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A CRIANÇA E A LINGUAGEM ESCRITA CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL DE CONTAGEM EXPERIÊNCIAS, SABERES E EXPERIÊNCIAS, SABERES E CONHECIMENTOS CONHECIMENTOS

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educação infantil

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  • A CRIANA E A LINGUAGEM ESCRITA

    CURRCULO DA EDUCAO INFANTIL DE CONTAGEM

    EXPERINCIAS,SABERES EEXPERINCIAS,SABERES ECONHECIMENTOSCONHECIMENTOS

  • VOLUME 11: A CRIANA E A

    LINGUAGEM ESCRITA2012

    CURRCULO DA EDUCAO INFANTIL DE CONTAGEM

    EXPERINCIAS,

    CONHECIMENTOSSABERES E

  • 2 | Prefeitura MuniciPal de contageM a criana e a linguageM eScrita | 3

    Marlia camposPrefeita de contagem

    lindomar diamantino SegundoSecretrio de educao e cultura

    APRESENTAO

    a publicao da coleo Currculo da Educao Infantil de Contagem: experincias, saberes e conhecimentos vem coroar o trabalho de reflexo sobre o currculo a ser desenvolvido com as crianas dessa etapa da educao Bsica, realiza-do pelas profissionais que atuam nas instituies de educao infantil pblicas e conveniadas de contagem.

    a coleo, construda a partir das dvidas e inquietaes das profissionais, tem como objetivo orientar o processo de elaborao da proposta curricular de cada instituio, fomentando a discusso sobre a prtica educativa. essa atitude democrtica de construo coletiva uma das marcas da poltica municipal que estamos gestando na cidade e que visa garantia do direito da criana a uma educao infantil de qualidade.

    a proposio de um currculo para a educao infantil, consubstanciada na coleo que ora apresentamos, pretende ser um material aberto, flexvel, coerente com as concepes de criana, de infncias, de educao infantil, de aprendizagem e desenvolvimento que a poltica municipal de educao defende, alm de provocar a articulao entre teoria e prtica, expli-citando os objetivos, os saberes e conhecimentos que possibilitaremos que as crianas vivenciem nas nossas instituies.

    a coleo, ao provocar a reflexo e ao desconstruir propostas prescritivas que meramente apontam contedos a serem desenvolvidos, busca uma relao interativa com a profissional que atua na educao infantil. nosso objetivo possibilitar s crianas contagenses experincias que as toquem, as transformem e as considerem cidads. experincias que sero plurais, variadas, diversas, assim como o so as propostas pedaggicas que desenvolvemos na cidade, que tm como eixo comum a formao humana dessa criana, considerando sua especificidade e as concepes que acreditamos.

    esperamos que a leitura dos cadernos da coleo Currculo da Educao Infantil de Contagem: experincias, saberes e conhecimentos estabelea um dilogo frtil sobre a educao infantil em nossa cidade. um dilogo que garanta tempos e espaos para a vivncia de uma infncia cidad, na qual a criana possa se apropriar do mundo e da cultura, tornando-se cada vez mais humana.

    PREFEITA MUNICIPALMarlia aparecida campos

    VICE PREFEITOagostinho da Silveira

    SECRETRIO MUNICIPAL DE EDUCAO E CULTURAlindomar diamantino Segundo

    SECRETRIO ADJUNTO DE EDUCAO E CULTURAdimas Monteiro da rocha

    COORDENADORA DAS POLTICAS DE EDUCAO BSICAMaria elisa de assis campos

    REVISOluciani dalmaschio

    PRODUO EDITORIALfernanda cristina Mariano dinizMrio fabiano da Silva Moreira

    AUTORAS DO DOCUMENTO

    CONSULTORIA PEDAGGICAftima regina teixeira de Salles diasVitria lbia Barreto de faria

    FICHA TCNICA

    DIRETORIA DE EDUCAO INFANTILlucimara alves da Silvarosalba rita limaValma alves da SilvaASSESSORIA DE EDUCAO INFANTIL DOS NCLEOS REGIONAIS DE EDUCAOcibelle de Souza Braga nre industrial/riachodarci aparecida dias Motta nre Sederica fabiana Beltro Pereira nre Vargem das floresliliane Melgao ornelas nre eldoradoMaria elizete campos nre PetrolndiaMicheli Virgnia de andrade feital nre eldoradoSandro coelho costa nre industrial/riachoSilvia fernanda Mutz da Silva nre ressaca/nacionalSnia Maria da conceio flix nre Sede

    COLABORAOghisene Santos alecrim gonalves nre ressacaPauline gonalves cardoso duarte nre nacional

    GRUPO DE TRABALHO RESPONSVEL PELA ELABORAO DO CADERNO A CRIANA E A LINGUAGEM ESCRITAana Paula Pereira Moraes arajo - cei Vov nally fernanda aparecida ferreira - cei irmo Jos grosso glucia rosa Silva alves - anexo Padre Joaquim de Souza SilvaHellen albuquerque de Morais - ceMei Bom Jesus Maria Helena de arajo do esprito Santo - ceMei Mundo Maior Maria nazareth anunciao - cei nair ubaldo girundi Marilena Valentim ramos - cei irmo Jos grosso Silvia fernanda Mutz da Silva coordenao do grupo

    CO-AUTORASProfissionais da educao infantil da rede Municipal e da rede conveniada de contagem

    contagem. Minas gerais. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de educao e cultura.

    a criana e a linguagem escrita/ Prefeitura Municipal de contagem. - contagem: Prefeitura Municipal de contagem, 2012.

    iSBn coleo: 978-85-60074-08-2 iSBn Volume: 978-85-60074-19-832 p.: il. - (currculo da educao infantil de contagem, 11).

    1- educao infantil. 2- currculo. 3- linguagem escrita. 4- campos de experincias. 5- alfabetizao. 6 - letramento. 7- literatura. i- ttulo. ii- Srie.

    cdd: 372.21

  • 4 | Prefeitura MuniciPal de contageM a criana e a linguageM eScrita | 5

    INTRODUO

    a coleo Currculo da Educao Infantil de Contagem: experincias, saberes e conhecimentos tem como objetivo orientar o processo de construo da proposta curricular de cada instituio de educao infantil de contagem. trabalha-mos nessa coleo com o seguinte conceito de currculo:

    Conjunto de experincias culturais relacionadas aos saberes e conhecimentos, vividas por adultos e crianas numa instituio de Educao Infantil IEI , na perspectiva da formao humana. As experincias vividas nessa caminha-da so selecionadas e organizadas intencionalmente pelas profissionais da IEI, embora estejam sempre abertas ao imprevisvel. O currculo um dos elementos do PPP, devendo se articular com os demais elementos desse projeto e ser norteado por suas concepes. Nesse sentido, a seleo das experincias determinada pelas necessidades e interes-ses das crianas com as quais a IEI trabalha, considerando as especificidades do seu desenvolvimento e do contexto onde vivem, a diversidade que as caracteriza, bem como pelas exigncias do mundo contemporneo.

    esse conceito procura consolidar uma concepo que leve em conta o contexto em que a instituio de educao infantil est inserida e que coloque a criana na centralidade do processo pedaggico. nessa perspectiva, a criana sujeito de sua ao e reflexo, possibilitando, a partir da interao com outras crianas e com adultos e das experincias que vivencia nas relaes sociais e nos processos de aprendizagem e desenvolvimento, sua formao humana.

    a coleo est organizada em onze cadernos, a saber:

    DiscutindooCurrculodaEducaoInfantildeContagem;

    ACrianaeaLinguagemOral;

    ACrianaeaLinguagemEscrita;

    ACriana,oBrincareasBrincadeiras;

    ACrianaeoMundoSocial;

    ACriana,oCuidadoeasRelaes;

    ACriana,oCorpoeLinguagemCorporal;

    ACriana,aMsicaeaLinguagemMusical;

    ACriana,aArteeaLinguagemPlsticaeVisual;

    ACrianaeoMundoNatural;

    ACrianaeaMatemtica.

    o caderno Discutindo o Currculo da Educao Infantil de Contagem apresenta e detalha o conceito de currculo adotado pelo municpio e as concepes que norteiam o trabalho na educao infantil. apresenta, ainda, o histrico do processo de construo da coleo e destaca a necessria relao que cada instituio deve estabelecer entre seu currcu-lo e seu Projeto Poltico-pedaggico.

