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Maria Isabel Strong BIOÉTICA E FAMÍLIA: UM OLHAR BIOÉTICO SOBRE DISPOSITIVOS JURÍDICOS BRASILEIROS PARA A GUARDA DE FILHOS Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Bioética do Centro Universitário São Camilo, orientado pelo Prof. Dr. Márcio Fabri dos Anjos e pela Profª Drª Maria Auxiliadora Cursino Ferrari, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Bioética. São Paulo 2010

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Maria Isabel Strong

BIOÉTICA E FAMÍLIA: UM OLHAR BIOÉTICO SOBRE DISPOSITIVOS JURÍDICOS

BRASILEIROS PARA A GUARDA DE FILHOS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Bioética do Centro Universitário São Camilo, orientado pelo Prof. Dr. Márcio Fabri dos Anjos e pela Profª Drª Maria Auxiliadora Cursino Ferrari, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Bioética.

São Paulo 2010

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Pe. Inocente Radrizzani

Strong, Maria Isabel

Bioética e família: Um olhar bioético sobre dispositivos brasileiros para a guarda de filhos. / Maria Isabel Strong -- São Paulo : Centro Universitário São Camilo, 2010.

58p.

Orientação de Márcio Fabri dos Anjos e Maria Auxiliadora Cursino Ferrari

Dissertação de Mestrado em Bioética, Centro Universitário São Camilo, 2010.

1. Bioética 2. Família 3. Relações familiares I. Anjos, Márcio Fabri II. Ferrari, Maria Auxiliadora Cursino III. Centro Universitário São Camilo IV. Título.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos os pais e mães que

buscam seus filhos e a todos os filhos que buscam seus

pais.

Que possam todos superar as mágoas e agruras da

separação e reencontrar o afeto, a segurança e a

convivência.

Nossos filhos não nos pertencem. Eles nos são

emprestados...

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AGRADECIMENTOS

A Deus, Pai amoroso e compreensivo que me permitiu realizar este trabalho,

amparando-me em todos os momentos da minha vida.

À saudosa memória dos meus pais, David e Maria, com os quais primeiro aprendi sobre

o que é Família. E a meu avô, Meyer David Strong, a quem não conheci e que uniu três

continentes, três culturas, formando uma Família em três dimensões.

Ao meu companheiro de jornada, Homero, que me permitiu experimentar as alegrias de

formar uma Família.

À Carolina, minha filha querida, fruto do amor e significado da minha vida, com quem

aprendi a ser mãe.

Aos estimados Padre Leo e Padre Christian do Centro Universitário São Camilo, que

tornaram possível para mim a concretização do mestrado.

Ao eminente Prof. Dr. William Saad Hossne, que conduz com sabedoria o Mestrado em

Bioética do Centro Universitário São Camilo.

Aos colegas do Serviço Social e Psicologia do Fórum Central e do Grupo de Estudos

Família que compartilharam comigo o interesse pelo estudo do tema.

Aos meus queridos orientadores, amigos e mestres Márcio Fabri dos Anjos e Maria

Auxiliadora Cursino Ferrari (Maricy), que me ensinaram muito e me apoiaram no

desenvolvimento deste trabalho.

A todos, meu agradecimento e minha eterna gratidão por fazerem parte da minha

Família ampliada. Agora vocês estarão comigo para sempre.

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EPÍGRAFE

Os filhos

Vossos filhos não são vossos filhos

São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.

Vêm através de vós, mas não de vós.

E embora vivam convosco, não vos pertencem.

Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos.

Porque eles têm seus próprios pensamentos.

Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;

Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho

Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não podem fazê-los como vós,

Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.

O Arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força

Para que suas flechas se projetem rápido e para longe

Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria;

Pois assim como Ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável.

Gibran Khalil Gibran

do livro : O Profeta

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STRONG, Maria Isabel. Bioética e Família: um olhar bioético sobre dispositivos brasileiros para a guarda de filhos. 2010. 58f. Dissertação (Mestrado em Bioética) – Centro Universitário São Camilo, São Paulo, 2010.

As transformações e complexidades da Família na atualidade remetem a questionamentos éticos que se caracterizam pela necessidade de reflexão profunda, no âmbito das ciências humanas e sociais. Para compreender Família no contexto atual é necessário investigar e entender os seus valores fundantes, através dos tempos, desde os primórdios até a modernidade. O objetivo deste trabalho foi compreender Família sob o olhar da Bioética, situando dois novos dispositivos jurídicos brasileiros para guarda de filhos – Guarda Compartilhada e proibição da Alienação Parental. Trata-se de estudo exploratório e descritivo, utilizando-se fontes bibliográficas e documentais, apresentando a contribuição do Serviço Social na defesa dos direitos da família em situação de litígio judicial. O tema é estudado segundo os Referenciais da Vulnerabilidade e da Autonomia, colocando a Bioética como fonte privilegiada para ampliação e entendimento da dimensão e complexidade das relações familiares. Concluiu-se que analisar a Família moderna sob o olhar da Bioética representa um avanço e uma ponte (na visão potteriana) para construir reflexões profundas sobre relações familiares e valores, imprescindíveis à perpetuação da nossa humanidade. Palavras-chave: Bioética. Família. Relações familiares.

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STRONG, Maria Isabel. Bioethics and Family: A look on bioethical Brazilian devices for child custody. 2010. 58f. Dissertation (Master in Bioethics) – Centro Universitário São Camilo, São Paulo, 2010.

The changes and complexities of the Family in the news refer to ethical questions that are characterized by the need for deep reflection within the humanities and social sciences. To understand Family in the current context is necessary to investigate and understand their founding values through time from the beginning until modern times. The aim of this study was to understand family from the perspective of bioethics, placing two new devices for Brazilian legal custody of children – joint custody and prohibition of parental alienation. It is an exploratory and descriptive study, using bibliographic and documentary sources, showing the contribution of Social Service in defense of family rights in situations of litigations. The subject was studied according to the Reference Points of Vulnerability and Autonomy, Bioethics placing primary source for understanding and expanding the size and complexity of family relationships. We conclude that consider the family from the perspective of modern bioethics is a step forward and a bridge (the view potteriana) to build profound insights into family relationships and values, essential to the perpetuation of our humanity. Keywords: Bioethics. Family. Family relationships.

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SUMÁRIO

Resumo

Abstract

1 INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 9

2 BREVE HISTÓRIA DA FAMÍLIA............................................................................... 15

2.1 Pós-modernidade e Família................................................................................... 20

2.2 A “crise” da Família na pós-modernidade........................................................... 23

3 FAMÍLIAS QUE SE SEPARAM: A GUARDA DE FILHOS........................................ 27

3.1 O Serviço Social Judiciário nas Varas de Família e Sucessões........................ 29

3.1.1 O Laudo Pericial.................................................................................................. 31

3.1.2 O Parecer Social.................................................................................................. 32

3.2 Novos dispositivos jurídicos: guarda compartilhada e

proibição à alienação parental.................................................................................... 33

3.2.1 O papel do pai...................................................................................................... 37

4 REFERENCIAIS DA BIOÉTICA PARA A FAMÍLIA................................................... 39

4.1 A atualidade da Bioética segundo Potter............................................................. 40

4.2 Família sob o olhar da Bioética............................................................................. 43

4.3 O conceito de Vulnerabilidade.............................................................................. 44

4.4 Vulnerabilidade, autonomia e papéis parentais.................................................. 46

5 CONCLUSÃO............................................................................................................. 49

REFERÊNCIAS

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1 INTRODUÇÃO

Todo ser humano, ao nascer, faz parte de algum tipo de agregado social humano

ao qual denominamos família. É esta condição especial que nos possibilita difundir e

propagar de várias maneiras, nossos genes e os traços da nossa cultura. São muitas as

famílias humanas, com diferentes formas de ser e de viver. Desde os primórdios da

humanidade, a família sempre foi o grupo social que garantiu a sobrevivência da

espécie humana, mas, com o passar das eras, seus contornos foram mudando e o

conceito de família evoluiu.

Este trabalho tem como finalidade entender e situar a família no contexto atual da

pós-modernidade, oferecendo a oportunidade de uma reflexão sobre o tema, à luz da

Bioética. Visa despertar o interesse de profissionais das áreas humanas e sociais para

a interface Família e Bioética, ampliando a compreensão acerca das diversidades que

compõem as famílias, na sociedade contemporânea.

O interesse pelo tema da pesquisa surgiu de discussões e reflexões sobre o

trabalho realizado que como assistente social perita das Varas de Família e Sucessões

do Foro Central do Tribunal de Justiça de SP.

Observa-se que hoje em dia, genitores do sexo masculino pleiteiam mais

efetivamente a guarda e o cuidado dos filhos, seja na vigência da união familiar, ou

depois de concretizada a separação conjugal, ou, ainda, em casos de relacionamentos

eventuais que deram origem à prole. Isso demonstra que, na prática cotidiana dos

assistentes sociais judiciários, estão presentes tanto elementos da mudança cultural e

valorativa dos agrupamentos humanos, quanto os embates da vida intersubjetiva dos

indivíduos que compõem o que denominamos de família.

Pode-se perceber que o Judiciário reflete, como um espelho, as transformações

societárias em curso. Nesse contexto, está emergindo um fenômeno microssocial – o

novo papel do pai –, que certamente provocará mudanças de natureza macrossocial

nas novas configurações das relações familiares.

As mudanças que vêm ocorrendo nos papéis parentais podem suscitar

questionamentos éticos e bioéticos sobre a família, considerando que esse organismo é

primordial à perpetuação da nossa humanidade.

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Família é um tema bastante amplo, passível de ser pesquisado de forma

interdisciplinar em vários campos das ciências humanas. Nesse cenário, volta-se o

estudo para o trabalho do Serviço Social aplicado ao Direito de Família, em sua

interface com a Bioética, buscando desvelar sentidos novos sobre os valores que

embasam as relações familiares.

A escolha do tema atendeu a motivações internas da pesquisadora, que,

selecionando um assunto de acordo com suas aptidões profissionais, investigou um

objeto de estudo delimitado em função da pesquisa, focalizando o exame da guarda

compartilhada e da proibição à alienação parental, instituídas recentemente pela

legislação infraconstitucional brasileira. Delimitado, assim, o objeto de estudo, foi

definida a seguinte questão como problema de pesquisa:

Os referenciais da Bioética, autonomia e vulnerabilidade, podem nos propiciar

melhor compreensão sobre os novos dispositivos jurídicos Guarda compartilhada e

proibição da Alienação Parental e contribuir para minimizar a fragilização das relações

familiares entre ex-cônjuges e filhos, no exercício responsável da maternidade e da

paternidade?

Segundo Lakatos e Marconi (1992), o problema de pesquisa consiste em uma

interrogação a ser respondida e nasce da inquietação do pesquisador quanto aos

motivos que deram origem ao estudo. É o momento em que se determina a face

específica do tema a ser investigado, tendo em vista os objetivos da pesquisa.

O problema formulado atendeu aos requisitos científicos e mostrou ser

metodologicamente viável e relevante. Na fase de formulação da pesquisa, representou

um aspecto novo a ser investigado e, depois de realizada a pesquisa, verificou-se que a

hipótese formulada foi satisfatoriamente respondida, a saber:

Os dispositivos jurídicos da guarda compartilhada e da proibição da alienação

parental são decorrentes das novas configurações sociojurídicas familiares e, se

examinados à luz dos referenciais da Bioética, contribuem para diminuir as

vulnerabilidades na relação entre ex-cônjuges e filhos.

A formulação do problema de pesquisa e a hipótese trouxeram conclusões

significativas. Elas atendem aos interesses acadêmicos de pesquisadores, operadores

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do Direito, dos profissionais das Ciências Sociais e do público em geral, como se pode

inferir dos resultados da pesquisa.

Este estudo demonstrou que a família contemporânea vive os efeitos das

modificações ocorridas na sociedade, tais como: industrialização, urbanização e

desenvolvimento populacional crescente das grandes cidades. Na família considerada

pós-moderna, o número de componentes se tornou menor, e as interações afetivas

tornaram-se o cerne das relações. A dupla (até tripla) jornada de trabalho da mulher

também é traço marcante na realidade hodierna, o que trouxe modificações nas

relações matrimoniais e familiares, de natureza negativa e positiva.

Vários desenhos possibilitam diferentes arranjos para as situações que surgem. As

novas modalidades de família incluem, entre outras, as famílias monoparentais

femininas e as famílias homoparentais, também denominadas homoafetivas.

As famílias monoparentais femininas já representam cerca de trinta por cento na

realidade brasileira. Entretanto, começam a surgir, também, as famílias monoparentais

masculinas, formadas pelo pai e seus filhos.

