Livro 3 - Populacoes Mineiras Parte 1

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    POPULAES MINEIRAS

    SOBRE A ESTRUTURA POPULACIONAL DE ALGUNS NCLEOSMINEIROS NO ALVORECER DO SCULO XIX

    Iraci del Nero da CostaSo Paulo, 1981.

    Para Ana Maria,Valria

    e udrei

    Agradeo Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)e ao Instituto dePesquisas Econmicas da Universidade de So Paulo (IPE-USP) o apoio

    financeiro que possibilitou a elaborao desta tese de doutorado. Meuagradecimento estende-se Profa. Alice Piffer Canabrava, minha orientadora.

    SUMRIO

    INTRODUOCAPITULO I - Fatores Condicionantes da Ocupao e Povoamento das GeraisCAPTULO II - Panorama das Gerais nas Primcias do Sculo XIX

    CAPTULO III - Sobre a Estrutura Populacional de Vila RicaCAPTULO IV - Estrutura Populacional de Outros Ncleos MineirosCAPTULO V - Vila Rica e Demais Ncleos - Anlise ComparativaCAPITULO VI - Consideraes Finais

    APNDICE HISTRICOBreve Notcia Sobre os Ncleos Estudados

    APNDICE METODOLGICO1. Discriminao e Anlise das Fontes Primrias2. Tratamento Dispensado aos Dados

    BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

    APNDICE ESTATSTICO

    INTRODUO

    Estudos precedentes (1) propiciaram-nos oportunidades para estabelecermos as principaiscaractersticas da estrutura populacional de Vila Rica -- hoje Ouro Preto -- como seapresentava no dealbar do sculo XIX. Da preeminncia desta urbe nos quadros daeconomia colonial brasileira, particularmente na da minerao, aliada ao seu papel decentro poltico e administrativo da capitania de Minas Gerais, inferiu-se a questo para cujaresposta votamos o trabalho vertente: em que medida a referida estrutura revelou-se frutosingular; at que ponto viu-se condicionada pela especificidade poltico-administrativa deVila Rica? Ou, reversamente: dentro de quais limites se podem estender, para a rea

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    mineratria como um todo, os resultados -- sempre entendidos como indicadores detendncias -- das pesquisas acima aludidas? Em suma, repetiu-se tal estruturapopulacional em outros ncleos das Gerais? Em caso afirmativo, a quais fatores e/oueventos atribuir as similitudes e discrepncias evidenciadas pelo confronto das estruturaspopulacionais de centros que, embora espacialmente distanciados, derivaram de razesformativas assentes numa matriz socioeconmica comum?

    Antes de passarmos adiante, atentemos ao carter distinto das interrogaes aquienunciadas. Enquanto as duas primeiras admitem respostas em termos tericos e

    empricos, as demais apontam, excludentemente, nesta ltima direo. Sem dvida, revela-se sedutora a perspectiva terica, pois levar-nos-ia a soluo definitiva e acabada. Semembargo, forosamente deve-se reconhecer a precariedade desta linha, pois, ainda nombito conjetural, sempre restaria a possibilidade de se ver argida toda e qualquerassero restrita s fronteiras do raciocnio dedutivo.

    De outra parte, solver o problema recorrendo s evidncias empricas significacondenarmo-nos estreiteza da inferncia indutiva. Conquanto limitado, este segundotratamento apresenta a vantagem de nos proporcionar caminho seguro e concreto nosentido de lanarmos luz sobre as vicissitudes defrontadas pelos habitantes das Gerais,assim como no de assentarmos as bases para o dilucidamento do processo global degnese e evolver da populao mineira.

    Ao optarmos por tal modus faciendi no menoscabamos, portanto, a irrecorrvelnecessidade de formulao terica, antes a afirmamos, ao despendermos esforos visandoa somar conhecimentos bastantes ao delineamento de quadro terico abrangente. A esterespeito, reportamo-nos a palavras que, sumariamente, consubstanciam nosso programade trabalho: "A compreenso dos processos demogrficos brasileiros est a exigirempenho no s dirigido no sentido da coleta e anlise de dados, mas, igualmente, no deelaborao terica capaz de integrar tais movimentos em quadro sociolgico, histrico,econmico e demogrfico original". (2)

    Colocada esta ressalva, voltemos s questes para as quais pretendemos oferecer

    resposta neste trabalho.A primeira situa-se em terreno puramente factual. Importa, pois, presente a disponibilidadelimitada de dados significativos, verificar se outros ncleos de Minas Gerais apresentaramestrutura populacional semelhante de Vila Rica. Para tanto, servir-nos-emos delevantamentos censitrios efetuados ao fim do sculo XVIII e no incio da dcima nonacentria. Orientou-nos, na escolha, a homogeneidade das informaes contidas noscensos, a relevncia dos distintos centros como ncleos formados com base na atividademineradora, seu grau relativo de urbanizao e, por fim, a proximidade no tempo dosaludidos arrolamentos. (3)

    A segunda interrogao traz implcita a hiptese de que se pode referir dada estrutura

    demogrfica s condies socioeconmicas subjacentes as quais a teriam,condicionalmente, engendrado. Este suposto decorre do reconhecimento, hoje aceitouniversalmente, de que as variveis demogrficas no sobrepairam a realidadesocioeconmica da qual, admitida a relativa autonomia do fato biolgico, apresentam-se,em ltima instncia, como expresso. Evidentemente, no queremos com esta assertiva,relegar a plano meramente passivo as aludidas variveis; pelo contrrio, ao advogarmospara o meio socioeconmico envolvente papel determinante, reconhecemos,concomitantemente, a ao daquelas variveis sobre este ltimo. Acreditamos, pois, nainterdependncia destes componentes da existncia em comunidade. (4) Destarte, nombito deste estudo, o conceito "estrutura populacional" define-se em termosdemogrfico-econmicos; vale dizer, as variveis com as quais trabalhamos trazem, anosso ver, implcita e simultaneamente duas dimenses inter-relacionadas e no

    dissociveis: a demogrfica e a econmica. Voltaremos ao tema no primeiro captulo destetrabalho e a ele nos reportaremos ao estabelecermos, no correr do estudo, o confronto dasestruturas populacionais dos vrios centros aqui considerados.

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    Fica, pois, delineado o escopo desta pesquisa. As questes a enfrentar e o suposto do qualpartimos restam explicitados. Cabe-nos agora, num primeiro passo, indagar quais oscondicionantes da ocupao e povoamento das Gerais para, num segundo momento,passarmos ao cotejo das estruturas populacionais de alguns ncleos ali localizados.

    CAPITULO IFATORES CONDICIONANTES DA OCUPAO E POVOAMENTO DAS GERAIS

    O processo peculiar da formao da estrutura populacional que se elaborava sobcondies econmicas e sociais inteiramente novas, j se pressentia, ento, "naquelasfreguesias mveis de um lugar para outro, como filhos de Israel no deserto", sacudidaspelos fluxos e refluxos dos grupos humanos, sfregos em busca das catas rendosas.Diferentemente da fase anterior de povoamento, na qual a grande lavoura havia sido ofator que prendeu o homem terra, nas minas os arraiais, que se constituram comoembries dos ncleos urbanos, localizaram-se nos pontos de convergncia de vriaslavras, fixados pelo comrcio"(*)

    Alice Piffer Canabrava

    Sem quaisquer veleidades quanto a originalidade, procuramos, neste captulo, identificar oelenco dos principais condicionantes da ocupao e povoamento da rea de Minas Geraisna qual predominou a atividade mineradora.

    A explorao econmica e o evolver populacional do Brasil no perodo colonial deveram-sea inmeros fatores, tanto endgenos como exgenos. Relativamente a estes ltimosevidencia-se, imediatamente, o destino poltico e econmico a que se votou a colnia.Marcaram-no, como sabemos, as prticas mercantilistas, consubstanciadas -- noconcernente s relaes entre as metrpoles e suas colnias -- no que se convencionou

    chamarantigo sistema colonial (1), Define-se, pois, nos quadros desse sistema, o prpriodirecionamento emprestado ocupao do territrio brasileiro, em geral, e das MinasGerais, em particular. como assinalou Caio Prado Jnior: "no seu conjunto, e vista noplano mundial e internacional, a colonizao dos trpicos toma o aspecto de uma vastaempresa comercial, mais completa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo carterque ela, destinada a explorar os recursos naturais de um territrio virgem em proveito docomrcio europeu. este o verdadeiro sentido da colonizao tropical, de que o Brasil uma das resultantes; e ele explicar os elementos fundamentais, tanto no econmico comono social, as formao e evoluo histricas dos trpicos americanos." (2) Em suma, cabiaao Brasil Colnia propiciar ganhos aos empreendedores metropolitanos, produzir para omercado externo, oferecer bens tropicais e metais preciosos economia europia.

    Ainda no plano exgeno h a considerar as condies sociais, demogrficas e econmicasvigentes na Metrpole; ressalta aqui, por uma lado, o comportamento da economiaportuguesa e, por outro, o entrosamento do complexo econmico metrpole-colnia osquadros da economia internacional.

    Sob o aspecto endgeno salientam-se, primacialmente, o meio fsico, a dotao relativa defatores e a ocorrncia de insumos, bem como as formas assumidas na produo ou naextrao das riquezas naturais. A tais elementos soma-se outro componente de ordeminterna, qual seja, a situao defrontada, em cada momento do tempo, pelas vrias"economias" do Brasil Colnia.

    Esses fatores compuseram, obviamente, um todo solidrio e atuaram conjuntamente na

    conformao assumida pelo povoamento e aproveitamento econmico do territriocolonial, em geral, e da rea mineratria, em particular. Sem embargo, parece-nos lcito --visando ao entendimento dos processos concretos verificados nas Gerais -- referir osaludidos condicionantes aos conceitos de dimensionamento, estruturao e

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    direcionamento. Assim, as polticas mercantilistas -- entendidas nos marcos do antigosistema colonial -- direcionaram o povoamento e a explorao da rea em tela. A estrutura-los compareceram as condies efetivas das ocorrncias aurferas. Por fim,dimensionaram-nos, os quadros socioeconmicos vigentes na colnia e na Metrpole --compreendidos em suas especificidades, interdependncia e articulao na economiaeuropia.

    Antes de aprofundarmos as linhas analticas ora bosquejadas faz-se mister, uma vez mais,denunciar a impossibilidade de se elidir o entrecruzamento dos fatores condicionantes

    acima enunciados.

    * * *

    O direcionamento, derivado das polticas mercantilistas, corporificou-se na preeminnciaemprestada pela Coroa s atividades mais rentveis propiciadas pela colnia, naelaborao dos regulamentos e normas orientadoras da ao dos agentes econmicos, nocontrole estrito da populao, no tratamento privilegiado das praticas fiscais e nos bicescolocados ao desenvolvimento de setores produtivos que pudessem oferecer concorrncias lidas consideradas prioritrias.

    Este rol, conquanto no exaustivo, exprime a rationale dos parmetros norteadores daexplorao das Gerais: extrair o mais avolumado montante de metais preciosos no menorespao de tempo possvel (3). Descurar esta perspectiva representa grave anacronismo epode levar a incompreenses grosseiras sobre o verdadeiro carter do colonialismomoderno.

    De sorte a clarificar as afirmaes acima postas discorreremos, adiante, sobre algunsaspectos da lide mineradora na rea em apreo.