    os outros dez cadernos, cada um identificado por uma cor especfica, apresentam os campos de experincias a serem trabalhados com as crianas. em cada um deles busca-se fundamentar a discusso sobre o campo de experincia, elencar objetivos, saberes, conhecimentos e experincias e apontar possibilidades de trabalho.

    as fotos utilizadas na coleo retratam propostas de trabalho desenvolvidas nas instituies de educao infantil da cida-de. J os desenhos, foram produzidos pelas crianas especialmente para essa coleo; uma forma alegre e colorida delas dizerem para ns, profissionais, como veem o que tem sido desenvolvido nas instituies. esses desenhos constituem um texto a ser lido e permitem a produo de outros sentidos para a nossa prtica pedaggica.

    outro ponto que gostaramos de salientar na coleo foi a opo por tratar no feminino as profissionais que atuam na educao infantil. Poderamos ter optado pela forma masculina/feminina, mas preferimos dar destaque s mulheres, que so maioria na atuao nas iei. com isso, no estamos dizendo que esse um campo fechado aos homens, mas apenas valorizando e destacando a fora e a presena feminina na educao infantil de contagem.

    esperamos que a coleo Currculo da Educao Infantil de Contagem: experincias, saberes e conhecimentos possa enriquecer as prticas pedaggicas que vm sendo desenvolvidas nas instituies. nesse sentido, convocamos as edu-cadoras, nossas interlocutoras privilegiadas, para discutir a efetivao de uma educao de qualidade a partir de um traba-lho com as crianas que esteja pautado no respeito mtuo, na construo de saberes e conhecimentos e na formao integral; um trabalho que incite novas aprendizagens e que seja estimulador para todos e todas.

    Equipe da Educao Infantil

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    2012

    A CRIANA E A LINGUAGEM ESCRITA

    a palavra o meu domnio sobre o mundo.clarice lispector

    Palavras so um brinquedo que no fica velho. Quanto mais as crianas usam palavras, mais elas se renovam. Jos Paulo Paes

    DELIMITAO

    este campo de experincia na educao infantil diz respeito leitura, escrita, reflexo sobre a lngua e literatura, que a expresso artstica dessa linguagem. Sua aprendizagem ocorre por meio dos processos de alfabetizao e letramento, com a progressiva apropriao dos aspectos funcionais, textuais, grficos e do sistema alfabtico de representao da escrita.

    1 FUNDAMENTAO

    1.1 O que esse campo de experincia e qual o seu significado?

    a linguagem escrita um sistema de representao com smbolos, sinais e normas, convencionados em cada contexto histrico e cultural, criado pelo homem em funo de suas necessidades (caValcanti, 2000, p. 82) e que, em nossa cultura, organiza-se atravs do sistema alfabtico de escrita. essa linguagem tem como funes sociais a organizao e a expresso do pensamento, a comunicao a distncia, o registro, a orientao, a armazenagem de dados, o auxlio memria, o prazer, a fruio. na vida social, para atender a todas essas funes, a linguagem escrita sempre aparece em forma de texto, que sua unidade mnima para a produo de sentidos. como um tecido, o texto forma um todo que tem seu significado evocado, traduzido, interpretado, apreciado e sentido pelo leitor.

    Masoqueumtexto?Apalavraperigoescritaemumaplacafixadaprximaaumarededealtatensoumtexto?Quetextoesse?Apalavraperigonessecontextotrazemsioseguintetexto:Cuidado!Ocontatocomestaredepodeserfatal.Noseaproxime.Assim,temosqueotextoaunidadeprodutoradesentidose

    semprenosdizalgumacoisa.

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    a aprendizagem da linguagem escrita traz em si dois processos que se desdobram em outros e se interrelacionam: alfa-betizao e letramento. a alfabetizao o processo especfico de apropriao da escrita enquanto sistema alfabtico e implica a compreenso e uso dos princpios alfabticos e ortogrficos da lngua. letramento significa no apenas saber codificar e decodificar, indo muito alm de conhecer o cdigo escrito enquanto tcnica. como esclarece Soares (2003), letramento o uso social da linguagem escrita. isso significa que o sujeito, que est inserido e participa de uma cultura letrada, exerce prticas sociais cotidianas de utilizao dessa linguagem como instrumento de orientao no mundo, como possibilidade de interpretao de informaes e como forma de compartilhamento de significados. esse conceito nos permite afirmar que possvel estar em certo nvel de letramento antes mesmo de ser alfabetizado, mas, obviamente, o nvel de letramento torna-se mais elevado com o processo de alfabetizao.

    Participando de prticas reais de escrita e de leitura, as crianas compreendem a relao entre o falar e o escrever, as diferentes formas de organizar e estruturar os diversos tipos de texto, os usos e funes sociais da linguagem escrita, am-pliam seu repertrio lingustico, alm de compreenderem a si mesmas e o mundo por meio da palavra. Se percebermos as especificidades e, sobretudo, a indissociabilidade entre esses dois processos - alfabetizao e letramento nosso papel na educao infantil ser alfabetizar letrando, como defende Soares (2004). nesse sentido, no trabalharemos numa perspectiva linear: primeiro alfabetizar para depois letrar ou vice-versa. ao contrrio, iremos trabalhar esses processos de forma concomitante, possibilitando, assim, que tenham sentido para as crianas. isso permitir que a lngua seja trabalha-da em prticas reais e percebida em sua relao com seus usos e funes sociais. de acordo com Britto (2005),

    o grande desafio da educao infantil est exatamente, em vez de se preocupar em ensinar as letras, numa perspec-tiva redutora de alfabetizao (ou de letramento), construir as bases para que as crianas possam participar critica-mente da cultura escrita, conviver com essa organizao do discurso escrito e experimentar de diferentes formas os modos de pensar escrito. (p.16).

    assim, a construo de saberes e conhecimentos sobre essa linguagem pressupe a apropriao de seus usos e funes sociais (comunicao distncia, registro, memria, etc.), bem como de aspectos textuais (estrutura, tramas, organiza-o e suportes adequados aos diferentes gneros textuais, coerncia, coeso, clareza, objetividade dos textos), dos aspec-tos grficos (pontuao, acentuao, formas e tipos de letras, separao entre as palavras, orientao espacial da escrita, etc.) alm da compreenso do sistema alfabtico de representao (o conhecimento das relaes entre grafemas e fonemas e suas diversas posies e combinaes na palavra). esses aspectos vo ser trabalhados nos processos de leitura, de escrita e a partir da reflexo sobre a lngua.

    Quanto leitura, entendemos que ler compreender a linguagem escrita, estabelecendo relaes, buscando respostas para as questes que o leitor se coloca, ou seja, construir significados e produzir sentidos. envolve uma relao com o texto, que mobiliza uma srie de estratgias do leitor para alcanar a compreenso. nesse sentido, antes da leitura, se-lecionamos o que ser lido, a partir dos nossos objetivos. tais objetivos so determinantes at mesmo da forma como ser lido o texto. isso significa que iremos ler um jornal de formas bem diferentes se estivermos buscando maiores informa-

    es sobre um acontecimento ou se estivermos escolhendo um filme para assistir, dentre os que esto em cartaz. Mobili-zamos e resgatamos, ainda, nossos conhecimentos prvios, por exemplo, sobre o assunto a ser tratado no texto, sobre o autor, sobre o gnero textual que ser lido. isso nos permite fazer antecipaes, previses, suposies e levantamento de hipteses sobre o texto, refletindo sobre elas como um conjunto de possibilidades. Durante a leitura ou escuta da leitu-ra, fazemos inferncias, comparamos, verificamos nossas hipteses, fazemos generalizaes, realizamos snteses. Aps a leitura, avaliamos o que lemos, percebemos a coerncia, confrontamos sentidos e sentimentos produzidos em relao ao texto. em sntese, as estratgias de leitura so: seleo, antecipao, inferncia e verificao.

    J escrita uma representao de segunda ordem, ou seja, a representao de outra linguagem no caso, a linguagem oral - que, por sua vez, j uma forma de representao dos objetos e das ideias. um dos aspectos que viabiliza essa representao, na nossa cultura, a apropriao do sistema alfabtico.

