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Sobre formação de educadores no ensino superior

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  • 16Docncia no ensino superior:

    construindo caminhos

    Selma Garrido Pimenta La das Graas Camargos Anastasiou

    Va/do Jos Cavallet

    Este texto apresenta um recorte terico sobre a docncia universitria, a partir das reflexes no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formao deProfessores (FEUSP), que estuda os modelos formativos atuais e os novosprojetos implementados no mbito da Faculdade de Educao da Universi-dade de So Paulo e em outras instituies de ensino superior no Brasil.

    Esse Grupo busca responder a questionamentos impostos ao ensinosuperior, decorrentes da expanso desse nvel de ensino e de suas conse-qentes e respectivas avaliaes, e insere-se no recente movimento de valo-rizao da atividade docente no ensino superior que vem ocorrendo em dife-rentes pases. O objetivo principal que norteia seus pesquisadores estudare formular proposies ao processo de profissionalizao dos docentes doensino superior, tendo por pressuposto que o desenvolvimento docente sed pela reflexo e avaliao das prprias prticas. Esse processo possibilitaque sejam evidenciados os embries para o aprimoramento dessas prticas e para a formulao de solues inovadoras.

    A crescente preocupao com a docncia no ensino superior tem pro-porcionado um aumento nos estudos sobre o tema da formao e do desen-volvimento profissional de seus professores, para alm de um saber mera-

  • mente terico-disciplinar. Amplia-se a demanda desses profissionais por for-mao no campo dos saberes pedaggicos e polticos, o que indica um reco-nhecimento da importncia desses para o ensinar bem.

    A partir de consideraes sobre a docncia universitria no Brasil, o tex-to apresenta experincias que vm sendo implementadas em algumas insti-tuies de ensino superior1 e formula uma anlise preliminar sobre a potencialidade autoformativa de alguns instrumentos de pesquisa partici-pante: o memorial de formao e os grupos de estudo. Para realiz-la, consi-dera pontos de vista tericos sobre os seguintes temas:

    sociedade pedaggica: um conceito ampliado de educao e de pedagogia; sociedade da informao, do conhecimento e a mediao do professor; universidade: uma instituio educativa; pedagogia e docncia universitria: evitando simplismos e criando possi-

    bilidades; formao e desenvolvimento profissional do professor universitrio; construindo caminhos.

    Sociedade pedaggica: um conceitoampliado de educao e de pedagogia

    A educao desde sempre uma prtica social que ocorre em todas asinstituies. As transformaes da sociedade contempornea consolidam o entendimento da educao como fenmeno plurifacetado, ocorrendo emmuitos lugares, institucionalizados ou no. Nas vrias esferas da sociedade,surge a necessidade de disseminao e internalizao de saberes e modos deao (conhecimentos, conceitos, habilidades, procedimentos, crenas, atitu-des), acentuando o poder pedaggico dos vrios agentes educativos na socie-dade e no apenas nas tradicionais formas familiar e escolar. A docncia,entendida como o ensinar e o aprender, est presente na prtica social emgeral e no apenas na escola (Libneo, 1998). Em sntese, fala-se de umasociedade genuinamente pedaggica (Beillerot, 1985). Em qualquer mbitoem que o pesquisador/profissional atue, exercer uma ao docente. Isso

    1 Universidade de So Paulo - Programa de Aperfeioamento do Ensino (USP/PAE); Univer-sidade Federal do Paran (UFPR), em especial no curso de Agronomia; Centro Universit-rio de Jaragu do Sul (Unerj), no Estado de Santa Catarina.

  • aponta para a formao do futuro profissional, de qualquer rea, como edu-cador, como comunicador.

