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M e d i da legal A EXPERIÊNCIA DE 5 PROGRAMAS DE MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS EM MEIO ABERTO

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MedidalegalA EXPERIÊNCIA DE 5 PROGRAMAS DE MEDIDASSÓCIO-EDUCATIVAS EM MEIO ABERTO

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MedidalegalA experiência de

5 programas de medidassócio-educativas em meio aberto

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educa-tivas em meio aberto — São Paulo : Fundação Telefônica, 2008

100p.

Parceria com o ILANUD – Instituto Latino Americano das NaçõesUnidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente

1. medidas sócio-educativas 2. jovens infratores 3. liberdade assistida 4. adolescentes 5. Estatuto da Criança e do Adolescente 6. municipalização 7. políticas públicas I. Título

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MedidalegalA experiência de

5 programas de medidassócio-educativas em meio aberto

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Iniciativa Fundação Telefônica

Antonio Carlos ValentePresidente do Grupo Telefônica no BrasilPresidente do Conselho CuradorSérgio MindlinDiretor PresidenteMaria Gabriella BighettiGerente de ProjetosMaria Cristina Bôa NovaCoordenadora de Projetos e Coordenadora da Publicação

ILANUD

Paula MiragliaDireção executivaKaryna SposatoCoordenação da pesquisaAdriana Campos, José Mário Aleluia,Marcelo da Silveira Campos, Raquel Marinho,Renata Gentile e Thiago Salles TenórioEntrevistadoresDiego Rezende (digitação) e Paulo Aviro Bondioli(banco de dados)Preparação dos dadosFernanda Emy MatsudaElaboração do questionárioDaniela Corrêa de Sequeira (1º Oficina) e Mariana Kiefer Kruchin (2º Oficina)Preparação das oficinasKaryna Sposato e Mariana Kiefer KruchinElaboração texto finalAline YamamotoRevisão

Estúdio GirassolBeth Kok Esperanza Martin SobralProjeto Gráfico e Produção EditorialEliana Aloia AtihéRevisão de Texto e Editorial

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A Fundação Telefônica investe, há sete anos, em projetos para a melhoria das medidassócio-educativas aplicadas em meio aberto. Este aporte está diretamente relacionado com ocompromisso que temos de defesa e promoção dos direitos das crianças e adolescentes brasilei-ros. Acreditamos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e queremos vê-lo cumprido inte-gralmente. Cremos na capacidade do ser humano de responder aos bons estímulos e, com boasoportunidades, participar de maneira positiva da sociedade.

Depois deste tempo de investimentos, entendemos que pesquisar os resultados dos projetosapoiados seria fundamental para avaliar os passos já dados, conhecer mais profundamente o públi-co beneficiado e atendê-lo com mais eficácia. Dois estudos foram realizados, um pelo Instituto Fonte,investigando a situação dos jovens egressos de programas de medidas sócio-educativas em meioaberto, e outro pelo Ilanud, abordando as histórias de vida de meninos e meninas durante o cumpri-mento das medidas e as condições em que estas são aplicadas.

Pela abrangência das pesquisas – 258 entrevistados na primeira e 481, na segunda –, pelarepresentatividade dos municípios que compõem seu território de análise, pela quantidade e qua-lidade dos levantamentos, percebemos que, além de servir para os propósitos internos às estraté-gias da Fundação Telefônica, estes materiais oferecem elementos concretos para traçar um pano-rama das medidas sócio-educativas no Estado de São Paulo e provocar uma reflexão sobre comoelas estão sendo conduzidas, que lacunas deixam e de que modo podem ser melhoradas e forta-lecidas. Por isso, transformamos os estudos em duas publicações, Vozes e Olhares e este livro, res-pectivamente. Entendemos que ambas consistem em material que pode ajudar a todos os atorese organizações envolvidos em programas de medidas sócio-educativas em meio aberto.

Infelizmente sem nos causar surpresa, a investigação realizada pelo Ilanud apontou ques-tões que já conhecíamos na prática, como a precariedade na estruturação das ações, a reduzidaoferta de programas de medidas em meio aberto – o que contradiz uma orientação do ECA –, apouca iniciativa para municipalização dos programas de meio aberto, e a grande vulnerabilidade

Apresentação Fundação Telefônica

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dos adolescentes e jovens que participam deles. Entre outros resultados, a pesquisa aponta a difi-culdade enfrentada por estes jovens para acesso e permanência na escola. Os números demons-tram o paradoxo da dificuldade de acesso à educação x a facilidade de acesso a drogas e armasde fogo, por exemplo – 53% dos entrevistados afirmam ser fácil ou muito fácil conseguir umaarma, enquanto 73% estão fora da escola. Isto quer dizer que estamos negando a uma parcelaimportante da população um direito fundamental para seu desenvolvimento, enquanto lhedamos, quase que exclusivamente, a opção de serem cooptados pelas mais diversas formas dedegradação humana.

Sabemos que o jovem em conflito com a lei é um tema que causa grande polêmica e mobi-lização da sociedade, por causa do medo gerado pelo aumento crescente da violência. Porém, épreciso observar com cuidado que os casos de crimes considerados hediondos praticados porjovens são poucos, cerca de 1%, e que esta parcela não pode ser a referência para condenar o todo.A Fundação Telefônica acredita na medida sócio-educativa em meio aberto por entender que nãoé retirando o jovem da sociedade que ele poderá se tornar melhor. Não há experiência no mundoque indique que aumentar a internação equivale a reduzir a violência. É o exercício do convívioem sua comunidade, bem amparado e orientado, que pode lhe dar as habilidades para se tornarum adulto melhor.

Esta obra tem a finalidade de fazer um retrato da realidade das medidas sócio-educativas.Revelando seus acertos e suas debilidades, esperamos provocar uma reflexão sobre o que énecessário fazer para qualificar este instrumento de intervenção e integração social. Porque asociedade brasileira precisa mais de integração, de espírito coletivo e de solidariedade, para cons-truir, de fato, uma situação de justiça e respeito plenos. Para todos os cidadãos brasileiros.

Sérgio MindlinDiretor Presidente da Fundação Telefônica

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Prefácio 12

A pesquisa, o universo, os porquês... 15

1. Quem são os adolescentes que cumpremmedidas em meio aberto? 19

Situação de vulnerabilidade e violência 24A vida escolar e o mundo do trabalho 44

2. Os programas apoiados: a percepção dos adolescentes 51Os projetos das cidades: Campinas, Guarulhos, Guarujá e Jandira 53

Caracterização dos programas sócio-educativos emmeio aberto: a percepção dos adolescentes 57

3. Alguns desafios para programas sócio-educativos em meio aberto 71

Educação e medida sócio-educativa em meio aberto 73Os adolescentes no contexto da violência 85

As medidas sócio-educativas em meio aberto e a rede de atenção 93Recomendações 99

Sumário

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12 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

O Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamentodo Delinqüente (ILANUD), em parceria com a Fundação Telefônica, apresenta aqui a publicaçãoda pesquisa Medida Legal: a experiência de cinco programas de medidas sócio-educativas emmeio aberto.

Ao longo de seus 11 anos de atuação no Brasil, o ILANUD vem investindo na produção deconhecimento qualificado, por intermédio de pesquisas nas áreas da Justiça da Infância eJuventude, Segurança Pública e Prevenção da Violência e Justiça Criminal e Sistema Peniten-ciário. Desta forma, o Instinto subsidia a formulação de políticas públicas em tais campos ecolabora ativamente para a reflexão da sociedade brasileira sobre os referidos temas.

O levantamento feito ao longo de sete meses, junto aos cinco projetos de execução demedidas sócio-educativas em meio aberto revela uma realidade ainda repleta de desafios parao cumprimento integral do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), do Sistema Nacionalde Atendimento Socioeducativo (Sinase) e das normas internacionais para garantia dos direi-tos das crianças e adolescentes.

Contudo, é possível vislumbrar um futuro promissor, se forem observadas algumas prio-ridades no atendimento aos adolescentes em conflito com a lei. Fica claro, por exemplo, comoa valorização da aplicação das medidas em meio aberto (prestação de serviços à comunidadee liberdade assistida), que respeitam a condição do adolescente como pessoa em processo deformação, é cada vez mais necessária.

Os dados revelam, ainda, que, em muitos casos, os adolescentes encontram-se envolvi-dos em redes de ilegalidade com as quais, associadas à privação de direitos, não conseguemromper sozinhos. Nesse sentido, o qualificativo “assistida” para a liberdade, ganha importân-cia, na medida em que evidencia que o envolvimento da família, dos técnicos em sócio-educa-ção, do sistema de Justiça e da sociedade em geral, no processo de socialização do jovem, sãoessenciais para que ele seja bem sucedido.

Prefácio

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 13

Finalmente, não é possível refletir sobre o processo sócio-educativo sem que políticaspúblicas integradas de educação, saúde, profissionalização, cultura, assistência social, sejamtomadas como premissas básicas para o cumprimento da medida. Desse modo, estaremosgarantindo, não apenas o processo de inserção social, mas também a construção de uma socie-dade onde o adolescente seja um cidadão pleno.

Esperamos que a leitura desta pesquisa ajude a ampliar o conhecimento que temos sobreos adolescentes em conflito com a lei, com vistas a incentivar reflexões sobre a adequação dos pro-gramas sócio-educativos às necessidades desses jovens, aprimorando a implementação de políti-cas publicas capazes de transformar positivamente a nossa realidade.

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Quando se discute a situação de adolescentes em conflito com a lei, comumente se dámaior visibilidade e atenção aos adolescentes em cumprimento de medidas em meio fechado(internação e semi-liberdade). Entretanto, de acordo com dados do Levantamento Estatísticoda Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especialde Direitos Humanos, de 2004, sabe-se que o número total de adolescentes no Brasil, inseridosno sistema sócio-educativo, era de 39.578, sendo que 70%, ou seja, 27.763 do total encontravam-se em cumprimento de medidas sócio-educativas em meio aberto (liberdade assistida e pres-tação de serviços à comunidade).

O Estado de São Paulo, segundo o mesmo levantamento, concentrava, já em 2004, 50%dos adolescentes cumprindo medidas no país, o que correspondia a 19.747 adolescentes ejovens. Considerando que, neste Estado, a porcentagem da população de 12 a 18 anos é deaproximadamente 20% em relação ao total de adolescentes no país, constata-se que não háproporcionalidade entre as duas informações.

Os dados também apontam que, no meio aberto, 90% dos adolescentes são do sexomasculino e 10%, do feminino. Em relação a essas medidas, a cidade de São Paulo tem 776adolescentes cumprindo PSC e 3.741 cumprindo LA, totalizando 4.517 adolescentes em cum-primento de medida em meio aberto na capital.

O fato é que, em geral, sabe-se muito pouco sobre a execução das medidas sócio-educa-tivas em meio aberto. No entanto, é de conhecimento notório que sua aplicação é ainda insu-ficiente, se comparada à utilização das medidas privativas de liberdade, tendo em vista queaquelas, ao contrário destas, apresentam maior potencial educativo e permitem a socializaçãodo adolescente em sua própria comunidade. Além disso, muito se fala sobre a fragilidade dosprogramas de execução das medidas em meio aberto.

A pesquisa, o universo, os porquês…

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Em São Paulo não é diferente. Há muitos municípios que não contam com a existênciade programas para o meio aberto e, mesmo quando estes existem, deixam a desejar doponto de vista da estrutura, orçamento e recursos adequados.

Neste cenário, conhecer mais de perto a experiência de quatro programas de execu-ção de liberdade assistida e um de prestação de serviços à comunidade, no Estado de SãoPaulo, ganhou um duplo significado: de um lado, a partir do olhar sobre os adolescentesautores de ato infracionais submetidos a tais medidas, podemos conhecer suas potenciali-dades e necessidades prioritárias, favorecendo o desenho de programas mais afinados comos objetivos da lei; de outro, a experiência dessas quatro cidades oferece, para todo oEstado, algumas pistas para a organização e a adequada implementação de tais políticassócio-educativas.

Como poderemos observar, os programas pesquisados não são municipalizados, comorecomenda nossa Constituição Federal e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente,sendo a única exceção o programa de PSC do Guarujá. Os programas são executadosmediante uma parceria entre a Fundação CASA (órgão estadual) com prefeituras e organiza-ções não-governamentais. Apesar disso, todos eles constituem-se como experiências quepodem, em médio prazo, efetivar um processo de municipalização ou, dentro de suas limita-ções, iniciá-lo.

Além disso, não podemos perder de vista a importância de reafirmar a prioridade dasmedidas em meio aberto em relação ao regime fechado. Num Estado como São Paulo, con-siderar essa dimensão é fundamental, pois se sabe que o fortalecimento da execução demedidas em meio aberto é um dos fatores que podem reduzir os altos índices de internação.

Como já dissemos, a pesquisa foi realizada em quatro cidades – Campinas, Guarujá,Guarulhos e Jandira –, tendo abrangido cinco programas de execução de medidas sócio-edu-cativas em meio aberto, nos quais entrevistamos 481 adolescentes em cumprimento de medi-da. Vale dizer que não houve um critério específico de definição desses locais. A eleição de taisprogramas deu-se por se tratarem de projetos localizados nas cidades que já recebiam apoio einvestimento da Fundação Telefônica, via Fundo Municipal dos Direitos da Criança e doAdolescente, no período de 2006 e 2007. A pesquisa, portanto, esteve atrelada a esse processode apoio que os programas receberam.

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 17

O número total de entrevistas realizadas em cada cidade variou em razão de universostambém distintos de atendimento, sendo que procuramos entrevistar a totalidade dos ado-lescentes que freqüentam os cinco programas escolhidos.

Apesar disso, o universo originalmente estimado não foi completamente atingido.Vários motivos concorreram para isso, desde o não comparecimento dos adolescentes parao cumprimento da medida à não participação na entrevista, o que era de caráter eminente-mente voluntário, bem como o cometimento de novos atos infracionais e a conseqüenteimposição de outras medidas sócio-educativas como a internação, por exemplo, até o alcan-ce da maioridade e eventual ingresso no sistema prisional.

Assim, de um universo inicial de 664 adolescentes, realizamos 481 entrevistas, o que repre-senta 72,4% do universo total. As entrevistas foram realizadas entre os meses de Novembro de2006 a Junho de 2007, configurando uma etapa de campo de 7 meses de duração.

Dos 481 adolescentes e jovens entrevistados, 44% cumprem medida em Campinas nosProjetos COMEC e OSSJB (Obra Social São João Bosco), 36% em Guarulhos, no Projeto GAIA(Grupo de Apoio e Integração ao Adolescente), 14% no núcleo da Secretaria da AssistênciaSocial (SAS) da Prefeitura do Guarujá e 6% em Jandira.

Para esta publicação de resultados, unificamos os dados dos dois programas sediadosem Campinas, acreditando que, para fins de análise do perfil do adolescente, seria mais rele-vante utilizar o critério do município de residência do adolescente que o do programa de exe-cução. Isso porque o objetivo primordial é conhecer o adolescente e suas percepções, e nãoavaliar os programas.

Desse modo, a grande representatividade dos adolescentes de Campinas em relação aouniverso total dos entrevistados deve-se ao fato dos jovens estarem ligados a dois progra-mas de execução, e não a um, como ocorre nos demais municípios. De outro lado, a baixarepresentatividade de adolescentes oriundos de Jandira deve-se ao universo reduzido deatendimento pelo programa analisado.

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Quem são os adolescentes que

cumprem medidas sócio-educativas em meio aberto?

1

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20 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

s informações abaixo referem-seàs 481 entrevistas realizadas noperíodo de novembro de 2006 a

junho de 2007 nos cinco programas ante-riormente mencionados: Projeto Gaia (Gua-rulhos), Secre-taria da Assistência Social (SAS)da Prefeitura do Guarujá, Obra Social SãoJoão Bosco (Cam-pinas), COMEC (Campinas)e AJAES (Jandira).

