Marly Moreira Couto Criales
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC-SP
Marly Moreira Couto Criales
Nulidade no Auto de Infrao
MESTRADO EM DIREITO
SO PAULO
2014
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC-SP
Marly Moreira Couto Criales
Nulidade no Auto de Infrao
MESTRADO EM DIREITO
Dissertao apresentada Banca
Examinadora da Pontifcia Universidade
Catlica de So Paulo, como exigncia
parcial para obteno do ttulo de
MESTRE em Direito Tributrio, sob a
orientao da Profa. Dra. Clarice von
Oertzen de Arajo.
SO PAULO
2014
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Banca Examinadora
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Com todo meu amor a Jos Eimar, Luiz
Andr e Margarida Maria.
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AGRADECIMENTO
Primeiramente, a Deus pela ddiva da vida e a beno nesta produo.
Ao meu marido e melhor amigo, Luiz Andr, que me apoiou e ajudou na
realizao deste sonho.
Aos meus pais, Margarida Maria e Jos Eimar, pelo amor incondicional e que
sempre me incentivaram a estudar, fazendo nascer o sonho que hoje realizo. Nada
seria sem os seus ensinamentos.
Aos meus irmos, Beatriz e Rogrio, pelas alegrias que seus filhos, Gustavo e
Leonardo, me do e por compreenderem a minha ausncia durante este ltimo ano.
minha cunhada Gladys e sua famlia por me ajudarem no abstract.
Aos meus melhores amigos, Taciana, Marcia e Luiz, pelas palavras de apoio
e incentivo.
minha orientadora, Clarice von Oertzen de Arajo, que no s contribuiu
para a produo deste trabalho com suas orientaes, mas proporcionou meu
amadurecimento profissional e intelectual.
Professora Fabiana Del Padre Tom e ao Professor Tcio Lacerda Gama
pelas contribuies preciosas no exame de qualificao.
Aos professores de mestrado: Paulo de Barros Carvalho, Charles Willian
Mcnaughton, Estevo Horvath, Roque Antonio Carrazza e Robson Maia Lins, por
todos os ensinamentos e discusses.
Ao Rui e Rafael que sempre foram atenciosos e dispostos a me ajudarem.
A todos que direta ou indiretamente contriburam para a produo deste
trabalho.
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Nulidade no auto de infrao
Marly Moreira Couto Criales
RESUMO: O objetivo do trabalho estudar as invalidades no auto de infrao por
desrespeito aos requisitos obrigatrios para a sua lavratura, com a finalidade de
determinar os critrios de classificao das espcies de invalidades, vcios e seus
efeitos, relacionado aos requisitos no art. 10 do Decreto n. 70.235/72. O estudo tem
incio com o entendimento de norma jurdica como uma construo do ser humano
ao interpretar os textos de lei e atribuir-lhes significao. Trabalha a invalidade como
anttese da validade, e analisa os conceitos de validade, existncia e eficcia das
normas jurdica. Em seguida, estuda o auto de infrao como ato administrativo para
definir que os seus requisitos de lavratura so compostos de elementos intrnsecos e
pressupostos de validade. Por fim, analisa as teorias de invalidade e sua aplicao
no Direito Tributrio, para concluir que so duas as espcies de invalidade, nulidade
e anulabilidade, as quais se relacionam com os vcios materiais e formais.
Palavras-chave: Auto de Infrao; Nulidade; Anulabilidade; Vcios; Efeitos.
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Nullity of Tax Notice
Marly Moreira Couto Criales
ABSTRACT: This papers purpose is to study the invalidities on the tax notice for
disrespect of mandatory requirements for its transcription with the purpose of
determining the criteria for the classification of types of invalidities, defects and their
effects, related to the requirements of act 10 of decree 70.235 /72. The study begins
with the understanding of the rules of law as a construction of the human being to
interpret the texts of law and give them meaning. It works invalidity as the antithesis
of validity, and analyzes the concepts of validity, existence and effectiveness of legal
standards. Then, it studies the tax notice as an administrative act to define that their
requirements for transcription are composed of intrinsic elements and assumptions of
validity. Finally, it analyzes the theories of invalidity and its application in Tax Law, to
conclude that there are two types of invalidity, nullity and voidability, which relate to
material and formal defects.
Keywords: Tax notice; Nullity; Voidability; Defects; Effects.
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LISTA DE ABREVIATURAS
AgRg Agravo Regimental
ART. Artigo
CARF Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
CC Cdigo Civil
CTN Cdigo Tributrio Nacional
DCTF Declarao de dbitos e crditos tributrios federais
DIPJ Declarao de informaes econmico-fiscais da Pessoa Jurdica
DIRPF Declarao do Imposto sobre a Renda de Pessoa Fsica
IRPJ Imposto de Renda de Pessoa Jurdica
LPA Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999
MPF Mandado de Procedimento Fiscal
MS Mandado de Segurana
PAF Decreto n. 70.235, de 06 de maro de 1972
REsp Recurso Especial
RFB Receita Federal do Brasil
RMIT Regra-Matriz de Incidncia Tributria
RMS Recurso Ordinrio em Mandado de Segurana
STJ Superior Tribunal de Justia
STF Supremo Tribunal Federal
TDPF Termo de Distribuio de Procedimento Fiscal
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SUMRIO
INTRODUO .......................................................................................................... 10
CAPTULO I NORMA JURDICA ........................................................................... 16
1. DIREITO: LINGUAGEM E REALIDADE ...................................................................... 16
2. A NORMA JURDICA NO CONSTRUCTIVISMO LGICO-SEMNTICO ............................ 17
2.1. Estrutura Lgica: A C ........................................................................... 20
2.2. Norma jurdica tributria ............................................................................ 25
3. NORMA JURDICA COMPLETA ............................................................................... 27
4. NORMA: ABSTRATA E CONCRETA, GERAL E INDIVIDUAL ........................................... 31
5. PROCESSO DE POSITIVAO DO DIREITO .............................................................. 33
CAPTULO II EXISTNCIA, VALIDADE E EFICCIA DA NORMA JURDICA .... 38
1. EXISTNCIA E VALIDADE DAS NORMAS JURDICAS .................................................. 38
1.1. Teoria de Pontes de Miranda .................................................................... 39
1.2. Teoria de Norberto Bobbio ........................................................................ 41
1.3. Teoria de Paulo de Barros Carvalho ......................................................... 44
1.4. Nossa posio .......................................................................................... 46
2. EFICCIA DAS NORMAS JURDICAS ....................................................................... 49
CAPTULO III AUTO DE INFRAO .................................................................... 53
1. AUTO DE INFRAO ............................................................................................ 53
2. AUTO DE INFRAO E O ATO ADMINISTRATIVO ....................................................... 62
3. AUTO DE INFRAO E OS ATRIBUTOS DO ATO ADMINISTRATIVO ............................... 66
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4. AUTO DE INFRAO E OS REQUISITOS DO ATO ADMINISTRATIVO .............................. 69
4.1. Elementos intrnsecos ............................................................................... 72
4.2. Pressupostos de validade ......................................................................... 75
CAPTULO IV INVALIDADE DO AUTO DE INFRAO....................................... 81
1. HISTRICO DA TEORIA DA NULIDADE .................................................................... 81
2. INVALIDADE NO DIREITO CIVIL ............................................................................. 83
3. INVALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO ............................................................ 87
4. INVALIDADE NO DIREITO TRIBUTRIO ................................................................... 94
5. PRINCPIO DO PREJUZO ...................................................................................... 98
6. ATOS IRREGULARES ......................................................................................... 105
7. VCIOS NO AUTO DE INFRAO........................................................................... 109
CONSIDERAES FINAIS .................................................................................... 120
REFERNCIAS ....................................................................................................... 129
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INTRODUO
O direito tributrio regido por princpios gerais e especficos. Dentre esses
princpios, destacamos o da estrita legalidade e da tipicidade, inerentes ao sistema
tributrio, que preveem que os entes tributantes Unio, Estados, Distrito Federal e
Municpios s tm competncia para tributar consistente em instituir, arrecadar e
fiscalizar os tributos nos estritos limites das leis em vigor.
Esses princpios garantem aos contribuintes no sofrerem abusos na
tributao, bem como asseguram ao ordenamento jurdico sua necessria
estabilidade junto com o princpio da segurana jurdica.
O desrespeito a esses princpios gera uma ilegalidade no ato de produo
normativa por haver um desajuste entre as disposies legais (norma abstrata e
geral) e a norma jurdica introduzida (norma concreta e individual), que pode
acarretar a expulso da norma do sistema pela decretao de sua nulidade.
Nesse contexto, o presente estudo ser realizado, destacando os seguintes
aspectos:
O auto de infrao ato administrativo em que o Fisco, constatando a
ocorrncia de um ato ilcito, efetua o lanamento de ofcio do tributo, quando for o
caso, e aplica a penalidade ao infrator.
Para a lavratura do auto de infrao, a lei prescreve requisitos essenciais de
procedibilidade e de contedo. O desrespeito a um desses requisitos pode gerar um
defeito (vcio) na norma jurdica introduzida e, consequentemente, uma ilegalidade
que acarrete a decretao de nulidade do ato normativo, fazendo cessar a
produo dos efeitos e gerando ao Fisco, a depender do vcio o efeito: da extino
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do crdito tributrio; ou da possibilidade de lavrar novo auto de infrao ou
lanamento de ofcio para constituir o crdito tributrio.
Nesse contexto, realizaremos o nosso estudo na anlise dos requisitos legais
para a lavratura do auto de infrao e os possveis desajustes na norma introduzida,
pretendendo sistematizar as nulidades para classificar suas espcies; os vcios e
seus efeitos.
Tentaremos responder s seguintes perguntas durante a exposio:
1) Como regido e aplicado o sistema das nulidades no Direito
Tributrio? Quais so os seus critrios?
2) Quais so as espcies de nulidades?
3) Quais so os vcios e seus efeitos?
4) Na relao com os requisitos de lavratura do auto de infrao, como se
processa a sistematizao em relao nulidade?
Para tanto, antes de expormos o percurso da pesquisa, fixamos trs
premissas que consideramos relevantes compreenso do assunto com o fim de
garantir coerncia produo cientfica.
