Macário estava então na plenitude do amor e da alegria

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Singularidades de Uma Rapariga Loura in Obras de Eça de Queiroz – Contos , 20.ª edição, Livros do Brasil, Lisboa, s/d - pp. 30-3 4. Macário estava então na plenitude do aor e da ale!ria. "ia o #i da sua vida preenc$ido, copleto, radioso. %stava &uase sepre e casa da noiva, e u dia andava-a acopan$ando, e copras, pelas lo'as. %le eso l$e &uisera #a(er u pe&ueno presente, nesse dia. ) ãe tin$a #icado nua odista *+, nu prieiro andar da ua do uro, e eles tin$a descido, ale!reente, rindo, a u ourives &ue $avia e baio, no eso prdio, na lo'a. dia estava de 1nverno, claro, #ino, #rio, co u !rande cu a(ul-#errete, pro#undo, luinoso, consolador . - ue bonito dia - disse Macário. % co a noiva pelo braço, cain$ou u pouco, ao coprido do passeio. - %stá - disse ela. - Mas pode r eparar, n s ss... - 5eia, está tão bo... - 6ão, não. % Lu7sa arrastou-o brandaente para a lo'a do ourives. %stava apenas u caieiro, tri!ueiro*2, de cabelo $irsuto *3. Macário disse-l$e8 - ueria ver anis. - 9o pedras - disse Lu7sa - e o ais bonito. - :i, co pedras - disse Macário. - )etista, !ranada. %n#i, o el$or. %, no entanto, Lu7sa ia eainando as ontras #orradas de veludo a(ul, onde relu(ia as !rossas pulseiras crave'adas, os !ril$;es, os colares de caa#eus *4, os anis de aras, as #i nas alianças, #rá!eis coo o aor, e toda a cintilação da pesada ourivesaria. - "<, Lu7sa - disse Macário. caieiro tin$a estendido, na outra e treidade do balcão, e cia do vidro da ontra, u relu(ente espal$ado de anis de ouro, de pedras, lavrados, esaltados= e Lu7sa, toando-os e deiando-os co as pontas dos dedos, ia-os correndo e di(endo8 - > #eio. > pesado. > lar!o. - "< este - disse-l$e Macário. %ra u anel de pe&uenas prolas. - > bonito - disse ela. - > lindo - 5eia ver se serve - disse Macário. % toando-l$e a ão, eteu-l$e o anel deva!arin$o, doceente, no dedo, e ela ria, co os seus brancos dentin$os #inos, todos esaltados. - > uito lar!o - disse Macário. - ue pena - )perta-se, &uerendo. 5eie a edida. ?e-no pronto aan$ã. - Boa ideia - disse Macário - si sen$or. @or&ue uito bonito. 6ão verdadeA ) s prolas uito i!uais, uito claras. Muito bonito % estes brincosA - acrescentou, indo ao #i do balcão, a outra ontra. - %stes brincos co ua conc$aA - 5e( oedas - disse o caieiro. %, no entanto, Lu7sa continuava eainando os anis, eperientando-os e todos os dedos, revolvendo a&uela delicada ontra, cintilante e preciosa. Mas, de repente, o caieiro #e(-se uito pálido, e a#irou-se e Lu7sa, passando 1

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Singularidades de Uma Rapariga Loura in Obras de Eça de Queiroz – Contos,20.ª edição, Livros do Brasil, Lisboa, s/d - pp. 30-34.

Macário estava então na plenitude do aor e da ale!ria."ia o #i da sua vida preenc$ido, copleto, radioso. %stava &uase sepre e casada noiva, e u dia andava-a acopan$ando, e copras, pelas lo'as. %le esol$e &uisera #a(er u pe&ueno presente, nesse dia. ) ãe tin$a #icado nua odista*+, nu prieiro andar da ua do uro, e eles tin$a descido, ale!reente, rindo,a u ourives &ue $avia e baio, no eso prdio, na lo'a. dia estava de 1nverno, claro, #ino, #rio, co u !rande cu a(ul-#errete, pro#undo,luinoso, consolador.- ue bonito dia - disse Macário.% co a noiva pelo braço, cain$ou u pouco, ao coprido do passeio.