    Sociedade da informao, do conhecimentoe a mediao do professor

    Os avanos tecnolgicos, as novas configuraes do trabalho e da produ-o configuram o que se denomina a sociedade da informao e do conheci-mento. No entanto, importante compreender que so conceitos diversos;conhecimento no se reduz a informao. Esta um primeiro estgio daque-le. Conhecer implica um segundo estgio, o de trabalhar com as informa-es, classificando-as, analisando-as e contextualizando-as. O terceiro est-gio implica a inteligncia, a conscincia ou sabedoria. Inteligncia tem a vercom a arte de vincular conhecimento de maneira til e pertinente, isto , deproduzir novas formas de progresso e desenvolvimento; conscincia e sabe-doria envolvem reflexo, isto , capacidade de produzir novas formas de exis-tncia, de humanizao. E nessa trama que se podem entender as relaesentre conhecimento e poder.

    A informao confere vantagens a quem a possui, seno as sociedadesno se armariam contra a divulgao de informaes, nem as manipulariam.O acesso informao no se d igualmente a todos os cidados. precisoinformar e trabalhar as informaes, para se construir a inteligncia. Mas a inteligncia pode ser cega e isso afeta o poder do conhecimento, uma vez queo poder no intrnseco queles que produzem conhecimento, seno quequeles que controlam os produtores e os processos de produo do conhe-cimento. Um enorme poder flui do conhecimento, mas no daqueles que o produzem. Portanto, no basta produzir conhecimento, preciso produzir ascondies de produo do conhecimento. Ou seja, conhecer significa estarconsciente do poder do conhecimento para a produo da vida material, so-cial e existencial da humanidade (Folha de S.Paulo, 1993).

    Qual a possibilidade de a Universidade trabalhar o conhecimento?A Universidade, em formas que variam em sua histria, desde h muito

    trabalha o conhecimento. A velha polmica se ela forma ou informa e a sua reiterada incapacidade diante das mdias tecnolgicas na difuso de informa-es tema recorrente em vrios fruns. A discusso se acentua no presentecom a terceira revoluo industrial, em que os meios de comunicao comsua velocidade de veicular a informao deixam mais explcita a inoperncia

  • das instituies escolares e dos professores. No entanto, se entendemos queconhecer no se reduz a se informar, que no basta se expor aos meios deinformao para adquiri-la, seno que preciso operar com as informaesna direo de, a partir delas, chegar ao conhecimento, ento parece-nos quea Universidade (e os professores) tem um grande trabalho a realizar, que proceder mediao entre a sociedade da informao e os alunos, para pos-sibilitar que pelo exerccio da reflexo, adquiram a sabedoria necessria per-manente construo do humano (Pimenta, 1996).

    Universidade: uma instituio educativa

    Entendendo a Universidade como um servio de educao que se efetivapela docncia e investigao, suas funes podem ser sintetizadas nas se-guintes: criao, desenvolvimento, transmisso e crtica da cincia, da tcni-ca e da cultura; preparao para o exerccio de atividades profissionais queexijam a aplicao de conhecimentos e mtodos cientficos e para a criaoartstica; apoio cientfico e tcnico ao desenvolvimento cultural, social e eco-nmico das sociedades.

    Assim, entende-se que na Universidade o ensino constitui um processode busca e de construo cientfica e de crtica ao conhecimento produzido,ou seja, de seu papel na construo da sociedade. Nesse sentido, o ensino naUniversidade tem as seguintes caractersticas: a) propiciar o domnio de umconjunto de conhecimentos, mtodos e tcnicas cientficos, que assegurem o domnio cientfico e profissional do campo especfico e que devem ser ensi-nados criticamente (isto , em seus nexos com a produo social e histricada sociedade), para isso, o desenvolvimento das habilidades de pesquisa fundamental; b) conduzir a uma progressiva autonomia do aluno na buscade conhecimentos; c) desenvolver capacidade de reflexo; d) considerar o processo de ensinar/aprender como atividade integrada investigao; e)substituir o ensino que se limita a transmisso de contedos por um ensinoque constitui processo de investigao do conhecimento; f) integrar, verticale horizontalmente, a atividade de investigao atividade de ensinar do pro-fessor, o que supe trabalho em equipe; g) criar e recriar situaes de apren-dizagem; h) valorizar a avaliao diagnstica e compreensiva da atividademais do que a avaliao como controle; i) conhecer o universo de conheci-mentos e cultural dos alunos e desenvolver processos de ensino e aprendiza-gem interativos e participativos, a partir destes.

