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1 AULA RESUMO Karl Marx (1818-1883) Bibliografia de referência: QUINTANEIRO, Tânia, BARBOSA, Maria Lígia de O., OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1995. Introdução, p. 63-103. Aula preparada por Antônio Luiz Arquetti Faraco Júnior “Ser radical é agarrar as coisas pela raiz, e a raiz para o homem é o próprio homem.” Karl Marx O método dialético A noção moderna de dialética remete a Kant, mas é através de Hegel e Marx que a concepção dialética se firma no pensamento social ocidental. A dialética rompe com a concepção da filosofia tradicional e dominante até então que pressupunha a existência de um mundo povoado de substâncias imutáveis. A dialética hegeliana, pelo contrário, afirma a contradição, o conflito, como a própria substância da realidade, a qual se supera num processo incessante de negação, conservação e síntese (tese, antítese e síntese). Os fenômenos contêm em si um movimento intrínseco, são prenhes de negação de si. Toda oposição é necessariamente uma relação, entre os termos antagônicos existe uma unidade fundamental, isto é: a definição de qualquer um deles só se torna possível desde seu contrário o qual, ao mesmo tempo, o constitui ontologicamente. Aplicada aos fenômenos historicamente produzidos, a dialética cuida de apontar as contradições constitutivas da vida social que resultam na negação de uma determinada ordem. Os defensores da perspectiva dialética vêem nas contradições o motor da mudança social e da história. Para estes, um fenômeno social deve ser submetido à crítica de modo que suas potencialidades possam ser reveladas e, assim, atualizadas numa forma mais evoluída. Dialética idealista (Hegel) Dialética materialista (Marx e Engels) Hegel, sendo um idealista, considera que são as mudanças do espírito que provocam as da matéria. Existe primeiramente o espírito que descobre o universo, pois este é a idéia materializada. O espírito e o universo estão em perpétua mudança, mas as mudanças do espírito é que determinam as da matéria. A importância primeira é dada à matéria: o pensamento e o universo estão em perpétua mudança, mas não são as mudanças das idéias que determinam as das coisas. As idéias modificam-se porque as coisas se modificam.

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AULA RESUMO

Karl Marx (1818-1883)

Bibliografia de referência:

QUINTANEIRO, Tânia, BARBOSA, Maria Lígia de O., OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um toque de

clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1995. Introdução, p. 63-103.

Aula preparada por Antônio Luiz Arquetti Faraco Júnior

“Ser radical é agarrar as coisas pela raiz, e a raiz para o homem é o próprio homem.”

Karl Marx

O método dialético

A noção moderna de dialética remete a Kant, mas é através de Hegel e Marx que a concepção dialética

se firma no pensamento social ocidental.

A dialética rompe com a concepção da filosofia tradicional e dominante até então que pressupunha a

existência de um mundo povoado de substâncias imutáveis. A dialética hegeliana, pelo contrário, afirma

a contradição, o conflito, como a própria substância da realidade, a qual se supera num processo

incessante de negação, conservação e síntese (tese, antítese e síntese).

Os fenômenos contêm em si um movimento intrínseco, são prenhes de negação de si. Toda oposição é

necessariamente uma relação, entre os termos antagônicos existe uma unidade fundamental, isto é: a

definição de qualquer um deles só se torna possível desde seu contrário o qual, ao mesmo tempo, o

constitui ontologicamente.

Aplicada aos fenômenos historicamente produzidos, a dialética cuida de apontar as contradições

constitutivas da vida social que resultam na negação de uma determinada ordem. Os defensores da

perspectiva dialética vêem nas contradições o motor da mudança social e da história. Para estes, um

fenômeno social deve ser submetido à crítica de modo que suas potencialidades possam ser reveladas e,

assim, atualizadas numa forma mais evoluída.

Dialética idealista (Hegel) Dialética materialista (Marx e Engels)

Hegel, sendo um idealista, considera que são as

mudanças do espírito que provocam as da matéria.