- %stá - disse ela. - Mas pode reparar, ns ss...- 5eia, está tão bo...- 6ão, não.% Lu7sa arrastou-o brandaente para a lo'a do ourives.%stava apenas u caieiro, tri!ueiro*2, de cabelo $irsuto *3.Macário disse-l$e8- ueria ver anis.- 9o pedras - disse Lu7sa - e o ais bonito.- :i, co pedras - disse Macário. - )etista, !ranada. %n#i, o el$or.%, no entanto, Lu7sa ia eainando as ontras #orradas de veludo a(ul, onderelu(ia as !rossas pulseiras crave'adas, os !ril$;es, os colares de caa#eus *4,os anis de aras, as #inas alianças, #rá!eis coo o aor, e toda a cintilação dapesada ourivesaria.- "<, Lu7sa - disse Macário. caieiro tin$a estendido, na outra etreidade do balcão, e cia do vidro daontra, u relu(ente espal$ado de anis de ouro, de pedras, lavrados, esaltados=e Lu7sa, toando-os e deiando-os co as pontas dos dedos, ia-os correndo edi(endo8- > #eio. > pesado. > lar!o.- "< este - disse-l$e Macário.%ra u anel de pe&uenas prolas.

- > bonito - disse ela. - > lindo- 5eia ver se serve - disse Macário.% toando-l$e a ão, eteu-l$e o anel deva!arin$o, doceente, no dedo, e ela ria,co os seus brancos dentin$os #inos, todos esaltados.- > uito lar!o - disse Macário. - ue pena - )perta-se, &uerendo. 5eie a edida. ?e-no pronto aan$ã.- Boa ideia - disse Macário - si sen$or. @or&ue uito bonito. 6ão verdadeA )sprolas uito i!uais, uito claras. Muito bonito % estes brincosA - acrescentou, indoao #i do balcão, a outra ontra. - %stes brincos co ua conc$aA- 5e( oedas - disse o caieiro.%, no entanto, Lu7sa continuava eainando os anis, eperientando-os e todos

os dedos, revolvendo a&uela delicada ontra, cintilante e preciosa.Mas, de repente, o caieiro #e(-se uito pálido, e a#irou-se e Lu7sa, passando

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va!arosaente a ão pela cara.- Be - disse Macário, aproiando-se - então aan$ã teos o anel pronto. ) &ue$orasA0 caieiro não respondeu e coeçou a ol$ar #iaente para Macário.- ) &ue $orasA

- )o eio-dia.- Be, adeus - disse Macário. % ia sair. Lu7sa tra(ia u vestido de lã a(ul, &uearrastava u pouco, dando ua ondulação elodiosa ao seu passo, e as suasãos pe&ueninas estava escondidas nu re!alo* branco.- @erdão - disse de repente o caieiro.Macário voltou-se.- 0 sen$or não pa!ou.Macário ol$ou para ele !raveente.- %stá claro &ue não. )an$ã ven$o buscar o anel, pa!o aan$ã.- @erdão - disse o caieiro. - Mas o outro...- ual outroA - disse Macário co ua vo( surpreendida, adiantando-se para o

balcão.- %ssa sen$ora sabe C disse o caieiro. - %ssa sen$ora sabe.Macário tirou a carteira lentaente.- @erdão, se $á ua conta anti!a... caieiro abriu o balcão, e co u aspecto resoluto8- 6ada, eu caro sen$or, de a!ora. > u anel co dois bril$antes &ue a&uelasen$ora leva.- %u - disse Lu7sa, co a vo( baia, toda escarlate.- ue A ue está a di(erA% Macário, pálido, co os dentes cerrados, contra7do, #itava o caieirocolericaente. caieiro disse então8- %ssa sen$ora tirou dali u anel. - Macário #icou ivel encarando-o. - D anelco dois bril$antes. "i per#eitaente. - caieiro estava tão ecitado, &ue a suavo( !a!ue'ava, prendia-se espessaente.- %ssa sen$ora não sei &ue . % tirou-odali...Macário, a&uinalente, a!arrou-l$e no braço, e voltando-se para Lu7sa, co apalavra aba#ada, !otas de suor na testa, l7vido8- Lu7sa, di(e... - Mas a vo( cortou-se-l$e.- %u... - disse ela. Mas estava trula, assobrada, en#iada, descoposta.% tin$a deiado cair o re!alo ao c$ão.