A transformação dos costumes, principalmente sociais e culturais, provoca o

aparecimento de relações mais frágeis, nas quais homens e mulheres assumem

angústias e culpas, relativas à paternidade e à maternidade. Casamentos fazem-se e

desfazem-se com a fluidez própria da nossa pós-modernidade, em que as

comunicações são rápidas e voltadas para a satisfação de necessidades imediatas.

No mundo globalizado, a velocidade da informação ultrapassa o senso de

percepção e, assim, torna-se mais difícil manter a capacidade de observação,

principalmente crítica. Com isso, o indivíduo perde parte de sua sensibilidade e passa a

vivenciar uma experiência em que os valores do consumo imediato sobrepõem-se aos

valores da condição humana.

A família sofre a influência desses novos valores, refletindo essa condição na forma

de organização que demonstra uma “transição” entre o tradicional e o moderno, à qual

convergem múltiplas situações, favoráveis e desfavoráveis. É nesse cenário que se

destaca a crescente importância que vêm assumindo as diferentes formas de

convivência familiar, com a adoção de novos papéis parentais, tanto do homem quanto

da mulher.

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A mulher, antes figura considerada frágil e passiva diante das relações conjugais (e,

na era romântica, sempre dona de casa), hoje assume papéis importantes não somente

na educação dos filhos, mas, também, no mercado formal e informal de trabalho. Essa

configuração do papel da mulher, decorrente das conquistas do gênero feminino, leva à

emergência de outro complementar papel social: o novo papel do homem.

Aos poucos, se observa que os homens vêm desempenhando papéis antes

destinados quase exclusivamente à mulher, como o cuidado e a guarda dos filhos.

Entre casais que se separam, é cada vez maior o número de genitores do sexo

masculino que pleiteiam a guarda (única ou compartilhada) dos filhos advindos do

casamento e de uniões desfeitas, ou, ainda, provenientes de relacionamentos

eventuais.

O volume crescente de pais que ingressam com Ações de Guarda ou Modificação

de Guarda nas Varas de Famílias e Sucessões nos Foros do Tribunal de Justiça denota

um fenômeno social em curso, estudado de maneira ainda insipiente pelos operadores

do Direito e pelas Ciências Sociais.

Interessante é notar como a legislação brasileira vem estabelecendo novos

dispositivos jurídicos para atender às demandas atuais das famílias e da sociedade, por

uma justiça mais afinada com as mudanças sociais. Dois recentes dispositivos jurídicos

brasileiros modificaram a guarda de filhos, proibindo o genitor guardião de afastar o

outro genitor do convívio com a criança. São eles, respectivamente:

A Lei n. 11.698, de 13 de Junho de 2008, que altera os artigos 1.583 e 1.584 da

Lei n. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 – Código Civil, para instituir e disciplinar

a Guarda Compartilhada entre os genitores que se separam.

O Projeto de Lei n. 4.053/08, que dispõe sobre a Síndrome da Alienação

Parental1, teve, em 15 de julho de 2009, o seu substituto aprovado pela

Comissão de Seguridade Social e Família, passando pela Comissão de

Constituição e Justiça. Sendo confirmado no Senado, seguirá para sansão

Presidencial.

1 A Síndrome da Alienação Parental – SAP é caracterizada quando o pai ou a mãe, após a separação,

leva o filho a odiar o outro. O Projeto de Lei prevê, além da perda da guarda, a prisão de até dois anos para o autor da alienação parental em crianças e adolescentes.

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O assunto desperta a atenção e o interesse de profissionais das Ciências Sociais e

operadores do Direito, para melhor compreensão acerca da diversidade que compõe a

família na sociedade contemporânea. A partir da nossa prática enquanto assistente

social judiciário das Varas de Família e Sucessões do Foro Central de São Paulo,

atuando como perita em Ações de Direito de Família, temos como propósito, com este

trabalho, oferecer a oportunidade de uma reflexão acerca de Família, contemplando

guarda compartilhada e alienação parental à luz da Bioética.

Para fundamentação teórica do trabalho de pesquisa, articulamos quatro áreas de

conhecimento: Antropologia, Sociologia, Serviço Social e Bioética, de modo a formar

um panorama amplo, demonstrando a necessidade de ampliação deste estudo. O tema

é abordado em três aspectos interrelacionados, segundo os autores consultados. São

eles:

1. Modernidade e família, vistas sob os ângulos da antropologia e da sociologia:

Para compreender família, o presente estudo fundamentou-se em uma visão

histórica e prospectiva, com base em referenciais teóricos da antropologia e da

sociologia, destacando, em especial, os autores clássicos Engels (1946) e

Morgan (citado por Engels), além de especialistas mais recentes como

Canevacci (1981), Petrini (2003) e Therborn (2006).

2. Guarda compartilhada e alienação parental, sob o aspecto do Serviço Social

Judiciário e outras disciplinas:

Escolhemos investigar dois novos dispositivos jurídicos brasileiros, que visam a

atenuar ou a sanar as vulnerabilidades familiares decorrentes da separação

conjugal. A legislação sobre guarda compartilhada e alienação parental é

confrontada com a questão da vulnerabilidade da família que se separa. O tema

é visto sob o aspecto do Serviço Social enquanto profissão de defesa dos

direitos sociais e humanos, atuando no âmbito do Judiciário. Quanto ao estudo

dos novos mecanismos jurídicos e à sua aplicação no processo de ajuda a

famílias que se separam, apontamos a contribuição teórica da APASE –

Associação de Pais e Mães Separados –, bem como de autores do Serviço

Social e da Psicologia, em especial Nazareth (2004), Silva (2004), Gomes

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(2004), Sarmento (2005) e Shine (2003 e 2005). Destacamos a elaboração

teórica de Fávero (2003) e Gueiros (2002) pelo Serviço Social.

3. Bioética e família que se separa, vista pelo referencial da Vulnerabilidade:

A correlação entre Bioética e família é enfocada em um sentido abrangente,

potteriano, não reducionista. Neste estudo, entende-se Bioética como ética da

vida, em visão pluralista, multidisciplinar, que abrange as questões do cotidiano

dos seres humanos e suas consequências intergeracionais. O referencial da

Vulnerabilidade é enfocado segundo os autores Hossne (2006; 2009), Anjos

(2006) e Neves (2007).

O trabalho se compõe de três capítulos. O primeiro, Breve histórico da Família tece

um panorama de fundo para compreensão das famílias desde suas origens remotas até

o processo de modernização e os novos arranjos familiares da nossa pós-modernidade.

O segundo capítulo, Famílias que se separam e a guarda de filhos, mostra a atuação

do assistente social judiciário nas Ações do Direito de Família, exercendo a função de

perito social. Demonstra, também, as mudanças sociojurídicas em relação à guarda de

filhos, com o advento dos novos dispositivos jurídicos brasileiros sobre a guarda

compartilhada e a proibição à alienação parental. O terceiro capítulo, Referenciais da

Bioética para Família, apresenta a importância da compreensão da interface entre

Família e Bioética e o que se pode esperar da sinergia entre esses conhecimentos.

A complexidade da família, na atualidade, remete a questionamentos éticos e de

valores, que se caracterizam por uma reflexão profunda e cada vez mais necessária,

nas ciências humanas e sociais. Profissionais, cientistas, filósofos, teólogos e pessoas

comuns mostram, cada vez mais, interesse em refletir de maneira interdisciplinar sobre

o estatuto da dignidade da vida, pois os benefícios dessa reflexão certamente estão

relacionados à continuidade e sobrevivência da nossa humanidade no planeta Terra. As

ameaças à sobrevivência do ser humano não se prendem apenas às hecatombes e

convulsões que ocorrem no meio ambiente, mas, também, às possibilidades cada vez

mais próximas de modificações em nossa condição humana, biopsicossocial.

Para salvaguardar nossa sobrevivência, precisamos entender os valores culturais

que embasam a família, primordial instituição, que forma a nossa sociedade. Nosso

intento foi mostrar neste estudo como a Bioética pode ser fonte de reflexões

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privilegiadas sobre o organismo Família, no que concerne ao saber acumulado de

pensadores e cientistas, interessados em compreender “para onde caminha a

humanidade”.

2 BREVE HISTÓRIA DA FAMÍLIA

A origem da família humana se perde nas brumas da história, e pouco se sabe

acerca das formas mais remotas de matrimonio e uniões, para a formação das

sociedades antigas. Segundo Engels (1946), Morgan (1877) deu início à antropologia

moderna dizendo que estamos acostumados a considerar a família monogâmica como

“a forma familiar por excelência”. Contudo, Morgan alerta que “a família evoluiu através

de sucessivos estágios de desenvolvimento, dos quais a família monogâmica constituiu

a última forma”. (ENGELS, 1946, p. 27).

Ainda segundo Morgan (1877), em quem Engels se inspirou para elaborar sua

importante obra Origem da família, da propriedade privada e do Estado, escrita em

1884, a família primitiva evoluiu do comércio sexual sem restrições para formas mais

organizadas de convivência grupal.

Reconstituindo esta parte da história da família, Morgan está de acordo com a

maior parte de seus colegas acerca de um primitivo estado de coisas segundo a

qual no seio de uma tribo imperava o comércio sexual sem obstáculos, de tal

sorte que cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem

a todas as mulheres. (ENGELS, 1946, p. 28).

Para Morgan, citado por Engels (1946), a pré-história da humanidade é composta,

basicamente, por três fases: estado selvagem, barbárie e civilização.

1. Estado selvagem: É dividido em três subfases: fase inferior, média e

superior. No decorrer de todo esse período, pode-se indicar como principais

progressos: a formação da linguagem articulada; o advento do fogo; e a

apropriação de produtos da natureza pelo homem.

2. Barbárie: Nesse estágio constata-se o aparecimento da criação de gado e a

agricultura. Além disso, observa-se o incremento da produção, a partir da

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natureza, pelo trabalho humano. Com a barbárie, passa-se a notar e perceber

diferenças de condições naturais entre o continente ocidental e o oriental.

3. Civilização: Verifica-se que há uma série de variáveis, como o início da

indústria e da arte, a elaboração mais complexa dos produtos naturais pelo

homem e a própria invenção da escrita, que contribuíram de forma expressiva

para a transição do período da barbárie para a civilização. (ENGELS, 1946, p.

17-24).

Engels (1946) salienta que, naturalmente, Morgan, em sua obra fundamental,

Sociedade Antiga (1877), só descreve e caracteriza as duas primeiras fases da pré-

história humana e a passagem para a terceira. Contudo, seus estudos pioneiros

contribuíram para entendermos a formação inicial da família humana.

Morgan (1877), também citado por Canevacci (1981) destaca que: “na família

antiga, podem-se distinguir cinco formas diferentes e sucessivas de família, cada uma

delas com uma instituição matrimonial peculiar”. São elas:

1. Família consanguínea: fundava-se no intercasamento de irmãos e irmãs,

carnais e colaterais, no interior de um grupo. Existia tanto a poligamia (para os

homens) quanto a poliandria (para as mulheres).

2. Família punaluana: neste estágio excluem-se as relações sexuais entre

irmãos carnais, constituindo-se uma espécie de matrimônio por grupos. Aqui

são instituídas e formuladas as gens, ou seja, um círculo fechado de parentes

consanguíneos por linha materna, que não se podem casar uns com os outros.

3. Família sindiásmica: aparece na fase superior do estado selvagem, no

limite que o separa da barbárie. No período inicial da barbárie, essa forma de

família era caracterizada pelo matrimônio por pares (casais); a fidelidade era

exigida de forma rigorosa das mulheres, sendo o adultério duramente

castigado; a poligamia e a infidelidade eram encaradas como direito dos

homens e uma nova questão modifica a família sindiásmica: o advento da

propriedade privada.

4. Família patriarcal: Engels ressalta que, provavelmente, foi durante o

período do matrimônio sindiásmico que se localiza a origem da propriedade

privada. Com o advento da domesticação de animais e da criação de gado,

formaram-se verdadeiros mananciais de riqueza, resultados da produção de

imensas manadas de cavalos, camelos, asnos e diversos outros animais. Toda

essa nova riqueza pertencia a priori às gens. Sucessivamente, indicam-se os

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chefes de família como prováveis proprietários dos inúmeros rebanhos

existentes, dos utensílios de metal, artigos de luxo e, finalmente, o gado

humano: os escravos.