A primeira premissa fixada que trabalhamos com as normas jurdicas
vigentes. Partimos do conceito de direito positivo como o conjunto de normas
jurdicas vlidas em uma determinada sociedade. Tudo, para ser direito, norma
jurdica, inserida no ordenamento por ato: (i) Poder Legislativo na edio de leis; (ii)
Poder Judicirio nas prolaes de sentenas e acrdos; (iii) Administrao Pblica,
por meio, especialmente, da edio de atos administrativos, em que destacamos o
auto de infrao; e (iv) particular, por exemplo, na emisso do autolanamento e do
lanamento por declarao.
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A segunda premissa fixada a de que entendemos nulidade como a
invalidade1 da norma jurdica. Com isso, trabalhamos a nulidade como a anttese
da validade, fixando o entendimento, neste momento, de que o rol do art. 59 do PAF,
que trata das nulidades, exemplificativo2.
Ademais, o termo nulidade ambguo, sendo utilizado para denotar o
gnero e a espcie. Logo, para assegurar o rigor cientfico, a partir deste momento,
o denominaremos de invalidade3.
A terceira premissa que fixamos que analisaremos o auto de infrao no
mbito da competncia tributria da Unio, que regido pelo Decreto n. 70.235/72,
que trata do Processo Administrativo Fiscal, e pela Lei n. 9.784/99, que estabelece
as normas bsicas sobre o processo administrativo no mbito da Administrao
Federal.
Alm da fixao das premissas, o conhecimento cientfico requer a aplicao
de um mtodo em que o sujeito cognoscente determina um sistema de referncia
para se aproximar do objeto de estudo e construir um discurso cientfico coerente.
1 Fica superada a corrente que defende que nulidade a aplicao de uma sano por desrespeito
ao preceito legal, defendida por: Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio
Magalhes Gomes Filho (As nulidades no processo penal. 12. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais,
2011, p. 26); Clovis Bevilaqua (Theoria geral do direito civil. Atualizada por Achilles Bevilaqua. 6. ed.
Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo, 1953, p. 3); e Maria Helena Diniz (Curso de direito civil
brasileiro, v. 1: teoria geral do direito civil. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2010, p. 557).
2 NEDER, Marcos Vinicius; LPEZ, Maria Teresa Martinez. Processo administrativo fiscal federal
comentado. 2. ed. So Paulo: Dialtica, 2004, p. 478.
3 No captulo IV empregaremos o termo teoria da nulidade ao se referir as correntes que discorrem
sobre a invalidade. Essa expresso se adequar por ser a denominao utilizada pela doutrina no
estudo do tema.
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Optamos por utilizar no desenvolvimento deste trabalho o mtodo do
Constructivismo Lgico-Semntico, que foi desenvolvido por Lourival Vilanova e
aprofundado por Paulo de Barros Carvalho4.
Esse mtodo tem como referencial filosfico a Filosofia da Linguagem que
entende: (i) a linguagem cria a realidade; (ii) s conhecemos o que apreendido
pela linguagem; (iii) o ser humano atribui os sentidos (significados) aos termos
lingusticos com base nas suas referncias culturais, a fim de criar a realidade; e (iv)
a linguagem fenmeno comunicacional que precisa ser interpretada para haver
comunicao. Utiliza a Semitica nesse processo.
Nesse referencial, o direito concebido como um fenmeno lingustico em
que para ser compreendido (interpretado) necessria a atribuio de significados
aos enunciados prescritivos, do qual os textos do direito positivo so ambguos e
vagos, cabendo ao Cientista do Direito, ao interpret-los, dar coerncia mensagem
legislada.
Assim, o mtodo que trabalharemos tem duas vertentes: a) a atribuio de
sentido construda (Constructivismo) pelo sujeito ao interpretar os fenmenos
lingusticos; e a interpretao opera no b) plano lgico-semntico (Lgico-
Semntico) com o fim de dar formalismo ao discurso e uma aproximao do objeto.
No se trata de abandonar o plano pragmtico, mas de dar nfase a esses dois
planos.
Nesse contexto, o Cientista do Direito decompe o seu objeto de estudo em
uma linguagem formalizada para garantir rigor ao discurso cientfico, extraindo s
4 TOM, Fabiana Del Padre. Vilm Flusser e o Constructivismo Lgico-Semntico. In.: HARET,
Florence; CARNEIRO, Jerson (Coord.). Vilm Flusser e juristas: comemorao dos 25 anos do grupo
de estudos Paulo de Barros Carvalho. So Paulo: Noeses, 2009, p. 323.
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ambiguidades e vaguezas com aplicaes de conceitos de Lgica Jurdica e de
Semitica.
Nessa conjuntura, o estudo foi sistematizado em quatro captulos dos quais
percorremos estudos pela Teoria Geral do Direito, Direito Civil, Direito
Administrativo, Direito Tributrio e Direito Processual Tributrio.
No primeiro captulo trataremos da definio de norma jurdica. Iniciamos com
uma breve introduo do direito na metodologia do Constructivismo Lgico-
Semntico. Analisando a Teoria Geral do Direito, discorreremos sobre o conceito de
norma jurdica no mtodo de trabalho e sua estrutura lgica; a norma jurdica
completa; a classificao da norma quanto estrutura dual; e o processo de
positivao do direito. Durante o captulo faremos a aplicao dos conceitos gerais
no Direito Tributrio.
Fixada a premissa de que a invalidade a anttese de norma jurdica vlida,
que tem como consequncia a cessao da produo dos seus efeitos, se faz
necessrio discorrer sobre validade e eficcia, que ser objeto do segundo captulo.
Neste captulo faremos um corte nas teorias da validade da norma jurdica para
trabalharmos com as vertentes de validade e existncia, pois o tratamento das
invalidades se relaciona com esses institutos jurdicos, devendo, assim, ser firmada
uma posio para a coerncia do discurso cientfico.
No terceiro captulo trataremos do conceito de auto de infrao e os seus
requisitos de lavratura. J aproveitamos para afirmar que auto de infrao ato
administrativo e com isso necessrio estudar o seu regime jurdico. Assim, faremos
incurses no Direito Administrativo para discorrer sobre o conceito, atributos e
requisitos dos atos administrativos, relacionando, por todo o captulo, aos aspectos
do auto de infrao.
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Por fim, no quarto captulo, discorremos sobre a invalidade aplicada no auto
de infrao. Iniciaremos com um breve relato da origem histrica do instituto para,
em seguida, traarmos a sua aplicao no Direito Civil, no Direito Administrativo e no
Direito Processual Tributrio. Delimitaremos as suas espcies e os critrios de
classificao no Direito Tributrio, os vcios e seus efeitos, relacionando-os com os
conceitos do captulo anterior quanto aos requisitos de lavratura do auto de infrao.
Ressaltamos que no decorrer do estudo analisaremos, quanto aplicabilidade
das invalidades no Direito Tributrio, para o fim de sua sistematizao e resposta s
perguntas formuladas, as decises dos tribunais administrativos e judiciais, em
especial do CARF, do STJ e do STF, quando houver aplicao.
No pretendemos com esse estudo esgotar o tema, mas fazer reflexes sobre
a invalidade aplicvel ao auto de infrao para o fim de analisar as posies
doutrinrias (teoria) e jurisprudenciais (prtica), na tentativa de confirm-las ou
infirm-las quanto posio que fixaremos.
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CAPTULO I NORMA JURDICA
1. Direito: linguagem e realidade
O direito consiste em um conjunto de normas jurdicas que tem o fim de
regular as condutas intersubjetivas dos cidados em uma sociedade. o
instrumento do Estado para intervir no meio social5.
Nesse sentido, h a orientao das condutas para os valores que a sociedade
quer ver realizados com o propsito de organizar a vida em sociedade.
Podemos defini-lo: Direito um corpo de regras que se voltam para a regio
material das condutas intersubjetivas 6.
Assim, o direito cria a sua prpria realidade ao eleger os eventos, que
ocorridos no mundo fenomnico, tero o condo de constiturem o fato jurdico
quando vertidos em linguagem. Isso porque s possvel conhecer a realidade no
momento em que so atribudos significados aos dados brutos e constituda em
linguagem7.
Nisso podemos afirmar que h dois acontecimentos que retratam a realidade
jurdica: o evento e o fato jurdico. O evento um acontecimento no mundo
5 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da Norma Tributria. 5. ed. So Paulo: Quartier Latin, 2009, p.
21.
6 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributrio Fundamentos Jurdicos da Incidncia. 9. ed. So
Paulo: Saraiva, 2012, p. 216.
7 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Interpretao e aplicao do direito. In.: HARET, Florence;
CARNEIRO, Jerson (coord.). Vilm Flusser e juristas: comemorao dos 25 anos do grupo de
estudos Paulo de Barros Carvalho. So Paulo: Noeses, 2009, p. 258.
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fenomnico. O fato o relato em linguagem competente do evento ocorrido.
Somente aps esse relato que se torna conhecido o evento e criada a realidade.
O relato do evento em linguagem ato realizado pelo ser humano que
constata a sua ocorrncia e fala dele.
No mais, a linguagem o veculo que o homem se utiliza para se comunicar,
e o direito positivo, como conjunto de normas jurdicas vlidas que tem como
destinatrios os cidados da sociedade, um sistema comunicacional.
Assim, entendemos que o direito um sistema lingustico composto
unicamente de normas voltadas a regular as condutas intersubjetivas8, e que para
conhec-lo preciso compreend-lo, interpretando-o, construindo seu contedo,
sentido e alcance. Nesse contexto, trata-se de um fenmeno comunicacional
representado pela linguagem prescritiva de condutas.
Esse o parmetro segundo o qual desenvolveremos nosso trabalho.
2. A norma jurdica no Constructivismo Lgico-Semntico
O direito fenmeno comunicacional representado pela linguagem prescritiva
de condutas no signo simblico9, composto unicamente de normas jurdicas. Mas, o
que norma jurdica no contexto da nossa metodologia (o Constructivismo Lgico-
Semntico)?
