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Livro Anual de Psicanâlise xiv - 2000 International Journal of Psycho-Analysis EDITORA ESCUTA LTDA. Rua Dr. Homem de Mello, 351 05007-001 Sâo Paulo, SP Telefax: 55 11 3865-8950 / 3672-8345 / 3675-1190 E-mail: [email protected] w w w .geocities .com/HotSprings/Villa/3170/escuta.htm

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Livro Anual de Psicanâlisexiv - 2000

International Journal of Psycho-Analysis

EDITORA ESCUTA LTDA.Rua Dr. Homem de Mello, 351

05007-001 Sâo Paulo, SP Telefax: 55 11 3865-8950 / 3672-8345 / 3675-1190

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Ünica ediçâo em português autorizada pela The British Psycho-Analytical Society, Londres © desta ediçâo em português The British Psycho-Analytical SocietyDireitos exclusivos de ediçâo para todos os paises de lfngua portuguesa e outros idiomas.Institute of Psycho-Analysis 63 New Cavendish Street Londres WIM 7RD InglaterraTelefax: 171-323-5312E-mail [email protected]

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Primeira ediçâo, 2000Composto pela Editora Escuta

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Publicado no Brasil pela Editora Escuta Ltda.Rua Dr. Homem de Mello, 351 05007-001 Sâo Paulo, SP BrasilTelefax: 55 11 3865-8950 / 3672-8345 / 3675-1190 E-mail: [email protected]/HotSprings/Villa/3170/escuta.htm

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Livro Anual de Psicanâlise (2000) XIV, 197-214

MECANISMOS NAO-INTERPRETATIVOS NA TERAPIA PSICANALITICA*

“ALGO MAIS” ALÉM DA INTERPRETAÇÂOGRUPO DE ESTUDOS DO PROCESSO DE MUDANÇA

D a n ie l N. S t e r n , L o u is w . S a n d e r , J erem y P. N ahum , A le x a n d r a M. H a r r is o n , K a r le n L y o n s -R u th , A le c C. M o r g a n , N a d ia B r u s c h w e i le r - S t e r n

E EDWUARD Z. TRONICK, BOSTON, MA

INTRODUÇÂOComo se efetuam as mudanças, nas terapias

psicanalfticas? Existe bastante consenso de que, para tomar o inconsciente consciente, é preciso algo mais além da interpretaçâo. A discussâo do que seja esse algo mais dériva de varias perspec- tivas, envolvendo diferentes polaridades, em que o algo mais tomou a forma de atos psicologicos versus palavras psicolôgicas; de mudança de es- truturas psicolôgicas versus desfazer a repressâo e tomar consciente; de uma relaçâo mutativa com o terapeuta versus conhecimento mutativo para o paciente. Desde o inicio do movimento até o présente, muitos autores abordaram, direta ou in- diretamente, essas questôes (Ferenczi & Rank, 1924; Fenichel et al., 1941; Greenson, 1967; Loewald, 1971; Sterba, 1940; Strachey, 1934; Winnicott, 1957; Zetzel, 1956). Mais recente- m ente, as m esm as q u estô es estâo sen do reconsideradas por Ehrenberg (1 9 9 2 ), G ill (1994), Greenberg (1996), Lachmann & Beebe (1996), Mitchell (1995), Sandler (1987), Schwa- ber (1996) e Stolorow et al. (1994).

Este artigo apresentarâ uma nova compreen- sâo do algo mais, uma tentativa de mostrar aonde e como ele âge na relaçâo terapêutica. Para tan- to, aplicaremos a perspectiva do desenvolvimento ao material clinico.

Hâ certa evidência, sem muita precisâo cien- tifica, de que a maioria do pacientes, depois de

' terminar um tratamento bem-sucedido, tende a lembrar de duas espécies de eventos nodais, que acreditam tê-los feito mudar. Uma se référé às interpretaçôes-chave, que reorganizaram a paisa- gem interna. Outra, diz respeito aos “momentos” especiais de ligaçâo autêntica de pessoa-a-pessoa (definido abaixo) com o terapeuta, que alterou a relaçâo com este e conseqüentemente a autoper- cepçâo do paciente. Esses relatos sugerem que muitas terapias fracassaram ou foram interrom- pidas, nâo em virtude de interpretaçôes incorretas ou nâo aceitas, mas por causa da falta de opor- tunidade de uma ligaçâo signifîcativa entre as duas pessoas. Embora nâo possamos afirmar que haja uma correlaçâo um a um entre a qualidade do que a pessoa lembra e a natureza do resulta- do terapêutico, também nâo podemos rejeitar o fato de que tanto os momentos de encontro au- têntico quanto o fracasso desses encontros sejam freqüentemente lembrados, com muita clareza, como os principais fatores do tratamento.

O présente artigo diferenciarâ esses dois fenômenos mutativos: a interpretaçâo e o “mo- mento de encontro”. Também indagarâ em que âm- bito da relaçâo terapêutica esses dois eventos mu­tativos ocoirem. Ainda que as interpretaçôes e os “momento de encontro” possam atuar juntos, possibilitando o surgimento ou o reforço um do ou- tro, um nâo é explicâvel em termos do outro. Ne- nhum ocupa lugar privilegiado como explicaçâo da mudança. Permanecem fenômenos separados.

* Este artigo é um trabglho em andamento. Pedidos de pré- ou de republicaçôes devem ser dirigidos a: Grupo de Estudos do Processo de Mudança, aos cuidados de E. Z. Tronick, Children’s Hospital, 300 Longwood Ave., Boston, MA 02115. Este artigo foi selecionado para o grupo de discussâo na pagina do IJPA da Internet e no Bulletin Board. Para detalhes, ver: hpttp://www.ijpa.org.

Isso é a mudança?
O algo mais (o que proporciona a mudança) decorre deste momento do encontro autêntico
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198 GRUPO DE ESTUDOS DO PROCESSO DE MUDANÇA

Mesmo os analistas que acreditam na prima- zia da interpretaçâo concordarâo prontamente que, com o regra, boas interpretaçôes requerem preparaçâo e trazem consigo o algo mais. Um problema dessa visâo inclusiva da interpretaçâo é que deixa inexplorada que parte da atividade interpretativa ampliada é, de fato, o algo mais, e que parte é insight puro via interpretaçâo. Sem uma distinçâo clara, toma-se impossivel explo- rar quanto elas se relacionam conceitualmente ou sâo muito diferentes.

Nâo obstante, nâo desejam os estabelecer uma falsa competiçâo entré esses dois eventos mutativos. Eles sâo complementares. Ao contra­rio, queremos explorar o algo mais por nâo ser tâo bem compreendido.

Apresentaremos uma estrutura conceitual para compreender esse algo mais e descrevere- m os onde e com o fu n cio n a (ver tam bém , Tronick, 1998). Primeiro, fazemos uma distinçâo entre mudanças terapêuticas em dois âmbitos: o declarativo ou consciente verbal e o processual im plicito ou âmbito relacional (ver Clyman, 1991; Lyons-Ruth, no prelo). A seguir, usaremos uma perspectiva teorica derivada de um modelo de sistemas dinâm icos de mudanças do desen- v o lv im en to para o p ro cesso de m udança terapêutica. Esse modelo é adequado para a ex- ploraçâo dos p ro ce sso s de proced im en to implicito que ocorrem entre os participantes de um relacionamento.

U m a A b o r d a g e m d o P r o blem a\Nossa abordagem baseia-se em idéias récen­

tes de estudos do desenvolvimento da interaçâo mâe-bebê e de estudos de sistem as dinâmicos nâo lineares, e a relaçâo deles com fatos men­tais. Essas perspectivas serâo a base para a ela- boraçâo do nosso ponto de vista sobre o aigô mais da psicoterapia psicanalftica. que envolvê atracar-se com noçôes tais como “momentos de encontre", a relaçfo “real” e autenticiclacle. Àprg^ sentamos aqui uma revisâo conceptual para as seçôes sobre os processos de desenvolvimento e terapêuticos.

O algo mais deve ser diferenciado de outros processos em psicanâlise. Nas psicoterapias di- nâmicas sâo construfdos e reorganizados pelo menos dois tipos de conhecimento, dois tipos de

representaçôes e dois tipos de memoria. Um é explfcito fdeclarativol e o outro é implicito (pro­cessual). Ainda esta por determinar se sâo, de fato,~dÔis fenômenos mentais diferentes. Neste estâgio, entretanto, acreditamos que parapesqui- sa mais abrangente é preciso que sejam estudados separadamente.

O conhecim ento declarativo é explfcito e consciente ou se torna consciente rapidamente. É representado simbolicamente de forma imagé- tica ou verbal. É o material do conteüdo das in­terpretaçôes que alteram a compreensâo consciente da organizaçâo intrapsiquica do paciente. Histo- ricamente, a interpretaçâo esta vinculada à dinâ- mica intrapsiquica e nâo as regras implfcitas que govemam as transaçôes da pessoa com os outros. A t u a l m m t e T e s s ^ ~

Por outro lado, o conhecimento processual dos relacionamentos é implicito, operando fora da atençâo focal e da experiência verbal cons­ciente. Esse conhecimento é representado de for­ma nâo sim bôlica pelo que cham arem os de conhecimento relacional implicito. A maior parte da literatura sobre conhecimento processual con­siste em conhecer as interaçôes entre o nosso cor- po e o mundo inanimado (ex. andar de bicicleta). Existe outro tipo, que consiste em saber sobre as relaçôes interpessoais e intersubjetivas, isto é, como “estar com” alguém (Stem, 1985, 1995). Por exem plo, logo no infcio da vida, o bebê aprende a conhecer que formas de abordagem afetiva os pais receberâo bem ou rejeitarâo, tal como descrito na literatura sobre apego (Lyons- Ruth, 1991). Esse segundo tipo é o que estamos chamando de conhecimento relacional implicito. Esses conhecimentos mtegram afeto, cogniçâo e (jjmftnsôes interativas comportamentais. Podem permanecer fora da consciência como o “conhe- cido nâo-pensado” de Bollas (1987) ou o “pas- sado in co n sc ien te” de Sandler (Sandler & Fonagy, 1997), mas também podem formar a base do que mais tarde poderâ ser representado simbolicamente.