    Parece-nos elucidativo, desde logo, o problema afeto ao tamanho das datas e maneira dese as distribuir. Visando a estimular os descobertos, a extenso prevista para as datastendeu a aumentar nos regimentos do sculo XVII. (4) Identificada a rea aurfera de Minas

    Gerais, introduziu-se significativa alterao nas normas reguladoras da atividademineradora atravs do "Regimento dos Superintendentes, guarda-mores e oficiaisdeputados para as minas de ouro, de 19 de abril de 1702" -- diploma legal a reger asatividade mineradoras por todo o sculo XVIII. "Ao nosso ver, [afirma Alice P. Canabrava] afeio mais importante e caracterstica da legislao de 1702 est no modo da repartiodas terras de minerao. Abandonando o critrio de dimenses fixas, que caracterizava ospreceitos anteriores, consagrou a fora de trabalho como fator determinante da extensodas datas. A legislao discriminava de incio os que possuam de 12 escravos para cima,dando-lhes direito a uma data inteira; queles cujos escravos se contavam em menornmero caberiam duas braas e meia por escravo (...) Nas partes de sobejo faziam-senovas distribuies, sempre na base prevista de duas braas e meia por escravo, atendidosprimeiramente os mineradores de 12 escravos para cima. Contudo, pelo fato de que, 'sendo

    prejudicial repartirem-se as minas somente entre os poderosos, ficando muitos pobres semelas, e sucede ordinariamente por no poderem lavrar, que no somente em prejuzo dosmeus vassalos mas tambm dos meus quintos, pois podendo-se tirar logo se dilatam comse no lavrarem as ditas datas, havendo ficado de meus vassalos sem elas', somente seconcedia nova data na mesma explorao, depois que se tivesse lavrado a primeira." (5)A escolha dava-se por sorteio "para que no haja queixa nem dos pobres nem dos ricospor dizerem que na repartio houve dolo repartindo-se a uns melhor stio que a outros poramizade ou despeito." (6)

    Patenteia-se, pois, a preocupao de integrar, atividade exploratria, o maior nmero demineradores e de garantir--se, concomitantemente, o emprego pleno da mo-de-obra

    disponvel. (7) "A regulamentao dos trabalhos da minerao aurfera [acrescenta a autoranomeada] proporcionava oportunidade a pessoas de todas as camadas sociais (...) Nestascondies do meio econmico e social, completamente distintas das que predominaram naformao da grande lavoura, a pequena empresa e a iniciativa individual tinham validade

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    (...) Sem dvida, trata-se de uma economia escravocrata, como j vimos. Mas, se osescravos do a medida das exploraes, h dificuldade tambm, aqui, em generalizar agrande explorao. Entre os mais velhos documentos publicados que informam sobre onmero de escravos de que dispunham os mineiros, os do ano de 1717 mostram umapluralidade de contribuintes com nmero insignificante de escravos, sendo ratos aquelesem que os africanos se contavam s dezenas." (8)

    Consentneo com os desgnios e interesses do poder rgio revelava-se o prprio nimodos mineradores ao perseguirem, inabalvel e por vezes afoitamente, a mxima

    rentabilidade dos seus empreendimentos: "Pelos cerros do Espinhao, pisados erevolvidos muitas vezes, os mineradores se deslocavam com seus escravos, pondo emexplorao novas catas, to cedo a anterior dava mostras de declnio. O alto ndice dereposio do escravo, sem falar na cobia sem limites, condicionava os lucros da empresa alta rentabilidade. Segundo escrevia Pedro Taques em 1700, os mineiros somente davamimportncia s pintas que proporcionavam rendimento de meia oitava para cima por bateia,pois havia ribeiros dos quais obtinham meia libra." (9)

    A mesma ilao pode-se haurir da Memria sobre a Capitania de Minas Gerais: "Os montesso os verdadeiros pais dos metais, a natureza os formou nos seus centros e nas suassuperfcies, e daqui rodaram para os rios (...) Poucos deles tm sido minerados comodevem ser, e as suas entranhas ainda se no patentearam de todo aos seus mineiros por

    causa de um mau mtodo de os lavrar. No princpio da descoberta das minas parece queum bom gnio guiava os homens; ento houveram mineiros; vrios montes se minaramco o de Vila Rica; e posto que estas minas no tinham toda a perfeio que se requeria,todavia isto bastou para que deste monte sassem rios de outro (...) O horror de soterrar umhomem em uma mina por todo um dia, de se despedir ao nascer do sol da sua brilhante luz,e de s se guiar pelo fraco claro de uma candeia, de ouvir estalar a cada instante amontanha sobre a cabea, e esperar a cada passo pela morte; parece que estas cousasforam desgostando pouco a pouco os homens do trabalho das minas, e enfim osdeterminaram por sua vez para a minerao dos rios. E com razo, nessas eras os riostambm convidavam de sua parte os homens, os seus cascalhos se achavam mostra esem entulhos, a minerao era mais fcil, e ao mesmo tempo tambm rica." (10)

    Outra faceta da problemtica em tela, nos oferecem os bices impostos penetrao deestrangeiros na rea mineradora e entrada indiscriminada de reinis e coloniais.Sobreleva aqui, de um lado, a tentativa de evitar o conhecimento -- por parte de forasteirosde outras nacionalidades -- das reais condies e potencialidades das Gerais e, por outro, apreocupao de estabelecer rgido controle sobre reinis e coloniais que, na falta de slidaadministrao e na presena ainda dbil do poder do Estado, poderiam dar-se adesmandos, insubordinaes e rebeldias. (11)

    Se a restrio imposta aos estrangeiros revela-se perfeitamente compreensvel, podemestar dvidas quanto s limitaes colocadas a reinis e coloniais, pois, tais medidas,aparentemente, contrapunham-se ao objetivo de se extrair o mximo possvel de riquezas

    minerais do solo colonial. No entanto, facilmente se as supera caso atentemos aodesiderato efetivamente perseguido ao se institurem os aludidos impedimentos: controlara populao, garantir os reditos rgios, evitar o descaminho do ouro e o distraimento daslides s quais se dava primazia. No havia, pois, conflito algum; ao contrrio, prticasimpeditivas e interesses metropolitanos harmonizavam-se integralmente. Vejamos, arespeito, a opinio de alguns autores coevos e hodiernos.

    Afirma Srgio Buarque de Holanda: "No terceiro sculo do domnio portugus que temosum afluxo maior de imigrantes para alm da faixa litornea, com o descobrimento do ourodas Gerais... E mesmo essa imigrao faz-se largamente a despeito de ferozes obstruesartificialmente institudos pelo governo; os estrangeiros, ento, estavam decididamenteexcludos delas (apenas eram tolerados -- mal tolerados -- os sditos de naes amigas:

    ingleses e holandeses), bem assim como os monges, considerados dos piorescontraventores das determinaes rgias, os padres sem emprego, os negociantes,estalajadeiros, todos os indivduos enfim, que pudessem no ir exclusivamente a servioda insacivel avidez da metrpole. Em 1720 pretende-se mesmo fazer uso de um derradeiro

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    recurso, o da proibio de passagens para o Brasil." (12)

    Baseado em correspondncia oficial de D. Joo de Lencastre Coroa (Bahia, 12 de janeirode 1701), escreveu C. R. Boxer: "O perigo principal, explicava [D. Joo de Lencastre], eraque as hordas de aventureiros que enxameavam agora nas regies mineiras, levando 'umavida licenciosa nada crist', transformassem rapidamente aquele distrito em 'valhacouto decriminosos, vagabundos e malfeitores' que poderiam, facilmente, pr em perigo todo oBrasil, se manifestassem a mesma propenso para amar a liberdade demonstrada pelospaulistas. Outro, e mais iminente perigo, estava na atrao fatal exercida pelos terrenos

    aurferos em pessoas que, a no ser por aquilo, se teriam contentado em cultivar osprincipais produtos brasileiros, acar e fumo. Alm da grande imigrao de brancos paraa zona de minerao, o nmero de servos e escravos negros que acompanhavam seussenhores ainda era maior. A carncia da mo-de-obra j se estava fazendo sentir na Bahia,Pernambuco e Rio de Janeiro, 'e se faria tambm sentir em Portugal se lhe no acudisse atempo'. E, derradeiro argumento, no o menos importante, falava na dificuldade de cobrar opagamento dos quintos, ou as quintas partes reais, daqueles mineiros intratveis eincontrolveis, em to remota e atrasada regio do Pas." (13)

    Lemos ainda na Idade de Ouro do Brasil: "Os primeiros governadores de Minas Geraisforam, geralmente, enfticos em sua condenao dos homens brancos sob seu governo,descrevendo-os como turba de truculentos, velhacos de baixa extrao, prontos para

    explodir em franca revolta, a qualquer momento. Um dos governadores mais simpticos emais populares, Dom Loureno de Almeida, explicava Coroa, em 1722, que a maior partedaqueles homens era constituda de moos solteiros, larga proporo dos quais vinha deimigrantes recentes, chegados de Portugal. J que nada tinham a perder 'por ser o seucabedal pouco volumoso, por consistir todo em oiro, nem mulher nem filhos que deixar,no s se atrevem a faltar obedincia e s justias de Vossa Majestade, se no tambmem cometerem continuamente os mais atrozes delictos, como esto sucedendo nas minas'[Despacho de Dom Loureno de Almeida, de abril de 1722]. Acusao idntica foi feita dozeanos mais tarde por Martinho de Mendona, que assegurava serem os primeiros habitantesdaquela indisciplinada capitania, os 'paulistas, acostumados violncia e soltura, ePortugueses de baixssima extrao, sem cultura' [Despacho de Martinho de Mendona, de

    1734]. O Conde de Assumar, que governou Minas Gerais de 1717 a 1721, ainda foi maisdepreciador, descrevendo os mineiros como a escria, 'como at os chamados grandesquase todos foram criados ao leite da servido' [Opinio de Assumar em 'DiscursoHistrico e Poltico']." (14)Os prprios dispositivos adotados pela Coroa visando a impedir a ida de moas brancas

    do Brasil para Portugal (Proviso de 1.03.1732 e Carta Rgia de 14.03.1732) respondiam necessidade de desarmar o esprito turbulento dos jovens imigrantes lusos: "Conformeconfessava Dom Loureno de Almeida [Despacho de julho de 1731], se pudessem casarcom mulheres de sua prpria condio, e instalar-se, depressa se tornariam cidadosrespeitveis e responsveis, mas a carncia aguda de mulheres brancas no permitia que agrande maioria deles fizesse tal coisa." (15)

    A desconfiana da Coroa abrangia tambm mercadores e eclesisticos "J no artigo XIV doregimento de 19 de abril de 1702 procurava acautelar-se sua Majestade contra os riscosque podiam seguir-se do negcio dos gados vendidos nas Minas. Porque, diz o legislador,'como o que se vende a troco de ouro em p, toda aquela quantia se h dedesencaminhar, e porque esta matria de to danosa conseqncia, preciso que nesteparticular haja toda cautela' [...] Ao superintendente e ao guarda-mor cabia ainda o cuidadode lanar fora das minas 'todas as pessoas que nelas no forem necessrias, pois sservem de desencaminharem os quintos e de gastar os mantimentos aos que l soprecisos.'" (16)Os paulistas alm de outros forasteiros oriundos de Portugal e de outros pontos da

    colnia, viram-se tentados pelos ganhos advindos da atividade comercial. Tamanha foi aatrao exercida sobre os antigos descobridores e mineiros "que o governador-geral D.Rodrigo da Costa movido a escrever a Borba Gato, superintendente das Minas Gerais deouro, no tom de quem quer machucar o ponto de honra daquela gente, esperando inclina-