De acordo com o gráfico, o projeto GAIA,de Guarulhos, concentrou o maior número deentrevistas realizadas, totalizando 173 entrevis-tas, o equivalente a 36% do total. Porém, se ana-lisarmos os dados considerando a cidade deorigem dos adolescentes, Campinas alcança44% do total de entrevistas (27% realizadas naObra Social São João Bosco e 17% no COMEC).

Considerando que as entrevistas reali-zaram-se durante o cumprimento das medi-das sócio-educativas, o universo etário é pré-

definido entre 12 e 21 anos pois, segundo dis-posição do ECA, a partir dos 12 anos de idadepode haver a imposição de uma medidadessa natureza, sendo que sua execuçãopode estender-se até os 21 anos de idade,quando a liberação do jovem é compulsória.De acordo com a análise do universo pesqui-sado, identifica-se que 58% dos entrevistadosconcentram-se na faixa entre os 17 e 18 anos.

Ao compararmos a média de idade dosjovens em cumprimento de medidas em meioaberto com o meio fechado (internação),vemos que a média dos adolescentes em meioaberto é um pouco mais elevada. Conformerelatório publicado pelo IPEA em agosto de2003, intitulado “Adolescentes em conflitocom a lei: situação do atendimento institucio-nal no Brasil”, 76% dos adolescentes interna-dos tinham entre 16 e 18 anos, 6% entre 19 e 20anos de idade e 18% entre 12 e 15 anos.

A

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A diferença entre os dados da internaçãoem relação aos jovens em meio aberto apon-tam para duas hipóteses: a maior concentra-ção de adolescentes maiores de 18 anos cum-prindo LA está ligada à aplicação dessa medi-da como progressão da internação, ou ainda àmorosidade e ao lapso temporal entre aimposição de uma medida em meio aberto eo efetivo início de sua execução.

Essas percepções são importantes paramelhor adequação dos programas e políticasàs potencialidades e necessidades dos adoles-centes atendidos. Ao trabalhar com adolescen-tes prestes a atingir a maioridade, um conjun-to de novos desafios apresenta-se, estejameles relacionados à baixa escolaridade e à

defasagem escolar ou ao oferecimento de ati-vidades e serviços condizentes com essa etapada vida. Isso cria, para os programas, uma novaordem de necessidades, que abrangem dife-rentes intervenções para idades diversas, nãosendo possível padronizar o atendimento paraadolescentes de 13, 15 e 17 anos de idade.

Na questão do gênero, tanto o meioaberto como o regime de internação apre-sentam certa semelhança nos dados: nosprogramas de meio aberto pesquisados,90% dos jovens pertencem ao sexo mascu-lino e 10% ao feminino.

Conforme relatório do IPEA anteriormen-te citado, “o mundo das internações é predo-minantemente masculino”. No Brasil, 94% dos

200

150

100

50

22

Gaia Pref. Guarujá São João Bosco COMEC AJAES

Número de entrevistados distribuídos por programa a que pertencem

173

68

131

81

28

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22 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

jovens cumprindo medida de internação àépoca do levantamento eram do sexo mascu-lino e 6% do sexo feminino, o que equivale adizer que para cada 100 meninos internados

existem 6 meninas nas mesmas condições.Os programas pesquisados apresenta-

ram um universo feminino superior ao dainternação, trazendo a questão das diferen-

40%

30%

20%

10%

0%

12 13 14 15 16 17 18 19 20 21

Entrevistados segundo idade

1% 2% 4%8%

17%

29% 29%

8%3% 1%

90%

Feminino

Masculino

Entrevistados segundo sexo

10%

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ças de gênero no atendimento sócio-educa-tivo. Nesse sentido, é importante questionarse as atividades direcionadas ao atendi-mento do universo feminino consideramtodas as suas peculiaridades.

Em relação à situação familiar e afetivados entrevistados, 92% são solteiros e somente2% casados, sendo que metade afirmou namo-rar (49%). Quanto à existência de filhos, 11% afir-maram ter filhos, sendo que 87% possuem umúnico filho e 58% não moram com eles. Como ouniverso é primordialmente masculino, esteúltimo dado era esperado, pois, na maioria doscasos, os filhos vivem com suas mães (77%).

Na questão relativa à raça, a metodolo-gia utilizada foi a de auto-definição, sendo

que os entrevistados que se declararamnegros ou pardos somam 45%. Um terço(29%) declararam-se brancos e 21% morenos.Esse percentual de morenos pode indicaraqueles que apresentam certa resistência emse reconhecerem como afrodescendentes.

Se considerarmos negros, pardos emorenos como afrodescentes, o percentualde 66% aproxima-se da mesma caracteriza-ção de adolescentes internados no país,ainda segundo relatório do IPEA.

Em síntese, os dados apontam que ouniverso dos que cumprem medidas emmeio aberto nestes programas é formadomajoritariamente por homens afrodescen-dentes e solteiros, entre 17 e 18 anos.

Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 23

Em relação a sua raça você se declara

40%

30%

20%

10%

0%

Branco Pardo Negro Amarelo Outro Moreno

29%23% 22%

2% 3%

21%

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Situação de vulnerabilidade e violência

tualmente há inúmeros estudosque apontam a população jovemcomo a mais vitimada pela violên-

cia. O “Mapa da Violência” da Unesco e oestudo “Homicídios de Crianças e Jovens noBrasil – (1980-2002)” do Núcleo de Estudosde Violência da USP, publicado em 2006,revelam que os adolescentes são as princi-pais vítimas do crime de homicídio. Segun-do o estudo do NEV-USP, de 1980 a 2002, ataxa de homicídios de crianças e adolescen-tes cresceu para ambos os gêneros. Espe-cialmente na população de 0 a 19 anos, ataxa de homicídios provocados por causasexternas passou de 11,2% para 39,6%, repre-sentando um aumento de 254,4% no perío-do. Isso significa que, no ano de 2002, oshomicídios passaram a ser responsáveis porquase 40% das mortes por causas externasde crianças e adolescentes no Brasil.

Ainda, ao observar o coeficiente demortalidade por homicídio (CMH) segundogrupos de gênero, destaca-se que este supe-ra o encontrado na população total de 0 a 19anos em relação ao sexo masculino. Entreeles, o CMH cresceu 337,8%, passando de 5,1para 22,4 homicídios por 100 mil habitantes.

O Mapa da Violência da Unesco de2004 aponta no mesmo sentido: de umlado, o crescimento regular dos homicídiosno país; de outro, a escalada da violênciahomicida vitimando preferentemente ajuventude.

Focando essa temática, alguns dadosforam levantados pela pesquisa, com o intui-to de melhor compreender o processo de vul-nerabilidade e as situações de violência quecotidianamente afetam a vida de adolescen-tes brasileiros, e mais diretamente aquelesque estão cumprindo medidas judiciais.

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A primeira questão a abordar – a traje-tória dos entrevistados – referiu-se ao fatodo jovem ter morado ou morar em um abri-go, sendo que apenas 10% responderamafirmativamente. Isto é, a grande maioria,90%, viveu e /ou vive com familiares.

No tocante à documentação civil,aspecto importante para o exercício de direi-tos e para a constituição da cidadania políti-ca, entre os entrevistados, 90% possuem car-teira de identidade, 97% possuem certidão denascimento e 70%, carteira profissional.

Drogas – O uso de substâncias ilícitas éoutro tema que freqüentemente desponta

em estudos sobre a vulnerabilidade e, comigual freqüência, na discussão sobre os fato-res que podem contribuir para o envolvi-mento com a criminalidade.

Questionados acerca do uso anterior edo uso atual de drogas lícitas e ilícitas, cons-tatou-se que 88% dos entrevistados afir-mam já ter utilizado algum tipo de drogalegal ou ilegal, sendo o álcool a droga maiscitada, com 80% de freqüência, seguida damaconha, com 75%. O cigarro é a terceiramais citada, tendo sido utilizado por 71%dos entrevistados.

É interessante observar que não hádiferença significativa entre a declaração de

90%

Mora ou morou em abrigo?

10%

Sim

Não

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uso no passado de maconha e álcool. Issopode ser visto como um indicativo de que osadolescentes sentiram-se à vontade parafalar sobre o tema com os pesquisadores, namedida em que a declaração de uso de umadroga ilegal aproximou-se muito do usodeclarado do álcool, ficando a maconha,inclusive, à frente do cigarro.

A quarta droga mais utilizada foi acocaína, com um percentual de 38% de uso,o que é bastante significativo. No entanto,seu uso é diverso, se compararmos as qua-tro localidades abrangidas: no Guarujá e emGuarulhos 31% dos jovens afirmaram játerem usado cocaína, enquanto emCampinas e Jandira, esse percentual foi de

45%. A diferença pode ser explicada pelaspossibilidades de oferta da droga nos muni-cípios – já que a maconha e o álcool tiveramuso declarado semelhante nos diversosmunicípios, exceto em Jandira, onde somen-te 21% dos jovens afirmaram ter utilizadomaconha no passado.

Quando tratamos do uso de drogas nopresente, o número de adolescentes queafirmaram usá-las cai para 19%, sendo quemenos da metade dos entrevistados quehaviam declarado utilizar maconha no pas-sado afirmaram usá-la atualmente. O usodo álcool também foi reduzido em 22% e oda cocaína em 87% dos casos. Os resultadosde pesquisa de consumo atual de drogas

88%

Não

Sim

Já utilizou algum tipo de droga legal ou ilegal?

12%

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 27

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0

Maconha Cocaína Heroína Crack Álcool Cigarro Cola Outra

Quais drogas já utilizou?

75%

38%

1%7%

80%71%

9% 6%

72%

Você utiliza atualmente algum tipo de droga legal ou ilegal?

28%

Não

Sim

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28 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Maconha Cocaína Crack Álcool Cigarro Cola Outra

Quais drogas utiliza atualmente?

35%

5%1%

62%66%

0% 1%

devem sempre ser ponderados, pelo fato deque admitir o uso no passado é mais fácil doque assumi-lo no tempo presente. Assim, édifícil aferir se uma declarada redução douso de drogas tem relação direta ao cumpri-mento da medida sócio-educativa.

É importante destacar que nenhumprograma sócio-educativo, ainda mais emmeio aberto, no qual o adolescente perma-nece convivendo com a família, amigos egrupos de identificação e pertencimento,pode ignorar a temática das drogas, como senão existisse ou não fizesse parte da vidados adolescentes atendidos. Algumas expe-

riências inovadoras trabalham com a pers-pectiva da redução de danos, a partir da dis-cussão aprofundada com os adolescentessobre a influência da droga em suas vidas,seu significado, impacto e importância.

Considerando isso, também questio-namos os adolescentes sobre a convivênciacom as drogas a partir do grupo familiar.Aproximadamente 76% dos adolescentesdisseram ter algum parente que consomedroga, um número bem próximo ao percen-tual de jovens que usa drogas atualmente.

Não podemos afirmar que há uma cor-relação direta entre o uso de drogas na famí-

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 29

lia e o uso pelo adolescente. A semelhança dopercentual de uso pode indicar a influênciada família, mas também a questão da ofertae a presença de drogas no meio social comoalgo relativamente aceito socialmente.

Como se pode observar, o tipo de drogautilizada pelos parentes e familiares dosadolescentes é um pouco diverso, predomi-nando as drogas legalizadas. Os jovensdeclararam que 72% de seus familiaresusam o cigarro e 68%, o álcool, ao passo quesomente 20% usam maconha e 11%, cocaína.

Outro aspecto investigado relativo aomeio social e sua influência na formação dosjovens diz respeito à convivência com o crime

e com o sistema prisional. Dos entrevistados,apuramos um alto percentual de adolescen-tes (46%) que têm familiares condenadospelo cometimento de algum crime, sendo oroubo o mais freqüente (53% dos casos).

Do universo de familiares condenados,os parentes mais citados foram irmão (61%dos casos) e tio (58%), seguido do primo edo pai, com 33% e 31% dos casos, respectiva-mente. Isto indica que, em geral, o grau deparentesco apontado é muito próximo aoadolescente.

Além disso, 89% desses familiares rece-beram pena de prisão, sendo que apenas 1% receberam penas alternativas. Tais resul-

76%

Alguém da sua família utiliza algum tipo de droga legal ou ilegal?

24%

Não

Sim

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30 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

46%

Alguém da sua família já cometeu algum crime e foi condenado por isso?

54%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Maconha Cocaína Heroína Crack Álcool Cigarro Cola Outra

Qual tipo de droga seu parente utiliza?

20%11%

0%5%

1% 0%

68%72%

Não

Sim

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 31

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Homicídio Lesão Furto Roubo Outro Não Corporal sabe

Qual foi o crime cometido?

15%

2% 6%

53%

41%

9%

tados apontam para uma familiaridade dosadolescentes com o sistema prisional.

Os dados apresentados, somados a umcontexto de violência, devem ser considera-dos tanto para elaborar com os adolescentessuas experiências e histórias de vida, comopara desenhar o atendimento e as ativida-des a serem oferecidas, não sendo viávelpensar num sujeito descontextualizado.

Nesse sentido, a situação familiar esocioeconômica é outro tema de extremaimportância. No tocante ao universo domés-tico e familiar dos entrevistados, 98% delesmoram com outra(s) pessoa(s). Em média,entre 3 e 6 pessoas habitam a casa.

Dos entrevistados, 74% moram com amãe e 72%, com os irmãos. Somente 35%dos entrevistados moram com o pai e 14%deles moram com o padrasto, o que, aomenos no grupo de entrevistados, relativizaa tese das famílias majoritariamente che-fiadas por mulheres, já que as residênciashabitadas por pais ou padrastos somammetade dos lares (49%).

A renda familiar mensal concentra-sena faixa de 01 a 03 salários mínimos para osentrevistados em todos os programas.Foram observadas, no entanto, diferençaspercentuais importantes entre alguns muni-cípios. Enquanto em Guarulhos 68% dos

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32 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Irmão Pai Mãe Primo (a) Tio (a) Mais de Outrosum parente

Grau de parentesco

61%

31% 33%

58%

21%

4%4%

adolescentes indicaram estar nessa faixa derenda familiar, no Guarujá esse percentualsubiu para 83%. Campinas e Jandira apresen-taram percentuais bastante próximos, 77% e73%, respectivamente. Nesse aspecto, éimportante lembrar que a renda familiarmensal geralmente diz respeito a residên-cias onde vivem de 3 a 6 pessoas, com ummontante que não ultrapassa R$ 1.140,00, oequivalente a R$ 38,00 por dia.

Preliminarmente, podemos inferir quese trata de um contexto de baixa renda, emque há convívio com as drogas, contato com

o sistema prisional e, como detalharemos aseguir, situações de violência.

A violência como parte integrante davida desses jovens não parece ser novidade.Investigar os aspectos relacionados a essasituação pode trazer elementos significati-vos para compreender os fatores que maisafetam a vida desse grupo social, os riscos eas conseqüências que a violência e o crimeproduzem em suas trajetórias.

O primeiro aspecto desse bloco de análi-se é a presença da arma de fogo no cotidianodos jovens. Mais da metade dos entrevistados

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 33

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Prisão Pena Alternativa Outra Não Sabe

Qual o tipo de pena?

89%

1%6% 4%

25%

20%

15%

10%

5%

0%

2 3 4 5 6 7 8 9 10 Não respondeu

Quantas pessoas habitam a mesma casa?

8%

18% 20% 20%

7% 5% 2% 3%

15%

1%

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(53%) afirmou ser fácil ou muito fácil obteruma arma de fogo e 71% deles já tiveram efe-tivamente uma arma nas mãos. Além disso,94% dos adolescentes afirmaram que já pre-senciaram cenas de violência (em Jandiraesse número sobe para 100%), configurandoum inegável contexto de vulnerabilidade.