    Mas escrever envolve outras questes que vo muito alm do domnio do cdigo, pois a estrutura dos textos na linguagem escrita bem diferente da estrutura dos textos que construmos na nossa fala. assim, se, geralmente, ao falarmos podemos repetir quando o outro no nos compreende e podemos associar nossa fala aos gestos para nos expressarmos melhor, na escrita as estruturas textuais precisam ser organizadas de forma progressiva, coerente e clara, utilizando recursos da pontu-ao e elementos de coeso (pronomes, conjunes, advrbios, etc.) mais prprios a esse tipo de linguagem. isso acontece porque o nosso interlocutor no est presente no ato da escrita, obrigando-nos a explicitar o contexto, a substituir os nossos gestos por palavras ou por pontuao e a organizar melhor as ideias, buscando preencher as lacunas que poderiam dificultar a compreenso do leitor. alm disso, h uma distncia temporal entre o pensar e o escrever, diferentemente do que acontece ao falarmos, pois vamos falando e pensando, quase que ao mesmo tempo. importante observar que existem graus diferen-ciados de discursos escritos e orais, a depender do contexto, do interlocutor e do gnero textual em ato.

    a produo da escrita busca responder a questes como: qual o objetivo (para qu)? em qual contexto (formal ou

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    informal)? Para quem (para o outro ou para si mesmo)? o que vai ser escrito? como ser escrito? Que tipo de texto? em qual gnero? a resposta a essas questes determinada pelos usos e funes sociais a serem considerados na produo escrita, propiciando, ento, a opo pela utilizao de diferentes tipos textuais (narrao, argumentao, exposio, descrio e injuno), evidenciados nos diversos gneros (poemas, contos, romance, notcias, bilhete, convite, receita, carta, piadas, artigo, monografia, etc.) e conformados em vrios suportes textuais (livro, jornal, carto, caderno, revista, computador/internet, dentre outros).

    em relao reflexo sobre a lngua implica em nos concentrarmos, de modo intencional, em algum aspecto que a cons-titui. Podemos, por exemplo, pensar sobre a relao entre os sons das palavras, entre um fonema especfico e um grafema; podemos ainda refletir sobre a melhor forma de escrever para nosso interlocutor de forma que ele nos compreenda, ou sobre que expresses daro maior leveza ou beleza ao texto. essa reflexo ocorre ainda, na vivncia de experincias rela-cionadas a prticas reais de leitura e de escrita e na interao com os outros, envolvendo tambm relaes e intervenes de usurios mais experientes e de diferentes idades.

    na educao infantil, o trabalho com a conscincia fonolgica pode ser realizado, por exemplo, atravs da proposio de experincias relacionadas a jogos e brincadeiras com rimas, poemas, msicas e parlendas o que possibilita s crian-as focarem sua ateno na busca de semelhana entre os sons das palavras, ao invs de se centrarem nas semelhanas entre os objetos ou ideias.

    outro modo de reflexo sobre a lngua a produo de textos coletivos, tendo a educadora como escriba. nessa prtica, a criana pode refletir sobre o interlocutor e os objetivos do texto e negociar o enunciado para que a produo se aproxime da linguagem que se escreve.

    essas experincias possibilitam construir saberes e conhecimentos sobre nosso sistema de representao da lngua, sobre as relaes entre linguagem oral e linguagem escrita, sobre os usos sociais e sobre a estrutura e a forma adequada para a construo de um texto escrito.

    alm dos processos de leitura, de escrita e reflexo sobre a lngua, fundamental a discusso sobre a literatura que traba-lha com a dimenso esttica da linguagem escrita. de acordo com compagnon (apud iSer, 1996, p.149), a obra literria tem dois plos, [...] o artstico e o esttico: o plo artstico o texto do autor e o plo esttico a concretizao realizada pelo leitor. como experincia artstica e esttica, a literatura influencia o processo de formao humana das crianas por se constituir como elemento que instaura a sensibilidade, desenvolve a imaginao e amplia as possibilidades de com-preenso do mundo. apresenta-se como oportunidade para a constituio de outras leituras de mundo, pois reorganiza o conhecimento na perspectiva da arte, cumprindo o papel primordial de prazer e fruio. essencialmente, o texto literrio abarca a dimenso esttica. assim, espera-se que o leitor se sinta em interao com uma obra de arte. essa interao lhe permite uma vivncia que inclui, alm de seu interesse intelectual, seu lado emocional: sua imaginao, desejos, medos, admiraes. (PaiVa;Paulino, 2006, p.21).

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    o objetivo primeiro da literatura a produo de conhecimento esttico e no a simples veiculao de conhecimentos produzidos pela humanidade de maneira mecanicista. embora tambm informe, ela vai muito alm dessa funo, pois possui sentido em si mesma, no podendo aplicar a ela uma viso meramente utilitria. a didatizao da literatura no dialoga com suas funes de prazer, fruio, apreciao e desenvolvimento da sensibilidade. importante que a leitura literria seja, de fato, vivenciada como prtica cultural, artstica, esttica, interativa e inclusiva.

    nesse sentido, para que as crianas avancem em seus conhecimentos e em seu processo de humanizao, uma con-dio indispensvel a convivncia com diferentes leitores: adultos e crianas. assim, fundamental que as crianas freqentem bibliotecas, tenham contato com autores de livros, recebam visitas de contadores de histria, ouam histrias lidas por crianas maiores de outras turmas, convidem familiares para irem instituio ler histrias ou contar aquelas que ouviam quando crianas. (diaS; faria, 2007, p. 29).

    ento, papel da instituio de educao infantil criar tempos e espaos para ler, ouvir e apreciar os textos literrios, possibilitando, por meio da palavra, o envolvimento emocional, a criatividade, a vivncia artstica, a experincia esttica, o sentido de pertencimento e a reflexo sobre a diversidade.

    1.2 Como o conhecimento sobre esse campo de experincia foi construdo historicamente pela humanidade?

    a escrita uma inveno decisiva para a histria da humanidade. no surgiu por acaso, mas como consequncia das mu-danas na sociedade e foi avanando a partir das necessidades do ser humano.

    o homem pr-histrico, sentindo necessidade de representar os objetos, suas vivncias, seus desejos, iniciou essa trajet-ria reproduzindo mensagens nas pedras e rochas, o que deu origem aos primeiros pictogramas. ao longo do tempo, esses desenhos primitivos, provavelmente por no assegurarem uma mensagem precisa, passaram a no atender s necessida-des, pois podiam dar margem a diferentes interpretaes.

    os registros encontrados hoje demonstram que o ser humano passou a atribuir significado para cada desenho e as ideias comearam a ser representadas, seguindo uma ordem que era determinada pela progresso dos fatos registra-dos. nesse momento, houve um avano no desenvolvimento da escrita, ficando evidente a tentativa de assegurar o entendimento do contedo da mensagem, a busca por uma lgica para distribuio e sequncia dos desenhos, que tinham as paredes das cavernas como suporte.

    diferentes povos, em diferentes pocas tentaram representar suas ideias por meio de sinais pictogrficos, relacionados aos conhecimentos culturais do con-

    figura 1: Pictografia: perodo de 30.000 a 25.000 a.c, quando a cultura da antiga idade da Pedra passou para o

    estgio do Paleoltico Superior.

    texto, desenvolvendo tcnicas variadas.

    entretanto, essas formas de representao eram ainda insuficientes para registrar toda a riqueza e possibilidades de expresso de con-ceitos. Permanecia, tambm, a dificuldade em representar palavras abstratas e nomes de pessoas. o ser humano, diante da dificuldade em entender essas formas de representao, deu incio a um novo sistema de escrita.

    nesse processo evolutivo, alguns povos passam a utilizar uma escrita ideogrfica, ou seja, os smbolos no mais represen-tavam o prprio objeto, mas as ideias que desejavam transmitir. com o passar do tempo, esses sinais desenhados foram se distanciando cada vez mais do objeto a ser representado e evoluram para outras formas.

    assim, em meados do quarto milnio a.c. os sumrios chegaram escrita cuneiforme, cujo significante no se assemelhava ao seu referente, ou seja, os caracteres gravados no possuam nenhuma relao com o que pretendiam representar. esses sinais se-guiam uma conveno, o que gerou a necessidade de serem ensinados por algum que os conhecesse.

    Paralelamente, os egpcios desenvolveram a escrita hieroglfica, constituda por sinais pictogrficos, ideogrficos e tambm fonogrficos (smbolos que representam sons), provavelmente o mais antigo sistema de escrita do mundo.

    esse distanciamento dos sinais em relao aos objetos representou um gran-de salto no desenvolvimento da linguagem escrita, abrindo caminhos para a progressiva passagem do sistema pictogrfico para o sistema fonogrfico. a partir da, foram sendo criados os fonogramas, sinais abstratos que representam no mais os objetos, aes ou ideias, mas os sons da fala. os ideogramas foram, assim, transformados em valores silbicos, representados inicialmente apenas por consoantes.