Em resumo, o conhecimento declarativo é obtido ou adquirido por meio das interpretaçôes i verbais, que alteram a compreensâo intrapsiqui­ca do p ac ien te no co n tex to da relaçâo “psicanalftica”, geralmente transferencial. O co-j nhecimento relacional implicito, por outro lado,

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MECANISMOS NÂO-INTERPRETATIVOS NA TERAPIA PSICANALITICA 199

ocorre por meio de processos “interativos, inter- subjetivos”, que alteram o 'campcTrelacional nô contexto do que chamaremos de ‘ïelaçâo com- partilhada implfcita”.

A natureza do “conhecimento relacional implicito ”

Conhecimento relacional implicito tem sido um conceito essen cia l na p sico lo g ia do desen- volvimento dos bebês antes da aquisiçâo da lin- guagem (p ré-verb a is). A s o b serv a çô es e experimentos sugerem expressivamente que os bebês interagem com os cuidadores na base de grande quantidade de conhecimento relacional.

Eles demonstram antecipaçâo e expectativas, ma- nifestando surpresa ou desconforto com as vio- laçôes da expectativa (Sander, 1988; Trevarthen, 1979; Tronick et al., 1978). Além do mais, esse conhecimento implicito é registrado em represen- taçôes dos eventos interpessoais de forma nâo simbôlica. comecando no primeiro ano dé vida! Isso é évidente nâo apenas em suas expectatives", mas também na generalizaçâo de certos padrôes interativos (Stem , 1985; Beebe & Lachmann, 1988; Lyons-Ruth, 1991).

Estudos sobre desenvolvim ento, de vârios dos autores (Stem , 1985, 1995; Sander, 1962, 1988; Tronick & Cohn, 1989; Lyons-Ruth & Ja- cobovitz, no prelo), assinalaram um processo constante de negociaçâo, ao longo dos primeiros anos de vida, envolvendo uma seqüência de ta- refas adaptativas entre o bebê e o ambiente que cuida. A configuraçâo singular das estratëglâs adaptativas que surge dessa seqüência, em cada

jndivfduo, constitui a organizaçâo inicial do seu âmbito de conhecim ento relacional im plicito. Vârios termos diferentes e variaçôes conceptuais foram propostos, cada quai dando conta de fe- nômenôs relacionais um pouco diferentes. Isso inclui os “modelos de trabalho intem o” do ape- go de Bowlby (1973) e os “roteiros relacionais” de Trevarthen (1993), entre outros. Uma descri- çâo form ai de com o essa s estra tég ia s sâo representadas permanece um campo produtivo de pesquisa.

O conhecimento relacional implicito dificil- mente é ünico para o bebê pré-simbôlico. Uma vasta lista de conhecimentos implicites a respei- to das muitas maneiras de estar com ôs“ôütros

continua ao longo da vida, inclusive muitas das maneiras de estar com o terapeuta, que chama- mos de transferência. Freqüentemente, esses1.11 I | W nmnfvranci>i ----1— tfw r X

conhecimentos sâo representados de forma nâo simbôlica, mas nâo necessariamente sâo incons­cientes do ponto de vista dinâmico, no sentido de estarem excluidos da consciência pelas defe- sas. A creditam os que muitas interpretaçôes transferenciais estarâo disponiveis, a partir dos dados coletados pelo analista sobre os conheci­m entos relacionais do paciente. Um exem plo prototfpico é relatado por Guntrip (1975), sobre o final da primeira sessâo dele com Winnicott. Winnicott disse: “Nâo tenho nada a dizer, mas tenho receio de que se eu nâo disser alguma coi- sa, você pensarâ que nâo estou aqui”.

Como sâo vivenciadas as mudanças no “conhecimento relacional im plicito”

Uma caracteristica da teoria dos sistemas di- nâmicos, relevante para o nosso estudo, é o prin- cipio da auto-organizaçâo. Aplicando o princfpio da auto-organizaçâo à organizaçâo mental huma- na^odem<^afirmar ^e^lîajïïseî^ a ^ ^ ln a^ l- nâmica oposta, a mente tenderâ a usar todas as vanaçoes e mudanças no ambiente mtersuDjeti- vo para criar conhecimento relacional implicito cada vez mais coerente. No tratamento, isso in­duira o que cada membro entende que seja a sua prôpria experiência da relaçâo, e a do outro, mes- mo que a relaçâo intersubjetiva em si nâo seja submetida a escrutfnio terapêutico, isto é, perma- neça implfcita. Assim com o uma interpretaçâo é o evento terapcutico que reorganiza o conheci­mento dcclarativo consciente do paciente, propo- m os que o que cham am os de “m om ento de encontro” é o evento que reorganiza o conheci- mento implicito relacional, tanto para o pacien­te quanto para o analista. E neste sentido que o ^^momento” adquire impôrtância cardeal como uruBade bâsica da mudança subjetiva no âmbito do “conhecimento relacional im plicito”/Q u an - do ocorre uma mudança no ambiente intersubje- tivo, esta terâ sido precipitada por cm “momento de encontro”. A mudança sera sentida e o am- biente recentem ente alterado funciona com o novo contexto efetivo, em que as açôes mentais subseqüentes ocorrerâo e serâo modeladas e os eventos passados reorganizados. A relaçâo impli-

Será que se trata mesmo de adaptação? Não seria exatamente como processos de conexão/agenciamento/relação que se produzem nessas negociações? (A adaptação pressupõe um fim ou meta prévia à negociação, mas como seria isso possível numa etapa pré verbal da infância?)
Não seriam estratégias de composição de relações que produzem a organização subjetiva da criança neste estágio pré verbal?
Seriam mesmo passíveis de serem representadas? Talvez a cartografia seja aqui mais apta a pensar este tipo de conhecimento implícito....
Como poderiam estar fora da consciência em função de defesas num estágio pré verbal? Penso que esta questão não se coloca nesta fase da vida psíquica!
A coerência aqui seria como uma espécie de hábito, tal como Hume pensou, assim como Ravaisson e Bergson.
O encontro possibilita a alto-organização psíquica, ou melhor, opera a tendência de organização das relações intersubjetivas a partir de signos a-significantes.
A mudança inicial é no ambiente relacional, não do próprio psiquismo do paciente. Consequentemente, haverá a reorganização do psiquismo.
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200 GRUPO DE ESTUDOS DO PROCESSO DE MUDANÇA

citamente conhecida foi alterada, mudando assim as açôes mentais e os comportamentos que se or- ganizam nesse contexto diferente.

O conceito de que novos contextos levam a novas organizaçôes dos elementos constitutivos de um sistema é um dogma das teorias gérais de sistemas. Uma ilustraçâo do mesmo principio vinda das neurociências é a de Freeman (1994). Ele descreve a maneira pela quai os estimulos neuronais ativados por diferentes odores criam um padrâo espacial diferente. Quando se entra em contato com um novo odor, nâo apenas se es- tabelece seu padrâo ünico, mas os padrôes para todos os odores previamente estabelecidos se al- teram. Hâ um novo contexto olfativo e cada elemento preexistente sofre uma mudança.

A idéia de um “momento de encontro” sur- giu do estudo do processo adaptativo no desenvol- vimento (Sander, 1962,1967,1987;Nahun, 1994). Esses m om entos foram considerados centrais para prom over m odificaçôes e reorganizaçâo no organismo. Acreditamos que a idéia de “in- f terpretaçâo no momento adeouado” também é uma tentativa de abarcar aspectos desta idéia.

Uma caracteristica subjetiva importante de mudança no conhecimento relacional implicito é que esta sera sentida com o uma subita mudança qualitativa. E por isso que o “momento ’ é tâo im­portante em nosso pensamento. O “m om ento”, como noçâo, apreende a vivêncïa subietiva~de uma mudança subita no conhecim ento relacio­nal implicito, tanto para o anaiista qüafttO parà crpaciente. Discutiremos isso em maior detalhe adiante.

Clinicamente, o aspecto mais intéressante do ambiente intersubjetivo entre paciente e anaiista é o conhecimento mutuo do que se passa na men­te do outro, no que diz respeito à natureza e es- tado atual do relacionamento deles. Pode incluir muitos estados de ativaçâo, afeto, sentimento, excitaçâo, desejo, crença, motivo ou conteüdo de pensamento em qualquer combinaçâo. Esses es­tados podem ser transitôrios ou duradouros, como contexto mutuo. Um ambiente intersubje­tivo prevalecente é compartilhado. O comparti- lham ento p od e ser ainda m ais va lid a d o e ratificado mutuamente. N o entanto, o conheci­mento compartilhado sobre a relaçâo pode per- manecer implicito.

Perspectivas d o D e se n v o l v im e n t o n o Pr o c e sso d e M u d a n ç a

Como os bebês sâo os seres humanos que mais rapidamente mudam, é natural querer com- preender os processos de'mudança no~ïïësenvoT-’ vim en to por sua re lev â n c ia na m udança terapêutica. E de particular relevância o ponto de vista amplamente aceito de que apesar da matu- raçâo neurologica, as novas capacidades reque- rem um ambiente intersubjetivo interativo para serem adquiridas de forma adequada. N esse am- fiiente ra maior parted o tempo em que o bebê e os pais estâo juntos é utilizada nas regulaçôes ati- vas mütuas do seu e stado e o do outro, a serviço de algïïm objetivo oiniïïâTi dade ." ParTmalores ex- plicaçôes do modelo de regulaçâo mütua e dos conceitos que o sustentam, ver Tronick (1989) e Gianino & Tronick (1988). As noçôes-chave que elaboram essa visâo gérai vêm a seguir.