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    los a servios, mais decorosos para eles prprios e mais proveitosos para a Coroa. Depoisde chamar a ateno do bandeirante, nessa carta, de maro de 1705, para as mercs de SuaMajestade aos que descobrem as minas ricas e tesouros dos seus reais domnios,recomenda-lhe que a manifeste queles que pretendem antes ser mercadores do quemineiros."Esperava que um simples aceno quelas honras e mercs os conduzisse a lavrar o ouro[...] 'deixando o trato mercantil, de que nunca o brio dos Paulistas usou, seno agora,tornando-se de Martes valorosos em sfios chatins, baixeza que certamente no cabe emnimos to generosos, como todo o mundo testemunha; e que to bem souberam apertar o

    punho da espada, fazendo-se, com o seu brioso valor, conhecidos entre os mais fortessoldados' [,,,] so palavras do prrio D. Rodrigo." (17)

    Quanto aos religiosos, principalmente os frades, desde os primeiros descobertos aurferosviram-se denunciados como os elementos que mais contribuam para o descaminho dooutro. Num documento coevo dizia-se: " grande multido de frades que sobem s minas, eque sobre no quintarem o seu ouro, ensinam, e ajudam os seculares a que faam omesmo." (18)

    V-se, pois, claramente, a raiz econmica da proibio, por parte da Coroa, da permannciadas ordens religiosas no territrio das Minas: "Entre as acusaes feitas por D. Pedro deAlmeida a esses eclesisticos consta a de sugerirem publicamente, nos plpitos, que os

    vassalos de sua Majestade no tinham obrigao de contribuir com os direitos e maisdespesas que deveriam pagar-lhe. O prelado [Bispo D. Francisco de So Jernimo] nocontestou, segundo parece, o que lhe fora dito. Respondeu mesmo que tinha procedidocontra os religiosos assistentes nas Minas com excomunho, de que eles, entretanto, nofaziam caso, alegando que o bispo no era seu juiz competente e, por conseguinte, que denada valiam suas censuras e ameaas."Para corrigir o mal, alvitrara D. Fernando de So Jernimo uma soluo prudente. Sugeriaque o governador e capito-general agisse contra os frades mais culpados de escndalos,para que o castigo servisse de escarmento aos timoratos. O conde, entretanto, acreditavaque s uma deciso radical acabaria com os abusos. Dificultoso seria nas Minas separar osmelhores dos outros, porque, dizia, 'por qualquer lado esto todos com mau procedimento,

    pois se algum h que vive com menos escndalo e se no engolfe com tratos ilcitos,poucos so os que no vivem alheios do seu instituto e em contratos e comrcios indignosdo seu carter e entendo para mim no h frade que venha s Minas que no seja para usarda liberdade que nos seus conventos tem suprimida' [...] Em 1738 uma ordem rgia aogovernador da capitania determinar mesmo a priso de todos os religiosos que estiveremnela 'sem emprego ou licena.'" (19)

    Correlatamente, a prpria coroa "no busca estimular vivamente as plantaes, que podemdesviar braos da produo principal e mais rendosa para sua Fazenda." (20) Neste rolentram as proibies ao cultivo da cana, da feitura de aguardente e as posturas contra aindstria do tabaco e a criao de muares em Minas Gerais. A respeito desta ltimaquesto escrevia, aos 30 de agosto de 1773, D. Luiz Antnio de Souza para o Marqus de

    Lavradio (Vice-Rei do Estado): " mesma Capitania de Minas Gerais, imagino eu, seroprejudiciais para o futuro esses estabelecimentos porque, achando os povos outrosempregos mais fceis de ganhar a vida com menos trabalho e menos escravatura do queempregam na extrao do ouro, poder ser que vo pouco a pouco abandonando esteutilssimo trabalho trocando por aquele menos laborioso e mais seguro, o que lhe ser degrande inconveniente, para o Real Errio e para todo o Estado em geral." (21)De outra parte, a atitude da Coroa com respeito aos engenhos destinados a destilaraguardente oferece-nos exemplo palmar da conjugao de praticas mercantilistas --proteo dos produtos oriundos da Metrpole -- com o controle dos habitantes da reamineira e com a preocupao em garantir o maior nmero possvel de braos para aatividade exploratria. (22)

    Segundo Jos Joo Teixeira Coelho, "logo que as Minas foram descobertas, e se entrarama povoar, se fez nelas um grande nmero de Engenhos de destilar gua ardente de Cana [eadita ter sido o Rei] informado de que estas Fbricas eram prejudiciais Real Fazenda,

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    porque nelas se ocupavam infinitas pessoas, que podiam empregar-se em outrosMinistrios; e tambm constou ao mesmo Senhor, que as ditas Fbricas eram prejudiciaisao Sossego pblico o qual se perturbara com as desordens causadas pelas bebidas dosnegros." (23) Em funo dos problemas apontados a Coroa resolveu, por Ordem de 18 denovembro de 1715, para o Governador de So Paulo e Minas, D. Brs Baltasar da Silveira,"que enquanto S. Majestade no toma Resoluo sobre esta matria, se no consinta quese levantem mais Engenhos." (24) O Conde de Assumar, em Ordem de 3 de junho de 1718,chegou mesmo a proibir o plantio da cana de acar. (25)

    As restries visavam no s a evitar a fuga de braos teis nas minas e as desordens,mas, tambm, a proteger a aguardente fabricada na Metrpole; em 26 de maro de 1735exarava-se Ordem ao Governador "para informar do prejuzo que fez ao consumo dasguas Ardentes do Reino, o estabelecimento dos Engenhos, e Engenhocas, que h emMinas" (26)

    Para J. J. Teixeira Coelho, as mesmas razes que deviam contrariar "as fbricas deaguardente pareciam-lhe militar de certo modo contra a indstria do tabaco. O cultivo desteproduto podia fazer-se nas Capitanias do Rio e de So Paulo no em Minas, e agora vem omotivo decisivo para abandonar sua lavoura e algumas outras que importassem emsacrifcio para a atividade mais rendosa em tais lugares. que o 'grande nmero deescravos ' que se dedicavam ao plantio e benefcio do fumo 'podia empregar-se', diz, 'na

    extrao de ouro, em utilidade do real quinto e dos direitos das entradas que se pagam nosregistros.'" (27)Justamente nos marcos das polticas mercantilistas -- to eloqente e meridianamenteevidenciadas acima -- devem-se entender os bices postos entrada de escravos na reamineradora.

    Ao que nos parece no houve, desde logo, por parte da Coroa , uma avaliao exata daspotencialidades da economia mineira do Brasil Colnia. No se alcanou, portanto, nosseus albores, plena conscincia da sua rentabilidade e possvel peso relativo em face dosganhos proporcionados pelos demais produtos oferecidos pelo empreendimento colonial.Ao que tudo indica, levados pela frustrante experincia pretrita , subestimou-se, de incio,a minerao e se a colocou em segundo plano vis--vis as culturas desenvolvidas na realitornea. Segundo C. R. Boxer: "Alguns anos se passaram antes que a Coroa e seusconselheiros compreendessem integralmente a importncia da corrida do ouro em MinasGerais. Quando isso aconteceu, tiveram eles sua principal preocupao tentando controlaro movimento de gente que se dirigia para aquela regio e impedir o declnio das lavourasde acar e fumo. Em maro de 1701 a Coroa ainda tinha uma noo muito vaga do que seestava passando nos distritos mineiros, e Dom Joo de Lencastre foi solicitado a enviar umrelatrio da situao ali, de forma que a Coroa pudesse resolver quanto a sua futurapoltica, luz da informao assim recebida. A correspondncia oficial desse perodoreflete mais preocupao com o problema de monoplio do fumo do que com a produode ouro em Minas Gerais" (28)

    Porm, na medida do acmulo de informaes e da chegada dos carregamentos (29) asatividades da marinha viram-se delocadas, no mbito das preocupaes metropolitanas,pela lide mineratria: "Quando a Coroa e seus conselheiros compreenderam,tardiamente,a extenso e a permanncia daqueles novos campos aurferos, resolverammodificar sua declarada poltica de subordinao dos interesses das minas aos dasplantaes de acar e fumo." (30)

    Nesse quadro deve-se, pois, entender os aludidos bices passagem de cativos para asGerais: "Em janeiro de 1701 a Coroa decretou que s 200 negros escravos poderiam serimportados anualmente da frica Ocidental, via Rio de Janeiro, para as minas, e os outrosmercados de escravos do Brasil tiveram proibio expressa de vender escravos aos

    mineiros. Tais restries foram relaxadas por um outro decreto de maro de 1709, mas,devido s reclamaes dos senhores de engenho, a Coroa tornou a modific-lo dois anosdepois. O decreto de fevereiro de 1711 ordenava que os negros ocupados em trabalhosagrcolas no fossem vendidos para o servio das minas, com exceo nica daqueles que

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    'pela perversidade dos seus naturaes no sejam convenientes para o trato dos Engenhose das suas lavouras' [Carta Rgia de 27 de fevereiro de 1711] [...] Em 1703, a Coroa instituauma cota de importao anual de 1.200 escravos africanos para o Rio de Janeiro, 1.300para Pernambuco, e todos os outros para a Bahia, enquanto mantinha o limite existente de200, em termos de reexportao para Minas Gerais. Tambm essa lei permaneceu letramorta [Carta Rgia de 28 de setembro de 1703] e o sistema de cotas foi abolido, finalmente,em 1715 [Carta Rgia de 24 de maro de 1715]. (31)

    J avanado o sculo XVIII, para que mais escravos pudessem ser dirigidos para o Brasil,

    Pombal proibiu sua ida para Portugal e estimulou a sua compra em Moambique, mercadoat ento pouco explorado. (32)

    A coerncia no trato, por parte da Coroa, dos problemas suscitados pela necessidade demo-de-obra nas Gerais, v-se reafirmada pela taxao imposta ao deslocamento deescravos para aquela rea. Assim, em 1711, lanou um direito adicional sobre os cativosque eram reexportados para Minas. Pelos oriundos de Angola dever-se-ia pagar a tarifa deseis mil reis, superior arbitrada para os cativos originrios da Costa da Mina (trs milreis). (33) Em documento datado aos 28 de julho de 1714, o Governador-Geral da Bahiareformulava o tributo: "Pela cpia do edital que com esta remeto ser presente a VossaMajestade ter-se dado cumprimento ao que foi servido ordenar por esta Proviso e comonela se determina que os negros que viessem de Angola para esta praa e dela fossem por

    negcio para as Minas pagassem sada seis mil ris por cabea, sendo peas da ndia eos da Costa da Mina a trs mil ris por serem inferiores e de menos servios que os deAngola, o que tanto pelo contrario, que os que vm da Mina se vendem por preo maissubido por ter mostrado a experincia dos mineiros serem estes mais fortes e capazes paraaturar o trabalho a que os aplicam; o que me obrigou a consultar esta matria com osMinistros, e pessoas de mais inteligncia e resolvi que vista a equivocao que houve novalor de uns e outros negros pagassem todos igualmente quatro mil e quinhentos porcabea e nesta forma interessa Real Fazenda de Vossa Majestade, os mesmos direitosque importam os direitos de trs e seis..." (34)