    Por volta de 800 a.c. os gregos introduziram o uso de vogais, que se juntaram s consoantes. assim eles conseguiram representar separadamente os elementos componentes de uma slaba, chegando construo da escrita alfabtica. essa or-ganizao se mantm at hoje na nossa cultura, com mudanas nos seus caracteres (smbolos), que evoluram ao longo dos tempos.

    figura 2: evoluo da escrita ideogrfica

    figura 4: escrita hieroglfica.

    figura 3: escrita cuneiforme sumeriana.

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    o caminho percorrido pelo homem evidencia grandes conquistas: o desenho inicial das cavernas passou pela sofistica-o da combinao de gestos e sinais nos pictogramas, at serem criados os smbolos arbitrrios, totalmente conven-cionais, que passam como herana cultural de gerao para gerao, de acordo com o contexto e com as necessidades dos sujeitos daquela cultura. assim, a histria da humanidade se divide em duas grandes eras: antes e depois da escrita.

    Verifica-se, na sua evoluo histrica, que a funo inicial da escrita de favorecer os registros comerciais se ampliou e ela passou a ser utilizada para outros fins, tais como a comunicao a distncia, memrias de viagens e conquistas, dentre outras. entretanto, historicamente, a linguagem escrita tem sido um instrumento de dominao, isso porque a sociedade se desen-volveu em torno daqueles que possuam esse conhecimento e que acabaram detendo o poder para dominar aqueles que no o possuam. Por exemplo, a igreja, na idade Mdia, monopolizou esse conhecimento, impondo, assim, sua ideologia.

    medida que a sociedade foi se complexificando, a escrita assumiu outros usos e funes, passando a cumprir papis dife-renciados. a inveno da imprensa, no sculo XV, provocou a ampliao dos portadores de escrita, dos gneros textuais e das possibilidades de comunicao por meio dessa linguagem, disseminando o uso da escrita, alm de ampliar as possibilidades de novos suportes textuais. essa inveno atendeu s necessidades da sociedade de fazer circular mais rapidamente as infor-maes, de efetivar as transaes comerciais e de divulgar ideias e produtos. dessa forma, seu uso foi sendo democratizado.

    no mundo contemporneo, o domnio da linguagem escrita tem importante papel no exerccio da cidadania. a inveno de novas tecnologias possibilita acesso irrestrito tambm a outras linguagens e campos de conhecimento, atendendo a diversas funes e necessidades da sociedade.

    Hoje, a escola tem, como um dos seus objetivos possibilitar a aprendizagem significativa dessa linguagem, democratizan-do seu acesso a todos os cidados.

    no que se refere a aprendizagem da linguagem escrita, a escola foi, historicamente, modificando suas formas de trabalhar esse conhecimento. a alfabetizao e o letramento no eram compreendidos como processos que se articulavam e sim de maneira fragmentada. o modo como se constitua o trabalho com a linguagem escrita se pautava por uma lgica trans-missiva: de um lado havia algum que ensinava, dava aula e de outro algum que recebia os conhecimentos transmitidos. isso refletia a falta de conhecimentos sobre como ocorre a apropriao dessa linguagem pela criana, o que resultava em um trabalho com letras e slabas isoladas. Prtica essa que graciliano ramos retrata no trecho abaixo:

    - um b com um a b, a: ba; um b com um e b, e: be. assim por diante at u. em escolas primrias da roa ouvi canta-rem a soletrao de vrias maneiras. nenhuma como aquela, e a toada nica, as letras e as pitombas convencem-me de que a sala, as rvores, transformadas em laranjeiras, os bancos, a mesa, o professor e os alunos existiram. [...] em p, junto ao barbado, uma grande moa, que para o futuro adquiriu os traos de minha irm natural, tinha nas mos o folheto e gemia: - a, B, c, d, e. (raMoS, 2009 p.10).

    os textos que entravam nas salas de aula eram apenas os de cartilha, que, na verdade, no cumpriam a real funo de

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    textos, uma vez que tinham apenas objetivo de ensinar a ler e a escrever, no circulando, de fato, no mundo social.

    com relao educao infantil, vale destacar e refletir sobre o fato de que, durante muito tempo, essa etapa educacional foi tratada como perodo preparatrio para as etapas seguintes, cujo papel era, essencialmente, trabalhar a prontido das crianas para a alfabetizao. assim, baseada numa concepo equivocada de aprendizagem da linguagem escrita, cen-trava sua prtica na proposio de exerccios repetitivos e mecnicos de coordenao motora fina e de percepo visual. outras vezes, adentrava no trabalho de alfabetizao propriamente dito, treinando sons e a escrita de letras e palavras, seguindo, conforme aponta Soares, uma lgica linear: primeiro alfabetizar para depois propiciar situaes de letramento. as crticas a essas perspectivas geraram, no limite, a negao do trabalho com a linguagem escrita na educao infantil.

    medida que as pesquisas, principalmente na lingustica, na Sociolingustica e na Psicolingustica, foram avanando, cons-tatou-se que se a criana tiver acesso a prticas reais de leitura e escrita, da forma como acontecem no mundo social, mesmo que por meio de outros leitores e produtores de escrita, ela construir ideias sobre as funes sociais dessa linguagem, sobre a forma como ela se estrutura e sobre o que aqueles sinais arbitrrios representam. evidenciou-se, ainda, que os processos de alfabetizao e letramento so imbricados, intimamente relacionados e, portanto, indissociveis (SoareS, 2003b.).

    esses avanos na produo cientfica acerca desse objeto de conhecimento, bem como os estudos e pesquisas sobre as crianas e suas formas de aprender tm influenciado a legislao e as polticas pblicas no Brasil. exemplo disso so as defini-es das diretrizes curriculares nacionais para a educao infantil, em relao a essa linguagem, que no seu art. 9, inciso iii, afirma que devemos desenvolver prticas que possibilitem s crianas experincias de narrativas, de apreciao e interao com a linguagem oral e escrita, e convvio com diferentes suportes e gneros textuais orais e escritos. (BraSil, 2009, p. 4).

    Hoje, embora muitas educadoras da educao infantil reconheam que a produo das crianas corresponde a uma fase da construo do seu conhecimento sobre linguagem escrita e trabalhem na perspectiva de alfabetizar letrando e de letrar alfabetizando, ainda encontramos muitas prticas pedaggicas que no dialogam com essas concepes.

    1.3 Como a criana aprende, se desenvolve e torna-se progressivamente humana, por meio desse campo de experincia?

    fazendo um paralelo entre o caminho percorrido pela humanidade em relao linguagem escrita e o modo como as crianas aprendem essa linguagem, percebemos muitas semelhanas no processo de construo. entretanto, no caso das crianas, elas no precisam reinventar essa linguagem, mas reconstru-la e dela se apropriar, transformando-a continuamente, pois elas nascem em um mundo permeado por diferentes linguagens, dentre elas a escrita. interagindo de maneiras diversas com os sujeitos de sua cultura entram em contato com essa variedade de linguagens que ser importante para a formao humana.

    Quando as crianas vivenciam situaes reais de uso da linguagem escrita, passam a sentir a necessidade de compreen-derem essa linguagem e de, tambm, produzirem marcas. Por meio da imitao, do brincar, da explorao, da observao

    e das informaes obtidas de outros sujeitos dessa cultura, vo, processualmente, construindo conhecimentos sobre a linguagem escrita.

    assim, desde bebs, elas podem, a seu modo, explorar instrumentos e materiais utilizados no universo da escrita. esses objetos so, inicialmente, estranhos, mas aos poucos as crianas se familiarizam com eles e os exploram de maneiras diversificadas. no contato com livros, por exemplo, levam-nos boca e podem observar as imagens, divertirem-se com eles no banho. Podem demonstrar curiosidade observando os momentos em que os adultos se pem a escrever. Bebs demonstram interesse por histrias lidas ou contadas para eles e tambm por pequenas poesias.