O estado de regulaçâo mütua é a atividade conjunta central

“Estado” é um conceito que apreende a or- ganizaçâo semi-estâvel do organismo como um todo num momento dado. Como Tronick (1989) argumêntou, o estadcTde regulaçâo diâdica entre dnas-pessoas, hase.ado na microtroca de informa- çâo por meio dos sistemas perceptivos e afetivos, desenvolve-se na medida em que sâo aceitos e correspondidos pela mâe e pelo bebê, ao longo do tempo. Inicialmente, os estados que precisam ser regulados sâo fome, sono, atividade ciclica, excitaçâo e contato social; logo a seguir^o nfvel de), alegria ou outros estados afetivos. (o nfvel de) ativaçâo ou excitaçâo, exploraçâo, apego e atribuiçâo de significados; e, finalmente, quase todas as formas de estados de organizaçâo, in- cluindo as mentais, fisiolôgicas e de motivaçâo. Regulaçâo in c lu i am pliaf, ordenar, elaborar, çonstruir, bem como voltar ao um eaüilibrio prê- estabelecido. A acuidade com que a pessoa que cuida apreende o estado do bebê, a especificida- de do seu reconhecimento, determinarâ, entre outros fatores, a natureza e o grau de coerência da vivência do bebê. O ajustamento dâ direçâo compartilhada e aiuda aTdetermmar a natureza e as,_qualidades das caracteristicas que surgem. A regulaçâo mutua nâo implica simetria entre as

As neurociências se preocupam apenas com a criação e substituição de padrões. Assim, o tudo o que escapa ou não se enquadra no padrão é excluído ou negligenciado, como se não operasse no psiquismo... esse é o problema ou o limite das neurociências!
Resta saberia como se dá essa apreensão da mudança...
Que tipo de conhecimento é esse?
O que seriam essas novas capacidades? Seriam novas nelas mesmas ou adequadas a novas situações?
As condições da relação pais-bebê são completamente diversas da relação terapeuta-paciente! Aqui a visada é explicitamente adaptativa.
O que ele entende por informação? Qual a qualidade desta troca?
A regulação é uma noção adaptativa que predomina na relação do bebê com aquele que cuida dele.Implica na conquista de um equilíbrio, novo ou perdido.Organização = Equilíbrio
Como se daria essa acuidade na apreensão do estado do bebê?Seria científica ou mais intuitiva?
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MECANISMOS NÂO-INTERPRETATIVOS NA TER API A PSICANALITIC A 201

pessoas que interagem, apenas que a influência primeira é ffsica e/ou fisiolôgica, e é alcançada 'e'H direcional. Cada um dos protagonistas traz por meio das açôes que propiciam um ajuste dosua historia para a interaçâo, modelando assim comportamento dos dois participantes, tal comoas manobras adaptativas possiveis para cada um. posicionar e segurar o bebê para alimentâ-lo, porConceitos correntes provindos dos estudos do parte da pessoa que cuida, juntam ente com odesenvolvimento sugerem que o bebê intemali-\ sugar e engolir por parte do bebê; ou, um altoza o processo de regulaçâo mütua, nâo o obietol fW v e l de estimulaçâo facial e vocal da parte doem si ou partes de objetos (Beebe & Lachmann,c?ficuidador durante a brincadeira face a face, jun- 1988, 1994; Stern, 19885, 1995; Tronick & -^tam ente com um alto nivel de ativaçâo prazero- Weinber, 1997). A regulaçâo continua envolve a üSa e expressividade facial do bebê. A segunda,repetiçâo de vivências seqüenciais, fazendo sur­gir expectativas e, assim , torna-se a base do conhecimento relacional implicito (Lyons-Ruth, 1991; Nanhum, 1994; Sander, 1962, 1983; Stern,1985, 1995; Tronick, 1989).

A regulaçâo é dirigida pelo objetivoNa maior parte do tempo, os processos de

regulaçâo mütua em direçâo a um objetivo nâo sâo simples, diretos, nem transcorrem suavemen- te (Tronick, 1989). Idealmente, nâo esperariamos nem desejariamos que assim fosse. Ao contrario, eles demandam constante esforço e negociaçâo, experiência de falta e de reparaçâo, correçôes no meio do caminho, construçôes, permanência ou volta a um padrâo de equilfbrio. Isso requer per- sistência, tanto quanto tolerância a falhas por parte dos dois participantes. (Certamente o tra- balho é assimétrico, sendo que na maioria das situaçôes a pessoa que cuida faz a parte do leâo.) A esse processo temporal de ensaio e erro, de movimento na direçâo gérai dos objetivos, e tam­bém de identificaçâo e de concordância com esses objetivos, chamaremos de “movimenta- çâo”, para apreender a natureza comum continua do processo, bem como sua divergência de uma via estreita e direta em direçâo ao objetivo. Às vezes, o objetivo esta claro e a diade pode mo- vimentar-se ativamente, com o quando a fom e pede alimentaçâo. As vezes, um objetivo nâo évi­dente précisa ser descoberto ou exposto no processo de movimentaçâo, com o na brincadei­ra livre ou na maioria das brincadeiras com objetos.

A regulaçâo mütua também envolve um objetivo intersubjetivo

O processo de movimentaçâo orienta-se si- multaneamente na direçâo de duas fïnalidades. A

finalidade paralela, é a vivência do reconheci- mento mütuo dos motivos, desejos e objetivos implicitos de cada um, que dirigem as açôes e os sentimentos que acompanham esse processo (Tronick et al., 1979). Esse é o objetivo intersub­jetivo. Além do sentimento mütuo dos motivos ou desejos de cada um, o objetivo intersubjetivo também implica uma sinalizaçâo ou ratificaçâo desse compartilhar, de um para com o outro. D eve haver algum ato assegurando consensuali- dade. Um exemplo é a sintonia afetiva (Stern, 1985)~ ‘

Nâo é possivel determinar que objetivo é pri- mârio, o fisico ou o intersubjetivo. As vezes, algum deles parece ter precedência, ocorrendo uma movimentaçâo para frente e para trâs, entre o que é anterior ou posterior. Ambos estâo pre- sentes em qualquer evento. Entretanto. nossointeresse central, aqui, pcrmanecc sendo o obje­tivo intersubjetivo/

O processo regulador fa i surgir "caracterfsticas c me rg entes ”

Na maior parte do tempo, ao movimontur-.se, n3o se sttbc exatamente o que aconlccerd, ou quando acontcccrà, ainda que possam scr feiias estimativas gérais. Essu indeterminaçao deve-se nâo apenas à natureza dos sistemas din&micos, mas à mudança das flnalidades focais e mesmo interm ediârias, bem com o ao falo de que a movimentaçâo 6 espontânea. M esmo interaçôes freqüentementc repetidas, nunca sâo repetidas exatamente da m esm a maneira. Os temas da interaçâo estâo sempre em processo de varia- çôes que evoluem , baslante évidentes em certas atividades, tais como “brincadeiras espontâneas”, em que parte da natureza da atividade é intro- duzir variaçôes constantes, de forma a evitar o hâbito (Stern, 1977). M as, m esmo uma ativi-

Não seria mais interessante pensar em jogo do que em manobra adaptativa?
O jogo
Formação de hábitos
MetaAdaptativa
Quais são os objetivos de uma terapia?Os objetivos são anteriores à relação de regulação?
Jogo!!!
Descoberto ou inventado?
Novidade/criação
Aqui ele introduz a indeterminação e o devir, mesmo em atividades as mais recorrentes. O hábito é quebrado ou mesmo evitado.
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dade mais firmemente estruturada, tal como ali- mentaçâo ou troca de fraldas, nunca é repetida exatamente,

A natureza de improvisaçâo dessas intera- çôes levou-nos a procurar orientaçâo no trabalho teorico recente sobre sistemas dinâmicos nâo li­ne ares, que produzem caracteristicas emergentes (Fivaz-Depeursingër& CorbcTz-Wamerÿ; 1995; Maturana & Varela, 1980; Prigogine & Stengers, 1984; e, aplicado ao desenvolvim ento inicial, Thelen & Smith, 1994). Esses conceitos parecem proporcionar os melhores modelos para apreen- der o processo de movimentaçâo e a natureza dos “movimentos de encontro ” especificos (ver abai- xo), que sâo caracteristicas emergentes da mo­vim entaçâo. N o curso da m ovim entaçâo, as finalidades duplas das açôes com plem entares ajustadas e o encontro intersubjetivo com respei- to a esse ajuste podem ser subitam ente perce- b idos num “m o m en to de e n c o ntro”, a lgo inevitavelmente bem preparado, mas nâo deter- minado, durante longo perfodo de tempo. Esses momentos sâo construidos em conjunto, reque- rendo algo singular de cada participante. É nes­se sentido que o encontro depende de uma especificidade de reconhecimento, tal com o con- ceituado por Sander (1991).