5. Família monogâmica: Nasce da família sindiásmica, porém baseia-se no

predomínio do homem, no período compreendido entre o estado médio e o

superior da barbárie; destaca-se uma solidez muito maior dos laços conjugais,

que já não podem ser rompidos por vontade de qualquer das partes, só o

homem tem o direito de rompê-los. A este, da mesma forma, se dá o direito à

infidelidade conjugal, ocorrendo o oposto com a mulher. Esta, para o homem,

não passa da mãe de seus filhos legítimos, aquela que cuida da casa e vigia as

escravas. Dela, ainda, exige-se que tolere tudo, inclusive os relacionamentos

entre o marido e as escravas, transformadas por ele em concubinas. A

monogamia foi a primeira forma de família que não surge por condições

naturais, mas sim econômicas, perpetuando a superioridade da propriedade

privada sobre a comum, primitiva. (CANEVACCI, 1981 p. 56 a 57).

De acordo com Engels (1946), o surgimento da família monogâmica está ligado ao

aparecimento da propriedade privada. Diz o autor que, pela ordem matrilinear que

imperava nas sociedades antigas, enquanto os filhos pertencessem à mãe de forma

exclusiva, o homem não teria para quem deixar seus bens. Assim, em proveito de seus

filhos, o homem transforma a ordem matrilinear de herança (estabelecida na família

Punaluana) em herança paterna, estabelecida na família Sindiásmica. Obviamente,

para isso acontecer, é abolido o direito materno, sendo este substituído pela filiação

masculina, garantida pela fidelidade feminina. Daí a importância da virgindade e da

fidelidade conjugal da mulher, para a sucessão do patrimônio.

Até o século X da era cristã, as preocupações com a divisão do patrimônio familiar

não tinham grande expressão. Mas, a partir do século XIV, mudanças aconteceram na

família. Rodrigues e Abeche (2005) citando Poster (1979) dizem que este autor pontua

quatro modelos familiares:

1. Família aristocrática/patriarcal: as casas da aristocracia européia, no

antigo regime monárquico, consistiam num agrupamento que ia de 40 até mais

de 200 pessoas. Comportavam uma mistura de parentes, dependentes e

clientes; as relações pautavam-se em excessiva hierarquia, e os papéis eram

fixados por rígidas tradições. Os grandes castelos eram lugares públicos e

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políticos, consequentemente não era possível qualquer privacidade. O

pai/patriarca da família tinha autoridade absoluta. Segundo os autores citados,

o cuidado com os filhos eram considerados abaixo da dignidade de uma dama

aristocrática e estas se preocupavam em ter os filhos e organizar a vida social.

As crianças, amamentadas por amas-de-leite, formavam seus primeiros

vínculos com alguém que não pertencia à família.

2. Família camponesa na Idade Média: Na família camponesa, a norma não

era uma família extensa, apesar de às vezes até três gerações viverem na

mesma casa. A privacidade novamente era desconhecida e não tinha valor.

Neste modelo familiar, a autoridade social não estava investida no pai da casa,

mas na própria aldeia, ou seja, havia fortes laços de dependência com a aldeia,

de tal forma que a sobrevivência não era possível no nível da unidade familiar.

3. Família proletária na Revolução Industrial: havia outra estrutura familiar

na revolução industrial, a proletária. A família proletária submetia-se a salários

muito baixos e a péssimas condições de vida e, assim, geralmente toda a

família tinha que trabalhar. As mulheres contribuíam no sustento familiar,

ganhavam dinheiro fora de casa e ainda realizavam os afazeres dentro desta.

Os filhos, neste modelo familiar, eram criados sem a constante atenção e

fiscalização pela mãe. De acordo com os autores, a disciplina era orientada na

própria fábrica, já que as crianças não recebiam das suas famílias a disciplina

esperada para se submeterem à estrutura e organização da fábrica.

4. Família burguesa ou nuclear: O modelo de família burguesa ou nuclear

surgiu “[...] como estrutura familiar dominante na sociedade capitalista

avançada do século XX (...) frequentemente adotada como norma para todas as

outras estruturas familiares [...]” (POSTER, 1979, p. 186). Esta se pautava, não

mais na manutenção das tradições e continuação da linhagem, mas sim na

acumulação de capital e no valor da escolha individual. (RODRIGUES;

ABECHE, 2005 apud POSTER 1979).

Para Engels (1946), a família burguesa nascida na Europa em meados do século

XVIII rompeu com todos os modelos anteriores (família aristocrática, família

camponesa, família feudal) e criou novos padrões de relações familiares.

Gueiros (2002) afirma que as mudanças na família medieval começaram a ocorrer

no século XIV e prosseguiram até o século XVII. Entretanto, os costumes e a legislação

reforçavam a soberania do marido e dos homens em geral, desfavorecendo a mulher. A

desigualdade de gênero também atingia as meninas, as quais só tiveram acesso à

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escola ao final do século XVIII e começo do século XIX, embora a escolaridade já

fizesse parte da vida dos meninos desde o século XV. A mesma autora afirma que,

segundo Ariés (1981), no século XVIII processa-se a separação entre família e

sociedade, enfatizando-se a intimidade familiar e a inviolabilidade do lar conjugal. A

igualdade de tratamento entre filhos passou a ser uma preocupação dos pais, pois

garantir saúde e educação a todos (filhos e filhas, primogênitos ou não) tornou-se uma

questão de civilidade. (GUEIROS, 2002, p. 106).

Segundo Rodrigues e Abeche (2005), a família nuclear se estabeleceu sobre “[...] a

domesticidade, o amor romântico e o amor maternal, todos construídos em torno da

privacidade e do isolamento”. Esses novos padrões correspondiam às necessidades da

classe burguesa dominante e se consolidaram, nitidamente, no início do século XIX,

caracterizando-se pelo fechamento da família em si mesma, marcando a separação

entre a residência e o local de trabalho, ou seja, entre a vida privada e a vida pública.

A partir da segunda metade do século XIX, até o século XX, o processo de

modernização provocou mudanças aceleradas na família. O modelo patriarcal foi

questionado e, gradativamente, abandonado. O casamento, antes determinado pela

escolha dos pais, passa a ser feito, também, com base em sentimentos de afeto

recíproco. Acresce-se a isso a contribuição do movimento feminista e a divulgação das

informações sobre os direitos humanos e das mulheres, ampliando e consolidando o

processo de modernização da família.

A sociedade moderna descentralizou as funções da família, transferindo-as para

outros agentes sociais como a escola e, posteriormente, os meios de comunicação de

massa, que utilizam a persuasão para impor padrões de comportamento, vistos como

normais e necessários.

Alguns autores, como Hobsbawm (1996) e Vaistsman (1994) citados por Gueiros

(2002), apontam dois momentos no processo de modernização da família no século XX:

o primeiro, de 1900 a 1960, e o outro, que se inicia em 1960. Contudo, ressaltam os

autores, traços da família patriarcal persistem até o século XXI, pois essa superação

não ocorreu de maneira linear e, ainda hoje, coexistem modalidades diferentes de

família, em nossa sociedade.

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Um processo evolutivo sem precedentes teve origem na sociedade, originado

pelos movimentos feministas, quando as mulheres deixaram o lar para trabalhar nas

fábricas, e pelo início da revolução tecnológica ligada à descoberta dos contraceptivos

na década de 1960. A pílula anticoncepcional liberou a mulher para exercer seu papel

no mundo do trabalho, na vida academica, política e social, planejando a maternidade.

O surgimento do novo papel da mulher provocou a consequente transformação da

família com adoção de novos valores, mudança de padrões de relacionamento familiar

e na cultura, estabelecendo uma nova moral entre homens e mulheres. Therborn (2006)

diz que “o sexo é uma força básica de orientação da biologia humana; o poder é um

aspecto fundamental da sociologia humana. Sexo e poder não são mundos distintos um

do outro, mas estão entrelaçados”. (THERBORN, 2006, p. 11).

Por essa breve trajetória, pode-se compreender como a força motriz da perpetuação

biológica da espécie humana transforma-se em outra força motriz, de natureza

econômica e social, visando à perpetuação da sociedade.

2.1 Pós-modernidade e Família

Autores como Daniel Bell, Michel Foucault, Jean Baudrillard Gilles Deleuze,

Jacques Derrida e outros, citados por Petrini (2003) consideram que a modernidade

“esgotou suas potencialidades históricas”. Para esses autores, as visões otimistas

elaboradas a partir do Iluminismo, voltadas para a felicidade humana, perderam a

credibilidade.

Segundo Rouanet (1993), citado por Petrini (2003), a autonomia intelectual, estava

no centro do projeto iluminista e, segundo o ideal kantiano da maioridade da Razão,

deveria libertar o homem da menoridade representada pela autoridade das instituições

religiosas e seculares. (PETRINI, 2003, p. 34-35).

Pondera Petrini (2003) que a busca pela felicidade estava no cerne do projeto

iluminista do século XVIII, mas foi banalizada pelo hedonismo como supremo prazer e

por um individualismo sem freios. Para os autores consultados por Petrini,

“desembocamos em uma sociedade do espetáculo, em uma nova barbárie que faz a

apologia insensata do interesse pessoal, ignorando-se a utilidade coletiva”. (PETRINI,

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2003, p. 35-38). Esta afirmação nos leva à constatação de que família e sociedade

refletem uma a outra, em um processo de mútua influencia.

No curso da história, as transformações da sociedade se refletem na família, assim

como esta é modificada pelas circunstâncias históricas e sociais que afetam a

civilização. Para Sarti (1996), a família reflete “como um espelho” as transformações da

sociedade: “a família, pensada como uma ordem moral constitui o espelho (grifo nosso)

que reflete a imagem com a qual os pobres ordenam e dão sentido ao mundo social”.

(SARTI, 1996, p. 4).

Estudos sobre a família ganham relevância pela necessidade de compreensão

dessa instituição, primordial para a sobrevivência física e cultural da humanidade. O

sociólogo sueco Gorän Therborn (2006), em sua obra “Sexo e Poder”, realiza uma

extensa análise comparativa das mudanças ocorridas na família no mundo, desde 1900

até o ano 2000.

O autor citado apresenta suas considerações articuladas em três temas: em

primeiro, o patriarcado, de acordo com a ótica dos direitos relativos a pais e filhos; em

segundo o papel do casamento, e do não-casamento, na regulação do comportamento

sexual e dos vínculos; e em terceiro, a fecundidade humana e seu controle, a partir do

modelo de família nuclear que se disseminou pelo mundo no século XX.

Suas conclusões demonstram que a dinâmica global da mudança institucional na

família foi um “movimento universal”, embora o início, a velocidade e a quantidade de

mudança tenham variado entre países e regiões.

Segundo o mesmo autor, a história do patriarcado no século XX é “basicamente a

de um declínio gradual, começando em diferentes pontos no tempo pelo mundo”.

Therborn (2006) refere datas de rupturas, começando em 1910, na Escandinávia e na

Rússia, com ampla reforma institucional, prosseguindo em final de 1940 e início dos

anos 1950. A Declaração dos Direitos Humanos da ONU marcou vitória contra o

patriarcado nos anos seguintes a 1968, em particular 1975, que foi declarado como o

Ano Internacional da Mulher.

Essas configurações fizeram avançar uma “onda mundial contra os poderes e

privilégios de pais e maridos”, começando pela Europa Ocidental e América do Norte,

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atingindo todas as regiões do mundo, “sem deixar nenhuma parte do planeta intocada”.

(THERBORN, 2006, p. 430).

A mudança no casamento mostra, segundo o mesmo autor, “o formato [gráfico] de

um V invertido na Europa Ocidental e nas Américas”. A frequencia de casamentos sobe

até metade do século XX e desce em seu último terço. Aponta o autor que a

industrialização e o desenvolvimento econômico, ao final do século XIX, levaram a uma

“estabilização marital”. Mas, após a II Guerra Mundial, o casamento nessas regiões

tomou impulso descendente, ajudado pela crise econômica na América Latina. A

Escandinávia, entretanto, manteve a vanguarda quanto à flexibilidade nas formas de

casamento. (THERBORN, 2006, p. 431).

Quanto à fecundidade, declinou em duas diferentes ondas internacionais: a

primeira, cobrindo toda a Europa, começou na Depressão de 1870 e colidiu com a

Grande Depressão de 1930; a segunda foi global e ocorreu no último terço do século,

em ritmos diferentes. Houve uma contracorrente de fecundidade nos países europeus,

mas oscilações descendentes continuaram em anos recentes, inclusive na

Escandinávia e Estados Unidos. (THERBORN, 2006, p. 431).

Para o autor, existem aspectos comuns importantes entre as três variáveis por ele

estudadas. Enfatiza que a mudança na família “não segue um processo unilinear, nem

evolucionário, dados que contrariam a modernização e o evolucionismo do início do

século XX”. Para Therborn (2006), os sistemas familiares “não parecem possuir uma

dinâmica intrínseca”, mas seguem padrões vindos de fora do sistema. Afirma o autor:

Os sistemas familiares podem ser considerados sistemas em equilíbrio, em que

definições sociais correspondem às visões sociais: direitos e vantagens

correspondem a poderes; desvantagens e obrigações correspondem à

dependência e falta de recursos. (THERBORN, 2006, p. 434-435).