Existe primeiramente o espírito que descobre o

universo, pois este é a idéia materializada. O

espírito e o universo estão em perpétua mudança,

mas as mudanças do espírito é que determinam as

da matéria.

A importância primeira é dada à matéria: o

pensamento e o universo estão em perpétua

mudança, mas não são as mudanças das idéias que

determinam as das coisas. As idéias modificam-se

porque as coisas se modificam.

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“Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de distintos modos, cabe transformá-lo.”

Karl Marx

Através da crítica da sociedade capitalista, Marx identifica no proletariado o Sujeito capaz de promover

a inevitável superação dessa forma histórica de sociedade.

O materialismo histórico

Para Marx o ponto de partida para o entendimento da história da humanidade “são os indivíduos reais,

a sua ação e as suas condições materiais de existência, quer se trate daquelas que encontrou já

elaboradas quando do seu aparecimento, quer das que ele próprio criou.”

O método de abordagem marxiano foi chamado posteriormente de materialismo histórico.

De acordo com tal concepção, as relações materiais que os homens estabelecem, o modo como

produzem seus meios de vida, formam a base de todas as suas relações.

“...A forma como os indivíduos manifestam sua vida reflete muito exatamente aquilo que são. O que

são coincide com a sua produção, isto é, tanto com aquilo que produzem como com a forma como

produzem. Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de sua produção.”

Todo fenômeno social ou cultural é efêmero e a análise da evolução dos processos econômicos e de

produção de conceitos deve partir do reconhecimento de que as formas econômicas sob as quais os

homens produzem, consomem e trocam são transitórias e históricas.

A produção e reprodução

Natureza e necessidades: a história

Para viver é necessário beber, comer, ter um teto onde se abrigar, vestir-se, etc. O primeiro fato

histórico é, pois, a produção dos meios que permitem satisfazer essas necessidades, a produção da

própria vida material. Os homens, por meio da interação com a natureza e com outros indivíduos,

buscam suprir suas carências e, nessa atividade, recriam a si próprios e reproduzem sua espécie num

processo que é continuamente transformado pela ação de sucessivas gerações.

Os animais interagem com a natureza de forma inconsciente, não cumulativa, visando atender suas

privações imediatas, enquanto que o homem produz livre da necessidade física e reproduz a natureza

inteira. Ao produzir os meios para prover-se do que precisam, os homens organizam-se socialmente,

estabelecem relações sociais, através das quais intervêm conscientemente na natureza. Ademais, o ato

mesmo de produzir gera novas necessidades, o que significa que estas não são simples exigências

naturais ou físicas, mas históricas produtos da existência social

A produção determina não só o objeto do consumo, mas também o modo de consumo, e não só de

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forma objetiva, mas também subjetiva. Os resultados da atividade e da experiência humanas que se

objetivam são acumulados e transmitidos por meio da cultura. “A própria quantidade das supostas

necessidades naturais, como o modo de satisfazê-las é um produto histórico que depende em grande

parte do grau de civilização alcançado.’’ Na busca de controlar as condições naturais, os homens criam

novos objetos os quais se incorporam ao ambiente natural, modificando-o, e passam às mãos das

próximas gerações. isto possibilita que o desenvolvimento social se dê a partir dos níveis anteriormente

alcançados. É por meio dessa ação que o homem humaniza a natureza e também a si mesmo.

O processo de produção e reprodução da vida através do trabalho é, para Marx, a principal atividade

humana aquela que constitui sua história social; é o fundamento do materialismo histórico, enquanto

método de análise da vida econômica, social, política, intelectual.

Forças produtivas e relações sociais de produção

Para Marx a sociedade era uma obra humana “o produto da ação recíproca dos hotnens”. Mas, os

homens não a determinam de acordo com seus desejos particulares.

A forma de uma sociedade depende do estado de desenvolvimento social de suas forças produtivas e

das relações sociais de produção que lhes são correspondentes.