    Eis-nos, pois, remetidos s questes concernentes ao fisco: fulcro das prticas

    mercantilistas da Coroa lusitana. Como assevera Francisco Iglsias, Portugal "fiscalizouapenas, montando mquina policial, aparelho de represso, rede interminvel de tributos.Na papelada oficial, a maior parte diz respeito fiscalizao. O Estado se realizava nafuno de tributar. E foi em torno dessa funo que se teceu a vida da Capitania, com asordens sucessivas, as medidas de forar o cumprimento, a montagem da mquina estatal,o desagrado dos povos, que foi da simples burla ao contrabando e s lutas sangrentas. Umtributo teve mais significado e pode mesmo encarnar todo o sistema: o quinto, que chegoua adquirir fisionomia de entidade fantstica, Diogo de Vasconcelos acertou ao dizer que 'ahistoria dos tempos coloniais e a dos quintos se confundem. Se houvesse mesmo caso emque a parte pudesse ser igual ou maior do que o todo, era este'. Foi para a suaarrecadao que se criaram a burocracia de superintendentes, tesoureiros, escrives, ascasas de fundio,os registros nos caminhos de So Paulo, Rio, Bahia e Pernambuco. O

    quinto responsvel pela pronta montagem da mquina administrativa e ampliao dasTerras da Nova Unidade. Como a cobrana no fosse fcil e apresentasse problemascontnuos, o governo no se fixou nunca em uma forma -- da capitao passou arrematao, depois s casas em que se fundia o ouro, voltou capitao, mais tardeadotou as casas de fundio novamente. No se encontrou frmula adequada cobrana.Ainda a se manifesta hesitante a Coroa, sem uma linha definida; s teve constncia emum ponto: no propsito de cobrar sempre e cada vez mais. (35)

    Centrada na arrecadao dos quintos devidos "no hesitava a Coroa, se necessrio, emcriar embaraos prpria colheita de ouro em terras onde se tornava difcil umafiscalizao eficaz. No Serro do Frio, por exemplo, onde as bateadas no ribeiro do PadreFrei Pedro da Cruz, em 1705, eram de libra e meia libra, chega-se, em dado momento, a

    ordenar que no haja cultura das lavras." (36) Este fato parece tornar claro o objetivovisado pelos obstculos e restries aos quais nos referimos exaustivamente no correrdeste captulo.

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    O "fiscalismo", subjacente ao mercantilismo portugus, aliado s dificuldades de tornarefetiva a cobrana dos tributos a recair sobre os mineradores induziram mudanas poltico-administrativas das mais relevantes. Diz-nos Srgio Buarque de Holanda: "A circunstnciado descobrimento das minas, sobretudo das minas de diamantes foi, pois, o quedeterminou finalmente Portugal a pr um pouco mais de ordem em sua Colnia, ordemmantida com artifcio pela tirania dos que se interessavam em ter mobilizadas todas asforas econmicas do pas para lhe desfrutarem, sem maior trabalho, os benefcios." (37)

    A prpria insubordinao dos ocupantes das Gerais e os choques dos primeiros

    descobridores com o elemento reinol adventcio, atuaram no sentido de tornarindispensvel a efetiva presena da fora coercitiva e ordenadora do Estado. (38) No sedeve ao acaso, pois, ter-se estruturado mais solidamente a vida civil, poltica eadministrativa logo aps a aludida guerra intestina: "Para terminar a sangrenta lutaemboaba s a instaurao da mquina administrativa. E o Governo, em 9 de novembro de1709, separou os distritos de So Paulo e Minas da Capitania do Rio, formando a Capitaniade So Paulo e Minas do Ouro. A mquina administrativa tentava pr fim s desordens daimprovisao do incio e s lutas de faces desejosas de supremacia. Ainda era pouco, noentanto. O poder da Coroa precisava estar mais prximo. Os chefes da nova unidade nopodiam ficar em So Paulo, uma vez que os interesses e a rebeldia se localizavam noserto. Deixando a sede, viviam em Minas. Ante o recrudescimento das paixes e agravidade das revoltas, soluo foi criar capitania no centro: o alvar de 2 de dezembro de

    1720 emancipou Minas de So Paulo." (39)

    Sob a gide dos novos rumos que se imprimiam vida colonial deu-se o estabelecimento,nos primeiros anos da segunda dcada do sculo XVIII , de inmeras vilas. Paralelamentedelimitavam-se, em 1714, as trs primeiras Comarcas de Minas Gerais; a repartio dasterras que deveriam tocar a cada uma delas se a fez visando-se arrecadao dos quintosdo ouro. Destarte, a prpria definio jurisdicional das grandes unidades componentes dasGerais viu-se marcada pelo fiscalismo rgio. (40)

    * * *

    Passemos agora perquirio dos condicionantes do dimensionamento da ocupao epovoamento das Gerais.

    Este conceito, o entendemos em termos do vulto alcanado pelo empreendimentominerador, da intensidade com que se explorou o metal precioso e, sobretudo, dosmovimentos demogrficos relativos aos deslocamentos populacionais reguladores tantoda empresa exploratria como do ritmo de seu desenvolvi mento.

    Impem-se, antes do mais, dois problemas merecedores de qualificao. Em primeiro, faz-se necessrio lembrar que grande parte dos condicionantes da estrutura socioeconmicadas Gerais atuou imediatamente sobre o "dimensionamento" como aqui o definimos.

    Justifica-se, no entanto, a permanncia deste ltimo conceito porque existem fatores que,guardando certa independncia com respeito maneira pela qual se estruturou asociedade mineira, operaram diretamente sobre o dimensionamento da ocupao epovoamento de Minas Gerais. A outra questo refere-se ao fato de que, ao discutirmos oprocesso acima aludido, necessariamente evidenciar-se-o algumas das mudanassocioeconmicas ocorridas na Colnia em decorrncia da atividade mineradora. Taisalteraes, como j salientamos, derivaram-se do complexo de fatores condicionantes queestamos a identificar e no podem, portanto, prender-se a apenas parte deles. Esta ltimaressalva parece-nos importante porque parcela substancial das referidas transformaesver-se- explicada no tpico subsecutivo ao vertente.

    Colocadas essas observaes, retornemos ao leito natural de nosso discurso. Como

    sabido, a atividade aurfera levou ocupao do interior brasileiro; os limites tericosfixados em Tordesilhas foram largamente ultrapassados. As reas de ocorrncia do ouro,afastadas do litoral e de baixa densidade populacional, exerceram tamanha atrao sobre oesprito dos reinis e colonos que, em pouco mais de noventa anos, o nmero de

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    habitantes do Brasil viu-se decuplicado, concentrando-se no centro-sul -- rea queapresentava, anteriormente, populao escassa e amplamente diluda -- cerca de cinqentapor cento do contingente humano da colnia.

    A interligao das reas j ocupadas pelo colonizador europeu apareceu como primeiroelemento de integrao econmico-social, ao mesmo tempo esboava-se o mercadoconsumidor interno e intensificava-se o processo de urbanizao, de diviso do trabalho ede especializao regional.

    Como adverte Caio Prado Junior,os descobertos aurferos afetaram profundamente a vidada colnia projetando-se, ademais, na futura articulao econmica do Brasil: "O impulsodesencadeado pela descoberta das Minas permitiu colonizao portuguesa ocupar todo ocentro do continente sul-americano. este mais um fator que precisa ser contado naexplicao da atual rea imensa do Brasil."As transformaes provocadas pela minerao deram como resultado final odeslocamento do eixo econmico da colnia, antes localizado nos grandes centrosaucareiros do Nordeste (Pernambuco e Bahia). A prpria capital da colnia (capital maisde nome, pois as diferentes capitanias, que so hoje os Estados, sempre foram mais oumenos independentes entre si, subordinando-se cada qual diretamente a Lisboa) transfere-se em 1763 da Bahia para o Rio de Janeiro. As comunicaes mais fceis das minas para oexterior se fazem por este porto, que se tornar assim o principal centro urbano da colnia.

    "De um modo geral, todo este setor centro-sul que, graas em grande parte minerao,toma o primeiro lugar entre as diferentes regies do pas; para conserv-lo at hoje. Anecessidade de abastecer a populao concentrada nas minas e na nova capital estimularas atividades econmicas num largo raio geogrfico que atingir no somente ascapitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro propriamente, mas tambm So Paulo. Aagricultura e mais em particular a pecuria se desenvolvero grandemente nestas regies. de notar que o territrio das Minas propriamente (sobretudo das mais importanteslocalizadas no centro de Minas Gerais) imprprio para as atividades rurais. O solo pobree o relevo excessivamente acidentado. Nestas condies, os mineradores tero de seabastecer de gneros de consumo vindos de fora. Servir-lhes- sobretudo, o sul de MinasGerais, onde se desenvolve uma economia agrria que embora no contando com gneros

    exportveis de alto valor comercial -- como se dera com as regies aucareiras do litoral --,alcanar um nvel de relativa prosperidade." (41)

    Paralelamente ocorriam -- como avanado acima -- mudanas significativas naadministrao colonial, maior vigor e fortalecimento do Estado faziam-se necessrios paracontrolar a economia, a cada passo mais complexa, e enquadrar uma populao a cresceraceleradamente: " no sculo XVIII, no entanto, que se define com rigor a administraoportuguesa, com o fortalecimento do Estado, antes dividido e frgil [...] Neste breve ensaio,no se pretende tratar deste aspecto, mas to-s realar a novidade no quadro dasinstituies polticas, com seu fortalecimento ao longo de cem anos, na caracterizao doque foi o Estado. Pretende-se, tambm, explicar o fato pela existncia de um eixo em tornodo qual gira o administrador, que so as minas de ouro, que condicionam direta ou

    indiretamente o perodo. Esse eixo um dos responsveis -- sem dvida o principal -- pelacentralizao poltica com todas as suas conseqncias." (42)

    A regio das Minas Gerais desenvolveu-se no sculo XVIII como centro de intensaatividade, cuja influencia se fez sentir nas vrias economias da Colnia. Dos maisimportantes o fato de que o desenvolvimento da minerao vinculou-se decadncia dalavoura, atividade que at ento havia monopolizado as energias do colonizador luso. "Aminerao teve na vida da colnia um grande papel. Durante trs quartos de sculo ocupoua maior parte das atenes do pas, e desenvolveu-se custa da decadncia das demaisatividades. O fluxo de populao para as Minas desde o incio do sculo XVIIIconsidervel: um rush de propores gigantescas, que relativamente s condies dacolnia ainda mais acentuado e violento que o famoso rush californiano do sculo XIX.