    Progressivamente, ao presenciarem atos de leitura e escrita por parte de usurios letrados da lngua, como leitura ou escrita de narrativas, poemas, jornais, bilhetes, folhetos informativos, listas de supermercado, anotaes de recados, dentre outros, as crianas vo percebendo, gradualmente, as marcas do texto escrito, alm de constatarem que ele apresenta caractersticas particulares que o diferem do texto oral. a partir da, ocorrem novas reflexes e aprendizagens, possibilitando-lhes formular hipteses e indagaes sobre o que essa escrita representa, sobre os usos e sobre a estrutura dessa linguagem.

    Se esses contatos forem frequentes, ricos e significativos, as crianas podem tentar produzir textos, escrevendo-os de modo no convencional ou tendo os adultos como escribas. nessas tentativas, elas costumam resguardar elementos da estrutura daquele gnero textual, bem como expresses, vocabulrio e elementos de coeso prprios da linguagem escri-ta. assim, por exemplo, ao produzir uma histria, elas costumam usar marcadores temporais como era uma vez, um dia, de repente ou advrbios como alegremente, vagarosamente; utilizam pronomes reflexivos, tempos verbais e termos mais elaborados. enfim, tentam elaborar um texto em linguagem que se usa para escrever histrias.

    Participando de experincias de leitura, antes mesmo de serem efetivamente leitoras, por meio de outros leitores mais ex-perientes que assumem o papel de vozes do texto e manuseando materiais bem variados, as crianas realizam leituras sua maneira. no processo de apropriao e construo de conhecimentos e saberes relacionados leitura, elas, de modo geral, passam por diversas fases e elaboram vrias hipteses: simulam a leitura; imitam; inventam; elaboram hipteses sobre o que pode e o que no pode ser lido; interpretam textos a partir das imagens que os acompanham; interpretam a partir de indicadores textuais, tais como o suporte do texto, o formato, as ilustraes; interpretam a prpria escrita; at o momento em que conseguem ler autonomamente.

    a criana, ao observar pessoas leitoras, apreende e significa, por exemplo, o modo como se pega no livro, como suas pginas so passadas, a postura diante dele, a forma de ler, a entonao. Quando teatralizamos a leitura, fazendo altera-es em nossa voz e associando a isso expresses faciais, gestos e/ou outros elementos como fantoches, aventais para contao de histrias, elas ficam fascinadas, deslumbram-se. diante da capa, do ttulo anunciado, das imagens do livro, imaginam o contedo da histria, fazendo antecipaes da mesma forma que um leitor fluente. diante da narrativa que se descortina, elas fazem inferncias. alm de mobilizar estratgias, as crianas percebem a lgica das narrativas, suas estruturas e, com o tempo, ampliam sua viso sobre a linguagem que encontraro nos livros de histria.

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    esse mesmo processo ocorrer diante de outros tipos de texto a que elas tiverem acesso de forma mais frequente. assim, por meio das experincias vividas, as crianas sabem o que esperar de diversos gneros textuais. antes mesmo de sa-berem ler como quem j domina o cdigo escrito, podem perceber o tipo de texto a partir dos seus elementos grficos e visuais (o suporte do texto, sua diagramao, as imagens). elas so capazes de ler a seu modo, mobilizando diversas estratgias de leitura. compreendem tambm textos lidos por outras pessoas, como leitoras ouvintes. Se propiciarmos a elas experincias nesse sentido e as instigarmos, poderemos verificar a utilizao de vrias estratgias. necessrio ainda abandonarmos vises reducionistas como aquela de que a criana l apenas de forma linear ou l apenas imagens. a criana l imagens, mas capaz de ir muito alm dessa possibilidade. contudo, isso s possvel a partir da ampliao do conceito de leitura e se ela tiver contato com diversos tipos de texto.

    em relao construo do sistema alfabtico, o fato de a escrita representar os aspectos sonoros da fala evidente para ns adultos j alfabetizados, mas as crianas no tm essa percepo. Para ferreiro (1991), o processo de aprendiza-gem da linguagem escrita pela criana ocorre de maneira ativa, reflexiva, permeada pelas interaes e relaes que elas estabelecem com essa linguagem, mediadas por sujeitos mais experientes da cultura. Pautando-se nas relaes sociais e no ambiente em que vive, a criana busca se apropriar dessa linguagem. ferreiro (1991) comprovou que a construo do conhecimento da linguagem escrita passa por fases, que so marcadas pelas hipteses expressas pelas crianas.

    em um primeiro momento, as crianas produzem garatujas ou riscalhadas.

    na fase icnica, elas pensam que escrever desenhar aquilo que desejam representar.

    na fase pr-silbica, quando as crianas ainda no perceberam a relao entre a escrita e os aspectos sonoros da fala, elas criam vrias hipteses para compreender o que aqueles sinais representam: por exemplo, associam a escrita s caractersticas dos objetos ou a quantidade ao tamanho dos objetos representados. desse modo, para escrever formiga, podem vir a utilizar apenas trs letras, pois a formiga muito pequena e para escrever girafa, utilizaro uma infinidade de letras, pois a girafa muito grande. outra hiptese nessa fase a de que, para escrever qualquer coisa so necessrias ao menos trs letras. as crianas utilizam as letras do prprio nome, variando apenas suas posies para representarem palavras distintas.

    o contato constante com a escrita e as intervenes do adulto vo levando as crianas a entrarem em conflito com essas hipteses, que so contrariadas diversas vezes frente escrita convencional. um grande salto nesse processo se d quando, por meio desse contato, elas observam que a escrita no est associada diretamente ao objeto representado, mas sim aos aspectos sonoros da fala. criam, assim, inicialmente, a hiptese silbica, passando a estabelecer uma relao entre a fala e a escrita: pensam que cada som emitido na fala deve corresponder a um sinal grfico. entretanto, entram em conflito com essa hiptese quando tm contato com um texto escrito convencionalmente e constatam que sempre sobram letras nas palavras. alm disso, percebem que na escrita de pessoas mais experientes, sempre h mais letras do que as que elas supem.

    as crianas passam, ento, a acrescentar letras, construindo uma hiptese que ferreiro denominou de silbico-alfabtica.

    assim, ora escrevem silabicamente e ora escrevem alfabeticamente.

    o acesso contnuo ao mundo da escrita, mediado pelas intervenes e informaes fornecidas pelos sujeitos letrados, levam-nas a construir a hiptese alfabtica da escrita, estabelecendo relaes entre os fonemas e os grafemas, ou seja, cada som individual da fala representado por um sinal grfico. de acordo com ferreiro,

    as crianas procuram ir sistematizando o que aprendem (na aprendizagem da linguagem e em todos os domnios do conhecimento), pem prova a organizao conseguida atravs de atos efetivos de utilizao do conhecimento ad-quirido, e reestruturam quando descobrem que a organizao anterior incompatvel com os dados da experincia. So ativas por natureza; no se trata de motiv-las para que o sejam. o que desmotiva, o que dificulta a aprendizagem, impedir esses processos de organizao da informao. (ferreiro, 2003, p.31).

    Mediante a identificao das hipteses das crianas sobre a linguagem escrita, ferreiro (1991) comprovou que a escrita da criana no uma cpia do modelo externo, mas um processo de construo. essa constatao nos leva a modificar nossa concepo sobre o que vem a ser erro ou acerto nas tentativas de escrita ou de leitura pelas crianas. na verdade, a produo da criana corresponde a uma hiptese prpria sobre o que a escrita representa e como essa se realiza. Portan-to, no deve ser considerada errada e sim como uma ideia no convencional, o que nos permite perceber o processo de construo da escrita pelas crianas.

    finalmente, necessrio enfatizar, que toda criana possui alguns conhecimentos sobre a lngua escrita mesmo antes de frequentar a escola, especialmente aquelas que esto imersas em um meio onde o uso dessa linguagem constante. medida que sente necessidade de escrever, ela tende a buscar mais conhecimentos e manifesta o desejo de compreen-der essa linguagem. assim, desde a educao infantil, as crianas manifestam essa curiosidade de maneiras diversas no dia a dia da instituio. entretanto, para muitas crianas, a instituio educativa o lugar privilegiado para vivenciarem as prticas de leitura e escrita, pois essas aes no se fazem presentes no cotidiano de suas famlias. cabe, assim, iei, promover esse acesso de forma significativa, por meio de experincias que se pautem pelos usos sociais dessas prticas, contribuindo para que as crianas se apropriem progressivamente dessa linguagem, fundamental para a construo de

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    sua cidadania na sociedade em que vivemos.

    assim, todas as crianas podem, de algum modo, se apropriar e construir conhecimentos e saberes sobre a linguagem escrita, cada uma a seu tempo e de acordo com suas potencialidades. Por isso, reafirmamos a necessidade de termos sempre um olhar atento, escutar as crianas, perceb-las e agir com sensibilidade para contribuir com seu processo de apropriao, produo e transformao de saberes e conhecimentos sobre a linguagem escrita e, consequentemente, com seu processo de humanizao.