  • Essas caractersticas do ensinar na Universidade exigem uma ao do-cente diferenciada da tradicionalmente praticada. Na docncia, como profis-sional que realiza um servio sociedade, o professor universitrio precisaatuar como profissional reflexivo, crtico e competente no mbito de sua disciplina, alm de capacitado a exercer a docncia e realizar atividades deinvestigao.

    No mundo contemporneo, podem-se identificar trs aspectos que im-pulsionam o desenvolvimento profissional do professor universitrio. Soeles: a transformao da sociedade, seus valores e suas formas de organiza-o e de trabalho; o avano exponencial da cincia nas ltimas dcadas; a consolidao progressiva de uma cincia da educao possibilitando a todoso acesso aos saberes elaborados no campo da pedagogia.

    O aperfeioamento da docncia universitria exige, pois, uma integraode saberes Complementares. Diante dos novos desafios para a docncia, o domnio restrito de uma rea cientifica do conhecimento no suficiente. O professor deve desenvolver tambm um saber pedaggico e um saber polti-co. Este possibilita ao docente, pela ao educativa, a construo de conscin-cia, numa sociedade globalizada, complexa e contraditria. Conscientes, do-centes e discentes fazem-se sujeitos da educao. O saber-fazer pedaggico,por sua vez, possibilita ao educando a apreenso e a contextualizao doconhecimento cientfico elaborado.

    Pedagogia e docncia universitria:evitando simplismos e criando possibilidades

    Alguns simplismos se fazem presentes na relao entre a pedagogia e a docncia universitria. Esteves & Pimenta (1993) apontam alguns. Por exem-plo, resumir-se a preparao do docente universitrio a uma disciplina peda-ggica, considerando-se a pedagogia como um corpo de conhecimentos tc-nicos instrumentais, capaz de apresentar receitas s situaes de ensino. Outrosimplismo o que considera o campo da pedagogia reduzido s questes daaprendizagem de crianas e adolescentes. Outro ainda o que reduz a docnciaao espao escolar. E por fim, o que considera a pedagogia como um campodisciplinar em competio e conflito com os demais campos disciplinares.

    Entendemos que ao se considerar o fenmeno ensino na Universidadenuma perspectiva ecolgica (espao dinmico e multirreferencial), o esforoser o de dispor o conhecimento pedaggico aos professores, no porque

  • apresente diretrizes vlidas para qualquer situao, mas porque permite rea-lizar uma autntica anlise crtica da cultura pedaggica, o que facilita aoprofessor debruar-se sobre as dificuldades concretas que encontra em seutrabalho, bem como super-las de maneira criadora (Pimenta, 1997).

    Formao e desenvolvimento profissionaldo professor universitrio

    A preocupao com a formao e o desenvolvimento profissional de pro-fessores universitrios e com a inovao didtica cresce nos meios educativos,o que se atesta pelo aumento progressivo de congressos, reunies, semin-rios e atividades relacionadas ao tema. Um dos fatores explicativos dessapreocupao , sem dvida, a expanso quantitativa da educao superior e o conseqente aumento do nmero de docentes, "em sua maioria improvisa-dos, no preparados para desenvolver a funo de pesquisadores e sem for-mao pedaggica". O nmero de professores universitrios, no perodo de1950 a 1992, saltou de 25 mil para um milho, isto , 40 vezes (ConfernciaRegional de Ministros de Educacin, 1996).

    A preocupao com a qualidade dos resultados do ensino superior, so-bretudo os de graduao, aponta para a importncia da preparao poltica,cientfica e pedaggica de seus docentes. Tambm as novas demandas postasa esses profissionais (muitas vezes sobrecarregando-os) tm impulsionadoestudos e pesquisas na rea. Os temas tratados na Conferncia Mundial so-bre Educao Superior (1998) indicam claramente algumas dessas novasdemandas aos docentes universitrios:

    a qualidade da educao; a educao a distncia e as novas tecnologias; a gestoe o controle do ensino superior; o financiamento do ensino e da pesquisa; o mercado de trabalho e a sociedade; a autonomia e responsabilidades das insti-tuies; os direitos e liberdades dos professores do ensino superior; as condi-es de trabalho.