A afirmação do autor sugere que a ruptura pode ou não ser superada por

mecanismos de reequilíbrio, de acordo com as forças intrínsecas e extrínsecas. Nesse

sentido, completa o mesmo autor: “esse é o momento político ou jurídico ao qual tanto a

História da Família quanto a Sociologia da Família deveriam prestar atenção”.

(THERBORN, 2006).

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Em sua obra, Therborn (2006) menciona fatos jurídicos relativos a contraceptivos e

ao aborto, além de aspectos relacionados à mudança de valores, como: coabitação

sem casamento, homens tomando conta de crianças, nascimento extraconjugal e

homossexualidade. Alerta o autor que:

Prestar atenção na dinâmica global, portanto, significa prestar atenção aos

desafios e distúrbios mais importantes enfrentados pelos diferentes sistemas

familiares do globo e em que medida tais desafios e distúrbios estão

relacionados entre si e são capazes de provocar ondas de mudanças familiares.

(THERBORN, 2006, p. 436).

O grande jurista brasileiro Rui Barbosa considerou a família “célula mater da

sociedade” e lamentou a negligência para com ela em seu poema “Sinto vergonha de

mim (1914)”2. Parafraseando Rui Barbosa, podemos afirmar que família, hoje em dia, é

“a célula tronco da sociedade”, visto que dela podem se extrair os genes que darão

origem às instituições e à própria sociedade. Mudanças e transformações sociais em

curso denotam que a família está mantendo conflitos em seu interior, desencadeados

pela nossa pós-modernidade, o que mostra a necessidade de rever conceitos e

ressignificar valores.

Na atualidade, a família é foco de muitos debates acerca da existência ou não de

uma “crise familiar”, do “conflito de gerações” ou da “falência da família”,

desencadeados ou agravados pelas transformações na sociedade pós-moderna.

2.2 A “crise” da Família na pós-modernidade

Muito se tem falado a respeito da “crise na família”, e muitos pregam sua “morte”.

Entretanto, observamos que ela sobrevive, não com as mesmas características de que

antes, mas transformada para se adequar a uma nova realidade. Para Carvalho e

Almeida (2003):

2 ... A derrota das virtudes pelos vícios, a ausência da sensatez no julgamento da verdade, a negligência

com a família, célula mater da sociedade (grifo nosso), a demasiada preocupação com o „eu‟ feliz a qualquer custo, buscando a tal „felicidade‟... Sinto vergonha de mim (1914). Disponível em: <http://www.brasilwiki.com.br/noticia>. Capturado em 11 de abril de 2010.

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À primeira vista, essa nova realidade pode dar a impressão de que as famílias

estão desestruturadas, ameaçadas, ou, até mesmo, em vias de extinção. Uma

leitura mais cuidadosa e acurada, porém, deixa patente sua plasticidade e sua

enorme capacidade de mudança e de adaptação às transformações

econômicas, sociais e culturais mais amplas, bem como sua persistente

relevância, notadamente como espaço de sociabilidade e socialização

primárias, de solidariedade e de proteção social. (CARVALHO; ALMEIDA,

2003).

Os novos arranjos de família reforçam a noção de que sempre haverá algum tipo de

núcleo, centrado nos papéis parentais, que fará a passagem da criança do mundo

biológico para o mundo social. O conceito moderno aponta para os vários aspectos

constitutivos da família, instituição primordial para a nossa humanidade. Conforme

Sayão e Aquino (2006), família pode ser conceituada como:

[...] grupo de pessoas associadas por relações de consanguinidade ou aliança,

as quais podem viver sob o mesmo teto, ou não. Trata-se tanto da sucessão

de indivíduos vivos num determinado momento que mantêm entre si tais

relações, quando do conjunto de entes que tem uma ancestralidade comum,

incluindo aqueles que a ela se agregaram, seja de modo perpétuo ou

temporário. (SAYÃO; AQUINO, 2006, p. 9).

Para esses autores, a família se constitui pela ligação íntima entre pessoas

convivendo e partilhando experiências de vida. Destacam, ainda, que a guarda e a

criação das novas gerações se realizam de acordo com a tradição, usos e costumes

dos grupos familiares, situados no tempo e no espaço.

Autores como Carvalho e Almeida (2003) apontam a família como elemento-chave

não apenas para a sobrevivência dos indivíduos, mas, também, para a proteção e

socialização dos seus membros. Compete à família a “transmissão do capital cultural,

do capital econômico e da propriedade do grupo, bem como a salvaguarda das

relações de gênero e de solidariedade entre gerações”. (CARVALHO; ALMEIDA, 2003).

Para os referidos autores, a família desempenha as funções básicas de gerar os

filhos, fazer a manutenção física de todos os seus membros e educar as crianças,

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possibilitando a socialização do indivíduo e o controle social. Representa, pois, a função

mediadora, pois é a família que faz a ligação do indivíduo à estrutura social.

No cotidiano, cabe aos pais o papel de mediar conflitos, mas, para que isso ocorra,

é necessário equilíbrio emocional, segurança, elevada autoestima e discernimento. A

"democratização familiar", longe de ser uma convivência pacífica, é, na verdade, cheia

de contradições, uma vez que permite a exposição do ponto de vista de cada um dos

membros do grupo familiar, para que consigam atingir seu objetivo.

A manutenção da estabilidade familiar, do ponto de vista social e psicológico, no

mundo globalizado, multicultural, dominado e individualizado, só pode ocorrer quando a

família consegue incorporar em seu ambiente algum conteúdo de satisfação e o prazer

em estar ali.

É fato concreto que, se a família não consegue se estruturar emocional e

financeiramente dentro de um padrão mínimo para a sobrevivência do grupo, mergulha

no caos e na confusão. O desequilíbrio originário da situação financeira precária pode

levar um ou mais membros do grupo a se desintegrar emocionalmente, alterando a

convivência familiar, dando origem a separações e rompimentos. Afirma Petrini (2003):

À medida que a família entra em crise, a ponto de não mais realizar

satisfatoriamente suas tarefas básicas de socialização primária e de

amparo/serviço aos seus membros mais frágeis, prospecta no horizonte uma

situação de carências que poderão desaguar na delinquência, na

marginalização, na mendicância, no alcoolismo, no uso de drogas, na

prostituição, na maternidade precoce, com sensível elevação dos índices de

violência. (PETRINI, 2003, p. 43).

O autor ressalta a importância do fortalecimento dos vínculos e dos cuidados que a

rede de solidariedade familiar deve oferecer para a integração social dos seus

membros. No entanto, somente a solidariedade familiar não é suficiente para proteção

às famílias, especialmente as de baixa renda. Na concepção atual de proteção social, a

família vem sendo assumida como uma alternativa ao Estado mínimo, tomada como

parceira nas parcas políticas sociais existentes.

Iniciativas como o programa Bolsa Família recebem críticas pela sua ineficácia em

superar os abismos existentes, dando continuidade a uma política de subalternidade e

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exclusão das camadas sociais mais pobres. (GUEIROS, 2002). Observa-se que a

vulnerabilidade das famílias de baixa renda é consequência da ausência de políticas

públicas efetivas de proteção social, por parte do Estado. Pesquisas mostram que as

condições de vida de famílias se deterioraram na década de 90, apesar do relativo

crescimento econômico da nação. Constata-se que a riqueza gerada pelo trabalho de

muitos está cada vez mais concentrada nas mãos de poucos.

De maneira ampla, Petrini (2003) coloca que, nesse cenário de mudanças sociais,

caracterizadas pelo pluralismo ético, cultural e religioso, torna-se necessário

“compreender os novos arranjos familiares”, as novas características que as relações

intergeracionais assumem e os respectivos sistemas de valores que as embasam.

(PETRINI, 2003, p. 62).

Os avanços desenvolvidos pela biotecnologia possibilitaram a experimentação e

manipulação da vida naquilo que ela tem de mais sagrado: o código genético. Notícias

de que já não é mais necessário o esperma humano para a produção de embriões, de

que podem ser destinados à produção de células-tronco em série, ao mesmo tempo

nos fascinam e nos assustam. Que família será esta, a do futuro, se, de fato, houver

uma família e um futuro? Como será suprido o papel de pai e mãe, biológica e/ou

socialmente? Como deverão ser educadas as novas gerações para a preservação

daquilo que hoje entendemos ser a nossa condição humana, a nossa humanidade?

Questões como essas não têm respostas definitivas e estão longe de serem

adequadamente compreendidas.

Sendo o estudo da instituição família uma abordagem eminentemente

interdisciplinar e intercultural, torna-se importante estudá-la sob a ótica de paradigmas

que não sejam reducionistas tendo em vista a complexidade das mudanças que se

mostram em suas conotações modernas e pós-modernas.

O novo perfil das famílias demonstra a diversidade de arranjos de que se valem os

agrupamentos humanos para perpetuarem a sobrevivência da espécie. A família,

abandonando a tradição e esquecendo os laços de consanguinidade, passa a se

estabelecer através de laços e vínculos afetivos por afinidade, apresentando, portanto,

várias modalidades de convivência.

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Temos, nos dias de hoje, uma sociedade bastante diversificada, com casamentos e

recasamentos, uniões do mesmo sexo, adoção por casais homossexuais, homens e

mulheres, solteiros(as) que têm ou adotam filhos, avós que assumem a

maternidade/paternidade dos filhos de seus filhos e outras situações que se

apresentam no cotidiano de trabalho dos profissionais, nos vários campos das Ciências

Sociais, Humanas e Biológicas.

A questão dos papéis ganha destaque, tornando-se extremamente relevante,

funcionando como uma balança no equilíbrio das relações intergeracionais. Quando um

membro deixa de cumprir seu papel, a família procura novo arranjo, pois a dinâmica do

desempenho das funções familiares torna os elementos dependentes uns dos outros,

psicológica, social e materialmente.

A essas considerações acresce-se o fato de que o mundo pós-moderno,

tecnológico, globalizado trouxe consigo a grande exclusão social, empurrando muitas

famílias para abaixo da linha da miséria, provocando a desestruturação familiar.

Nesse mundo tecnológico contemporâneo, pai e mãe saem de casa muito cedo,

encontrando seus filhos somente à noite e, ainda, sendo responsáveis pelos trabalhos

domésticos. O equilíbrio emocional precariza-se, dando lugar ao estresse, ao cansaço e

à intolerância, que são ao mesmo tempo fonte e agravo de violências de toda ordem,

processos de separação conjugal e dissolução de grupos familiares.

Assim, podemos afirmar que hoje convivemos com uma pluralidade de modelos e

de situações familiares, fruto dessa nova dinâmica social, que se constitui em um

desafio para nossa compreensão, tolerância e possibilidades de intervenção

profissional.

3 FAMÍLIAS QUE SE SEPARAM: A GUARDA DE FILHOS

Os autores que estudam famílias e os profissionais que a tem como foco de

trabalho dizem que a separação “não acaba com a família, apenas a transforma”. Isso

ocorre porque, ao contrário do que se pensou por séculos, casamento e família são

estruturas diferentes, embora estejam associadas. Nazareth (2004) afirma que:

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O que deixa de existir após o divórcio (entendido também como separação,

desfazimento da união entre parceiros) é a família nos moldes anteriores; o que

se desfaz é o casal. A conjugalidade rompe-se, mas permanecem a

parentalidade e a tutelaridade. O compromisso dos pais com os filhos

permanece, ainda que separados. (NAZARETH, 2004, p. 26).

Esclarece a autora que o aspecto conjugal se refere ao interjogo da sexualidade

do casal, ficando proibida, pelo tabu do incesto, qualquer relação íntima entre irmãos e

entre gerações que não sejam os pais. Já o aspecto parental se refere ao exercício

das funções paterno-maternas voltadas para a maturação física, psíquica e social dos

filhos, permitindo a sua humanização e individuação. Quanto ao aspecto tutelar, diz

respeito àquelas funções que a família exerce para “contenção, sustentação e

preservação de todo o grupo familiar, tanto em cada um dos seus momentos evolutivos

como em seu transcorrer no tempo. É cuidar da família como organização”.

(NAZARETH, 2004, p. 27).

Para a autora, na separação, rompe-se a conjugalidade e a tutelaridade partilhada

dos filhos, mas permanecem a parentalidade e a tutelaridade, ainda que exercida

isoladamente, visto que é atribuição dos pais e também dos filhos zelarem pela

permanência do afeto. Maturana e Varela, citados por Nazareth (2004), afirmam que

quando isso não ocorre, surgem alterações e mudanças destrutivas, o que leva a supor

que pode haver a deterioração dos vínculos após a separação, transformando afetos

positivos em negativos.