    2 OBJETIVOS

    a educao infantil, em relao linguagem escrita, deve possibilitar s crianas:

    vivenciar frequentemente situaes de leitura e de escrita.

    interessar-se pela leitura em geral e especialmente de textos literrios, percebendo a literatura como fonte de prazer e fruio.

    compreender, gradualmente, as relaes entre a linguagem oral e a linguagem escrita e diferenci-las a partir de suas marcas e caractersticas em contextos reais de utilizao.

    desenvolver a conscincia fonolgica.

    conhecer, reconhecer e apreciar diversos gneros textuais.

    conhecer e reconhecer diversos suportes textuais.

    compreender a ideia de smbolo em situaes reais que fazem sentido, percebendo que as coisas podem ser representadas de diversas maneiras e que a escrita uma delas.

    perceber as funes sociais da lngua escrita e apropriar-se delas, em situaes reais de uso.

    constituir-se, progressivamente, como leitor e produtor de textos, levando em considerao objetivos, interlocu-tores e estrutura dos textos.

    avanar, gradualmente, no processo de construo do sistema alfabtico de escrita.

    apropriar-se, gradualmente dos aspectos grficos da escrita.

    assumir uma postura crtica diante dos diversos tipos de textos.

    3 EXPERINCIAS

    tendo como eixo a formao humana, a educao infantil deve, em relao linguagem escrita, proporcionar s crianas a vivncia de mltiplas experincias, tais como:

    explorar livros de materiais diversos (plstico, tecido, borracha, papel) e brincar com livros brinquedo.

    ouvir, interpretar e dramatizar histrias.

    ouvir notcias lidas pela educadora.

    explorar elementos nos livros: capa, contra capa, folha de rosto, orelha, ndice, nmero de pginas.

    ouvir e apreciar poesias (recitais, saraus e outros momentos).

    Presenciar e participar de atos de leitura com diferentes estratgias: pausa protocolada, leitura de partes do texto (como uma novela), a partir de um final, a partir de cenas, de imagens.

    construir o crach de identificao, participar de brincadeiras com o crach e utilizar o crach em situaes em que seja realmente necessrio.

    Participar de jogos que envolvam rima, escuta, explorao sonora, associadas escrita.

    Brincar de faz de conta, incluindo, de forma significativa, materiais escritos (embalagens, dinheiro, contas de gua, luz, telefone, cartas comerciais, documentos, jornais, revistas, material de publicidade, etc.).

    Participar de atividades de leitura com livros digitais.

    Brincadeiras com a escrita e leitura do prprio nome e com os nomes dos colegas.

    escolher livros para ler.

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    Manusear materiais impressos e explorar suportes textuais diversos.

    Presenciar e participar de atos de escrita em contextos variados e em situaes reais de uso.

    Passear pela escola e brincar de adivinhar o que est escrito em diversos lugares.

    Participar de jogos e brincadeiras que envolvam a linguagem escrita ou nos quais ela seja necessria.

    Participar de jogos interativos a partir de softwares educativos.

    construir regras para jogos.

    recontar histrias para serem registradas por escrito, tendo algum como escriba.

    recortar palavras em jornais ou revistas para compor jogos, listas, amostras.

    Pesquisar um assunto em um livro cientfico, junto a leitores competentes.

    registrar e ler parlendas, trava-lnguas, brincadeiras cantadas, msicas, etc.

    construir jogos que envolvam linguagem escrita.

    registrar experincias vivenciadas, tendo a educadora como escriba.

    Produzir textos diversos coletivamente, tendo a educadora como escriba ou individualmente, caso a criana j domine o cdigo, a partir de usos reais: projetos vivenciados, descobertas, hipteses, relatos de experincia, cartas, convites, bilhetes, notcias, regras.

    escrever, sua maneira, textos oralmente garantidos (nomes, listas, ttulos, parlendas, msicas, poemas, etc.), utilizando letras mveis, no quadro, no papel, com giz no cho do ptio, etc.

    escrever e-mail para crianas de outras iei.

    ler o que escreveu.

    indicar livros para serem adquiridos pela iei.

    conhecer o funcionamento de uma biblioteca.

    4 SABERES E CONHECIMENTOS

    a partir das experincias relacionadas acima e de muitas outras, as crianas podero construir saberes e conhecimentos, tais como:

    utilizao de prticas culturais de leitura;

    apurao da sensibilidade esttica em relao aos textos literrios;

    Percepo das diferenas entre linguagem oral e linguagem escrita;

    Percepo da conscincia fonolgica;

    utilizao de estratgias de leitura;

    Manuseio correto e cuidadoso dos vrios suportes de texto (ler do incio para o final, passar as pginas com cuida-do, no fazer orelha, no rasgar, no desenhar, etc.);

    Percepo dos diferentes usos e funes da escrita;

    Percepo de tipos e gneros de textos que circulam em nossa sociedade, com suas diferentes estruturas textu-ais, tramas e diagramao;

    noes de gneros literrios, seus autores e suas caractersticas (contos, poesias, msicas, parlendas, lendas, etc.);

    concepo da ideia de smbolo;

    Percepo da distino entre desenho e escrita;

    estabelecimento da diferena entre letras e nmeros;

    utilizao de elementos de coeso textual (marcadores de tempo, de causalidade, de progresso, etc.);

    utilizao do sistema alfabtico de representao da escrita;

    utilizao dos aspectos grficos da escrita;

    utilizao de tecnologias variadas para a produo da escrita: lpis, caneta, giz, computador, etc. e seus diferentes usos;

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    Produo da escrita do prprio nome;

    Produo da escrita do nome dos colegas;

    encadeamento de idias para a composio de um texto coletivo;

    utilizao de estratgias de produo de textos;

    utilizao de procedimentos adequados biblioteca.

    5 DINAMIZAO DO CAMPO DE EXPERINCIA DO CURRCULO NA RELAO COM OS

    ELEMENTOS DO PROJETO POLTICO-PEDAGGICO

    importante que a linguagem escrita seja sempre associada a mltiplas linguagens, e trabalhada com equilbrio, para que no seja a linguagem privilegiada na educao infantil.

    reduzir a educao infantil unicamente linguagem escrita desconhecer a multiplicidade de possibilidades dessa primeira etapa da educao bsica. Por outro lado, no fazer esse trabalho na educao infantil negar criana um direito e contribuir para a perpetuao de desigualdades sociais. assim, primordial considerar as concepes norteadoras do trabalho com essa linguagem, as especificida-des do desenvolvimento e da aprendizagem de crianas de zero at seis anos, o contexto em que vivem e a compreenso do brincar como lingua-gem privilegiada nessa etapa da vida.

    certas do papel que o brincar exerce na educao infantil, interessante que o adotemos como uma postura em nossa atuao junto s crianas, como vem sendo explicitado em todos os cadernos dessa coleo. dessa forma, nosso papel propiciar s crianas experincias relacionadas linguagem escrita, tendo sempre em mente a dimenso ldica: utilizar jogos e brincadeiras, recursos como fanto-

    ches, aventais de contao de histrias e dedoches; criar situaes imaginrias, entre outras propostas, sempre envolven-do as crianas.

    Para o trabalho com a linguagem escrita, imprescindvel compreendermos que o texto a sua unidade mnima de senti-do, uma vez que nesse formato que essa linguagem circula em nossa sociedade. com isso, estamos reafirmando que no faz sentido para as crianas o trabalho em uma perspectiva mecanicista, com letras, slabas e palavras isoladas, por no se aproximarem em nenhum aspecto do uso real da escrita.

    fundamental propiciarmos s crianas experincias carregadas de significados; percebermos o nosso papel como mo-delos de usurias da lngua, sujeitos leitores e produtores de textos; cumprirmos o papel de escribas e leitoras para elas; fazermos intervenes e oferecer informaes quando necessrio; dialogarmos com sua curiosidade; as incentivarmos e desafiarmos sempre. Para isso importante conhecermos tanto as necessidades e interesses das crianas, cada uma em sua especificidade, quanto as do grupo. Para nos abrirmos s possibilidades de trabalho na educao infantil e sermos capazes de possibilitar experincias significativas s nossas crianas de todas as idades, precisamos ter sensibilidade e acreditar em suas possibilidades.