Curiosamente, embora 48% dos ado-lescentes tenham afirmado ser difícil oumuito difícil obter uma arma de fogo, 71%deles disseram ter tido uma arma nas mãos.

A partir desses dados, é preciso refletir so-bre os possíveis assédios do crime na vidadesses jovens e a oferta da arma como sím-bolo de status e poder.

Não é novidade reportar que uma polí-tica de controle de armas produziria, semsombra de dúvidas, a redução da violência etambém da vulnerabilidade dos jovens.

O impacto do universo de 94% deentrevistados que já presenciaram cenas deviolência é ainda maior quando observamos

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Pai Mãe Padrasto Madrasta Avós Avós Amigos Tios Primos Irmãos Esposa Outrospaternos maternos marido

Quem mora com você?

35%

74%

14%

2% 5% 7%1%

11%5% 8%

20%

72%

34 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 35

35%

30%

25%

20%

15%

10%

5%

0

Muito fácil Fácil Difícil Muito difícil

Caso você quisesse obter uma arma de fogo isso seria:

20%

33%

27%

21%

71%

Você já teve uma arma de fogo nas mãos?

29%

Não

Sim

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que essas cenas ocorreram na rua. Tambémé preocupante a afirmação de 53% dosentrevistados, de que essa experiência foivivida na escola, o que coloca em questãoum grave desvirtuamento do espaço esco-lar. Além disso, 43% disseram presenciar violência em unidades de internação e 21% em casa. Os outros 17% descreveramoutros lugares.

Destaca-se que o mesmo adolescentepode ter indicado mais de um cenário ondepresenciou cenas de violência. De qualquerforma, quase a totalidade referiu-se à rua,portanto ao espaço público, como um espa-ço violento em suas vidas.

No que concerne à natureza da violên-cia presenciada, a forma mais mencionadafoi a agressão, sendo alarmante o grande

36 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Em casa Na rua Na escola Numa unidade Outro lugarde internação

Onde presenciou cenas de violência?

21%

94%

53%

43%

17%

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número de jovens que testemunharamcenas de homicídio: 54% deles. Cenas deroubo também fizeram parte da experiênciade 60% dos entrevistados.

Quando perguntados sobre a condiçãode vítimas, 69% declararam já ter sofridoalgum tipo de violência. Desses, 79% sofre-ram na rua e 16% em casa; a violência naescola fez parte da experiência de 19% dosjovens e para 23% deles isso ocorreu no inte-rior de uma unidade de internação.

Ainda sobre as características da viti-mização desses jovens, o tipo de violên-cia sofrida mais apontada foi a agressão,em 83% dos casos. O percentual de 18% que sofreu tentativa de homicídio corrobo-

ra a constatação de que os adolescentes em cumprimento de medidas sócio-educa-tivas pertencem a um grupo altamente vulnerável.

O número de entrevistados que foramvítimas de roubo pode ser indicativo de umperfil social bem delineado: em proporçãocom os demais crimes, o roubo apresentaum índice relativamente baixo. É importan-te perceber que a violência faz parte dessasvidas e que experiências vitimam essegrupo de um modo bastante peculiar, secomparado ao restante da população. Sofrerviolência e a forma como essa violência osafeta é mais um elemento da exclusão quevivenciam.

Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 37

100%

80%

60%

40%

20%

0%

Homicídio Roubo Agressão Ameaça Discriminação Outra

Que tipo de violência presenciou?

54% 60%

91%

67%50%

6%

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Trajetória infracional

Outro aspecto da situação de riscoestá na prática de infrações penais pelosadolescentes. Dos 481 entrevistados, 55%deles (264 jovens) afirmaram já ter pratica-do um ato infracional anterior ao que ense-jou a atual medida e destes, 44% (116 ado-lescentes) foram submetidos a medidasanteriores a essa.

Do universo de 264 jovens que pratica-

ram delitos anteriores, o roubo foi o atomais praticado, em 63% dos casos, seguidodo furto (38% dos casos). O porte ilegal dearmas foi mencionado por 34% dos adoles-centes, tráfico de drogas por 32% e o portede drogas por 15% deles. Os crimes de dano,lesões corporais e outros representam de 08a 11% dos casos. Surpreendentemente, 4%do grupo que afirmou haver cometido deli-tos anteriores, reconheceu a prática docrime de homicídio.

38 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Em casa Na rua Na escola Numa unidade Outrode internação lugar

Onde sofreu a violência?

16%

79%

19%23%

11%

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 39

Dos 44% dos jovens que foram subme-tidos a medidas anteriores, a internaçãorepresenta 29% dos casos, a liberdade assis-tida foi mencionada por 60% desses adoles-centes e a prestação de serviços à comuni-dade por 25% deles.

O ato infracional anterior foi cometidopelos entrevistados majoritariamentequando eles tinham idades entre 14 e 15anos, pois tal faixa etária representa 50%dos casos.

No que concerne à medida atual e aoato infracional que a ensejou, podemosobservar que, em primeiro lugar, o roubopersiste como o delito mais praticado.Porém, há uma sutil alteração no padrão dacriminalidade referida, pois, de maneirageral, mesmo o roubo e demais crimes apre-sentaram uma queda percentual. A quedamais significativa está na prática de furto,que de 38% dos casos passou a 5%. O portede drogas, de arma, dano e lesões corporais

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0

Tentativa Roubo Agressão Ameaça Discriminação Outrade homicídio

Que tipo de violência sofreu?

18%11%

83%

35% 27%

7%

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40 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

55%

Você praticou algum ato infracional anterior ao que ensejou a atual medida?

45%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Homicídio Dano Lesão Porte de Tráfico Furto Roubo Porte Outrocorporal drogas de drogas de arma

Qual foi o ato cometido?

9%15%

32%38%

34%

11%

63%

4%8%

Não

Sim

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 41

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Advertência Reparação Internação PSC Semiliberdade Liberdadedo dano assistida

Quais medidas recebeu em razão de ato anterior?

6%

1%

29% 25%

4%

60%

também foram mencionados pelos adoles-centes em menor quantidade. A única cate-goria, no cômputo geral, que apresentouum percentual mais alto, foi a de “outros”.

Esse resultado é importante, porquedesmente e desconstrói a idéia de que osadolescentes cometem, em suas trajetóriasao longo dos anos, delitos mais graves. Aomenos no universo pesquisado, essa é umahipótese que não se confirmou.

Quanto à idade da prática desses atosinfracionais, ela se concentra na faixa de 16e 17 anos, representando 60% dos entrevis-tados. Essa elevação da idade é perfeita-

mente compreensível, tendo em vista ocumprimento de medidas anteriores porparte de 44% dos adolescentes, conformemencionado.

A última perspectiva de análise tam-bém aponta para a responsabilidade que asintervenções sócio-educativas adquiremquando executadas pela primeira vez, sendonecessário refletir se os programas ofere-cem ao adolescente outros caminhos desocialização que não os do crime, ou se, aocontrário de suas finalidades, acabam favo-recendo uma identificação com a transgres-são e a marginalização.

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42 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Homicídio Dano Lesão Porte de Tráfico Furto Roubo Porte Outrocorporal drogas de drogas de arma

Qual ato infracional ensejou a medida que está cumprindo?

2%

27%

5%13%

48%

20%

1% 2% 2%

30%

25%

20%

15%

10%

5%

0%

8 9 10 11 12 13 14 15 16 17

Quantos anos você tinha quando cometeu o ato anterior?

12% 12%

24% 26%14%

6%

1%1% 2% 2%

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 43

35%

30%

25%

20%

15%

10%

5%

0%

12 13 14 15 16 17

Que idade você tinha quando praticou esse ato infracional?

5%

10%

24%

29% 29%

3%

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44 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

maioria dos adolescentes e jovensentrevistados (59%) estão matri-culados na escola, sendo que 83%

afirmam freqüentar regular ou assidua-mente as aulas. Entretanto, não deixa de serprovocador constatar que cerca de 18% dosentrevistados assumam freqüentar a escolararamente ou nunca.

Essas questões colocam em foco adiferença que existe entre o acesso à matrí-cula na escola, a freqüência e a permanên-cia do adolescente na instituição de ensino.Tais questões dizem respeito ao sentido quea escola e a experiência escolar podemadquirir na vida dos adolescentes, além deindicar outros aspectos objetivos, como adistância da escola em relação ao local demoradia, a dificuldade em conjugar estudose trabalho e a defasagem escolar.

A defasagem escolar é uma realidadeinconteste. Quando perguntados sobre ograu de escolaridade, à época do início documprimento da medida, 78% deles afirma-ram que estavam no ensino fundamental e 22% no ensino médio. O grau de esco-laridade é baixo com relação à idade dosentrevistados, em sua maioria na faixa dos16 à 18 anos, o que seria condizente com oensino médio.

Embora não tenham sido indagadossobre isso, sabemos que a baixa escolarida-de é em grande medida influenciada pelasaltas taxas de reprovação e evasão escola-res. Uma variável que tem sido bastante uti-lizada para medir a escolarização da popula-ção de crianças e adolescentes em geral, é aque contabiliza os anos de estudo. Para tan-to, leva-se em conta a última série cursada

A vida escolar e o mundo do trabalho

A

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 45

59%

Está matriculado na escola?

41%

12%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Assiduamente Regularmente Raramente Nunca

52%

31%

6%

Com que freqüência vai às aulas?

Não

Sim

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46 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

com aprovação. No Brasil, e média é de ape-nas 6,4 anos de estudo.

No caso de adolescentes em cumpri-mento de medidas sócio-educativas, obser-vamos uma realidade ainda mais grave, noque se refere à educação. Em primeiro lugar,porque o índice de matriculados é normal-mente inferior às taxas nacionais. Dados doRadar Social, elaborado pelo IPEA em 2005,demonstraram que, entre os jovens de 15 a17 anos, o índice de freqüência à escola

ultrapassou 81% em 2003, mas menos de41% estavam matriculados no ensino mé-dio. Comparando com os números já apre-sentados, resta evidente que a escolaridadedeste grupo é ainda mais baixa.

A baixa escolaridade, somada à auto-avaliação de seu desempenho escolar comoregular por cerca da metade dos adolescen-tes (49% deles), são indicadores que reve-lam uma relação precária e frágil com aescola. Esse é um dado preocupante, porqueo desempenho inadequado, aliado a outrosfatores internos e externos à escola, induzao aumento das taxas de reprovação, assimcomo também de evasão escolar. É dizerque, muito embora 78% dos entrevistadostenham apontado a escola como muitoimportante ou importante para obter infor-mações e socializar-se, em termos objetivos,não é isso exatamente o que se verifica.

Além disso, constatou-se que nãohouve, após o cumprimento da medida,uma melhoria substancial da escolaridadedos adolescentes, pois apenas 27% dosentrevistados que não estudavam passarama estudar, sendo que, destes, somente 13%reportam que o cumprimento da medidainfluenciou na retomada dos estudos. Amaioria, assim, afirmou ter voltado a estu-dar por conta própria, não reconhecendo ser

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Ensino fundamental Ensino médio Ensino superior

Escolaridade quando iniciou o cumprimento da medida

78%

22%

0%

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 47

esta uma mudança provocada pelo cumpri-mento da medida sócio-educativa.

Também não se encontrou uma relaçãoentre o grau de escolaridade do adolescente eo tipo de delito cometido, e tampouco é pos-sível afirmar que exista uma relação entre o tipode medida aplicada e o nível de escolaridade.

De qualquer maneira, observamos quehá uma diferença entre a proporção dos jo-vens que possuem ensino médio em relaçãoà medida sócio-educativa aplicada: dentreos sentenciados com PSC e LA, 51% e 49%deles, respectivamente, estavam no ensi-no médio, sendo que essa porcentagem caibastante em relação aos que receberam amedida de semi-liberdade e internação,

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Ótimo Bom Regular Ruim Péssimo

Você considera seu desempenho escolar:

7%

36%

49%

4% 4%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Está estudando Está estudando Não estáem razão da medida por decisão própria estudando

Atualmente está estudando? Por quê?

13% 14%

73%

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48 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

representando 10% e 14%, respectivamente.Os três únicos adolescentes que estavamcursando nível superior receberam a medi-da de PSC.

O universo do trabalho é outro cenárioque demanda muita atenção por parte daspolíticas para a infância e juventude, comespecial atenção às medidas sócio-educati-vas. Dos adolescentes, 30% deles traba-lhavam no momento da entrevista, sendoque a imensa maioria desse grupo (91%)

trabalhava sem carteira assinada. E ainda79% deles – um número bastante significa-tivo – afirmaram contribuir para o sustentoda família.

Apesar de somente um terço dosjovens ter afirmado estar trabalhando nomomento da entrevista, 81% deles já ha-viam trabalhado anteriormente e, destes,somente 5% tinham carteira assinada.Quando trabalhavam, 75% contribuíam parao sustento da família.

250

200

150

100

50

0

Advertência Reparação Internação Prestação de Semiliberdade Liberdadede dano serviços à assistida

comunidade

Medida aplicada segundo escolaridade

1 138

14

8151

336

10

193

49

Fundamental Médio Superior

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 49

Esses dados revelam alguns gravesproblemas que não podemos ignorar, quan-do pensamos no universo de adolescentesque cumprem medidas sócio-educativas.Um deles refere-se ao fato de a experiênciado trabalho ser mais freqüente do que aexperiência escolar: enquanto somente60% estão matriculados em instituições deensino, 81% dos jovens já trabalharam emalguma atividade. O que também nos reme-te às possibilidades de exploração do traba-

lho dessa população sem a observância dasrecomendações legais, como a condição deaprendiz, e a impossibilidade de envolvi-mento dos adolescentes em algumas ati-vidades específicas. Mais do que isso, oenvolvimento em atividades do mercadoinformal de trabalho pode guardar algumarelação com atividades ilegais, constituin-do-se em outro elemento de violação dedireitos e de vulnerabilidade.

70%

Sim Não

Você trabalha atualmente?

30%

Você trabalha com carteira assinada?

91%9%

Sim Não

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Os programas apoiados:

a percepção dosadolescentes

2

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52 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

omo observamos anteriormente,a pesquisa realizada pelo ILANUDnas cidades de Campinas1, Gua-

rujá, Guarulhos e Jandira, junto aos progra-mas de execução de liberdade assistida eprestação de serviços à comunidade, repre-sentou uma atividade integrada ao apoioque os mesmos programas receberam daFundação Telefônica – para implementaçãode ações na área da inclusão digital dos ado-lescentes atendidos e de maneira maisabrangente, para o aperfeiçoamento de suasmetodologias e atividades pedagógicas.

É necessário sublinhar que, diferente-mente da maioria das pesquisas realizadasem programas sócio-educativos que partemde fontes documentais e registros oficiais, apesquisa ora realizada teve como foco a opi-nião e a percepção dos adolescentes direta-mente envolvidos nas ações. A entrevista,realizada por meio de um questionário,abrangeu perguntas direcionadas a conhe-cer, em detalhes, a relação dos adolescentescom os programas.

É importante ponderar que não faziaparte do escopo da pesquisa produzir umaavaliação da qualidade dos serviços e ativi-

dades oferecidas no âmbito da execução damedida sócio-educativa, mas tão somenteouvir os adolescentes e conhecer suas per-cepções. Por isso, mais do que destacar eaveriguar a existência de uma atividade oucurso oferecido, privilegiamos indagar se oadolescente tinha ou não conhecimento detal serviço e se dele participou.

Para melhor contextualizar as açõesdas quais trataremos e também tendo emvista as informações já apresentadas sobreos adolescentes e suas condições de vida, éfundamental descrever, ainda que de formasucinta, algumas características das cidadesnas quais os programas se desenvolvem.