Exemplos de “momentos de encontro” sâo eventos tais como: O momento p.m qnp. a ir^m- duçâo de um comportamento por parte dos pais se ajusta ao movimento do bebê em direçâo ao sono, de forma a deflagrar uma mudança no bêBe~ de acordado para adormecido; ou o momento em que uma"contenda de brîncadeira livre evolüT para uma explosâo mütua de riso; ou o momen­to em que o bebê aprende, com muito ensinamen- Jo e construçâo por parte dos pais, que a palavra"*---n |W, n|,| * --f--- T---— «•» ■■■— ■ “ - IW| f ||que usarâo para aauela coisa que late e r;cacfior- ro”. Nos dois ültimos exemplos, o encontro tam­bém é intersubjetivo, no sentido de que cada participante reconhece ter havido ajustamento mutuo. Cada um apreendeu uma caracteristica es- sencial da estrutura motivacional orientada pelo objetivo do outro. Para dizê-lo coloquialmente, cada um apreende uma versâo similar “do que esta acontecendo, agora, aqui, entre nos”.

Supomos que os encontros intersubjetivos têm status de objetivo nos seres humanos. Sâo a versâo mental da finalidade da possibilidade de

relaçâo objetal. Em termos de sistemas, tais en­contros envolvem vmculos entre organismo e con­texto, entre dentro e fora, fazendo surgir um estado mais inclusivo do que o que cada sistema pode criar sozinho. Tronick nomeou esse estado mais inclusivo de expansâo diâdica da consciência.

Um “momento de encontro ” pode criar um novo ambiente intersubjetivo e

uma alteraçâo no âmbito do “conhecimento relacional im plicito”

'—

Um exemplo ilustra melhor. Se, no decorrer da brincadeira, a mâe e o bebê inesperadamente aumentam a intensidade da atividade e da alegria, a capacidade de tolerar niveis mais altos de cria- çâo mütua de excitaçâo positiva do bebê se ex- pandirâ nas futuras interaçôes. Quando ocorrer uma expansâo do padrâo e houver reconhecimen­to mütuo de que os dois participantes interagi- ram juntos, com sucesso, numa ôrbita de mais alegria, suas interaçôes subseqüentes serâo con- duzidas nesse ambiente intersubjetivo alterado. Nâo é apenas o fato de que cada um fez isso an­tes, mas o senso de que os dois estiveram aqui antes. O âmbito do conhecimento relacional im­plicito se alterou.

Outro exemplo: imagine uma criança peque- na visitando, com o pai, um novo playground. A criança corre para o escorregador, subindo a es- cada. Quando chega perto do topo, sente-se um pouco ansiosa em virtude da altura e dos limites da habilidade recente. Num sistema diâdico fun- cionando suavemente, olha para o pai como guia para ajudâ-la a regular seu estado afetivo. O pai responde com um sorriso caloroso e um aceno, aproximando-se um pouco da criança. A crian­ça sobe até o alto, adquirindo um novo senso de' contrôle e de diversâo. Eles compartilharam, in- tersubjetivamente, a seqüência afetiva ligada ao ato. Tais momentos ocorrerâo novamente quan­do o engajamento confiante da criança com o mundo for apoiado.

Conseqüências imediatas dos “momentos de encontro ” que alteram

o ambiente intersubjetivoQuando ocorre um “momento de encontro”,

numa seqüência de regulaçâo mütua, ocorre um equilfbrio que permite uma “disjunçâo” entre os

Como assim?
Como seria esse reconhecimento?
Porque não falar em jogo ou em composição de movimento?
Nem sempre o mundo inspira confiança, e nem por isso uma criança não se arrisca... há algo além ou aquém do intersubjetivo que opera na nossa relação com o mundo.Esse “apoio” faz essa teoria parecer behaviorismo...
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participantes e uma déten te1 na agenda diâdica (Nahum, 1994). Sander (1983) chamou essa disjunçâo de “espaço aberto”, em que o bebê pode ficar s o, por algum tempo, na presença do outro, enquanto compartilham o novo contexto (Winnicott, 1957). Aqui existe uma abertura em que é possivel uma nova iniciativa, a pessoa li­vre do imperativo de restabelecer o equilfbrio. A constriçâo do conhecimento implicito relacional habituai é afrouxada, tomando-se possivel a cria- tividade. O bebê recontextualizarâ sua nova experiência.

Durante o espaço aberto, a regulaçâo mütua é m om entaneam ente suspensa. Entâo, a diade rein icia o processo de m ovim entaçâo. N o en- tanto, agora a m ovim entaçâo sera diferente, pois começarâ do terreno do am biente inter- subjetivo recentem ente estab elecid o , a partir de um “conhecim ento relacional implicito” al- terado.

A p l ic a ç â o n a M u d a n ç a T e r a p ê u t ic a

Forneceremos, agora, a terminologia descri- tiva e a base conceitual do algo mais, mostrando como funciona como condutor da mudança nas terapias psicanalfticas.

O conceito-chave, o “momento de encontro”, é a caracteristica emergente do processo de “mo­vimentaçâo”, que altéra o ambiente intersubjeti- vo, e dessa forma o conhecim ento relacional implicito. Em resumo, m ovim entaçâo consiste numa série de “momentos présentes”, que sâo as unidades subjetivas que marcam as pequenas mu­danças de direçâo enquanto se vai adiante. Às vezes, um momento présente torna-se afetiva- mente “quente” e cheio de augurios para o pro­cesso terapêutico. Esses momentos sâo chamados “momentos agora”. Quando um momento agora é aproveitado, isto é, recebe uma resposta pes- soal autêntica, especifica de cada participante, torna-se um “momento de encontro”. Essa é a caracterfstica emergente que altéra o contexto subjetivo. Agora discutiremos cada elemento des- se processo.

O processo preparatôrio:“m ovim entaçâo” e “momentos présen tes”

De muitas maneiras, o processo terapêutico de movimentaçâo é similar ao processo de mo­vimentaçâo da diade progenitor-bebê. Embora a forma seja diferente, enquanto uma é principal- mente verbal, a outra é nâo-verbal, mas as fun- çôes subjacentes dos processos de movimentaçâo têm muito em comum. A movimentaçâo envol- ve o encaminhamento para os objetivos da tera-j pia, por m ais que possam ser ex p lic ita ou implicitamente defmidos pelos participantes. Ela inclui todos os componentes habituais da terapia psicanalitica, tais como interpretaçâo, esclareci- mento etc. Em qualquer sessâo terapêutica, as- sim como em qualquer interaçâo progenitor-bebê, a diade movimenta-se em direçâo a um objetivo intermediârio. Um objetivo intermediârio, numa sessâo, é a definiçâo dos tôpicos que serâo abor- dados em conjunto, tais com o atraso para a ses­sâo, o paciente foi “ouvido” adequadamente ontem, as férias vindouras, se a terapia esta aju- dando o sentimento de vazio, se o terapeuta gosta do paciente etc. Os participantes nâo têm de con- cordar. Precisam apenas negociar o fluxo intera- tivo para fa z ê -lo m ovim en tar-se, a fim de apreender o que acontece entre eles, o que cada membro percebe, acredita e diz naquele contex­to particular, além do que cada membro acredita que o outro percebe, sente e acredita. Estâo tra- balhando para définir o ambiente intersubjetivo, m ovim entando-se. Os eventos do piano cons­ciente que impelem o movimento sâo associaçôes livres, esclarecimentos, questôes, silêncios, inter- pretaçôes etc. Ao contrârio dos comportamentos amplamente nâo-verbais que constituem o pano de fundo do ambiente progenitor-bebê, o conteü- do verbal habitualmente ocupa o primeiro piano na consciência de ambos os participantes. Nç> pano de fundo, entretanto, o movimento é de\ compartilhar e compreender intersubjetivamen- te. O conteüdo" verbal nâonos deve cegar ao pro­c e s so p aralelo de m o v im en taçâ o para um objetivo intersubjetivo implicito.

1. Em francôs, no original * expansâo. (N. daT.)

Aqui ele insere as noções de liberdade e criatividade a partir de uma disjunção.A ideia parece mais com a de “autonomia”,quando uma série de equilíbrios permite uma abertura para ações livres e autônomas.
Numa sessão terapêutica essa postura ativa de apreensão geralmente é apenas do terapeuta, não de ambos.
Como assim o bebê interage verbalmente?Ele passa da situação terapêutica para a relação mãe -bebê como se fossem simétricas...
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Anâlogo ao objetivo de adaptaçâo fïsica, nas interaçôes nâo-verbais entre progenitor-bebê, ve- mos o processo de movimentaçâo, numa sessâo de terapia de adulto, com dois objetivos parale- los. Um é a reordenaçâo do conhecimento verbal consciente. Isso inclui descobrir tôpicos sobre os quais trabalhar, esclarecer, elaborar, interpretar e compreender. O segundo objetivo é a definiçào e compreensâo mütua do ambiente intersubjeti- vo, que compreende o conhecimento relacional implicito e define a “relaçâo impli'cita comparti- lhada”. Um conjunto de objetivos focais menores sào necessârios para micro-regular o processo de movimentaçâo. Os objetivos focais fazem corre- çôes de curso quase constantes, que funcionam para redirecionar, reparar, testar, comprovar ou verificar a direçâo do fluxo interativo para o ob­jetivo intermediârio.

Como sera visto, o ambiente intersubjetivo é parte do que chamaremos de “relaçâo implfci- ta compartilhada”. Negociar e définir o ambiente intersubjetivo ocorre paralelamente ao exame explicita da vida do paciente e ao exame da trans- lerência. É um processo conduzido, na maior parte do tempo, fora da consciência. No entan- lo, prossegue com toda manobra terapêutica. A movimentaçâo leva os participantes na direçâo de um sentido mais claro de onde estâo em sua “re­laçâo implfcita compartilhada”.