    No Brasil, quando se trata de formao de professores, na maioria dasvezes refere-se aos professores dos nveis de ensino no universitrio. Nalegislao educacional brasileira, a questo da formao do professor de en-sino superior tratada de forma pontual e superficial. A nova Lei de Diretri-zes e Bases da Educao Nacional (LDB) (Brasil, 1996), a mais abrangentelegislao educacional, dedica um artigo ao tema:

  • Art. 66 - A preparao para o exerccio do magistrio superior far-se- emnvel de ps-graduao, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.

    Pargrafo nico - O notrio saber, reconhecido por universidade com cur-so de doutorado em rea afim, poder suprir a exigncia de ttulo acadmico.

    A LDB no concebe a docncia universitria como um processo de forma-o, mas sim como de preparao para o exerccio do magistrio superior, quedever ser realizada prioritariamente (no exclusivamente) nos cursos deps-graduao stricto sensu. Nestes, ou mesmo nos cursos de ps-graduaolato sensu, em geral, essa preparao vem ocorrendo por meio de uma disci-plina de 45 a 60 horas, com diferentes caractersticas. Apesar de restritas,conferem alguma possibilidade de crescimento pedaggico aos docentes doensino superior. No entanto, importante que se considere a exigidadedesse tempo para profissionalizar qualquer profissional, incluindo, portan-to, a profissionalizao para a docncia na Universidade.

    Tambm importante que se considere que, para alm do contedo pro-posto nessa disciplina, as formas de ensino e de construo deste so determi-nantes e fundamentais para uma apreenso bem-sucedida por parte do pro-fessor-aprendiz. Uma preparao pedaggica que conduza a uma reconstru-o da experincia por parte do professor-aprendiz pode ser altamentemobilizadora para a reviso e construo de novas formas de ensinar. O di-logo entre a experincia e a histria, entre uma experincia e outra ou outras,o confronto das prticas com as contribuies da teoria, com suas leis, prin-cpios e categorias de anlise, num movimento de desvelar, pela anlise daprtica, a teoria em ao, o processo de investigao da prtica, de formaintencional, problematizando-a em seus resultados e no prprio processoefetivado, um desafio e uma possibilidade metodolgica na preparao pe-daggica dos docentes universitrios.

    O artigo 52, inciso I, da LDB de 1996, tambm responsvel pela amplia-o do interesse no campo da docncia universitria, ao estabelecer que asinstituies de ensino superior (universidades, centros universitrios, facul-dades integradas, faculdades e institutos superiores ou escolas superiores)devero contar com "um tero do corpo docente, pelo menos, com titulaode mestrado ou doutorado"; e que "o prazo para que as instituies cumpramo disposto ... de oito anos" ( 2, do art. 88, nas disposies transitrias).

    Apesar dessa regulamentao, estudos sobre a temtica revelam que a legislao educacional brasileira continua referindo-se docncia universit-ria de forma apenas cartorial ao exigir os ttulos de mestrado e doutorado,

  • uma vez que os processos avaliativos desencadeados pelos rgos governa-mentais, por sua vez, tm transformado as titulaes numa corrida sem pre-cedente (Baldino, 1999).

    Contraditoriamente, no entanto, esse movimento legal pode abrir pers-pectivas para que as universidades incorporem, de modo criativo, as experin-cias de formao de professores universitrios realizadas aqui e em outrospases e que comeam a se refletir na qualidade do ensino.

    Construindo caminhos

    Diante dos desafios da sociedade contempornea, repensar a institui-o universitria e a docncia torna-se uma necessidade premente. Os mo-delos universitrios so implementados de acordo com o grau de autonomiae as prioridades de cada pas e instituio. No Brasil, a concepo de treina-mento de profissionais para as necessidades do setor produtivo a dominan-te. Essa concepo, por sua vez, minimiza a participao dos professores nasdecises curriculares, restringindo-a ao espao disciplinar, o que dificulta o desenvolvimento de habilidades pedaggicas para que possam questionar ascontradies da formao dos estudantes e propor novas possibilidades. Osprofessores, preocupados com a execuo de suas disciplinas, permanecemdistanciados do objetivo principal do curso no qual lecionam: a formaoharmoniosa e integral de um profissional de nvel superior. A formao pro-veniente de um currculo concebido numa esfera e executado em outra, pormeio de docentes especializados em diferentes reas do conhecimento, almde proporcionar um carter sincrtico ao projeto pedaggico, facilita sobre-maneira a produo e reproduo do conhecimento acrtico (Cavallet, 1999).