    Outrodia,observvamosotrabalhodeumadupladeprofissionaisquecontavamumahistriaparaosbebsqueestavamnoscarrinhosdipostosemsemicrculo.Umadelasestavausandoumaventalparacontaodehistriasedoisfantoches,enquantoaoutramostravaumlivrograndeeiapassandoaspginas.Aose

    aproximardeumdosbebscomofantoche,eledemonstrouqueiachorar.Aquelaqueseguravaolivrosupsqueobebestavacommedo,pormaprofissionalquetraziaofantocheestavaemcompassocomapercepodobebque,naverdade,queriapegarofantocheparasi.Aoreceb-lo,cessouochoro,balbuciousons.Alguns

    bebssorriametodospareciamestaratentosquelemomento.

    observando o comportamento dos bebs, podemos afirmar que aquela experincia fazia sentido para eles. o jeito de serem e estarem naquele momento demonstrava isso. as crianas so, desde cedo, leitoras e produtoras de texto.

    preciso estarmos atentas s possibilidade de escrita e leitura que surgem no cotidiano da iei. assim, dentre vrias outras, no devemos perder a oportunidade de, em situaes reais de uso, ler um bilhete que foi trazido para a turma ou produzir coletivamente um bilhete para ser enviado famlia ou mesmo possibilitar que as crianas presenciem o ato de escrita desse bilhete pela educadora; de ler o aviso que est no corredor da escola; de produzir com a turma uma solicitao que ser feita diretoria da iei; de ler um convite que veio de outra turma, ou de produzir e enviar a todas as turmas da iei um convite para vivenciarem um circuito construdo pelo grupo.

    outra possibilidade so os projetos de trabalho que oferecem oportunidades muito ricas e significativas de leitura e de produo de textos quando, por exemplo, exigem a leitura de textos cientficos para a maior compreenso do objeto de

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    pesquisa; a produo de um convite para uma pessoa da comunidade vir iei para trazer seus saberes sobre a temtica em questo; o registro de nossas hipteses ou de nossas concluses sobre a investigao realizada; a elaborao de uma propaganda para a lojinha que montamos; a leitura de uma notcia ou de um folheto sobre o assunto que est sendo tratado, alm de muitas outras possibilidades determinadas pelos rumos tomados pelo projeto.

    em relao s oportunidades de leitura em geral e em especial em relao literatura, importante compartilharmos com a criana o objetivo (ou os objetivos) da leitura ou lev-las a perceb-los. isso torna o ato de ler no s interessante e significativo como tambm necessrio. a necessidade move o desejo, que, por sua vez, propiciar a aprendizagem e o desenvolvimento.

    nosso trabalho despertar nas crianas o gosto pela leitura. Mas isso nem sempre foi realizado pela escola. Basta obser-varmos o contingente enorme de pessoas que no gostam ou no sabem ler. como fazer esse trabalho to importante? como tornar o livro desejado fazendo com que seja tirado da condio de mero objeto? Se a criana participa de prticas de leitura e somos observadas por elas nesses atos, importante que ns profissionais sejamos tambm, de fato, leitoras e que nossa paixo pelos livros seja evidenciada. Para tal, cabe ainda nos perguntarmos: que lugar atribumos aos livros nos mltiplos espaos da iei? Que mensagem est sendo apreendida pelas crianas em funo desse lugar que damos aos livros? o livro est acessvel ou inacessvel s crianas? o contato delas com os livros, ouvindo histrias e manuseando dirio ou espordico? l-se sempre com o objetivo de responder perguntas ou por prazer, fruio? os livros so percebi-dos como meus/seus/nossos ou de ningum? evidencia-se que esto sendo efetivamente usados ou ainda esto novi-nhos, mesmo depois de terem chegado iei h meses? So tantos os elementos e as posturas que educam (formam ou deformam) que se tornam necessrios, de nossa parte, sensibilidade, bom senso, postura, conhecimento e mudana.

    as crianas sabem muitas coisas e desejam saber muito mais. no nos cabe banalizar isso, ofertando a elas histrias sem qualidade, nada desafiantes, com imagens empobrecidas, desconexas ou que trazem valores excludentes. s vezes, alguns de ns deixam de ler certos livros porque possuem palavras difceis. Mas como ampliaremos o repertrio das crianas se ns mesmas estamos fugindo de nosso papel de desafi-las ou de sermos desafiadas por suas indagaes?

    necessrio conhecer e oportunizar s crianas o acesso a textos de qualidade e em diversos gneros literrios: textos narrati-vos, lricos (poesia) e dramticos; obras de carter ficcional e no ficcional; alm de atentar para a qualidade do projeto grfico, as ilustraes, a qualidade do papel e a diversidade de temas. nesse sentido, cabe-nos fazer mais algumas perguntas: quais gneros literrios temos priorizado na educao infantil? os textos literrios so trabalhados a partir de quais concepes de literatura, de vida, de ser humano? Quais so os critrios utilizados para escolher livros? Pensamos nessa escolha na diversida-de que nos caracteriza como humanos? Buscamos histrias que tratem das questes de gnero, etnicorraciais e sociais?

    fundamental aproximar as crianas de narrativas que tratem de nossa raiz africana e indgena, valorizando contos, livros, histrias e causos que permitam uma identificao positiva dessa raiz, um resgate de nossa ancestralidade e da memria do que nos constitui em nossa brasilidade.

    outro aspecto a ser abordado que as crianas ao participarem de prticas reais e significativas de utilizao da lingua-gem escrita, constroem conhecimentos e saberes atravs da reflexo sobre a lngua. Mediante a participao na escrita de uma histria, um convite ou um relato, por exemplo, quando a educadora se prope atuar como escriba e como pessoa que provocar essa reflexo por meio de indagaes s crianas, possvel compartilhar com elas os objetivos e interlo-cutores da escrita, negociando o enunciado, de modo a se aproximar da linguagem que se escreve (diaS; faria, 2003). Por meio dessa reflexo, elas podero perceber muitos aspectos dessa linguagem: os usos sociais da linguagem escrita; aspectos textuais, como a estrutura, a trama e a organizao dos textos, o tipo de texto e o gnero textual, bem como a linguagem prpria daquele gnero textual, a coerncia, a coeso; os aspectos grficos, como, por exemplo, a segmenta-o das palavras, o uso de maisculas e minsculas, a pontuao, a orientao espacial da escrita, a diagramao prpria desse gnero textual, etc. ao mesmo tempo, no contato com a escrita convencional utilizada pela educadora, elas esto se colocando questes sobre o sistema alfabtico de representao da escrita.

    a participao das crianas em jogos para desenvolvimento da conscincia fonolgica ou mesmo naqueles voltados construo ou leitura de uma palavra especfica dentro de um texto outra oportunidade de reflexo sobre a lngua, que tem grande impacto no processo de alfabetizao, na vivncia dessas experincias, as crianas exploram rimas, sonorida-des e, de maneira ldica, brincam com a lngua e percebem as relaes e diferenas entre a linguagem oral e a linguagem escrita. ao mesmo tempo, tm a oportunidade de refletir sobre a construo do sistema alfabtico da escrita.

