de justiça comum, a crise é funcio-nal e de desempenho.

Tais dimensões da crise judiciária foramobjeto de intenso debate durante os mais dedez anos em que o projeto de reforma doJJ:l2,isiário tramitou no Congresso Nacional,mobilizando atores políticos, do meio foren-se e da sociedade civil. Embora vários diag-nósticos tenham sido propostos e muitasidéias de reforma tenham sido consideradas,

51. Estas são características gerais que potencializam a judicialização da política. Exames de casos específicospodem demonstrar, entretanto, que a judicialização da política não se complete sempre, no sentido de alte-rar resultados do processo político decisório. E o que argumenta Vanessa Oliveira, em seu esrudo sobre opapel do Judiciário brasileiro no processo de privatizações no Brasil dos anos 1990. A autora descreve ajudicialização da política como um ciclo de três fases - o ajuizamento da ação, o julgamento liminar e ojulgamento de mérito - e conclui que, no caso das privatizações, esse ciclo não se completou com o Judiciá-no alterando de fato o curso daquela política pública. Oliveira, Vanessa Elias. "Judiciário e privatizações noBrasil: existe uma judicialização da política?" Revista Dados, voI. 48/3. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2005.Boa parte dessas pesquisas encontra-se nos trabalhos mencionados na nota 36. Quanto aos membros doMinistério Público, denominei sua ideologia de "voluntarismo político", algo que combina uma crença nopapel tutelar da instiruição frente a uma sociedade incapaz de se defender autonomamente e a um poderpolítico-representativo corrompido ou incapaz de cumprir com suas obrigações. Ver Arantes, Rogério B.Ministério Público ... , op. cito capo lI. Entre os juízes, o último survey conduzido pelo Idesp (2000) revelou,pO,r exemplo, que 73,1% dos magistrados brasileiros consideravam que "o juiz tem um papel social a cum-pnr, e a busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos", contra apenas 19,7% afirmaramque "os contratos devem ser respeitados, independente de suas repercussões sociais".

52.

a aprovação da emenda constitucional de re-forma do Judiciário se viu extremamente di-ficultada durante esse longo período porqueos diversos atores envolvidos no processo(governo federal, partidos políticos, órgãosde cúpula do Judiciário, associações de clas-se da magistratura e do Ministério Público eOrdem dos Advogados do Brasil) acabaramproduzindo uma situação de vetos cruzados,na qual dois ou mais deles se punham alia-dos em torno de uma proposta e em oposi-ção entre si no que diz respeito a outras tan-tas. Não por outra razão, o projeto tramitoupor quatro legislaturas, conheceu várias ver-sões e só foi aprovado pelo Congresso Nacio-nal em 2004, mais de uma década após aapresentação da primeira proposta em 1992.

Na dimensão política da crise do judiciá-rio, o grande embate se deu em torno depropostas que levassem a uma concentraçãoda competência do controle constitucionaldas leis no Supremo Tribunal Federal, dimi-nuindo o alcance político do lado difuso dosistema. Desde a adoção do sistema híbridopela Carta de 1988, presidentes da Repúbli-ca e partidos governistas no Congresso (amaioria política) tentaram aprovar mudan-ças constitucionais de concentração, mas aoposição, em que pese minoritária, sempreconseguiu impedi-Ias, sob a liderança prin-cipal do Partido dos Trabalhadores, e com oapoio das instâncias inferiores. do Judiciárioe de associações do Ministério Público. Coma chegada do PT à presidência em 2003, opartido abandonou a antiga resistência e, ao

passar da condição de oposição à de gover-no, surpreendeu a todos ao encampar a pro-posta de concentração do controle consti-tucional no STF, por meio da chamada"súmula de efeito vinculante"," votandopor sna aprovação em 2004. É cedo hojepara avaliar o impacto de tal mudança e seela trará os efeitos esperados de redução donúmero de processos no STF e de reforçoda governabilidade política do país, mas duasconseqüências são certas: a prerrogativa deeditar súmulas vinculantes valorizará maisainda o papel político do Supremo TribunalFederal e sua adoção reduzirá as possibilida-des de uso da via difusa do sistema judicialde revisão das leis por parte dos grupos deoposição.