8 OLIVEIRA, Vivian de Freitas e Rodrigues de. Lanamento Tributrio como ato administrativo. So
Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 28.
9 Clarice von Oertzen de Arajo descreve que a natureza simblica do signo tratamento das normas
abstratas. Na concretude, o signo indicial por ser afetado pelo objeto dinmico (op. cit., p. 34).
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A definio de norma jurdica que utilizamos se diferencia de outras acepes
em que: norma jurdica o prprio texto de lei (a lei publicada no Dirio Oficial)10;
que do texto de lei se extrai o contedo da norma11; ou que o conjunto de textos de
lei como sistema jurdico em sua unidade12.
Partimos do entendimento de que norma jurdica o mnimo de manifestao
dentica de sentido completo representada por um antecedente que implica um
consequente e compreende em sua definio: a significao que obtemos a partir
da leitura dos textos do direito positivo13. Expliquemos:
O intrprete tem o primeiro contato com as leis (textos de lei). Este o ponto
de partida para a construo da significao e transmisso da mensagem dentica
desejada pelo legislador. Contudo, como manifestao em linguagem, para construir
a norma jurdica, o intrprete precisa atribuir valores aos smbolos (signos) por meio
da interpretao pelo percurso gerador de sentidos. Esse o processo de
interpretao a ser percorrido pelo intrprete para a construo da norma jurdica.
PAULO DE BARROS CARVALHO14 descreve o percurso gerador de sentido
em quatro fases de interpretao: plano da expresso; plano da significao; plano
do contedo; e plano da sistematizao.
10
Joo Maurcio Adeodato ressalta que para a Escola da Exegese Francesa, norma jurdica a lei
(Uma teoria retrica da norma jurdica e do direito subjetivo. So Paulo: Noeses, 2011, p. 158).
11 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 7. ed. Almedina:
Coimbra, Portugal, 2003, p. 1218; e GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a
interpretao/aplicao do direito. 5. ed. So Paulo: Malheiros, 2009, p. 28.
12 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. So Paulo: Noeses,
2010, p. 278.
13 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributrio. 23. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 40.
14 Ibid., 2012, p. 114 e ss.
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O plano da expresso compreende a anlise dos textos de lei em sua
literalidade como frases soltas sem significado. So as marcas de tinta no papel,
como suporte fsico, e trata-se do contato sensorial do intrprete, de onde parte para
a construo da significao.
Aps esse primeiro contato, o intrprete precisa iniciar a atribuio de
sentidos, passando para o plano da significao, em que comea a adotar valores
unitrios aos vrios signos, que encontrou justapostos, selecionando significaes e
compondo segmentos portadores de sentido15. Nesse plano, o intrprete constri os
enunciados prescritivos por meio do agrupamento das frases soltas em significados
voltados ao objeto do direito: a prescrio das condutas. Comeamos a ter uma
mensagem veiculada, mas que ainda no a norma jurdica.
Construdos os enunciados prescritivos, o intrprete passa ao plano do
contedo, em que agrupar esses enunciados para a composio da norma jurdica
em seu esquema de juzo implicacional, ou seja: um antecedente que implica um
consequente. Nesse plano h a norma jurdica, e transmitida a mensagem
dentica desejada pelo legislador, com a prescrio da conduta a ser obedecida
pelos seus destinatrios.
Por fim, no plano da sistematizao, as normas jurdicas so organizadas em
uma estrutura hierrquica por traos de coordenao e de subordinao, formando o
sistema jurdico em sua unidade significativa de escalonamento normativo.
Logo, o texto de lei se diferencia da norma jurdica16. A doutrina17 utiliza para
essa diferenciao dois termos, respectivamente: norma jurdica em sentido amplo e
norma jurdica em sentido estrito.
15
CARVALHO, loc. cit.
16 TOM, 2009, p. 324.
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Nesse contexto, o intrprete, a partir da leitura do(s) texto(s) de lei constri a
norma jurdica ao agrupar os enunciados prescritivos no esquema de juzo
implicacional, em que a norma jurdica uma construo intelectual da mente do
intrprete.
Assim, percorremos do suporte fsico, como o texto de lei, para a significao
da norma jurdica, como mensagem dentica completa.
Mas, qual a mensagem transmitida pelo legislador ao destinatrio da norma,
ou seja, o que veiculado pela norma jurdica?
O direito um sistema que regula as condutas intersubjetivas dos cidados
durante um lapso de tempo (vigncia temporal) e em um determinado espao
(vigncia territorial). As condutas reguladas so: obrigatria, proibida ou permitida.
Assim, a norma jurdica transmite comandos: obrigatrios, permitidos e proibidos na
estrutura lgica representada por um antecedente que implica um consequente. Isso
constitui a articulao lgica da norma jurdica (juzo implicacional) que passamos a
estudar.
2.1. Estrutura Lgica: A C
A estrutura da norma jurdica composta de um antecedente que implica um
consequente. Essa a estrutura lgica de toda e qualquer norma jurdica para ter a
unidade mnima e irredutvel de significao dentica.
17
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributrio: Linguagem e Mtodo. 4. ed. So Paulo: Noeses,
2011, p. 128; LINS, Robson Maia. O Supremo Tribunal Federal e norma jurdica: aproximaes com o
Constructivismo Lgico-Semntico. In.: HARET, Florence; CARNEIRO, Jerson (Coord.). Vilm
Flusser e juristas: comemorao dos 25 anos do grupo de estudos Paulo de Barros Carvalho. So
Paulo: Noeses, 2009, p. 372-373; e OLIVEIRA, op. cit., passim.
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Nesse sentido, a norma jurdica apresenta homogeneidade sinttica, mas
heterognea semntica e pragmaticamente, porque cada norma jurdica apresenta
contedo e aplicao diferentes18.
A mensagem veiculada na norma jurdica a previso de um comportamento
desejado pelo sistema que consiste em uma conduta (obrigatria, proibida ou
permitida) a se manifestar pela ocorrncia de um evento relacionado ao surgimento
de uma relao jurdica.
Nesse contexto, o legislador, ao descrever a norma jurdica, seleciona os
eventos que considera importantes para configurarem como fatos jurdicos e que
tero o condo de fazerem surgir os efeitos jurdicos por meio da instaurao da
relao jurdica.
Assim, no antecedente da norma jurdica est a descrio do evento e no
consequente a instaurao da relao jurdica com a previso da conduta a ser
obedecida e seus efeitos jurdicos.
Podemos representar por: D (A C), em que: D dever-ser; A o
antecedente (descrio do evento); C, o consequente (previso da relao
jurdica); e (implicao), que um conectivo condicional que tem a funo de
estabelecer um nexo-causal entre a causa (antecedente) e o efeito (consequente), e
se apresenta como functor neutro.
Mas quais os elementos mnimos necessrios para a identificao do
antecedente e do consequente?
18
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lanamento Tributrio. 3. ed. So Paulo: Max Limonad, 2010,
p. 34.
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A doutrina diverge quanto aos elementos mnimos. Portanto, preferimos
trabalhar com a doutrina de PAULO DE BARROS CARVALHO19 que elenca critrios
mnimos para a identificao do fato jurdico e da instaurao da relao jurdica.
O antecedente tem a funo de descrever um fato (de possvel ocorrncia ou
jurdico), que nos critrios material, espacial e temporal20 possibilitam a sua
delimitao. a causa para a implicao dos efeitos jurdicos previstos no
consequente.
O critrio material pode ser descrito na projeo para o futuro ou passado. Na
projeo para o futuro, descreve um evento de possvel ocorrncia no mundo
fenomnico e composto por um verbo no impessoal, infinito e de predicao
incompleta. No passado, representando a concretude do evento, o seu relato em
linguagem competente para constituir o fato jurdico.
O critrio espacial a delimitao do local em que deve ocorrer ou ocorreu o
evento, em sua projeo para o futuro ou para o passado, respectivamente. No
futuro, pode estar implcito ou explcito na norma, mas deve ser possvel identific-lo.
O critrio temporal tem as informaes para determinar o momento da
ocorrncia do evento. Explica AURORA TOMAZINI DE CARVALHO21 que o critrio
temporal no para determinar o instante em que se instaura o vnculo jurdico, mas
a delimitao da ocorrncia do evento. O vnculo instaurado, segundo nossa
premissa, quando vertido em linguagem competente, em que constitudo o fato
jurdico.
19
CARVALHO, 2011, p. 255-256.
20 Id., 2012, p. 243.
21 CARVALHO, 2010, p. 398.
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23
No mais, o critrio temporal tem duas funes: a) direta, de identificar com
exatido o momento da ocorrncia do evento relevante para o direito; e b) indireta,
que a determinao das regras vigentes a serem aplicadas a partir do momento da
ocorrncia do evento.
J, o consequente tem a funo de estabelecer o vnculo relacional entre dois
ou mais sujeitos perante um objeto com a aplicao do efeito jurdico previsto pelo
legislador. Seus critrios de identificao so o pessoal e o quantitativo22, e
representado pelo functor dentico para regular as condutas modalizando em
obrigatrio, proibido ou permitido.
H doutrinadores23 que determinam que deve conter no consequente um
critrio espacial e um critrio temporal para determinar o momento e o local em que
deve ser cumprida a prestao. Entendemos ser desnecessrio, posto que o
cumprimento ou no da prescrio normativa elemento de outra norma jurdica
que descreve o evento do descumprimento ou cumprimento da conduta com os seus
efeitos: aplicao de penalidade ou extino da obrigao, por exemplo.
O critrio pessoal identifica os sujeitos da relao jurdica a ser instaurada e
contm o sujeito ativo e o sujeito passivo. O sujeito ativo tem o direito subjetivo em
relao ao objeto (prestao pecuniria), e o sujeito passivo o dever jurdico.
Necessariamente, um dos sujeitos eleito pelo legislador deve ter relao com o
evento descrito no antecedente24.
22
J aplicamos a denominao e os elementos do Direito Tributrio. Na Teoria Geral do Direito
denominado de critrio prestacional. Esse critrio indica a conduta que o sujeito passivo deve prestar
ao sujeito ativo. o ncleo do direito por regular as condutas intersubjetivas (CARVALHO, 2010, p.