Concebemos a movimentaçâo conjunta como um processo dividido subjetivamente em momen- los de qualidade e de funçâo diferentes, que chamamos de “m om entos présen tes” . Entre os clmicos, a noçâo de uma momento présente é intuitivamente évidente e provou-se de pouco valor em nossas discussôes. A duraçâo de um inomento présente, geralmente, é curta porque, com o unidade subjetiva, é o lapso de tempo ne- cessârio para apreender o senso do “que esta acontecendo agora, aqui, entre nos”. Portanto, dura de micro-segundos a muitos segundos. É construfda em tom o de intençôes ou de desejos, e a atuaçâo deles traça uma linha dramâtica de lensâo, na medida em que se movimenta na di­reçâo de um objetivo (ver Stern, 1995). Um momento présente é uma unidade de troca dia- lôg ica relativam ente coerente no conteüdo, liomogênea no sentimento e orientada para um objetivo. Uma mudança em qualquer deles con-

duz a um novo momento présente, o proximo. Por exemplo, se o terapeuta diz: “Você percebe que chegou atrasado nas très ültimas sessôes? Isso nâo é habituai em você”, o paciente respon-i de: “Sim, percebo”, e o analista acrescenta, “O que você pensa a respeito?”, essa troca constitui um momento présente.

O paciente replica: “Penso que estava zan- gado com você”. Silêncio. “Sim, eu estava”. Si- lêncio. Esse é um segundo momento présente.

O paciente, entâo, diz: “Na semana passada você disse algo que realmente me deu uma en- saboada...” Esse é o terceiro momento présente.

Esses momentos présentes sâo passos do pro­cesso de movimentaçâo. Entre eles hâ uma certa descontinuidade, mas, alinhados, eles progridem, ainda que com percalços, na direçâo de um ob­jetivo. Prosseguem de forma raramente linear.

Em resumo, estamos falando de um invôlu- cro limitado de tempo subjetivo, em que um motivo é atuado para micro-regular o conteüdo do que esta sendo discutido e para ajustar o am­biente intersubjetivo.

A firme estrutura cfclica das atividades do bebê (sono, atividade, fome, brincar etc.) asse- gura um alto n ivel de repetiçâo, criando um repertorio de momentos présentes. Na terapia, também, momentos présentes repetem variaçôes em tomo do tema dos movimentos habituais que constituem a maneira ünica de qualquer dfade te­rapêutica “se movimentar”. Momentos présentes serâo restritos pela natureza da técnica terapêu­tica, pelas personalidades dos individuos em interaçâo e pela patologia em questâo.

Como os momentos présentes sâo repetidos freqüentemente com variaçôes mmimas, tomam- se extremamente familiares, cânones do que se espera que sejam os m om entos da vida com aquela pessoa. Momentos présentes fïcam repre- sentados com o “esquemas de formas de estar com outro” (Stem, 1995) no âmbito do “conhe­cimento relacional im plicito”. O par desenvol- ve um conjunto de padrôes micro-interativos em que os passos incluem erros, perturbaçôes e re- paros (Lachm ann & B eeb e, 1996; Tronick, 1989). Essas seqüências recorrentes nos falam a respeito do “conhecido nâo-pensado” do paciente (Bollas, 1987) ou do “inconsciente pré-reflexi- vo” de Stolorow & Atwood (1992). Sâo blocos

Mais uma vez, como se dá essa apreensão?
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de construçâo dos modelos de funcionamento de Bowlby e da maior parte da intemalizaçâo. Nâo estâo na consciência, mas sâo intrapsiquicamen- te distintos do reprimido.

Em suma, momentos présentes juntos, em seqüência, formam o processo de movimentaçâo. Mas ambas as unidades, momentos présentes e direçâo dessa movimentaçâo, ocorrem dentro de uma estrutura familiar e caracteristica de cada diade.

“Momentos A gora”Na nossa concepçâo, “momentos agora” sâo

um tipo especial de “momento présente”, que se ilumina subjetiva e afetivamente, puxando a pes­soa m a is p a r a o p résen te .2 Adquirem essa qualidadesùBJërrVa porque'H'Sstrutura habituai - o ambiente intersubjetivo familiar, conhecido, da relaçâo terapeuta-paciente - subitamente se altéra ou corre risco de alteraçâo. O estado corrente da “relaçâo implicita compartilhada” se abre. Essa brecha potencial nos procedimentos estabeleci- dos acontece em vârios momentos. Nâo précisa ameaçat\a estrutura terapêutica, mas pede uma respost^, acx^mesmo tempo especffica e pessoal, para ser um a manobra técnica conhecida.

Momentos agora nâo sâo parte do conjunto de momentos présentes caracteristicos que cons- I troem a m aneira usual de estar junto e de i movimentar-se. Eles demandam uma atençâo in- > j tensificada e algum tipo de escolha entre ficar ou / nâo na estrutura habituai estabelecida. Se nâo, o*£ que fazer? Eles forçam o terapeuta a alguma es- pécie de “açâo”, seja uma interpretaçâo ou uma resposta nova em relaçâo à estrutura habituai, ou um silêncio. Neste sentido, momentos agora sâo como o antigo conceito grego de kairos, um mo- ' mento unico de oportunidade que précisa ser aproveitado, porque o destino mudarâ conforme for aproveitado.

Clfnica e subjetivamente, o que faz terapeu­ta c p acien te saberem que entraram num momento agora é o fato deste ser diferente dos momentos présentes usuais; esses momentos nâo sâo familiarcs, a forma e o momento sâo inespe- rados, hésitantes ou esquisitos. Freqüentemente,

confundem quanto ao que esta acontecendo ou quanto ao que fazer. Sâo momentos prenhes de um futuro desconhecido, que pode ser sentido com o impasse ou chance. O présente torna-se subjetivamente denso, como numa “hora da ver- dade”. Freqüentemente, esses “momentos agora” sâo acompanhados de expectativa ou de ansie- dade, pela pressâo da necessidade de escolha, jâ que nâo hâ piano anterior de açâo ou explicaçâo imediatamente dispomvel. A aplicaçâo de movi- m entos técn icos habituais nâo é su ficien te . Intuitivamente, o analista reconhece que se abre a chance da presença de algum tipo de reorgani- zaçâo terapêutica ou de descarrilamento, e o paciente reconhece que chegou, na relaçâo tera­pêutica, a um divisor de âguas.

A evoluçâo subjetiva dos momentos agora pode ser descrita em très fases. Hâ uma “fase de gestaçâo”, preenchida pelo sentimento de iminên- cia; uma “fase esquisita”, quando se percebe a entrâd&jium espaço intersubjetivo desconhecido e inesperado; e a “fase de decisâo”, quando um momento agora pode, ou nâo, ser aproveitado. Se for aproveitado, levarâ a um “momento de encon- tro”, se tudo correr bem, ou a um momento agora fracas s ado. ,

Um “momento agora” é o anüncio de uma caracteristica potencial emergente de um sistema dinâmico complexo. Embora nâo se possa traçar a histôria do seu surgimento, esta é antecedida por apariçôes anteriores fugidias ou pâlidas, algo como um motivo, em müsica, que suave e pro-, gressivamente prépara a transformaçâo do tema principal. Ainda assim, o exato instante e a for­ma da sua apariçâo continua imprevisivel.

Os caminhos para o momento agora sâo mui- tos. O paciente pode id en tificar um evento durante uma sessâo e percebeç imediatamente que o ambiente intersubjetivo acabou de se mo- dificar, mas nâo compartilhar nem ratificar essa mudança na sessâo. Ou o paciente pode ter dei- xado o evento passar sem prestar muita atençâo e mais tarde voltar a trabalhâ-lo para descobrir sua importâneia no assinalamento de uma possi- vel mudança do ambiente intersubjetivo. Esses eventos sâo formas de momentos agora ocultos

2. Emprestamoe e Uirmo "momento agora” de Walter Freeman.

Me parece que o momento agora é o horizonte da direção clínica, onde uma mudança psíquica pode ocorrer para o paciente.
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ou potenciais, que fazem parte do processo pre- paratorio. Talvez um dia atinjam um estado de prontidâo para entrar no diâlogo mütuo e tomar- se momentos agora como descrevemos.

M omentos agora podem ocorrer quando o quadro terapêutico tradicional corre o risco de, ou deveria, ser quebrado.

Por exemplo:. Se um paciente de anâlise interrompe o inter-

câmbio e pergunta: “Você me ama?”. Quando o paciente consegue que o terapeuta

faça algo fora do (terapêutico) normal, como quando o paciente diz algo muito engraçado e ambos têm um ataque de riso.

. Quando o paciente e o terapeuta se encontram inesperadamente num contexto diferente, tal como uma fila de teatro, e se realiza, ou fra­cassa, um novo movimento interativo e inter­subjetivo.

. Quando algo importante, bom ou mau, acon- tece na vida real do paciente, que normalmente demandaria algum reconhecimento ou resposta.

Lembremos que estamos lidando com um processo dinâmico complexo em que um sô, dos vârios componentes, pode estar mudando de for­ma lenta e progressiva, na fase preparatôria, podendo ser dificil perceber, até atingir um cer- to limiar, quando, subitamente, ameaça mudar o contexto de funcionamento de outros componen­tes. Conceitualm ente, momentos agora sâo o limiar de uma caracteristica emergente da inte- raçâo, ou seja, o “momento de encontro”.

Os momentos agora mais intrigantes surgem quando o paciente faz algo dificil de classificar, algo que demanda um tipo novo, diferente, de resposta, com assinatura pessoal, que comparti- Ihe o estado subjetivo do analista (afeto, fanta­sia, experiência real etc.) em relaçâo ao paciente. Se isso acontecer, eles entrarâo num “momento de encontro” autêntico. Durante o “momento de encontro”, um novo contato intersubjetivo se es- tabelecerâ entre eles, novo no sentido de que se criou uma alteraçâo “na relaçâo implfcita com- partilhada”.