Na dimensão funcional, as propostas deampliação e diferenciação da estrutura judi-ciária - para fazer frente ao déficit de pres-tação da Justiça - mostraram-se menos con-troversas e roa parte delas chegou a contarcom o apoio unificado da magistratura, daOAB e dos partidos de oposição durante osanos 90, frente a uma quase indiferença dogoverno a esse respeito. Dentre outras idéias,destacaram-se a criação de novos tribunaisregionais federais ou câmaras a eles associa-das para ampliar a capacidade da justiça fe-deral; apoio à consolidação dos juizadosespeciais e à criação de novos; autonomia fun-cional e administrativa das Defensorias Pú-blicas; transferência do julgamento de cri-mes contra direitos humanos da Justiça Esta-dual para a Justiça Federal e outras medidas

53. A Emenda Constitucional n. 45 (Reforma do Judiciário), aprovada pelo Congresso Nacional em 2004,estabeleceu que "O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão dedois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, apartir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do PoderJudiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem comoproceder à sua revisão ou cancelarento, na forma estabelecida em lei."

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voltadas à modernização do Judiciário eagilização de seu funcionamento. A ascen-são do PT ao governo federal também teveimpacto nessa dimensão da reforma judiciá-ria: em primeiro lugar porque o partido sem-pre defendera tais propostas - enquanto ogoverno de Fernando Henrique Cardoso nãose empenhara muito por elas - e, tornando-se governo, reuniria mais forças em prol desua aprovação; em segundo lugar, uma dasprimeiras medidas da administração Lula foicriar, por meio do Ministério da Justiça, umaSecretaria de Reforma do Judiciário (SRJ).Destinada a promover, coordenar e sistema-tizar propostas de reforma constitucional einfraconstitucional do Judiciário, a SRF pas-sou a ter papel importante na etapa final(2003-20Q4) de trarnitação da reforma judi-ciária no Congresso;" em terceiro lugar, asignificativa "conversão" do partido aoscânones econômicos liberais - em grandemedida responsável por sua própria vitórianas eleições de 2002 - refletiu-se igualmen-te no entendimento do novo governo sobreo papel do Judiciário numa economia demercado cada vez mais globalizada. Em pou-cas palavras, o partido de origem socialistaassumiu a causa da eficiência econômica epassou a olhar a questão da modernizaçãojudiciária não só sob o prisma da amplia-ção do acesso à Justiça para camadasdesprotegidas da população, mas tambémcomo uma das principais instituições res-ponsáveis por garantir a segurança jurídicade contratos e das relações econômicas do li-vre-mercado. A adoção dessa perspectiva con-tribuiu igualmente para a aprovação do pro-

jeto de reforma em 2004, que contém váriasmedidas modernizadoras nesse sentido.

A essas duas frentes de reforma - a polí-tica e a funcional - devemos acrescentar fi-nalmente uma terceira: a da republicanizaçãodo Judiciário por meio da criação de ór-gãos de controle externo e da adoção deoutras medidas destinadas a aumentar a fis-calização e a transparência da Justiça. Damesma forma que as anteriores, tais pro-postas vêm sendo discutidas desde o iníciodos anos 90, mas neste caso por influênciamais específica daquilo que poderíamosdenominar de "onda republicana" que mar-cou a transição democrática brasileira. Refi-

-r o-me ao processo de crescentes exigên-cias em relação ao trato da coisa pública edçcornbate à corrupção política que atin;giu inicialmente os Poderes Executivo eLegislativo e que não poderia deixar de afe-tar também o Judiciário. Depois doimpeachment de um presidente da Repú-blica e de sucessivos processos envolvendoCLc~l!pantesde cargos executivos e legislativosem diversos pontos do país, essa "onda"chegou ao Judiciário e passou a exigir odesencapsulamento da magistratura e a cri-ação de novas formas de accountability dosórgãos de Justiça. Nesse processo, até mes-mo os tradicionais privilégios e garantiasdo exercício do cargo viram-se ameaçados,trazendo-nos de volta as velhas lições deTocqueville. Como profetizou o pensadorfrancês, a tendência democrática modernacolocaria em risco os privilégios. desse cor-po especial de funcionários do Estado a queele denominou de "nova aristocracia": a

54. Dentre suas metas principais, destacam-se: promover a ampliação do acesso à Justiça, apoiar propostas quelevem a maior transparência e controle público do Judiciário e promover reformas que proporcionemmaior agilidade e eficiência à Justiça (ver http://www.mj.gov.br/reforma/index.htm)

magistratura. De tempos em tempos, pre-vira Tocqueville, tomados pelo desejo deigualdade e pelo ideal da res pública, povoe representantes políticos buscariam nive-lar garantias e aumentar o controle sobretoda a administração, incluindo aí a magis-tratura, que enfrentaria grandes dificulda-des para sustentar sua independênciainstitucional e condições privilegiadas detrabalho, nesses momentos críticos.