409-410).
23 Lus Cesar de Queiroz tem esse entendimento (CARVALHO, 2010, p. 401).
24 Ibid., p. 403.
-
24
Segundo PAULO DE BARROS CARVALHO25, direito subjetivo [...] a
faculdade que tem o sujeito ativo da relao jurdica de exigir do sujeito passivo o
cumprimento do dever jurdico estipulado na proposio normativa, e [...] O dever
jurdico que pode ser exigido pelo titular do direito subjetivo sempre uma ao ou
omisso do ser humano, e seu descumprimento desencadeia a aplicao de medida
juridicamente sancionadora.
O critrio quantitativo a conduta que o sujeito passivo deve prestar ao
sujeito ativo, representado pela base de clculo e pela alquota. o ncleo do direito
como regulador de condutas intersubjetivas, e, para fins do nosso estudo, a
prestao pecuniria de entregar aos cofres pblicos a importncia devida em
pecnia constituda no crdito tributrio ou na aplicao da penalidade.
Assim, representamos: D [(cm . ct . ce) (cp . cq], em que se ocorrer o
evento descrito no antecedente (A), ento, dever-ser o consequente com a
instaurao da relao jurdica (Rj) entre os sujeitos Sa e Sp, na qual uma conduta
ser obrigatria, permitida ou proibida entre eles:
[...] (i.a) hiptese, pressuposto ou antecedente (H), cuja funo
descrever uma situao de possvel ocorrncia (f), que funciona
como causa para o efeito jurdico almejado pelo legislador; e (i.b)
consequente ou tese (C), cuja funo delimitar um vnculo
relacional entre dois sujeitos (SRS), que se consubstancia no efeito
almejado; e (ii) conectivo condicional (), tambm denominado
vnculo implicacional, cuja funo estabelecer o liame entre a
25
CARVALHO, P. B., 2009, p. 64-65.
-
25
causa e o efeito ao imputar a relao prescrita no consequente
normativo, caso verificada a situao descrita na hiptese26.
Por fim, aplicamos a estrutura lgica da norma jurdica e seus critrios de
identificao em dois exemplos do Direito Tributrio para o fim de confirmar a teoria:
a) RMIT IRPJ: no antecedente, o critrio material auferir renda, o critrio
espacial no Territrio Nacional, e o critrio temporal no perodo de 1 de janeiro a 31
de dezembro. No consequente, o critrio pessoal tem a Unio como sujeito ativo e o
contribuinte como sujeito passivo; e no critrio quantitativo, a base de clculo o
valor da renda e a alquota que varia entre 7%; 15%; 22,5% e 27,5% a depender da
base de clculo; e
b) Lanamento de ofcio por omisso de receita de IRPJ: no antecedente, o
critrio material omitir renda, o critrio espacial no Territrio Nacional, e o critrio
temporal no perodo apurado pelo Fisco. No consequente, no critrio pessoal, a
Unio o sujeito ativo e o contribuinte o sujeito passivo, e no critrio quantitativo a
base de clculo o valor da renda omitida e a alquota que varia entre 7%; 15%;
22,5% e 27,5% a depender da base de clculo.
2.2. Norma jurdica tributria
Ao atribuirmos o conceito de norma jurdica aplicvel ao direito, se faz
necessrio determin-la no campo de nosso estudo: o direito tributrio, isto posto, o
direito se apresenta por diversas espcies de normas: constitucional, administrativa,
26
CARVALHO, 2011, p. 289/290.
-
26
civil, tributria, etc., cada qual com o seu contedo, em que se diferenciam no
campo da heterogeneidade semntica27.
O Direito Tributrio28 o ramo do direito que regula, direta ou indiretamente, a
instituio, arrecadao ou fiscalizao de tributos. Compreende: os princpios
constitucionais tributrios a serem aplicados pelo legislador; e o nascimento, a vida e
a extino das relaes jurdico-tributrias.
Dessa forma, a norma jurdica tributria a que trata direta ou indiretamente
da instituio, arrecadao e fiscalizao dos tributos.
Portanto, h trs tipos de relaes: a de instituio dos tributos; a de
arrecadao dos tributos e a de fiscalizao dos tributos.
Dado essas relaes, o CTN, no art. 11329, prev que h obrigaes
tributrias principais e os deveres instrumentais30. Obrigaes tributrias principais
so as que surgem da incidncia da norma jurdica relacionada instituio do
27
CAMPILONGO, Paulo Antonio Fernandes. Os limites a reviso no auto de infrao no contencioso
administrativo tributrio. 2005. 270f. Dissertao (Mestrado em Direito), Pontifcia Universidade
Catlica de So Paulo - PUC/SP, So Paulo, 2005, p. 76; e CARVALHO, 2012, p. 131.
28 Entendemos que o sistema jurdico uno e indecomponvel, mas didaticamente necessrio fazer
o corte para uma melhor anlise do objeto (CARVALHO, 2011, p. 46).
29 Art. 113. A obrigao tributria principal ou acessria. 1 A obrigao principal surge com a
ocorrncia do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniria e
extingue-se juntamente com o crdito dela decorrente. 2 A obrigao acessria decorre da
legislao tributria e tem por objeto as prestaes, positivas ou negativas, nela previstas no
interesse da arrecadao ou da fiscalizao dos tributos. 3 A obrigao acessria, pelo simples
fato da sua inobservncia, converte-se em obrigao principal relativamente penalidade pecuniria.
30 O CTN no art. 113 emprega a terminologia de obrigao acessria. Entendemos inapropriada por
no expressar uma obrigao e no haver laos entre relaes tributrias para ser denominada de
acessria. Assim, seguirmos a denominao de Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 362 e ss.).
-
27
tributo, e os deveres instrumentais se apresentam pelas normas que regulam a
forma de arrecadao e fiscalizao dos tributos.
Nessa perspectiva, podemos delimitar que as normas jurdicas tributrias so
de duas espcies: as que preveem a forma de instituio do tributo, e as que
preveem a forma de arrecadao e fiscalizao; classificando-as, respectivamente,
em norma jurdica em sentido estrito e em sentido amplo31.
Assim, as normas jurdicas tributrias, que devem se apresentar pela
estrutura lgica, so: a) as que tm como objeto a instituio do tributo e se
apresentam pela regra-matriz de incidncia tributria, lanamento tributrio ou auto
de infrao; e b) as que tratam da forma de arrecadao ou fiscalizao como, por
exemplo, da obrigatoriedade de emisso de DCTF, DIPJ, DIRF.
3. Norma jurdica completa
A norma jurdica completa uma estrutura dual que inicialmente compreende:
a norma primria e a norma secundria. Foi desenvolvida por HANS KELSEN32, que
ao analisar a caracterstica de coao do direito, determinou que havia duas normas
para completar o sistema, classificando-as segundo o critrio sancionador.
Inicialmente HANS KELSEN33 entendia que a norma primria era a que
prescrevia a sano a ser aplicada pelo Estado-Juiz, quando houvesse
descumprimento da norma secundria; e a norma secundria a que descrevia o
31
CARVALHO, 2011, p. 297.
32 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Traduo de Jos Cretella Junior e Agnes Cretella. 4. ed.
So Paulo: RT, 2006, p. 69/70.
33 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Traduo Jos Florentino Duarte. Porto Alegre: Fabris,
1986, p. IX e 181.
-
28
comportamento desejado pela ordem jurdica. Contudo, verificando a inconsistncia
pelas crticas que recebeu, reviu os conceitos e determinou que: a) norma primria
a que prescreve o comportamento desejado, e b) a norma secundria a norma
aplicada pelo Estado-Juiz como coero desobedincia norma primria.
Nesse sentido, EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI34 descreve a norma
primria e a norma secundria:
A norma primria vincula deonticamente ocorrncia de dado fato a
uma prescrio (relao jurdica); a norma secundria conecta-se
sintaticamente primeira, prescrevendo: se o fato de a no
ocorrncia da prescrio da norma primria se verificar, ento deve
ser uma relao jurdica que assegure o cumprimento daquela
primeira, ou seja, dada a no observncia de uma prescrio jurdica,
deve ser a sano.
Assim, a norma primria a que descreve um evento de direito material de
possvel ocorrncia que tem o condo de desencadear uma relao jurdica; e a
norma secundria a que prescreve a aplicao de uma sano mediante coero
do Estado-Juiz ao sujeito que no cumpriu com o previsto na norma primria. Dessa
forma, LOURIVAL VILANOVA35 classifica a norma primria de relao jurdica de
cunho material e norma secundria de ndole formal (processual).
Seguindo essa sistemtica, a norma jurdica completa: expressa a
mensagem dentica-jurdica na sua integralidade constitutiva, significando a
34
SANTI, op. cit., p. 36.
35 VILANOVA, Lourival. Estruturas Lgicas e o Sistema no Direito Positivo. 4. ed. So Paulo: Noeses,
2010, p. 74.
-
29
orientao da conduta, juntamente com a providncia coercitiva que o ordenamento
prev para seu cumprimento36 e apresenta estrutura lgica interproposicional com
representao simblica:
Simbologia: D{[HC] v [H (-c) S]}: A norma primria estatui
direitos e deveres a dois ou mais sujeitos como consequncia
jurdica C, em decorrncia da verificao do acontecimento descrito
em sua hiptese H. A norma secundria estabelece a sano S,
mediante o exerccio da coao estatal, no caso de no observncia
dos direitos e deveres institudos pela norma primria H (-c)37.
Contudo, EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI38 constatou que alm da
sano aplicada pelo Estado-Juiz prevista na norma secundria, h a sano
administrativa aplicada pela Administrao, e passa a classificar a norma primria
em dispositiva e sancionadora. A norma primria dispositiva a que descrevem
relaes jurdicas de direito material com a ocorrncia de um fato lcito, e a norma
primria sancionadora a que descreve a sano a ser aplicada
administrativamente pelo descumprimento do prescrito na norma primria dispositiva
consubstanciada em um fato ilcito.
Assim, teramos a norma primria dispositiva com o antecedente que
descreve um fato lcito que implica uma consequncia; e a norma primria
sancionadora que descreve, no antecedente, o fato ilcito pelo descumprimento do
36
CARVALHO, 2012, p. 276.