O “momento de encontro”Um momento agora terapeuticamente apro-

veitado e mutuamente percebido é um “momento de encontro”. Como na situaçâo progenitor-bebê,

um “momento de encontro” é altamente especf- fico; cada participante contribuiu ativamente com algo ünico e autêntico de si com o indivfduo (nâo unico para sua teoria ou técnica da terapêutica) na construçâo do “momento de encontro”, oca- siâo em que o terapeuta (especialm ente), mas também o paciente, agarram o momento agora, exploram-no, vivenciam-no, e podem transformâ- lo num “momento de encontro”. Hâ elementos essenciais que colaboram na criaçâo de um “mo­mento de encontro”. O terapeuta précisa usar um aspecto especifico da sua individualidade que traz sua assinatura pessoal. Naquele momento, os dois se encontram com o pessoas relativamente desprotegidas dos seus p ap éis terapêuticos usuais. As açôes que constroem o “momento de encontro” também nâo podem ser rotineiras, ha­bituais ou técnicas; precisam ser novas e feitas para ir ao encontro da singularidade do momen­to. Com certeza, isso implica certa empatia, uma abertura para reavaliaçâo afetiva e cognitiva, uma sintonia afetiva marcante, um ponto de vista que reflita e ratifique que o que esta acontecendo ocorre no âmbito da “relaçâo compartilhada im- plicita”, isto é, num estado diâdico especifico dos participantes, recém-criado.

O “momento de encontro” é o evento nodal do processo, pois é o ponto em que o contexto intersubjetivo se altéra, mudando assim o co­nhecim en to re la c io n a l im p lic ito da relaçâo paciente-terapeuta.

utros também reconheceram que o""mo- mento” desempenha um papel chave, mutativo. Lachmann & B eebe (1996) o assinalaram, e Ehrenberg descreveu que sua funçâo terapêutica mutativa ocorre precisamente nos momentos sub- jetivos mtimos (1992).

Um exemplo instrutivo, aqui. Molly, casada, por volta dos 35 anos, começou anâlise em ra- zâo da baixa auto-estima focada em seu corpo, na sua incapacidade de perder peso e na grave ansiedade de perder as pessoas mais queridas. Era a segunda filha. Em virtude da irmâ mais ve- lha ter ficado aleijada, por poliomielite, quando bebê, os pais de M olly festejavam seu corpo sau- dâvel. Quando criança, pediam que ela dançasse para eles, que assistiam admirados.

Ela começou a sessâo falando sobre “coisas corporais”, associando com sentimentos de ex-

algo fora da representação/significação.
Isso me faz pensar na teoria do acontecimento de Deleuze, na questão da contra-efetuação do acontecimento.
Ver a questão da simpatia em Bergson.
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MECANISMOS NÂO-INTERPRETATIVOS NA TERAPIA PSICANALITICA 207

citaçâo sexual e com um instante de raiva da analista enquanto vinha para a sessâo: “Tive a im agem de você se recostando... e me obser- vando de uma posiçâo superior”. M ais tarde, na sessâo, lembrou os pais assistindo-a dançar, imaginando se também haveria alguma excitaçâo sexual neles, ao fazê-lo, “se eles queriam, tam­bém ” . S egu iu -sc longa d iscussâo sobre sua vivência corporal, in c lu s iv e exam es fi'sicos, medo de que houvesse algo de errado com seu corpo e com suas sen saçôes corporais. Em se- guida, depois de prolongado silêncio , M olly disse: “Agora estou imaginando se você esta me olhando”. (O momento começou aqui.)

A analista sentiu-se tomada de surpresa, pos­ta em questâo. Seu primeiro pensamento foi se deveria permanecer em silêncio ou dizer alguma coisa. Se ficasse em silêncio, M olly sentir-se-ia abandonada? Repetir a afirmaçâo de M olly - “você esta imaginando se estou olhando para você” - pareceu desajeitado e distante. Respon- der com uma observaçâo propria, no entanto, pa- recia arriscado. As implicaçôes sexuais eram tâo intensas que falar delas parecia aproximâ-las de- mais da açâo. Notando seu prôprio desconforto e tentando compreender sua origem, a analista identificou a questâo relativa ao dommio e per- cebeu que se sentia com o se estiv e sse sendo convidada a tomar a “posiçâo superior” ou sub- meter-sc a Molly. Nessa altura das suas conside- raçôes, subitam entc sen tiu -se livre para ser espontâne.a e comunicar a M olly sua vivência real.

“Parece que você estâ tentando puxar meus olhos para você”, ela disse. “Sim”, M olly con- cordou, com avidez. (E ssas du as sen ten ça s construiram o “momento de encontro”.) “É uma coisa misturada”, disse a analista. “Nâo hâ nada de errado com os desejos”, M olly respondeu. “Certo”, a analista concordou. “A questâo é que précisa de dois para lidar”. M olly disse: “Certa- menlc, cm princfpio”, a analista respondeu. “Era isso que eu estava pensando... É bom pensar nis- so agora,.. C eu, na verdade, consigo ter alguma compaixflo." “Por você mesma?”, a analista per- guntou . “S im ” , respondeu M olly . “E stou contente", respondeu a analista.

Nesta vinheia, ocorreu um encontro subjeti- vo porque n mifllista usou sua prôpria luta inter­

na para apreender a paciente e aproveitar o mo­mento agora, respondendo especifica e honesta- mente, “Parece que (para mim como individuo especifico, estâ implicito) você estâ tentando pu­xar meus olhos para você”. Isso transformou o momento agora num “momento de encontro”. Isso é bem diferente das varias respostas possi- veis, tecnicamente adequadas, que deixam a es- pecificidade do analista com o pes^ôaTnaqûele

j momento, fora do quadro, tais como: “era desseI jeito com seus pais?” ou “diga-me o que você ! imaginou” etc.

Interpretaçôes em relaçâo a “momentos de encontro ”

Momentos agora também podem levar dire- tamente a uma interpretaçâo. E a interpretaçâo pode levar, ou nâo, a “momentos de encontro”. Uma interpretaçâo tradicional bem-sucedida per- mite ao paciente ver-se a si mesmo, sua vida e seu passado de forma diferente. Essa percepçâo invariavelmente sera acompanhada de afeto. Se a interpretaçâo é feita de forma a trazer a parti- cipaçâo afetiva do analista, pode ter ocorrido também um “momento de encontro”. “Especifi- cidades mescladas entre dois sistemas em resso- nâneia, sintonizados um com o outro” (Sander, 1997) ocorreram. Isto é similar à sintonia afeti­va observada nas interaçôes progenitor-bebê (Stern, 1985).

Suponha que o analista faça uma excelente interpretaçâo, especialm ente dentro do timing. Esta lerd um efeito no paciente, que pode ser um silêncio, ou um “ü!m'\ ou, na maioria das vezes, ulgo com o, “sim, rcalmcnte é assim”. Se o ana­lista n5o çonsegue trazer sua participaçSo afetiva (m esm o com uma resposta simples, como “Sim, foi, para você”, mas dita com a assinatura pro- vinda de sua prôpria cxpcriôncia de vida), o paciente pode supor ou imaginar que o analista estâ s6 aplicando lécniea, terâ havido uma falha em permitir uma nova experiência importante, que altère o ambiente intersubjetivo conhecido. Em conseqUência, a interpretaçâo serâ muito me- nos potente.

Estrilamente falando, uma interpretaçâo pode encerrar um m om ento agora “exp licando-o” mais, ou elaborando, ou generalizando-o. No en­tanto, a nâo ser que o terapeuta faça algo mais

Interessante esse contraponto à psicanálise tradicional, pois aqui o acontecimento clínico se dá com a inclusão afetiva do terapeuta (e não como um trabalho de elaboração exclusivo do paciente).
Essa ideia de ressonância dos sistemas me lembra Simondon.
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do que a interpretaçâo estrita, algo que escla- reça sua resposta e rem nheça a vivência do pa- ciente de uma m u d an ça na re la çâ o , nâo se criarâ o novo contexto intersubjetivo. Uma in­terprète 5^ pr»Hf> ter cirtn r n rr f t Ta nnh p. mformulada, m as provavelm ente nâo aterrissou? nem criou rafzes. Os analistas mais bem dota-

^,dos sabem disso e fazem o “algo mais”, consi- ‘;derando-o m esm o parte da interpretaçâo. Mas

nâo é. E esse é justamente o problema teôrico com o quai estamos nos debatendo. Se o escopo do que é considerado interpretaçâo tomar-se am- plo e mal-definido demaïs, os problemas tëôrP~‘ cos ficarâo extremamente confusos.

, "~~Aqut, deve-se fazer uma distinçâo. Um mo­mento agora pode surgir, e freqüentemente acon- tece , em torno de m aterial tran sferen cia l carregado, e se resolve com uma interpretaçâo tradicional. Se essa interpretaçâo for dada de for­ma “autêntica”, no que isso difere de um “mo­mento de encontro”? D ifere por essa razâo. Durante a interpretaçâo tradicional, que envolve material transferencial, o terapeuta como pessoa, como ele existe na sua propria mente, nâo é co-

Jocado em aberto, nem posto em questâo. Nem a relaçâo compartilhada implicita é colocada em aberto, para revisâo. Mais propriamente, a com- preensâo e a resposta terapêutica ocorrendo den- tro do papel analftico é efetuada. E dificil définir o que significa “autêntico”, neste contexto. Du­rante uma interpretaçâo transferencial “autênti­ca”, deve haver um “momento de encontro” entrcTf duas pessoas mais ou menos desnudadas dos seus ibapéis terapêuticos. Se houver, o ato do terapeu-— E — . . .ta, em resposta ao ato transferencial do pacien­te, deverâ ter o carâter de contratransferência. Em contrapartida, os aspectos transferenciais e con- tratransferenciais estâo, no mmimo, em um “mo­mento de encontro” , e a personalidade dos participantes, relativamente desnudada das arma- dilhas do papel, é posta a funcionar. Avaliar a re- lativa falta de transferência-contratransferência, e a relativa presença de duas pessoas vivencian- do, uma e outra, fora dos seus papéis profissio- nalmente prescritos,.com certeza nâo é fâcil, mas todos sabemos desses momentos, dado que o prô- prio conceito é aceito. Voltaremos a esse ponto abaixo.