Em 13 de Julho de 2010, o Congresso Brasileiro promulgou nova emenda

constitucional, a Emenda 66, que elimina a exigência de separação judicial prévia para

obtenção do divórcio. A Emenda tem a função de desburocratizar os procedimentos,

pois o casal precisava, antes, requerer a separação judicial e ainda esperar um ano

para obter o divórcio, ou comprovar que já estava separado de fato por pelo menos dois

anos. Ao abolir esse tempo de espera, a emenda antecipa o divórcio, deixando os

recém-separados desimpedidos para novos casamentos.

Quando há bens e filhos envolvidos, os casais procuram o Poder Judiciário para a

resolução dos aspectos mais complexos. No contexto do Poder Judiciário, se o litígio

acerca da guarda e regulamentação de visitas não puder ser resolvido em audiências

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ou na mediação, a Promotoria de Família solicita as intervenções do assistente social e

do psicólogo, e o Juiz do feito determina a realização das perícias social e psicológica.

No Poder Judiciário, a atuação do Serviço Social e da Psicologia ocorre em três

lócus de trabalho: nas Varas de Infância e Juventude, nas Varas Especiais e nas Varas

de Família e Sucessões. A primeira trabalha com crianças e adolescentes em situação

de risco e necessidades de abrigamento; a segunda atua com jovens infratores e

medidas socioeducativas; a terceira desenvolve intervenção psicossocial junto a

famílias em litígios decorrentes das Ações do Direito de Família, de acordo com o

Código Civil, Lei n. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. O Serviço Social Judiciário atua

junto a famílias muitas vezes desgastadas pela separação, pelo processo adversarial

que envolve a guarda de filhos e a regulamentação das visitas entre estes e o genitor

não guardião legal dos filhos.

Nesse cenário, delineia-se o papel do profissional, que auxilia no deslinde da Ação

ao elaborar o Laudo Pericial, contribuindo para que o Juiz do feito, bem como os

promotores de família, os advogados e as partes requerentes e requeridas possam

encontrar uma solução possível, em benefício das crianças e adolescentes envolvidos.

3.1 O Serviço Social Judiciário nas Varas de Família e Sucessões

O Poder Judiciário foi um dos primeiros campos de trabalho do assistente social e

se iniciou nos idos dos anos 1940, sob a égide do antigo Código de Menores,

promulgado em 1927, como na forma da Lei n. 17.943-A, de 12 de Outubro.

Posteriormente, o Serviço Social ampliou seu trabalho com crianças em situação de

abandono e com famílias. (FÁVERO, 2003, p. 19).

Na atualidade, os assistentes sociais judiciários desempenham a função de peritos

em atividades regulamentadas pelo Código de Processo Civil – CPC e pelos

Provimentos do Conselho Superior da Magistratura e da Corregedoria Geral do Tribunal

de Justiça.

Acerca do papel de perito, Fávero (2003) tece considerações, alertando que esse

deveria ser pensado de forma mais ampla, articulando-se às diretrizes do projeto

teórico-metodológico e ético-político da profissão. Para a autora, os profissionais da

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área do Serviço Social devem questionar se o trabalho apenas como peritos não leva

ao “risco da fragmentação das suas ações” e propõe uma articulação mais efetiva com

as políticas e projetos sociais, além do “envolvimento com parceiros em ações coletivas

de caráter inovador e transformador”. (FÁVERO, 2003, p. 12-13).

No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo o assistente social judiciário tem

como atividades: plantão diário do Fórum; plantão no Centro de Visitas Assistidas do

Tribunal de Justiça – CEVAT; acompanhamento de visitas conforme determinado pelo

Juiz do feito; participação em audiências, quando convocado pelo Juiz e perícia social.

O principal escopo das funções que o assistente social exerce em seu trabalho nas

Varas de Família e Sucessões é a Perícia Social, utilizada com a finalidade de

conhecer a família em litígio, analisar a situação e ofertar um parecer social acerca da

natureza da Ação.

Depreende-se, portanto, que a atuação do perito social é uma ação complexa e que

demanda competência teórica e metodológica, além de compromisso legal e ético-

profissional, consubstanciada no Código de Ética Profissional do Assistente Social de

13 de Março de 1993. (CFESS, 1993).

Para aperfeiçoamento do trabalho do perito social, o Conselho Federal de Serviço

Social – CFESS em sua gestão 2002/2005, elaborou e organizou as “Recomendações

para o aprofundamento crítico sobre o Estudo Social que fundamenta Pareceres e

Laudos no Judiciário, na Previdência Social e nos Exames Criminológicos nas prisões”

O referido documento define o que é estudo social, perícia social, relatório social e

instrumentos necessários à ação profissional dos assistentes sociais que atuam no

Judiciário, na Previdência Social e no Sistema Prisional. (CFESS, 2003).

As Ações do Direito de Família em que atua o assistente social judiciário são:

guarda de filhos; modificação de guarda; regulamentação de visitas; alteração de

cláusulas; separação (de corpos, consensual e litigiosa); divórcio; alimentos; interdição;

curatela; tutela; busca e apreensão; destituição ou suspensão do poder familiar;

dissolução de sociedade conjugal de fato ou união estável; investigação de

paternidade; e outros feitos não especificados.

Para desempenhar o papel de perito, o assistente social realiza o Estudo Social,

que pode ser entendido como o conjunto de ações técnicas profissionais que permitem

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elaborar o laudo pericial. O desenvolvimento da perícia determina que as entrevistas do

estudo social com as partes em litígio podem ser individuais e/ou conjuntas. As visitas

domiciliares são realizadas com a finalidade de observação do ambiente e da dinâmica

familiar, em especial a interação da(s) criança(s) nos ambientes paterno e materno.

São instrumentos importantes para a realização do Estudo Social: estudo dos autos

do processo; entrevistas com requerente e requerido, individuais e/ou conjuntas com as

crianças e adolescentes em pauta; entrevistas com colaterais; visitas domiciliares;

observação do ambiente / lócus familiar com a presença das crianças; visita à escola

onde estuda a criança ou adolescente; discussões técnicas com o psicólogo judiciário

e/ou assistentes técnicos contratados pelas partes, bem como professores e terapeutas

das crianças e adolescentes em pauta. É também igualmente importante o estudo da

bibliografia pertinente ao assunto, assim como a elaboração e a redação técnico-

científica do laudo.

Concluído o estudo social, elabora-se o laudo pericial, contendo, ao final, o parecer

técnico-profissional. O laudo sintetiza o estudo social realizado e deve ser redigido com

cuidados técnicos, metodológicos e ético-profissionais, respeitando-se, também, as

normas cultas da língua portuguesa.

3.1.1 O Laudo Pericial

O laudo pericial possui uma estrutura que o constitui e o torna o instrumento por

meio do qual os juízes, promotores, advogados, partes e assistentes técnicos serão

informados sobre o parecer profissional do assistente social e sua contribuição ao

deslinde do caso.

Destacamos o que Fávero (2003) coloca sobre esse documento:

Contém uma introdução, que indica a demanda social e os objetivos; uma

identificação breve dos sujeitos envolvidos; a metodologia para construí-lo

(deixando clara a especificidade da profissão e objetivos do estudo); um relato

analítico da construção histórica da questão estudada e do estado atual da

mesma; e uma conclusão ou parecer social, que deve sintetizar a situação,

conter uma breve análise crítica e apontar alternativas, do ponto de vista do

Serviço Social, que expresse o posicionamento profissional frente à questão em

estudo. (FÁVERO, 2003, p. 46).

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3.1.2 O Parecer Social

Deve ser breve e conciso, sintético e substancialmente bem definido. Os elementos

de um parecer registram a opinião profissional do assistente social sobre a natureza da

ação investigada e qual a melhor alternativa para o caso. Sabe-se que em algumas

circunstâncias, os laudos são apresentados pelo assistente social e por outros

profissionais conjuntamente. No Tribunal de Justiça do Estado do Pará, além do

assistente social e psicólogo, atuam interdisciplinarmente o pedagogo judiciário e o

sociólogo.

Shine e Strong (2005), em trabalho pioneiro sobre O laudo pericial e a

interdisciplinaridade no Poder Judiciário, apontam para a necessidade de delimitação

de objetos, métodos e conclusões específicos, o que não seria possível com a

apresentação de laudo conjunto. Para os autores, “podem ser em conjunto a avaliação

e os encaminhamentos que caracterizam o trabalho interprofissional”, visto que os

laudos devem apresentar indicações específicas para deslinde do litígio. (SHINE;

STRONG, 2005).

Ao atuar em equipes interdisciplinares, o assistente social deverá respeitar as

normas e limites legais de outras profissões. O Conselho Federal do Serviço Social –

CFESS –, por meio de seu Parecer 20/07, datado de 29 de julho de 2007, reconhece a

existência e a importância do trabalho em equipe e a autonomia do profissional para

escolher as técnicas de intervenção nas distintas áreas em que atua.

Para disciplinar o assunto, a Resolução n. 557/2009 do Conselho Federal de

Serviço Social – CFESS –, de 15 de setembro de 2009, que dispõe sobre a emissão de

pareceres, laudos, opiniões técnicas conjuntas entre o assistente social e outros

profissionais, resolve que:

Art. 4°. Ao atuar em equipes multiprofissionais, o assistente social deverá

garantir a especificidade de sua área de atuação.

§ 1º. O entendimento ou opinião técnica do assistente social sobre o objeto da

intervenção conjunta com outra categoria profissional e/ ou equipe

multiprofissional, deve destacar a sua área de conhecimento separadamente,

delimitar o âmbito de sua atuação, seu objeto, instrumentos utilizados, análise

social e outros componentes que devem estar contemplados na opinião técnica.

(CFESS, 2009).

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Entende-se que a Resolução 557/2009 não é contra o trabalho conjunto, ao

contrário, apenas reforça a necessidade de que as especificidades e competências da

profissão estejam claras. Pode ser mais um recurso para a reflexão sobre qual é

realmente o papel do assistente social no trabalho interdisciplinar, qual o objeto que

cabe à sua área de formação, qual o referencial teórico, metodológico e ético a iluminar

sua ação.

3.2 Novos dispositivos jurídicos: guarda compartilhada e proibição à alienação

parental

A separação do casal não significa a dissolução dos vínculos e muito menos do

compromisso e da responsabilidade conjunta dos pais em relação aos filhos. No

contexto da pós-modernidade, face às diferentes modalidades de arranjo familiar,

surgem novos dispositivos jurídicos, como a guarda compartilhada, para deliberar de

maneira mais satisfatória e mais humanizada sobre as relações na família.

A Guarda Compartilhada surgiu na década de 1970, na Inglaterra, onde é chamada

de Joint Custody. A partir de 1976, o Direito Francês também introduziu o instituto da

guarda compartilhada e, posteriormente, os Estados Unidos e o Canadá. Na América

do Sul, os países que a adotam são, atualmente, a Argentina, o Uruguai e o Brasil.

(ABREU, 2003).

Em nosso País, a Guarda Compartilhada foi regulamentada pela Lei n. 11.696/08,

de 13 de Junho de 2008, embora esse instituto já fosse amplamente debatido e aceito

pela jurisprudência nacional. Segundo Alves (2009):

A Lei n. 11.698/08, de 13 de Junho de 2008, veio a consagrar expressamente

no Código Civil brasileiro o tão elogiado instituto da guarda compartilhada. Não

obstante tal instituto já fosse amplamente aceito pela doutrina e aplicado na

prática pela jurisprudência, certo é que o reconhecimento legislativo, como sói

ocorrer, pacificou, em definitivo, as discussões acerca da existência do mesmo.

Para o autor, “não há motivos para se temer o advento da Lei n. 11.698/08”, pois o

reconhecimento desse direito vem ampliar os esforços no sentido do melhor interesse

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do menor. Preconiza Alves (2009) que os possíveis desacordos podem ser

contornáveis utilizando-se a “mediação interdisciplinar‟, conforme permitido pelo recente

art. 1.584, § 3º, do Código Civil. Se não houver sucesso na mediação, sempre se pode

recorrer à guarda unilateral.

Recomenda Alves (2009) que a preocupação dos operadores do Direito deve ser

agora no sentido de “incentivar a guarda compartilhada na prática”. O Projeto de Lei n.