    Ante as necessidades de transformaes sociais e a limitao do modelode formao dos setores dominantes, a ao docente deve ser repensada deforma a contribuir, decisivamente, na construo de novos paradigmas. Traba-lhando-se dialeticamente com o conhecimento humano e com suas inerentescontradies, h espao para a implementao de processos pedaggicos quepossibilitem a formao de profissionais socialmente mais compromissados(Cavallet, 2000).

    No Programa de Ps-Graduao da FEUSP, o Grupo de Estudos e Pesqui-sas sobre Formao de Professores na linha de pesquisa sobre docncia uni-versitria tem realizado anlises sobre experincias na rea que apontampara a superao dos impasses atuais. Exemplos dessas so as experincias

  • em desenvolvimento na Universidade Federal do Paran (UFPR), em especialno curso de Agronomia e no Centro Universitrio de Jaragu do Sul (Unerj),no Estado de Santa Catarina.

    Na UFPR, com a implantao de um amplo programa de avaliaoinstitucional no incio da dcada de 1990, buscou-se, alm de uma prestaode contas sociedade, uma reorientao dos planos, programas e projetosdos cursos (Zainko & Pinto, 1998). Nesse processo de avaliao, os Progra-mas "Auto-avaliao docente" e "Avaliao do docente pelo discente" provo-caram uma reflexo dos professores sobre a docncia. Segmentos significati-vos de professores de diversas reas, preocupados com o desempenho dadocncia evidenciado pelo processo avaliativo, passaram a buscar uma for-mao mais direcionada ao exerccio da atividade de ensinar.

    No curso de agronomia da UFPR, pioneiro na implantao do programa"Avaliao do docente pelo discente", a preocupao com a formao dosprofessores passou a ser uma constante. As atividades implementadas para a docncia visam principalmente propiciar um espao de reflexo articuladaque contribua com a formao inicial e continuada de educadores para o ensino superior.

    Das atividades implementadas no curso de Agronomia, h resultadosevidenciando que a introduo de uma disciplina sobre docncia universit-ria tanto pode redundar em resultados burocrticos e cartoriais, quando iso-ladamente implantada, quanto levar a processos de reviso da ao docente,quando implantada como parte integrante de uma proposta de formao maisabrangente. Nesse caso, gerou processos individuais e coletivos de revisodas prticas.

    Dos recursos utilizados nesse processo de reflexo das aes, a elabora-o pessoal de registros da histria de vida e de perspectivas da profissodocente, em forma de memorial, tem contribudo de modo significativo para o desenvolvimento profissional dos professores do referido curso. O que seusprofessores tm evidenciado na elaborao do Memorial de Formao conso-lida as afirmaes de Cunha (1998) sobre o potencial formativo desse recurso:

    O estudo da memria como fonte de informaes das construes afetivas e intelectuais dos sujeitos, tem se mostrado um instrumento importante para a compreenso dos fatos sociais. Em primeiro lugar, porque cada pessoa, em deter-minado momento, a sntese do que j viveu e do que gostaria de viver. Estamescla do ser e do dever ser do contornos leitura que se faz de si prprio. Emsegundo lugar, porque o exerccio de articulao do discurso sobre o passado, sobo ponto de vista do presente, seletivo e esta seletividade passa a ser o sistema

  • de referncia do que ou foi significativo. As experincias de vida e o ambientescio-cultural so componentes-chave na explicao do desempenho atual doprofessor, quer na categoria da reproduo quer na da contradio. O conjunto devalores e crenas que do escopo performance dos docentes so frutos de suahistria e suas experincias de vida do contornos ao seu desempenho.