O “espaço ab erto ”Como na seqüência do desenvolvimento, su-

pomos que na situaçâo terapêutica “momentos de encontro” deixam em sua passagem um “espaço aberto”, em que uma mudança no ambiente in- tersu jetivo cria um n ovo eq u ilfb r io , um a “disjunçâo”, com uma alteraçâo ou novo arran- jo dos processos defensivos. Toma-se possivel a criatividade individual e a atividade, surgindo nas configuraçôes individuais de espaço aberto, à medida que o “conhecimento relacional implîci- to ” se libéra das constriçôes im postas pelo habituai (Winnicott, 1957).

Outros destinos do momento agoraOs diversos outros destinos do momento ago­

ra, se nâo forem aproveitados para tornar-se “momentos de encontro”, ou interpretaçôes, sâo:

1. Um “momento agora p erd id o ”Um momento agora perdido é uma oportu-

nidade perdida. Gill dâ um exemplo grâfico: “Em uma das minhas anâlises pessoais... certa vez fui impertinente o bastante para dizer: ‘Aposto que farei uma contribuiçâo melhor para a psicanâli- se do que você’. Quase caf do divâ quando o anaiista respondeu: ‘Eu nâo ficaria nem um pou­co surpreso’. D evo relatar, com pesar, que o intercâmbio nâo foi mais analisado, pelo menos nâo naquela anâlise” (1994; pp. 105-106). Acha- mos que ele quis dizer que nâo houve discussâo posterior desse intercâmbio. Aqui, permitiu-se que um momento passasse, de forma a nunca mais voltar.

2. Um “momento agora fraca ssa d o ”Num momento agora fracassado, algo poten-

cialm ente destrutivo acontece ao tratamento. Quando um momento agora foi reconhecido, mas houve uma falha no encontro intersubjetivo, o curso da terapia pode ser posto em risco. Se a falha for deixada sem reparaçâo, as duas conse- qüências mais graves sâo que uma parte do terreno intersubjetivo ficarâ fechado, fora da te­rapia, como se alguém dissesse “nâo podemos ir la”, ou ainda pior, como se um sèfrfTSoTâsïcô da natureza fundamental da relaçâo terapêutica fosse posto em~questgorTao gravemente que a terapia nâo pudesse mais continuar (sendo de fato inter- rompida ou nâo).

Aqui está clara a contraposição à psicanálise tradicional. A pretensão de neutralidade do terapeuta.
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MECANISMOS NÂO-INTERPRETATIVOS NA TERAPIA PSICANALITICA 209

David, um homem jovem, começou anâlise. Numa sessâo, decorridos vârios m eses, estava falando sobre uma queimadura grave que cobria grande extensâo do seu peito e que ocorrera quando ele começara a andar, meditando sobre sua influência no seu desenvolvim ento poste- rior. E sta havia d eixad o uma c ica tr iz desfigurante, facilmente visfvel quando de shorts ou de maiô, que lhe trouxe excessiva autopercep- çâo, atuando como foco de vârias questôes com respeito a seu corpo. Sem pensar, David se de- bruçou, começando a puxar a camisa, dizendo, “Aqui, deixe-me mostrar-lhe. Você vai entender melhor”. Abruptamente, antes que ele mostrasse a cicatriz, o analista interrompeu: “Nâo! Pare, você nâo précisa fazer isso!” Ambos se surpreen- deram com a resposta do analista.

Tanto David quanto o seu analista concorda- ram depois que o que aconteceu nâo foi util. No sntanto, David sentiu e contou ao analista que a resposta deste soou como uma falha porque, em vez de dizer a David que se sentiu mal por ter reagido daquela forma, ele apenas disse que nâo tinha agido de acordo com seus padrôes.

3. Um “momento agora reparado”Momentos agora fracassados podem ser re-

parados, perm anecendo ou voltando a eles. A reparaçâo, por si so, pode ser positiva. Quase por definiçâo, a reparaçâo de um momento agora fracassado levarâ a diade a um ou mais momen­tos agora.

4. “Um momento agora assinalado "Um momento agora podc ser rotulado. Es­

ses rôtulos nâo surgem facilmente, porque os es- tados diâdicos a que dizem respeito, na verdade, nâo têm nomes e sâo entidades extremamente sutis e complexas. Mas geralmente adquirem no­mes tais com o, “a vez em que você... e eu...” Assinalâ-los com um nome é muito importante, nâo sô porque facilita a lembrança e o uso, mas também porque acrescenta outra camada à liga- çâo dessa criaçâo interpessoal. Assinalar também pode servir para lidar parcialmente com um mo­mento agora, na ocasiâo de sua primeira apari- çâo, sem correr o risco de perder o momento ou de falhar. Dessa forma, pode-se dar o tempo ne- cessârio à terapia.

5. Um “momento agora duradouro”As vezes, surge um momento agora que nâo

pode ser imediatamente resolvido/exposto/com-

\

partilhado, mas nâo vai embora. Permanece no ar por muitas sessôes, mesm o semanas. Nada pode acontecer até que se determine seu desti- no. Esses momentos agora duradouros nâo sâo necessariamente falhas. Podem resultar de con- diçôes que nâo permitam as soluçôes usuais porque o timing, ou prontidâo, nâo é oportuno, ou porque o encontro intersubjetivo necessârio é complexo demais para ser contido numa unica transaçâo. Neste sentido, podem também preci- sar de mais tempo. Habitualmente sâo resolvidos com um momento agora diferente, que circun- da o momento agora duradouro. Discutiremos adiante.

A “Re l a ç â o Co m partilh ada Im plicita”COMO LOCUSDA AÇÂO MUTAITVA NA TERAPIA

Voltamos agora à questâo posta no começo deste artigo, ou seja, em que âmbito da relaçâo entre terapeuta e paciente ocorre o “momento de encontro” e o conhecimento implicito se altéra? Sugerimos que ocorre na “relaçâo implfcita com-

4 partilhada”.A noçâo de qualquer relacionamento, na anâ­

lise, que nâo seja predominantemente transferen- cial-contratransferencial, tem sido sempre dificil. Muitos analistas afirmam que toda a relaçâo, na "V situaçâo clfnica, é permeada por sentimentos e ^ interpretaçôes transferenciais e contratransferen- ciais, inclusive os fenômenos intermediârios tais com o a aliança terapêutica e os conceitos a ela

^rclacionados. Outros, no cntanto, insistem em / que um senso de relacionamento mais autêntico

é o pano de fundo vivencial, sem o quai a trans- ferência nâo é perceptfvel, para nâo dizer mutâ- vel (Thomâ & Kachele, 1987). f \

A “relaçâo implfcita compartilhada” consis­te no conhecimento implicito compartilhado so­bre uma relaçâo que existe separada, mas paralela tanto à relaçâo de transferência-contratransferên- cia quanto aos papéis psicanalfticos designados. Enquanto o conhecimento implicito de cada par­ticipante sobre a relaçâo é unico para ele, a ârea de sobreposiçâo entre eles é o que chamamos de relaçâo implfcita compartilhada. (Essa relaçâo implfcita compartilhada nunca é simétrica.)

Nâo esperâvamos esta ênfase na importância da “relaçâo implfcita compartilhada”; chegamos a esta conclusâo depois de percebermos a natu-

Presença do corpo, problema para o terapeuta.
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210 GRUPO DE ESTUDOS DO PROCESSO DE MUDANÇA

reza do “momento de encontro”. Como um “mo­mento de encontro” sô podia ocorrer quando acontecesse algo pessoal, compartilhado, fora ou em acréscimo à “técnica”, e subjetivamente novo para o funcionamento habituai, fomos forçados a reconsiderar o âmbito total da relaçâo imph'ci- ta compartilhada.

Do nosso ponto de vista, a pesquisa sobre bebês simplificou o exame da relaçâo implfcita compartilhada, ao esclarecer a existência da co- m unicaçâo afetiva e da intersubjetividade vir- tualm ente desde o in fcio da vida pôs-natal'(T rô m cIT r9 ^ ^to o bebê quanto a pessoa que cuida sâo consi- derados cap azes de exprim ir afeto . e deVycompreender as expressôes afetivas do outrg, Esse primeiro sistema de comunicaçâo continua a operar ao longo de toda a vida, tendo atrafdo maior interesse ainda em nosso campo, sob a ru- brica de “nâo-verbal”. Concordamos com Stech- ler (1996) que, ainda que nossa responsabilidade

rofissional nos impeça de compartilhar do mes- mo ëspaço vital do paciente, é errôneo assumir<*

l i

que o ser emocional complexo do analista pode ser (oü~deveria ser) mantido longe da apreensâo do paciente, “apreensâo” baseada na operaçâo de um sistema muito com p lexo , que sempre fun- ciona. N ossa posiçâo é de que a operaçâb”3esse sistema constroi a “relaçâo implfcita compartilha­da”, que consiste num engajamento dos dois, construfdo progressivamente no âmbito da inter­subjetividade e do conhecimento implicito. Esse engajamento pessoal é construfdo ao longo do tempo, adquire sua prôpria histôria, e envolve questôes bâsicas que existem além, e duram mais, do que as distorçôes mais terapeuticamen- te lâbeis do prisma transferencial-contratransfe- rencial, porque incluem apreensâo mais ou menos acurada da pessoa do terapeuta e da pes­soa do paciente.