505/07, apresentado ao Congresso Nacional pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro

(PT/BA) por sugestão do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM –,

acrescenta um parágrafo 3º ao art. 1.571 do Código Civil. Por esse artigo, a Lei passa a

determinar que: "na separação e no divórcio deverá o juiz incentivar a prática de

mediação familiar”. Segundo Dantas (2010):

A mediação familiar [...] tem por objeto a família em crise, quando seus

membros se tornam vulneráveis, não para invadir ou para dirigir o conflito, mas

para oferecer-lhes uma estrutura de apoio profissional, a fim de que lhes seja

aberta a possibilidade de desenvolverem, através das confrontações, a

consciência de seus direitos e deveres, criando condições para que o conflito

seja resolvido com o mínimo de comprometimento da estrutura psico-afetiva de

seus integrantes. (DANTAS, 2010),

A nova Lei, n. 11.698/08, de 13 de Junho de 2008, altera o art. 1.583 do Código

Civil (Lei n. 10.406 de 10 de Janeiro de 2002), que passa a vigorar com nova redação:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

§ 1º. Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores

ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a

responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe

que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos

comuns.

§ 2º. A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores

condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos

filhos os seguintes fatores:

I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;

II – saúde e segurança;

III – educação.

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A proposta da guarda compartilhada não traz consigo o intuito de generalizar seu

uso para qualquer caso de separação. O sucesso dessa modalidade depende de vários

aspectos: o entendimento possível entre os pais, a proximidade de suas residências, a

comunicação eficaz. Em Conferencia proferida no III Encontro de Direito de Família do

IBDFAM/DF – Família, Lei e Jurisdição realizado em Brasília, afirma Lima (2006): “para

um tipo de guarda ser adequado ao interesse do menor, ele deve ser estabelecido

conforme a realidade social e familiar dele, reunindo todas as condições necessárias ao

seu pleno desenvolvimento”. (LIMA, 2006).

Grisard Filho, citado por Abreu (2003), reitera que: “a guarda compartilhada é um

dos meios de exercício da autoridade parental que os pais desejam continuar

exercendo em comum, quando fragmentada a família”. (ABREU, 2003).

Além da Guarda Compartilhada, outro dispositivo jurídico recente veio ao encontro

das demandas da sociedade por uma nova era de entendimento entre famílias que se

separam. Trata-se do Projeto de Lei n. 4.053 de 2008, inicialmente apresentado à

Comissão de Seguridade Social e Família e posteriormente aprovado na Comissão de

Constituição, Justiça e de Cidadania do Senado Federal em outubro de 2009. O

referido projeto dispõe sobre a proibição à Alienação Parental.

Esse dispositivo aborda com propriedade os danos decorrentes da separação

intencional e premeditada do afastamento da criança e do adolescente da possibilidade

de convivência com um dos genitores (ou família deste), que não é o guardião contínuo.

Segundo Duarte (2010):

Quem melhor estudou esse quadro foi o professor da Clínica Infantil da

Universidade de Columbia e membro da Academia norte-americana de

Psiquiatria da Criança e do Adolescente, Richard Gardner (1931-2003). Suas

teorias são citadas em todo o mundo e servem de lastro para sentenças

judiciais como explicação ao grave problema familiar, social e jurídico do

impedimento de contato entre pais e filhos separados pelo rompimento entre

casais. (DUARTE, 2010).

No Brasil, assim dispõe o referido Projeto de Lei n. 4.053, de 2008, acerca do que é

e do que caracteriza a Alienação Parental:

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Art. 2º. Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação

psicológica da criança ou adolescente, promovida ou induzida por um dos

genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a

autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie genitor ou que cause

prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Parágrafo único: São formas exemplificativas de alienação parental, além dos

atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados

diretamente ou com auxílio de terceiros: I - realizar campanha de

desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou

maternidade;

II - dificultar o exercício da autoridade parental;

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a

criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra

avós, para obstar ou dificultar sua convivência com a criança ou adolescente;

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a

convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares

deste ou com avós. (OLIVEIRA, 2010).

O projeto foi analisado pela relatora deputada Maria do Rosário na Comissão de

Constituição, Justiça e de Cidadania. O voto da relatora tece considerações acerca da

constitucionalidade formal e material do projeto, considerando-o sem vícios quanto à

juridicidade, sugerindo adequações do substitutivo anterior, apresentado à Comissão de

Seguridade Social e Família. Considera que o Projeto de Lei está em sintonia com o

direito comparado e em harmonia com a Lei n. 11.698/2008 – Lei da Guarda

Compartilhada.

O projeto também caracteriza a prática de atos de alienação parental como

descumprimento do poder familiar e, de forma prudente, estabelece medidas diferentes

para lidar com os diferentes graus de alienação parental, desde os atos mais leves,

passíveis de serem inibidos por mera declaração judicial, até os mais graves, que

recomendariam perda do poder familiar.

A relatora considera pertinente e oportuna a previsão de realização de perícia

psicológica ou biopsicossocial como subsídio à decisão judicial e considera exagerado

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criminalizar a conduta da alienação parental, pois isso certamente viria a tornar ainda

mais difícil a situação da criança ou do adolescente, que se pretende proteger. Para

essa punição, deve-se recorrer ao que já está previsto no Código Penal.

Para a sociedade, o projeto mostra a importância da convivência com ambos os

genitores, para a formação emocional e social das crianças. Especialistas apontam para

a maior incidência da guarda unilateral da mãe, apresentando estatisticamente sua

prevalência em 90% dos casos em famílias que se separam (conforme citado no

referido projeto).

Nessa perspectiva, a respeito da prevalência da guarda materna, cabem

considerações sobre o papel do pai em nossa sociedade atual.

3.2.1 O papel do pai

Ao observar a função paterna nos dias atuais, pensamos no lugar que o pai

ocupa e, logicamente, na heterogeneidade de situações existentes, porquanto as

diversas configurações familiares evidenciam tal fato.

Na lei brasileira, o poder parental de pai e mãe é entendido legalmente em

igualdade de direitos e deveres, substituindo-se o termo pátrio poder, proveniente do

Direito Romano e do patriarcalismo, pelo que hoje se denomina Poder Familiar.

Para abordar o papel do pai na atualidade, é preciso observar as constantes

transformações sociais existentes, deixando de lado os modelos preestabelecidos,

centralizando a busca entre o consenso e a diversidade. Como afirmam Polity, Setton

e Colombo (2005):

Os profissionais devem olhar para a função paterna, não apenas como algo

operacional - alguma função que precisa ser exercida por alguém, algo a

fazer -, mas para o lugar do pai (grifo nosso) como um espaço relacional –

algo a ser. Um lugar dado por alguém, ocupado por alguém, em relação a

outros(s). Mesmo se este pai estiver ausente, pode existir um espaço dado

para ele na família. É onde podem surgir os legados transgeracionais,

independentemente da presença física da figura paterna. É a narrativa

construída dentro de cada família em torno dessa figura que por sua vez

delimita este espaço. (POLITY; SETTON; COLOMBO, 2005, p. 274)

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Explorando o lugar de pai, a complexidade nos leva a várias narrativas, como

abordam Polity, Setton e Colombo (2005):

A heterogeneidade desse lugar exige que cada família possa organizar-se a

cada momento, sensível às pequenas flutuações, porém, procurando manter,

de forma dinâmica, as configurações familiares para que possam surgir

sentimentos de pertencimento, identidade, coerência, continuidade e

permanência. (POLITY; SETTON; COLOMBO, 2005, p. 274).

No mundo animal, o belo exemplo dos pinguins-imperadores ressalta o quanto a

participação do pai (pinguim macho) ao lado da mãe (pinguim fêmea) é vital para a

sobrevivência do filhote. A cooperação que se estabelece entre ambos, no

desempenho dos seus papéis, é comovente e heroica, como foi mostrada no filme

documentário “A marcha dos pinguins” (A Marcha dos Pinguins, 2005).

Na família humana, o lugar de pai está centrado tanto no conjunto de processos

únicos, contínuos e mutáveis, específicos de cada família, quanto no conjunto de

condições sociais, econômicas, culturais e conjunturais da sociedade mais ampla.

Em consonância com o reconhecimento do papel do pai, existe uma tendência,

em todo o mundo, para a promulgação de leis que visem à guarda compartilhada,

resgatando o papel do pai, esquecido, minimizado e até mesmo desprezado nesse

processo de dissolução de vínculos e fluidez das relações que caracterizou (e ainda

caracteriza) a sociedade pós-moderna. “A vida encontra os caminhos”, aforismo

mencionado no filme “O parque dos dinossauros” (Jurassic Park 2, 1997), parece ser

uma frase que se aplica não somente à biologia, mas, sobretudo, à vida afetiva e

social dos seres humanos. Como diz Risé (2007):

A vida quer se cumprir [...] quer desfraldar as próprias finalidades do amor,

de crescimento, de doação [...] o próximo passo é assumir a

responsabilidade. [...] O pai que voltará a tomar o seu lugar na família será

muito diferente do indivíduo que liquidou suas graves responsabilidades

patriarcais passando as noites [...] trocando seus próprios filhos por um saco

de moedas. Trata-se de um homem que sabe muito bem que [tomará] para si

as responsabilidades do amor, dos prazeres e da segurança necessárias ao

seu bem estar e de sua família. (RISÉ, 2007, p. 117-119).

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Pelos vários exemplos práticos que temos provenientes da atuação do assistente

social nas Ações do Direito de Família no Tribunal de Justiça, podemos afirmar que a

compreensão do papel do pai se torna, a cada dia, mais necessária e imprescindível

como forma de garantir o acolhimento dos novos seres humanos e a sobrevivência

da humanidade.

4 REFERENCIAIS DA BIOÉTICA PARA A FAMÍLIA

A Bioética surgiu nos Estados Unidos, na década de 1970, e hoje, com apenas 40

anos de idade, transformou-se em uma disciplina com vigor e amplitude, abarcando os

mais variados aspectos das ciências humanas, aplicada em todos os países do mundo

todo.

Alguns autores colocam que o nascimento da bioética já vinha sendo gestado em

acontecimentos anteriores a 1970, especialmente a partir do fim da II Guerra Mundial. O

julgamento dos carrascos nazistas em Nuremberg em 1945 trouxe à tona as

atrocidades cometidas em nome de uma suposta pesquisa científica. O Código de

Nuremberg, publicado em 1946 é considerado por muitos pesquisadores como “a

certidão de nascimento” da Bioética. Outros fatos também são referenciados ao

nascimento da Bioética, como a diálise em Seattle (EUA), em 1962. Nessa ocasião foi

formado pela primeira vez um comitê multiprofissional de ética para decidir critérios de

inclusão e de exclusão ao tratamento. A notícia repercutiu na mídia e a revista Life

publicou em 9 de Novembro de 1962 um artigo intitulado “Eles decidem quem vive e

quem morre”. (PESSINI, 2007, p. 11-18).

Recentes pesquisas no âmbito bioética nos levam a recuar no tempo e na história, e

encontrar em 1927, na Alemanha em Halle an der Saale, Fritz Jahr. Ele é um pastor

protestante, filósofo e educador que publicou no influente periódico científico alemão,

Kosmos, um artigo intitulado: “Bio-Ethics: A Review of the Ethical Relationships of

Humans to Animals and Plantas” (Bioética: uma revisão do relacionamento ético dos

humanos em relação aos animais e plantas). Nesta publicação, Jahr, propõe um

“Imperativo Bioético”, que leva ao respeito, incluindo essencialmente todas as formas

de vida. (HOSSNE; PESSINI, 2010).

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Certamente a experimentação em seres humanos e a necessidade premente de

sua regulamentação foi o primeiro impulso que desencadeou o interesse despertado

pela nova disciplina. O segundo impulso surgiu com a resposta pública a outro

dramático avanço médico, os transplantes de órgãos e a necessidade de uma nova

definição de morte – morte cerebral.

O respeito à dignidade do sujeito de pesquisa e os acontecimentos relacionados a

este fato trouxeram, também, avanços na discussão em torno da atualidade da

Bioética. O “estudo Tuksgee da sífilis não tratada em negros do sexo masculino”,

conduzida no estado do Alabama nos EUA de 1932 até 1972 trouxe consigo a urgência

de se proteger o ser humano vulnerável, exposto a toda sorte de abusos cometidos em

nome da ciência.

O senado norte americano instalou uma comissão para averiguar a referida

pesquisa e definir as normas aceitáveis para a pesquisa em seres humanos. O

resultado deste trabalho foi a elaboração e publicação do Relatório Belmont em 1976.

André Hellegers, um obstetra holandês, fisiologista da Universidade de Georgetown,

aplicou o termo Bioética na medicina e nas ciências biológicas e fundou o Instituto

Kennedy, em Washington. Esse Instituto deu grande ênfase à ética biomédica e,

durante longo tempo, a Bioética ficou mais conhecida pelos seus aspectos biomédico e

ético-profissional, que fornecem instrumentos à elaboração de uma conduta para a

relação médico-paciente. O referido instituto patrocinou a obra clássica Princípios da

Ética Biomédica, escrita por Tom Beuchamps e James Childress, propondo quatro

Princípios orientadores da ação: beneficência, não-maleficência, autonomia e justiça

que se tornaram o paradigma mais conhecido da Bioética: o Paradigma Principialista.