    "Isto j seria o suficiente para desequilibrar a vida do pas e lhe transformar completamenteo aspecto. Em alguns decnios povoa-se um territrio imenso at ento desabitado, e cujarea global no inferior a 2 milhes de km2" (43)

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    Evento de tamanha magnitude, alm de repercutir nas atividades econmicas da Colnia,multiplicou o fluxo imigratrio e, concomitantemente, inflectiu a direo do povoamento:"A economia colonial brasileira havia se desenvolvido, at ento, na zona litornea. Osengenhos de acar ocupavam uma faixa de solos ricos, primitivamente cobertos deflorestas, que abrangia apenas 30 a 60 km junto ao mar. As notcias que se propagavamsobre as descobertas nas Gerais, os rendimentos considerveis das pintas atraram paraaquela rea elementos da populao de todas as partes da Colnia. O entusiasmocontagiou todas as camadas sociais. Nas frotas comprimiam-se centenas de reinis e at

    estrangeiros se infiltraram nas entradas de roldo dos primeiros anos. O fenmeno, comumhistoricamente quanto ao papel polarizador de populao dos achados aurferos, deslocourapidamente para o interior da colnia o centro de gravidade do povoamento, localizado atento no litoral leste." (44)

    Altamente relevantes mostraram-se, ademais, o processo de imigrao e os movimentosmigratrios, a concentrao populacional em pequena rea da qual decorreu, em alianacom outros fatores, o surgimento de vida urbana em moldes novos para os padres atento vigentes na sociedade colonial brasileira, bem como as interaes dos segmentospopulacionais -- livres, forros e escravos -- entre si e de toda a populao mineira com omeio fsico, base da atividade exploratria.

    Quanto ao movimento imigratrio dirigido para Minas coube significado dos maisexpressivos ao afluxo do elemento africano. D.Rodrigo da Costa, Governador do Brasil, aovoltar Europa, em 1706, "representava caminhar o Estado para a runa total por faltaremos escravos, todos vendidos para as minas, mal chegavam aos portos." (45)

    afluncia da mo-de-obra africana deve-se aliar a rpida concentrao, na reamineratria, de grande contingente de livres e escravos oriundos do Reino e do prprioterritrio colonial.

    O mais eloqente testemunho desse fenmeno, legou-nos Antonil. No alvorecer do sculoXVIII, assim caracterizava, o jesuta, as "pessoas que andam nas minas e tiram ouro dos

    ribeiros": "A sede insacivel do ouro estimulou a tantos a deixarem suas terras e ameterem-se por caminhos to speros como so os das minas, que dificultosamente sepoder dar conta do nmero das pessoas que atualmente l esto. Contudo, os queassistiram nelas nestes ltimos anos por largo tempo, e as correram todas, dizem que maisde trinta mil almas se ocupam, umas em catar, e outras em mandar catar nos ribeiros doouro, e outras em negociar, vendendo e comprando o que se h mister no s para a vida,mas para o regalo, mais que nos portos do mar."Cada ano, vem nas frotas quantidade de portugueses e de estrangeiros, para passarem sminas. Das cidades, vilas, recncavos e sertes do Brasil, vo brancos, pardos e pretos emuitos ndios, de que os paulistas se servem. A mistura de toda a condio de pessoas:homens e mulheres, moas e velhos , pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares eclrigos, e religiosos de diversos institutos muitos dos quais no tm no Brasil convento

    nem casa." (46)

    A Coroa, alarmada com o despovoamento decorrente desse processo emigratrioindiscriminado, resolveu refre-lo e passou a exarar decretos e dispositivos legais dosquais a prpria freqncia evidencia a inocuidade. Desses instrumentos, o mais eloqentee restritivo, parece ter sido a lei de 20 de maro de 1720. (47) Mesmo com respeito a ela,revelou-se cptico Joo Lcio de Azevedo: "Quanto tempo estaria em vigor a proibio nosabemos, e de crer que, por mil modos iludida, se lhe reconhecesse em breve tempo aineficcia." (48)

    Por seu lado, o movimento migratrio colonial, de grandes propores, chegou a abalar aeconomia agrcola preexistente. "Na borda martima da colnia, o xodo, motivado pela

    atrao das minas, teve conseqncias deplorveis. Despovoavam-se as terras, no s dagente livre, que acorria aventura, mas principalmente dos escravos, sem os quais nohavia lavoura nem indstria possveis. A cultura e fabricao do acar, que era a riquezaessencial do pas, cessava em muitos lugares, porque os lavradores partiam com seus

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    negros, ou os vendiam para serem levados s minas, por altos preos, de que no tinhamsonhado em tempo algum. Mas, realizada a operao, impossibilitados estavam desubstituir os trabalhadores perdidos, porque se lhes no ofereciam outros. Com os negrosemigrava juntamente o pessoal de raa branca, a gente hbil dos engenhos, feitores,mestres, purgadores, carpinteiros das caixas, e outros, de ofcios necessrios indstria."(49)

    Evidencia-se, do acima exposto, o papel crucial dos movimentos migratrios de grandescontingentes populacionais na explicao do aqui chamado dimensionamento da ocupao

    e povoamento das Gerais. Acresce que tal deslocamento deu-se espontaneamente,contrariando mesmo os dispositivos legais desenhados para refre-lo; a este respeito,lembramos os dizeres de representao do Conselho Ultramarino, dirigida ao rei em 1732:"A fama dessas riquezas convida os vassalos do Reino a passarem-se para o Brasil eprocur-las e ainda que por uma lei, se quis dar providncia a esta desero, por mil modosse v frustrado o efeito dela e passam para aquele estado muitas pessoas, assim do Reinocomo das ilhas, fazendo esta passagem ocultamente, negociando este transporte com osmandantes dos navios e seus oficiais, assim nos de guerra, como nos mercantes, ou comfraudes que se fazem lei, procurando passaportes com pretextos e carregaes falsas."(50)

    A nosso ver, seria prova de extremo simplismo imputar tamanho deslocamento ganncia

    cega, ao puro esprito aventureiro em demanda de riqueza quimrica. As possibilidadesreais de largos ganhos devem justificar, em grande parte, o af, acima denunciado, e aoqual tantos se vergaram. Mais ainda, as condies econmicas defrontadas por reinis ecoloniais certamente compuseram o rol dos condicionantes do evento em foco; cabe realceaqui rentabilidade relativa das oportunidades econmicas abertas a uns e outros. Assim,os preos dos produtos exportados pela Colnia e a situao econmica interna dePortugal aparecem como elementos explicativos de alta significncia. Outro fator relevanteencontramo-lo na balana de pagamentos da Metrpole, cujos movimentos, sobretudo osdeficitrios, atuariam como reguladores do prprio empenho rgio em promover a extraodo ouro.

    H ainda a considerar o espectro de atividades que se ofereciam na rea mineira, assimcomo as possibilidades de acesso ao maneio exploratrio, sua lucratividade e exigncia emtermos de dispndios frente s demais lides ensejadas tanto pela economia portuguesacomo pela colonial.

    Atenhamo-nos aos pontos acima enumerados. "Na poca em que o antigo anelo doscolonos e da me ptria principiava a realizar-se no interior de So Paulo, longe estava deflorescente, em qualquer parte do pas Braslico, a situao econmica. A riqueza principal,que era o acar, atravessava uma quadra de desvalia. Abatidos os preos pelacompetncia estrangeira, diminura a exportao portuguesa, tolhida ao mesmo tempo pelapoltica fiscal das naes com colnias na Amrica, que de consumidores do gnero doBrasil passavam a produzi-lo, e o protegiam por direitos de importao proibitivos. Por esta

    causa, os negociantes, que abasteciam a terra das mercadorias da Europa, preferiam levaro retorno em moeda, de valor certo, a empreg-lo em produtos, sujeitando-se perdaeventual." (51)

    De um lado, pois, os produtos tradicionalmente oferecidos pelos portugueses tinham seuspreos reduzidos e, concomitantemente, verificava-se cadente o quantum exportado, poroutro, exigia-se o pagamento das importaes portuguesas em numerrio, fato a tornarainda mais difceis as condies econmicas defrontadas pelo complexo metrpole-colnia. Tal crise precede, pois, os descobertos aurferos no Brasil. "Nos meados dosculo XVII, os holandeses, expulsos do Nordeste do Brasil onde se queriam assenhoreardo acar, do tabaco e do gengibre, transplantam as tcnicas brasileiras para as PequenasAntilhas. Os franceses e ingleses, tambm estabelecidos neste pequeno mundo da

    pirataria, com uma populao fracamente hierarquizada que nas suas pequenasexploraes apenas se entrega cultura do anil e de alguns gneros alimentcios,igualmente aproveitam desta transplantao de tcnicas. Estas, de resto, no fim do sculoXVII e princpios do XVIII, melhoradas e aperfeioadas, chegaro ao Mxico, onde por outro

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    lado, j tinham aparecido pela via terrestre -- pelo Peru."No nos devemos admirar de que a implantao desta nova economia do acar e dotabaco no Mediterrneo americano -- de 1650 a 1670 -- e a poltica de Colbert, tenham tidoconseqncias econmicas desastrosas para o comrcio atlntico portugus . Os produtosportugueses vem-se expulsos dos mercados franceses, ingleses e holandeses. verdadeque ingleses, franceses e holandeses ainda carregam acar e tabaco em Lisboa, mas para os venderem noutras partes; os seus mercados nacionais propriamente ditos estoperdidos para os portugueses. E cerca de 1670 que esta falta se comea a fazer sentir emLisboa. As existncias acumulam-se nos armazns; os produtos no se vendem; vendem-

    se por preo inferior ao do custo; e no s isso, mas tambm queda dos preos porque aoferta aumenta muito mais rapidamente que a procura." Vejamos o acar: em 1650 a arroba vendia-se, em Lisboa, a 3.800 ris; em 1659 primeira

    descida, 3.600 ris; em 1668, 2.400 ris e, portanto, uma baixa de 33% em 9 anos. E 20 anosmais tarde a arroba valer 1.300 ou 1.400 ris, baixa, desta vez, de 41% (mas o ritmo jmais lento)."Passemos ao tabaco: em 1650, o preo, em Lisboa era de 260 ris o arrtel; em 1668 tinhadescido para 200 ris e em 1688 cara para 70 ris, ou seja, uma descida de 65% em 20anos, mais forte do que a do acar."Ainda mais inquietante foi a quebra nos preos do cravo: em 1668 vendia-se, em Lisboa,o quintal a 18.000 ris e 20 anos mais tarde a apenas 5.000; neste lapso de tempo o preodesceu 72%.

    "Surge aqui um problema: as investigaes de Beveridge, de Hamilton, de Meuvret, provamque, a partir de 1620-1640 e at 1680, os preos desceram em toda a parte de maneira firmee contnua. A histria dos preos portugueses seria apenas mais um caso destemovimento geral de longa durao no sentido descendente: enfraquecimento, descida,baixa dos preos e no queda , decadncia , crise? -- Mas as percentagens citadas acimalevam-nos a preferir a interpretao dramtica que alis se impe, se compararmos estesdados com a curva dos preos do trigo. Eis as mdias qinqenais no mercado dosAores, solidrio do de Lisboa.