Quando falam os de encontro “autêntico”. queremos dizer comunicaçôes que r e ^ a m u m aspecto pessoal do se lf evocado pela resposta afetiva ao outro. Por sua vez, révéla ao outro uma âssinatura pessoal, de forma a criar um novo es- tado diâdico, especffico dos dois participantes.

Sâo esses conhecimentos implfcitos estâveis entre analista e analisando, seus sentimentos mü- tuos e apreensôes de um sobre o outro, que

estamos chamando de “relaçâo compartilhada im­plfcita”. Esses conhecim en tos se m antêm ao longo das flutuaçôes da re 1 açâ o lr an s ferencîâTé

(p odem ser detectados por meio dêTuma micrô- anâlise, na maiorilTc[~â~ vëzes fe ita por uma terceira pessoa que os observa, transformando- se, nesse caso, num evento “objetivo”.

Nossas reflexôes sobre o “momento de encon­tro” e seu papel na modificaçâo do conhecimento implicito nos forçaram a focalizar e a examinar a relaçâo implfcita compartilhada. Isto por causa das varias caracterfsticas do “momento de encontro”.

1. Este é marcado por um senso de distan- ciamento da maneira habituai de procéder na terapia. É um acontecimento novo que a estru­tura existente nâo.pflde dar conta, nem absorver. E o oposto do assunto na sua forma habituai.

2. Nâo pode ser sustentado ou preenchido seo analista recorrer a uma resposta sentida pelo paciente como meramente técnica. O analista pré­cisa responder com algo que seja vivenciado como especffico da relaçâo com o paciente e que exprima sua propria experiencîg~g~përsonaliBa- â&, levando suaassmâluraT“

f 3. Um “momento de encontro” nâo pode ser j percehido com uma interpretacâojransferencial. \ Outros aspectos da relaçâo precisam ser tratados.

4. É o lidar com “o que estâ acontecendo f aqui e agora, entre nos?” A ênfase mais forte é

no “agora”, em razâo da vizinhança afetiva. Re- quer respostas espontâneas e se atualiza no

\ sentido de que analista e paciente tomam-se ob­jetos contemporâneos um para o outro.

5. O “momento de encontro”, com seu en­gajamento no “que estâ acontecendo aqui e agora entre nos”, nunca précisa ser verbalmente expli- cado, mas pode sê-lo depois.

Todas essas consideraçôes empurram o “mo­mento de encontro” para um âmbito que trans­cende, mas nâo anula a relaçâo “profissional”, tornando-se parcialmente livre dos sobretons' transferenciais-contratransferenciais.

Embora esteja fora do escopo deste artigo, acreditamos que é extremamente necessaria uma exploraçâo maior dessa “relaçâo implfcita com­partilhada”.

Re su m o e D isc u ssâ o

Enquanto a interpretaçâo é vista tradicional- mente como o evento nodal atuando na e sobre

%

f

Que terceira pessoa é essa???
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MECANISMOS NÂO-INTERPRETATIVOS NA TERAPIA PSICANALITICA 211

a relaçâo transferencia l, transformando-a ao modificar o ambiente intrapsfquico, vemos os “momentos de encontro” com o o evento nodal atuando na e sobre a “relaçâo implicita compar-

Itilhada”, transformando-a ao alterar o conheci-1. m ento im p lic ito que é ao m esm o te m p o | intrapsfquico e interpessoal. Esses dois procès-1 sos complementares sâo mutativos, no entanto usam diferentes m ecanism os de mudança em âmbitos diferentes da experiência.

Com o objetivo de aprofundar a pesquisa clf- nica, tentamos fomecer uma terminologia descri- tiva para a fenomenologia desses momentos que criaram a “relaçâo implfcita compartilhada”.

Deve-se notar que mudança no conhecimento relacional implicito e mudança no conhecimen­to verbal consciente pela interpretaçâo, às vezes, sâo diffceis de serem difèrenciadas, no processo

v /interativo real da situaçâo terapêutica. A “rela-l X )/ çâo im p lfc ita com p artilh ad a” e a relaçâo'i

transferencial fluem em paralelo, interligadas, j lu m a ou outra tomando a primazia. N o entanto,

uma condiçâo necessâria para o relacionamento é que o processamento do conhecimento impli- cito seja constante. Interpretaçâo, por outro lado,

“!Tum"êvento pontual.Localizamos as bases da “relaçâo comparti­

lhada implfcita” no processo primordial da co- municaçâo afetiva, com suas rafzes nas relaçôes iniciais. Sugerimos que consiste de conhecimento implicito e que mudanças nesta relaçâo podem resultar em efeitos terapêuticos duradouros. No

observaçâo da interaçâo bebê-cuidadorejiâ^teo- ria de~sistemis^3mamicos/Neste modelo, hâ um processo recfproco em que ocorre mudança na re­laçâo implfcita em “momentos de encontro” por meio das alteraçôes das “formas de estar com”. Nâo corrige falhas empâticas passadas por meio da atividade analftica em pâtica. Nâo substituiuma deficiência passada. A o contrario, algonovo é criado, na relaçâo, que altéra o ambien-

curso de uma anâlise, alguns dos conhecimentos relacionais implfcitos serâo lenta e meticulosa- mente transcritos para conhecim ento explfcito consciente. Quanto, é uma questâo aberta; entre- tanto, nâo é o mesmo que tomar consciente o in­

conscien te, com o a psicanâlise sempre afirmou^ A diferença é que o conhecimento implicito n â o | se torna inconsciente por meio da repressâo e nâo ! se torna consciente ao se desfazer a repressâo. |j O processo de tomar o conhecimento reprimido i consciente é bem diferente do de tomar o conhe­cimento impifcito consciente. Eles requerem con- ceituaçôes diferentes. Podem também requerer procedimentos clfnicos diferentes, o que tem im­portantes implicaçôes técnicas.

O modclo proposto esta centrado nos proces- so s m ais do g u e na estrutura e d ériva da

te in tersu b jetivo . À ex p er iên c ia passada é recontextualizada no présente, de maneira tal que a pessoa opéra a partir de uma paisagem mental diferente, o que résulta, no présente e no futuro, em no vos comportamentos e experiências.

Nossa posiçâo a respeito da regulaçâo mü- tua, na situaçâo de terapia, é semelhante à des- crita por Lachmann & Beebe (1996). Nossa idéia de um “momento de encontro” difere da idéia deles de “momentos afetivos intensificados”, pois tentamos fornecer uma terminologia e uma des- criçâo seqüencial detalhada do processo que leva, e se segue, a esses momentos privilegiados.

Concordamos com muitos pens adores con- temporâneos que uma mudança de estado diâdico é fundamental, mas localizamos seu surgimento no “momento de encontro” entre os participan­tes. N ossa posiçâo é sim ilar às tomadas por Mitchell e Stolorow & Atwood. Entretanto, va- !mos além desses autores, ao considerar que a maior parte do ambiente intersubjetivo pertence ao conhecim ento relacional im plicito , que se constrôi na relaçâo implicita compartilhada, no curso da terapia. O processo de mudança, por­tante, ocorre na relaçâo implicita compartilhada. Finalmente, antecipamos que essa visâo da alte- raçâo do conhecim ento re lacion a l im plicito, durante os “momentos de encontro”, abrirâ pers- pectivas novas e üteis que levem em conta a mudança terapêutica.

RESUMO

Atualmente, em gérai jâ se aceita que é necessâ- rio algo além da interpretaçâo para que ocorra mudança terapêutica. Usando uma abordagem basea- da nos recentes estudos da interaçâo mâe-bebê, nos sistemas dinâmicos nâo-lineares e na sua relaçâo com as teorias da mente, os autores propôem que existe algo mais, no processo intersubjetivo da interaçâo, que

Aqui me lembra a questão do transindividual em Simondon.
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212 GRUPO DE ESTUDOS DO PROCESSO DE MUDANÇA

faz surgir o que eles chamarâo de “conhecimento re­lacional implicito”. Intrapsiquicamente, o âmbito do processamento relacional é distinto do âmbito simbô- lico. Na relaçâo analitica, isto inclui momentos intersubjetivos entre paciente e anaiista, possibilitan- do a criaçâo de novas organizaçôes ou a reorganizaçâo nâo s o da relaçâo entre os participantes, mas princi- palmente do conhecimento do procedimento implicito do paciente, suas formas de estar com os outros. As qualidades e as conseqüências distintas desses momen­tos (momentos agora,3 “momentos de encontro”) sâo

moldadas e discutidas em termos de um processo de seqüências que sâo chamados de movimentaçâo4. Dis- cutem-se as concepçôes de relaçâo implfcita partilhada, transferência e contratransferência dentro dos parâmetros dessa perspectiva, que é diferenciada de outras teorias relacionais e da psicologia do self. Em suma, a açâo poderosamente terapêutica ocorre dentro do conhecimento relacional implicito. Afirma- se que muito do que se observa como efeito terapêutico duradouro résulta dessas mudanças no âm­bito relacional intersubjetivo.

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214 GRUPO DE ESTUDOS DO PROCESSO DE MUDANÇA

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Traduçâo: Tania Mara ZalcbergRevisâo: Olivia Maria Pereira de Almeida Tulha

The Process of Change Study Group Copyright © Institute of Psycho-Analysis, 1998c/o E. Z. Tronick Children’s Hospital 300 Longwood Ave.Boston MA 02115Int. J. Psycho-Anal. (1998) 79, 903