Hoje críticas são feitas a essa visão específica, aplicada às ciências biomédicas por

excelência. Novos paradigmas vão sendo aplicados à Bioética, essa disciplina que,

nascida há pouco mais de 40 anos, mostra-se cada vez mais jovem e dinâmica.

4.1 A atualidade da Bioética segundo Potter

Os estudiosos da história da Bioética apontam que foi o oncologista Van Rensselaer

Potter, da Universidade de Wisconsin, quem cunhou o termo bioethics. Antes de criar o

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neologismo Bioética, Potter já havia mencionado sua ideia inspiradora aos alunos da

Universidade de Dakota do Sul, em uma palestra proferida em 1962. O que o

inquietava, naquela ocasião, era ”questionar o progresso e para onde o avanço

materialista da ciência e da tecnologia estava levando a cultura ocidental”. (POTTER,

1998).

Potter publicou o livro “Bioethics: a bridge to the future” em 1971 que passou a ser a

referencia inicial da Bioética. Ele escolheu bio para representar o conjunto dos

conhecimentos científicos e ética para representar os valores humanos. Pretendia

assim ter “uma ponte” que pudesse ser um caminho de diálogo, de respeito à vida em

todas as suas manifestações.

Potter escreveu também o livro Global Bioethics em 1988, inspirado nas idéias de

Aldo Leopold ecologista a quem dedica a essa obra. Em apresentação no IV Congresso

Mundial de Bioética realizado em Tóquio em 1998, Potter diz que “a bioética global

chama os bioeticistas a considerar o significado original de bioética e estender seus

pensamentos a assuntos de saúde pública em escala mundial”. (POTTER, 1998 apud

PESSINI, 2007, p. 349).

Bioética foi definida por Potter como “a ciência da sobrevivência humana, numa

perspectiva de promover a defesa da dignidade humana, a qualidade da vida e do meio

ambiente”. Ao longo de sua vida, Potter elaborou três estágios para a Bioética que

demonstram o processo de desenvolvimento dessa nova disciplina e sua atualidade.

Bioética ponte: apresentada ao mundo como uma disciplina que construiria uma

ponte entre a ciência e a humanidade, ou mais precisamente, uma ponte entre a ciência

biológica e a ética, uma bio-ética.

Bioética global: entendida como a segunda fase da bioética ponte; tem como

proposta a definição e o desenvolvimento em longo prazo de uma ética ecológica, para

a sobrevivência do planeta.

Bioética profunda: o terceiro estágio da bioética fala sobre a necessidade de

aprofundamento da bioética ponte e global. O reconhecimento de situações dilemáticas,

especialmente a partir da década de 1990, levou Potter à conclusão de que uma ponte

entre ética médica e ética ambiental não era o suficiente. Assim, nos anos 1990, Potter

define Bioética como uma abordagem cibernética em relação à contínua busca da

sabedoria pela humanidade.

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Potter nos pede para pensar Bioética como: Uma nova ciência cibernética que

combina humildade, responsabilidade e uma competência interdisciplinar e intercultural

que potencializa o nosso senso de humanidade. (POTTER, 1998).

O que Potter quer nos dizer acerca da humildade? Ele está nos falando sobre a

humildade científica, de saber que não sabemos tudo e que podemos aprender uns

com os outros, inclusive com a população usuária dos diversos sistemas de proteção

social.

A proposta inovadora de Potter nos leva a refletir que as ciências humanas e sociais

podem ser compreendidas como pertencentes ao terceiro estágio da Bioética, ou seja,

bioética profunda. Nesse estágio, Potter tem como propósito a interiorização da bioética

no fazer e no pensar profissional, em uma perspectiva inter e transdisciplinar.

Somos todos aprendentes, conforme enfoca Beauclair (2004), pois o aprendizado

só pode ser entendido como a participação que conduz a processos de abertura de

novos caminhos. Também somos ensinantes, uma vez que estamos interessados em

socializar o saber adquirido, compartilhar, pensando nas relações humanas e propondo

alternativas relevantes ao debate sobre o nosso fazer cotidiano3.

Ao estudar os agrupamentos familiares humanos, pode-se compreender o avanço

que representa aplicar o olhar bioético na construção de reflexões profundas sobre

valores morais familiares. Bioética aplicada à família significa desenvolver sentidos

novos em busca de uma visão educativa ampla, que envolva os valores que embasam

as relações familiares. (GOMES, 2004).

Em busca de Referenciais da Bioética que se apliquem ao estudo da família,

encontramos a ideia (ou teoria) dos Referenciais segundo Hossne (2009). Ensina o

autor que:

Enquanto a teoria dos Princípios pode ser representada pela figura de um

quadrado, sendo cada lado um princípio, remetendo à imagem de

“fechamento”, a ideia (ou teoria) dos Referenciais pode ter a representação de

um círculo aberto, estando dentro dele os pontos de referência. (HOSSNE,

2009).

3 Aprendente e ensinante: termos usados por Beauclair, no seu livro “Psicopedagogia: trabalhando

competências, criando habilidades”.

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Na ideia (ou teoria) dos Referenciais, aos quatro princípios clássicos (autonomia,

beneficência, não-maleficência, justiça) acrescentam-se a dignidade, solidariedade,

fraternidade, confidencialidade, privacidade, vulnerabilidade, responsabilidade,

sobrevivência e qualidade de vida. Nessa proposta, os Princípios passam a ser,

também, Referenciais, ou seja, pontos de referência para a reflexão bioética.

(HOSSNE, 2006).

4.2 Família sob o olhar da Bioética

Estudando a Família sob o olhar da Bioética, no panorama atual da pós-

modernidade, indagam-se quais são as interfaces possíveis entre essas duas áreas de

conhecimento e o que podemos esperar da sinergia entre elas para auxiliar na

compreensão da complexidade da família na atualidade e potencializar a ajuda para

famílias que se separam.

As dificuldades presentes nas relações familiares poderão ser superadas apenas

com a adoção de leis e políticas públicas compensatórias? Os papéis de pai e mãe

serão supridos adequadamente por outros substitutos, biológica e/ou socialmente?

Como deverão ser educadas as novas gerações para a preservação daquilo que hoje

entendemos ser a nossa condição humana, a nossa humanidade?

As questões acima remetem ao estudo dos Referenciais, conforme ensina Hossne

(2009). Diz o autor: “Somos todos vulneráveis; o ser humano é sempre vulnerável; ele

pode ou não estar vulnerável”. (HOSSNE, 2009, p. 42). Isso significa que o ser humano

pode superar situações de vulnerabilidade, desenvolvendo autonomia para vencer as

circunstâncias adversas da vida.

Para Anjos (2006), autonomia e vulnerabilidade são “parceiras”, pois o

enfrentamento das vulnerabilidades leva à conquista da autonomia com

responsabilidade. Compreender melhor a família que se separa é fundamental para

entender e auxiliar em situação de conflito. E para isso, aplicamos os referenciais da

vulnerabilidade e da autonomia, segundo a ótica da condição humana contemporânea.

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4.3 O conceito de Vulnerabilidade

A vulnerabilidade, descrita desde os primórdios do surgimento da Bioética, foi

inicialmente relacionada à pesquisa em seres humanos e abusos cometidos em relação

aos sujeitos de pesquisas. Segundo Neves (2007): Vulnerabilidade é uma palavra de

origem latina, derivando de vulnus (eris), que significa ferida. Assim sendo, ela é

irredutivelmente definida como susceptibilidade de ser ferido. (NEVES, 2007, p. 29).

A autora afirma que o surgimento da vulnerabilidade no contexto da experimentação

humana foi determinado por fatores históricos ao longo do século XX, quando a

investigação biomédica usava pessoas desprotegidas e/ou institucionalizadas, tais

como “órfãos, prisioneiros, idosos e, mais tarde, judeus e outros grupos étnicos”, como

objeto de pesquisa, contrapondo-se à ideia atual de sujeito da pesquisa. (NEVES, 2007,

p. 29-30).

São esses grupos que vêm a ser considerados vulneráveis, impondo a

obrigatoriedade moral de protegê-los e colocá-los a salvo de experimentos cruéis e

degradantes, mostrados no Julgamento de Nuremberg e no Estudo Tuskegee da Sífilis

não tratada em negros do sexo masculino (Miss Ever‟s Boys, 1997).

O Relatório Belmont definiu os três princípios éticos básicos a serem seguidos nas

pesquisas em seres humanos: Respeito às pessoas (que possuem autonomia

diminuída), daí decorrendo a necessidade do consentimento informado; beneficência,

exigência de maximizar o benefício e não causar mal; e a justiça, na exigência da

equidade e da distribuição. (NEVES, 2007).

Na trajetória da construção teórica da Bioética, vários documentos foram

elaborados, enfatizando as dimensões da vulnerabilidade. Ela pode ser entendida

como: princípio internacional a conduzir eticamente as pesquisas em seres humanos e

outros seres do planeta; características particulares de pessoas ou grupos; e condição

humana de finitude e transcendência. Para Neves (2007), esses três sentidos da

vulnerabilidade são articuláveis entre si e excedem as reivindicações de direitos,

invocando a solicitude dos deveres e da solidariedade entre todos os seres humanos.

A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, aprovada pela

UNESCO em outubro de 2005, coloca o respeito pela vulnerabilidade humana e pela

integridade pessoal como 8º Princípio, constituindo, também, a base para os demais

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que tratam da dignidade humana. Enfatiza que compete ao poder público garantir a

proteção de todos, segundo o princípio da Justiça, e, principalmente, aos mais

vulneráveis, de acordo com a equidade, enquanto estiverem nessa condição especial.

De acordo com Neves (2007), o desenvolvimento da Bioética na Europa determinou

novas dimensões para o conceito, introduzindo a noção ampliada de que a

Vulnerabilidade é uma condição humana universal. Nessa dimensão, destacam-se a

contribuição de Emmanuel Lévinas e de Hans Jonas (apud NEVES, 2007).

É Lévinas quem primeiro tematiza filosoficamente a vulnerabilidade na sua obra

L’humanisme de l’autre homme, em 1972, definindo-a como subjetividade, a

qual é sempre posterior à alteridade. Para Lévinas, “o outro existe

necessariamente antes do eu [...] e a subjetividade é, na relação com o outro,

[...] irredutivelmente dependência, exposição e por isso, vulnerabilidade”.

(NEVES, 2007, p. 35-36).

Vulnerabilidade também é apresentada segundo a ótica da realidade humana,

inerente a todos nós. Segundo Hans Jonas (apud NEVES, 2007):

H. Jonas, em Das Prinzip Verantwortung, de 1979, chama a atenção para a

relevância da significação filosófica de vulnerabilidade, que entende como

caráter perecível de todo o existente, sendo todo o ser vivo perecível, isto é,

finito. [...] Jonas situa sua reflexão no plano ético, em que vulnerabilidade apela

para o dever, a responsabilidade perante o outro. (NEVES, 2007 p. 36-37).

Assim, vulnerabilidade exprime o modo de ser do homem, da nossa humanidade e

a exigência de um modo de agir “que não violenta um ao outro, uma ética responsável

e solidária”. (LÉVINAS, 1972 apud NEVES, 2007).

De acordo com Anjos (2006), em rápidos cenários, pode-se explicar a

vulnerabilidade em seus aspectos referentes aos avanços científicos e à própria

condição humana:

[...] podemos ver como os inegáveis avanços científicos que desdobram as

capacidades humanas e ampliam seu poder continuam não obstante marcados

pela vulnerabilidade. O ethos cultural contemporâneo, entusiasmado com o

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poder, pretende esquecer a própria condição humana de vulnerabilidade. O

preço que se paga é não saber lidar com ela. Desta forma, no contexto sócio-

cultural contemporâneo, a vulnerabilidade merece uma particular atenção da

bioética. (ANJOS, 2007, p. 177).

4.4 Vulnerabilidade, autonomia e papéis parentais

Em se tratando do tema Família e Bioética, pode-se afirmar que vulnerabilidade,

como condição humana, existe tanto em famílias que ainda prosseguem juntas, quanto

em famílias que se separaram. Os laços biológicos, afetivos e emocionais que geram

relações de reciprocidade, também geram deveres e compromissos mútuos, e colocar

os membros das famílias a salvo de agravos emocionais e dificuldades físicas e

materiais é dever de todos os profissionais que trabalham com famílias.