37 CARVALHO, 2010, p. 309.
38 SANTI, op. cit., p. 38.
-
30
dever da norma primria dispositiva e, no consequente, a aplicao da sano,
como, por exemplo, uma multa. simbolizada: D {[p q] v [- q S]}.
Desse modo, a norma primria sancionadora precisa, para existir, da norma
primria dispositiva, por se tratar da aplicao de uma sano por seu
descumprimento.
Mas no necessrio para a validade do sistema que exista a norma primria
sancionadora, podendo haver a regulao do sistema pela norma primria
dispositiva e a norma secundria39.
Portanto, a norma jurdica completa, aps os estudos desses autores,
compreende: a) a norma primria que norma de direito material e prescreve o
comportamento desejado pela ordem jurdica. Classifica-se em: a.1) norma primria
dispositiva, que no antecedente descreve um fato lcito, e a.2) norma primria
sancionadora, que no antecedente descreve um comportamento ilcito pelo
descumprimento da norma primria dispositiva; e b) que, se descumpridas, quando
existentes ambas, ser aplicada a norma secundria, de natureza processual, pelo
Estado-Juiz.
Aplicando esses conceitos ao Direito Tributrio, teremos:
a) Norma primria dispositiva: dada a ocorrncia no tempo e no espao do
evento tributrio previsto no antecedente da RMIT (antecedente), dever-ser a
instaurao da relao jurdica tributria entre o contribuinte e o Fisco (consequente)
com a lavratura do lanamento de ofcio;
b) Norma primria sancionadora: dado que o contribuinte, devidamente
notificado, no pagou o tributo e nem apresentou impugnao (antecedente), dever-
39
QUEIROZ, Lus Csar Souza de. Sujeio passiva tributria. Rio de Janeiro, Forense, 2002,
p. 37-39.
-
31
ser a constituio da relao jurdica tributria entre o contribuinte e o Fisco para
efetuar o lanamento de ofcio e a aplicar a penalidade (consequente) mediante a
lavratura de auto de infrao; e
c) Norma secundria: dado que o contribuinte notificado da lavratura do auto
de infrao no recolheu aos cofres pblicos a pecnia e nem impugnou o auto de
infrao (antecedente), dever-ser que o Fisco inscreva em Dvida Ativa o crdito
tributrio e ingresse com a Execuo Fiscal, para que, formando a relao tridica
entre contribuinte, Fisco e o Estado-Juiz, seja expropriado o patrimnio do
contribuinte at a satisfao do dbito (consequente).
4. Norma: abstrata e concreta, geral e individual
Trabalhamos com o conceito de norma jurdica como unidade mnima e
irredutvel de manifestao do dentico, em que um antecedente implica um
consequente.
As classes de normas em abstrata e concreta, e geral e individual se referem
aos elementos dessa estrutural lgica: antecedente e consequente.
O antecedente descreve o evento de possvel ocorrncia ou seu relato em
linguagem competente para constituir o fato jurdico. A descrio de um evento de
possvel ocorrncia no mundo fenomnico, que quando vertido em linguagem
competente, constitui o fato jurdico, a representao da norma em sua abstrao;
que ganha concretude quando relatado em linguagem competente e constitudo o
fato jurdico. Da a abstrao e a concretude esto no antecedente40 e referem-se
aos elementos fticos.
40
CARVALHO, 2012, p. 57-58.
-
32
PAULO ANTONIO FERNANDES CAMPILONGO41 descreve que a abstrao
a descrio de um fato hipottico que no ocorreu e se apresenta com o verbo no
impessoal e de predicao incompleta, tendo como elemento obrigatrio o
complemento da indicao de espao e tempo; e a concretude a ocorrncia do
evento vertido em linguagem competente que constitui o fato jurdico, completado na
indicao do espao e do tempo, e do verbo no pretrito.
Assim, podemos definir abstrao e concretude como: a) abstrao um
conjunto de critrios para se identificar um evento de possvel ocorrncia no tempo e
no espao e est projetada para o futuro; e b) concretude o relato em linguagem
competente do evento ocorrido no tempo e no espao que constitui o fato jurdico e
est projetado para o passado.
O consequente instaura a relao jurdica entre dois ou mais sujeitos em
relao a uma prestao. Assim, h que prever os sujeitos que compem a relao
e esto na classe normativa do geral e do individual42. A classe do geral a que no
determina os sujeitos, ou seja, os sujeitos da relao so indeterminados, e da
individual h a definio dos sujeitos na sua individualizao ou identificao no
grupo de pessoas.
Logo, podemos definir geral e individual como: a) geral a previso de uma
classe indefinida de sujeitos; e b) individual a delimitao de uma classe
determinada de sujeitos: ativo e passivo.
Fazendo a relao entre as classes e a estrutura lgica da norma jurdica (A
C), teremos: normas abstratas e gerais, normas concretas e gerais, normas
41
CAMPILONGO, op. cit., p. 19.
42 CARVALHO, 2012, p. 57.
-
33
abstratas e individuais, e normas concretas e individuais; que se aplicam ao Direito
Tributrio:
a) Normas abstratas e gerais so as que tm no antecedente a descrio de
um evento de possvel ocorrncia no tempo e no espao; e no consequente a
previso da instaurao de uma relao jurdica entre sujeitos indeterminados. Trata
da RMIT que institui o tributo;
b) Normas concretas e gerais so as que no antecedente relatam em
linguagem competente o evento ocorrido no tempo e no espao para constituir o fato
jurdico tributrio; e no consequente h a previso da instaurao de uma relao
jurdica entre sujeitos indeterminados. Trata-se do auto de infrao como norma
introdutora43;
c) Normas abstratas e individuais so as que tm no antecedente descrevem
um fato de possvel ocorrncia a ser delimitado no tempo e no espao; e no
consequente a previso da instaurao da relao jurdica com a individualizao
dos sujeitos da relao. Trata-se da consulta tributria; e
d) Normas concretas e individuais so as que constituem no antecedente o
fato jurdico tributrio; e no consequente instaura a relao jurdica entre sujeitos
determinados. Trata-se do lanamento tributrio.
5. Processo de positivao do direito
As normas jurdicas tm como objetivo regular as condutas intersubjetivas
para o fim de produzirem os efeitos prescritos pelo legislador. S possvel atingir a
43
H autores que atribuem ao auto de infrao essa classe de norma. Discordamos desse
entendimento, conforme veremos no captulo III, item 1.
-
34
conduta regulada pelo direito com a mxima concretude e individualizao da
norma. Assim, passam da abstrao concretude para o fim de atingirem as
condutas intersubjetivas reguladas pelo direito, que, segundo nossas premissas: a
linguagem do direito positivo projetando-se sobre o campo material das condutas
intersubjetivas para organiz-las deonticamente. A esse processo denominamos de
positivao do direito, que compreende o caminho percorrido da abstrao da norma
para chegar a sua concretude.
O processo de positivao do direito se d em duas etapas: a) com a
ocorrncia do evento, pela incidncia normativa; e b) com a introduo da norma
jurdica no ordenamento jurdico, no ato de aplicao. Assim, esse processo
compreende o ato de incidncia e o de aplicao da norma jurdica44.
H duas teorias que explicam o processo de positivao do direito: a teoria
tradicional e a teoria do Constructivismo Lgico-Semntico.
A teoria tradicional45 entende que a incidncia automtica e infalvel, e se
diferencia do ato de aplicao. Entendem que ocorrido o evento no mundo
fenomnico, que tem suporte no antecedente da norma jurdica, esta cai sobre ele,
sem necessidade de um relato em linguagem competente ou uma ao humana,
para juridiciz-lo, tornando-o fato jurdico, e fazendo nascerem sozinhos os efeitos
44
GUERRA, Renata Rocha. Auto de Infrao Tributrio: produo e estrutura. 2004. Dissertao
(Doutorado em Direito) Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC/SP, So Paulo, 2004,
p. 28.
45 defendida por Miguel Reale (CARVALHO, 2010, p. 408); Alfredo Augusto Becker (Teoria geral do
direito tributrio. 5. ed. So Paulo: Noeses, 2010, p. 324); e Pontes de Miranda (Tratado de direito
privado. Tomo I Introduo: pessoas fsicas e jurdicas. Atualizao Judith Martins-Costa. So
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 70).
-
35
jurdicos. Esse processo ocorre no plano dos pensamentos46, de forma que a norma
incide sozinha e por conta prpria sobre os acontecimentos sociais para juridiciz-
los. Aps a juridicizao dos fatos, a norma poder ser aplicada pelo homem,
momento em que pode haver falha se for descumprida. Dessa forma, os atos de
incidncia e de aplicao se constituem em momentos distintos.
A teoria do Constructivismo Lgico-Semntico s conhece o que
representado pela linguagem. Entende que os atos de incidncia e de aplicao
ocorrem com o relato em linguagem competente do evento que constitu o fato
jurdico e instaura a relao jurdica. Com esse relato nascem os efeitos jurdicos
previstos em lei. Assim, ambos so atos que se formam conjuntamente
representados pelo ltimo ato: de aplicao. Os efeitos da norma s sero
verificveis quando ingressarem no sistema do direito positivo por seu relato em
linguagem competente. A linguagem competente das provas.
TCIO LACERDA GAMA47 faz crticas sobre a concepo automtica e
infalvel da incidncia, nos termos seguintes:
Uma vez aceita a premissa de que o direito um conjunto de
normas, que se manifestam em linguagem, no d para conceber
que acontecimentos sociais, destitudos de uma linguagem
competente, promovam qualquer tipo de alterao a esse conjunto.
46
ARAJO, 2011, p. 97; MIRANDA, 2012, t. I, p. 69.
47 GAMA, Tcio Lacerda. Obrigao e crdito tributrio: Anotaes margem da teoria de Paulo de
Barros Carvalho. [S.I.]: FISCOSoft, 2003. Disponvel em:
. Acesso em: 24 out. 2012, p.
3 e 4.