As forças produtivas são o resultado da energia prática dos homens, mas essa mesma energia está

determinada pelas condições em que os homens se encontram colocados, pelas forças produtivas já

adquiridas, pela forma social anterior a eles, que eles não criaram e que é produto da geração anterior.

Dessa forma, é criada na história dos homens uma conexão, uma história da humanidade.

As noções de forças produtivas e de relações sociais de produção estão interligadas e a mudança em

uma provoca a mudança em outra.

FORÇAS PRODUTIVAS: conceito que remete a ação dos homens sobre a natureza, o qual busca

apreender o modo como aqueles obtêm os bens de que necessitam por meio da tecnologia, da divisão

técnica do trabalho, dos processos de produção, dos tipos de cooperação, da qualidade dos seus

instrumentos, das matérias-primas que conhecem ou de que dispõem, de suas habilidades e saberes.

Esse conceito pretende, pois, exprimir o grau de domínio do homem sobre as condições naturais.

No entanto, o trabalho não é uma atividade isolada, ao produzir, os homens entram em contato uns

com os outros, e essa interação lhes confere, além da dimensão natural enunciada na relação

homem/natureza, uma dimensão social. Segue-se que um determinado modo de produção ou estágio

de desenvolvimento industrial se encontram permanentemente ligados a um modo de cooperação ou a

um estado social determinado, e que esse modo de cooperação é ele mesmo uma “força produtiva”.

RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO: são compostas pelas formas estabelecidas de distribuição

dos meios de produção e do produto, ou as leis que regulam tal apropriação e pelo tipo de divisão

social do trabalho, expressam como os homens se organizam socialmente para produzir.

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Em resumo, o conceito de forças produtivas refere-se aos instrumentos e habilidades que possibilitam

o controle das condições naturais, e seu desenvolvimento é cumulativo. O conceito de relações sociais

de produção implica em diferentes formas de organização da produção e distribuição, de posse e

propriedade dos meios de produção, bem como em suas garantias legais, constituindo-se, dessa forma,

no substrato para a estruturação das classes sociais.

Infra-estrutura e superestrutura

INFRA-ESTRUTURA: conjunto das forças produtivas e das relações sociais de produção. É a base

sobre a qual se constituem as demais instituições sociais.

SUPERESTRUTURA: na produção da vida social os homens geram também outra espécie de

produtos que não têm forma material e que vêm a ser as ideologias políticas, concepções religiosas,

códigos morais e estéticos, sistemas legais, de ensino, de comunicação, o conhecimento filosófico e

científico, representações coletivas, etc. Este conjunto é chamado de superestrutura.

Segundo Marx, não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência.

A explicação das formas sociais (jurídicas, políticas, espirituais e de consciência) encontra-se nas

relações de produção que constituem a base econômica e material da sociedade.

A superestrutura seria condicionada pelo modo como os homens estão organizados no processo

produtivo.

“O conjunto das relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta

sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas

de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida

social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu

ser social que, inversamente, determina a sua consciência.”

Engels chegou a alertar posteriormente que a relação entre infra e superestrutura é bem mais complexa

do que se supõe

“Segundo a concepção materialista da história, o fator que em última instância determina a história é a

produção e a reprodução da vida real. Nem Marx nem eu nunca afirmamos mais do que isto. (...) A

situação econômica é a base, mas os diversos fatores da superestrutura (as formas políticas da luta de

classes e seus resultados, as constituições que, uma vez ganha uma batalha, são redigidas pela classe

vitoriosa, etc., as formas jurídicas, e mesmo os reflexos de todas estas lutas reais no cérebro dos

participantes, as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, as idéias religiosas e o seu desenvolvimento

ulterior até serem convertidas em sistemas dogmáticos), exercem igualmente a sua ação sobre o curso

das lutas históricas e, em muitos casos, determinam predominantemente sua forma.”