O conjunto dessas questões – quem éo adolescente, suas condições de vida e cir-cunstâncias pessoais, as cidades nas quaisestão inseridos e como vêem e se relacio-nam com os programas sócio-educativos –,tem a possibilidade de oferecer elementospara a definição de políticas municipaissócio-educativas em meio aberto mais ade-quadas às realidades locais e às demandasda adolescência, fatores que indiscutivel-mente operam no sentido de conferir maioreficácia às ações desenvolvidas.

1 Como já mencionamos, na ci-dade de Campinas, foram pesqui-sados dois programas distintos.

C

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Os projetos das cidades

Guarulhos

Guarujá

Jandira

Campinas

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54 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

Campinas

Das cidades pesquisadas, Campinas é asegunda maior, ficando somente atrás deGuarulhos. Em termos populacionais, pos-sui 1.041.5092 habitantes, sendo que, destes,110.409 (cerca de 11% da população) têmidade entre 11 e 17 anos3. São 81.021 habitan-tes do sexo masculino, com idades entre 10e 19 anos.

Campinas tem o melhor Índice deDesenvolvimento Humano Municipal –(IDHM) no âmbito das quatro cidadesobservadas na pesquisa (equivalente a0,852) e também a mais alta renda médiaper capita (em salários mínimos): 4,054. É odobro da segunda melhor renda, encontra-da em Guarulhos.

A taxa de analfabetismo da populaçãode 15 anos ou mais é de 4,99%5, 40% menordo que o índice do Guarujá, que apresenta omaior índice de analfabetismo dentre todasas localidades pesquisadas.

O perfil sócio-econômico de Campinaschama a atenção, pois embora seja o me-lhor dentre as quatro cidades, paradoxal-mente é a cidade que possui o maior núme-ro de adolescentes internados no sistemaestadual sócio-educativo. Dos internos naFundação CASA, 161 são nascidos em Cam-

pinas6. Observa-se que não se trata de umarepresentatividade proporcional à popula-ção, já que Guarulhos é mais populosa epossui menor número de adolescentesinternados. Isso coloca em discussão aspolíticas repressivas adotadas na cidade, ofuncionamento do sistema de justiça dainfância e juventude local e sua interfacecom a adequada oferta de programas emmeio aberto no município.

Como já foi dito aqui, em Campinasforam entrevistados adolescentes ligados adois programas de cumprimento de medidade Liberdade Assistida: Obra Social São JoãoBosco – OSSJB e Centro de Orientação aoAdolescente de Campinas – COMEC.

Guarulhos

Guarulhos é a cidade mais populosa dentreas municipalidades trabalhadas no projetoaqui apresentado. Tem 1.258.205 habitan-tes7, sendo que 151.349 são adolescentesentre 11 e 17 anos, ou seja, 12% da popula-ção. O Índice de Desenvolvimento HumanoMunicipal8 (IDHM) é de 0,798,menor que o de Campinas e Jandira. Poroutro lado, Guarulhos tem a segunda me-nor taxa de analfabetismo dentre as muni-

2 Fonte: Fundação SEADE, 2006.

3 Idem.

4 Idem, ano 2000.

5 Ibidem, ano 2000.

6 Dados recebidos da Divisão deTecnologia da Informação daFundação CASA.

7 Fonte; SEADE, ano 2006.

8 Idem, ano 2000.

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cipalidades que tiveram programas incluí-dos na pesquisa: são 6,3 % de analfabetoscom 15 anos ou mais.

Com uma média de renda per capitade 2,27 salários mínimos9, Guarulhos tem86 adolescentes internados no sistemaestadual.

O Programa de Liberdade Assistida deGuarulhos é o GAIA.

Guarujá

A cidade do Guarujá tem 302.122 habi-tantes10, 37.167 entre 11 e 17 anos, o que se-gue um padrão em todas as cidades pes-quisadas, de cerca de 12% de adolescen-tes na população. Apresenta o menor Índi-ce de Desenvolvimento Humano Municipal

(IDHM), equivalente a 0,788. Além disso, ataxa de analfabetismo da população de 15anos ou mais é de 8,45%, a maior entre osquatro municípios abrangidos pela pesquisa.

A média de renda per capita do muni-cípio é a segunda pior: 2,04 salários míni-mos11, superior apenas à de Jandira. Segun-do dados de 1999 da Fundação SEADE, oGuarujá é a única localidade que não conta-va com projetos ou programas culturaisdesenvolvidos pela Prefeitura.

O número de adolescentes cumprindomedida de internação que são naturais doGuarujá é de 63 .

Ressalte-se que, no caso desse municí-pio, o programa analisado é de prestação deserviços à comunidade, desenvolvido noâmbito da prefeitura municipal, pela Secre-taria de Assistência Social.

Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 55

9 Ibidem, ano 2000.

10 Fonte: SEADE, ano 2006.

11 Idem, ano 2000.

Cidades Programas Nº de Média de Taxa de IDH Nº de pesquisados entrevistados renda analfabetismo Municipal internados

per capita (15 anos ou mais) no Estado

Campinas OSSJB/ COMEC 212 4,05 4,99% 0,852 161

Guarulhos GAIA 173 2,27 6,3 % 0,798 86

Guarujá SAS 67 2,04 8,45%, 0,788 63

Jandira AJAES 29 1,93 6,6 % 0,801 8

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Jandira

Jandira é a localidade, dentre as selecio-nadas como objeto de pesquisa, com menorpopulação. São 113.200 habitantes12, sendodestes 14.180 na faixa etária entre 11 e 17anos, 12,5% da população total. Apresentatambém a menor média de renda per capta,equivalente a 1,93 salários mínimos13, e umataxa de analfabetismo da população de 15anos ou mais de 6,6 %. Interessante observarque o Índice de Desenvolvimento HumanoMunicipal (IDHM) é o segundo maior (0,80114),ficando atrás de Campinas somente.

Jandira é a cidade com o menor núme-ro de adolescentes internados no estado –somente 8 – e representou o menor univer-so de entrevistas realizadas na pesquisa.

Abaixo, segue um quadro comparativodas cidades, a partir das variáveis apresen-tadas: média de renda per capita, taxa deanalfabetismo na população de 15 anos oumais, índice de desenvolvimento humanomunicipal e número de adolescentes inter-nados no sistema estadual.

No tocante às taxas de analfabetismo,cabe assinalar que, conforme divulgadopelo Radar Social 2005 elaborado pelo IPEA,a média do Brasil na parcela populacionalde 15 anos ou mais, é de 5,7%. Com exceçãode Campinas, todas as cidades apresentammédias superiores à nacional, indicando anecessidade de uma atenção diferenciadana temática da educação de adolescentes ejovens nestas cidades.

56 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

12 Fonte: SEADE, ano 2006.

13 Idem, ano 2000.

14 Ibidem, ano 2000.

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 57

Caracterização dos programas sócio-educativos em meio aberto:a percepção dos adolescentes

primeira questão afeta à relaçãodos adolescentes com os progra-mas sócio-educativos referiu-se

ao tempo de vinculação ou cumprimento damedida. Observou-se que há dois extremos:adolescentes que acabaram de iniciar ocumprimento da medida (há 2 meses),representando 32% dos entrevistados, eoutros, ligados aos programas há mais de 6meses, representando 32% do universo. Ogrupo intermediário, que cumpre a medidade 2 a 6 meses, representa 28%. Não se po-de esquecer de que, conforme a previ-são legal, a medida de liberdade assistidadeve ser fixada pelo juiz no prazo mínimode 6 meses.

Já a prestação de serviços à comunida-de, medida correspondente ao programaanalisado no Guarujá, seguindo a previsãodo ECA, não poderá exceder o prazo máximo

de 6 meses. Nesse sentido, apresentamos osdados específicos da cidade do Guarujá.

Curiosamente, as respostas dos ado-lescentes apontam prazos superiores aopermitido, o que leva à hipótese de que nãohá a observância dos mandamentos legais,parecendo inexistir um planejamento deatividades a serem oferecidas pelos progra-mas e cumpridas pelos adolescentes em umcronograma pré-fixado.

Por esta razão, também não há dife-renças substantivas entre as atividades rea-lizadas por adolescentes que acabaram deiniciar o cumprimento da medida e as reali-zadas por aqueles que já estão há maistempo vinculados ao programa.

Outro tema levantado junto aos ado-lescentes diz respeito à freqüência de com-parecimento aos programas. A maioria afir-mou comparecer semanalmente (67% dos

A

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58 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

entrevistados), outros (22%) relataram quecomparecem mais de uma vez por semana e7% afirmaram comparecer quinzenalmente.

Essa questão, além de revelar uma ade-são do adolescente ao cumprimento da me-dida, guarda relação com elementos exter-nos a ele, tais como a localização e fácilacesso à instituição e a possibilidade deconciliar o cumprimento da medida comoutras atividades.

Assim sendo, a localização do progra-ma foi considerada por metade dos entre-vistados como boa (52% deles). Outros 21%avaliaram a localização como regular, 17%como ótima e 10% como ruim ou péssima.

A avaliação foi, de modo geral, bastan-te positiva neste quesito, na medida em que cerca de 70% julgaram boa ou ótima a localização.

Apesar disso, quando perguntadossobre a existência de alguma dificuldadepara o cumprimento da medida, 45,3% deleslevantaram a questão da distância entre amoradia e o local de cumprimento, tendoeste se configurado como o principal pro-blema, equivalente a 35,3% das respostas.

Além disso, 23,7% dos entrevistadosqueixaram-se da falta de dinheiro paratransporte e locomoção, o que também serelaciona tanto com a distância e localização

35%

30%

25%

20%

15%

5%

0%

Até 2 meses De 2 a 4 meses De 4 a 6 meses Mais de 6 meses

32%

15%

32%

Há quanto tempo você está ligado ao programa?

13%

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 59

do programa como com o comparecimentoregular e periódico para cumprir a medida.

Outras dificuldades foram igualmentemencionadas: 14% dos casos referem-se aodesafio de conciliar o cumprimento da medi-da com atividades laborais, enquanto 10% dosadolescentes e jovens disseram sofrer discri-minação (3,7%) e sentir vergonha pelo fato decumprirem uma medida judicial (6,5%).

Quanto à estrutura física, na percepçãodos adolescentes, os programas contam comuma estrutura ótima (31%) ou boa (57%).

Das atividades culturais oferecidas pe-losprogramas, a partir do que os adolescentesdizem saber, há uma predominância de oficinasde vídeo e música (37%), além de filmes e ofici-nas de rádio (28%) e aulas de artesanato (24%).

Apesar disso, 32% deles disseram nãoparticipar de nenhuma atividade cultural.As oficinas de vídeo e os filmes correspon-dem às atividades mais freqüentadas, por42% dos entrevistados.

Sobre os cursos profissionalizantes, aavaliação por parte dos adolescentes foi

40%

35%

30%

25%

20%

15%

5%

0%

Até 2 meses De 2 a 4 meses De 4 a 6 meses Mais de 6 meses Não soube informar

Há quanto tempo você está ligado ao programa? (Programa Guarujá)

15%12%

16%

35%

22%

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60 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Mais de 1 vez 1 vez a 1 vez por Outrauma vez por semana cada 15 dias mês

por semana

Com que freqüência você comparece ao programa?

22%

67%

7%1%

3%

altamente positiva, tendo 88% deles jul-gado a qualidade do curso freqüentadocomo boa ou ótima. Contudo, quando inda-gados sobre se haviam efetivamente parti-cipado dos cursos, somente 32% responde-ram afirmativamente.

Dos que participaram de algum cursoprofissionalizante, metade afirmou que o cur-so ajuda ou ajudou na atividade de trabalho.

Sobre a participação familiar, 77% dosentrevistados referiram que algum familiar

freqüenta o programa, sendo a mãe a pes-soa mais citada, em cerca de 70% dos casos,seguida dos pais (16,4%) e de irmãos ououtros (14,3%).

Finalmente, sobre características maisespecíficas do atendimento recebido, foipossível identificar que, na avaliação dosadolescentes e jovens, o atendimento é, emsua maior parte, considerado ótimo ou bom,havendo uma sutil preferência pelo atendi-mento individual, que é, para 57% dos adoles-

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 61

45.3%

Enfrenta dificuldade para cumprir a medida sócio-educativa?

54.7%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Ótimo Boa Regular Ruim Péssima

Quanto à localização do programa, você a considera:

17%

52%

21%

8%2%

Sim

Não

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62 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

40%

35%

30%

25%

20%

15%

10%

5%

0%

Distância Dinheiro Vergonha Discriminação Conciliar Conciliar Outroentre casa para atividades atividadese projeto transporte da medida da medida

e escola e trabalho

Dificuldade enfrentada para cumprir a medida

35.3%

23.7%

3.7%1.9%

6.5%

14.4% 14.4%

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 63

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Ótima Boa Regular Ruim Péssima

Quanto à estrutura física do programa, você a considera:

31%

57%

11%

1% 0%

35%

30%

25%

20%

15%

10%

5%

0%

Oficina Oficina de Aula de Oficina Aula de Filmes Aula de Aula de Aula de Visitas a Outro Nenhumade rádio jornalismo artes de vídeo teatro música dança artesanato exposições

De quais atividades culturais você participa?

6%

0%

6%

14%

2%

28%

4% 3%5% 6%

32%

6%

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64 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Péssimo Ruim Regular Bom Ótimo

Avaliação do curso profissionalizante

4% 2% 0%

36%

52%

32%

Quanto à profissionalização, você recebeu algumcurso durante a medida?

68%

Sim

Não

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 65

centes, considerado ótimo. O atendimentoem grupo recebeu a mesma avaliação por41% dos entrevistados.

Buscou-se obter, a partir das respostasdos adolescentes, uma avaliação sobre alocalização, estrutura física do programa e atendimento recebido por parte dos orientadores, tendo sido possível identifi-car uma maior valorização do atendimen-to dos orientadores da medida, superandoem qualidade, no dizer dos adolescentes, osdemais aspectos.

Também foi possível identificar queboa parte da avaliação positiva dos orienta-

dores teve relação direta com a possibili-dade de escuta que os adolescentes encon-tram nessa figura em particular. Muitosmencionaram apreciar o atendimento indi-vidual prestado pelo orientador, em razãode receber conselhos, estímulos e apoio.

Finalmente, quando perguntados so-bre o significado da medida em suas vidas e seus efeitos, 76,7% afirmou considerar quea medida colabora para uma mudança posi-tiva em suas vidas, o restante julga a medi-da indiferente (19,5%) e 3,8% deles avaliamque a medida tem um efeito negativo, pio-rando sua vida.

50%

Caso trabalhe, o curso o auxilia na atividade?

50%

Sim

Não

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66 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

16.4%

69.3%

Parentesco do familiar que frequenta o programa

pai mãe irmão outro

8.5%5.8%

77%

Algum de seus familiares freqüênta o programa?

23%

Não

Sim

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 67

Péssima Ruim Regular Boa Ótima

Avaliação das atividades em grupo

3% 2%

12%

43%41%45%

40%

35%

30%

25%

20%

15%

10%

5%

0%

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68 Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto

Ótimo Bom Regular Ruim Péssimo

Avaliação do programa

257%

144%

300%

250%

200%

150%

100%

50%

0%

262%

3%36%

3% 4% 9% 2%

77%

242%184%

97%50%

10%

Orientador Localização Estrutura

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Péssimo Ruim Regular Bom Ótimo

Avaliação do atendimento individual

2% 1% 4%

36%

57%

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 69

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Colabora para É indiferente Piora sua vida mudança positiva

Você considera que a medida...