Para a família pobre, marcada pela fome e pela miséria, a casa pode representar

um espaço de privação, de instabilidade e de esgarçamento dos laços afetivos e da

solidariedade. Segundo Gomes e Pereira (2005):

Quando a casa deixa de ser um espaço de proteção para ser um espaço de

conflito, a superação desta situação se dá de forma muito fragmentada, uma

vez que esta família não dispõe de redes de apoio para o enfrentamento das

adversidades, resultando, assim, na sua desestruturação. A realidade das

famílias pobres não traz no seu seio familiar a harmonia para que ela possa ser

a propulsora do desenvolvimento saudável de seus membros, uma vez que

seus direitos estão sendo negados. (GOMES; PEREIRA, 2005).

Para as autoras, a família é uma construção social, um emaranhado particular de

emoções e ações que ocorrem ali, no meio em que vivem. Nesse espaço, são

absorvidos os valores morais e a cultura familiar, aspectos decisivos para a educação

formal e informal de seus membros, conferindo-lhes identidade e proteção,

sobrevivência material e espiritual.

A partir do divórcio, passa a existir uma nova configuração familiar. Trata-se de um

novo arranjo para atender os membros da família em suas necessidades. As famílias

que se separam estão em situação de vulnerabilidade, porquanto a condição humana

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de seus membros está sujeita a vicissitudes e circunstâncias que demandam proteção e

cuidados.

Dificuldades e vulnerabilidades familiares preexistentes, problemas econômicos e

financeiros para a mantença do lar, para aquisição dos mínimos necessários à

subsistência podem ser agravados pela separação. Também são vulnerabilidades: a

ausência de recursos internos para superar os impactos da separação e do divórcio e a

ausência de rede comunitária de ajuda que possa contribuir para a superação das

dificuldades representadas pelas mudanças na dinâmica sociofamiliar. Seja entre os

membros das famílias que se separam ou das que continuam unidas, permanecem as

atribuições dos papéis familiares, pai, mãe e filhos, ainda que transfigurados em novas

conotações jurídicas, emocionais e sociais.

Contudo, a condição humana da vulnerabilidade atinge de forma impactante e

impiedosa as famílias que se separam e essa situação necessita ser mais bem

compreendida para que profissionais possam ajudar efetivamente pessoas, famílias e

comunidades a superarem suas dificuldades.

Pessoas vivendo sob o mesmo teto é uma das características mais evidentes da

existência de uma família, mas “viver sob o mesmo teto”, muitas vezes, torna-se difícil,

se não impossível. Os indivíduos muito rígidos, com visões de mundo pré-concebidas e

fragmentadas, encontram mais dificuldade do que os mais flexíveis e com capacidade

maior de resiliência às vicissitudes da vida.

A convivência familiar que se tornou impossível sob o mesmo teto pode se tornar

viável morando em tetos separados. Nazareth (2004) ensina que existem três estágios

pelos quais passam os casais e as famílias que se separam:

A fase aguda: em que se observam os sentimentos de insatisfação,

ambivalentes, em que há uma espécie de pré-aviso da separação;

A fase transitória: é quando a relação se desfaz, surgindo sentimentos de

raiva, depressão, rejeição e abandono. As crianças ficam “perdidas” entre

sentimentos contraditórios achando que os pais vão se reconciliar. Há

necessidade de reestruturar quase tudo na vida, trabalho, estudo, lazer,

orçamento doméstico e convivência com a família ampliada. Esta é certamente

a fase de maior dificuldade para a família que se separa, quando os ex-

cônjuges procuram o Poder Judiciário em busca de soluções para suas

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dificuldades quanto a definições em relação à guarda dos filhos,

regulamentação de visitas, pensão de alimentos e outras circunstâncias da

vida;

Fase de ajuste: aos poucos, a aceitação de que a decisão é irreversível instala

para os ex-cônjuges a possibilidade de um novo começo, sentimentos de

desapego ao passado e de apego a um novo sentimento de afeto, um novo

presente, um recomeço. (NAZARETH, 2004, p. 34-35).

No Tribunal de Justiça, para andamento do processo, é necessária a apresentação

de “provas”, entendidas como: documentais, testemunhais, materiais e periciais. Afirma

Shine (2003) que:

A busca por provas e o recurso a testemunhas são formas de convencer a

todos da “ruindade” do ex-cônjuge (ou da própria bondade). A busca de uma

platéia vem de encontro com a necessidade de externalizar todo o

ressentimento e a mágoa que não encontraram reconhecimento. Nesse

processo, muito pouco da figura parental é preservada. (SHINE, 2003, p. 69).

Por outro lado, vulnerabilidade e autonomia podem ser tomadas como parceiras,

isto é, como “condição conjunta do sujeito ético em ação”. (ANJOS, 2006). Em uma

aproximação basicamente antropológica, explica o autor que: “Autonomia supõe

liberdade e responsabilidade do sujeito humano, sem as quais não há moralidade”.

(ANJOS, 2006, p. 178).

Entendemos desse ensinamento que a tomada da consciência da própria

vulnerabilidade e da vulnerabilidade do outro pode fundamentar a razão crítica da

consciência dos limites e possibilidades da autonomia.

Pensando dessa forma, dialeticamente, autonomia e vulnerabilidade torna-se

síntese nesse processo contínuo de tese oposta à antítese, que permitirá avançar mais

na compreensão das questões contemporâneas, entre elas a família humana, como

fonte de sobrevivência biológica e cultural da humanidade.

Ensina Chauí (1995) que o sujeito moral ou ético só pode existir se preencher as

seguintes condições, constituintes do campo ético:

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Ser consciente de si e dos outros; ser dotado de vontade capaz de controlar

desejos e impulsos; ser responsável, assumir suas escolhas e consequências

de seus atos; e, finalmente, ser livre de restrições internas e externas, para auto

determinar-se. (CHAUÍ, 2005, p. 337-338).

A ética na família requer, obrigatoriamente, compreensão mútua dos estágios

diferentes de desenvolvimento da família e de cada um, nos diferentes momentos da

dinâmica familiar. No processo de separação, muitas vezes a lógica do conflito judicial

pode acirrar diferenças e evidenciar a ausência da ética nas relações familiares.

Assim, vem a Bioética como fonte privilegiada de reflexões para melhor

compreender a família que se separa, discutindo a importância de se empoderar

pessoas para o exercício pleno de sua autonomia, com responsabilidade.

5 CONCLUSÃO

É preciso que exista ética nas relações familiares, ou seja, respeito pela dignidade

do outro, pela condição de cada um, em menos ou mais grau, de assumir

responsabilidades e de fazer escolhas.

Os profissionais de Serviço Social, atuando no campo do Judiciário, trabalhando

junto a famílias que se separam podem contribuir para o avanço da Bioética. No dizer

de Sarmento (2005):

Esta contribuição pode ser objetivada desde a dimensão educativa da prática

profissional do serviço social, com a inserção da discussão da bioética em seu

processo de trabalho, até a análise e avaliação dos conflitos éticos que surgem

diante de tantas situações novas que se apresentam no mundo contemporâneo,

inclusive com a prestação de novos serviços à população. (SARMENTO, 2005,

p. 176).

Ao construir essa dissertação, percebemos como a família, ao longo de sua história,

se constitui em um núcleo de apoio básico aos novos seres, nas diversas sociedades

que compõem a nossa humanidade. Contudo, não se pode negar, também, que, no

seio da família, existe a reprodução da desigualdade, da violência e da exploração.

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Cada família condensa uma linguagem própria, símbolos e códigos morais e, a partir de

sua condição, organiza suas formas de inserção social.

Uma questão central que se coloca quando pensamos em família como uma

instância fundamental de socialização é: como a família, culpabilizada por não cumprir

devidamente seu papel de proteção para com seus membros, pode superar a ausência

de políticas públicas, somente tendo como auxílio a solidariedade familiar?

A legitimação da desigualdade social como algo “aceitável” e o avanço dos ideais

neoliberais comprometem o desempenho adequado das funções da família. As

iniciativas privadas e o Terceiro Setor passam a concentrar, com as chamadas

parcerias, a demanda por satisfação de necessidades básicas, que o poder público não

consegue assumir. Atribuir às Organizações Não Governamentais – ONGs –, bem

como às empresas privadas os programas de Responsabilidade Social e o

cumprimento de papéis que são de obrigação do Estado, principalmente no que

concerne a uma prática consistente no campo da saúde, da assistência, da educação e

da empregabilidade, tem contribuído para a redução da atenção às famílias.

Essas se veem desprovidas de recursos habitacionais, materiais, organizacionais e

econômico-sociais, imprescindíveis para o cumprimento da sua função vital, criando um

círculo vicioso de pobreza, vulnerabilidade e dependência. No Brasil, temos a

promulgação de uma política que visa ao resgate da primazia da família como centro

privilegiado de atenção das políticas públicas. A Política Nacional de Assistência Social

– PNAS tem como um de seus objetivos “Assegurar que as ações no âmbito da

assistência social tenham centralidade na família, e que garantam a convivência familiar

e comunitária”. (BRASIL, 2004).

Centralidade na família significa, entre outros aspectos relevantes, cumprir o

Princípio do Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e seu direito a

benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária,

vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade. Trata-se de um amplo

processo político e educativo, que deve ser conduzido pela sociedade e por todas as

suas instituições. Para Delors (1999), os quatro pilares da Educação devem ser

entendidos como:

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Aprender a conhecer: significa antes de tudo a aprendizagem dos métodos que

nos ajudem a distinguir o que é real do que é ilusório e a ter, assim, um acesso

inteligente aos saberes da nossa época. Conhecer é ser capaz de estabelecer

pontes entre os diferentes saberes e sua significação para nossa vida cotidiana.

Aprender a fazer: é parte da construção social do indivíduo que se materializa

através do trabalho e demanda competências técnicas e cognitivas para

harmonizar interesses individuais e coletivos. É imprescindível desenvolver

condições materiais para operar a necessária mudança, ampliar a criatividade e

as soluções humanistas, como parte da habilidade humana para ser um agente

transformador.

Aprender a viver juntos: esta aprendizagem representa um dos maiores

desafios da Educação, seja ela formal ou informal. A Educação deve utilizar

duas vias complementares: descoberta progressiva do outro e participação em

projetos comuns (coletivos). Projetos coletivos e motivadores tendem a diminuir

as diferenças e conflitos e representam um espaço para o enriquecimento das

relações humanas.

Aprender a ser: significa integrar as diversas dimensões do ser humano

mediante o desenvolvimento adequado do corpo, do espírito, da sensibilidade,

da responsabilidade individual e coletiva, utilizando o potencial de inteligência,

sentido estético, liberdade de pensamento e discernimento. A estandardização

representa uma ameaça para a diversidade biológica, de talentos e de

personalidades. Para aprender a ser, o indivíduo deve sentir-se como membro

de uma família, de uma coletividade, cidadão, produtor e inventor de técnicas e,

sobretudo, criador de sonhos e possibilidades. (DELORS, 1999, p. 89-102).

Família é um organismo complexo, multifacetado, em constante transformação,

portanto, uma só área do conhecimento não pode abarcar todas as suas nuances. É

preciso aprender a compartilhar a tarefa, pois há várias maneiras de entender e

trabalhar com famílias. Isto denota que, na atualidade, Família pode se constituir em

uma linha de pesquisa envolvendo estudiosos de vários campos, com diferentes

trabalhos interdisciplinares. Compete, ainda, divulgar e difundir esses conhecimentos,

para que outros possam ajudar famílias em situações de dificuldades e litígios.

Sendo a Bioética uma disciplina (ou uma nova ciência, segundo Potter) de

característica interdisciplinar, coloca-se em posição privilegiada para o entendimento da

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Família na contemporaneidade, em que predominam de forma acelerada, as influencias

da pós-modernidade.

Com esse trabalho, esperamos ter apresentado que é possível desenvolver um

conhecimento novo sobre Família, segundo os referenciais da Bioética. Acreditamos

que da interdisciplinaridade entre Bioética e Família pode nascer “uma ponte”, (como foi

idealizada por Potter em 1971), predispondo ao agir comunicativo e ao diálogo refletido

na sociedade e daí, para a cidadania, como foi reiterado por Pessini e Hossne, em

nossa época atual. (HOSSNE; PESSINI, 2010).

Concluímos que, para poder garantir a perpetuação da nossa espécie no planeta,

torna-se imprescindível um processo educativo amplo das novas e atuais gerações,

para que possam aprender a conhecer, a fazer, a viver juntos e, principalmente,

aprender a ser. É preciso respeitar a família como um organismo vivo, dotado de

direitos humanos, civis, políticos, sociais e éticos, como forma de garantir a todos a

minimização de situações de vulnerabilidade, de exclusão, de pobreza, de violência e

de injustiça social, visando a dar autonomia e responsabilidade a cada um, segundo

sua possibilidade, e a cada família, segundo sua necessidade.

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