    1659-1663 7.200 ris1664-1668 7.840 "1669-1673 6.280 "

    1674-1678 6.960 "1679-1683 7.680 "1684-1688 7.680 "

    "De resto, pode-se estabelecer que os preos da produo portuguesa no diminuram, eh mesmo a registar uma alta nalguns deles, nomeadamente no dos escravos. Porque odesenvolvimento das culturas das Antilhas torna mais dura a concorrncia para a comprados Negros nas costas africanas (no Golfo da Guin, os holandeses perseguemvitoriosamente os portugueses; em Angola o litoral est esgotado de homens e a caa aoescravo no interior faz subir o seu preo. Os lucros portugueses so apertados por estemovimento de tenaz produzido pela baixa dos preos nas vendas, devida concorrnciadas Antilhas, e pela alta ou, pelo menos, a manuteno das despesas, devida ou concorrncia nos mercados de escravos ou ao nmero excessivo dos produtores em face

    das possibilidades de colocao, de que resultou subir o custo da madeira, dos bois detrabalho, das caldeiras etc. Donde, disjuno nos preos, empolgados por doismovimentos contraditrios)."Ao mesmo tempo, o abastecimento em prata sofre uma nova crise. A primeira situara-secerca de 1625-1630; a segunda produz-se, precisamente, cerca de 1670-1680. E no apenas a afluncia do metal branco a Sevilha que diminui -- mas ainda o fato de ocomrcio holands se desenvolver noutras direes que no Setbal e Lisboa. Assim essacorrente de prata que de Sevilha corria para Lisboa em parte desviada, em parte diminuiporque a fonte quase seca."E eis que esta crise , simultaneamente, uma crise de acar, do tabaco e da prata." (52)

    Se, em 1690, a crise comercial estava em vias de se extinguir, foroso reconhecer o quo

    combalidas saram dela a Metrpole e a Colnia. Lembre-se, ademais, a falncia da polticade estabelecimento de manufaturas nos ltimos anos do sculo XVII e a desarticulao, noprimeiro meado do sculo XVIII, das poucas existentes. Por outro lado, a este tempocolocava-se dramaticamente a questo da balana de pagamentos. A necessidade de

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    espcies revelava-se crescente. "Graas s moedas de ouro, podem conseguir-se noestrangeiro as mercadorias que de outra maneira teriam de se produzir no prprio pas --ou ento abster-se de as possuir. O dficit da balana comercial em 1713 ultrapassalargamente o tero a que j tinha subido em 1675; as moedas tm de tapar um buracoquase igual metade da totalidade das importaes." (53)

    "A exportao ou, como se usava dizer, a saca dos vinhos, tinha igualmente crescido, mas,por muito que aumentasse, o valor ficava nos melhores anos muito aqum do dasimportaes. Nos anos anteriores ao tratado [de Methuen], as relaes comerciais de

    Portugal com Inglaterra haviam tomado grande desenvolvimento. Em 1700 as exportaes,em que entravam, ao lado do vinho, o acar, o pau-brasil e outros gneros coloniais,excediam a 279 mil libras, quatro vezes mais que trinta anos atrs. Em 1715 passam a 333mil libras, contra 625 mil de mercadorias recebidas. De 1730 a 40 andam as exportaespor 400 mil libras anuais, as importaes em um milho. Depois disso, e tendo estaschegado a 1.200.000 libras e mais, no passou nunca o retorno de 400 mil nos anos maisfavorveis. O oiro das Minas, que atravs da Inglaterra se espalhava pela Europa, preenchiaa diferena." (54)

    Por outro lado, a recuperao comercial ocorrida a partir de 1690 no parece ter sidosuficiente para sanar os problemas decorrentes da crise que empolgava tanto a Metrpolecomo a Colnia. "Em 1709 recorreu-se para alcanar dinheiro venda de empregos. Alguns

    dos mais rendosos, Provedor dos Armazns, Casa da ndia e Guin, Provedores da Casa daMoeda, da Fazenda do Rio de Janeiro, e outros de categoria semelhante foram postos emarrematao [...] quatro anos depois, o agente secreto de Lus XIV em Lisboa descrevia-lheem estado de penria a corte, e no de pobreza a nao [...] Nesse mesmo ano houvenecessidade de tirar do cofre dos defuntos e ausentes 150 mil cruzados para as despesaspblicas, em que entravam as da Casa Real. Deviam-se s tropas onze meses de soldo, emagotes numerosos de soldados desertavam para Espanha. No diferem no sentido asinformaes mandadas em 1715 pelo embaixador acreditado, abade Mornay, que sucedeuao agente secreto." (55)

    No Brasil, a economia aucareira, cuja decadncia assenta-se na segunda metade do

    sculo XVII, fornecia minerao braos e capitais: "A minerao ofereceu, tambm, umenorme mercado para os escravos e para o gado do Norte; e se proporcionou, em momentooportuno, um derivativo de alto rendimento para os elementos que trabalhavamdeficitariamente na indstria do acar, passou, mais tarde, a prejudic-la, quando, pelamelhoria dos preos, os engenhos desejaram retomar sua antiga atividade." (56)

    Outro fator condicionante a dimensionar o empreendimento minerador consubstanciou-senas oportunidades que ele propiciava a coloniais e reinis. Possibilitaram elas oacorrimento de dezenas de milhares de pessoas e funcionaram como plo de atrao peloqual deixaram-se arrastar, como dizia Antonil, "homens e mulheres, moos e velhos,pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clrigos..."

    Conforme Celso Furtado: "O estado de prostrao e pobreza em que se encontravam aMetrpole e a colnia explica a extraordinria rapidez com que se desenvolveu a economiado ouro nos primeiros decnios do sculo XVIII. De Piratininga a populao emigrou emmassa, do nordeste se deslocaram grandes recursos, principalmente sob a forma de mo-de-obra escrava, e em Portugal se formou pela primeira vez uma grande corrente migratriaespontnea com destino ao Brasil. O facies da colnia iria modificar-se fundamentalmente."At esse momento, sua existncia estivera ligada a um negcio que se concretizava numnmero pequeno de grandes empresas -- os engenhos de acar -- sendo a emigraopouco atrativa para o homem comum de escassas posses. Transferir-se de Portugal para oBrasil s tinha sentido para aquelas pessoas que dispunham de meios para financiar umaempresa de dimenses relativamente grandes. Fora disso, a emigrao deveria sersubsidiada e respondia a um propsito no-econmico. Na regio aucareira, os imigrantes

    regulares limitavam-se a artesos e trabalhadores especializados que vinham diretamentepara trabalhar nos engenhos.............................................................................................................................................................."A economia mineira abriu um ciclo migratrio europeu totalmente novo para a colnia.

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    Dadas suas caractersticas, a economia mineira brasileira oferecia possibilidades apessoas de recursos limitados, pois no se exploravam grandes minas -- como ocorria coma prata no Peru e no Mxico -- e sim o metal de aluvio que se encontrava depositado nofundo dos rios.............................................................................................................................................................."No que respeita ao ambiente em que circula o homem livre -- nascido na Metrpole ou nacolnia maiores ainda so as diferenas da economia mineira com respeito as terras doacar. Nestas ltimas, abaixo da classe reduzida de senhores de engenho ou grandesproprietrios de terras, nenhum homem livre lograva alcanar uma verdadeira expresso

    social. Ao estagnar-se a economia aucareira, as possibilidades de um homem livre paraelevar-se socialmente se reduziram ainda mais. Em conseqncia, comeou a avolumar-seuma subclasse de homens livres sem positivo papel social, a qual em certas pocaschegou a constituir um problema. Na economia mineira, as possibilidades que tinha umhomem livre com iniciativa eram muito maiores. Se dispunha de recursos, podia organizaruma lavra em escala grande, com cem ou mais escravos. Contudo, o capital queimobilizava por escravo ou por unidade de produo era bem inferior ao que correspondiaa um engenho real. Se eram reduzidos os seus recursos iniciais, podia limitar sua empresas mnimas propores permitidas pela disponibilidade de mo-de-obra, isto , a umescravo. Por ltimo, se seus recursos no lhe permitiam mais que financiar o prpriosustento durante um perodo limitado de tempo, podia trabalhar ele mesmo comofaiscador. Se lhe favorecia a sorte, em pouco tempo ascenderia posio de empresrio."(57)

    Eis arrolados, a nosso ver, os principais condicionantes do dimensionamento da ocupaoe povoamento das Gerais. Restam-nos, a explorar, os fatores que atuaram sobre a formacomo se articularam a sociedade e a economia mineira.

    * * *

    A ocupao e povoamento das Minas Gerais se nos apresentam, em grande parte,regulados pelas condies em que se exploraram o ouro e as pedras preciosas. (58) Em

    cada momento relacionaram-se as condies geogrficas, de um lado, e a maneira derecolhimento das riquezas minerais, por outro. (59)

    Os depsitos de aluvio -- produto da atividade milenar das guas, a desagregar e aremover as partes leves das rochas decompostas impelem o ouro, mais denso, a acumular-se no fundo dos vales, no leito dos rios e na meia encosta dos morros -- a par de seesgotarem com rapidez so facilmente explorveis; este fenmeno levou as primeirasatividades extrativas (60) a se localizarem nos rios, com o mnimo de aparelhagem,dependendo, o produto do trabalho, do maior ou menor nmero de escravos. Mesmo os"rosrios" -- almanjarras que punham a seco trechos previamente cercados dos rios --no constituram utensilagem capaz de impedir o nomadismo dos mineradores. Aexplorao a seco efetuava-se rapidamente entre os meses de chuva, pois, as guas,

    engrossadas, arrebentavam as ensecadeiras inundando e destruindo o que se lhesanteparava. (61) A falta de continuidade nos trabalhos vinha a facilitar o abandono de umaexplorao por outra com maiores perspectivas de ganho.

    Durante essa primeira fase o explorador vivia nmade e a populao apresentava-seextremamente diluda. Centrados na atividade mais rentvel os mineradores deixavam-seabsorver completamente pelo trabalho nas aluvies; os perodos de grandes fomes,sincrnicos com a alta dos preos, geraram-se pela concentrao dos recursos na tarefamineratria. A falta de gneros propiciou a primeira convergncia das atividades, at entoesparsas, e ensejou os grandes acampamentos ao longo dos rios. Esses primeiros ncleosabasteciam-se por tropas oriundas da Bahia, So Paulo e Rio de Janeiro.

    medida que escasseava o ouro de aluvio os mineradores, antes limitados a explorar oleito dos rios, passaram a procur-lo nos "tabuleiros", margem daqueles, onde abriram asprimeiras catas. Tal faina, j mais complexa, no conseguiu, contudo, fixar o homem;continuava-se a viver em acampamentos, abandonados to cedo quanto migravam as

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    catas.

    Durante cerca de trinta anos explorou-se, precipuamente, o ouro de lavagem e abriram-secatas nos tabuleiros. Os primeiros povoados viviam a fase embrionria, caracterizada pelocomrcio feito por tropas e com o concurso dos mascates que percorriam as reasmineratrias.

    Logo os exploradores comeavam a subir pelas encostas dos morros procura de ouronas aluvies de meia encosta,as chamadas "gupiaras". Somente a partir desse momento o

    trabalho tendeu a estabilizar-se. Seu denominador comum foram as primeiras "catas altas",verdadeiras lavras pelo movimento de terra nelas efetuado.

    No morro -- onde inicialmente apenas se trabalhava na poca das chuvas, pois, comoavanado, as guas avolumadas impossibilitavam a atividade junto aos rios --concentraram-se os trabalhos, que se multiplicaram como razo direta do esgotamento dosleitos dos rios.

    As exploraes na meia encosta necessitavam de gua, conduzida por canais que seestendiam por quilmetros. Instituiu-se, em 1720, o Regimento das guas e a Guardamoriapassou a conceder, tambm, datas de "guas minerais". Os regos, a contornar vales, aatravessar morros, a correr sobre extensos "andaimes" de pedra empilhada, eram

    verdadeiros aquedutos; os "mundus" reservatrios enormes -- apareciam como trabalhosde vulto a reclamar significativos investimentos em capital fixo. A explorao dasgrupiaras exigia estabilidade populacional e operava no sentido de consolidar os povoadosanteriormente esboados.