76.7%

19.5%

3.8%

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Alguns desafiospara programas

sócio-educativosem meio aberto

3

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Os textos seguintes foram produzidos pelas supervisoras que acompanharam os projetos durante os meses de dezembro de 2006 a julho de 2007. A supervisão aos projetos apoiados pela Fundação Telefônicacorrespondeu a outra modalidade de intervenção do ILANUD junto a tais iniciativas, com o objetivo de propiciar à equipe técnica, reflexões pertinentes à metodologia de trabalho adotada e também sobre questõesque ao longo da pesquisa de campo se mostravam importantes.

Três temas foram escolhidos como prioritários, tendo em vista suarecorrência em discussões relacionadas a medidas sócio-educativas emmeio aberto. A educação, as situações de violência que afetam a vida dosadolescentes e a necessidade de um trabalho em rede. Nesta publicação,cada um dos temas é desenvolvido por uma das supervisoras.

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Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto 73

debate sobre o tema educação e medidas sócio-educativas emmeio aberto exige que, inicial-

mente, façamos a distinção entre escolari-dade e socialização, concepções impressasno conceito educação. Enquanto estruturasque visam a construção dos sujeitos, suassingularidades dialogam e influenciam-semutuamente no cotidiano.

Por um lado, o conceito educação, usa-do como sinônimo de escolaridade refere-se às ações, pautadas em valores, que temcomo finalidade a transmissão e o desen-volvimento de conhecimentos, de habilida-des, de competências e de crenças.

Por outro lado, a educação como múlti-plas práticas pelas quais os novos indivíduossão transformados em membros de socieda-des existentes refere-se à socialização.

No processo ensino-aprendizagem, aescola é a responsável por proporcionar ins-trumentais e instruções que objetivam odesenvolvimento pessoal e coletivo de seusalunos. A diversidade de apreensões deverápromover a autonomia visando a inclusãosocial e, conseqüentemente, o direito à par-ticipação na manutenção ou mudança daordem social. Os saberes e as aptidões deve-rão permitir a capacidade de discernir e deagir a partir de princípios e valores.

Tedesco (1998), um dos grandes pensa-dores da educação, alerta que a escola,enquanto instituição socializadora, temabsorvido cada vez mais as funções da famí-lia – primeiro grupo que mais eficazmen-te transmite e forma valores. Aponta-nosque, em decorrência do enfraquecimentodos elos vinculares entre as gerações, temos

Educação e medida sócio-educativa em meio aberto

Silvia Losacco15

O

15 Silvia Lossaco, psicóloga, psi-codramatista, mestre em ArtesCênicas – USP, doutora em ServiçoSocial – PUCSP. Diretora de Rela-ções Institucionais do NECA –Associação dos Pesquisadores deNúcleos de Estudos e Pesquisassobre a Criança e o Adolescente.Foi supervisora do Projeto GAIA(Guarulhos) e da SAS do municí-pio de Guarujá.

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visto o esgarçamento do tecido social, levan-do crianças e jovens a ficarem sujeitos àsinterferências de todas as espécies.

As rápidas mudanças do mundo globa-lizado, altamente competitivo, têm exigidodos educadores/professores uma formaçãocontinuada e uma prontidão para os diálo-gos necessários na co-participação na vidados educandos/alunos.

A educação enquanto processo desocialização é um sistema evolutivo carac-terizado pela aquisição de conhecimentos,de padrões de comportamento, de normas ede valores do mundo social. Processo, inicia-do na matriz de identidade16, desencadeadopelas diferentes possibilidades de aquisi-ções (quantidade) e de desempenho (quali-dade) de papéis sociais – zona de sobreposi-ção entre o individual e o coletivo. Aqui-sições e desempenhos que estão direta-mente relacionados às oportunidades per-mitidas a cada classe social nos diferentescontextos sócio-históricos.

O processo de socialização apóia-se,em parte, nos ensinamentos explícitos e,também em parte, na aprendizagem laten-te, ou seja, na absorção de formas conside-radas evidentes de relacionamento com osoutros. A própria amplitude do termo indicaque o agente da socialização é fruto da

intersecção entre os processos de intera-ções relacionais vividos por meio dos papéissociais, as vivências institucionais e a trans-missão e absorção cultural e valorativa vivi-da por cada um dos sujeitos.

No contexto social brasileiro, constata-se o reconhecimento da violência como fe-nômeno peculiar da atualidade que tempermeado as relações familiares, escolares,sociais e políticas.

Mesmo apontando fatores sócio-eco-nômicos como desencadeantes dessa situa-ção, não podemos esquecer que nossa civili-zação é fruto da repressão, da submissão eda castração originais de uma colonizaçãocaracterizada por uma mentalidade escra-vocrata e coronelista, e que a violência temsido uma forma de expressão de uma socie-dade de relações hegemônicas.

O termo “violência” vem do latim vio-lentia, significando qualquer ação sobreuma pessoa para obrigá-la a se submeter àvontade de outrem, constrangimento físicoou moral, infringência de regras ou torçãode sentido. Ato cometido independente-mente da classe social, idade ou gênero.Nesse sentido, todos temos sido agentes ereceptores da violência.

Inúmeras são as formas de violência dasociedade. Anônima, informe, sem rosto e

16 “A Matriz de Identidade é osegmento sociocultural em queum ser humano se desenvolve; (...)é a parte introjetada do espaçovital vivenciado pelos jovens, (...) éo conjunto de significados explíci-tos ou latentes emitidos pelosagentes culturais em relação auma pessoa durante todo o seuprocesso de socialização, (...) éconstituída pela escala de valoresvigentes no meio em que o indiví-duo forma e atualiza sua auto-imagem, (...) é a infra-estruturasocioeconômica que determina ostatus do cidadão, (...) é a culturada classe econômica regional origi-nária da pessoa, (...) é formada pelaintegração e pela natureza dasrelações humanas nas quais umapessoa é criada; (...) é constituídapela totalidade dos estímulos posi-tivos e negativos que atuam sobreas potencialidades das criançasdurante a sua socialização; (...) é adeterminação ideológica do cida-dão, exercida pela família, pelaescola e pelo Estado, em nome daestratificação vigente; (...) é o resul-tado da leitura que as pessoasfazem ativamente sobre os seg-mentos sociais acessíveis à suapercepção.” (Brito, 1998:115).

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sem nome, preocupa e atemoriza ao cida-dão comum. Porém, o cotidiano demonstraa passividade de toda uma sociedade dian-te de cenas e dos fatos a que somos subme-tidos e submetemos.

Múltiplos são os fatores que intervêmneste processo intenso e dinâmico. Sem dúvi-da, a falta de políticas públicas e sociais (em-prego, moradia, educação, saúde, lazer, etc.)tem sido uma das vertentes mais importan-tes para o desencadeamento dessa situação.

Infelizmente já temos vivido como fatoa banalização da violência, tornando-a umvalor cultural a ser incorporado e não umsintoma da patologia social.

As leis, por si só, não dão conta da con-tenção e transformação dos atos violentos,embora sejam peças primorosas na suaintencionalidade.

O próprio contexto social nacional de-monstra o não discernimento entre os queviolentam e os que são violentados. A polí-cia que deveria conter atos de violência éaquela que agride física e moralmente, osque legislam e/ou executam políticas são osprimeiros a descumprir as leis. Os limitesentre o privado e o público estão esmaeci-dos, confusos.

Somos todos agentes receptores dosatos de violência, mas vale salientar que

somos também os agentes modificado-res das ações e das conseqüências constru-tivas e violentas reinantes na sociedadecontemporânea.

Atos de violência do cotidiano podemvir a se tornar crime ou contravenção, casoum adulto cometa ações ou omissões contrá-rias a lei, com ou sem intenção de fazer o mal,portanto legalmente punidos. Diferencia-seapenas na intensidade ou gravidade do atocometido, portanto, o adulto criminoso rece-be punição distinta do contraventor penal.

Mas a criminalidade e a contravençãonão têm sido atos exclusivos de adultos.Adolescentes, nomenclatura destinada aosindivíduos com idade entre 12 e 18 anos, têmcometido essas ações.

Vale lembrar que esta é uma fase detransição da vida infantil para a vida adulta,de “formação” da personalidade, esta últi-ma entendida como o conjunto de caracte-rísticas bio-fisio-sócio-psicológicas peculia-res ao indivíduo.

Sendo o homem um ser fundamental-mente vincular a partir do seu nascimento,desde cedo pertencerá a um determinado“lugar” de acontecimentos fundantes que for-necerá um modo particular de coexistência.

Neste sentido, adolescência é uma fasede um processo de construção do ser social.

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Processo evolutivo em que ele vai se consti-tuindo a partir, também, de um conjunto denormas e funções. Portanto, não será umasimples passagem evolutiva linear. O indiví-duo, na adolescência, está em processo deformação.

Ao vivenciarem os limites, algunsjovens repensam, refletem, questionam eredirecionam as normas estabelecidas noconvívio relacional intra e extrafamiliar. Afamília, a comunidade e as instituições, con-tudo não têm dado conta de desenvolverdebates, estabelecer limites e interromperos descometimentos juvenis. Têm-se apre-sentado frágeis quanto à eficácia necessá-ria exigida para o redirecionamento dastransgressões e, conseqüentemente, para aproteção pela via da atenção integrada eintegral necessária para uma vida saudável,fato que favorece que a transgressão venhaa se tornar um ato infracional. Ação que, namaioria das vezes, não se dá com seus paresvinculares positivos mais próximos, e sim seexpressa na forma de agressões ao patrimô-nio e/ou com componentes da sociedadeque lhe são desconhecidos, mas que carre-gam em si representações sociais de poder ede hegemonia.

Cabe então ao Estado, também res-ponsável por esse adolescente e pela socie-

dade como um todo, aplicar agora, judicial-mente17, sob a forma da lei, uma MEDIDAque visa estabelecer critérios de convivênciasocial, portanto de SOCIALIZAÇÃO. Daí o no-me: MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA.

As respostas possíveis aos direitos, àsnecessidades e ao carecimento (Heller, 1992:3,8) da adolescência, notadamente dos ado-lescentes que vivenciam, na particularidadeda sua relação com o mundo, uma medidajudicial de cunho sócio-educativo, transitampor diferentes instâncias e requerem umaabordagem que permita reconstruir a unida-de na diversidade.

Ao passarmos nosso olhar pela histó-ria nacional para visitá-la sinteticamente,apontamos a gênese do instrumento legalvigente promulgado e regulamentado pelaLei nº 8.069/90 – o Estatuto da Criança e doAdolescente, em que se insere o dispositivodas Medidas Sócio-Educativas. Porém, res-saltamos que a garantia das prerrogativaslegais conquistadas não modificou e tam-pouco corrigiu as contradições existentesentre as necessidades reais apresentadas ea satisfação destas no campo da atenção àcriança e ao adolescente no Brasil.

Sob este enfoque, duas questões se evi-denciam: a primeira é que a igualdade jurídi-ca não elimina as desigualdades de ordem

17 Medida jurídica ou legal, por-que as medidas sócio-educativassão parte da Lei nº 8.069/90, quedispõe sobre o Estatuto da Criançae do Adolescente, Livro II: ParteEspecial, Título III – Da Prática deAto Infracional, Capítulo IV – Dasmedidas sócio-educativas.

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econômica, social e cultural; segundo, que asações (objetividade) destinadas à populaçãoinfanto-juvenil pobre e, principalmente,àqueles que cometeram ato infracional, nasua esmagadora maioria, expressam, aindahoje, valores (subjetividade) que carregamem si os estigmas coloniais representadospelos axiomas que estruturaram um pen-sar/fazer escravocrata e subalterno.

Há ainda que refletir que, no cotidianodas famílias de baixa renda/pobres, instala-se outro círculo vicioso difícil de ser rompi-do. A falta de políticas públicas empurra osjovens pobres para comportamentos social-mente excludentes. Quanto mais excluídos,menos as políticas atuais possibilitammudanças de comportamentos necessáriaspara sua inclusão social.

Sem dúvida, os adolescentes que com-põem a população de maior vulnerabilidadesocial são aqueles que estão mais sujeitos aoscomportamentos de risco de vida e, conse-qüentemente, a cometimento de atos infra-cionais. É esta a população a quem mais seaplicam as medidas sócio-educativas, seja deprivação de liberdade (internação e semiliber-dade), seja de meio aberto (liberdade assisti-da e prestação de serviço à comunidade).

O que temos visto e vivido é que o atoinfracional tem sido cometido por adoles-

centes de ambos os sexos pertencentes avárias camadas sociais. O fato real é que, porum motivo ou outro, o adolescente teminfracionado.

Lembremos que, segundo o ECA:1 - Só pode ser privado de liberdade se:• pego em flagrante ou, logo depois,

com armas ou outras provas que indiquemque foi ele o autor do crime;

• se houver ordem escrita e justificadada autoridade competente, o juiz da VaraEspecial da Infância e Juventude.

2 - Quando apreendido, o adolescen-te tem o direito de saber quem o estáapreendendo, pois, se o ato for injusto, elepoderá responsabilizar tais pessoas, civil ecriminalmente.

3 - Deve ser informado de seus direitos.4 - Em seguida, sua apreensão e o lugar

para o qual foi encaminhado devem ser ime-diatamente informados ao juiz e à família.

5 - Caso o jovem possa ser liberado, seo ato infracional for de pouca gravidade, eleserá entregue à família ou responsável, queassinarão um termo de compromisso e res-ponsabilidade para apresentá-lo à autorida-de quando for necessário.

6 - Caso a infração seja grave ou sehouver comoção social (ex.: linchamento),sua liberação torna-se inviável.

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7 - O caso deve ser analisado pelasautoridades competentes, promotor e juizda Vara da Infância e Juventude, para esta-belecerem as condutas a serem tomadas. Oadolescente poderá ou não, após essa ava-liação, receber uma medida socioeducativa.

O Estatuto da Criança e do Adolescen-te relaciona sete possibilidades de medidassócio-educativas que a autoridade compe-tente poderá aplicar, acrescentando que pa-ra tal deverão ser levados em conta a capa-cidade do adolescente para cumpri-las, ascircunstâncias e a gravidade da infração, ten-do por base o artigo 112 do ECA:

I - Advertência;II - Obrigação de reparar o dano;III - Prestação de serviços à comunidade;IV - Liberdade assistida – LA;V - Inserção em regime de semiliberdade;VI - Internação em estabelecimentoeducacional;VII - Qualquer uma das previstas no art. 101, de I a IV.

Lembremos que o adolescente, após ocometimento do ato infracional, ingressanum sistema de justiça. Desencadeiam-se,então, novas relações que deverão garantir,por meio do processo legal de sócio-educar,

o redirecionamento valorativo necessáriopara o processo socioeducacional18. Se, atéentão, sua vida era pautada pelas relaçõescom aqueles que compõem seu núcleofamiliar, seu núcleo escolar e seu núcleosocial, agora este adolescente se relaciona-rá, também, com representantes da segu-rança pública (polícia militar e/ou políciacivil e/ou guarda municipal), da promotoriapública, do poder judiciário, da defensoriapública, de profissionais de apoio ao siste-ma judiciário (assistentes sociais e psicólo-gos), de operadores de medidas socioeduca-tivas e outros adolescentes que, assim comoele, cometeram ato infracional.

Lembremos que quando falamos deuma MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA, estamosfalando não só do adolescente que a come-teu. Para que possa haver efetividade noredirecionamento da socialização, faz-senecessário uma série de procedimentos quegarantam o sucesso desta ação judicial:locais adequados para as atividades nocumprimento de medida sócio-educativa,instrumentais adequados para as ações queserão desempenhadas, profissionais com-petentes, capacitados e permanentementereciclados.