-
36
[...] O ponto a ser destacado aqui a necessidade de que um sujeito
indicado pelo sistema do direito positivo relate o acontecimento numa
forma juridicamente prevista (linguagem competente). Sem isso, os
acontecimentos sociais no passaro a integrar o sistema de direito
posto, criando obrigaes passveis de serem exigidas
coercitivamente. [...] Para que acontea a incidncia da norma,
necessria a realizao simultnea de duas operaes lgicas:
subsuno e imputao. Na primeira, observa-se a pertinncia do
fato norma de superior hierarquia; na segunda, prescreve-se o
efeito que ser, necessariamente, uma relao jurdica.
Assim, pela metodologia que adotamos neste trabalho, nos filiamos
segunda teoria e, nos baseando nela, passamos a discorrer com mais detalhes os
atos de incidncia e de aplicao.
A incidncia operao lgica de subsuno e de implicao. A subsuno
operao em que se constata que um evento ocorrido no mundo fenomnico se
enquadra na classe dos critrios descritos no antecedente da norma. A implicao
a determinao normativa em que constitudo o fato jurdico (com o relato em
linguagem competente do evento subsumido) instaura-se a relao jurdica entre as
partes. Essas operaes lgicas se materializam no ato de aplicao realizado pelo
ser humano, que constata a ocorrncia do evento que se subsume aos critrios da
norma jurdica e o verte em linguagem competente por meio de provas para
constituir o fato jurdico (antecedente) e instaurar a relao jurdica (consequente).
Nesse sentido, RENATA GUERRA48 explica: Aplicar o direito nada mais que criar
48
GUERRA, op. cit., p. 28.
-
37
o direito, criar normas jurdicas nas suas variadas combinaes entre antecedente e
consequente.
No mais, o ato de aplicao pode ser concretizado pelo Legislativo, ao editar
as leis; pelo Judicirio, ao proferir sentenas ou acrdos; pela Administrao
Pblica, na edio do ato administrativo; e pelo particular, ao firmar contratos ou
efetuarem o autolanamento.
Por esse enfoque, conclui-se que o processo de positivao do direito
compreende a forma que se criam as normas jurdicas no nosso ordenamento
jurdico, a realizar-se por meio do ato de incidncia e de aplicao.
-
38
CAPTULO II EXISTNCIA, VALIDADE E EFICCIA DA NORMA JURDICA
1. Existncia e validade das normas jurdicas
A concepo de validade se relaciona com o conceito de direito49. Nesse
sentido, termo plurvoco que pode assumir:
[...] a especial forma de existncia de uma norma; atributo da norma
compatvel com aquela que programou a sua criao; aptido para
vir a ser aplicada por um tribunal; circunstncia de, efetivamente,
disciplinar comportamentos; compatibilidade da norma do direito
positivo com padres religiosos, racionais ou humanos, em acepo
ampla50.
Para fins do nosso estudo, se destacam as teorias que entendem validade
como atributo ou qualidade da norma jurdica, que se relacionam com a questo de
sua existncia51, pois a teoria da validade como atributo da norma a concebe como
49
Sem validade no h norma, sem norma no h direito, logo sem validade no h que se falar em
sistema do direito positivo (MOUSSALLEM, Trek Moyss. Fontes do Direito Tributrio. 2. ed. So
Paulo, Editora Noeses, 2006, p. 167).
50 GAMA, Tcio Lacerda. Teoria dialgica da validade: existncia, regularidade e efetividade das
normas tributrias. In: SCHOUERI, Lus Eduardo (Coord.). Direito tributrio Homenagem a Paulo de
Barros Carvalho. So Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 130.
51 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurdica. Traduo Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno
Sudatti. 4. ed. So Paulo: EDIPRO, 2008, p. 46.
-
39
sinnimo de norma jurdica existente, e a teoria da validade como qualidade da
norma como ato de aferio posterior existncia da norma, na sua aplicao.
Essas teorias so pertinentes por se contraporem s teorias de invalidade que
estudaremos e trabalham com as classes: do ato inexistente, do ato nulo e do ato
anulvel, alm das meras irregularidades.
Assim, se entendemos que o vcio na norma acarreta a sua invalidade, que
a anttese da validade, se faz necessrio delimitar os campos de existncia e/ou
validade da norma jurdica, que no estudo dessas teorias j sero demarcadas.
Para tanto, discorreremos sobre as acepes de validade e existncia nas
teorias: de Pontes de Miranda, de Norberto Bobbio e de Paulo de Barros Carvalho,
para em seguida fixarmos nossa posio.
1.1. Teoria de Pontes de Miranda
Para PONTES DE MIRANDA52, validade qualidade da norma jurdica.
O autor entende que o ordenamento jurdico formado por trs planos: da
existncia, da validade e da eficcia do ato jurdico.
O plano da existncia se sobrepe ao plano da validade, em que o ato jurdico
precisa ingressar no ordenamento para, posteriormente, aferir se vlido ou invlido
no ato de aplicao da norma.
52
MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado. Tomo IV Validade. Nulidade. Anulabilidade.
Atualizao Marcos Bernardes de Mello e Marcos Ehrhardt Junior. 1. ed. So Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, p. 61-62. Tambm o entendimento de Clarice von Oertzen de Arajo (Incidncia
Jurdica Teoria e Crtica. So Paulo: Noeses, 2011, p. 64).
-
40
Assim, se houver um defeito na essncia do ato jurdico que torne impossvel
o seu ingressar no mundo jurdico, o ato inexistente, e no h que se falar em
validade ou invalidade, muito menos em ato jurdico:
1. EXISTIR E VALER Para que algo valha preciso que exista.
No tem sentido falar-se de validade ou de invalidade a respeito do
que no existe. A questo da existncia questo prvia. Somente
depois de se aferir que existe possvel pensar em validade ou em
invalidade. Nem tudo que existe suscetvel de a seu respeito
discutir-se se vale, ou se no vale. No se h de afirmar nem de
negar que o nascimento, ou a morte, ou a avulso, ou o pagamento
valha. No tem sentido. To-pouco, a respeito do que no existe: se
no houver ato jurdico, nada h que possa ser vlido ou invlido. Os
conceitos de validade ou de invalidade s se referem a atos jurdicos,
isto , a atos humanos que entraram (plano da existncia) no mundo
jurdico e se tornaram, assim, atos jurdicos53.
Logo, pressuposto da validade que o ato jurdico exista, ou seja, que tenha
ingressado no ordenamento jurdico, constituindo o fato jurdico suficiente mediante
a incidncia da norma no suporte ftico.
Ao existir o ato jurdico que se verifica sua validade ou invalidade por meio da
anlise da presena dos pressupostos regulados no ordenamento jurdico no ato de
aplicao da norma54, em que:
53
MIRANDA, 2012, t. IV, p. 61-62.
54 MIRANDA, 2012, t. IV, p. 62.
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41
A conduta contrria regra jurdica talvez seja desconhecedora
dessa. No importa se a pessoa conhece ou no conhece a regra
jurdica: ela, por ser jurdica, incide, com ou sem esse conhecimento.
Se a regra mesmo violou princpio de publicidade, outra questo e
somente diz respeito sua validade55.
Nesse contexto para o autor h: a) ato inexistente, que no ingressou no
ordenamento por no preencher o suporte fctico para a incidncia da norma; b) ato
jurdico, que o ato que ingressou no ordenamento mediante o preenchimento dos
elementos do suporte fctico, incidindo a norma para constituir o fato jurdico em
que: b.1) ato vlido por os pressupostos essenciais de formao do ato terem
sidos preenchidos e a norma ter sido aplicada; e b.2) ato invlido, em que h
ausncia de algum(s) do(s) pressuposto(s) essencial(is) de formao do ato, e, por
isso, a norma no aplicada.
1.2. Teoria de Norberto Bobbio
NORBERTO BOBBIO56 entende que a validade sinnimo de existncia da
norma jurdica, ou seja, um atributo da norma57. Assim, afirmar que a norma
jurdica vlida verificada se uma norma jurdica ou no, em que:
55
MIRANDA, 2012, t. I, p. 70.
56 BOBBIO, 2008, p. 46-45.
57 QUEIROZ, op. cit., p. 123; e FERRAZ JNIOR, Tercio Sampaio. Introduo ao estudo do direito:
tcnica, deciso, dominao. 6. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 171.
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42
O problema da validade o problema da existncia da regra
enquanto tal [...] o problema da validade se resolve com um juzo de
fato, isto , trata-se de constatar se uma regra jurdica existe ou no,
ou melhor, se tal regra assim determinada uma regra jurdica.
Validade jurdica de uma norma equivale existncia dessa norma
como regra jurdica.
Com o ingresso da norma jurdica no ordenamento norma jurdica vlida,
pois para a norma ser jurdica tem que ter validade.
Dessa forma, o autor atribui trs operaes para verificar a validade da norma
jurdica:
Em particular, para decidir se uma norma vlida (isto , como regra
jurdica pertencente a um determinado sistema), necessrio com
frequncia realizar trs operaes: a) averiguar se a autoridade de
quem ela emanou tinha o poder legtimo para emanar normas
jurdicas, isto , normas vinculantes naquele determinado
ordenamento jurdico (esta investigao conduz inevitavelmente a
remontar at a norma fundamental, que o fundamento de validade
de todas as normas de um determinado sistema); 2) averiguar se no
foi ab-rogada, j que uma norma pode ter sido vlida, no sentido de
que foi emanada de um poder autorizado para isto, mas no quer
dizer que ainda seja, o que acontece quando uma outra norma
sucessiva no tempo a tenha expressamente ab-rogado ou tenha
regulado a mesma matria; 3) averiguar se no incompatvel com
outras normas do sistema (o que tambm se chama ab-rogao
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43
implcita), particularmente com uma norma hierarquicamente
superior58.
LUIS CESAR SOUZA DE QUEIROZ59, possuindo o mesmo entendimento do
autor, ainda complementa: [...] lgica e juridicamente impossvel uma norma ser
jurdica e no ser vlida.
Assim, toda norma que jurdica vlida, ou seja: ou a norma vlida e
existe no sistema; ou no vlida e no existe no sistema jurdico; do qual, ser
norma jurdica existir no ordenamento jurdico e, consequentemente, ser vlida.