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Classes sociais

Classes e estrutura social

Marx não deixou uma teoria sistematizada sobre as classes sociais, a qual acabou por ser constituída a

partir dos elementos contidos em seus distintos trabalhos.

Enquanto as sociedades estiveram limitadas por uma capacidade produtiva exígua, a sobrevivência de

seus membros só era garantida por meio de uma luta constante para obter da natureza o indispensável.

É o surgimento de um excedente da produção que permite a divisão social do trabalho, assim como a

apropriação das condições de produção por parte de alguns membros da comunidade, os quais passam,

então, a estabelecer algum tipo de direito sobre o produto ou sobre os próprios trabalhadores. Vê-se,

portanto, que o aparecimento das classes sociais vincula-se a circunstâncias históricas onde a criação de

um excedente possibilita a apropriação privada das condições de produção.

As classes são uma decorrência de determinadas relações sociais de produção; constituem-se, pois, ao

nível da estrutura de uma sociedade.

A configuração básica de classes expressa-se, de maneira simplificada, num modelo dicotômico: de um

lado, os proprietários ou possuidores dos meios de produção, de outro, os que não os possuem.

Historicamente, essa polaridade apresenta-se de diferentes maneiras conforme as relações sociais,

econômicas, jurídicas e políticas de cada formação social. Daí os escravos e patrícios, servos e senhores

feudais, trabalhadores livres e capitalistas.

Além das chamadas fundamentais, cujas relações são as que, em definitivo, modelam a produção e a

formação socio-econômica, teríamos ainda as classes vinculadas aos modos de produção anteriores e

que não foram totalmente extintas ainda. “A instalação de novas relações sociais de produção com sua

organização jurídica e política e, com elas, de novas classes quase nunca representa uma completa

extinção dos modos de produção anteriores, cujas relações sociais às vezes só gradualmente vão

desaparecendo.”

Para Marx e Engels, o domínio dos possuidores dos meios de produção não se restringe à esfera

produtiva. Enfatizam que a classe que detém o poder material numa dada sociedade é também a

potência política e espiritual dominante.

“Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre outras coisas, uma consciência, e é

em conseqüência disso que pensam; na medida em que dominam enquanto classe e determinam uma

época histórica em toda sua extensão, é lógico que esses indivíduos dominem em todos os sentidos,

que tenham, entre outras, uma posição dominante como seres pensantes, como produtores de idéias,

que regulamentem a produção e a distribuição dos pensamentos de sua época; as suas idéias são,

portanto, as idéias dominantes de sua época”

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Luta de classes

Para Marx e Engels, a história das sociedades pode ser descrita como a história das lutas de classes.

A relação entre classes caracteriza-se pelo antagonismo de interesses e sustenta-se na exploração e em

diversas formas de opressão social, política, intelectual, religiosa, etc. A relação entre classes não pode

ser outra senão conflitiva, ainda que apenas potencialmente.

A luta de classes relaciona-se diretamente à noção de mudança social. É por meio da luta de classes que

as principais transformações estruturais são impulsionadas, por isto ela é considerada o “motor da

história”.

A classe explorada constitui-se no mais potente agente da mudança.

CLASSE EM SI: grupos de pessoas que compartilham determinadas condições objetivas, ou seja, a

mesma situação no que se refere à propriedade dos meios de produção.

CLASSE PARA SI: grupos que se organizam politicamente para a defesa consciente de seus interesses,

o que supõe uma identidade construída do ponto de vista subjetivo.

Marx procurou mostrar: 1) que a existência das classes está unida apenas a determinadas fases históricas

do desenvolvimento da produção; 2) que a luta de classes conduz, necessariamente, à ditadura do

proletariado; 3) que esta mesma ditadura não é mais que a transição para a abolição de todas as classes e

para uma sociedade sem classes.

Revolução

Para Marx, a evolução da sociedade se daria, num processo que combina o esgotamento das

possibilidades de expansão das forças produtivas de uma dada formação social com a dissolução das

estruturas econômicas, sociais e políticas ligadas a ela, bem como a criação de uma nova estrutura com

base em elementos já presentes na formação recém extinta.