    Para desenvolver essas aes, necessrio compreender o processo que as crianas esto vivendo, tanto em relao construo do sistema alfabtico de representao da escrita quanto em relao leitura e produo de textos, para inter-vir com mais eficcia, estimulando o dilogo, motivando, desafiando e agindo com intencionalidade. o ponto de partida para a construo de novos conhecimentos so as especificidades do desenvolvimento das crianas, o contexto em que esto inseridas e o conhecimento j construdo por elas e que so expressos em suas hipteses e manifestaes.

    no podemos, ainda, deixar de pensar na apropriao da linguagem escrita, pelas crianas com deficincia. no caso das crian-as com deficincia neuromotora, por exemplo, importante elaborar maneiras para estabelecimento de comunicao, atra-vs da utilizao de tecnologias assistivas (utilizao de computadores, gravadores, softwares, etc.) e comunicao alternativa.

    a comunicao alternativa se baseia em sistemas que no necessitam de apoio ex-terno ao sujeito, como, por exemplo, piscar os olhos, vocalizar, apontar, gesticular. alguns sistemas necessitam de recursos externos como a presena de objetos (ou miniaturas de objetos), fotos, braille, utilizao de pranchas com smbolos, letras ou listas de palavras, computador, gravador; sistemas grficos (blis, pic, pcs, rebus, tochn, tak, pikn, aladin, lob, a escrita) que utilizam os smbolos empregados para elaborao das pranchas de comunicao. no caso dos sistemas grficos, so sem-pre utilizadas tambm as palavras acima dos smbolos, o que contribui para que se figura 5: Prancha sequencial

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    ampliem paulatinamente as possibilidades de comunicao e a compreenso do smbolo por outras pessoas que venham a interagir com a criana.

    em relao s crianas com surdez, fundamental levar em conta que, no seu processo de aprendizagem, elas se fixam nos aspectos visuais da escrita. assim, mais importante a utilizao de recursos visuais e foco na escrita do que nos aspectos sonoros da lngua.

    em relao s crianas que apresentam comprometimento motor podemos engrossar o lpis com fita crepe ou outro material para dar mais firmeza ao movimento ou buscar alternativas para o registro. o importante assumir que todas as crianas podem construir saberes e conhecimentos que nem sempre so aqueles esperados socialmente, mas que essa construo, para a criana se reveste de significados e traz, de fato, o princpio da incluso para a educao.

    no que se refere organizao dos espaos, necessrio compreender a importncia do ambiente alfabetizador nos pro-cessos de leitura, escrita e reflexo sobre a lngua. esse ambiente pode ser um cantinho gostoso para a leitura dentro da iei destinado a livros, revistas, gibis, jornais. alm desse espao importante pensar no prprio ambiente social, dentro e fora da iei, com as prticas culturais de letramento que lhe so inerentes. Pensar em um ambiente alfabetizador no significa preencher todo o ambiente com materiais escritos de maneira estanque e descontextualizada, mas sim criar uma teia de relaes permeadas pelas prticas de leitura e escrita em seu contexto e uso reais, tornando-os significativos para as crian-as. nesse sentido, nosso papel tambm propiciar s crianas o contato com os diferentes gneros textuais, associando--os aos seus objetivos e funes, para que as crianas possam compreender sua dimenso social e apropriar-se ainda mais dos diversos usos dessa linguagem.

    Se a instituio conta com uma biblioteca ou sala multiuso (ambiente com recursos miditicos e tambm cantinhos de lei-tura, cantinho para teatro de fantoches, aventais de histrias, etc.) essencial que esse espao seja organizado de maneira convidativa, que sejam ofertadas diversas possibilidades de vivncias de experincias como rodas de leitura, contao de histrias, recitais e que as crianas possam frequent-lo com regularidade.

    tendo em vista o exposto acima, podemos constatar que, para propiciarmos s crianas experincias significativas com a lin-guagem escrita, na educao infantil, utilizaremos essa linguagem em situaes reais, em contextos em que ela se faz neces-sria e que, por isso, se torna significativa. Partiremos de uma necessidade, que, por sua vez, associa-se a uma funo social.

    enfim, devemos ter clareza de que a apropriao da linguagem escrita uma das maneiras de as crianas terem acesso ao mundo, sem, no entanto, no trabalho com essa linguagem, nos esquecermos das suas especificidades e necessidades. a educao infantil um espao educativo, no qual predomina a intencionalidade e, consequentemente, a interveno pedaggica. , portanto, necessrio planejar nosso fazer e colaborar para que as crianas avancem em seu processo de construo e apropriao de conhecimentos e saberes sobre a linguagem escrita.

    diante do exposto, necessrio que as profissionais:

    ouam e considerem as indagaes das crianas, cuidando de detalhes como, por exemplo, afixar as placas de orientao combinados, mostras de trabalhos, etc. na altura da viso delas e em todos os espaos da iei.

    propiciem s crianas experincias em que tenham contato com diversos gneros textuais, em suportes igual-mente diversificados.

    possibilitem que as crianas produzam escritas sua maneira e leiam a prpria escrita, em situaes que a escri-ta se fizer necessria ou em situaes de faz de conta.

    possibilitem que as crianas conheam os objetos prprios do mundo da escrita e os recursos tecnolgicos para essa linguagem: lpis, caneta, giz de cera, papel, computador, etc.

    `disponibilizem, em diferentes contextos, materiais escritos para exploraes e brincadeiras: folhetos, propagan-das, livros variados, contas de gua, luz e telefone, dinheiro, cheques, cpias de documentos pessoais, etc.

    contribuam para que a criana compreenda a ideia de smbolo, propiciando experincias em que a criao de smbolos necessria: para os combinados da turma, por exemplo, ou dialogando sobre os smbolos que existem na iei e na comunidade e seus significados.

    sejam leitoras para/pela as crianas, nos momentos em que for necessrio, partindo do pressuposto de que as crianas so capazes de compreender a linguagem escrita, ainda que de maneira no convencional.

    criem oportunidades para que as crianas produzam textos, colocando-se como mediadoras e escribas, provo-cando reflexes sobre a estrutura do texto, seus interlocutores, seu enunciado, etc.

    estejam atentas a situaes de uso real no cotidiano que criam oportunidades para que as crianas percebam as diferenas entre linguagem escrita e oral.

    possibilitem o acesso e a compreenso pelas crianas das diversas funes sociais da linguagem escrita, utilizan-do-se dos diversos tipos de textos, em situaes em que eles se tornam necessrios no cotidiano. importante que a criana sinta a necessidade de escrever e ler e saiba os objetivos da escrita e da leitura.

    tenham conhecimento em relao ao processo de alfabetizao das crianas e proponham experincias que as possibilitem a elas refletir sobre suas hipteses, fazendo intervenes no sentido de desafiar, problematizar, le-vando as crianas a desestabilizarem essas hipteses, contribuindo para que avancem no processo de construo dessa linguagem e ampliem seus conhecimentos e saberes. essas intervenes sero feitas na interao com as crianas e atravs de experincias significativas como as que envolvem jogos e brincadeiras.

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    favoream a aprendizagem do nome pela prpria criana e pelos seus colegas. o trabalho com o nome prprio uma estratgia para problematizar e desestabilizar as hipteses das crianas sobre a escrita e contribui para a identificao, conhecimento e reconhecimento das letras do alfabeto, o traado das letras, podendo tambm ser utilizado no trabalho relativo a questes fonolgicas.

    reservem momentos na rotina diria para a hora do conto: leiam e contem histrias para as crianas constantemente em diferentes gneros literrios.

    propiciem momentos para apreciao de textos lricos como recitais de poesia e saraus. esses momentos contribuem para que as crianas conheam e percebam as diversas formas de expresso do texto lrico, tais como os haicais e a poesia concreta. a poesia concreta importante tambm no trabalho com as crianas, devido ao seu aspecto imagtico.

    propiciem que as crianas frequentem uma biblioteca: para tomar livros emprestados, para participar de contao de histrias (como ouvinte e como contadora de histrias), para contribuir com sua organizao, para conhecer o acervo, para fazer solicitaes de novos livros, para manusear livros livremente, para ler, para ouvir a leitura feita por outra pessoa.

    desafiem as crianas a formular hipteses sobre o contedo do texto, a partir de um dilogo sobre o tema, pela apresentao do (a) autor (a), pela observao quanto ao suporte do texto ou a partir do dilogo sobre o ttulo do texto. contudo, observar que esses elementos no precisam ser trabalhados de uma s vez; podemos trabalhar cada dia um deles e em outros momentos nenhum deles, privilegiando apenas o prazer de ler.

    proponham s crianas desafios como adivinhar o que est escrito em diferentes lugares da iei, ou em outros es-paos fora da iei, permitindo que elas dialoguem entre si, comparem e, depois de certo suspense, leiam para elas;

    compartilhem com as crianas o objetivo (ou os objetivos) da leitura ou levem-nas a perceb-los e proponham roda de conversa sobre os sentidos do texto, possibilitando que elas busquem indcios que permitam no apenas a confirmao das hipteses levantadas, mas como tambm a inferncia e at a extrapolao do texto.

    utilizem as tecnologias da informao e da comunicao (tic), como outra forma de estabelecer relaes entre a leitura e a escrita e identificar formas grficas diferentes da escrita mo; as diferenas entre ler na tela e ler no papel; a funo de registro e documentao.

    oportunizem o contato das crianas com livros, histrias e outros materiais que abordem a diversidade humana, discutindo as diferenas de gnero e etnicorraciais.

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