Tem essa posio HANS KELSEN60 defendendo, ainda, que para a garantia
da unidade da ordem jurdica necessrio que exista uma norma fundamental61 de
superior hierarquia que prescreve como as normas jurdicas inferiores devem ser
criadas. No sistema brasileiro, a norma fundamental a CF, que d fundamento de
validade s normas inferiores.
Dessa forma, para essa teoria a validade concebida: a) a norma ingressou
no ordenamento jurdico, norma jurdica, existente e vlida, por ter sido
expedida pelo agente competente mediante o procedimento especfico; e b) a norma
no ingressou no ordenamento jurdico por desrespeito a um dos pressupostos de
sua constituio, no norma jurdica, no existente e invlida.
58
BOBBIO, 2008, p. 47.
59 QUEIROZ, op. cit., p. 37-123.
60 KELSEN, 1986, p. 3-4.
61 Id., 2006, p. 221.
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44
1.3. Teoria de Paulo de Barros Carvalho
A Teoria de PAULO DE BARROS CARVALHO62 tem estreita relao com a
Teoria de Norberto Bobbio, por conceber validade como norma jurdica existente.
Para o autor, validade relao de pertencialidade da norma com o sistema,
em que norma vlida a norma jurdica existente por ter ingressado mediante o
procedimento estabelecido no sistema:
[...] E ser norma vlida quer significar que mantm relao de
pertencialidade com o sistema S, ou que nele foi posta por rgo
legitimado a produzi-la, mediante procedimento estabelecido para
esse fim [...] relao o vnculo que se estabelece entre a
proposio normativa e o sistema do direito posto, de tal sorte que ao
dizermos que ua norma N vlida, estaremos expressando que ela
pertence ao sistema S.
Os critrios de pertencialidade so: autoridade competente e procedimento
prprio63. A autoridade competente consiste na pessoa autorizada pela ordem
jurdica a editar a norma jurdica. O procedimento prprio representa a forma a ser
observada na produo da norma jurdica. Assim, o desrespeito a qualquer dos
critrios torna a norma jurdica passvel de ser decretada invlida.
62
CARVALHO, 2011, p. 113. Tambm o entendimento de Gregorio Robles (O direito como texto:
quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Traduo Roberto Barbosa Alves. So Paulo:
Manole, 2005, p. 107); e Lourival Vilanova (2010, p. 51).
63 CARVALHO, 2010, p. 708.
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45
A relao da pertinencialidade da norma com o sistema inerente norma
jurdica vlida. Nessa perspectiva, pode ser questionada e confirmada aps o seu
ingresso no ordenamento. Isso posto, a norma jurdica que ingressa no sistema
presume-se vlida por ter sido expedida pelo agente competente mediante o
procedimento prprio. Somente com o ingresso de outra norma que reconhea o
desrespeito aos critrios de pertinencialidade e expulse a norma invlida do sistema
que ela perde seu atributo e deixa de pertencer ao sistema.
Nisso, para a garantia do ordenamento, ao existir a norma h a presuno de
validade64, segundo a qual foram observadas as formalidades essenciais no ato de
produo.
Assim, a norma jurdica nasce com presuno de validade, com fora para
incidir e ser aplicada, havendo a possibilidade de ser contestada a compatibilidade
ou no da norma com as prescries jurdicas para a sua criao, decretando-a,
quando houver o seu desrespeito, invlida, e a retirando do sistema65. Somente com
64
Aurora Tomazini de Carvalho descreve a presuno de validade: H, na realidade, uma
presuno posta pelo direito, de que todo o processo enunciativo introdutor de normas se deu nos
moldes das normas que o regulam, at que se constitua o contrrio. [...] Se durante o processo
enunciativo no foi alegado qualquer vcio, ao seu trmino, com a produo da norma veculo
introdutor, presume-se que tudo ocorreu nos moldes prescritos pelas normas de produo em vigor,
porque assim diz a linguagem constituda. Presume-se que a autoridade enunciativa competente e
que o procedimento realizado para enunciao o prprio, e que a materialidade do documento tem
respaldo em norma de hierarquia superior, porque sem essa presuno torna-se impossvel trabalhar
com a linguagem jurdica. [...] A presuno de que a enunciao (constituda juridicamente pela
enunciao-enunciada) e o produto por ela criada encontram-se em conformidade com as normas
que regulam sua criao, est ligada adequao (formal/material), no validade da linguagem
jurdica. (2010, p. 712-713).
65 CARVALHO, 2011, p. 114.
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46
este ltimo ato que a norma perde a sua validade por no ser compatvel com os
critrios de pertencialidade.
Logo, para esta corrente: a) norma jurdica vlida norma jurdica existente
que ingressa no ordenamento jurdico com presuno de validade que perdurar at
que a autoridade competente verifique a adequao da norma com o sistema e a
decrete invlida e retire do ordenamento, no caso de desrespeito aos preceitos
legais; e b) norma que invlida, no jurdica, mas que pode ter sido vlida e
apta a incidir e ser aplicada durante o lapso de tempo da sua existncia.
1.4. Nossa posio
Antes de expormos nossa posio, TCIO LACERDA GAMA66 destaca o
entendimento de que no h contrariedade ou contradio entre as teorias
estudadas, do qual a anlise de validade reflete o ponto de vista do observador
(validade qualidade da norma) e o ponto de vista do participante (validade
atributo da norma). Trata de uma opo de escolha entre uma ou outra teoria.
Entendemos que validade relao de pertinencialidade da norma com o
sistema. Seguimos a teoria de PAULO DE BARROS CARVALHO. Essa teoria
consegue explicar a produo de efeitos de normas jurdicas invlidas, bem como se
adequa metodologia do Constructivismo Lgico-Semntico.
Assim, no aceitamos a teoria de PONTES DE MIRANDA, que se contrape
ao nosso entendimento. Para o autor, a norma jurdica deve existir para
posteriormente verificarmos se vlida ou invlida. Esse entendimento, no se
66
GAMA, Tcio Lacerda. Competncia Tributria Fundamentos para uma Teoria da Nulidade. 2. ed.
So Paulo, Editora Noeses, 2011, p. 328.
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47
consegue explicar a existncia de normas jurdicas invlidas no sistema que so
aplicadas e produzem efeitos.
J a teoria de NORBERTO BOBBIO tem uma relao com a que adotamos,
mas se distingue. Ambas concebem a validade como norma existente, mas segundo
entendemos, a norma jurdica vlida a que ingressa no sistema, existente, e se
presume vlida, at que outra norma reconhea sua invalidade e a retire do sistema.
Com isso, pode subsistir norma invlida no sistema e produzir efeitos. Mas a teoria
de NORBERTO BOBBIO entende que norma para ser jurdica, vlida e existente,
deve ser expedida pelo agente competente e mediante o procedimento, em que o
desrespeito a qualquer dos elementos essenciais torna a norma inexistente, no
jurdica e invlida. Com isso, no existe no sistema norma jurdica invlida para ser
aplicada.
Portanto, confirmamos nossa posio de que a norma jurdica que ingressa
no sistema vlida, podendo incidir e ser aplicada para constituir o fato jurdico e
instaurar a relao jurdica, s perdendo a validade com o reconhecimento pela
autoridade competente do desrespeito aos critrios de pertinencialidade e sua
expulso. Esse processo confirmado pela existncia de normas jurdicas invlidas
que produzem efeitos no sistema.
Mas a delimitao da validade no se resume a fazer a opo por uma das
teorias. Destaca-se pela anlise das teorias estudadas de quo importante a
delimitao do campo da existncia da norma jurdica. Trata-se do ponto matriz para
circunscrever o que ingressa no ordenamento jurdico e vlido, segundo nossa
posio.
-
48
Nisso, retomamos alguns conceitos iniciais de que norma jurdica a que se
apresenta por um antecedente, com a descrio de um elemento ftico, que implica
um consequente, que prescreve a instaurao da relao jurdica e os efeitos.
No processo legislativo o legislador escolhe dentre os diversos eventos do
mundo fenomnico o fato que ir compor o antecedente da norma e ter o condo
de instaurar a relao jurdica e produzir os efeitos. Constitui-se e ingressa no
ordenamento jurdico com a sua promulgao. A publicao ato de comunicao
aos destinatrios do incio da vigncia da norma para o fim de torn-la apta a incidir
e ser aplicada.
No auto de infrao no diferente. A sua existncia determinada no
momento em que lavrado, ou seja, em que se relata no antecedente da norma o
fato jurdico ilcito e no consequente se instaura a relao entre o Fisco e o
contribuinte. A intimao do sujeito passivo ato de cincia, comunicao, da
emisso do documento em favor do contribuinte, para que exera os seus direitos.
Esse ato no serve para declarar a norma existente, vlida, mas somente para
comunicar ao contribuinte da existncia do auto de infrao.
Assim, a norma jurdica vlida a existente, que ingressa no ordenamento e
pode incidir e ser aplicada, mesmo com o desrespeito a qualquer formalidade
(critrios de pertinencialidade). No processo legislativo, com o ato de promulgao, a
norma torna-se norma jurdica vlida, e a publicao no Dirio Oficial ato de
comunicao aos destinatrios para cumprirem com suas prescries, sob pena de
sofrerem as sanes administrativas ou judiciais. No auto de infrao, com sua
lavratura, h norma jurdica vlida por presuno, que com a notificao do
contribuinte e sem apresentao de impugnao para alegar sua invalidade, produz
-
49
seus efeitos e pode ser inscrito o crdito tributrio em Dvida Ativa para que o Fisco
ingresse com a execuo fiscal e exproprie o patrimnio do devedor.
Nesse contexto, lavrado o auto de infrao h norma jurdica vlida
(existente) por presuno. A impugnao do sujeito passivo confirma ou infirma a
pertinencialidade da norma com o sistema, onde se constata se foram observados
os requisitos legais para a sua lavratura.
2. Eficcia das normas jurdicas
O termo eficcia tem vrias acepes: (i) possibilidade de produzir efeitos; (ii)
a produo dos efeitos propriamente dita; (iii) incidncia; (iv) observncia por parte
dos destinatrios (conformidade s normas)67. Pela multiplicidade de acepes,
PAULO DE BARROS CARVALHO68 prope seu estudo em trs ngulos: da eficcia
tcnica, da eficcia social e da eficcia jurdica.