    O Memorial de Formao, no caso da UFPR, tem possibilitado o desen-volvimento da habilidade de percepo prpria, do outro e de necessidadesComplementares. O processo, essencialmente reflexivo, desencadeia o devirde novas perspectivas para a docncia.

    Na experincia em processo no Centro Universitrio de Jaragu do Sul(Unerj), destaca-se uma pesquisa envolvendo um coletivo com 140 docentesuniversitrios em processo de profissionalizao continuada, durante dois anos(2000 e 2001), realizada no mbito do projeto institucional, cujos resultadosvm sendo registrados e analisados por equipe de pesquisa interinstitucional.2

    A profissionalizao continuada, em mbito institucional, vem demons-trando o espao que um projeto coletivo pode ocupar na reviso das prticaspedaggicas, pela reflexo sistemtica da ao docente.

    Partindo das necessidades coletivamente detectadas, busca colocar osprofessores em condies de reelaborar seus saberes, inicialmente por elesconsiderados como verdades, em confronto com as prticas cotidianas. As-sim, realizam a pesquisa da prpria prtica, analisando-a em relao aosquadros tericos obtidos nos textos estudados, ou pela anlise de filmes e de outras atividades. O alargamento intencional da compreenso do pro-cesso de construir-se continuamente como professor, da compreenso doprocesso coletivo e da compreenso do aluno como parceiro, so elementosessenciais reflexo dos docentes. Nesse sentido, os saberes da experinciaso tomados como ponto de partida e de chegada e fundamentais na constru-o do processo identitrio (Anastasiou, 1998).

    Segundo Pimenta (1999), o processo identitrio se constri a partir dossignificados sociais da profisso, da reviso das tradies, pelo significadoque cada professor como autor e ator confere atividade docente em seucotidiano, pela discusso da questo do conhecimento como cincia e daconstruo dos saberes pedaggicos.

    2 Pesquisa de ps-doutoramento coordenada pela Profa. Dra. La das Graas CamargosAnastasiou, com a orientao de Selma Garrido Pimenta, junto ao Programa de Ps-graduaoda FEUSP

  • No referido Projeto, os quadros tericos da didtica so colocados dis-posio dos docentes, a fim de que reformulem os princpios gerais que fo-ram construdos a partir das experincias vivenciadas. Discutidas e sistema-tizadas, por sua vez, propiciam novas snteses a partir dos contextos nosquais o processo ocorre. Da a importncia de estar vivenciando diferentesatividades processadas coletivamente e comparadas a possveis situaes a serem propostas em sala de aula. Concorda-se assim com Houssaye (apudPimenta, 1999) que "a especificidade da formao pedaggica, tanto inicialquanto contnua, no refletir sobre o que se vai fazer, nem sobre o que sedeve fazer, mas sobre o que se faz".

    Refletir coletivamente sobre o que se faz colocar-se na roda, deixar-se conhecer, expor-se. Esse movimento, em geral, no constitui hbito paraos docentes do ensino superior, acostumados a processos de planejamento,execuo e avaliao das atividades (tanto de pesquisa quanto de ensino) deforma individual, individualista e solitria. Superar essa forma de atuaotambm pode ser processual: no grupo so construdos vnculos e as situa-es vivenciadas so analisadas, e sempre haver aqueles que prontamenteaderem s atividades e outros que, em seu ritmo, vo se soltando e se expon-do a si mesmos e ao grupo de trabalho.

    Um processo coletivo tambm possibilita conhecimento mtuo e vincu-lao entre os pares, e entre o coletivo e a instituio: fazer-se professor noprocesso continuado requer intencionalidade, envolvimento, disponibilida-de para mudana, espao institucional, coragem, riscos, flexibilidade mental,enfrentamento de alteraes previsveis e imprevisveis.

    O avanar no processo da docncia e do desenvolvimento profissional,pela preparao pedaggica, no se dar em separado de processos de desen-volvimento pessoal e institucional: esse o desafio a ser hoje considerado naconstruo da docncia no ensino superior.

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