Macário veio para ela, a!arrou-l$e no pulso #itando-a8 e o seu aspecto era tãoresoluto e tão iperioso, &ue ela eteu a ão no bolso, bruscaente, apavorada, eostrando o anel8- 6ão e #aça al - disse, encol$endo-se toda.- Macário #icou co os braços ca7dos, o ar abstracto, os beiços brancos= as derepente, dando u puão ao casaco, recuperando-se, disse ao caieiro8- ?e ra(ão. %ra distracção. %stá claro %sta sen$ora tin$a-se es&uecido. > o anel.:i, si, sen$or, evidenteente... ?e a bondade. ?oa, #il$a, toa. 5eia estar,este sen$or ebrul$a-o. uanto custaA- )briu a carteira e pa!ou.5epois apan$ou o re!alo, sacudiu-o brandaente, lipou os beiços co o lenço,

deu o braço a Lu7sa e di(endo ao caieiro8 E5esculpe, desculpeF, levou-a, inerte,passiva, etinta e aterrada.

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5era al!uns passos na rua. D lar!o sol aclarava o !nio #eli(8 as se!espassava, rolando ao estalido do c$icote8 #i!uras rison$as passava, conversando8os pre!;es !ania os seus !ritos ale!res8 u caval$eiro de calção de anta #a(ialadear o seu cavalo, en#eitado de rosetas= e a rua estava c$eia, ruidosa, viva, #eli( ecoberta de sol.

- Macário ia a&uinalente, coo no #undo de u son$o. @arou a ua es&uina.?in$a o braço de Lu7sa passado no seu= e via-l$e a ão pendente, ora de cera, coas veias doceente a(uladas, os dedos #inos e aorosos8 era a ão direita, ea&uela ão era a da sua noiva %, instintivaente, leu o carta( &ue anunciava paraessa noite, E@ala#o( e :ara!oçaF.5e repente, soltando o braço de Lu7sa, disse-l$e baio8- "ai-te.- uve... - disse ela, co a cabeça toda inclinada.- "ai-te. - % co a vo( aba#ada e terr7vel8 - "ai-te. l$a &ue c$ao. Mando-te para o )l'ube. "ai-te.- Mas ouve, Gesus - disse ela.

- "ai-te - % #e( u !esto, co o pun$o cerrado.- @elo aor de 5eus, não e batas a&ui - disse ela, su#ocada.- "ai-te, pode reparar. 6ão c$ores. l$a &ue v<e. "ai-te% c$e!ando-se para ela disse baio8- >s ua ladra% voltando-l$e as costas, a#astou-se, deva!ar, riscando o c$ão co a ben!ala. H distIncia, voltou-se8 ainda viu, atravs dos vultos, o seu vestido a(ul.9oo partiu nessa tarde para a prov7ncia, não soube ais da&uela rapari!a loura.

Vocabulário:

*+ modista8 ul$er &ue te por o#7cio #a(er vestuário de sen$oras.

*2 u caieiro trigueiro8 oreno * to de pele, ol$os e cabelos escuros.

*3 o cabelo estava hirsuto8 o cabelo estava lon!o e espesso.

*4 os colares de camafeus8 pedra preciosa, co duas caadas di#erentes na cor,sobre ua das &uais se lavrou ua #i!ura e relevo, J &ual serve de #undo a outracaada.

* as ãos escondidas nu regalo branco8 utens7lio, !eralente e pele, e &uese res!uarda do #rio as ãos.

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