A eficcia tcnica consiste na descrio do antecedente da norma jurdica de
um evento que tenha a possibilidade de ocorrer no mundo fenomnico e produzir os
efeitos jurdicos previstos no consequente. Em contraposio, ser ineficaz
tecnicamente a norma que [...] no puder juridicizar o evento, inibindo-se o
desencadeamento de seus efeitos, tudo (a) pela falta de outras regras de igual ou
inferior hierarquia, consoante sua escala hierrquica, ou, (b) pelo contrrio, na
hiptese de existir no ordenamento outra norma inibidora de sua incidncia. Dessa
forma, a eficcia tcnica consiste na possibilidade de incidir e ser aplicada a norma
67
MOUSSALLEM, Trek Moyss. Revogao em matria tributria. So Paulo: Noeses, 2011, p.
159.
68 CARVALHO, 2011, p. 115.
-
50
jurdica em razo de o ordenamento prever todas as formas necessrias para a
constituio do fato jurdico e a produo de seus efeitos.
Eficcia social o comportamento da sociedade perante a norma jurdica
imposta, em que se os destinatrios cumprem a conduta prescrita h eficcia social,
e se no houver cumprimento haver ineficcia social. NORBERTO BOBBIO
conceitua eficcia segundo esse parmetro, em que o problema de ser ou no
seguida pelas pessoas a quem dirigida69.
A eficcia jurdica a produo dos efeitos previstos no consequente da
norma, que nasce do processo de incidncia ao constituir o fato jurdico e instaurar a
relao jurdica entre os sujeitos. Trata-se da chamada causalidade jurdica. Desse
modo, a eficcia jurdica atributo do fato, uma vez que: [...] a propriedade de que
est investido o fato jurdico de provocar a irradiao dos efeitos que lhe so
prprios70.
Nesse sentido, cabe considerao de CLARICE VON OERTZEN DE
ARAJO71 quanto confuso que pode existir entre o processo de incidncia e a
eficcia jurdica:
[...] a eficcia da lei jurdica a de incidir, criando os fatos jurdicos. A
eficcia jurdica aquela decorrente da incidncia, mas que no a
incidncia em si mesma considerada. Com esta ressalva o jurista
69
BOBBIO, 2008, passim.
70 CARVALHO, 2011, p. 115. Tambm o entendimento de Pontes de Miranda (Tratado de direito
privado. Tomo V Eficcia. Direitos mutilados. Exerccio dos direitos, pretenses, aes e excees.
Prescrio. Atualizao Marcos Bernardes de Mello e Marcos Ehrhardt Junior. So Paulo: Revista
dos Tribunais, 2012, p. 59); e Trek Moyss Moussallem (2011, p. 162).
71 ARAJO, 2011, p. 101.
-
51
estabelece uma diferena entre eficcia da lei, que a incidncia, o
processo de jurisdicizao dos fatos, e a eficcia jurdica. Esta
segunda irradia dos fatos jurdicos, em decorrncia da causalidade
normativa. Assim, uma eficcia (a jurdica) interna ao mundo
jurdico, enquanto a outra (a incidncia ou eficcia legal) concorre
para a formao desse mundo.
Logo, a eficcia tcnica e a jurdica so conceitos importantes para a
dogmtica jurdica, j a eficcia social relevante para a Sociologia do Direito.
Entendemos, para fins deste trabalho, que eficcia a aptido do fato jurdico
de produzir os efeitos previstos no consequente da norma72, utilizando a acepo de
eficcia jurdica.
Na lavratura do auto de infrao, a eficcia constituda no crdito tributrio,
a partir do momento em que o Fisco tem o direito subjetivo de receber a importncia
em pecnia e o contribuinte o dever jurdico de recolher aos cofres pblicos os
valores cobrados. Assim, havendo defeitos na formao do auto de infrao pela
inobservncia dos requisitos para a sua lavratura, at a desconstituio dessa
relao jurdica, h a produo desses efeitos no ordenamento jurdico, sujeitando o
contribuinte a sofrer uma execuo fiscal aps a inscrio em Dvida Ativa do crdito
tributrio e ter seu patrimnio expropriado.
Nesse contexto, a decretao de invalidade do auto de infrao visa cessar a
produo desses efeitos, alm de determinar, segundo o tipo de vcio e espcie de
invalidade, a possibilidade ou no de o Fisco constituir novamente o crdito tributrio
por meio da lavratura de um novo lanamento de ofcio ou auto de infrao.
72
CARVALHO, 2011, p. 115.
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52
Assim, decretada a invalidade do auto de infrao poder haver: a) a extino
da obrigao tributria; ou b) a possibilidade do Fisco em 5 (cinco) anos lavrar novo
auto de infrao regularizando o vcio para torn-lo vlido e apto produo dos
efeitos.
Esses so os principais efeitos visados pelo reconhecimento da invalidade do
auto de infrao, que retomaremos no captulo IV.
-
53
CAPTULO III AUTO DE INFRAO
1. Auto de infrao
Auto de infrao palavra polissmica73. Das possveis acepes surgem
quatro correntes doutrinrias para conceituar auto de infrao: veculo introdutor de
normas jurdicas74; a norma concreta e individual que documenta uma infrao75; o
suporte fsico que insere outras normas individuais e concretas76; ou o lanamento
de ofcio77.
Antes de discorremos sobre as correntes doutrinrias, destacamos que o auto
de infrao pode constituir: a) o crdito tributrio no lanamento de ofcio e aplicar a
penalidade cabvel, denominado de auto de infrao lato sensu e subsiste com duas
normas jurdicas: a norma primria dispositiva e a norma primria sancionadora; ou
b) somente aplicar a penalidade cabvel, denominado de auto de infrao stricto
sensu e subsiste com a norma primria sancionadora78.
73
TOM, Fabiana Del Padre. A prova no Direito Tributrio. 3. ed. So Paulo, Editora Noeses,
2011/2012, p. 321.
74 CAMPILONGO, op. cit., p. 114; e GUERRA, op. cit., p. 41.
75 BORGES, Jos Souto Maior. Lanamento tributrio. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 1999, p. 155-156;
e CARVALHO, 2011, p. 324.
76 GONALVES, Jos Artur Lima. Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais. So Paulo:
Malheiros, 2002, p. 101; SANTI, 2010, p. 170; e TOM, 2011/2012, p. 321.
77 MELO, Jos Eduardo Soares de. Curso de direito tributrio. 10. ed. So Paulo: Dialtica, 2012,
p. 341.
78 CARVALHO, 2012, p. 326.
-
54
A aplicao de uma penalidade pressupe a prtica de um ato ilcito
constitudo pelo descumprimento de uma norma tributria. Assim, como no auto de
infrao lato sensu e no auto de infrao stricto sensu podem ser aplicadas
penalidades, denota-se que pressuposto para a sua lavratura a prtica pelo
contribuinte de um ato ilcito no descumprimento de uma norma tributria, que tem
como consequncia a aplicao de uma sano79.
Passamos a discorrer sobre as posies doutrinrias.
A primeira corrente, que entende que auto de infrao veculo introdutor de
norma concreta e individual, parte da concepo de que as normas jurdicas so
inseridas no ordenamento jurdico em pares: norma introdutora e norma introduzida.
A norma introdutora o veculo introdutor da norma introduzida, em que a primeira
o auto de infrao como norma concreta e geral e, a segunda, o lanamento
tributrio e a imposio de penalidade, como normas concretas e individuais. O auto
de infrao como norma concreta e geral composto de um antecedente que
constitui o fato jurdico tributrio ilcito e no consequente h a previso da
instaurao da relao jurdica tributria com os sujeitos indeterminados, mas
especificadamente, com o sujeito passivo, pois o sujeito ativo, geralmente, j est
determinado na pessoa do ente competente tributante.
A segunda corrente entende que o auto de infrao a norma concreta e
individual que no antecedente constitui o fato jurdico tributrio ilcito e no
consequente instaura a relao jurdica tributria entre o contribuinte como sujeito
passivo e o ente tributante como sujeito ativo, aplicando a sano cabvel.
79
Nosso entendimento concorda com Marcos Vinicius Neder e Maria Teresa Martinez Lpez (2004,
p. 145).
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55
A terceira corrente entende que o auto de infrao o suporte fsico que: [...]
veicula os enunciados das vrias normas que se instalam na concretude deste
substrato nico, do qual pode conter quatro atos administrativos distintos: [...] (i)
fato jurdico tributrio, (ii) fato jurdico do no pagamento, (iii) fato jurdico da mora e
(iv) fato jurdico sancionador instrumental80.
Por fim, a quarta corrente entende que o auto de infrao o autntico
lanamento de ofcio, defendendo que no art. 142 do CTN81 h previso de que o
lanamento tributrio pode aplicar a penalidade cabvel, quando for o caso, no
havendo problemas de ordem semntica na sua lavratura para constituir o crdito
tributrio e aplicar a penalidade. Ademais, defendem que o lanamento tributrio
atividade privativa da Autoridade Administrativa de constituir o crdito tributrio e
aplicar a penalidade cabvel. O lanamento de ofcio regulado no art. 14982 do CTN,
80
SANTI, 2010, p. 171.
81 Art. 142. Compete privativamente autoridade administrativa constituir o crdito tributrio pelo
lanamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrncia do fato
gerador da obrigao correspondente, determinar a matria tributvel, calcular o montante do tributo
devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicao da penalidade cabvel.
Pargrafo nico. A atividade administrativa de lanamento vinculada e obrigatria, sob pena de
responsabilidade funcional.
82 Art. 149. O lanamento efetuado e revisto de ofcio pela autoridade administrativa nos seguintes
casos: I - quando a lei assim o determine; II - quando a declarao no seja prestada, por quem de
direito, no prazo e na forma da legislao tributria; III - quando a pessoa legalmente obrigada,
embora tenha prestado declarao nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na
forma da legislao tributria, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa,
recuse-se a prest-lo ou no o preste satisfatoriamente, a juzo daquela a