As relações sociais de produção podem se tornar, em determinados momentos da história, um entrave

ao progresso, abrindo assim urna época revolucionária, de eclosão das contradições sociais já

amadurecidas.

A não-correspondência entre as forças produtivas e as relações sociais de produção de uma dada

sociedade é a condição material para que as classes como agentes transformadores possam exercer seu

papel revolucionário.

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A sociedade capitalista

Marx considerava a sociedade capitalista a forma de organização mais desenvolvida e mais variada de

todas já existentes. O estudo desta sociedade permitiria a compreensão de outras formações sócio-

econôrnicas anteriores e desaparecidas, como as sociedades primitivas, as escravistas, as asiáticas e as

feudais, “sob cujas ruínas e elementos ela se edificou, de que certos vestígios ainda não apagados, que

continuam a existir nela, se enriqueceram de toda a sua significação. A anatomia do homem é a chave

da anatomia do macaco.”

A compra e venda de mercadorias

A mercadoria é a forma elementar da riqueza capitalista. Ela tem a propriedade de satisfazer as

necessidades humanas, sejam as do estômago ou as da fantasia, seja como meio de subsistência ou de

produção.

O valor da mercadoria é equivalente à quantidade do tempo de trabalho gasto na sua produção, o qual

varia de uma sociedade a outra.

A mercadoria tem um valor de uso e um valor de troca, os quais são definidos através do caráter social

das necessidades, da ciência, do nível de cooperação no processo de trabalho, etc.

A força de trabalho como mercadoria

As relações de produção capitalistas implicam na existência do mercado, onde a força de trabalho é

negociada por um certo valor. O trabalhador livre que vende a sua força de trabalho como uma

mercadoria é típico do modo de produção capitalista.

O produtor vende sua força de trabalho pelo valor de um determinado salário. E como se determina

essa quantia no mercado? Através do “valor dos meios de subsistência requeridos para produzir,

desenvolver, manter e perpetuar a força de trabalho”, ou seja, tudo o que é necessário para que o

trabalhador se reproduza de acordo com um nível de vida que varia historicamente entre épocas e

regiões e de acordo com suas habilidades.

A sociedade capitalista baseia-se na ideologia da igualdade, cujo parâmetro é o mercado. Por um lado

está o trabalhador que oferece sua força de trabalho, por outro, o empregador que a adquire por um

salário. A idéia de “equivalência” na troca é crucial para a estabilidade da sociedade capitalista. Os

homens aparecem como iguais diante da lei, do Estado, no mercado, etc., e assim eles se vêem a si

mesmos.

Mas, embora o processo de venda da força de trabalho por um salário apareça corno uma troca entre

equivalentes, o valor que o trabalhador pode produzir durante o período em que se emprega é superior

ao do seu salário. A força de trabalho é urna mercadoria peculiar: ela é a única capaz de produzir valor,

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Uma parte desse valor, apropriada sob a forma de trabalho excedente, é trabalho não-pago e passa a

integrar o próprio capital. Transforma-se, assim, numa riqueza que se encontrará em oposição à classe

dos trabalhadores. O que impede o trabalhador de perceber como se dá efetivamente todo esse

processo é sua situação alienada. Em síntese, o trabalho excedente é aquele que o capital extrai

gratuitamente durante o processo social de produção.

No capitalismo, o trabalho excedente assume a forma de mais-valia. A taxa de mais-valia é a expressão

“do grau de exploração da força de trabalho pelo capital”.