    A contar de 1720 restavam poucos descobertos a fazer nos rios. Os mineiros, semnecessitar de novas concesses, subiram pelas encostas dos vales, colocadas junto desuas datas, at atingir o alto dos morros. Os trabalhes vultosos que o ouro de montanhaexigia revelavam-se incompatveis com a atividade errante dos primeiros mineradores. Oshomens passaram a radicar-se terra. Organizava-se a sociedade e justia civil comeavaa firmar-se. Desde o fim da segunda dcada do Setecentos grande parte da populao dasMinas j no vivia nmade. A concentrao e a estabilidade dos trabalhos levaram ossenhores a construir suas casas prximo s mineraes e avolumou-se a constituio defamlias regulares.

    Junto das primeiras lavras, com o tempo, desapareceram as primitivas "casas de sopapo".Em seu lugar os mineradores levantaram seus casares. Paralelamente, estruturavam-seos povoados como centro de gravidade das zonas mais ricas, nos quais os tropeirospediam mais facilmente estabelecer-se como comerciantes; tais lugarejos definiam-secomo retaguarda imediata da lide mineratria. O local da primitiva Capela -- situada morroacima, bem vista das vrias mineraes -- j no servia come ncleo para as vilas emdesenvolvimento.

    O casario desceu para o vale procura de local mais apropriado ao seu crescimento. Emcada rea de maior densidade de minerao surgiu um ncleo urbano. Os senhores daslavras acabaram por instalar-se nesses povoados, embora continuassem a manter suasresidncias nas lavras. Os arraiais, originados da fixao do comrcio, cresceram com oduplicar das moradas.

    Como ressaltamos, o processo de povoamento verificado nas Gerais apresentoucaractersticas prprias. Do ponto de vista da urbanizao tratou-se de um fenmeno novona Colnia. Voltada precipuamente atividade exploratria, a populao -- quase todaconcentrada nos povoados que se organizaram junto s lavras --, ficava na dependnciados fornecimentos de produtos de subsistncia transportados de outros locais, quepassariam a depender da rea exploratria, na qual se constitua um mercado urbano

    vigoroso.

    Gilberto Freire assim reala o carter especfico da formao mineira: "Minas Gerais foioutra rea Colonial onde cedo se processou a diferenciao no sentido urbano. Nas minas,

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    o sculo XVIII de diferenciao intensa, s vezes em franco conflito com as tendnciaspara a integrao das atividades ou energias dispersas no sentido rural, Catlico,castiamente portugus." (62)

    Vemo-nos, pois, frente a um feixe de problemas: vida urbana caracterstica, diversificaode atividades, marcante presena do Estado, maior flexibilidade social, economia maisfortemente integrada, estabelecimento de interdependncia regional e conseqenteestruturao de significativo mercado interno. Estes elementos articularam-sepeculiarmente, dando origem a um sistema complexo do qual interessa-nos salientar, neste

    ponto de nosso trabalho, dois aspectos fundamentais: o carter urbano da formaomineira e o diversificado conjunto de atividades econmicas, em geral, e artesanais, emparticular, desenvolvidas na rea em apreo. A sociedade mineira, como j frisamos,"distingue-se da de outras reas. Nas agrcolas, impe-se a dicotomia de senhores eescravos, com mnimas possibilidades para os grupos mdios que se desenvolveminicialmente em Minas, pela diversificao econmica que leva a uma agricultura desubsistncia, a atividades artesanais e manufatureiras, a comrcio intenso, que tudo temque ser comprado. No h aqui a auto-suficincia das fazendas, de modo que ocomerciante indispensvel. O mesmo motivo -- economia mineratria -- explica oprocesso de urbanizao em Minas mais intenso que no resto do pais." (63)

    "J de desenvolvera, no af mineratrio, uma fisionomia mais prxima do urbano em

    Minas do que nas outras capitanias. Da um quadro mais diversificado de atividades, commaiores perspectivas de acesso a todos e menos discriminao entre setores: maispossveis os grupos mdios, conseqentemente com o funcionalismo, os artesos , oscomerciantes -- elementos indispensveis sociedade que se desenvolvera com aminerao."O carter urbano da formao mineira mesmo outra nota distintiva da Capitania.Enquanto em regies como o Rio, Bahia ou Pernambuco a explorao de certo produtoformava pequeno grupo em torno da fazenda, grupo que crescia lentamente, em Minas osagrupamentos humanos apresentavam logo certa densidade. Se a lavoura impunha olatifndio, a pecuria exigia espaos bem amplos para a sua expanso. No impunham aexistncia da cidade [...] Em regies de economia essencialmente rural, sob o domnio de

    um senhor quase verdadeiro patriarca, corpo e alma das fazendas que se mantinhamindependentes, o Estado foi presena menos absorvente, s vezes at mesmo entidadevaga. A cidade era secundria, pobre e destituda de luxo ou de conforto, cheia de perigose sem a relativa fartura dos ncleos rurais [...] Senhores e escravos viviam nos campos, eos grupos mdios, caractersticos das cidades eram reduzidos. Assim foi para todo o pas,com raras excees, at avanado o sculo XIX. J em Minas, a urbanizao foi notadistintiva. O comum no era o senhor todo-poderoso, mas o ncleo urbano, com a mquinaadministrativa bem instalada..."Apesar do alto nmero de escravos, haver ponderveis grupos mdios, constitudos defuncionrios, comerciantes, oficiais mecnicos." (64)

    A atividade exploratria operou, ainda, no sentido de articular, caracteristicamente, as

    relaes entre senhores e cativos. Embora fadados a existncia rdua e breve -- resultanteda labuta a que se os destinava -- podiam esquivar-se de muitos maus tratos dada apossibilidade de utilizarem, contra seus donos, a arma da denncia de fraudes fiscais;qualquer delao, mesmo infundada, podia causar srios transtornos.

    Por outro lado, o rendimento das lavras dependia, em grande parte, da diligncia e boavontade do trabalhador. Os escravos mais produtivos recebiam prmios: "h senhores que,ao fim de umas tantas gramas apuradas pelo negro, consentem que este trabalhe o restodo dia para o seu prprio proveito. Nos contratos diamantferos, o escravo que achar umdiamante de certo tamanho obtm a liberdade." (65)

    Em Minas, defrontamo-nos com realidade diversa daquela das reas voltadas

    precipuamente para a atividade agrcola. "Se bem que a base da economia mineira tambmseja o trabalho escravo, por sua organizao geral ela se diferencia amplamente daeconomia aucareira... a forma como se organiza o trabalho permite que o escravo tenhamaior iniciativa e que circule num meio social mais complexo... Muitos escravos chegam

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    mesmo a trabalhar por conta prpria, comprometendo-se a pagar periodicamente umaquantia fixa a seu dono, o que lhes abre a possibilidade de comprar a prpria liberdade."(66)

    Em face do nmero crescente de alforrias a Coroa adotou medidas visando a inibir talprtica. (67)

    Os mineradores viam-se, com respeito aos cativos, frente a situao dilemtica: por umlado tendiam a dispensar-lhes -- dadas as condies de trabalho -- bom tratamento, por

    outro, fazia-se necessria estrita vigilncia para evitar fugas. (68) Apresentavam, noentanto, via de regra, fcies branda, delegando aos capites do mato o lado antiptico daao repressora: "Os capites do mato, agindo por conta dos Governos das Cmaras,permitem que os senhores de lavra usem de certa liberalidade junto aos negros e assimconsigam, em troca, maior diligencia nos servios [...] nas vilas, as cadeias -- feitassobretudo para abrigar o escravo fujo espera de que o senhor o reclame, pagando aocapito do mato o devido pela captura -- tornam-se os maiores edifcios dentre o casario."(69)

    O ouro condicionava, igualmente, o tnus e ritmo da sociedade mineira. O prprio juzo quese alcanava da vida social e das instituies a ele relacionava-se; movimento similar d-secom respeito percepo do meio fsico circundante.

    A euforia gerada pelos novos e contnuos descobertos, pela afluncia , consubstanciaram-se, por exemplo, no Triunfo Eucarstico,(70) esfuziante smbolo da unidade de pensamentoe ao de uma comunidade rica e em processo de crescimento econmico. Nele, SimoFerreira Machado relata as festividades associadas inaugurao, em 1733, da nova matrizde Nossa Senhora do Pilar e a transferncia para ela da Eucaristia, depositada que estiveraem outra igreja. Quanto urbe (Ouro Preto) assim a via o cronista: "Nesta vila habitam oshomens de maior comrcio, cujo trfego e importncia excede sem comparao o maiordos maiores homens de Portugal: a ela, como a porto, se encaminham, e recolhem asgrandiosas somas de ouro de todas as minas na Real Casa da Moeda: nela residem oshomens de maiores letras, seculares, e eclesisticos: nela tem assento toda a nobreza, e

    fora da milcia; por situao da natureza cabea de toda a Amrica, pela opulncia dasriquezas a prola preciosa do Brasil." (71)

    J outro esprito nota-se no ureo Trono Episcopal, (72) relato da posse, em 1748, de DomFrei Manuel da Cruz como primeiro bispo da diocese de Mariana, criada que fora em 1745.O autor, annimo, pinta-nos o quadro das Minas Gerais nos meados do sculo XVIII: "...sem embargo de ser tanta a decadncia do mesmo pas, que por acaso se acha nelequem possa com o dispndio necessrio para a conservao de sua pessoa, e fbricas."(73)

    A crise aprofundava-se; em Toms Antnio Gonzaga (74) -- 1786/89 -- adverte-se, de umlado, nostalgia, por outro, revolta. (75) Com o ouro a esgotar-se, acabam a bonomia, o

    fastgio; resta a crtica dos costumes, das prticas, do sistema -- a Inconfidncia.

    A situao de outrora, do ouro aluvionrio, decantada:

    "Em quanto, Doretheo, a nossa ChileEm toda a parte tinha flor da terraExtensas, e abundantes minas de oiro......................................................................Ento, prezado amigo, em qualquer festaTirava liberal o bem SenadoDos cofres chapeados grossas barras." (76)

    Enquanto as dvidas para com a Coroa aumentavam, os exatores mostravam-se maisinflexveis:

    "Pretende, Dorotheo, o nosso chefe

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    Mostrar um grande zelo nas cobranasDo imenso cabedal, que todo o povoAos cofres do Monarca, est devendo:Envia bons soldados s Comarcas,E manda-lhes, que cobrem, ou que metamA quantos no pagarem nas Cadeias." (77)

    O encanto chegara ao fim, Vila Rica -- "pela opulncia das riquezas a prola preciosa doBrasil" -- transformara-se em pobre Aldeia" (78), "terra decadente", (79) "Humilde povoado,

    onde os Grandes/Moram em casas de madeira a pique." (80)

    Depois de trs dcadas de intensa produo aurfera, no meado do sculo XVIII, as minascomearam a exaurir-se. O produto das jazidas v-se reduzido, a Coroa, por seu lado,negava-se a reformular a sistemtica tributria.