As medidas sócio-educativas de meioaberto configuram-se por ser uma medida

18 Como finalidade pedagógica,diferenciamos o termo sócio-edu-cativo do termo sócio-educacional.Ao desmembrarmos as duas no-menclaturas, encontramos comoradicais, em ambas, o termo sócio-educar: educar para o convívio emsociedade. O sufixo “al” denotareferência e relação. Portanto, anosso ver, poderemos dizer quesócio-educacional refere-se ao pro-cesso evolutivo caracterizado pelaaquisição de conhecimentos, de pa-drões de comportamento, de nor-mas e de valores do mundo socialvisando o bom convívio com outrossujeitos em determinados espaçoscomuns. O sufixo “ivo” nos reme-te ao neologismo sócio-educativaradvindo do sufixo “ivar” que se refe-re à uma prática de ação repetida.Neste sentido, diferenciamos o atode sócio-educar universal do espe-cífico vivido por aqueles adolescen-tes que cometeram ato infracional.

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legal, portanto, um procedimento determi-nado pela autoridade competente, que têmpor finalidade redirecionar as ações desteadolescente para o convívio social e nolocus onde ele habita, isto é na própriasociedade.

São as medidas de meio aberto: liber-dade assistida e prestação de serviço àcomunidade.

ECA Seção IV – Da prestação de servi-ços à comunidade

Art. 117 – A prestação de serviços comu-nitários consiste na realização de tare-fas gratuitas de interesse geral, por perío-do não excedente a seis meses, junto a enti-dades assistenciais, hospitais, escolas eoutros estabelecimentos congêneres, bemcomo em programas comunitários ougovernamentais.

Parágrafo único – As tarefas serão atri-buídas conforme as aptidões do adolescen-te, devendo ser cumpridas durante jornadamáxima de oito horas semanais, aos sába-dos, domingos e feriados ou em dias úteis,de modo a não prejudicar a freqüência àescola ou à jornada normal de trabalho.

O caráter punitivo ainda se encontraimpresso neste artigo legal: “realização detarefas gratuitas”, “conforme aptidões”,

“realizadas em entidades”, “podendo sercumpridas aos sábados, domingos e/ouferiados”.

A nosso ver, prestação de serviço àcomunidade é reverter o “des-serviço” pres-tado. É saber viver em comunidade, é cuidarde si, do outro e do que é comum a todos,portanto, do que é público. Com “habilida-de” ou “sem habilidade”, enquanto seres so-ciais somos todos chamados cotidianamen-te a exercer nosso papel de cidadãos. Cabe,então, na relação educando-educador, esta-belecer os procedimentos necessários paraessa prática. Nessa “com-vivência” educan-do-educador serão desveladas as faltas, aslacunas e as possibilidades de um novo“com-vívio” social. Reflexões valorativas irãocompor os porquês dos atos realizados. Astarefas deverão valorizar o processo desteaprendizado. Assim, a prestação de serviço àcomunidade será o produto final de umaação valorativa positivamente, proporcio-nando a este jovem que ele valorize, mastambém seja valorizado em sociedade.

ECA Seção IV – Da liberdade assistidaArt. 118 – A liberdade assistida será

adotada sempre que se afigurar a medidamais adequada para o fim de acompanhar,auxiliar e orientar o adolescente.

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Parágrafo 1º – A autoridade designarápessoa capacitada para acompanhar o caso,a qual poderá ser recomendada por entidadeou programa de atendimento.

Parágrafo 2º – A liberdade assistidaserá fixada pelo prazo mínimo de seis me-ses, podendo a qualquer tempo ser pror-rogada, revogada ou substituída por outramedida, ouvido o orientador, o MinistérioPúblico e o defensor.

A lei não traz diretrizes para sua opera-cionalização. As orientações legais trazemem si os ranços do passado. Liberdade assisti-da não é liberdade vigiada nem orientada,segundo o Código de Menores. Tampouco éver de perto, ou mesmo de longe. Assistir éestar junto para proporcionar caminhos dereflexões sobre as atividades, as ações, sobreos valores. Valores das coisas, valores das rela-ções. Proporcionar instrumentais para osenfrentamentos necessários para uma vidasaudável em comunidade.

Todas as medidas são judiciais, todassão sócio-educativas, portanto pretendemeducar para a sociedade. O que as diferenciasão as formas de operacionalização.

O que ainda se enfatiza é a gravidadedo ato infracional, quando deveriam serenfatizadas são as capacidades de cadaadolescente de redirecionar suas ações,

sempre que a ele fossem dadas as oportuni-dades para atingir esse fim.

Todos – família e sociedade e Estado –são responsáveis pela “com-vivência” social.Portanto, todos são co-partícipes das açõesnecessárias para a efetivação do processode sócio-educar.

O trabalho com adolescentes exige flexibilidade para contemplar o todo, agili-dade para perceber suas particularidades,maleabilidade para enxergar as diversida-des, aptidão para encaminhar novas propos-tas na superação das complexidades de ummesmo fato vivenciado por diferentespopulações e sujeitos. Firmeza no estabele-cimento das regras instituídas pelo grupo/coordenação; persistência e constância naoperacionalização das ações; vigor nos tra-balhos desenvolvidos. Assim, permite-seque os conteúdos desvelados recebam umnovo continente.

Uma proposta desta natureza, que con-sidera a pessoa em primeiro lugar, requer quese olhe o sujeito por meio de três dimensõesdistintas, mas complementares. A primeiraque vê o sujeito como indivíduo, suas carac-terísticas e necessidades físicas e emocio-nais. O segundo olhar deverá enxergá-locomo sujeito coletivo, como expressão de umgrupo, alguém que se relaciona todo tempo e

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que, sem se relacionar não existe. E a terceiradimensão percebe-o como sujeito político,que influencia e é influenciado pelo contextosocial em que vive.

Cada uma dessas dimensões é partefundamental de sua inserção nas engrena-gens da sociedade. Entre o indivíduo, o cole-tivo e a política há uma relação de interde-pendência em que os elementos são fun-dantes do funcionamento do todo e o tododetermina a maneira de ser de cada um.

A proposta das medidas sócio-educati-vas prioriza um contexto que humaniza pormeio do exercício de ouvir, de acolher, deconsiderar, de trocar. Tem no profissionaleducador um catalisador/facilitador que faz emergir os conflitos, as possibilidades dediálogos e de ações. Esse coordenador é,necessariamente, um co-partícipe das pos-sibilidades de novos encaminhamentos dasquestões e transformações. Favorece o des-velamento dos valores e das dissonânciasimpressas nas atitudes relacionais entrejovens e adultos, como, por exemplo, a auto-ridade e o autoritarismo, a liberdade e abagunça, a autonomia e o individualismo.Proporciona o questionar, o divergir, o estarà vontade para debater, assegurando-se daimportância de aprender a pesar as diferen-tes alternativas e do poder de escolha entre

uma coisa e não outra. São formas que le-vam às escolhas livres, porém com respon-sabilidade. Liberdades e responsabilidadesque devem crescer juntas num mesmo eixona busca da construção da cidadania.

Faz-se necessário, então, que se com-preenda o fenômeno da adolescência comose dá, a partir da ótica de quem a vive e nãoapenas da nossa. Para tanto, também énecessário que consideremos as diversida-des socioculturais, a variedade de contextose as contradições e divergências inerentes àprópria sociedade em que vivemos. Do con-trário, seremos meros reprodutores de teo-rias já existentes e perderemos a capacida-de de construir e reconstruir, renovar e rein-ventar, considerando as várias interfaces dasociedade brasileira.

Neste sentido, a formulação das políti-cas requer conhecimentos diversos na pers-pectiva multidimensional, para proporcionarações emancipatórias e possibilitadoras dereais conquistas de direitos. No entanto,hoje, em sua maioria, as políticas caracteri-zam-se por determinarem ações emergen-ciais, assistencialistas, localizadas e descon-tínuas. Propostas com formatos pontuaisseguem “fórmulas” que vêm prontas, muitasvezes desconhecendo os reais desejos enecessidades daqueles jovens em particular.

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As questões advindas do cenário nacio-nal vigente pedem urgência nos debates enas propostas de encaminhamentos para oenfrentamento da diversidade de problemá-ticas vividas pelos adolescentes, pelas famí-lias e pela sociedade como um todo.

Desta forma, JUNTOS, operadores dosistema de medidas sócio-educativas, esco-la e família deveriam ser reais co-partícipesdo processo de educação – na intersecçãoescola/ensino e socialização. Devem, sim,desencadear ações que proporcionem osprincípios propostos pela UNESCO nos qua-tro pilares para a Educação:

• Aprender a conhecer:“(...) Ao contráriode outrora, não importa tanto hoje a quanti-dade de saberes codificados, mas o desen-volvimento do desejo e das capacidades deaprender a aprender. Compreender o mundoque rodeia o aluno, tornar-se, para toda avida, ‘amigo da ciência’, dispor de uma cultu-ra geral vasta e, ao mesmo tempo, da capaci-dade de trabalhar em profundidade deter-minado número de assuntos, exercitar aatenção, a memória e o pensamento sãoalgumas das características desse aprenderque faz parte da agenda de prioridades dequalquer atividade econômica. Este é umprocesso que não se acaba e se liga cada vezmais à experiência do trabalho, à proporção

que este se torna menos rotineiro (...).• Aprender a fazer e a conhecer (...) são,

em larga medida, indissociáveis. O segundoé conseqüência do primeiro. Em economiascrescentemente tecnificadas, em que ocorrea "desmaterialização" do trabalho e cresce aimportância dos serviços entre as ativida-des assalariadas e em que o trabalho naeconomia informal é constante, deixa-se anoção relativamente simples de qualifica-ção profissional. Passa-se para outra noção,mais ampla e sofisticada de competências,capaz de tornar as pessoas aptas a enfren-tar numerosas situações e a trabalhar emequipe. Isso ocorre nas diversas experiên-cias sociais e de trabalho que se apresen-tam ao longo de toda a vida (...).

• Aprender a viver juntos, (...) desenvol-vendo a compreensão do outro e a percep-ção das interdependências, no sentido derealizar projetos comuns e preparar-se paragerir conflitos. Em contraposição à competi-tividade cega, a qualquer custo, do mundode hoje, cabe à escola transmitir conheci-mentos sobre a diversidade da espécie hu-mana e, ao mesmo tempo, tomar consciên-cia das semelhanças e da interdependênciaentre todos os seres humanos. Para isso, nãobasta colocar em contato grupos e pessoasdiferentes, o que pode até agravar um clima

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de concorrência, em especial se algunsentram com estatuto inferior. É preciso pro-mover a descoberta do outro, descobrindo-se a si mesmo, para sentir-se na pele dooutro e compreender as suas reações. E,além disso, tender para objetivos comuns,trabalhando em conjunto sobre projetosmotivadores e fora do habitual, cuja tônicaseja a cooperação (...); e, finalmente…

• Aprender a ser: (...) A educação devecontribuir para o desenvolvimento total dapessoa, isto é, espírito e corpo, inteligência,sensibilidade, sentido estético, responsabili-dade pessoal, espiritualidade. Cabe à educa-ção preparar, não apenas para a sociedadedo presente, mas criar um referencial de va-lores e de meios para compreender e atuarem sociedades que dificilmente imagina-mos como serão. Este pilar significa que aeducação tem como papel essencial "confe-rir a todos os seres humanos a liberdade depensamento, discernimento, sentimentos eimaginação de que necessitam para desen-volver os seus talentos e permanecerem,tanto quanto possível, donos do seu própriodestino" (Delors, 1999).

Experiências e vivências que devem sercolocadas à luz de um desmonte crítico quefavoreça se desvencilhar do profundo proces-so de alienação e faça emergir possibilidades

reais de inserções sociais, estimulando atomada de consciência dos valores que osujeito tem a respeito de si mesmo, que osujeito tem a respeito dos outros, e os valoresque a sociedade tem a respeito dele, portan-to, a consciência do seu lugar na sociedade.

Nesta visão, a população adolescentetem vez e voz. A relação dialógica é a propul-sora para os movimentos necessários na bus-ca da solução dos problemas em questão.

Este novo olhar/fazer requer uma edu-cação social em que educar significa educarpara o social, “tarefa que pressupõe um pro-jeto social compartilhado, em que vários ato-res concorram para o desenvolvimento/for-talecimento da identidade pessoal, culturale social de um indivíduo” (Freire, 2000:4).

Tem-se a convicção de que toda açãohumana concebida nesta perspectiva favo-rece a ampliação do horizonte de conheci-mentos dos sujeitos envolvidos e, ao mesmotempo, permite o desenvolvimento dasações de natureza crítica de conseqüênciassociais e políticas em favor da coletividade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRITO, Domingos Junqueira de.Astros e ostras: uma visão culturaldo saber psicológico. São Paulo:Ágora, 1998.DELORS, Jacques. Educação – Umtesouro a descobrir. Trad.: JoséCarlos Eufrázio. São Paulo: Cortez.1999.ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADO-LESCENTE, LEI Nº 8.069, DE 13 DEJULHO DE 1990.FREIRE, Paula Teixeira. Programa decapacitação para educadores so-ciais. São Paulo: 2000. (Mimeo)HELLER, Agnes. A teoria das neces-sidades revisionada. Trad. RuthAlves. São Paulo: PUCSP: 1992. Textomimeo.LOSACCO, Silvia. Métrons e Medi-das: Caminhos para o enfrenta-mento das questões da infração doadolescente. Tese de doutorado.PUCSP, 2004.A peça didática de Brecht: uma con-tribuição ao trabalho socionômicocom adolescentes. Dissertação demestrado. São Paulo: USP, 1991.TEDESCO, Juan Carlos. O novo pac-to educativo. São Paulo: Ática, 1998.

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Os adolescentes no contexto da violência

Levantemos todos e façamos um minuto de silêncio pelos estudantes que morreram.E façamos um minuto de silêncio pelos estudantes que os mataram.”(epígrafe do livro DOZE de Nick McDonell).

E, depois do silêncio...

O trânsito de informações pelo nossopequeno planeta nos permite saber que osadolescentes, no mundo todo, estão envolvi-dos com as mais diferentes expressões daviolência.

O jovem Ishmael Beah, autor doromance autobiográfico Muito Longe decasa – memórias de um menino soldado,viveu, a partir dos 12 anos, o horror da guer-ra, aliciado/seqüestrado pelas tropas dogoverno de um país da África e, além de vítima tornou-se algoz, matou sob o coman-do de adultos e sobreviveu para contar sua

história e seus pesadelos… Uma criançaadolescente que gostava de hip hop, liaShakespeare para sua comunidade de SerraLeoa, afirma – em uma entrevista no Bra-sil, em 8/7/07 – que não há diferenças entreo que vivem os adolescentes-soldados lá e o que vivem os adolescentes-soldados,aqui20.

A adolescente de 16 anos que transfor-mou seu corpo em bomba (29.3.2002), emoutro ataque na demonstração interminá-vel de intolerância na região da Palestina,é outro exemplo.

O adolescente, vigia do ponto de tráfi-co, que carrega o binóculo e o fuzil atraves-sado no peito nas favelas do Rio de Janeiroou nas vielas da periferia de São Paulo ouonde o crime organizado está instalado, éoutro exemplo. São adolescentes cada vezmais jovens e agora crianças. Outro dia

Maria de Lourdes Trassi Teixeira19

19 Maria de Lourdes T. Teixeira.Foi supervisora das duas experiên-cias realizadas em Campinas –OSSJB e COMEC20 No livro Crianças do Tráfico –um estudo de caso de crianças emviolência armada organizada noRio de Janeiro, de Luke Dowdney, aapresentação é feita por RachelBrett, responsável pela pesquisasobre crianças-soldados no estudodas Nações Unidas, O impacto doconflito armado em crianças-solda-dos. Nesta apresentação, a pesqui-sadora afirma a equivalência e gra-vidade de ambas as situações, ascrianças e adolescentes-soldadosna guerra, lá e na violência armadaorganizada, aqui.