O papel revolucionário da burguesia

Segundo Marx, a burguesia cumpriu um papel revolucionário. Sua ação destruiu os modos de

organização do trabalho, as formas da propriedade no campo e na cidade; debilitou as antigas classes

dominantes (aristocracia feudal e clero); substituiu a legislação feudal; eliminou os impostos e

obrigações feudais, as corporações de ofício, o sistema de vassalagem que impedia que os servos se

transformassem nos trabalhadores livres e mesmo o regime político monárquico nos casos em que sua

existência representava um obstáculo ao pleno desenvolvimento das potencialidades da produção

capitalista. Essa dimensão revolucionária da ação burguesa não se esgota com a extinção daquelas

antigas formas; além disso, a burguesia não pode existir senão sob a condição de revolucionar

incessantemente os instrumentos de produção e, com isso, todas as relações sociais.

O modo de produção capitalista estende-se a todas as nações, constrangidas a abraçar o que a burguesia

chama de “civilização”. A premência de encontrar novos mercados e matérias-primas e de gerar novas

necessidades leva-a a estabelecer-se em todas as partes. A burguesia “cria um mundo à sua imagem e

semelhança”. Ela “foi a primeira a provar o que pode realizar a atividade humana: criou maravilhas

maiores do que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos, as catedrais góticas; conduziu expedições

que empanaram mesmo as antigas invasões e as crnzadas”. Enfim, perguntam-se os autores, “que

século anterior teria suspeitado que semelhantes forças produtivas estivessem adormecidas no seio do

trabalho social?” A burguesia foi, naquele momento, a mais nítida expressão da modernidade e do

processo de racionalização.

A transitoriedade do modo de produção capitalista

Mas a nova sociedade (burguesa) não aboliu as contradições de classe. Unicamente substituiu as velhas

classes, as velhas condições de opressão, as velhas formas de luta por outras novas. Sendo as sociedades

classistas fundadas em uma contradição insolúvel, a que se dá entre suas classes fundamentais, também

o capitalismo estaria condenado a extinguir-se com a eclosão de um processo de revolução social.

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De todas as classes que hoje enfrentam a burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente

revolucionária.

Por meio de um processo revolucionário, procura-se eliminar as condições de apropriação e

concentração dos meios de produção existentes em mãos de uma classe e, a partir de então, fundar a

sociedade sobre novas bases.

Na medida em que desaparecessem as garantias da propriedade privada dos meios de produção, o

mesmo aconteceria com a burguesia como classe e com o modo capitalista de produção. Instalar-se-ia,

então, uma nova forma de organização social que, numa fase transitória, seria uma ditadura do

proletariado mas, ao realizar todas as condições a que se propôs, tornar-se-ia unia sociedade comunista.

A antiga sociedade civil será então substituida “por uma associação que exclua as classes e seu

antagonismo; já não existirá um poder político propriamente dito, pois o poder político é precisamente

a expressão oficial do antagonismo de classe dentro da sociedade civil”. Uma das premissas para a

existência dessa sociedade seria o grande desenvolvimento das forças produtivas, promovido pela

produção capitalista “pois, sem ele, apenas se generalizará a penúria e, com a pobreza, começará

paralelamente a luta pelo indispensável e cair-se-á fatalmente na imundície anterior...”. A “libertação” é

um fato histórico e não um fato intelectual, e é provocado por condições históricas, pelo progresso da

indústria, do comércio, da agricultura.

A alienação e as relações sociais de produção na sociedade capitalista

Marx reflete sobre a dificuldade de se perceber as relações sociais que parecem estar enfeitiçadas detrás

da aparência material das mercadorias.

Os trabalhos humanos tomam a forma de produtos cujos valores podem ser medidos, quando são

intercambiados, mas essa relação parece dar-se apenas entre coisas. Isto é o que Marx chama de caráter

fetichista da mercadoria, dado pela incapacidade dos homens de perceber como sociais os frutos de seu

trabalho, pois o que interessa na prática aos que intercambiam produtos é saber quanto obterão em

troca deles. Quando esta proporção adquire certa estabilidade habitual, parece-lhes proveniente da

natureza mesma dos produtos do trabalho.