Durante os anos 90, o intrincado jogopolítico em torno dos principais eixos dareforma judiciária manteve a magistratura eo Ministério Público a salvo de modificaçõesmais profundas, graças aos vetos cruzadosenvolvendo estes setores, o governo, os par-

tidos de oposição e a Ordem dos Advogadosdo Brasil. Com a ascensão do PT ao gover-no em 2003 - justamente o partido que lide-rou a onda moralizadora republicana nosanos anteriores -, rompeu-se aquela situa-ção de equilíbrio e a balança pendeu favora-velmente para o lado dos atores interessa-dos em impor alguma forma de fiscalizaçãosobre as instituições de Justiça.

Embora não tão "externo", o órgão decontrole foi criado pela reforma constitucio-nal de 2004, sob o nome de Conselho Nacio-nal de Justiça. 55 Composto por 15 membros,seus conselheiros são escolhidos para um man-dato de 2 anos, permitida uma recondução, daseguinte forma:

Quadro 1. Conselho Nacional de Justiça.

Integrantes da I· um ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo respectivo trirnal;magistratura II . um ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal;

111·um ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal;IV· um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;V . um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;VI· um juiz de TribunalReqional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;VII· um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;VIII· um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;IX· um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;

Integrantes do X . um membro do Ministério Público da União, indicado pelo procurador-geral daMinistério Público República;

XI· um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo procurador-qeral daRepública dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituiçãoestadual;

Advogados XII - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados doBrasil;

Membros externos XIII· dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela

ao meio forense Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

55. Lembrando que um conselho semelhante foi instituído também para o Ministério Público.

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Do ponto de vista da onda republicana,o primeiro ano de atividade do CNJ nãopoderia ter sido mais promissor: a partirde queixas formuladas contra juízes de di-versos pontos do país, instaurou centenasde processos disciplinares= e foi responsá-vel pela adoção de duas medidas que tive-ram forte impacto nacional: (1) fim dacontratação, pelos tribunais, de parentes atéo 3o grau de juízes e de servidores da Justiça,ordenando inclusive a exoneração de milha-res deles já empregados nas cortes de Justiçado país. A medida antinepotismo adotadapelo CNJ era uma reivindicação antiga noBrasil, mas nem Legislativo nem Judiciáriojamais tiveram forças suficientes paraimplernentá-la; (2) a segunda medida de forteimpacto e alcance nacional foi a fixação doteto salarial da magistratura nos termos emque reza a Constituição: nenhum servidorpúblico pode ter salário maior do que osministros do Supremo Tribunal Federal. Aquestão do teto salarial dos ocupantes decargos públicos vem se arrastando há anosno Brasil e não são poucos os funcionáriospúblicos que recebem mais do que os minis-tros do STF. Embora a decisão do CNJ te-nham incidido sobre a magistratura, seusefeitos estão se irradiando e podem atingiroutros níveis da administração pública.

Finalizando, a sorte do Judiciário estásendo lançada nessas três frentes de mudan-ça - a política, a funcional e a republicana -e do equilíbrio entre elas dependerá o futu-ro da instituição. Vale dizer que "crise" e"reforma" são signos que acompanham avida dojudiciário há tempos e não há indí-cios de que venham desaparecer no curtoprazo. O fato é que, sendo as funções do

Judiciário na democracia contemporâneaalgo controversas, estas devem seguir des-pertando polêmica: frear o poder das maio-rias políticas governantes em nome das li-berdades individuais, pela via do controleconstitucional (função política), amparar asreivindicações igualitárias de grupos sociais,pela via do acesso coletivo à Justiça (funçãosocial) e garantir a segurança jurídica dasrelações econômicas e do funcionamento domercado (função econômica). E tudo isso emmeio ao desafio permanente de sustentar suapeculiar condição de corpo aristocrático es-tranho no seio da república democrática.

56. Informações e as primeiras estatísticas sobre a atuação do CNJ podem ser encontradas em http://www.cnj.gov.br

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