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(hoje), uma criança com a chupeta na bocaera usada para a entrega da droga emalgum lugar da zona leste de São Paulo(depoimento de um educador da região deSapopemba). Daqui a pouco, ela será o ado-lescente sobre quem tentamos falar agora.

O jovem que espanca a trabalhadora ejustifica, dizendo que a confundiu com umaprostituta ou aqueles que queimaram oíndio se justificara, dizendo que o confundi-ram com um mendigo, são outros exemplos.

Os exemplos são tantos!! Divulgadospela mídia – no momento dos fatos ou uminstante depois – e circulando nesta trans-nacionalização dos acontecimentos, dasexperiências que causam indignação, estu-por e uma certa sideração com este quaseespetáculo de personagens de histórias-ficção de livros, filmes, vídeos, documen-tários. E, eles continuam lá/aqui. A nossaimpotência impõe a naturalização do mal.“Não são essas as imagens que insistem emnosso cotidiano? Corpos explodidos, despe-daçados, queimados para não serem recon-hecidos, espalhados pela terra, carregadosem sacos de lixo ou carrinhos de pedreiro;restos que viram dejetos ou matéria anôni-ma amontoada nos lugares de confli-to.” (Ribeiro de Souza, 2005). Onde está asedução do bem?

A pergunta é quase pueril: que mundoconstruímos para as novas e futuras ger-ações? Onde está a vida boa, finalidade daética, segundo Fernando Savater? Comointerromper essa trajetória de morte, deódio, de risco de dissociação do socius quepermeia as relações entre os homens, entree nos diferentes continentes, países, comu-nidades e, também naqueles grupos de convivência mistificados em sua função deapoio, cuidado e proteção de seus mem-bros? Por que construímos e continuamos a construir um mundo tão difícil para vi-ver?21 Onde está o mapa do futuro? Qualbússola deve nos orientar nesta trajetóriaem que precisamos ir construindo o roteiro?

O ódio é constitutivo da humanidade,de todos nós, escrevia Freud em O mal estarna cultura; “no entanto, não se pode desco-nhecer a diferença radical entre o ódio pen-sado e sentido, vivido no interior do psi-quismo, e o ódio atuado no espaço social”(Ribeiro de Souza, p.25). Reconhecer o ódiocomo constitutivo do humano deve servirpara considerarmos o que ocorre no teci-do social que favorece sua irrupção incon-trolável ou absolutamente planejada. Emoutras palavras: a violência é produçãohumana. A paz social, também, é cons-trução humana.

21 Esta pergunta, Sigmund Freudfez, em 1932, em sua obra O Malestar na cultura.

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Pensar o tema “adolescente no contex-to da violência” em uma perspectiva daética da solidariedade – que nos torna res-ponsáveis pelo outro próximo e pelo outroanônimo – implica, necessariamente, con-siderar o mundo que construímos onde for-mamos e educamos as novas e futuras ge-rações; implica considerar que a violência –em suas diferentes e terroríficas expressões(não só o crime) – está se tornando invisívelpara os que nascem, crescem e se desen-volvem neste contexto cultural em que aviolência já não é localizada ou localizávelgeograficamente na cidade, no país, nomundo – pois se dissemina, se instala einstitui um modo de viver (o medo) de secomportar, de lidar com o próprio corpo,com o outro, com o mundo; implica consi-derar que as guerras liberam o potencial deagressividade do ser humano (como assina-lou Freud em uma carta a Einstein, entre asduas grandes guerras do século XX), e tam-bém considerar a privatização da guerra (osmercenários), a privatização dos cárceres (afalência do Estado); implica considerar osvalores (virtudes) ou a sua ausência, quemoldam os modelos de convivência das gerações anteriores e dão as referências deconduta; implica perguntar onde estão as utopias (com ‘u’ minúsculo) que nos le-

vam a investir em um tempo para além dabiografia, da satisfação imediata e indicamque os interesses coletivos prevalecem so-bre os interesses pessoais.

São tantas (estas e outras) perguntas-respostas que vão construindo um cenáriode preocupação para aqueles que têm algu-ma sensibilidade política para além da sen-sibilidade terapêutica, para aqueles queconcebem os direitos de cidadania paraalém dos direitos do consumidor.

Os adolescentes vivem este cenáriosocial com a naturalidade de quem nasceunele e formam sua identidade neste novocontexto da sociedade contemporânea, mar-cada pela fragilidade dos laços humanos,pelo esgarçamento dos valores agregadoresda coletividade. É necessário mostrar-lhesoutras novas possibilidades. Como fazer isto,se outra característica dos tempos atuais,como assinalou Eric Hobsbawm em A erados extremos – o breve século XX, é a rupturadas novas gerações com os valores datradição, da história? Como realizar isto, seas novas gerações vivem um tempo fora dotempo, fora da história, sem memória? E, “ospais têm pouco a ensinar a seus filhos”,como afirmou Hobsbawn. É a intensificaçãodo presente que, a cada novo instante, já é passado, e o futuro já está acontecendo:

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22 Robert Castel, em seu livro Ainsegurança social afirma que a ju-ventude é vista como “a novaclasse perigosa”, uma referência aolivro de Franz Fannon, Os condena-dos da terra.

a instantaneidade da sociedade complexaque construímos e que torna necessário setransmutar inteiro a cada novo instante.

Ao nos aproximarmos do adolescenteenvolvido com a prática do ato infracional,reconhecemos, em sua singularidade asimpressões e reprodução de seu entorno so-cial; em cada um, uma síntese absoluta-mente peculiar e única. Ele se apresenta co-mo aquilo que fizemos dele: o sintoma deum tempo, de suas circunstâncias. Se pres-crutarmos, indo além das aparências e dospensamentos reducionistas (que atribuema um único fator a sua conduta), consegui-mos identificar inúmeros fenômenos dacultura que constituem e construíram suabiografia: as múltiplas formas de organiza-ção da estrutura e dinâmica familiar com aredefinição das funções parentais que, emmuitos casos significa, abandono, negligên-cia, permissividade; constatamos o fracassoda autoridade na vida privada e na vida pú-blica; a mentalidade avassaladora da impu-nidade e a esperteza do uso do outro embenefício próprio; a necessidade de consu-mir aquilo que é mostrado como garantiade bem-estar; as ilusões do consumo parater uma identidade; a prevalência do inter-esse pessoal sobre os interesses coletivos; aausência do sentido da cidade, da cidadania

como exercício que vai além do direito deconsumidor; vemos a precariedade da es-cola, que se universalizou, mas se tornouuma prestadora de serviços e se distan-ciou de sua vocação de formação dos ci-dadãos; vemos a cultura juvenil à margemdos currículos.

Na conduta do adolescente, identifi-camos também os adultos com medo dosadolescentes – contaminados pelo binômioadolescência/juventude-violência que per-corre o mundo22 – e criando um ambientehostil para eles: o preconceito, o bode expia-tório (a campanha a favor da redução daidade penal), nenhuma política para a ju-ventude (o horizonte do adolescente) emcontraposição ao projeto do sistema penaljuvenil. Então, vemos os adolescentes bus-cando, para além da biblioteca, do centrocultural, do centro esportivo, do lazer, decausas coletivas que não existem... algumembalo, alguma adrenalina, algum sexo,alguma droga: um sentido para o presenteque vai desenhando o seu futuro.

Os adolescentes – e, muitos adultostambém – procuram, cada vez mais, tudoaquilo que reverte, imediatamente, em bemestar físico, psíquico, sexual; rebelam-secontra tudo aquilo ou todos aqueles queinterditam de algum modo sua busca inces-

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sante de satisfação imediata na socieda-de em que o bem-estar e a felicidade estãoassociados ao consumo de bens que se subs-tituem ininterruptamente e onde, portanto,a insatisfação é permanente.

Esta realidade intensifica-se e se des-dobra em muitas faces, no caso dos adoles-centes pobres. O sociólogo Inácio Cano, do Iser-RJ (Instituto de Estudos Religiosos), dizque as periferias das metrópoles brasileirasenfrentam uma espécie de síndrome: "Sãolocais com renda familiar baixa, educaçãoprecária, desemprego elevado, serviçosurbanos deficitários e que apresentam osmais altos níveis de violência". (FSP, 3/12/2000). É uma constatação.

Com o cuidado de não repetir o pre-conceito de criminalizar a pobreza, LuizEduardo Soares, antropólogo e cientista so-cial, estudioso da segurança pública, apon-ta, em seu artigo Juventude e violência noBrasil contemporâneo (2004:139-140), que“há laços prováveis… entre as seguintes rea-lidades: a) pobreza; b) menor escolarida-de; c) menor acesso a oportunidades de tra-balho; d) maior chance de sofrer o desem-prego e o desamparo econômico e social;e) angústia e insegurança; f) depressão deauto-estima; g) alcoolismo; h) violência doméstica; i) geração de ambiente propício

ao absenteísmo, à desatenção e à rejeiçãodos filhos; j) vivência de rejeição na infânciaque fragiliza o desenvolvimento psicológico,emocional e cognitivo, rebaixa a auto-esti-ma, estilhaça as imagens familiares que ser-viram de referência positiva na construçãoda identidade e na absorção de valores po-sitivos da sociedade; l) crianças e adolescen-tes com esse histórico tendem a apresentardeficiências de aprendizagem; m) dificul-dades na família, na escola e pressão para oingresso precoce no mercado de trabalho(mesmo intermitente e informal) tendem aprecipitar o abandono da escola, sobretudono contexto de desconforto e inadaptação, ede falta de motivação; n) a saída da esco-la reduz as chances de acesso a empregos e amplia a probabilidade de que o círculo da pobreza se reproduza por mais uma geração; o) configurando-se este quadro,aumentam as probabilidades de que o adolescente experimente a degradação daauto-estima especialmente se considerar-mos o contexto social e cultural em queprosperam preconceitos…”.

Portanto, trata-se de uma condição devida – síntese de muitas expressões de vio-lência – que se define, a priori, pela origemsocial, o destino social da criança/adoles-cente. A pobreza e a privação de direitos se

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23 Publicada no livro Nem solda-dos nem inocentes, de Otavio CruzNeto, Marcelo Rasga Moreira e LuizFernando Mazzei Sucena, Rio deJaneiro: Fiocruz, 2001.

complexificam, em nosso país, ao se aliaremcom outro fenômeno no qual o Brasil écampeão: a desigualdade social, um aspectocom o qual os adolescentes não se confor-mam, porque vêem passar diante de seusolhos aquilo que está distante de suas pos-ses (e outros adolescentes consomem!).Eles não se conformam com não poderemconsumir os ícones de identidade que circu-lam no universo on line, na propaganda, nasvitrines dos shoppings.

A prática do ato infracional – o adoles-cente como agente de violência – surge co-mo uma estratégia de consumo, de “sobre-vivência psíquica”. È uma alternativa, tam-bém, à invisibilidade.

E, nas regiões da cidade onde o crimeestá instalado, a disputa pelos adolescentesé intensa com as famílias, a escola, as enti-dades sociais. As famílias, que antes resis-tiam, já começam a sucumbir ao dinheiroque passa a compor o orçamento domés-tico; a escola, quando não é expulsiva, éprecária na qualidade do que oferece aoadolescente (desde o espaço físico deterio-rado); as entidades sociais que “entram” nafalência e/ou ausência do poder público sãodestinatárias de tantas demandas que, comfreqüência, ficam no lugar exclusivo dedefendê-los da violência das gangues rivais,

dos chefes locais e/ou da violência policial(um exemplo é o trabalho realizado pelosCEDECAs – Centro de Defesa da Criança e doAdolescente).

O crime, quando organizado, é maisatuante do que o poder público. Ou, comoafirma Maria Cecília Souza Minayo, pesqui-sadora do CLAVES (Centro Latino-america-no de Estudos de Violência e Saúde JorgeCareli, Rio de Janeiro na apresentação dapesquisa sobre juventude e tráfico de dro-gas no Rio de Janeiro23, “Muitos traficantesou chefes de gangue são vistos, em suasáreas de influência, como benfeitores quetêm recursos e são generosos no atendi-mento pontual e pessoal das necessidadesbásicas da população. As mesmas neces-sidades ante as quais a atuação do Estado é ineficiente ou insuficiente.”

Um exemplo disso é o levantamentorealizado pela Febem-SP (Fundação Estadualdo Bem-Estar do Menor), em 2000, sobre aorigem geográfica dos adolescentes em me-dida sócio-educativa de internação. Cons-tatou-se que a cidade de São Paulo tem cin-co grandes "fábricas" de adolescentes infra-tores. São bairros de onde saem 20,7% dosinternos da Febem e cuja principal carac-terística é o fato de ter o crime organizadoinstalado em seu território: Cidade Ademar,

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Jardim Ângela, Sapopemba, Jabaquara eItaquera (Folha de São Paulo, caderno Coti-diano, 3/12/2000).

Como sintetiza MInayo (2001), “essemercado (de drogas e de violência) é paraeles (adolescentes) uma possibilidade ime-diata e imediatista de consumo, de status,de relacionamentos múltiplos, de poder e deexpressão de sua rebeldia e de sua aindaindecisa, confusa e frágil identidade social.Esse mercado nasceu sem a sua participa-ção, mas necessita dela para se reproduzir.Por isso, diferentemente do mercado formalque os expulsa ou não os acolhe, dá oportu-nidade a seu protagonismo, num cenárioem que ao mesmo tempo os torna mais vulneráveis. Esse mercado violenta coloca-os exatamente como um ser do nossotempo, dentro da modalidade mais especí-fica da violência no mundo atual, no inte-rior da qual, consciente ou inconsciente-

mente se vinculam a um universo dos maislucrativos negócios: tráfico de drogas e trá-fico de armas”.

Não é possível ter uma última pala-vra… mas é importante considerar que, alémde todas as determinações de ordem histó-rica, social, cultural, política, há, tambémalgo da ordem da escolha do indivíduo.É necessário este pressuposto para conce-bermos o adolescente como potente emsuas outras escolhas possíveis de trajetóriasde vida em ruptura com a prática do atoinfracional. Um exercício de responsabiliza-ção, no contraponto da impunidade, outraface da violência.

A última palavra é que a ética da res-ponsabilidade para com as novas e futu-ras gerações pode ser a bússola que nos ori-enta nos meandros do território das vio-lências, em busca de uma convivência cole-tiva solidária.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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As medidas sócio-educativas em meio aberto e a rede de atenção

Heloisa Helena Daniel 24

arantir direitos aos adolescentescom processos por prática deatos infracionais requer atenção

especial à sua inclusão e de seus familiaresem políticas sócio-assistenciais, com prote-ção integral, assegurando-lhes todas asoportunidades e facilidades e facultando-lhes o pleno desenvolvimento físico, mental,moral, espiritual e social.

Revelar a lógica presente no ECA quan-to à observância do princípio da incomple-tude institucional como norteador da ação,deve estimular o movimento de busca inte-rativa e construtiva de integração e utilizaro máximo possível de serviços disponíveisna comunidade, tanto públicos como deorganizações não governamentais, disponi-bilizando políticas setoriais para o atendi-mento ao adolescente em conflito com a lei.Em dezembro de 2006, foi aprovada pelo

CONANDA à orientação da política nacionaldestinada à inclusão do adolescente infra-tor denominada SINASE – Sistema Nacionalde Atendimento Sócio-Educativo.

O SINASE preconiza a constituição de redes de apoio e a intersetorialidade eenfatiza a co-responsabilidade da família,da sociedade e do Estado, a fim de garan-tir ao adolescente a convivência familiar e comunitária.