Isso quer dizer que as relações sociais aparecem como se estivessem encantadas aos olhos dos homens

sob a forma de valor, como se este fosse uma propriedade natural das coisas. Através da forma fixa em

valor-dinheiro, obscurecem-se o caráter social dos trabalhos privados e as relações sociais entre os

produtores.

O trabalho produtivo acaba por tornar-se uma obrigação para o proletário. Este, que nas sociedades

capitalistas representa por excelência a categoria do não-possuidor dos meios de produção, é compelido

a vender sua atividade vital, a qual não é para ele mais do que um meio para poder existir. Ele trabalha

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para viver. O operário nem sequer considera o trabalho como parte de sua vida; para ele é, antes, um

sacrifício de sua vida. É uma mercadoria por ele transferida a um terceiro. Por isso o produto de sua

atividade não e tampouco o objetivo dessa atividade.

Dito de outra maneira, o trabalhador não se reconhece no produto que criou, em condições que

escapam de seu arbítrio e às vezes até à sua compreensão, nem vê no trabalho qualquer finalidade que

não seja a de garantir sua sobrevivência.

A direção impressa à produção é imposta aos produtores e desconsideram-se todas as suas necessidades

de realização pessoal e de bem-estar que não estejam diretamente ligadas à criação de riqueza. Em

condições de alienação, o trabalho faz com que o crescimento da riqueza objetiva se anteponha à

humanização (da natureza e do homem), sirva crescentemente como meio de exploração e só se realize

como meio de vida, por isso ele “não é a satisfação de uma necessidade senão, somente, um meio para

satisfazer as necessidades fora do trabalho”. Enquanto os homens têm que atender às suas necessidades

por meio de uma organização da produção que está fora do controle coletivo, em outras palavras,

enquanto aquela é uma produção alienada, pode-se dizer que eles não participam de maneira consciente

nesse processo.

Uma característica notável da produção capitalista é que ela se sustenta graças ao constante

aperfeiçoamento técnico e ao aumento incessante da produtividade. Condição essencial para isto é uma

divisão do trabalho, que acaba por tornar cada tarefa individual um ato abstrato e aparentemente sem

qualquer relação com o produto final. O produtor converte-se num simples apêndice da máquina e só

se exigem dele as operações mais simples, mais monótonas e de mais fácil aprendizagem.” Sendo assim,

ele é mais facilmente substituível por outro trabalhador “especializado” em atos abstratos e com

precária capacidade de negociar melhores condições de vida e trabalho. Desse modo,

Quanto menos o trabalho exige habilidade e força, isto é, quanto maior é o desenvolvimento da

indústria moderna, maior é a proporção em que o trabalho dos homens é suplantado pelo das mulheres

e crianças. As diferenças de idade e sexo perdem toda significação social no que se refere à classe

operária. Não há senão instrumentos de trabalho cujo custo varia segundo a idade e o sexo.

Comunismo Etapa na qual desaparecerão a coerção e a monopolização, por uma fração da sociedade em detrimento

da outra. Mas os escritos a respeito da sociedade comunista não se propõem a prever como ela seria,

mas colocar as possibilidades de emancipação e liberação das capacidades criadoras humanas se fosse

garantida a apropriação social das condições da existência, extinguindo-se a contradição entre o

indivíduo privado e o ser coletivo.

“Na sociedade comunista, cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe aprouver, não tendo

por isso uma esfera de atividades exclusiva, é a sociedade que regula a produção geral e me possibilita

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fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear ã noite, fazer crítica

depois da refeição, e tudo isso a meu bel-prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador,

pescador ou Critico.”

Marx e Engels procuram chamar a atenção para as possibilidades apresentadas por um sistema social

regulado de acordo com as necessidades humanas, voltado para as potencialidades criativas que os

homens livres abrigam em seu espírito.

A sociedade comunista corresponderia a uma “reconstrução consciente da sociedade humana”, pondo

fim à “pré-história da humanidade” e iniciando uma nova vida social.