    Nas minas, exploravam-se os depsitos superficiais rapidamente esgotveis. As reservasde aluvio extinguiam-se com brevidade; nos morros chegava-se rocha dura. Para ostrabalhos subterrneos, a nosso ver de duvidosa rentabilidade -- faltavam capitais e,sobretudo, tcnicas. No ltimo quartel do sculo XVIII a decadncia generalizou-se. Osmineiros passaram a procurar as poucas reas de terra frtil na regio das Minas oudirigiram-se para leste -- Zona da Mata, de terras mais ricas --, para as reas de plantio do

    sul ou demandaram os campos criatrios situados a oeste. Superava-se uma fase da vidaeconmica colonial, as atenes voltavam-se, redobradamente, para a atividade agrcola.(81)

    convergncia populacional seguia-se a dispora: "A propsito, impe-se lembrar aobservao j tantas vezes feita de que o povoamento do territrio mineiro centrfugo -- apopulao irradiou-se partindo do centro para a periferia. Na nsia de enriquecimento fcil ,os homens vieram em grande nmero para as minas, do Norte, de Leste, do Sul, passarampor terras incultas, cobrindo extenses em busca do centro. S maus e raros caminhosproporcionavam ligao com os ncleos populacionais do pas. E do centro sedispersaram, em movimento natural de expanso, para outras terras, no exerccio da

    mesma atividade eu de outros trabalhos." (82)Justifica, o supradito, nossas assertivas sobre os condicionantes que estruturaram aocupao e povoamento das Gerais: as formas de ocorrncia do ouro e pedras preciosas,os mtodos empregados para se os extrair, o meio geogrfico e a disponibilidade defatores produtivos.

    A poltica aurvora da Coroa visou a instalar no Brasil um sistema cujo funcionamentogarantisse carrear para a Metrpole o mximo possvel de ouro e pedras preciosas no maiscurto espao de tempo. A prpria "concorrncia" estabelecida entre os mineradores -- deresto por sua auricdia, participantes vidos do esquema montado -- viabilizou aimplementao da aludida poltica. Num primeiro momento os mineiros aplicaram-se com

    denodo inaudito na cata do ouro -- transferido quase todo para Portugal. Depois, noperodo da decadncia, deitaram a perder a maior parte das economias amealhadas na fasede fastgio, deixando-as esvarem-se nos gastos efetuados em busca de novos camposaurferos.

    A pobreza a que se viram reduzidos os mineradores, a decadncia rpida, o fato de aminerao mostrar-se como "aventura passageira que mal tocava um ponto paraabandon-lo logo em seguida e passar adiante. E esta a causa principal por que, apesarda riqueza relativamente avultada que produziu, drenada alis toda para fora do pas,deixou to poucos vestgios, a no ser a prodigiosa destruio de recursos naturais quesemeou pelos distritos mineradores, e que ainda hoje fere a vista do observador" (83),come afirmou Caio Prado Jnior, a inexistncia de obras de vulto como anotou Roberto C.

    Simonsen -- "Ouro Preto, Diamantina, Mariana e tantas outras cidades mineiras, ostentamvestgios de um passado grandioso e curto, demonstrando pela modstia das obras dearte remanescentes que no houve o tempo necessrio para que a sociedade alcanasseali suficiente evoluo progressista." (84) --, as montanhas de cascalho, as terras incultas,

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    os montes carcomidos que tanto chocaram os visitantes estrangeiros do incio do sculoXIX, enfim, os restos das Minas e a exinanio dos mineradores, a nosso ver, provamdecisivamente o xito da Coroa em implantar um sistema que despojasse a Colnia desuas riquezas minerais. (85)

    * * *

    A matriz socioeconmica comum aos centros mineratrios -- referida na introduo destetrabalho e para a qual advogamos papel fundamental na gnese destes ltimos -- deriva-se

    da interao dos fatores condicionantes ora explicitados. Esperamos, pois, no correr desteestudo, com base em elementos empricos, verificar at que ponto tal nascedouro genricoatuou no sentido de configurar estruturas populacionais basicamente semelhantes nosvrios ncleos aqui considerados. Paralelamente, procuraremos lanar luz sobre asdessemelhanas observadas, de sorte a compormos quadro abrangente que nos permitaabrir perspectivas para o melhor entendimento do processe formativo da populao dasvrias localidades, em particular, e de Minas, em geral.

    CAPITULO II

    PANORAMA DAS GERAIS NAS PRIMCIAS DO SCULO XIX (1)

    Catas Altas, Inficionado e grande nmero de outras povoaes dos distritos aurferos daProvncia de Minas, foram edificadas com muito mais esmero do que a maioria das que sevem em Frana e mesmo na Alemanha; foram outrora ricas e prsperas, mas atualmenteno apresentam, como toda a zona circunjacente, seno o espetculo do abandono e dadecadncia. (2)

    Auguste de Saint-Hilaire - 1816

    Parece-nos imperioso -- antes de analisarmos os levantamentos populacionais que nosocupam -- esboarmos o perfil da regio em estudo como se apresentava no incio dosculo passado.

    O quadro da rea mineratria da Capitania ao abrir-se o sculo XIX revelava-se desolador.Superada a "febre" do ouro a economia estagnou-se e apresentava-se, nos ncleosurbanos, franca recesso populacional.

    Como disse Saint-Hilaire: "A historia das povoaes que tiveram origem na presena doouro sempre a mesma. Florescem enquanto as minas foram ricas ou fceis de explorar;quando se esgotam, os habitantes retiram-se para outra parte." (3)

    Centremos nossa ateno no eixo Vila Rica-Mariana que espelhava, na poca, as condiesdos demais ncleos, outrora cheios de vigor e plenos de febricitante atividade. Nos seusarredores descortinavam-se campos desertos, sem lavouras ou rebanhos.

    Dos morros, esgaravatados at a rocha, eliminara-se a vida vegetal; restavam montes decascalho e casas, na maioria, em runas.

    A pobreza dos habitantes remanescentes, a existncia de ruas inteiras quase abandonadasprovocavam imediata admirao nos visitantes que passavam por Vila Rica. Das duas milcasas -- na maioria construdas de barro e mal conservadas, a atestar os parcos recursosde seus donos --, quantidade considervel no estava ocupada, o aluguel mostrava-se

    cadente e nas transaes imobilirias observava-se grande queda de preos. A populaoque, segundo Saint-Hilaire, alcanara vinte mil pessoas, reduzira-se a oito milhares; talquebra no nmero de habitantes teria sido ainda maior, no fosse Vila Rica cabea dacapitania, centro poltico-administrativo e residncia de um regimento.

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    A acompanhar a decadncia geral deteriorava-se a assistncia educacional e hospitalar. OSeminrio de Mariana, fundado por mineiros ricos para educar seus filhos sem que fossenecessrio envi-los Europa, no conseguia sobreviver crise, as terras que a entidadepossua esgotaram-se, os escravos morreram; os mineradores, cuja riqueza minguara,no mais podiam sustentar o educandrio. Segundo o autor citado, "era o momento de asautoridades eclesisticas e civis se reunirem para vir em socorro de um estabelecimentoto til provncia... porm... achou-se mais cmodo fechar o seminrio. (4) Ainda a referir-se a Mariana acrescentava: "Morros bastante elevados, outrora cobertos de matas e hoje

    em dia reduzidos a magras pastagens, dominam a cidade por todos os lados, e apresentamem vrios lugares os vestgios de trabalhos de minerao." (5) Tais morros apresentavam-se estreis e incultos, os gneros consumidos na cidade provinham de locais distantes.Diz, ainda, o mesmo autor: "Hoje em dia no existem em torno de Mariana mais que quatrolavras em explorao; mas a gente pobre vai procurar no leito dos crregos as parcelas deouro que as enxurradas levam em seu meio."O comercio dessa cidade limita-se ao consumo interno; existem poucas lojas, e apenasdois ou trs comerciantes ricos. (6)" "Mariana ... como j disse, no s a sede de umacircunscrio judiciria, como, ainda, de uma diocese, e isso, unicamente, que impede acidade de cair em completa decadncia." (7)

    O mesmo autor deplorava, ainda, que -- numa capitania onde despendera-se grande soma

    de dinheiro na ereo de templos religiosos -- o nico hospital fosse mantido pelaIrmandade de Misericrdia. (8)

    A atividade manufatureira, proibida durante largo espao de tempo, revelava-se tmida.Existiam em Vila Rica e suas proximidades to-somente a manufatura de plvora,pertencente ao governo, e uma fabrica de loua, estabelecida a pequena distncia da vila.

    Ao que parece, o comrcio e atividades artesanais compunham os elementos desustentao econmica de Vila Rica. Conforme John Mawe, poucos habitantes, excetuadosos lojistas, tinham de que se ocupar; as casas comerciais voltadas para a venda dosprodutos da rea revelavam-se pobres e em pequeno nmero. Existia, como j referimos e

    ficar patenteado no correr deste trabalho, quantidade substancial de artesos: alfaiates,costureiras, sapateiros, latoeiros, seleiros etc.

    Por outro lado, a lavoura, atividade a ressurgir, no se desenvolveu em decorrncia, ao queparece, do despreparo e mentalidade do colonizador.

    No devemos afastar, aqui, o possvel europocentrismo que informava as opinies dosviajantes estrangeiros no referente s crticas tecidas aos coloniais. (9) Segundo taisvisitantes, o desemprego, em Vila Rica, decorria do desprezo dos habitantes pela "belaregio que os cerca"; as terras, caso devidamente cultivadas, compensariam comgenerosidade o esforo despendido. Conforme diagnosticaram, a educao, hbitos epreconceitos hereditrios tornaram os coloniais inaptos para a vida ativa. A perspectiva do

    enriquecimento sbito, devido ao acaso, operaria no sentido de afrouxar a capacidadeprodutiva. Por outro lado, mostrar-se-ia generalizada a incapacidade gerencial dos donosde escravos. Segundo John Mawe, "os negros constituem sua principal propriedade e eleos dirige to mal que os lucros do trabalho deles raramente compensam as despesas desua manuteno; com o decorrer do tempo tornam-se velhos e incapazes de trabalhar;ainda assim o senhor continua a viver na mesma negligncia e na ociosidade [...] Estadegenerao deplorvel constitui o trao caracterstico da maior parte dos descendentesdos primeiros colonos; todas as espcies de indstria esto nas mos ou dos mulatos oudos negros; estas duas classes de homens parecem exceder em inteligncia a seussenhores, porque fazem melhor uso dessa faculdade." (10)

    Na opinio do autor supracitado a rea oferecia condies favorveis a varias culturas:

    pereira, oliveira, amoreira, vinha, milho e trigo. O gado, por sua vez, se bem tratado efornido de alimentao adequada, propiciaria o estabelecimento de promissora industria delaticinios.

  • 7/31/2019 Livro 3 - Populacoes Mineiras Parte 1

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    Nosso propsito, enunciado no incio deste captulo, no apresentar o balano minuciosodas causas da decadncia econmica da rea mineratria. No entanto, permitimo-nos,como mera conjectura, arrolar os principais condicionantes do aludido recesso. A nossover o empobrecimento da regio em apreo deveu-se a um conjunto de fatores exaustodos depsitos aurferos mais ricos (11) somaram-se o meio fsico relativamente adverso, ainexistncia de mercados significativos e boas vias de transportes, (12) o despreparo no

    referente a tcnicas mais sofisticadas para amanhar as terras, bem como a mentalidade docolonizador que desprezava o trabalho manual e rotineiro.

    Tais condies compeliram os mineiros seguinte alternativa: demandar novas reas,onde predominariam por muito tempo as atividades de subsistncia, ou permanecer nosantigos centros, a testemunhar o irremissvel apoucamento econmico.

    Nesse quadro movimentavam-se, a