O grupo de adolescentes autores deatos infracionais é o que está mais desco-berto em termos de rede de apoio. O proje-to político nacional deve ser capaz de su-perar os desafios postos por sua condi-ção peculiar. Os organismos estatais e não-governamentais de atenção à crianças eadolescentes devem ter infra-estrutura bá-sica para dar conta daqueles que apresen-tam problemas carenciais e oferecer condi-

G

24 Heloisa Helena Daniel, assis-tente Social, mestranda em ServiçoSocial pela PUCSP, assessora técnicado CAOIJ do Ministério Público deSão Paulo, pesquisadora do NECA –Associação dos Pesquisadores deNúcleos de Estudos e Pesquisassobre a Criança e o Adolescente. Foisupervisora da AJAES (Jandira).

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ções para atender ao segmento, e isto exigeuma ação complexa e especializada.

A infra-estrutura formal de atendi-mento às necessidades básicas da criança edo adolescente deve ser qualitativa e quan-titativamente adequada, porém ainda cabeàs famílias a parcela maior de seu provi-mento, ao mesmo tempo em que ela pró-pria, em seu conjunto, enfrenta dificuldadespara garantir sua sobrevivência. Na especifi-cidade da questão do adolescente em con-flito com a lei, é acentuada a existência dedemandas desse segmento por serviços querespondam a essas necessidades.

Nesse sentido, algumas questões secolocam para a efetiva municipalização dasmedidas sócio-educativas em meio aberto:Qual o percurso que os sujeitos institucio-nais fazem do paradigma das necessidadesnaturais de sobrevivência para o paradigmados direitos? Como estão sendo respeitadosos direitos sociais de educação, de saúde, detrabalho? Como tem se realizado a proteçãoespecial ao jovem com processo por práticainfracional? Que acessos lhe são oferecidos,para que comece a fazer escolhas? Qual aimportância e os limites da ação familiar? É verdadeiro que, para esses adolescentes,a família vem perdendo sua função básicade socialização, de sustentação econômica,

de apoio emocional? Outras redes sócio-assistenciais auxiliam a rede familiar?

Para melhor refletir a respeito destasquestões, trataremos de alguns conceitostais como: O que é sistema? O que são me-didas sócio-educativas em meio aberto? O que é uma rede de atenção?

Sistema é um conjunto ordenado deprincípios, regras e critérios, de caráter jurídi-co, pedagógico, político, financeiro e admi-nistrativo que envolve os diferentes proces-sos da garantia de um direito. O SINASE é umsistema que integra os três níveis de gover-no para o desenvolvimento de programas deatendimento, estabelecendo as competên-cias e responsabilidades dos Conselhos deDireitos da Criança e do Adolescente e dialo-ga com os outros sub-sistemas tais como osde Justiça e de Segurança.

As medidas sócio-educativas em meioaberto são restritivas de liberdade, de cará-ter pedagógico e educativo, pois estão dire-cionadas à promoção social e familiar doadolescente infrator. Devem ser executadascom a finalidade de reordenadar os valoresde vida, visando a mais adequada socializa-ção do adolescente em conflito com a lei.

A Liberdade Assistida tem por objetivoacompanhar, auxiliar e orientar o adoles-cente, promovendo a convivência familiar,

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comunitária, social, educacional e profissio-nalizante do adolescente.

Os direitos do adolescente em cumpri-mento de Liberdade Assistida são limitados,para que sejam atingidos os objetivos peda-gógicos e, apesar de sua natureza sanciona-tória, esta medida sócio-educativa deve seconstituir como diretriz de educação. O con-ceito de Liberdade Assistida está intrinse-camente ligado à sua finalidade e ao seumodo de execução, sendo estabelecidosobjetivos claros que devem ser seguidos pe-lo adolescente.

A Prestação de Serviços à Comunidadeé uma medida sócio-educativa que deve serentendida como um instrumento educacio-nal, visando a reflexão do ato cometido eque consiste na realização de tarefas deinteresse geral (comunitárias) que permi-tam ao adolescente refletir sobre os valoresque supõem a solidariedade social.

Uma Rede de Atenção é o resultado deum processo de desconcentração de meiosde ação da organização de um sistema eseus subsistemas, políticas, programas eprojetos com ações articuladas e estabeleci-mento de papéis claramente delimitados.

São componentes necessários para aarticulação da rede, as ações decorrentesdas políticas sociais básicas – educação,

saúde, assistência social – e de programasespecializados – constituídos por uma agre-gação simultânea de ações próprias dopoder executivo, do poder judiciário e deoutras instituições que se complementampara a inclusão do adolescente autor de atoinfracional que cumpre ou tenha cumpridomedida sócio-educativa (espera-se que,nesse processo, ele não reincida).

A implantação de um sistema de redes,descentralizado e participativo reordena as competências e atribuições das organiza-ções governamentais e não-governamen-tais nos diferentes níveis espaciais da inter-venção: nacional, estadual e municipal.

Em termos gerais, pode-se dizer que o"atendimento em rede" do adolescente emconflito com a lei constitui-se pela articula-ção em torno de um interesse comum, deum conjunto amplo e dinâmico de organiza-ções diversas, com expectativas e valoresculturais compartilhados, que realizamações complementares em um processounitário e coerente de decisões, estratégiase esforços.

Essa articulação traduz-se em víncu-los horizontais, de interdependência e com-plementaridade interconectando agentes,serviços, produtos e os diversos tipos deorganizações.

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O caráter estrutural e multissetorial daquestão faz com que as estratégias e osesforços devam ser concebidos e projetadosem coerência com os ditames legais consti-tuídos para esse segmento da populaçãoadolescente em situação peculiar de desen-volvimento. Isso significa que as políticas eas ações direcionadas ao adolescente comprocesso por prática infracional devem seassentar em instâncias estabelecidas peloECA e consolidadas pelo SINASE, para que oatendimento em rede tenha presente ocaráter nacional e integral da questão, o quesignifica uma integração crítica às políticas,às metas, às estratégias e aos programasestabelecidos nos diferentes níveis do siste-ma de atendimento do país.

A operacionalização da proposta de umatendimento em rede deve procurar alcançare compreender o movimento real que ocorrena articulação das instituições que compõemessa trama, tais como, as pressões e tensõesque percorrem as relações internas de cadainstituição e suas relações com o Estado, re-presentado pelos departamentos estaduaisatuantes no município e pelas próprias políti-cas sociais básicas municipais.

Portanto, sensibilizar, mobilizar e arti-cular instituições e profissionais diretamen-te atuantes na área, discutir as questões da

infração do adolescente e viabilizar o desen-volvimento de uma nova metodologia parao enfrentamento destas questões, possibili-tam resgatar o conhecimento acumulado econstruir, de forma partilhada, uma propos-ta de aplicação das medidas sócio-educati-vas em meio aberto – liberdade assistida eprestação de serviços à comunidade –, quereúne condições para a criação de novosmodos de agir contribuindo para mudançasnas relações dos jovens com a família e coma sociedade.

Na perspectiva de formular um refe-rencial analítico para a rede de redes, Car-valho e Guará (op. cit.:13-28) localizam osdiferentes espaços e âmbitos nos quais elasse configuram:

• As redes sociais espontâneas (Car-valho e Guará, op. cit.:15) tecem-se no espaçolocal, a partir de conexões informais "de vín-culos mais ou menos fortes" (Faleiros, op.cit.), tendo por base as relações primárias,interpessoais e espontâneas. Incluem afamília25, os amigos26, a vizinhança, o tra-balho, a rua, o quarteirão, a comunidade, aIgreja. Sua ação se faz através de relações dereciprocidade, circulação de informações eprestação de serviços imediatos.

No contexto das redes sociais espontâ-neas não se pode deixar de salientar a rede

25 Em seu estudo sobre família erede social Both (1976) assinalaque os parentes oferecem talvez omais importante sentido de identi-dade e de pertencer a algo juntos.Fornecem também ajuda e servi-ços mútuos, por vezes criando umsubstancial montante de ajudafinanceira.26 Both (1976) cita estudos queafirmam que a feição essencial daamizade é que ela é voluntária eestá baseada em interesses com-partilhados e no consenso emcomparação com o parentesco, noqual os negócios e a obrigação sãoos catalisadores.

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sócio-familiar como uma rede relacionalextremamente importante na execução dasmedidas sócio-educativas.

A família é um “lócus” privilegiado deresposta às necessidades imediatas do adolescente. Ela é o lugar da socialização,desempenhando funções socialmente im-portantes. Essa família, via de regra, encon-tra-se fragilizada e, sem uma ação institu-cional interventiva, os problemas tendem aagravar-se.

O contexto social que envolve o ado-lescente em conflito com a lei, sua família ea comunidade onde vivem deve ser analisa-do como espaço social e político que permi-te relacionar a realidade existente com aspossibilidades de ações concretas ligadas àssuas necessidades e aspirações, criandocondições para a ampliação dos recursosexistentes voltados para a sociabilização,educação, preparação para o trabalho e vi-vências culturais.

Aprender a conviver com as diferenças,estimular a capacidade de decidir, de usaras potencialidades individuais, familiares ecomunitárias e a valorização de iniciativaspróprias levam o adolescente que cumpremedida sócio-educativa a enfrentar o seucotidiano de maneira positiva e a superarsuas necessidades. Assim, a família e comu-

nidade onde este se insere constituem umarede de solidariedade com capacidade deprover autonomamente suas capacidades e, portanto, deve ser considerada como umdos sub sistema do sistema de garantia de direitos.

• As redes de serviços sócio-comunitá-rios (Carvalho e Guará, op. cit.:15-16) têmcomo protagonistas históricos os agentesfilantrópicos e as organizações comunitá-rias (a Igreja, a Sociedade Amigos de Bairro).Essas redes produzem serviços assistenciaisde caráter mutualista (serviços ambulato-riais, creches, abrigos); desenvolvem muti-rões para moradia, manutenção de equipa-mentos, limpeza urbana; organizam clubesde mães, festas comunitárias, cooperativas;e implementam serviços de desenvolvimen-to de cidadania, melhoria ambiental e daqualidade de vida.

• As redes setoriais públicas (Carvalhoe Guará, op. cit.:18-25) estruturam-se a par-tir do espaço público, em função de neces-sidades tidas como direitos dos indivíduos.Prestam serviços específicos e especializa-dos, consagrados pelas políticas públicas se-toriais – educação, saúde, habitação etc.

• As redes setoriais privadas (Carvalho eGuará, op. cit.:18), por serem de caráter priva-do, seguem as leis do mercado, oferecendo

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seus serviços mediante pagamento. Emboraacessíveis a uma parcela restrita da popula-ção, estas redes costumam estender-se,via convênio, aos trabalhadores do merca-do formal.

• As redes sociais movimentalistas27

(Carvalho e Guará, op. cit.:16-18) confor-mam-se como movimento social de denún-cia e de vigilância e luta reivindicatória pormelhores condições de vida e pela afirma-ção de direitos. Constituem-se a partir daarticulação de grupos sociais de naturezas e funções diversas, ligados através de rela-ções interpessoais. Essas redes oxigenamtodas as demais, assumindo o papel de ins-

tituintes de novas demandas de justiça.Por fim, a proposta do atendimento em

rede abarca diferentes ângulos de necessi-dades e direitos do adolescente que cumpremedida sócio-educativa e tende a equacio-nar os desafios considerados substantivosna atenção a esse jovem. Essa articulaçãoem rede oferece importante ponto de apoiopara a implementação de um sistema deredes descentralizado e participativo, quereordena as competências e atribuições dasorganizações, sejam elas governamentais enão governamentais, nos diferentes espa-ços de intervenção.

27 Carvalho e Guará (op. cit.:16)informam que este conceito foiconstruído e desenvolvido por AnaMaria Doimo, em Movimentossociais e conselhos populares, desa-fios da institucionalidade demo-crática (Caxambu, 1990, textomimeografado.)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990.SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SÓCIO-EDUCATIVO, RESOLUÇÃO CONANDA JULHO DE 2006.BOTH, Elizabeth. Família e rede social: papéis, normas e relacionamentos externos em famílias urbanas comuns.Trad. MarioGuerreiro. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976CARVALHO, Maria do Carmo Brandt de; GUARÁ, Isa Maria Ferreira da Rosa. Gestão municipal dos serviços de atenção à crian-ça e ao adolescente in Série Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, nº 4. São Paulo: IEE PUCSP/CBIA, 1995O trabalho em rede, texto elaborado pela Profª Drª Myrian Veras Baptista, NCAPUCSPDANIEL, Heloisa Helena. Centro de Atendimento Sócio-Educativo: uma experiência de sucesso. São Paulo, 2006. ILANUD;ABMP; SEDH; UNFPA (orgs). Justiça, Adolescente e Ato Infracional: sócio-educação e responsabilização.

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Recomendações *

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* Originadas nas Oficinas deCapacitação

Além das atividades de pesquisa e su-pervisão, foram realizadas duas oficinas decapacitação com as equipes dos programasapoiados. A primeira oficina foi realizadaem novembro de 2006 e a última no mês deagosto de 2007.

Ambas tiveram por objetivo propiciar atroca e o intercâmbio de informações entreos diferentes programas, tendo, contudo,cada uma delas, objetivos concretos relacio-nados ao momento do projeto.

Evidentemente a primeira oficina ser-viu para apresentar as ações que seriamdesenvolvidas e introduzir algumas refle-xões que seriam aprofundadas por intermé-dio das supervisões. Já a segunda teve porfinalidade promover uma avaliação do pro-cesso e apresentar os dados e informaçõesobtidas com a pesquisa.

Ao final, foram propostos pelos repre-sentantes dos programas alguns passos eestratégias de ações, que ora reproduzimos:

• promover a integração entre a rede

de atendimento e a escola, com a participa-ção dos programas sócio-educativos noConselho de Educação;• promover a articulação entre a escola e oConselho Municipal dos Direitos da Criançae do Adolescente;• promover parcerias para estimular o aces-so ao Núcleo de Inclusão Digital;• oferecer oficinas e cursos profissionalizan-tes mais adequados ao perfil dos adolescen-tes, seus interesses e formação; preparar oadolescente para o “mundo” do trabalho enão para o “mercado”;• elaborar um Plano Municipal de MedidasSócio-Educativas (em consonância com a le-gislação Estadual e Federal);• favorecer maior articulação com o Sistemade Justiça;• oferecer capacitação e reciclagem aos pro-fissionais que trabalham com adolescentesno cumprimento de medidas;• promover um ambiente (infra-estrutura eatendimento) agradável aos adolescentes.

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Este livro foi composto em The Sans Light e impresso em papel Reciclato da Suzano pela Gráfica e Editora Makrokolor para a Fundação Telefônica em maio de 2008.

Tiragem: 2.000 exemplares.

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ParceriaIniciativa

A pesquisa Medida Legal: a experiência de cinco programas de medidas sócio-educativas em meio aberto foi realizada pelo Instituto Latino Americano

das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (ILANUD),ao longo de sete meses, em projetos de liberdade assistida e de prestação de

serviços à comunidade, que contam com investimento da Fundação Telefônica,nas cidades paulistas de Campinas, Guarujá, Guarulhos e Jandira.

Os resultados do estudo desenham de maneira aprofundada o cotidiano dos jovensentrevistados e trazem informações em muitos campos: a violência vivida por eles,

o acesso a armas, o uso de drogas, a relação com a escola, a inserção no mercado de trabalho, os tipos de infrações cometidas e a reincidência.

Ainda que o universo investigado seja pequeno, quando comparado ao panoramabrasileiro, os dados permitem uma aproximação entre esses dois contextos,

deixando claro que os adolescentes cumprindo medidas sócio-educativas Brasil afora compartilham realidades sociais.

A pesquisa é um instrumento importante, capaz de subsidiar e inspirar as ações de profissionais e instituições governamentais e não-governamentais, que

trabalham com adolescentes em conflito com a lei.